alexandre o grande - pierre briant

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Alexandre, o Grande

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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

  • PRLOGOEste livro no uma biografia. Ele tenta apresentar os principais aspectos de um fenmeno

    histrico que no pode ser reduzido apenas pessoa de Alexandre, seja qual for a importnciaque se d ao aspecto pessoal. A elaborao deste livro resultado tambm de uma escolhadeliberada. O relato propriamente dito da conquista se concentra em um nico captulointrodutrio, que permitir ao leitor conhecer as suas grandes fases cronolgicas. O essencialda narrativa dedicado ao exame das principais questes que naturalmente se apresentam: asorigens da conquista e os objetivos de Alexandre; a natureza e a importncia das resistncias;a organizao dos territrios conquistados; as relaes entre conquistadores e populaesconquistadas.

    Nota preliminar sexta edioNa mesma medida que as demais cincias humanas e sociais, a histria da Antiguidade no

    permanece estanque em certezas inexpugnveis. Alimentada e acrescida a cada ano por umaimpressionante bibliografia, a histria de Alexandre no escapa a esses questionamentos. Elesno apenas procedem de publicaes documentais, infelizmente raras nesse campo, mas estoligados, talvez principalmente, profunda renovao que a histria do imprio aquemnida1tem conhecido atualmente renovao que, em si mesma, induz a uma viso diferente dosfeitos de Alexandre, dessa forma recolocados dentro do contexto da histria do Oriente Mdiodo primeiro milnio e liberados do postulado helenocntrico por muito tempo hegemnico. Talmovimento ilustrado, por exemplo, pela consulta cada vez mais sistemtica a documentosbabilnios e egpcios a fim de analisar a poltica adotada por Alexandre na Babilnia e noEgito e as respostas dadas pelas aristocracias locais; ao mesmo tempo, assirilogos eegiptlogos manifestam um interesse crescente pelos perodos que estiveram por muito temporelegados apenas anlise dos classicistas.

    Esta sexta edio no modifica a arquitetura do livro, tal como foi elaborada desde aprimeira edio, publicada em 1974. Como nas revises precedentes publicadas regularmentedesde ento, inseri um certo nmero de reescritos pontuais, nos casos em que minhaapresentao j no me parecia pertinente devido existncia de documentos novos einterpretaes a eles relacionadas2, mas tambm, evidentemente, por causa da evoluo deminha reflexo e de minhas pesquisas em curso (especialmente sobre a historiografia deAlexandre: cf. p. 80-82). Encontraremos tambm uma atualizao dos instrumentos de trabalhoe da bibliografia, efetuada de forma necessariamente seletiva, pois alm de o espao serlimitado, principalmente, nem todas as publicaes interpretativas recentes so realmentenovas.

    Com efeito, o crescimento exponencial da bibliografia no deve induzir a um erro deperspectiva. preciso sempre salientar que nossos conhecimentos acerca das conquistas deAlexandre so restritos e incertos, por causa, principalmente, da inadequao do corpusdocumental, tanto em termos de quantidade quanto de qualidade. As fontes narrativas greco-romanas disponveis, em grego (Diodoro, Plutarco, Arriano) ou em latim (Quinto Crcio,

  • Justino), foram redigidas entre dois e quatro sculos depois de Alexandre, e nenhum dos queadotamos o deplorvel costume de denominar historiadores antigos de Alexandre umhistoriador no sentido que entendemos hoje em dia, seja do ponto de vista do mtodo, ou daconcepo e da forma. De resto, se colocarmos parte a Macednia propriamente dita3, asfontes arqueolgicas de seu reino datadas com preciso so quase inexistentes, e osdocumentos iconogrficos mais clebres (o Mosaico de Npoles e o Sarcfago de Alexandre)foram executados depois da morte do conquistador, representando sua figura heroica, emfuno de uma interpretao j cannica.4 Apenas as fontes numismticas so abundantes, eseu interesse especialmente decisivo uma vez que trabalhos recentes permitiram apresentarsobre o tema um estudo global e coerente5 muito embora as incertezas permaneam.6 Pode-se tambm registrar a publicao recente de documentos escritos, datados do final do perodoaquemnida e do reinado de Alexandre, e provenientes de regies do leste iraniano at entopraticamente desprovidas de qualquer documentao arquivstica.7 Junto com outrosdocumentos aramaicos provenientes da regio do Trans-Eufrates, de tabuletas cuneiformes daBabilnia e de documentos demticos8 do Egito, esses conjuntos documentais postulam efavorecem a insero do reinado de Alexandre no decurso da histria dos povos e pases doOriente Mdio antigo.9

    Pode-se dizer que este pequeno livro tem menos por objetivo expor saberes indestrutveisdo que apresentar as incertezas, por vezes profundas, que continuam a pesar sobreinterpretaes ainda apresentadas aqui e ali como evidncias, impostas pela autoridade muitofacilmente reconhecida dos historiadores antigos de Alexandre. O historiador de hoje devetambm se proteger de outro risco metodolgico, que o de ficar sistematicamente na posiocontrria dos autores antigos, pintando de Alexandre um retrato detestvel, to poucoconfivel, globalmente, quanto sua apresentao heroico-hagiogrfica.10

    1. Pode-se ter uma ideia consultando meu Bulletin dhistoire achmnide, II, Paris, Ed. Thotm, 2001 (primeiro fascculopublicado no Suplemento 1 da revista Topoi [Lyon], p. 5-125), e no site http://www.achemenet.com.2. Mas deixei de lado documentos cuja datao sob Alexandre permanece discutvel, como documentos aramaicos de Idumeiaou uma cunhagem de Mazday (ver meu Bulletin, I, p. 62; II, p. 99, e meu Darius dans lombre dAlexandre, Paris, 2003, p.62-84).3. No considerei til introduzir aqui uma discusso sobre as descobertas feitas na necrpole real de Vergina. Ela teria sidonecessariamente sumria e mal integrada em um livro voltado prioritariamente problemtica da conquista.4. Sobre as fontes literrias e seus limites, e sobre sua complementaridade eventual com fontes iconogrficas, ver o conjunto domeu livro Darius dans lombre dAlexandre (Paris, 2003), sobretudo p. 227-247, sobre o mosaico de Npoles e suasinterpretaes modernas.5. Ver G. Le Rider, Alexandre le Grand. Monnaie, finance, politique, Paris, PUF, 2003.6. Ver, por exemplo, o interessante trabalho de F. L. Holt, Alexander the Great and the Mystery of Elephant Medaillons,University of California Press, 2003.7. Cf. S. Shaked, Le satrape de Bactriane et son gouverneur. Documents aramens du IVe sicle av. n. . provenant deBactriane, Paris, De Boccard, col. Persika 4, 2004.8. Relativos escrita do Egito Antigo. (N.T.)

  • 9. Cf. as Atas do Colquio internacional sobre La Transition entre lEmpire achmnide et les royaumes hellnistiques (c.350-300 av. J.-C.), Collge de France, 22-23 de novembro de 2004, em vias de publicao.10. Sobre polmicas recentes, ver por exemplo Ancient History Bulletin, 13/2-4, 1999, p. 39-55; 111-117; 136-140, e meutrabalho Alexandre et lhellnisation de lAsie: lhistoire au pass et au prsent, Studi Ellenistici, XVI, 2005, p. 9-69.

  • INTRODUO

    ALEXANDRE ANTES DO DESEMBARQUE NA SIA MENORAlexandre nasceu em julho de 356 a.C., em Pella, capital do reino macednio, da unio

    entre a princesa Olmpia, filha do rei dos molossos11, e de Felipe II, rei da Macednia aps amorte do rei Prdicas, em 359 a.C. Muito foi escrito sobre a herana psicolgica deAlexandre, mas quem pode dizer o que no seu temperamento ele deve aos pais? Seu primeiromestre foi um parente de Olmpia, Lenidas, que tinha sob sua direo uma coorte depreceptores. Mas os mtodos brutais de Lenidas no tiveram o sucesso esperado. EntoFelipe recorreu a Aristteles, que abrira uma escola em Mitilene de Lesbos, depois de passaralgum tempo com o tirano Hrmias de Atarneia, na sia Menor. Aristteles foi durante trsanos (343-340 a.C.) o preceptor de Alexandre e de outros colegas da sua idade, em Mieza.Lamentavelmente, arriscado determinar a influncia que Aristteles teve sobre Alexandre;parece, contudo, que vrios autores modernos tenderam a superestim-la. provvel, comodestacou U. Wilcken, que Aristteles tenha posto Alexandre em contato prximo com a culturagrega, mas tambm preciso no esquecer que a corte macednia j era aberta aos artistasgregos h vrias geraes. Alexandre tinha verdadeira paixo pelos grandes monumentos daliteratura grega, especialmente pela Ilada.

    Alexandre muito cedo foi associado ao poder e s responsabilidades de seu pai. Em 340a.C., ao partir para uma expedio contra Bizncio, Felipe confiou a Alexandre, ento com aidade de dezesseis anos, a direo do reino, tomando o cuidado de cerc-lo de conselheirosexperientes. O jovem prncipe teve tambm oportunidade de conduzir sozinho uma campanhacontra os temveis trcios, e de fundar uma colnia militar (Alexandrpolis); durante a famosabatalha de Queroneia (338 a.C.), que colocou em lados opostos os macednios e os gregos,ele dirigiu a cavalaria do flanco esquerdo (o flanco ofensivo); depois da batalha, ele foienviado (em companhia de Antpatro) em embaixada para Atenas, para levar as cinzas dosatenienses mortos no campo de batalha.

    Contudo, as boas relaes entre Felipe e Alexandre se romperam quando, em 337 a.C.,Felipe repudiou Olmpia e se casou com Clepatra, uma princesa macednia. Alexandreexilou-se com a me no piro. A reconciliao ocorreu rapidamente, graas interveno deDemarato de Corinto. Outra desavena, menos grave, separou pai e filho quando Felipe quispropor Arridaio (meio-irmo de Alexandre) para marido da filha do dinasta12 de Cria;Alexandre, inquieto, fez intrigas secretas junto ao dinasta. O episdio levou ao banimento dealguns dos melhores amigos de Alexandre, considerados maus conselheiros (Nearco, Harpalo,Ptolomeu...).

    No vero de 336 a.C., acontecia em Aigai o casamento de Clepatra (filha de Felipe e deOlmpia, ento reconciliados) e Alexandre, prncipe da famlia dos molossos. Um nobremacednio, Pausnias, aproveitou para apunhalar Felipe em pleno teatro. Numerosasdiscusses ocorreram nos tempos antigos e em nossos dias para saber se Pausnias agirasozinho, ou se fora instigado por Olmpia, pela corte aquemnida ou mesmo por Alexandre. A

  • tese da culpa de Alexandre continua a ser frequentemente sustentada. Mas, preciso constatar,nenhum texto ou raciocnio consegue exibir provas irrefutveis; principalmente porque nofica claro o que Alexandre teria a ganhar com isso. Afinal, a conduta de Felipe no mostravaque ele pretendia fazer de Alexandre seu sucessor? Entretanto, no se pode excluir que,tambm motivado por ressentimento pessoal, o gesto de Pausnias mostraria dissenses entreFelipe e algumas famlias nobres.

    To logo instalado no poder, Alexandre proclamou sua vontade de continuar a obra do pai,retomando imediatamente os preparativos para assegurar a tranquilidade e a estabilidade dosEstados europeus. A morte de Felipe e a juventude do novo rei fizeram nascer grandesesperanas entre a nobreza macednia, os brbaros dos degraus do reino, nas cidades gregas eat na corte aquemnida. Metodicamente, ele tratou de chamar seus inimigos razo. Comeoucom um expurgo sangrento no interior da nobreza macednia: o assassino de Felipe,Pausnias, foi executado; diversos pretendentes ao trono, verdadeiros ou supostos, forameliminados; outros nobres preferiram fugir para a sia e se colocar a servio do GrandeRei.13 Em seguida, Alexandre desceu para a Grcia, fez calar a boca de seus opositores(sobretudo em Atenas) e renovou em Corinto o pacto de 338 a.C., fazendo-se conceder o ttulode estratego14 da guerra contra a Prsia. Terceira etapa: a campanha no Danbio e nos Blcs(primavera de 335 a.C.); os celtas se submeteram. Alexandre, com efeito, queria se assegurarde suas retaguardas. Ao deixar a campanha ilrica, ele se lanou durante treze dias sobre osgregos, que, enganados com a notcia da sua morte, se preparavam para se sublevar. ComoTebas se recusasse a se render, Alexandre tomou-a de assalto, deixando aos gregos reunidosem Corinto o cuidado de decidir o destino da cidade vencida: Tebas foi arrasada. Foi umexemplo terrvel. Alexandre demonstrou mais clemncia em relao a Atenas, que ajudaraTebas em segredo: dentre os oradores antimacednios, um nico, Caridemos, foi exilado, indose refugiar na corte do Grande Rei. Agora estava tudo pronto: portanto, a morte de Felipe satrasara em poucos meses a partida da grande expedio asitica.

    11. Habitante da Molssia, regio do Epiro, ao norte do golfo de Ambrcia, na Grcia antiga. (N.T.)12. Na Grcia antiga, nome dado a membros de algumas oligarquias ou a reis de pequenos territrios. (N.T.)13. Nome que os gregos davam ao rei da Prsia na poca clssica. (N.T.)14. Em diversas cidades gregas, sobretudo em Atenas, magistrado encarregado das questes militares. (N.T.)

  • CAPTULO I

    AS GRANDES ETAPAS DA CONQUISTA

    (334 A.C.-323 A.C.)15

    I. Do Granico queda de Tiro(maio de 334-vero de 332 a.C.)

    Durante os dois primeiros anos da guerra, Alexandre enfrentou duas vezes os persas embatalha campal: s margens do Granico (maio de 334 a.C.) e em Isso, na Cilcia (novembro de333 a.C.). Foram duas vitrias macednias, mas nenhuma verdadeiramente decisiva; ospersas, por duas vezes, conseguiram lanar contra-ataques extremamente perigosos, contra olitoral oeste-anatoliano e, depois, no interior da sia Menor. Paralelamente, Alexandre, quedecidira dispensar sua frota em Mileto (vero de 332 a.C.), lana-se conquista das costas;durante longos meses (janeiro-vero de 332 a.C.), se bate contra a resistncia de Tiro daFencia. O vero de 332 a.C. marca uma virada na expedio: pela primeira vez, Alexandreest seguro de suas retaguardas. Restaurada em 333 a.C., a frota macednia retoma a dianteiraface aos esquadres aquemnidas. No mesmo perodo, Dario segue preparando ativamenteseus exrcitos na Babilnia.

    O desembarque ocorre na primavera de 334 a.C., sem que os persas tenham,aparentemente, procurado utilizar sua superioridade martima (p. 47). Os strapas16 da siaMenor dispuseram suas armas sobre a margem do Granico, sendo pressionados e derrotadospor Alexandre (maio de 334 a.C.). Essa vitria permitiu-lhe marchar para o sul da siaMenor, libertando as cidades gregas e castigando as que resistiram, enquanto eram banidos ostiranos aliados dos persas (p. 42-44, 66-69); Sardes, a capital da dominao aquemnida,rende-se facilmente. Em compensao, Halicarnasso, fortificada por Orontobates e reforadapor Memnon, ope uma feroz resistncia a Alexandre, que tem de partir antes de t-lareduzido submisso (final do vero de 334 a.C.). Em Mileto (vero de 334 a.C.), Alexandredispensa sua esquadra (p. 43-44) e decide lutar em terra contra a superioridade da frotaaquemnida (p. 42); no outono de 334 a.C., a partir de Halicarnasso, ele comea uma duracampanha de inverno (334/333 a.C.) que lhe permite apesar da resistncia de diversascidades, como Aspendos (p. 35-36) apoderar-se das costas lcia e panfiliense. Logo aps,Alexandre retorna ao centro da sia Menor, pela Pisdia e Grande Frgia. Alexandrepermanece vrios meses em Gordion (primavera de 333 a.C.). Durante essa pausa prolongada,o rei recebe reforos da Grcia e da Macednia, enquanto Memnon, encarregado por Dario dareconquista do litoral, prossegue um contra-ataque extremamente perigoso sobre a costa dasia Menor; ele morre no vero de 333 a.C. (julho-agosto), sob os muros de Mitilene deLesbos (p. 44).

    Por volta de maio-junho de 333 a.C., Alexandre se dirige Cilcia pela Capadciaocidental, da qual fez uma satrapia (terica: p. 65), e pelas Portas cilicianas, que os persas

  • no tinham posto realmente em estado de defesa. Apodera-se de Tarso, capital da Cilcia(onde cunha moeda: p. 79-80). Enquanto o rei gis de Esparta tenta se juntar aos navarcos17persas (p. 45), Dario concentra um imenso exrcito: o enfrentamento de Issos lhe desfavorvel (novembro de 333 a.C.). Essa vitria permite a Alexandre dispor de refns naspessoas da me, da mulher, das filhas e do filho do Grande Rei, capturados em Damascodepois da batalha; sanear sua tesouraria com a captura dos tesouros em Damasco; finalmente,marchar sobre a Fencia, da qual ele quer se apoderar para tirar dos persas todos os apoiosmartimos. Por razes diversas, a maior parte das cidades fencias (Arados, Biblos, Trpoli,Sdon) no ope nenhuma resistncia, conservando suas instituies tradicionais (p. 66-67).Em compensao, Tiro resiste durante longos meses ao cerco dos macednios, enquantoexrcitos persas tentam conduzir um contra-ataque sobre as retaguardas de Alexandre na siaMenor (p. 45-46).

    No comeo da primavera de 332 a.C., Alexandre consegue uma vitria de primeiragrandeza, uma vez que os contingentes fencios e cipriotas deixam a esquadra persa e vm secolocar sob sua autoridade. Tiro cai algumas semanas mais tarde, e, ento, Alexandrepraticamente consegue realizar o plano que traara em Mileto: conquistar a superioridademartima.

    II. De Tiro a Tiro (vero de 332-vero de 331 a.C.)

    O ano seguinte encontra os dois adversrios continuando seus preparativos para a batalhaque cada um espera ser decisiva: Alexandre se apodera do Egito, depois retorna sobre seuspassos at Tiro, de onde marcha na direo do Eufrates e do Tigre. Dario prepara seusexrcitos. Enquanto isso, gis de Esparta prossegue, tambm ele, seus preparativos contra aMacednia.

    Alexandre, agora seguro de suas retaguardas, prossegue a conquista da costa fencia:somente Gaza lhe ope uma vigorosa resistncia at novembro de 332 a.C.

    Ao mesmo tempo, a frota macednia continua a reconquista das ilhas e cidades ocupadaspelos persas em 333 a.C. (Chios, Lesbos...). Em novembro de 332 a.C., o almirantemacednio consegue chegar at Alexandre para lhe fazer um relatrio e lhe entregar os tiranospr-persas.

    Depois, acompanhado pela frota comandada por Hefestio, Alexandre chega ao Egito,cujo strapa apenas ope uma resistncia formal, antes de entregar a ele sua satrapia.Alexandre, ento, mostra seu respeito pelos deuses e templos egpcios. A estadia no Egito(final de 332-primavera de 331 a.C.) marcada por dois feitos importantes: a viagem querealiza ao osis da Siwah, onde consulta o orculo de Amon (p. 96-97), e a fundao deAlexandria (a primeira do nome), fadada a adquirir uma importncia comercial considervel.

    Alexandre deixa o Egito na primavera de 331 a.C., depois de reorganizar aadministrao (p. 58-60). Ele retoma o mesmo itinerrio da ida at Tiro, reprimindo comsangue, de passagem, uma revolta na Samaria. Depois, dirige-se ao Eufrates por Damasco eAlepo. Uma inquietao na sua partida, contudo: a situao na Europa, onde gis III est setornando cada vez mais ameaador.

  • III. O fim de Dario e a submisso definitiva da Grcia (vero de 331-vero de 330 a.C.)

    Agora, a ambio de Alexandre vencer e apoderar-se de Dario. Ele consegue consumar aprimeira parte de seu programa em Gaugamela (outubro de 331 a.C.), mas no conseguecapturar a Aquemnida. Ainda mais difcil lanar-se contra os pases do planalto Iraniano,pois encontra oposies na Prsia, e Dario no abandonou a esperana de reverter a situao.Quando Alexandre consegue deixar o Ir ocidental, depois do incndio de Perspolis(primavera de 330 a.C.), Dario se v abandonado por seus principais oficiais, que oassassinam em Hircnia (julho de 330 a.C.).

    Durante a expedio de Alexandre ao Egito, Dario teve tempo suficiente para sefortalecer. Ele concentrou um imenso exrcito a leste do Tigre, em Gaugamela. A batalha (1ode outubro de 331 a.C.) fica indecisa por muito tempo, mas acaba se transformando em vitriados macednios. Dario abandona o campo de batalha e, aps um conselho realizado emArbeles, vai para Ecbtana de Mdia, onde espera reunir um novo exrcito. Enquanto isso,Alexandre vai em direo s grandes capitais: Babilnia, Susa, Perspolis e Pasrgada.

    Naquele momento, a situao na Europa preocupante. gis III entra em guerra aberta e vencido por Antpatro em Megalpolis, em outubro de 331 a.C., ou seja, pouco tempo antesda vitria de Alexandre em Gaugamela. Preocupado com suas retaguardas, Alexandremultiplica os favores s cidades gregas para incit-las a permanecerem leais (p. 32-34). Masas preocupaes europeias no so determinantes, e no explicam a deciso tomada porAlexandre de incendiar os palcios de Perspolis na primavera de 330 a.C. (p. 88-90).

    O avano de Alexandre lhe permitiu se apoderar das grandes capitais. A despeito de suascapacidades militares, Babilnia no ope nenhuma resistncia: ao contrrio, os dirigentesaquemnidas e os chefes da comunidade babilnia vo recepcionar o conquistador fora dasmuralhas e Alexandre bem depressa reconhecido rei da Babilnia (p. 85-87); l que umadeciso plena de significado tomada: a nomeao de um strapa iraniano (p. 90 e s.). Aomesmo tempo, a entrada na Babilnia e em Susa permite a Alexandre se apoderar de imensostesouros aquemnidas. A marcha sobre Perspolis mais difcil: preciso reduzir aresistncia dos uxienos, povo de pastores que ocupa um desfiladeiro entre Fahliyun e asPortas prsicas, depois vencer a oposio das tropas persas que bloqueiam as Portas. Elechega a Perspolis na metade de janeiro de 330 a.C. Hesita durante vrios meses sobre aconduta a manter: toma finalmente a deciso de destruir Perspolis, smbolo da dominaoaquemnida (p. 87-90).

    Na primavera de 330 a.C., Alexandre comea a perseguio desenfreada contra Dario,que ento decide se retirar para o oeste. Em Ecbtana, no momento de se lanar, tambm ele,contra as satrapias do planalto iraniano, Alexandre, seguro de seu domnio na Europa,dispensa os contingentes gregos da Liga de Corinto, que, de resto, no tinham desempenhadoum papel importante durante a conquista (p. 32-34): a fico da guerra helnica, ento,desaparece definitivamente. Durante esse tempo, na Hircnia, explode um compl contraDario, que bem depressa abandonado por seus principais oficiais. Bessos e Nabarzanes seapoderam do Grande Rei, mantendo-o prisioneiro antes de mat-lo (vero de 330 a.C.).Apesar da rapidez de sua marcha, Alexandre no pde alcanar Dario vivo, mas ele secolocar doravante como vingador do aquemnida (p. 51-53).

  • IV. Guerrilhas nas satrapias orientais e oposiesmacednias (vero de 330 a.C.-primavera de 327 a.C.)

    Tem incio ento um dos perodos mais difceis, seno o mais difcil, de toda a expedio.Antes de marchar para a ndia, que ele j decidiu conquistar (p. 36-37), Alexandre devereduzir a resistncia das satrapias orientais: ria, Drangiana, Sogdiana e Bactrianaprincipalmente. Ao mesmo tempo, ele est s voltas com oposies macednias, vindas dabase e dos chefes.

    Em um primeiro momento, Alexandre procura alcanar diretamente a Bactriana deBessos, utilizando a antiga rota conhecida (em uma poca mais tardia) como rota do Corao,pelo Kopet Dagh e por Margiana. Chamado retaguarda pela rebelio de Satibarzanes deria, apoiado por Bessos, Alexandre submete de novo essa satrapia e depois decide alcanara Bactriana pelo sul, conquistando sucessivamente a Drangiana, a Aracsia e osParopamisades (330-329 a.C.). A ofensiva de Alexandre fez fracassar o plano de Bessos, queabandona a Bactriana antes de ser entregue a Alexandre (p. 51-52). A resistncia foi a partirde ento conduzida, at 327 a.C., pelo chefe sogdiano Espitamenes e por diversos prncipesmenores locais (p. 52-53).

    A evoluo de Alexandre, que toma emprstimos cada vez mais numerosos da realezaaquemnida, acolhe nobres persas no seu crculo e se comporta cada vez mais como um reiabsoluto, suscita uma oposio virulenta dos nobres macednios: o processo de Filotas e oassassinato de Parmnion, o assassinato de Kleitos e o caso da prosquinese18 so osepisdios principais da histria da luta entre o rei e seus prximos (p. 96-102).

    Por sua vez, os simples soldados macednios comeam a manifestar abertamente odesejo de voltar para a Macednia. A caracterstica selvagem da guerrilha tem porconsequncia abalar o moral do exrcito (p. 56-59).

    Durante o mesmo perodo, Alexandre toma medidas de naturezas diversas, cujasconsequncias a longo prazo so extremamente importantes: numerosas cidades e colniasmilitares so fundadas para controlar os principais pontos estratgicos e para vigiar aspopulaes das satrapias e das fronteiras, mas essa poltica suscita a oposio dos colonosgregos de Bactriana (p. 94-95); ao mesmo tempo, Alexandre institui uma poltica decolaborao com a nobreza iraniana; iranianos, em nmero crescente, so nomeados strapas(p. 90-92); em 327 a.C., Alexandre se casa com Roxana, filha de um nobre bactriano (p. 93-94).

    V. A conquista da ndia e do Golfo Prsico (327-325 a.C.)

    Conquistadas as satrapias orientais, Alexandre pode finalmente comear a conquista dandia. Depois de uma marcha difcil, o exrcito macednio alcana o Indo na primavera de326 a.C.. A vitria sobre Poros (julho de 326 a.C.), s margens do Hidaspe, parece abrirextensos horizontes para Alexandre. Mas a oposio do exrcito macednio o obriga ainterromper a conquista do Hifase (vero de 326) e a descer o Indo para depois retornar Babilnia, seguindo a costa do Golfo Prsico.

    No vero de 327 a.C., Alexandre deixa a Bctria e se dirige a Alexandria do Cucaso,

  • local estratgico de primeira importncia, que controla as grandes vias tradicionais. Umaparte do exrcito, confiada a Hefestio e a Prdicas, encarregada de conquistar a margemdireita do Cofen e de preparar a chegada do grosso do exrcito ao Indo. Alexandre, por suavez, se lana conquista das regies atravessadas pelos afluentes da margem esquerda doCofen. Na primavera de 326 a.C., aps uma marcha muito difcil, ele se junta a Prdicas eHefestio, que o aguardavam j h algum tempo na margem do Indo.

    Diversos prncipes indianos se submetem a Alexandre, como Onfis, o Taxilo19, a quemAlexandre deixa seu reino; o Taxilo o informa igualmente sobre o perigo apresentado porPoros, outro rei indiano. A batalha contra esse inimigo temvel se desenrola na margem doHidaspe (julho de 326 a.C.); provavelmente, foi a mais dura batalha realizada na sia pelosmacednios, apavorados com as cargas dos elefantes.

    As tropas de Alexandre, devastadas pelo cansao, ansiosas por rever a Macednia eamedrontadas com o rumores que circulam sobre os perigos de uma expedio alm-Hifase,se rebelam e exigem do rei a interrupo da conquista (p. 37, 58-59).

    Alexandre comea ento uma nova etapa, que de qualquer maneira ele estava decidido arealizar: a descida do Indo e o retorno pelo Golfo Prsico (p. 36-37, 77-79 e s.). Essacampanha resultou na submisso, frequentemente brutal (p. 54-55), de vrios povos indianos,e no domnio das grandes vias martimas que ligam a ndia ao Golfo Prsico.

    VI. Os ltimos anos (324-323 a.C.)

    Os dois anos que se seguem ao retorno da ndia foram marcados por uma atividadefrentica de Alexandre, em todos os campos:

    ele prossegue com determinao seu plano de dominar o Golfo Prsico; envia para ltrs expedies, que precedem a conquista da costa rabe; a construo de uma frota, de umporto na Babilnia e a dragagem dos canais da Babilnia se inserem no mesmo projeto (p.76);

    ele submete os povos que ainda se recusam a reconhecer sua soberania (expediocontra os cosseanos em 323 a.C.: p. 71);

    as npcias de Susa (324 a.C.) e a constituio de um exrcito macednio-iraniano (324-323 a.C.) coroam sua poltica de colaborao com os homens de Dario (p. 103-105 e s.);

    possvel que ele tenha cogitado de uma expedio ocidental, mas subsistem muitasincertezas sobre este ponto (p. 38-39).

    Ao morrer na Babilnia, no dia 10 ou 11 de junho de 323 a.C.20, Alexandre reconquistaraem seu proveito todo o imprio aquemnida, tal como fora constitudo por Ciro, Dario e seussucessores. Apesar da precariedade da dominao macednia em algumas regies, a obra deconquista imensa. Mas como Alexandre venceu as mltiplas resistncias que se ergueramcontra sua progresso militar, e como ele organizou um imprio to vasto? Quais eram seusobjetivos, e desde quando ele meditava sobre os projetos de conquista? Quais foram anatureza e a amplitude da resistncia organizada por Dario? Estas so as questes que convmabordar agora.

  • 15. O recorte cronolgico escolhido aqui ser justificado no captulo III. Os nmeros entre parnteses remetem s pginas ondeso dadas as explicaes e interpretaes dos acontecimentos aos quais se faz aluso ao longo do captulo I.16. Na antiga Prsia, governador de uma satrapia (territrio). (N.T.)17. Na antiga Grcia, comandantes de um navio ou de uma frota de navios. (N.T.)18. Rito da submisso que devida exclusivamente ao verdadeiro rei. (N.T.)19. Nome dado pelos gregos aos soberanos hindus que residiam na Taxila. (N.T.)20. Sobre a data precisa da morte de Alexandre, tal como indicada em uma tabuleta babilnia, ver L. Depuydt, The time of thedeath of Alexander the Great: 11 june 323 b.C. (-322), ca. 4:00-5:00 PM, Die Welt des Orients 28 (1997), p. 117-135, e R.J.Van der Spek, Orientalia 69/4 (2000), p. 435.

  • CAPTULO II

    ORIGENS E OBJETIVOS DA CONQUISTAI. Insuficincias e limites das explicaes

    de tipo pessoal e psicolgico

    Dentre as explicaes produzidas por inmeros autores antigos e, depois deles, porhistoriadores modernos, os elementos psicolgicos e irracionais ocupam um lugar importante.Destaca-se frequentemente, antes de mais nada, que o temperamento irascvel e exaltado doconquistador se deve em grande parte herana psicolgica de Olmpia, adepta do cultodionisaco e dada a entregar-se ao transbordamento sem freio da sensibilidade (G. Radet);outros julgam que Alexandre foi movido, em diversos momentos de sua carreira, por suavontade de imitar, ou mesmo de se identificar com os heris homricos e com os deuses esemideuses, como Dionsio e Hrcules; finalmente, vrios autores (V. Ehrenberg e outros)admitem que Alexandre se deixou frequentemente levar pelo pothos, noo psicolgicaespecialmente difcil de entender, que esses autores interpretam como um desejo irracional eirreprimvel de se ultrapassar, de sempre ir mais longe na descoberta do mundo e de simesmo. Atravs dessas interpretaes, surge a imagem de um Alexandre irracional. Essaimpossibilidade de compreender Alexandre atravs de uma anlise racional, poltica emsuma, defendida sobretudo por G. Radet, a cujos olhos as regras comuns de psicologia noso aplicveis a um heri que sente correr nas suas veias o sangue de Hrcules e Aquiles.

    Educado na admirao dos heris cantados por Homero, Alexandre, sem dvida alguma,era movido por pulses psicolgicas. Mas reduzir a expedio a uma aventura pessoal podeconduzir a profundos contrassensos. As interpretaes desse tipo deixam por vezestransparecer, por parte de seus autores, uma surpreendente confiana na historiografia antigade Alexandre, da qual se sabe perfeitamente que no hesitava em maquiar de propsito arealidade, para exaltar o carter super-humano do rei e de sua empreitada. Os riscos que o reiassumia durante a expedio eram riscos calculados: ele nunca decidia comear uma novaetapa sem ter se informado sobre os pases que se preparava para conquistar. Ele conduziamilhares de homens em territrios frequentemente pouco conhecidos e hostis e no estavadisposto a correr o risco de perder seu exrcito unicamente por causa da glria ou paraobedecer a uma pulso irracional. Um dos grandes problemas da histria de Alexandre resideprecisamente na oposio que se revela, a partir de 330 a.C., entre a vontade coletiva dosmacednios e o carter cada vez mais pessoal que Alexandre pretendia dar ao seu poder.

    Por outro lado, ainda que a tarefa no seja medocre, interrogar-se ao longo das pginas,seguindo os autores antigos, sobre a ambio e os grandes feitos de Alexandre, tem comoconsequncia fazer desaparecer o inimigo persa da cena da histria, como se Alexandreestivesse sozinho consigo mesmo em face de sua aventura pessoal. Os progressos da histriaaquemnida e uma ateno mais marcada por uma viso global exigem que se reintroduzamDario III e seus prximos numa partida que eles disputaram com ferocidade, utilizando trunfose qualidades que esto longe de ser negligenciveis.

  • II. A herana de Felipe II

    Segundo uma frmula bastante conhecida de W. W. Tarn, a principal razo pela qualAlexandre invadiu a Prsia foi, sem nenhuma dvida, nunca ter lhe passado pela cabea nofaz-lo. Com essa frase, o historiador ingls quer indicar que a ideia da conquista pertenciaem grande parte a Felipe II. Foi exatamente o que expressou Polibo, que, numa famosapassagem (III, 6, 12-14), procurou estabelecer a diferena entre as causas profundas, opretexto e o comeo da guerra contra os persas. Felipe II, com efeito, j fizera preparativosconsiderveis, tanto no plano diplomtico quanto no militar. Depois de sua vitria sobre osgregos em Queroneia (setembro de 338 a.C.), ele convocou a Corinto os delegados dascidades e Estados gregos. O resultado das deliberaes foi a constituio da Liga de Corinto.

    O funcionamento da Liga e o nome dos Estados que aderiram ns no conhecemos comexatido. O rgo principal era o Conselho comum (Synedrion), composto de delegados dosEstados. A Macednia, na qualidade de Estado, no fazia parte: apenas o rei tinha ligao comela, de forma meramente pessoal. A carta, por outro lado, proibia os conflitos de constituio,as guerras entre membros e qualquer ataque contra a realeza de Felipe e seus sucessores.Essas medidas tendiam a criar uma estabilidade entre cidades que a Grcia jamais conhecera,apesar dos esboos dos sculos clssicos.

    O objetivo de Felipe era evidentemente assegurar a tranquilidade duradoura da Grcia.Desde ento, de fato, seu grande projeto j era a guerra asitica. Depois de Queroneia,mandou espalhar o rumor de que ele queria declarar guerra aos persas para vingar os gregosdas profanaes cometidas pelos brbaros nos templos da Grcia (Diodoro, XVI, 89, 1). Porisso, em 338 a.C., ele fez com que o Synedrion da Liga votasse a guerra de represlias e lheconcedesse o comando das operaes militares, com o ttulo de strategos autocrator (complenos poderes). A partir de 338 a.C., o pretexto da guerra (para retomar a distinopolibiana) estava portanto firmemente estabelecido: Felipe, oficialmente, no fazia seno agirao intimar os gregos unidos sob a Pax Macedonica; por outro lado, os meios materiais jestavam previstos, uma vez que cada Estado que aderira aliana militar devia enviar umcontingente.

    Mas Felipe no criou apenas o pretexto da guerra: foi sob o seu reinado que ela teve incio.Com efeito, em 336 a.C., o pai de Alexandre enviara para a sia uma vanguarda de dez milhomens, cujo comando foi confiado ao fiel Parmnion e a Atala. Apesar dos incontestveisrevezes infligidos por Memnon em 335 a.C., Parmnion conseguiu manter Abidos, ponto dedesembarque ideal para um exrcito vindo da Europa. Alexandre estava, pois, engajado naguerra bem antes de 334 a.C.

    Lamentavelmente, difcil indicar com exatido os objetivos territoriais de Felipe. Em 331a.C., Parmnion, velho companheiro de Felipe, ops-se a Alexandre e o incitou a acolher comboa vontade as aberturas diplomticas de Dario, que oferecia a Alexandre ceder-lhe a siaat o Eufrates. Segundo G. Radet, o dilogo ope, com uma verdade evidente, o programadas ambies circunscritas de Felipe doutrina das conquistas ilimitadas de Alexandre.Mas, alm de tal interpretao ser puramente especulativa, ela se baseia em textos cujosfundamentos factuais so bastante discutveis (p. 47-49).

    Com frequncia achou-se tambm que os projetos de Felipe se inspiravam diretamente nos

  • escritos de Iscrates. Esse rtor ateniense, representante e apstolo do pan-helenismo, apsconstatar a incapacidade das cidades gregas de se unirem, voltara-se finalmente para Felipe.Mas convm no tirar concluses precipitadas sobre a influncia de Iscrates: Felipe eraperfeitamente capaz de se dar conta sozinho das realidades gregas (que ele contriburafortemente para modelar) e, em consequncia delas, de definir sua poltica. Certamente no foiIscrates quem deu a Felipe (nem a Alexandre) a ideia da guerra contra a Prsia, nem a dacriao de uma liga baseada na Paz geral. Por outro lado, os dois programas eram, nolimite, inconciliveis: enquanto Iscrates pretendia utilizar o poderio macednio para lanarAtenas em um novo imperialismo, Felipe tinha a inteno de utilizar a Liga de Corinto paraseus prprios fins. Nada, portanto, permite afirmar que Felipe tenha adotado como seu oprograma de Iscrates, que pretendia a conquista e colonizao da sia Menor, da Cilcia aSnope.

    Desde ento, fica evidente que os imperativos propriamente macednios prevaleciam sobreos sonhos de Iscrates. Felipe conduzira seu empreendimento em uma dupla via: ele deviadirigir a expedio ao mesmo tempo como estrategista dos helenos, para vingar a Grcia porisso a inveno (ou melhor, a reinveno) da frmula genial de guerra de represlias e,como rei dos macednios, para (oficialmente) punir os ataques dos persas contra Perinto eTrcia; a isso Alexandre acrescentou a vingana pelo assassinato de Felipe, que a propagandamacednia atribua s intrigas da corte aquemnida.

    III. Alexandre e os territrios reais aquemnidas

    Os autores antigos relatam que, na ocasio de seu desembarque, Alexandre fez um gestoque pretendia ser altamente simblico:

    Quando tocaram a margem, Alexandre foi o primeiro a lanar um dardo, como se fosseterra inimiga... (Justino XI, 5, 10); Saltou em seguida do navio... dando a entender querecebia a sia dos deuses, como um territrio conquistado a ponta de lana (choradoriktetos; Diodoro, XVII, 17, 2).

    Devido tonalidade heroica que querem imprimir, esses textos no so determinantes, porsi s, para permitirem uma avaliao da amplitude das ambies territoriais de Alexandre. Emcompensao, a nomeao de strapas e administradores macednios nas satrapiasconquistadas, logo aps a vitria do Granico, no deixa nenhuma dvida, como foi o caso deDaskyleion, capital da Frgia Helespntica:

    Ele nomeou Kalas strapa da regio administrada por Arsites [antigo strapa persa],ordenando populao que pagasse os mesmos tributos que pagava a Dario; aos brbaros quedesceram das montanhas para se renderem, convidou-os a voltar para suas prprias casas...Mandou Parmnion tomar posse de Daskyleion, o que Parmnion fez, tendo a guarnioevacuado a cidade (Arriano, I, 17, 1-2).

    Em toda a sia Menor constata-se a mesma poltica, simbolizada pela retomada do tributodos brbaros ou do tributo de Dario. No mnimo, tais atitudes e decises significam que,mesmo antes de seu desembarque, o objetivo de Alexandre ultrapassava singularmente osobjetivos fixados por Iscrates. A despeito de afirmaes feitas recentemente nesse sentido21,parece difcil acreditar que o primeiro objetivo de Alexandre se limitasse guerra de

  • represlias.

    IV. Guerra de libertao e guerra de represlias: limites do filo-helenismo deAlexandre

    De acordo com as decises do Synedrion e do hegemon, contingentes foram convocadosnas cidades e Estados da Liga. Esses contingentes formavam uma parte no negligencivel doexrcito de Alexandre: sete mil soldados de infantaria (de um total de 32 mil) e 2,4 milcavaleiros, se for includa a cavalaria tessaliana (de um total de 5,5 mil). Mas, se excetuarmosa cavalaria tessaliana, esses contingentes desempenharam um papel muito apagado durante aexpedio. Quanto frota grega, o rei j a dispensara no vero de 334 a.C., em Mileto.

    A participao desses contingentes na expedio respondia de fato a uma duplapreocupao de Alexandre. Por um lado, sua presena justificava o carter pan-helnico daguerra de represlias realizada pelo estratego dos helenos. Durante suas campanhas,Alexandre no deixou de adotar medidas espetaculares destinadas a enraizar tal ideia. Assim,depois da vitria do Granico (334 a.C.), ele enviou a Atenas trezentos panplias22 persascom esta inscrio: Alexandre, filho de Felipe, e os gregos, com exceo dos lacedemnios(recolhidos os despojos), nos Brbaros que povoam a sia (Arriano, I, 16, 7).

    Mas convm recolocar o gesto no seu contexto: as famlias dos cavaleiros macedniosmortos durante a batalha tambm recebiam presentes, no caso, uma iseno de impostospessoais e sobre propriedades. De resto, uma rpida anlise torna claro que o fervor helenistade Alexandre dependia diretamente das dificuldades militares e estratgicas que eleencontrasse no decorrer da guerra. importante constatar que ele multiplica os gestos de boavontade no exato momento em que gis III de Esparta ameaava a dominao macednia naEuropa: na primavera de 331 a.C., ele aceita libertar os mercenrios atenienses feitosprisioneiros no Granico, ao passo que, em Gordion (primavera de 333 a.C.), ele opusera umarecusa brutal demanda ateniense; num momento, de fato, em que os sucessos da reconquistamartima persa eram uma grave ameaa ao prosseguimento da expedio, Alexandre julgouno ser o momento de enfraquecer o terror que ele inspirava nos gregos (Arriano, I, 29, 5-6); depois da vitria de Gaugamela (outubro de 331 a.C.), que ele equipara s vitrias obtidaspelos gregos sobre os persas em Salamina (480 a.C.) e em Plateias (479 a.C.), ele escreveu(aos gregos) que todas as tiranias tinham sido abolidas e que eles podiam se governar segundosuas prprias leis (Plutarco, Alex., 34, 2); em Susa (dezembro de 331 a.C.), numa data emque a notcia da derrota de gis ainda no lhe chegara, ele devolveu a Atenas as esttuas dostiranoctones23, que Xerxes havia mandado retirar em 480 a.C.; por fim, mesmo que noesprito de Alexandre o incndio de Perspolis tivesse sido antes de mais nada um gestodestinado aos persas (ver a seguir, p. 87-90), evidente que, do ponto de vista dos gregos daEuropa, era tambm um sinal da vontade de Alexandre de levar at as ltimas consequncias aguerra de represlias em nome da Liga de Corinto, ou seja, vingar as destruies infligidaspelos persas Grcia durante as guerras medas.

    Enfim, os autores modernos no deixam de enfatizar que a mobilizao dos contingentesgregos respondia tambm ao desejo de Alexandre de se assegurar da tranquilidade dosEstados gregos. Ou seja, que os contingentes aliados eram, nem mais nem menos, refns nas

  • mos de Alexandre. sintomtico constatar que a nica revolta aberta na Grcia veio deEsparta, que, precisamente, havia se recusado a aderir Liga, e que a guerra contra Espartafoi a ltima ocasio em que se viu funcionar o Synedrion de Corinto.

    Quanto libertao das cidades gregas da sia Menor, ela apresentada por muitosautores antigos como uma tarefa prioritria de Alexandre. No se pode negar, com efeito, quenas cidades governadas pelos oligarcas ou por um tirano sua chegada foi considerada umalibertao. Assim, em feso, o restabelecimento da democracia deu lugar a umdesencadeamento de violncia coletiva: Alexandre teve de intervir para fazer cessar osmassacres dos partidrios do tirano. Mas, ao lado de exemplos de acolhida entusiasta, oscasos de resistncia ou de revolta no foram raros, como nas pequenas cidades do sul da siaMenor que Alexandre teve de vencer pela fora no decorrer de uma dura campanha de inverno(334/333 a.C.).

    A poltica de Alexandre em relao s cidades gregas, durante a conquista da sia Menor,era ditada em boa parte pela atitudes delas a seu respeito, ou seja, ele se sentia autorizado aaplicar aos rebeldes o direito grego da guerra, e portanto a dispor soberanamente da cidade ede seus habitantes.24 A liberdade no inerente cidade grega, como pretendia W. W. Tarn; uma liberdade concedida por Alexandre, e portanto uma liberdade precria. A melhorilustrao disso Aspendos, cidade da Panflia, que, num primeiro momento, obteve deAlexandre a iseno de guarnio mediante um pagamento de cinquenta talentos e um tributoin natura (cavalos). Esse acerto garantia aos aspendianos a autonomia. Mas, diante da notciade que Aspendos se recusava a aplicar o acordo, Alexandre voltou sob seus muros e imps umnovo acerto de contas que, de cidade autnoma, a transformava em cidade sujeitada. Comefeito, Alexandre ordenou aos aspendianos que entregassem os notveis como refns, quedessem os cavalos prometidos anteriormente, e cem talentos em vez de cinquenta; queobedecessem ao strapa que ele nomearia, que pagassem um tributo anual aos macednios e,finalmente, que se submetessem a uma averiguao a respeito do territrio de seus vizinhos,que eram acusados de haver tomado pela violncia e se apropriado sem direito (Arriano, I,27,4).

    Na verdade, fica-se tentado a repetir a pergunta feita por R. Sealey a propsito da fundaoda Liga de Delos por Atenas em 478/477 a.C.: as cidades gregas da sia teriamverdadeiramente o desejo de ser libertadas em 334 a.C.? Os recuos de Atenas, Tebas eEsparta diante dos ultimatos aquemnidas no sculo IV a.C. no podiam seno suscitar umgrande ceticismo sobre o entusiasmo de suas irms europeias; estas no tinham aceitado, em386 a.C., a paz do rei, que oficializava a dominao persa sobre a costa da Anatlia? Poroutro lado, a brutalidade de Alexandre em relao a Tebas, em 334 a.C., s podia fazer nasceros piores temores sobre a maneira como o rei macednio concebia suas relaes com ascidades gregas. Por fim, com mais de dois sculos de coabitao, pode-se admitir que umcerto modus vivendi se estabeleceu entre os gregos da sia e a administrao aquemnida.

    V. A conquista da ndia e o retorno pelo Golfo Prsico

    As expedies ndia e ao Golfo Prsico constituem a parte da conquista que suscitou oscomentrios mais variados entre os historiadores. Atrao pelo desconhecido, vontade de se

  • identificar com Hrcules e Dionsio, pothos, gosto pela descoberta geogrfica, objetivoscomerciais: tais so as explicaes propostas com mais frequncia. Mas surge o problema desaber com preciso qual teria sido a motivao determinante. Tambm seria preciso indagarat onde Alexandre queria conduzir suas tropas, e desde quando ele nutria o projeto deconquista da ndia.

    Antes de mais nada, errado ver em Alexandre uma espcie de Cristvo Colombo: o reino descobriu nenhuma terra virgem. O Pendjab e o vale do Indo tinham sido conquistados porDario I e anexados ao imprio aquemnida, do qual ainda faziam parte nominalmente.Alexandre, portanto, no pegou a estrada em direo ao desconhecido. Alm disso, o rei sebeneficiou de informaes fornecidas pelos prncipes indianos aliados, depois por guiaslocais.25 No h dvida de que o objetivo fundamental do rei era restaurar em seu proveito oslimites do imprio de Dario I, e obter dessa restaurao todos os lucros polticos e fiscais queos Grandes Reis tinham tirado.

    Tudo, portanto, leva a admitir a realidade das ambies territoriais de Alexandre e a julgarque, em 334 a.C., ele tinha uma ideia simultaneamente precisa no conjunto e vaga no detalhesobre a dimenso do mundo que ele se preparava para conquistar. A razo de suaclarividncia no era simplesmente por aquele mundo j ter sido conquistado pelosaquemnidas?

    Ser que, por outro lado, depois da derrota de Poros, o rei pretendia ultrapassar asfronteiras aquemnidas e alcanar o Ganges e o Oceano exterior, como afirmavam certostextos antigos, ou ento, ao contrrio, o nico objetivo de Alexandre seria nesse caso descer oIndo e voltar pelo Golfo Prsico? Por causa das grandes incertezas documentais, o debatedificilmente pode ser solucionado no momento presente, mas necessrio reconhecer que osrelatos acerca da recusa dos soldados a marchar alm do Hifase do fora primeirainterpretao.26

    VI. O problema dos ltimos planos

    Enfim, diversos autores antigos afirmam que em 323 a.C. Alexandre acalentava o projetode conquistar a bacia ocidental do Mediterrneo. Segundo Diodoro (XVIII, 4, 1-6), aps amorte do rei, foram descobertos em seus papis projetos (hypomnemata) que Prdicas, ohomem forte da sucesso, apresentou ao exrcito (que se recusou a aplic-los):

    Propunha-se a construo de mil navios de guerra, mais pesados do que trirremes27, naFencia, Sria, Cilcia e Chipre, para a campanha contra os cartagineses e outros povos queviviam ao longo da costa da Lbia e da Ibria, e na regio costeira vizinha at a Siclia; aconstruo de uma estrada ao longo da Lbia at as Colunas de Hrcules e, para asnecessidades de uma expedio to grande, a construo de portos e arsenais em locaisjudiciosamente escolhidos; erigir seis templos magnficos e custosos, razo de 1,5 miltalentos para cada um; e, finalmente, estabelecer cidades e transplantar populaes da siapara a Europa e da Europa para a sia, de maneira a fazer nascer uma comunidade de esprito(homonoia) e relaes amistosas por intermdio de intercasamentos e, portanto, de elosfamiliares.

  • Poucos textos deram lugar a um nmero to grande de comentrios opostos, pois oproblema apresentado por essa tradio complicadssimo. A coerncia aparente dos planosatribudos a Alexandre talvez seja simplesmente fictcia. Ela repousa, com efeito, ao menosem boa parte, sobre a articulao afirmada entre uma expedio de circum-navegao daArbia at o Egito e sobre o projeto de prosseguir a guerra at o Mediterrneo ocidental. Masmesmo a primeira parte do plano deve ser vista com cautela, como se depreende de resto daformulao muito discreta de Arriano. No h dvida de que em 324 a.C. Alexandre confiou aoficiais a misso de efetuar essa circum-navegao, mas no menos marcante o fato de todoseles terem fracassado o que se compreende facilmente, por causa das dificuldades tcnicasinauditas. Nada permite afirmar, de fato, que Alexandre pudesse simplesmente, no caso,retomar as tradies aquemnidas: a despeito de uma declarao de Dario I sobre uma dasestelas do canal que ele reabriu entre o Nilo e o mar Vermelho (por volta de 500-490 a.C.),nunca existiu linha de comunicao direta e regular entre o mar Vermelho e o Golfo Prsico napoca da dominao persa.28 Em 324-323 a.C., o principal objetivo de Alexandre erasobretudo botar a mo na margem rabe do Golfo Prsico, como Nearco havia feito namargem persa (p. 76-79): ele certamente no tinha nenhuma vontade de arriscar todas as suasforas em um empreendimento impossvel. Mesmo que formalmente essas observaes noreduzam a nada a existncia de planos ocidentais de Alexandre, elas servem para lembrar que,no mnimo, o estudo do conjunto dos documentos deve incitar muita prudncia.

    21. Ver M. Hatzopoulos, ZEP, 1997 (adiante neste texto, p. 57 e n. 11)22. Na Grcia antiga, armadura completa de hoplita (soldado da infantaria pesadamente armado). (N.T.)23. Matadores de tiranos, que assassinaram em 514 a.C. um dos filhos do tirano Pisistrate, desencadeando o processo queresultaria no advento da democracia ateniense. (N.T.)24. Cf. E. Bikermann, Alexandre le Grand et les villes dAsie, REG, 1934, p. 346-374.25. Sobre os informantes de Alexandre, ver A. B. Bosworth, Alexander and the East, Oxford, 1966, p. 66-97.26. Ver em ltimo lugar T. R. Robinson, AHB, 7/3, 1993, p. 84-99, e A. B. Bosworth, op. cit., p. 186-200.27. Embarcao da Antiguidade que dispunha de trs ordens de remos. (N.T.)28. Ver J. F. Salles, TMO, 16, Lyon, 1988, p. 75-102; P. Briant, AchHist, VI, 1991, p. 76-79; Ch. Tuplin, ibid., p. 270-278; S.Amigues, Topoi, 6/2, 1966, p. 671-683.

  • CAPTULO III

    AS RESISTNCIAS CONQUISTANem a constncia com que Alexandre avanou nem seu sucesso final devem fazer crer que

    ele tenha conseguido completar seu empreendimento harmoniosamente, sem tropeos. Muitoao contrrio, ele se chocou com uma resistncia prolongada por parte de Dario e dos exrcitosaquemnidas (334-330 a.C.). Essa resistncia apresentava um perigo ainda maior devido aorisco de se combinar com uma revolta na Grcia da Europa (333-331 a.C.). Nos trs anos quese seguiram morte de Dario (330-327 a.C.), o exrcito macednio esteve ameaado dederrota na Bactriana e na Sogdiana; paralelamente, desenvolveu-se uma oposio no interiordo exrcito que forou Alexandre a interromper sua aventura sobre o Hifase (vero de 326a.C.).

    I. A resistncia oposta por Dario (334-330 a.C.)

    1. As foras presentes Seria um grave erro de perspectiva subestimar a capacidade deresistncia do imprio aquemnida e o valor de seu chefe. Em 334 a.C., a relao numricadas foras era largamente favorvel aos persas. Diante dos trinta mil soldados de infantaria edos cinco mil cavaleiros de Alexandre, o imprio aquemnida podia mobilizar exrcitosconsiderveis, apesar de sabermos que preciso cautela com dados antigos. Igualmenteilimitados eram os recursos financeiros do Grande Rei, que dispunha de tesouros acumuladosem Susa, Ecbtana, Perspolis e Babilnia. Ao contrrio de uma ideia persistente, o imprioaquemnida do sculo IV a.C. no entrara numa fase de decadncia acelerada. No sevislumbra crise econmica nem descontentamento generalizado. O Grande Rei ainda podiacontar com a fidelidade das grandes famlias persas, bem como com a colaborao das eliteslocais. As diferentes etapas da conquista macednia demonstram, por outro lado, que a marchade Alexandre foi dificultada pelos exrcitos reais e, por vezes, pela resistncia dos povos edas cidades.29

    verdade que o exrcito macednio, conduzido por Alexandre, dispunha de superioridadetcnica e destreza inegveis. Alexandre herdara de Felipe um exrcito com total domnio daarte das batalhas campais. Alexandre, por sua vez, era um ttico sem igual, que secaracterizava sobretudo por sua extraordinria capacidade de adaptao. Diante do exrcitoreal de Dario, cujo alistamento s ocorreu em circunstncias excepcionais, o exrcitomacednio adquiriu reflexos de um exrcito quase profissional. No entanto, os exrcitosaquemnidas dispunham de contingentes perfeitamente treinados, e Dario soube introduzirinovaes tcnicas.30 Ele dispunha, alm disso, de uma superioridade naval que, em 334 a.C.,lhe assegurava, em princpio, o controle do mar Egeu.

    2. Fragilidades e riscos da posio estratgica de Alexandre Mas a comparao do

    nmero de combatentes e dos mtodos de combate no permite compreender a evoluo das

  • operaes. No plano estratgico, importante destacar que, em maio de 334 a.C., a posiode Alexandre no era to segura quanto podia parecer. Ainda que, ao contrrio de uma visoherdada da Antiguidade, ele dispusesse de recursos monetrios e financeiros suficientes31,nem por isso podia se permitir qualquer passo em falso. Na verdade, ele sabia muito bem queum fracasso seria um encorajamento para os revanchistas nas cidades gregas. Para resumir,Alexandre estava condenado vitria.

    Outro claro trunfo de Dario: medida que avanava pelos territrios imperiais sem vencera oposio aquemnida, Alexandre via sua situao estratgica se tornar cada vez mais crtica.O exrcito macednio, ilha movedia dentro de um territrio inimigo (E. Badian), porpouco no se viu batido por dois contra-ataques persas que se desenrolaram sobre suasretaguardas, aps as batalhas do Granico (maio de 334 a.C.) e de Issos (novembro de 333a.C.).

    Por mais importante que tenha sido (Alexandre no foi arremetido ao mar), a batalha doGranico no permitiu ao macednio ter esperana de subjugar a sia Menor sem combate.Grande parte dos exrcitos persas conseguiu deixar o campo de batalha e recuar para Mileto,onde Memnon assumiu o comando, e depois para Helicarnasso, aps a queda de Mileto. Eragrande a vontade de resistncia de todas essas tropas, especialmente entre os mercenriosgregos, de quem a conduta selvagem de Alexandre depois da batalha retirara qualquer desejode deixar o partido de Dario.

    Memnon e Orontobates puseram Helicarnasso em estado de stio. O primeiro recebeu deDario a misso de se lanar reconquista das ilhas e do litoral. Para Alexandre, paralisadopela ao dos defensores de Helicarnasso (vero de 334 a.C.), o perigo era considervel. Elemesmo escolhera bater-se de costas para o mar; em Mileto (julho-agosto), ele de fato tomara adeciso de dispensar sua frota, composta de contingentes gregos: achava que ela no tinha amenor chance de vencer a frota fencia, amplamente superior em nmero e qualidade; o rei,por outro lado, temia uma revolta da tripulao grega; por fim, ele no dispunha das reservasfinanceiras necessrias para manter essa fora naval: ao menos assim que Arriano explica adeciso de Alexandre, que continua a ensejar alguns problemas. Seja como for, o rei decidiralutar em terra contra a superioridade martima persa, colocando sob seu domnio todas asregies de onde Dario obtinha sua frota e tripulaes, ou seja, as costas da Lcia e Panflia, daCilcia e da Sria e Fencia.

    Mas uma estratgia dessas implicava um risco considervel: o de ficar preso entre doisfogos, o de Dario, que mobilizava em massa, e o de Memnon, que obtinha sucessosconsiderveis em sua empreitada de reconquista da costa da Anatlia, e cuja ao suscitavaimensas esperanas (ilusrias, alis) nas cidades gregas da Europa. A despeito da importnciaexcessiva que os autores antigos lhe atribuem, a morte de Memnon diante de Mitilene deLesbos (vero de 333 a.C.) em nada modificou a situao: seus sucessores, Farnabazo eAutofradates, no relaxaram os esforos; eles adotaram uma estratgia mais ofensiva,apoderando-se de numerosas ilhas, onde foram reafirmados os princpios da dominao persatal como haviam sido definidos em 386 a.C. por Artaxerxes II.32

    Ao partir de Gordion da Frgia, por volta de 333 a.C., a situao de Alexandre era,portanto, ainda pouco segura. Pouco antes de Issos, a aliana de seus inimigos estava de fato a

  • ponto de se realizar, uma vez que o rei gis de Esparta preparava-se para se juntar aAutofradates e Farnabazo em Sifnos. A vitria de Issos salvou Alexandre de um desastrepossvel e lhe permitiu voltar-se s cidades fencias Tiro em primeiro lugar , quecontinuavam sendo seu objetivo principal nesse momento. Contudo, escrever, como fez R.Cohen, que nenhum vencedor foi mais livre em seus movimentos do que Alexandre depois deIssos constitui um grave contrassenso. Bem ao contrrio, abre-se ento um dos perodos maiscrticos da expedio (outono de 333-primavera de 332 a.C.).

    Com efeito, aps a derrota de Issos, milhares de cavaleiros persas fugiram para o norte sobo comando de chefes ilustres. Procedendo retirada de forma ordenada, eles fizeram opercurso da via real e foram se instalar em regies que continuavam, de facto, fora dadominao macednia, ou seja, a Capadcia e a Paflagnia. Ali eles instituram orecrutamento e se viram rapidamente frente de foras considerveis (fim de 333-comeo de332 a.C.). A cunhagem de moedas de Snope com os nomes de Mitropastes, Orontobates eHidarnes deve certamente estar relacionada atividade dos persas. O objetivo deles erareconquistar toda a sia Menor, alm do Hlis.

    Porm, nessa poca, Dario comeara a reunir um novo exrcito na Babilnia; a frotafencia continuava no mar; na Europa, gis de Esparta, embora isoladamente, faziapreparativos; Alexandre estava imobilizado h vrios meses diante de Tiro: os tiriensespretendiam resistir o maior tempo possvel para permitir ao Grande Rei concluir seuspreparativos. Alexandre, por outro lado, no podia levantar o cerco, sob pena de perderqualquer chance de levar a termo seu projeto de conquista da costa fencia, da qual dependiatoda a sequncia da campanha. A situao era portanto delicada: ele corria o perigo de ficarpreso entre tenazes.

    Diante de situao to excepcional, ele confiou a Antgono, o Caolho, strapa da GrandeFrgia, o comando de todos os exrcitos da sia Menor reunidos. Homem de guerra notvel,Antgono, com a ajuda de outros strapas (Kalas, Nearco, Balakros), conseguiu quebrar ocontra-ataque persa na primavera de 332 a.C. Essas vitrias, sem dvida alguma, aliviaramconsideravelmente Alexandre no exato momento em que as esquadras fencias, cipriotas ecilcias vieram se alinhar sob sua autoridade. A queda de Tiro (vero de 332 a.C.) lhepermitiu realizar o programa que havia estabelecido no vero de 333 a.C.: desfazer as basescontinentais da marinha aquemnida. Contudo, a partida no estava ganha: a despeito dochoque causado pela notcia de Issos, e embora enfraquecido, Farnabazo prosseguiu suasatividades at o outono de 332 a.C.: Alexandre teve dificuldade para desfazer a praa-forte deGaza, poderosamente defendida por seu governador, Batis; e, enquanto isso, Dario reunia epreparava seu novo exrcito.

    3. Dario e os persas diante de Alexandre Deve-se ento, para explicar a derrota

    aquemnida, insistir na inferioridade do comando persa? Muitos historiadores modernosatribuem o essencial das responsabilidades a Dario, considerado um covarde nos campos debatalha e um incapaz nas negociaes diplomticas. Esse j era o julgamento divulgado pelasfontes gregas que, nutridas por um incrvel complexo de superioridade, adquiriram o hbito deempregar automaticamente certas palavras ao falar da Prsia: fraqueza, luxo, luxria,

  • bebedeira, covardia. Os gregos encontravam nisso uma cmoda justificativa para asconquistas. deplorvel constatar que uma corrente dominante da historiografia europeiaincorporou esses temas, para pintar de Alexandre o retrato do soldado da civilizao.

    Por causa da insuficincia e das contradies das fontes antigas, a reconstituio dasbatalhas antigas, embora muito apreciadas pelos amadores de wargame, apresenta problemaspraticamente insolveis. Entretanto, estudos recentes sugerem que Dario no foi o estrategaestpido que os historiadores se esforaram em descrever. Tambm no foi, certamente, o reicovarde que os autores antigos e modernos apresentam de maneira sistemtica.33

    Chega a surpreender a constatao de que Dario no utilizou sua esmagadora superioridadenaval para barrar a rota do Helesponto, e que no se precipitou, frente do exrcito real, pararepelir Alexandre at o mar. Essa inatividade parece ainda mais inexplicvel pelo fato de queele no podia ignorar os preparativos de Alexandre. Considerando o vazio documental,basicamente se deve reconhecer que a estranha ausncia da frota permanece inexplicvel ou,pelo menos, que nenhuma das interpretaes habitualmente apresentadas ultrapassa o estgioda verossimilhana. Quanto eventual convocao do exrcito real, preciso de fato destacarque, ao longo de toda a histria aquemnida, uma medida dessas seria uma exceo rarssima. provvel que, em 334 a.C., Dario e os seus considerassem o desembarque uma novatentativa fadada ao fracasso. Erro fatal de apreciao? Impossvel garantir, salvo seadotarmos um raciocnio fcil post eventum, que pressupe evidente o que no poderia s-lopara o estado-maior persa em 334 a.C.

    Diante do exrcito de Alexandre, Dario adotou portanto as medidas habituais. Ordenou aostrapa da Frgia Helespntica, Arsites, que se pusesse frente dos contingentes que lhe foramtrazidos pelos diferentes strapas da sia Menor e enfrentasse o exrcito macednio embatalha campal na Frgia. Os autores antigos descrevem a realizao de um conselho de guerraem torno de Arsites. Segundo Arriano e Diodoro, duas estratgias se opuseram ento.Diodoro, como de hbito, confere uma posio eminente a Memnon, que, parece, propunhaaplicar a estratgia da terra queimada. Arriano escreve (I, 12, 10):

    Mas Arsites, dizem, declarou durante a reunio que no toleraria que fosse incendiadauma nica casa dos que estivessem sob seu governo; e foram muitos os persas queconcordaram com ele, por suspeitarem que Memnon pudesse voluntariamente fazer a guerra searrastar por muito tempo, devido s honras que recebia do rei.

    Tomando o partido de Memnon, Diodoro afirma que Arsites e os chefes persas recusaramsuas propostas, sob o pretexto de que a atitude que ele preconizava era indigna daimpetuosidade generosa (megalopsychia) dos persas. A partir de Diodoro, criou-se o mitode que os persas, cegados por seu esprito cavalheiresco, teriam adotado um plano queDiodoro sem nenhuma dificuldade qualificou de ruinoso. Na realidade, o conselho de guerrano tinha a possibilidade de escolher uma estratgia em vez de outra: Arsites e seus colegastinham recebido do prprio Dario a ordem de enfrentar Alexandre em batalha campal. Naverdade, a superioridade presumida da cavalaria persa e a superioridade numrica de seuexrcito podiam fazer com que Arsites se achasse capaz de sair vitorioso.

    Quanto ao pnico postulado de Dario diante dos primeiros sucessos macednios, ele sobretudo induzido por uma tradio antiga relativa a seus abandonos territoriais. Os

  • autores de Alexandre afirmam, de fato, que por trs (ou duas) vezes depois de Issos, Dariorealizou aberturas diplomticas para recuperar membros de sua famlia, feitos prisioneirosaps a batalha. Esse ponto no pode ser negado. Mas eles acrescentam que, primeiro em Tiro(332 a.C.), depois no momento em que Alexandre atravessava o Eufrates (vero de 331 a.C.),o Grande Rei prometeu a Alexandre a mo de uma de suas filhas e ofereceu-lhe ceder umaparte dos territrios imperiais, at o Hlis (embaixada de Tiro), depois at o Eufrates. QuintoCrcio afirma, alm disso, que esses territrios eram concedidos a ttulo de dote da princesaprometida ao macednio. Mas essa tradio eminentemente suspeita. Ela absolutamente nocorresponde s decises estratgicas e s atividades militares comprovadas de Dario entreIssos e Gaugamela. De resto, o prprio Diodoro sabia que, durante um conselho realizado comseus prximos, Alexandre apresentou uma carta falsa de Dario. Esses abandonos devem serconsiderados, na realidade, como parte da propaganda macednia. Dario estava decidido alutar at o fim, mesmo depois de Gaugamela, num momento contudo em que a sorte das armaspendia de maneira cada vez mais inquietante a favor de seu adversrio.34

    II. Resistncia subterrnea e revolta aberta na Grcia

    Ao mesmo tempo, a Grcia no permanecia inativa. Ao chegar sia Menor em maio de334 a.C., Alexandre estava perfeitamente consciente do perigo: ele confiara a Antpatro amisso de vigiar as cidades gregas e, para isso, deixara com ele um exrcito de quinze milsoldados de infantaria e 1,5 mil cavaleiros. A revolta aberta veio de Esparta, que no aderiu Liga de Corinto e que, por isso, no enviou contingentes para Alexandre; gis II, rei desde338 a.C., tinha portanto as mos livres para preparar o exrcito espartano. Seu objetivo eraagir em colaborao com o Grande Rei. Em 333 a.C., ele decidiu se engajar completamente aolado dos persas e foi se encontrar em Sifnos com os navarcos Autofradates e Farnabazo.Infelizmente para ele, sua chegada coincidiu com a notcia da derrota de Dario em Issos, quearruinou as ltimas esperanas de realizar uma ao plenamente coordenada na sia e naEuropa.

    Em 331 a.C. explodiu uma revolta na Trcia: o estratega Memnon decidiu, ao que parece,tornar-se independente. Essa sublevao foi voluntariamente coordenada com a de gis? Nose pode afirmar com certeza, mas verdade que gis iniciou as hostilidades na mesma data.Ocupado com o front trcio, Antpatro enviou o estratega Korragos para o Peloponeso:Korragos foi vencido e morto. Lendo squines (Contra Ctsifon, 165), pode-se imaginar qualtenha sido a repercusso dessa primeira derrota de um exrcito macednio:

    Os lacedemnios e as tropas mercenrias tinham vencido a batalha e aniquilado o exrcitode Korragos. Os elidenses se juntaram a eles, bem como todos os aqueus, com exceo deMegalpolis. Esta estava sitiada, e todos os dias se esperava v-la cair. Alexandre cruzara opolo e quase os limites do mundo. Antpatro reunia lentamente seu exrcito, e o futuro eraincerto.

    Alexandre acompanhava com preocupao os acontecimentos peloponesianos e tomoumedidas para lutar contra gis. Na primavera de 331 a.C., em Tiro, para felicitar Atenas eencoraj-la na via da no interveno, consentiu finalmente que fossem libertados osmercenrios atenienses feitos prisioneiros no Granico: pouco depois, o navarco Anfoteros foi

  • enviado para ajudar os peloponesianos que estavam muito confiantes no resultado da guerrapersa e que no obedeciam aos lacedemonianos (Arriano, III, 6, 3); finalmente, antes de sedirigir ao Eufrates, deu a Antpatro a ordem de transigir (provisoriamente) com Memnon e secolocar contra gis. Antpatro contratou contingentes da Liga de Corinto; a batalha aconteceuem outubro de 331 a.C., sob os muros de Megalpolis: os espartanos foram vencidos, e o reigis perdeu a vida. Nem assim Alexandre se livrou de suas preocupaes, razo pela qual ovemos multiplicar durante vrios meses (fim de 331-comeo de 330 a.C.) os gestos de boavontade em relao aos gregos da Europa. Sem desempenhar papel determinante no resultadoda luta, a revolta de gis certamente suscitou em Alexandre preocupaes sobre a solidez desuas bases europeias.35

    III. Resistncias e represlias nas satrapias orientais (330-327 a.C.)

    Mas muito mais grave foi a feroz resistncia das satrapias orientais aps a morte de Dario.Cerca de trs anos foram necessrios para subjugar apenas Bactriana e Sogdiana, dirigidaspor Bessos e depois por Espitamenes.

    1. O fracasso de Bessos e a guerrilha de Espitamenes Depois de desempenhar o papel

    principal na conspirao contra Dario, Bessos retornou sua satrapia de Bactriana. Ali,conclamou os habitantes a se sublevar para defender sua liberdade, proclamando-se rei sobo nome de Artaxerxes. Ele pde contar com o apoio de Satibarzanes, strapa de ria, queAlexandre mantivera em seu posto. O novato Artaxerxes foi recebido em Bctria por Oxyartese Espitamenes, frente de um grande contingente sogdiano, que reforaram os sete milcavaleiros contratados por Bessos.36

    Bessos planejara devastar o planalto bactriano diante de Alexandre, depois travar umabatalha contra um exrcito macednio esgotado pelas privaes. Mas a ofensiva lanada porAlexandre na primavera de 329 a.C., a partir dos Paropamisades, surpreendeu o chefebactriano, que decidiu recuar para o outro lado do Oxus, queimando as embarcaes que lhehaviam permitido atravessar o rio. Ele foi ento abandonado pelos sete mil cavaleirosbactrianos. O exrcito macednio conseguiu atravessar o Oxus em cima de sacos de pelecheios de palha. Oxyartes e Espitamenes traram Bessos e o entregaram a Alexandre.

    Mas a captura de Bessos no resolveu a questo, pois em seguida Espitamenes encabeouuma revolta muito mais perigosa. Ao contrrio de Bessos, que de alguma maneira se mantinhapreso a concepes militares aquemnidas (batalhas campais), o chefe sogdiano compreendiaperfeitamente que devia utilizar contra Alexandre todos os trunfos naturais e humanos daSogdiana e da Bactriana, cobertas de praas-fortes naturais, e que o exrcito macednio noestava preparado para enfrentar as emboscadas nem para impedir os ataques de surpresa. Aresistncia de mltiplas cidades e guarnies inicialmente obrigou Alexandre a empreenderuma desgastante guerra de cercos. A situao era, portanto, diferente daquela das satrapiasocidentais, onde, em geral, a queda da capital satrpica anunciava a submisso da satrapia.

    Contra o exrcito macednio, obrigado a conquistar e manter mltiplas praas-fortes,Espitamenes adotou resolutamente uma ttica de assdios e ataques de surpresa,desaparecendo chegada do inimigo e reaparecendo onde ningum o esperava. Diante de um

  • inimigo to desconcertante, o rei tentou melhorar a mobilidade do exrcito, destacandocontingentes encarregados de perseguir Espitamenes no local onde ele tinha sido visto. Mas osogdiano contratara citas, que o avano de Alexandre para o norte e a fundao de Alexandriasobre o Iaxartes (329 a.C.) tinham deixado muito inquietos. Contudo, os soldados macedniosse adaptaram gradativamente guerrilha, e Alexandre pde em pouco tempo recrutarcavaleiros entre os nobres bactrianos e sogdianos aliados.

    Por outro lado, a colaborao dos citas era frgil e ambgua, como se depreende dasreflexes de Arriano (IV, 17, 4-5): Esses citas esto numa grande indigncia, e como no tmcidade nem instalaes permanentes e no temem por seus entes queridos , pois, fcilpersuadi-los a entrar em qualquer guerra que lhes ofeream fazer.

    Por trs dessa pintura estereotipada do nmade37, convm compreender que na realidadenem todos os povos das estepes pegaram em armas contra Alexandre: a resistncia dos sakas,do outro lado do rio Sir Dria (Iaxartes), no durou muito: a paz foi logo firmada (329 a.C.).Quando os contingentes sogdianos e bactrianos passaram para o lado de Alexandre, osmassgetas massacraram Espitamenes, pensando assim dissuadir Alexandre de atac-los. Seacrescentarmos que um nmero cada vez maior de nobres bactrianos e sogdianos se rendiam,s podemos manifestar as mais vivas reservas sobre o carter nacional que se atribuinormalmente a essa revolta. Em vez de uma revolta, melhor falar de diversas revoltas, deamplitude, durao e objetivos diferentes.

    Para compreender perfeitamente o perigo a que se expuseram os macednios nos anos 329-327 a.C., convm tambm esclarecer que o rei e seus lugares-tenentes tiveram de combater emdiversas frentes. Para marchar contra Bessos o mais depressa possvel, Alexandre havia, defato, deixado para trs regies mal submetidas, nas mos de strapas iranianos cuja fidelidadeera ainda frgil e vacilante. Bessos pde at nomear um strapa na Prtia. Na ria,Satibarzanes se sublevou por duas vezes, e dois outros strapas iranianos, Arsakes na ria eOxydates na Mdia, se recusaram a colaborar. Os distrbios prosseguiram at 328 a.C., ouseja, bem posteriormente captura de Bessos em Sogdiana (meio do vero de 329 a.C.).

    2. Alexandre e os insubmissos Mas o fracasso final de Espitamenes se explica tambm

    pelos mtodos adotados por Alexandre para quebrar a resistncia moral e militar daspopulaes. Sem recorrer viso polmica que (instigado por Agostinho de Hipona) Orose, oCristo, desenvolveu no sculo IV de nossa era contra Alexandre, voragem de desgraas e omais atroz dos ciclones para todo o Oriente (III, 7, 5), deve-se reconhecer que o reimacednio no hesitou em castigar sem piedade seus opositores, inclusive coletivamente.38 Aguerra de cercos contra as cidades de Sogdiana foi realizada com uma brutalidade inaudita.Em Gaza, ele deu ordem para massacrar toda a juventude... A cidade de Cirpolis foiarrasada. As colunas mveis que Alexandre formou para melhorar a rapidez de intervenode seu exrcito se parecem muito com colunas infernais. Em represlia contra oaniquilamento de uma formao do exrcito macednio em 328 a.C., Alexandre dividiu suastropas e deu ordem para botar fogo nos campos e massacrar os jovens... a fim de que todos osque traram tivessem de sofrer, da mesma maneira, os horrores da guerra (Quinto Crcio, VII,9, 22). O objetivo de Alexandre era claro: afastar Espitamenes da populao camponesa. Os

  • resultados no se fizeram esperar: no ano seguinte, ao anncio da chegada dos macednios,camponeses expulsaram de seus vilarejos os soldados de Espitamenes que acreditavam poderacampar ali.

    Estamos, portanto, longe da atitude cavalheiresca de Alexandre, louvada livrementepelos autores antigos durante a guerra contra Dario. As condies haviam se modificado.Alexandre estava cada vez mais irritado com o atraso que essas insubmisses impunham suaexpedio indiana. Ele compreendia, por outro lado, que a ferocidade da guerra e ainsegurana das posies de conquistador de seus inimigos podiam muito bem alterar o moralde suas tropas. Em suma, ele no conduzia uma guerra clssica contra um adversrioestabelecido e legal, mas contra bandos esparsos de rebeldes, que Quinto Crcio qualificasintomaticamente de salteadores (latrones). Ao partir para a ndia, Alexandre sabiaperfeitamente que a submisso das duas satrapias continuava precria. Ento, acrescentou acaptura de refns aos massacres:

    Para evitar em suas retaguardas qualquer sublevao capaz de entravar seus projetos,Alexandre recrutou em todas as provncias trinta mil jovens, que tiveram de se apresentar aele em armas: eles iriam lhe servir ao mesmo tempo de refns e de soldados (Quinto Crcio,VIII, 5, 1).

    Alexandre aplicou os mesmos mtodos na ndia, onde, aps a batalha campal contra Poros,teve outra vez de enfrentar revoltas massivas. A campanha contra os malienos (326 a.C.) foiuma verdadeira guerra de extermnio, a ponto de Arriano (VI, 14, 3) ter chamado de strapados malienos sobreviventes o strapa nomeado por Alexandre. Aconteceu o mesmo emGedrsia, segundo disse Diodoro (XVII, 104, 6-7).

    IV. Insatisfao e oposio dos soldados macednios (330-324 a. C.)

    A dificuldade da posio de Alexandre durante esse perodo foi ainda acrescida pelaoposio que o exrcito macednio no parou de manifestar ao prosseguimento da expedio.Dessa vontade de retornar Macednia, a atitude dos soldados na ocasio do saque dePerspolis (primavera de 330 a.C.) constitui o primeiro testemunho, assim transmitido porPlutarco (Alexandre, 38, 6-7):

    ...Os outros macednios que escutavam a notcia acorriam todos felizes com as tochas:eles pensavam que, ao queimar e arruinar os palcios dos brbaros, Alexandre demonstravasaudades do pas natal e vontade de no se fixar na terra deles.

    Algumas semanas mais tarde, os soldados manifestaram de novo seu cansao, justo nomomento em que Alexandre queria acelerar a marcha contra Dario fugitivo. A dispensa doscontingentes gregos ensejou o nascimento de falsas esperanas no exrcito:

    Espalhou-se... o rumor (sem que nada autorizasse) de que o rei, satisfeito com o querealizara, tinha decidido voltar imediatamente Macednia. Os soldados, como loucos,correm em todos os sentidos para as tendas; eles preparam seus pacotes para a viagem: tinha-se a impresso de que, no acampamento inteiro, fora dada a ordem de juntar as bagagens. Unsprocuravam seus companheiros de tenda, outros carregavam seus carros... (Quinto Crcio,VI, 2, 15-16).

    Depois de persuadir os outros oficiais a permanecerem unidos em torno dele, Alexandre

  • convocou o exrcito em assembleia e fez um longo discurso, insistindo sobretudo nafragilidade das conquistas j realizadas. Os argumentos aparentemente convenceram ossoldados, que, no dizer de autores antigos, instaram eles mesmos com Alexandre para que osconduzisse para onde quisesse no mundo.

    O episdio mostra que, em Perspolis, o prprio Alexandre teria modificado umaestratgia inicial limitada, que consistia em voltar para a Europa depois de devidamenteconcluda a guerra de represlias? Diante de uma tradio literria contraditria e falha, ainscrio grega recentemente utilizada para argumentar nesse sentido excessivamente incertae ambgua para fundamentar tal interpretao com total certeza.39 O caso mostra sobretudoque, desde a partida, Alexandre e seus ntimos, de um lado, e a massa de soldados, do outro,tinham uma viso diferente da expedio que se iniciava, e que Alexandre no mostraraambies que teriam ido de encontro a seus soldados e alguns dos chefes. A ferocidade e aincerteza dos combates em Sogdiana e Bactriana contriburam para acentuar ainda mais o mal-entendido entre Alexandre e os seus, no mesmo momento em que, por outras razes, uma partedos nobres macednios manifestava sua oposio aos mtodos de governo de Alexandre.Diante da notcia do extermnio de uma diviso inteira, Alexandre teve uma reao altamentesignificativa do desnimo profundo do exrcito: Ele teve a destreza de esconder essedesastre e, sob pena de morte, proibiu aos sobreviventes de divulgar a realidade (QuintoCrcio, VII, 7, 39). A crise final explodiu em 326 a.C. na ndia, s margens do Hifase. Quandosouberam que o rei tinha o projeto de prosseguir a expedio para o Ganges, os soldados serecusaram a segui-lo. Alexandre teve finalmente de ceder e ordenar o retorno, deciso queprovocou uma exploso de alegria no acampamento. Como explica o porta-voz Koinos, aprincipal razo da recusa dos soldados era o esgotamento fsico total no qual eles seencontravam. Desde 330 a.C., Alexandre vinha impondo a seus soldados esforos cada vezmais intensos, numa natureza cada vez mais hostil e sob climas to penosos quanto brutalmentecontrastantes. Durante a travessia do Hindu Kush (329 a.C.), os homens se viram cegados pelaneve e atormentados pela fome, e os feridos e os retardatrios foram abandonados na beira docaminho.

    O cansao e o desnimo dos soldados se explicam tambm pela brutalidade de certasmedidas de Alexandre. Foi o caso, especialmente, do inqualificvel assassinato de Parmnio,em Ecbtana, no ano de 330 a.C., por sicrios de Alexandre, que revoltou os soldados daguarnio. Alexandre recorreu velha astcia para inventariar e reunir os rebeldes eoponentes:

    Ele alistou em uma nica unidade, que chamou de Batalho dos indisciplinados, os quealimentavam contra ele propsitos hostis, os que se tinham indignado com a morte deParmnio, alm dos que, em cartas expedidas para a Macednia, tinham escrito coisascontrrias ao interesse do rei. Ele no queria que a franqueza descabida daquela linguagemcorrompesse o resto do exrcito (Diodoro, XVII, 80, 4).

    Outros autores especificaram que o prprio rei incentivara seus soldados a escreverem aosfamiliares e que, secretamente, tinha mandado lhe trazerem os maos de cartas. Ao reuniressas cabeas vigorosas em um regimento especial, a vontade do rei era exp-las morte oudistribu-las em colnias no fim do mundo (Justino, XII, 5, 8).

  • Por outro lado, os macednios, sobretudo os mais velhos, tinham pressa de rever seu pas egozar em paz o saque reunido na sia. Mas a viagem de volta, a partir da ndia, aconteceubaseada num mal-entendido fundamental. Os soldados estavam persuadidos de queretornariam Macednia definitivamente, com o rei frente. Mas no era essa a inteno deAlexandre. Por isso, a clera foi grande quando, em Opis (324 a.C.), os soldados perceberamque Alexandre estabeleceria para sempre na sia o centro do reino.40 Nenhum outroepisdio d uma ideia melhor da diferena de atitude dos macednios e de seu rei diante dofenmeno da conquista. Os primeiros s haviam deixado os horizontes europeus a contragosto;j Alexandre, ao contrrio, tinha decidido se instalar na sia a ttulo definitivo, conclamandoos iranianos a seu servio, e a prosseguir a obra de conquista em direo Arbia. Aos olhosdos simples soldados, parecia certo que os novos empreendimentos em que o rei queria lan-los correspondiam cada vez mais a empreendimentos pessoais, com os quais eles se sentiamcada vez menos solidrios.

    29. Sobre a situao do imprio aquemnida, cf. P. Briant, Histoire de lEmpire perse, Paris (1966), p. 712-823.30. Ver por exemplo P. Briant, Note dhistoire militaire achmnide. Sobre os elefantes de Dario III, em P. Brul e J. Oulhen(ed.), Esclavage, guerre, conomie en Grce ancienne. Hommages Y. Garlan, Rennes, 1997, p. 177-190.31. Ver G. Le Rider, Alexandre le Grand. Monnaie, finance, politique, Paris, PUF, 2003, p. 103-117.32. Sobre as operaes navais de Memnon e de seus sucessores, ver P. Briant, Histoire de lEmpire perse, p. 843-848.33. Ver minha obra Darius dans lombre dAlexandre (Paris, Fayard, 2003), onde se encontrar documentao e bibliografia.34. Sobre todos os pontos que acabam de ser mencionados, remeto a meu livro Histoire de lEmpire perse (1996), p. 848-859.35. Sobre os problemas ligados cronologia da revolta de gis e sobre os estudos anteriores de Badian, ver o artigo de E.Bloedow, em Festchrift fr H. Schmitt, Stuttgart (1995), p. 23-41.36. Ver P. Briant, LAsie centrale et les royaumes proche-orientaux au Ier millnaire, Paris, 1984, p. 81-88; novosdocumentos publicados em S. Shaked, Le satrape de Bactriane et son gouverneur, Paris, De Boccard, 2004. A incertezacontinua grande a respeito de um ou outro episdio: cf. F. Grenet C. Rapin, Bulletin of Asia Institute, 12 (1998) [2001], p.79-89.37. Cf. P. Briant, tat et pasteurs au Moyen-Orient ancien, Paris Cambridge, 1982, p. 9-56.38. Sobre este ponto, veremos as interpretaes de A. B. Bosworth, Alexander and the East, Oxford, 1996, e seu estudocomparativo entre Alexandre e Corts em Alexander the Great in fact and fiction, Oxford (2000), p. 23-49; leremos emcontraponto as observaes crticas (justificadas) de F. Holt, AHB, 13/3, 1999, p. 115-117, e as minhas em Studi Ellenistici,2005, p. 49 sq.39. Trata-se de uma inscrio da cidade de Felipes da Macednia, cujo texto encontra-se em M. Hatzopoulos, MacedonianInstitutions under the Kings, I (1996), p. 25-28. A interpretao foi apresentada pelo mesmo autor, Alexandre en Perse: larevanche et lempire, ZPE, 116, 1997, p. 41-52. O documento suscitou uma imensa bibliografia, e a interpretao, algumasoposies: ver, por ltimo, a crnica de M. Hatzopoulos em REG, 111 (1998), p. 625-626.40. Quinto Crcio, X, 2, 12. Sobre a atitude dos soldados macednios, ver P. Briant, Rois, tributs et paysans, Paris, 1982, p. 73-81.

  • CAPTULO IV

    ADMINISTRAO, DEFESA E EXPLORAO DOS TERRITRIOS CONQUISTADOSI. Os diferentes graus da autoridade real

    Em princpio, todos os territrios conquistados dependiam diretamente do rei e de suaadministrao, mesmo que s por direito de lana. Mas por trs desse princpio desoberania total e universal, muitas vezes lembrado por Alexandre, escondia-se na realidadeuma grande diversidade de status e de situaes. A marcha de Alexandre de fato foi rpida,sobretudo em certas regies. Ele no se preocupou em subjugar o imprio aquemnidatotalmente, nem em toda parte; o resultado foram situaes regionais bastante dspares,herdadas muitas delas dos Grandes Reis, que haviam deixado subsistir amplas autonomiaslocais. A frmula soberanos, reis, cidades, povos, que revela adequadamente a diversidadedo imprio de Dario, pode ser aplicada tambm, em grande medida, ao imprio de Alexandre.Assim, para simplificar, dentre os diferentes graus de sujeio distinguem-se as regiesadministradas diretamente pelos strapas reais e as regies de governo indireto, onde ocaso especfico das cidades gregas ser tratado parte.

    1. A administrao satrpica Seria cansativo passar em revista aqui as (cerca de) vinte

    satrapias com que conta o imprio de Alexandre por volta de 325 a.C. Vale mais a pena tentardestacar os princpios que guiaram Alexandre em sua prtica administrativa.41 Fica desdelogo evidente que ele conservou a maior parte das estruturas aquemnidas, especialmente assatrapias, cujos limites, salvo exceo, no foram modificados. Ficaramos tentados a admitirque o rei, inspirado nos deplorveis exemplos das revoltas dos strapas persas no sculo IV,procurou diminuir os poderes de seus prprios strapas, com a preocupao dominante demanter a unidade do imprio em torno da sua pessoa. Mas, nesse campo, os fatos e osexemplos so contraditrios. Certas decises reforam essa ideia; sabe-se, por exemplo, queele teve o cuidado de dividir as satrapias excessivamente extensas; assim, a Sria foi (talvez)amputada da Fencia em 329 a.C. De fato, Alexandre um pragmtico que sabe lidar com asnecessidades: parece que os dois nomarcas42 nomeados no Egito em 332/331 a.C. (um dosquais iraniano, Doloaspis) um recusou o posto apenas foram investidos de poderestericos: Cleomene, em pouco tempo, concentrou todos os poderes civis; verdade que ogrego de Nucratis era um notvel cobrador de impostos.43

    Por outro lado, algumas vezes Alexandre decidia repartir as atribuies satrpicas entrevrios titulares. Assim, no Egito e nas satrapias orientais (dirigidas por um strapa iraniano),o poder militar foi confiado a um ou a diversos macednios. Contudo, nada permite estender aregra s satrapias ocidentais. Nelas, ao contrrio excetuando-se o caso muito particular daCria, onde, at 326 a.C. (mais ou menos), a dinasta Ada (que aceitara Alexandre em 334a.C.) foi investida do ttulo de strapa (mas no do comando das tropas) , h vrios relatosda atividade militar dos strapas ao longo de todo o perodo 334-323 a.C. , alis,

  • compreensvel que Alexandre, que sempre deu provas de um grande pragmatismo nessasquestes, tenha dado poderes militares a strapas (ocidentais) que ele sabia estarem s voltascom revoltas e insubmisses crnicas dos povos de suas satrapias. A diviso dos poderesdentro das satrapias orientais constitua uma simples medida de prudncia. Por fim, osstrapas de Alexandre herdaram os poderes financeiros de que dispunham os strapasaquemnidas44; como mostra o texto das Econmicas do pseudo-Aristteles, sendo que suatarefa essencial era cobrar os diferentes impostos satrpicos.

    Os strapas macednios dispuseram portanto de amplos poderes. Como conciliar tal fatocom o cuidado demonstrado pelo rei em conservar um poder total? A razo essencial provavelmente que, para Alexandre, o problema no era colocado em termos jurdicos einstitucionais. Antes de mais nada, ele sabia que, no contexto da conquista, apenas umareorganizao dos poderes satrpicos no era suficiente para lhe assegurar a lealdadeindefectvel de seus subordinados. O imprio de Alexandre era um Estado em criaopermanente; era um Estado itinerante ao sabor dos deslocamentos do exrcito de conquista. justamente este o ponto importante: mais do que a existncia (ou a ausncia) das estruturasintermedirias de controle, a presena (ou a ausncia) da pessoa do rei que conduzia certosstrapas a obedecerem ou a se revoltarem. As tramas de alguns deles durante a campanha dandia so uma manifestao clara dessa situao. Ao retornar, na Carmnia, Alexandre adotoumedidas muito severas contra vrios strapas e administradores que no tinham cumpridodevidamente os deveres de seus cargos (extorses de todos os tipos, usurpao de funesetc.): alguns autores (F. Schachermeyer, E. Badian) chegaram a falar de um verdadeiroexpurgo. sintomtico constatar que a crtica essencial que lhes fazia Alexandre, deterem perdido a esperana no seu triunfo... De fato, os strapas achavam que a expedio ndia iria se arrastar no tempo; que Alexandre sucumbiria diante de tantas naesinimigas...45 Tudo se organizava portanto em torno da pessoa do rei. Ao partir para a ndia,Alexandre no deixou para trs nenhum vice-rei nem nen