alegria, tristeza e o álcool vistos por crianças* · carinhosa (namoro, casamento, gravidez, ......
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VOLUME III, Nº2. MARÇO/ABRIL 2001
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Ao propormo-nos abordar este tema, pretendemosapreciar a bipolaridade alegria/tristeza através daexpressão infantil, utilizando como suporte o testemunhodirecto das crianças.Deste modo vamos essencialmente basear-nos nasredacções elaboradas por alunos duma turma de umaescola de Ovar, utilizando uma pequena amostra de 23crianças, composta por 14 raparigas e 9 rapazes, comidades compreendidas entre os 8 e os 10 anos.Foi-lhes pedido uma composição escrita e ilustradacom um desenho, sobre: "a alegria e a tristeza naspessoas", de que procuramos partilhar váriasexposições, salientando alguns acontecimentos designificação emocional para a criança, recorrendo ássuas citações e mesmo transcrevendo na integra algumasredacções que nos mereceram particular interesse.
• "A alegria é uma coisa muito bonita, e eu admiro
muito.
Estes dias tenho visto na rua muitas pessoas contentes
e outras tristes.
As pessoas estão contentes por algum motivo, por
exemplo: porque lhe correu bem o trabalho, porque
arranjou um namorado ou namorada, vai-se casar, etc.
A tristeza é uma coisa triste, escura, dura, etc.
As pessoas quando estão tristes é porque alguém
morreu, alguém está doente, etc.
Eu gosto muito mais da alegria do que da tristeza. "
• "A alegria e a tristeza são diferentes.
Quando acontece alguma coisa a alguém de bom, há
alegria, brilha na pessoa.
A tristeza é quando uma pessoa morre a tristeza
aparece na pessoa.
Quando alguém tem um acidente e fica paraplégico,
a vítima chora de tristeza. Quando o sol é muito quente,
faz fogo na floresta e os animais morrem.
O mundo em paz é a maior alegria que podia acontecer.
Isto é que é a alegria e a tristeza."
Alegria, tristeza e o álcoolvistos por crianças*
A alegria e a tristeza correspondem a estados de ânimo,
intimamente correlacionados com as emoções ou
afectos experienciados, sentimentos estes que fazem
parte da vivência normal do ser humano, e que podem
ser desencadeados em função de determinados
acontecimentos, situações ou expectativas.
• "A alegria das pessoas é feita pelo amor, amizade e
felicidade.
A tristeza é feita pela ingratidão e pela maldade.
Todas as pessoas têm alegria e tristeza."
• "Sem a alegria não havia pessoas, não vivíamos .
A alegria é por exemplo, há muitas maneiras de dizer,
quando nasce um filho, quando se casam.
A tristeza é quando uma pessoa morre. "
Graficamente, para além da representação da
expressividade facial a traduzir o sentimento alegre
( ) e triste ( ), destacam-se as imagens de corações
(Y) e o sol (R) - simbolizando a alegria, e das cruzes
(V) e doentes acamados, - representando a tristeza.
A ALEGRIA - surge frequentemente relacionada com
amor, amizade, companhia, convívio, brincadeira,
divertimento.
Citando mais alguns exemplos:
• "... Eu tenho andado contente, brinco com os meus
amigos, faço desporto...
...e também quando vou passear com o meu pai...".
• "A alegria é ter alguma coisa, é ter uma coisa muito
contente, por exemplo ter um irmão, serem amigos uns
dos outros, os animais serem amigos das pessoas e
etc...".
• "...uma pessoa quando há amigos, gosta de estar
entre os amigos...".
"...e a alegria que faz bem a todas as pessoas.
Os pássaros fazem companhia a pessoas de idade.
Paula Barrias
Psiquiatria da Infância
e Adolescência do
Departamento de
Psiquiatria do Hospital
Padre Americo - Vale
do Sousa
José Barrias
Psiquiatra
Director do Instituto
de Alcoologia,
Professor Convidado
do Instituto Superior
da Maia
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Alegria que é ver uma pessoa a nascer e a tristeza é ver uma pessoa
triste".
A TRISTEZA- aparece muitas vezes associada à morte, mas
também é conotada com outros acontecimentos trágicos, como
desastres, destruição, doença. ..
Transcrevendo outras citações:
• "...O meu pai anda triste porque o meu avô anda doente. E eu
também às vezes ando triste.
...Todos os dias há uma ou mais pessoas que andam muito tristes,
porque alguém morre ou está doente...".
• "...A tristeza...por exemplo estragarem as árvores, matarem as
plantas, poluir os rios, o mar, a ribeira e todas essas coisas. ..".
• "...Quando há um funeral de alguém há pessoas que choram...".
( o chorar como um indicador afectivo )
Como temos vindo a apreciar e procurando ainda ilustrar outros
testemunhos, têm-se observado que a Alegria é evidenciada em
situações agradáveis, gratificantes, de obtenção de ganhos, de
estabelecimento de laços afectivos...
A Tristeza, sobressai em situações penosas ou de ameaça, como
no caso da doença, morte, perda, pobreza, guerra..., sem esquecer
o que acontece noutras paragens.
• "A alegria é quando uma pessoa ganha alguma coisa, quando
as pessoas pobres recebem alguma coisa.
A tristeza, por exemplo, os habitantes de Moçambique andam com
tristeza porque o País deles está todo estragado."
• "Em Timor há muita tristeza porque não há comida, e não há
camas para dormirem, há pouca alegria, e não têm igrejas para se
casarem e ter filhos.
São muito pobres, não têm dinheiro para comprar prendas, para
arranjar emprego.
• A alegria deles era ter uma igreja para se casar, para terem filhos,
para terem dinheiro para comprar prendas e arranjar emprego."
• "A alegria em Timor é pouca. E a tristeza é muita porque havia
guerra, mas agora estão mais alegres, porque a guerra acabou...".
Na globalidade ao analisar as observações registadas sobre os
afectos Alegria / Tristeza, pudemos constatar que na grande maioria
das exposições, estes estados emocionais estão conotados com
situações intimamente correlacionadas com VÍNCULOSAFECTIVOS:
A Alegria é associada a situações de apego, de intimidade afectiva
carinhosa (namoro, casamento, gravidez, nascimento).
A Tristeza é mais frequentemente associada a situações de
separação/perda.
Sendo a tristeza uma reacção normal e até saudável a qualquer tipo
de infortúnio, não será de estranhar que o afecto correspondente à
tristeza surja muitas vezes associado a situações de luto ou pesar,
como pôde evidenciar-se na maioria destas composições, em que os
episódios de tristeza estão frequentemente relacionados com a morte.
Na literatura existem controvérsias e incertezas acerca das ideias
infantis sobre a Morte, até porque sobre esta temática pesam
considerações como: o momento evolutivo da criança, as tradições
culturais da família de origem, experiência individual de perda, a
forma e o conteúdo das explicações dadas, tarefa esta que
habitualmente se afigura muito delicada e complexa.
É portanto plausível admitir que as crenças e/ou as convicções das
crianças acerca da representação e compreensão da morte, sejam
também muito variadas.
De qualquer modo a dimensão afectiva do problema, que corresponde
sempre a uma situação de perda, é traduzida por um afecto doloroso,
evidenciando-se o sentimento de tristeza, como aliás tem vindo a
ser registado, havendo também nalguns casos referências a
experiências pessoais traumáticas de perda de pessoas amadas.
• "...A tristeza é quando alguém morre. Na minha família, por
exemplo, a minha irmã que já morreu. "
• "Quando a minha avó morreu foi uma grande tristeza...".
Um facto curioso prende-se, ainda, com a identificação de estados
de ânimo de tristeza, com situações em que está patente a presença
de contrariedades ou a não satisfação dos desejos e que no fundo
retracta um aspecto característico e/ou particular da infância. A
criança no seu processo gradual de crescimento e ganho de
maturidade, vai sendo constantemente posta à prova, confrontada
entre o desejo e a realidade, com necessidade de ir adaptando e
controlando as suas emoções e afectos, nomeadamente quando
exposta à frustração, que faz parte do desenvolvimento psicoafectivo
normal de toda a criança, que vai tendo que se conformar com os
pedidos, proibições, regras, numa constante dinâmica interna de
discriminação e interiorização.
Citando alguns extractos bastante sugestivos:
• "Eu fico triste quando quero uma coisa e não a tenho, ou quando
atontece alguma coisa de mal.
Quero uma bola e não a tenho, ou quando morre alguém da minha
família.
E fico feliz quando acontece aquilo que eu quero. "
• "Eu às vezes estou contente porque os meus pais deixam-me ir
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a um sítio com o meu irmão.
Eu às vezes estou triste porque o meu pai e a minha mãe não me
deixam ir a um sítio com o meu colega.
...A minha mãe deixa-me ir às vezes lá para fora jogar à bola, andar
de bicicleta. E às vezes a minha mãe não me deixa ir lá para fora,
porque vou fazer contas de dividir e fazer duas páginas de fichas
de leitura."
• "...Eu às vezes estou contente porque me acontecem coisas muito boas...
E às vezes estou triste porque me acontecem coisas muito tristes.
E quando me acontecem coisas mais ou menos, eu fico um bocadinho
magoada..."
Transcrevendo agora estas duas composições, que também focam
este aspecto, para além de transmitirem outras mensagens:
• "A tristeza que as pessoas têm, é quando perdem os filhos, quando
perdemos os jogos, qualndo uma pessoa da família morre,quando
perdemos as coisas.
Quando nós estamos com alegria, é quando nós vamos a um
aniversário, quando os nossos pais nos compram coisas, e quando
vamos para a escola trabalhar. "
• "Quando há tristeza é quando alguma pessoa da nossa família
morre ou quando acontece algum desastre. E também quando nós
queremos alguma coisa e não a podemos ter.
A alegria é quando uma pessoa está grávida, quando se recebe
alguma prenda, ou quando não há poluição.
Outros aspectos interessantes a salientar, que podemos retirar
destas exposições:
- o papel da interacção pais-filhos, tradutora do estabelecimento
de laços afectivos, fonte de intimidade e afecto à qual está subjacente
a protecção, o apego, os cuidados prestados, a harmonia e equilíbrio
emocional, ou sintetizando numa só palavra, a alegria.
• "A alegria é quando nasce um bebé, o amor da mãe para o filho.
A alegria é ter um amigo melhor do mundo.
Ela é a irmã mais nova do amor.
A tristeza é desagradável, maldosa e monstruosa, é escrava do
diabo. "
• "A alegria é uma coisa que faz muito bem às pessoas. Como ter
um filho, é a alegria do homem que queria ser pai, e dal mulher que
quer ser mãe.
Só que ás vezes há desilusão. Como a morte do seu filho que eles
esperavam há muito e que agora já não podem ter mais filhos. "
- o papel de comunicação das emoções e transmissão dos afectos,exteriorizados através da linguagem não verbal, nomeadamente aexpressão facial a traduzir o estado de ânimo. As pessoas deixam transparecer os seus sentimentos de alegriae/ou tristeza, realçando aqui a "linguagem do sentimento"; dasemoções sentidas e transmitidas por uns e captadas pelos outros.Salientando algumas citações:
• "...E quando estou contente e feliz, vou dizer à minha mãe, etambém conheço bem nos olhos da minha mãe que está feliz,contente."• "Eu às vezes passo pela rua e as pessoas andam tristes e outrascontentes......Há sempre alguém que anda triste".
Transcrevendo ainda a este propósito estas duas composições:• "Eu, na rua, muitas vezes vejo nos olhos das pessoas a alegria.Elas estão contentes, os olhos têm um sorriso, elas pulam, estãomuito felizes.Mas também vejo a tristeza. Ela é má porque põe as pessoastristes,amuadas, as pessoas começam por causa da tristeza a chorar,sentem uma angústia.Que triste é a tristeza! Até nos olhos delas vejo a tristeza."A alegria é magnífica!A tristeza é má!• "Eu vejo alegria quando as pessoas estão contentes, e vejotristeza quando as pessoas estão tristes.A alegria é melhor que a tristeza.A alegria é a luz, e a tristeza é a escuridão.
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A alegria é uma coisa feliz e a tristeza é uma coisa infeliz.Quando nasce um bebé as pessoas ficam felizes, e quando alguémchora as pessoas ficam tristes."
- aproveitando as ideias e mensagens contidas nestas duascomposições e procurando também abranger a dimensão globaldos conteúdos expressos por estas crianças, ocorre ainda realçaroutros aspectos a destacar.
- e ainda quantificando entre EXTREMOS e EXCESSOS:
• " Há pessoas que têm muita alegria.
E outras que têm muita tristeza. As pessoas que ficam sem casa,
trabalho,comida e etc.
A alegria é renascer e ser outra pessoa, e ter no mundo a felicidade toda.
A alegria é o amor."
• "Uma pessoa quando perde amigos, fica desiludido e triste.
Uma pessoa quando faz aniversário, fica muito contente e
contentíssimo.
Uma pessoa tem um filho, e corre mal a operação, o pai e a mãe
ficam muito tristes."
Lidar com as emoções, senti-Ias, transmiti-Ias, é no fundo uma arte,
em que os excessos também podem ser evidenciados, sobretudo
quando em confronto com determinadas situações.
Surgiu assim a ideia de analisar as oscilações do humor, introduzindo
a variável álcool, sendo solicitado a este mesmo grupo de crianças,
uma outra composição ilustrada, cujo tema era "a alegria, a tristeza
e o álcool nas pessoas", de que procuramos seleccionar algumas
e transcrever as mensagens destas crianças. Privilegiamos os aspectos
que focam as emoções, sendo oportuno ler alguns trechos, para dar
uma melhor ideia das referências a comportamentos, afectos e
cognições, que aparecem correlacionadas com o consumo de bebidas
alcoólicas. Foram também encontradas alusões espontâneas a alcoolismo
masculino e feminino e a abusos de tabaco e outras drogas.
• Esta composição parece fazer referência a uma sequência
temporal, cujo início aparentemente se centra na infância ("Em
primeiro lugar a brincadeira,a palhaçada, e isto quer dizer a alegria."),
mas posteriormente pode seguir-se o consumo de drogas
("Depois vem a adolescência que é o começo do tabaco.") e nesta
sequência evolutiva pode surgir a tristeza associada ao consumo
excessivo de álcool (" E finalmente o álcool e a tristeza, as pessoa
bêbedas, cheias de vinho e cerveja.").
• "0 álcool é a pior coisa que há na vida. E as pessoas ficam bêbedas
e batem uns nos outros, o homem bate na mulher; e a mulher bate
no homem.
É uma tristeza baterem uns nos outros.
E depois no outro dia dizem -desculpa mulher- e a mulher desculpa-os.
Os homens ou as mulheres ficam bêbedos, e não sabem o que
fazem.
Por favor desistam do álcool".
• "Existem pessoas que têm alegria porque bebem muito e isso
rebenta-Ihes os pensamentos.
E riem-se, riem-se porque elas estão descontroladas (alusão aos
efeitos do álcool).
Os adolescentes são os mais atacados por isso. E muitas vezes os pais
não ligam nada (alusão à permissividade deste comportamento).
50% dos Portugueses consomem muito álcool e morrem (alusão à
prevalência e às consequências nefastas).
A tristeza é quando muitas pessoas alcoólicas não bebem
e descontrolam-se e não sabem o que fazem." (noções de
dependência e privação).
• Conta uma história, abordando a alegria (riqueza, felicidade) e
a tristeza (pobreza, receio), com um final em que a ingestão de
bebidas alcoólicas surge como forma de comemorar
acontecimentos felizes, mas que podem terminar em doença, se a
ingestão for excessiva ("...no outro dia, estava-lhe a doer a barriga.
E assim nunca mais bebeu tanto na sua vida...").
Globalmente, apreciando os conteúdos expressos nas composições
e mesmo as imagens gráficas representadas pode constatar-se que
para além de se evidenciarem os efeitos prejudiciais do álcool,
também existe a noção da distinção ou das diferentes repercussões
entre consumo de álcool e consumo exagerado de álcool:
• "A alegria do álcool é quando uma pessoa bebe pouco vinho
e cerveja e bebidas alcoólicas.
A tristeza é quando uma pessoa bebe vinho, cerveja e bebidas
alcoólicas.
Num momento a pessoa fica bêbeda. Eu espero que isso não
aconteça a ninguém".
• Novamente a alusão que a alegria pode estar relacionada com
o consumo de álcool e a tristeza relacionada como consumo
exagerado de álcool ("...eu já vi uma pessoa a beber álcool e
estava com alegria, mas também vi uma pessoa em coma alcoólica.
“OS OPOSTOS”• "A alegria é o contrário da tristeza...", ficando assinalados os excessos
entre:ALEGRIAPazBomLuzFelizContenteSorrirGanharNascer
TRISTEZAGuerra
MauEscuridão
InfelizTriste
ChorarPerderMorrer
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E também a bater numa pessoa. Isso é tristeza, porque beber álcool
faz mal à saúde das pessoas.").
Passando ainda a transcrever alguns extractos de outras redacções
que também nos parecem sugestivos:
• "...a tristeza é quando a mulher é espancada pelo homem.
mas a mulher só é espancada só se o homem bebe de mais e
ele assim fica descontrolado, fora de si e bate na mulher e filhos...".
("...Alguns senhores bebem muito álcool, e eles se beberem muito
vinho e cerveja e champanhe, ficam com a cabeça tola e ficam
com a bebedeira...").
Para além das consequências da ingestão de álcool e incluindo
citações que fazem alusão à agressividade, às flutuações do humor,
propensão para acidentes, perigo para a saúde e até morte, também
encontramos referências aos efeitos nefastos da associação de
drogas, à necessidade de prevenção e tratamento/cura, prevalecendo
sempre a mensagem de que o álcool é nocivo.
• Quanto ao álcool, questiona:
("...Porque é que as pessoas bebem álcool? Eu nem sei responder
a essa pergunta.
Eu só sei responder a esta pergunta: é que o álcool faz mal.
Por favor tirem o álcool da circulação.").
• "Quando uma pessoa bebe álcool, fica completamente bêbeda.
Porque o álcool faz com que o cérebro deixe de funcionar.
É por isso que quando vemos alguém bêbedo, vê-se logo que a
pessoa está bêbeda porque está meia tonta.
O álcool, o tabaco, as drogas e essas coisas que fazem mal à saúde,
esperemos que as pessoas que as fazem, parem de fazer, para não
haver mais mortes por causa disso."
Transcrevendo também alguns extractos alusivos, de outras
composições:
• ("...o álcool nas pessoas é a destruição...).
• ("...eu ouvi dizer que uma menina tomou os comprimidos e
depois bebeu álcool e ficou em estado de coma...").
• ("...Eu queria que os homens não bebessem cerveja porque tem
muito álcool e faz mal ao corpo...").
• ("...A tristeza não tem remédio.
E ao álcool há cura se eles deixarem de beber. ..i.
• ("...exageram no álcool, vão para casa, batem noutro carro.
E bate à mulher e filhos e todos os familiares. ..,
...O meu pai antes bebia, fumava, mas agora deixou tudo porque
anda com comprimidos...").
- Outros aspectos transgeracionais também foram registados:
• "O meu avô é um alcoólico, e é feliz porque só está bem a
beber. Quando ele fica bêbedo começa a mandar vir com
a minha avó.
Eu às vezes vou lá casa e vejo que o meu avô está a beber demais,
fico muito triste e tenho mesmo muita pena da minha avó, porque
depois quando eu vier embora, vai mandar vir, e coitada da minha avó,
que tem de aguentar todos os dias as palavras feias do meu avô.
Até quero ver quando vai parar este martírio!" (noção do sofrimento
provocado nos outros e da cronicidade da situação).
Embora nalgumas composições possa verificar-se que as crianças
procuraram sobretudo definir separadamente os seus conceitos sobre
a alegria, a tristeza, e o álcool, surgindo a alegria - relacionada com
amizade, amor, recompensa, sorte, riqueza, brincadeira,... e a tristeza- relacionada com a perda, a morte, a inimizade, a pobreza, falta de
amor, injustiça,... outro aspecto relevante a destacar diz respeito às
variações do humor face ao consumo de álcool, e mesmo o
"álcool como medicamento" não deíxa de fazer a sua aparição.
• "Uma pessoa triste pode ficar alegre, sabiam?
Porque se beber muito álcool acaba por ficar bêbedo e fica
alegre e agressivo e quando chega a casa bate nos filhos e
à mãe.
Não bebam álcool nem vinho enquanto são novos".
• "Existem pessoas que quando estão alegres bebem muitacerveja.
Porque estão tão alegres que nem sabem o que estão a fazer.
E há outros que estão tão tristes e começam a beber cerveja
para ver se ficam aleqres".
• "Há pessoas que estão contentes e em qualquer café eles
bebem álcool, não é qualquer bebida. Eles estão muito contentes.
Quando eles saem á rua estão bêbedos.
Às vezes também quando estão tristes...
E a mesma situação. Saem à rua bêbedos!...".
Salientando ainda outros testemunhos:
• "...Eu às vezes vou a cafés, que lá tem pessoas tristes porquebebem álcool.
...E às vezes vejo pessoas contentes porque não bebem e fazem
muito bem. Os bêbedos também andam contentes...".
Assim, na grande maioria destas composições, pudemos constatar que
está patente a dualidade/ambivalência, na forma de encarar o consumode álcool e sua relação com os sentimentos de alegria e tristeza,
surgindo deste modo mensagens aparentemente contraditórias:
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contentes - porque bebem,contentes - porque não bebem,tristes - porque bebem,tristes - porque não bebem...A tristeza aparece também conotada com o estado de embriaguez ecom as atitudes de agressividade, já frequentemente citadas anteriormente.Como pudemos apreciar através de uma pequena amostra, ostextos ilustrados com desenhos, focam uma versatilidade de situaçõesou diferentes aspectos, que em grande parte traduzem os sentimentose as vivências pessoais.Na sua generalidade dastacam-se as consequências dos efeitos do álcool,incluindo aqui quer nos consumidores, quer nas pessoas que com elesconvivem mais directamente e particularmente no ambiente familiar,surgindo nalguns casos os relatos relativos ao seu próprio contexto familiar.Sobressaem as perturbações do comportamento, nomeadamenteas atitudes de agressividade verbal e física, ou mesmo a incidênciade outros comportamentos disruptivos, como nos dizem asfrequentes referências "...a ficar bêbedo e à bebedeira...".Para além de ser colocada a tónica nas alterações do humor,e que também tem a haver com a temática proposta, evidenciam-se as alusões relacionadas com o perigo para a saúde, inerentesao consumo de bebidas alcoólicas, mas também existe a noçãoda aceitação cultural do acto de beber, contrapondo-se aosefeitos prejudiciais face a um consumo excessivo e que secorrelaciona com um descontrole emocional e cognitivo, talcomo nos foi transmitido através de várias mensagens, sendouma das mais repetidas:"...eles não sabem o que fazem...".E para terminar escolhemos esta composição ilustrada:
• "A alegria é o despertar da amanhecer do alimento de estarfeliz. A alegria é tudo mais valioso do que uma simples pérola. Éamigos e amor.É o coração que brilha de contente com o seu próprio sorriso.A tristeza é uma vida triste, é uma vida alcoólica cheia de escuridãosem fim, é uma vida negra".
No plano da prevenção, para quem defende a importância daaprendizagem pelas crianças, de questões ligadas ao álcool, julgamosque, o nosso trabalho revela-se como um recurso simples e eficaz,como diagnóstico de conhecimentos e um incentivo para reflectirsobre particularidades do uso / abuso de bebidas alcoólicas.Além disso, através dos seus conhecimentos e sabedoria adquiridos,as crianças irão protagonizar um diálogo com os adultos,designadamente a nível familiar, que trará esperados benefícios, naprevenção do alcoolismo e problemas ligados ao álcool.
* TRABALHO APRESENTADO NO VI SIMPOSIUM SOBRE ADOENÇA BIPOLAR