alberto magno e a universidade medieval …alberto magno (1193-12803), que atuou em grandes...

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Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011 1 ALBERTO MAGNO E A UNIVERSIDADE MEDIEVAL NO SÉCULO XIII RODRIGUES, Divania Luiza (UEM) OLIVEIRA, Terezinha (Orientadora/UEM) Motivos do estudo Neste texto, objetivamos apresentar algumas reflexões sobre a Universidade no século XIII e realizar algumas aproximações à contribuição de Alberto Magno 1 , como intelectual, no processo de constituição e de compreensão desta Universidade. A intenção pela temática foi inicialmente suscitada, a partir das discussões realizadas durante o primeiro semestre do ano de 2010, na disciplina Universidade, História e Política, do Programa de Pós-Graduação em Educação - Doutorado em Educação, da Universidade Estadual de Maringá. Dentre as várias possibilidades de estudos apontadas pela disciplina, destaca-se, a reflexão sobre o papel da Universidade na sociedade do passado e do presente, especialmente, o espaço de formação e de atuação de intelectuais que a Universidade ocupou e que tem ocupado. Muitas questões emergiram das discussões, dentre elas: O que constitui o ser da Universidade? Qual é a função social da Universidade? Quem são os intelectuais? Quem são os políticos e qual a relação dos políticos com a Universidade? Em que medida o conhecimento acadêmico contribui para a atuação política e para o bem comum? O que caracteriza o campo acadêmico? É a partir desses questionamentos básicos que se busca compreender a Universidade em seu papel essencial, o “ser de uma Universidade”, a partir dos homens que a constituíram e do saber filosófico. Outro ponto que motivou o interesse pelo tema é fruto de inquietações, especialmente, suscitadas pela observação de que a Universidade atual está voltada ao atendimento de interesses econômicos. Dias Sobrinho (2010, p. 196), ao tratar sobre a Universidade contemporânea, nos lembra que a educação, enquanto fenômeno humano 1 “Alberto (1193 em Lauingen, 1280 em Köln)”. (DE BONI, 2005, p. 171)

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Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011

1

ALBERTO MAGNO E A UNIVERSIDADE MEDIEVAL NO

SÉCULO XIII

RODRIGUES, Divania Luiza (UEM)

OLIVEIRA, Terezinha (Orientadora/UEM)

Motivos do estudo

Neste texto, objetivamos apresentar algumas reflexões sobre a Universidade no

século XIII e realizar algumas aproximações à contribuição de Alberto Magno1, como

intelectual, no processo de constituição e de compreensão desta Universidade.

A intenção pela temática foi inicialmente suscitada, a partir das discussões

realizadas durante o primeiro semestre do ano de 2010, na disciplina Universidade,

História e Política, do Programa de Pós-Graduação em Educação - Doutorado em

Educação, da Universidade Estadual de Maringá. Dentre as várias possibilidades de

estudos apontadas pela disciplina, destaca-se, a reflexão sobre o papel da Universidade

na sociedade do passado e do presente, especialmente, o espaço de formação e de

atuação de intelectuais que a Universidade ocupou e que tem ocupado. Muitas questões

emergiram das discussões, dentre elas: O que constitui o ser da Universidade? Qual é a

função social da Universidade? Quem são os intelectuais? Quem são os políticos e qual

a relação dos políticos com a Universidade? Em que medida o conhecimento acadêmico

contribui para a atuação política e para o bem comum? O que caracteriza o campo

acadêmico? É a partir desses questionamentos básicos que se busca compreender a

Universidade em seu papel essencial, o “ser de uma Universidade”, a partir dos homens

que a constituíram e do saber filosófico.

Outro ponto que motivou o interesse pelo tema é fruto de inquietações,

especialmente, suscitadas pela observação de que a Universidade atual está voltada ao

atendimento de interesses econômicos. Dias Sobrinho (2010, p. 196), ao tratar sobre a

Universidade contemporânea, nos lembra que a educação, enquanto fenômeno humano 1 “Alberto (1193 em Lauingen, 1280 em Köln)”. (DE BONI, 2005, p. 171)

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e social, “[...] é atravessada por contradições e conflitos relacionados com as diversas

concepções de mundo e de interesses dos indivíduos e dos diferentes grupos sociais”.

No caso brasileiro, tendo em vista as rápidas e significativas mudanças, e

especialmente, “[...] a importância que o conhecimento adquiriu na sociedade da

informação, como principal motor da economia global, e do auge do individualismo e

da competitividade” (DIAS SOBRINHO, 2010, p. 196), a Educação Superior é

convocada a responder por grandes, díspares e contraditórios desafios. Dentre eles,

destacam-se os seguintes:

[...] os da produção da alta tecnologia, formação de mão-de-obra de alto nível, treinamento para atendimento de demandas imediatas do mundo do trabalho, formação qualificada para ocupações de tipo novo, formação para a inovação, preservação e desenvolvimento da alta cultura, recuperação da cultura popular, educação continuada, formação para o empreendedorismo, promoção da cidadania e da consciência de nacionalidade, inserção no mundo globalizado e compreensão das transformações transnacionais, capacitação de professores de todos os níveis, formação de novos pesquisadores, ascensão social de grupos desfavorecidos, impulso à grande indústria, apoio a pequenos produtores, pesquisa de ponta, tecnologia de baixo custo e de aplicação direta na agricultura e nos serviços, desenvolvimento local, nacional e regional, atendimento às carências de saúde da população, sucesso individual e tantas outras exigências carregadas de urgências e, em todo caso, de difíceis respostas. (DIAS SOBRINHO, 2002, p. 13-14 apud DIAS SOBRINHO, 2010, p. 196-197).

Observa-se, neste trecho, a pluralidade e os grandes desafios e possíveis

soluções a problemas que a Universidade precisa responder, quase que em oposição ao

saber filosófico, destacado por Lauand (1987) e Oliveira (2005). É possível observar o

quanto a Universidade está para atender às demandas econômicas, no momento atual –

às vezes, restringindo-se tão somente a essas necessidades. Por outro lado, esta situação

acaba por acarretar, também, uma pluralidade de modelos e formatos das atuais

Universidades.

Parece pertinente compreender a Universidade medieval, especificamente no

século XIII, por seu valor histórico, enquanto marco do fenômeno universitário e de

formação humana, além de que suas análises permitem a aproximação com a essência

da Universidade, o seu ser, que é filosófico, e o que a distingue de outros tipos de

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formação. Assim, estudar a Universidade no século XIII, as suas origens, são

importantes não apenas ao estudo do passado, mas é importante para o presente. Na

acepção de Oliveira (2005), referenciando D’ Irsay (1933, p. 1), “[...] as universidades

talvez sejam o maior dos inúmeros monumentos que a Idade Média nos legou.” A

Universidade é essencialmente o local do saber novo e abriga os grandes intelectuais,

como Alberto Magno e Tomás de Aquino.

Interessa ainda, estudar Alberto Magno, “[...] único cientista a quem se atribuiu a

alcunha de Magno, reservada a reis e papas” (DE BONI, 2005, p. 171), por ser

dominicano, um homem da igreja e grande intelectual, e que sua trajetória lança várias

possibilidades de estudo, dentre elas: a produção de conhecimento científico na Igreja2,

contrariando a idéia de que a os homens da Igreja não contribuíram ao campo científico,

a influência do pensamento aristotélico na produção acadêmica, a relação de mestre

com Tomás de Aquino.

No entanto, é importante registrar que há poucos estudos no Brasil sobre a obra

de Alberto Magno. Muitas das informações relacionadas a Alberto são encontradas nas

pesquisas sobre seu discípulo Tomás de Aquino, o que indica a necessidade da pesquisa,

o que por outro lado, indica a escassez de fontes secundárias em nosso país, entretanto

as obras originais estão disponíveis em outras línguas.

Vale destacar, ainda, que Alberto Magno é aqui entendido como intelectual, que

percorre a Universidade, a vida em sociedade, que transita pela universalidade, que o

conhecimento produzido por ele representa politicamente a comunidade - e não apenas

possui status e poder, mas, também, e, especialmente um papel social. Como intelectual,

compreende-se que Alberto é expressão de um homem que não limita suas atitudes ao

pequeno mundo de interesses particulares, mas que está a serviço de interesses sociais, o

que pode levar a entender a universidade como local de trabalho, a partir do qual o

intelectual pode contribuir para o bem comum.

Pensar Alberto Magno como intelectual e sua contribuição à Universidade e ao

bem comum faz-se necessário, primeiramente, caracterizar o surgimento da

2 “A ideologia cristã definiu uma estrutura de saber completo: um saber que limita e orienta a doutrina teórica e o conhecimento, que orienta as experimentações técnicas e os desenvolvimentos tecnológicos; um saber que legitima a estrutura social”. (LOPES, 2003).

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Universidade no século XIII, o que se aproxima da relação com a essência de ser

Universidade.

Universidade e intelectuais no século XIII: a presença de Alberto Magno

No contexto atual, o papel essencial da Universidade parece diluído em meio ao

atendimento de interesses e de grupos sociais, o que demanda questionar como fica a

formação do intelectual. Quem são os intelectuais ou o que deve ser o intelectual? Para

compreender o papel essencial da Universidade e do intelectual parece pertinente olhar

para a história, especialmente, o período medieval. Sobre o surgimento da Universidade,

no século XIII, que não se trata de um fato isolado, mas como instituição histórica,

Oliveira (2005, p. 5) esclarece que: “[...] o amadurecimento das transformações sociais

que estavam ocorrendo na sociedade medieval desde os fins do século XI, perpassando

o século XII e atingindo seu ápice no século XIII [...]”, é conhecido de forma justa,

como o século das corporações de ofício. Esse processo de transformação teria

contribuído com o nascimento e desenvolvimento das Universidades medievais.

Para Oliveira (2005, p. 29) a Universidade foi criada como um espaço de busca

pela universalidade do saber. Nesse sentido, destaca que

[...] não podemos pensar a Universidade medieval como uma simples instituição do mundo feudal, mas como a instituição criada pelos homens para preservar e criar o conhecimento universal, um espaço novo onde o conhecimento cristão assimila, rechaça, convive com o mundo pagão e produz um mestre do quilate de São Tomás.

Na sociedade medieval o papel de formação da Universidade e do intelectual se

expressa de modo claro. O intelectual está no poder, no momento que planeja, age,

mesmo que não tenha um cargo “político”. A coerência intelectual/política, na

sociedade medieval, deveria corresponder a uma posição/atitude teórica.

Oliveira (2005, p. 23), por sua vez, ao referenciar De Boni, afirma que a

Universidade na sociedade medieval, considerada como “corporação dos profissionais

do saber”, “como portadora do novo”, “[...] era o local onde formava a ‘nova classe de

indivíduos’ que a sociedade necessitava. [...] Enfim, tudo o que era original e dizia

respeito às novas técnicas, estava sob o conhecimento e a proteção das Universidades.”

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Os intelectuais na sociedade medieval não podiam desvincular-se da sociedade,

da realidade; a produção de conhecimento estava articulada aos interesses da sociedade.

Desse modo, Oliveira (2005, p. 12) destaca que o intelectual, naquela sociedade,

precisava “ligar-se ao mundo prático”. A mesma autora, ao referenciar Le Goff, afirma

que o intelectual, no mundo medieval,

Sendo um homem de ofício, ele tem que saber fazer a ligação entre a ciência e o ensino. O intelectual tem clareza que o conhecimento não pode ser entesourado. Ao contrário, precisa ser divulgado na sociedade. O ensino deve, também, ter uma razão, cumprir um papel na sociedade.

Lopes (2003) se aproxima dessa discussão ao esclarecer que o “cristianismo

prático do medieval” influenciado pela contribuição do pensamento islâmico, “do

conhecimento das formas Aristotélicas de pensar o mundo”, integrou no saber da época

a experimentação técnica, a curiosidade e a determinação de evoluir nas formas de atuar

sobre a natureza. Desse modo, o mesmo autor explica a influência de Aristóteles no

pensamento cristão dominicano de Alberto Magno e Tomás de Aquino:

Com este impulso, a curiosidade técnica medieval implicou a evolução do saber teórico para além do controlável: a recuperação de Aristóteles, através das traduções islâmicas desde Averróis estruturaram o pensamento de cristãos dominicanos como Alberto Magno e Tomás de Aquino cem anos depois; justificou a exploração da busca da verdade através da experiência, o que implicou a complexização das interpretações intelectuais: a confirmação do Deus único e de Roma como o centro do Universo, aproveitando a concepção aristotélica da Esfera Celeste e proclamando como divina a força que a mantém em movimento, da Terra no seu centro, transformando a sede da Cristandade no centro desse Cosmos Divino, conferindo-lhe a necessária legitimidade reguladora do catolicismo [...].

Alberto Magno (1193-12803), que atuou em grandes Universidades,

especialmente, a Universidade de Paris – onde estudou de 1243 a 1248 – e de Colônia –

onde foi professor, entre 1249 e 12534 - pode se constituir em um grande exemplo de

intelectualidade no século XIII e sua trajetória auxilia no processo de compreensão da

3 Pizzinga (2008, p. 5) insere como data de vida de Alberto Magno: “1193 ou 1206 a 1280”. 4 DE BONI (2005, p. 171).

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própria universidade. No século XIII, momento em que a Universidade se constitui no

grande centro de produção de saber novo, Alberto, estudioso de Aristóteles, mestre de

Tomás de Aquino - e, com quem construiu uma carreira acadêmica - dedicou-se a várias

áreas do conhecimento e elaborou uma vasta produção acadêmica5.

Alberto Magno, como um dos cientistas da Idade Média que mais escreveu, em

Textos sobre o método e a ciência: Sobre a alma, ao tratar sobre o fim supremo do

homem, cita: “Portanto, o fim último e o ideal supremo da alma é a felicidade da

contemplação da verdade, para o que o ordenamento da vida social é apenas condição

material e disposição. Fica claro, que há apenas um fim supremo para o homem (Sobre

a Ética)”. (MAGNO, 2005, p. 183).

As questões postas sobre o período medieval nos conduzem a alguns

questionamentos e reflexões, tais como: em que medida a contribuição dos intelectuais

tende para o bem comum? Como essa contribuição se expressa em ações voltadas para a

coletividade? Como a universidade tem contribuído com a formação de intelectuais

capazes de governar em prol do bem comum? Homens e mulheres capazes de, pelo

conhecimento, tornarem-se sábios e, pela sabedoria, desenvolverem a arte de bem

governar, que não é menos do que considerar o bem comum como o objetivo-fim. Nesta

perspectiva, podem-se tecer as seguintes questões relativas à contribuição de Alberto

Magno, como intelectual, no processo de constituição e de compreensão da

Universidade, no século XIII: Qual a contribuição de Alberto Magno para o campo

acadêmico no século XIII? Qual a contribuição do conhecimento produzido por Alberto

para o atendimento dos interesses sociais no século XIII? Em que medida o papel do

intelectual Alberto Magno no século XIII possibilita pensar o pensamento intelectual

atual? Quais as possíveis contribuições do pensamento intelectual da Idade Média ao

entendimento da Universidade atual? Em que medida a Universidade do século XIII nos

permite compreender ou buscar reflexão acerca do intelectual na atualidade?

5 Segundo De Boni (2005, p. 171) “Alberto foi dos autores medievais que mais escreveu, e tratou sobre todos os assuntos. A edição crítica de sua obra, há anos sendo feita pelo ‘Albertus-Magnus-Institut’, em Bonn, deverá constar de 40 volumes, alguns subdivididos em diversos tomos.”

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3. O ser da Universidade: aproximações com o pensamento de Alberto Magno

Neste texto, primeiramente, serão apresentadas algumas ideias de autores a

respeito do significado de “universidade”; em seguida, considerações sobre o ser

filosófico da universidade; depois, apresentar alguns aspectos relacionados a Alberto

Magno e sua relação com a essência de ser da Universidade.

Verger (1990, p. 48), destacado por Oliveira (2005) como pertencente ao grupo

de historiadores que interpretam a Universidade a partir dos acontecimentos históricos

sobre seu surgimento, suas origens e características, situa o sentido etimológico de

Universidade, que no latim medieval, significa, ao mesmo tempo: studium e universitas.

Para ele, “studium significava estabelecimento de ensino superior, universitas designava

a organização corporativa que fazia funcionar o studium e garantia sua autonomia”.

Para Nunes (1979, p. 211), referindo-se à Universidade como uma criação

original da Idade Média, “[...] o termo universidade só começou a ser usado em latim e

a ser aplicado às escolas de certo tipo durante o século XIII”. Para ele, no século XII, o

termo “universitas” havia sido usado com o sentido de associação ou corporação de

ofício. Contudo, no século XIII, nessa mesma acepção, o termo “[...] passou a ser

empregado para designar as corporações de mestres e estudantes que se consagravam de

modo organizado ao estudo das artes liberais, do direito, da medicina e da teologia”.

O mesmo autor também afirma que

Entre os romanos o termo universitas designara um colégio, uma associação. Na Idade Média aplicou-se a um conjunto de pessoas, usou-se como fórmula de tratamento no início das cartas, universitas vestra, “a todos vós”, que soava como a nossa fórmula ‘prezados senhores’, e também serviu para designar uma pessoa jurídica tal como universitas mercatorum, a corporação dos comerciantes. Desde o fim do século XII, à imitação das guildas dos mercadores, passou-se a falar das corporações de mestres e estudantes, universitas magistrorum et scholarium, que eram, com efeito, autênticos trabalhadores intelectuais (NUNES, 1979, p. 212).

É possível observar que tanto o termo, quanto a própria instituição em si, seus

objetivos, são históricos. Sendo assim, é fundamental o questionamento sobre o ser da

universidade. Podemos dizer que existem muitos intelectuais preocupados com esta

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questão, pois, em tese, pensá-la e respondê-la implica pensar sobre o próprio

compromisso com a sociedade na qual vivemos e como as instituições universitárias

desempenham papel de relevo ou não em sua transformação ou estagnação.

Entre os intelectuais que se preocupam com o “ser” da universidade, está Lauand

(1987, p. 23) que, na obra O que é uma Universidade?, questiona de forma enfática: “O

que deve ser uma Universidade?”. Sua resposta, certamente gerada com base em muitas

reflexões, evidencia uma das características do intelectual: o filosofar. Evidencia,

também, que é – ou deve ser – característica do intelectual-filósofo o compromisso com

o conhecimento em suas diversas dimensões e com o homem entendido como um ser

total. Desse modo, responde: “[...] se filosofar é perguntar pelo ser, a questão sobre o ser

da Universidade pressuporá necessariamente a indagação pelo ser do homem”.

Também refletindo sobre o ser, a essência da universidade, Oliveira (2005, p.

29) afirma que, como uma grande instituição humana, a Universidade “[...] só pode ser

entendida como o local onde, efetivamente, os homens viveram, vivem e difundem suas

experiências mais profundas e importantes no que diz respeito à busca do conhecimento

total, da verdade.”

Roque Spencer ao relatar os motivos que levaram Luiz Jean Lauand (1987, p.

14) a solicitar a escrita do prefácio do livro O que é uma Universidade?, reafirma a sua

quase que pregação constante, a

[...] defesa em favor de uma universidade responsável, em que prevaleça a liberdade acadêmica e voltada para a idéia do saber como um fim valioso em si mesmo, independente até de suas aplicações para a transformação mental e moral de nosso País, condição de sua redenção política, social e econômica [...].

Esta defesa independe de opção filosófica, pois como reafirma Spencer: “[...]

basta para alinhar-se com ela, amor ao saber, probidade intelectual e respeito humano”

(LAUAND, 1987, p. 14). O autor lembra que esta pregação, no entanto, não se

compadece do dogmatismo e do ranço ideológico, pois a essência da Universidade é o

pluralismo. É interessante observar, que Spencer ao lutar, por quase 30 anos, por esta

Universidade deixa transparecer, que este sentido de Universidade não confere, de fato,

com a realidade atual. Observa-se que a Universidade atual está estreitamente ligada tão

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somente ao critério de produtividade, de uso imediato, de objetivos práticos e de

formação profissional e de forma precária.

Ruy Nunes (LAUAND, 1987, p. 26) que referencia a obra de Josef Pieper6, ao

tratar sobre o caráter livre do filosofar na Universidade, pontua que mesmo nas

universidades que se orientam por objetivos práticos deve prevalecer o “espírito

filosófico, indagador, universalista e crítico”.

Acadêmico, explica Pieper, significa filosófico, e um estudo sem filosofia não é um estudo acadêmico. Este consiste na atitude teórica de busca da verdade sem a preocupação imediatista de uso, da prática, do lucro [...] não basta que figure no seu currículo alguma disciplina filosófica, mas é precso [sic] que os seus mestres sejam animados pelo eros filosófico, é necessário que se perceba na universidade algo mais que pura preocupação com o resultado útil e imediato.

Nesta perspectiva, Oliveira (2005, p. 25) destaca que a Universidade no sentido

filosófico possui como “[...] premissa entender o ser na sua essência. Sua busca de

conhecimento não tem a intenção de solucionar uma questão imediata, mas a de

entender o conhecimento em si”. Ao referenciar Rüegg, a autora afirma que se as

Universidades medievais tivessem se orientado por atender aos interesses imediatos de

grupos e instituições teriam sucumbido ao findar o atendimento das necessidades

daquele momento. No entanto, isso não ocorreu, especialmente, porque a Universidade

possuía um papel formador claro e respondia às questões sociais daquele momento.

Neste ponto, vale lembrar Pieper, a partir de Lauand (1987, p. 62), que nos

explica que o mundo do trabalho, caracterizado pelo mundo da utilidade, de fins

imediatos, de resultados, de necessidade de produtividade, é sinônimo de “atividade

útil” e que se rege pela meta da “utilidade comum”. “O mundo do trabalho se dirige à

utilidade comum, conceito que deve ser diferenciado do de bem comum.” (LAUAND,

1987, p. 62). Sem desconsiderar a essência do mundo do trabalho, o autor adverte que a

confusão entre “bem comum” e “utilidade comum”, pode constituir-se em uma ameaça

de totalitarismo do mundo do trabalho, de “[...] assenhorear-se de modo definitivo e

exaustivo do conteúdo concreto do bem comum, regulando não só a mineração e as 6 Josef Pieper nasceu em 1904, em Elte (Westfália); é um dos mais famosos e difundidos filósofos da Alemanha na atualidade. No livro “O que é uma universidade?” Lauand (1987, p. 19) toma como objeto de estudo o “caráter filosófico da Universidade na Filosofia da Educação de Josef Pieper”.

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hidroelétricas como também os planos docentes das universidades e a atividade dos

artistas e dos filósofos.” (Idem). É importante destacar que a Filosofia e o filosofar não

se distanciam da realidade cotidiana do mundo do trabalho, no entanto, o que se

expressa, atualmente, é que a filosofia e o filosofar são desnecessários às questões

práticas, vistas como “verdadeiramente importantes”.

Nesta perspectiva busca-se compreender Alberto magno, como estudioso no

período medieval e, que está interessado em “filosofar” a realidade, as questões práticas

e de interesse social para a sociedade medieval.

Alberto Magno, parafraseando Lopes (2003), ao integrar as aplicações técnicas

ao conhecimento teórico, divino, “[...] assegurou a estabilidade e a prosperidade do

pensamento medieval tendo contribuído para o desenvolvimento do saber até ao ponto

de ruptura da sua própria unidade [...]. A base do pensamento de Alberto, subsidiado

pelos estudos de Aristóteles, faz opção por este em se tratando de ciência e de filosofia:

Tome-se pois por princípio que, em questões de fé e de bons costumes, Agostinho deve ser preferido aos filósofos, caso haja idéias diferentes entre eles. Mas, em se tratando de medicina, tenho mais confiança em Galeno ou Hipócrates que em Agostinho; e se falar sobre ciências naturais, tomo em maior consideração a Aristóteles ou a outro especialista no assunto (II Sent. d. 13, a. 2). (DE BONI, 2005, p. 173).

Considerando que, segundo Aristóteles (1999, p. 146), o homem é o único ser

que tem “noção de bem e de mal, de justiça e injustiça”, é que podemos pensar os

homens formados por e para esta sociedade. Pensar a Universidade implica pensar a

educação e a formação do homem, capaz de observar e dirigir a sociedade para o viver

bem e para a verdade.

Como intelectual outro ponto que merece destaque na vida e na obra de Alberto,

está a fidelidade aos princípios e ao conhecimento que produziu, lutando por suas

convicções até o fim de sua vida, mostrando-se fiel também a memória de Tomás de

Aquino. Alberto Magno e Tomás de Aquino “foram solidários até o fim”, o que se

expressa nesta bela passagem de Marie-Joseph Nicolas, ao escrever o texto introdutório

do volume I da Suma Teológica.

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Quando, após a morte de São Tomás, sua doutrina se tornou alvo de suspeita, por excesso de aristotelismo, Alberto, idoso, vai a pé de Colônia a Paris, para defender a memória do discípulo e, com ela, a obra de sua própria vida. (AQUINO, 2003, p. 24).

Outro aspecto relevante na trajetória acadêmica de Alberto Magno é a atuação na

Universidade de Paris, criada entre os anos 1200 e 1215, que constituía-se no centro do

debate intelectual no século XIII. Nesta Universidade, Alberto Magno procurou

introduzir o pensamento aristotélico no ensino de artes liberais. Esta atuação de Alberto

atraiu grandes pensadores à Paris, dentre eles, Tomás de Aquino, que o acompanha em

Paris e Colônia. (MARQUES, 2010).

A Universidade de Paris é marcante nos estudos desse período. Ao tratar sobre

as instituições medievais e privilégios, Verger (1990, p. 48) afirma que:

[...] em Paris, não se deve esquecer que a preponderância pertencia aos mestres em Artes [...] o reitor da faculdade de Artes era o verdadeiro chefe da universidade e os doutores em Teologia, Direito e Medicina eram reduzidos a um papel secundário.

Referenciando Pieper, Oliveira (2005, p. 29) afirma que, por considerar “[...] a

Universidade medieval como uma instituição voltada para a busca do conhecimento

universalista”, é que se pode afirmar que “a Universidade de Paris é o centro da

cristantandade”, por se dedicar ao estudo da Teologia e da Filosofia, as duas áreas do

conhecimento que permitem a total compreensão do homem. A universidade “é o novo

espaço que a cristandade latina encontrou para produzir e buscar conhecimento”.

(OLIVEIRA, 2005, p. 28).

Verger (1990, p. 61) adverte sobre um ponto relevante no estudo dos aspectos

sociais da história das universidades que, sendo corporações autônomas, e por estarem

ligadas a todos os debates e tensões e de muitos modos à sociedade do século XIII, “[...]

é preciso usar um conhecimento geral da sociedade e da história da época”.

Desse modo, compreendendo a relevância e ao mesmo tempo a complexidade do

pensamento de Alberto Magno, objetiva-se aqui, refletir sobre o papel da Universidade

na sociedade medieval, especialmente, o espaço de formação intelectual que a

Universidade ocupou o que demanda novas possibilidades para compreender o “ser de

uma Universidade”.

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Embora existam muitas produções referentes a Tomás de Aquino, discípulo de

Alberto, e sobre os dominicanos, até o momento, parece haver poucos trabalhos que

enfoquem a relação de Alberto Magno, com o ser da Universidade no século XIII.

Observa-se que a trajetória acadêmica de Alberto Magno, inspirado em

Aristóteles, marcada “[...] pela exploração da busca da verdade através da experiência, o

que implicou a complexização das interpretações intelectuais [...] (LOPES, 2003) é

fundamental na compreensão da educação e da Universidade no século XIII.

Assim, acredita-se que o desenvolvimento do estudo é importante no

esclarecimento da relação de Alberto Magno, como intelectual, no processo de

constituição do ser da Universidade no século XIII.

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Page 13: ALBERTO MAGNO E A UNIVERSIDADE MEDIEVAL …Alberto Magno (1193-12803), que atuou em grandes Universidades, especialmente, a Universidade de Paris – onde estudou de 1243 a 1248 –

Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011

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