alfabetização científica através da metodologia de

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34 | artigo Alfabetização científica através da metodologia de projetos: reflexões para o desenvolvimento de uma proposta na educação infantil Scientific alphabetizing through the methodology project: reflections on development of a proposal at infant education Denise do Prado Lisboa Oliveira 1 Paulo Cezar Santos Ventura 2 1 Mestre em Educação Tecnológica pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. jondeni@clubedoflechinha.com 2 Doutor em Sciences de L´information et de la Communication pelo Universite de Bourgogne. Professor do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. [email protected] | Recebido em: 08/07/2010 | Aceito em: 08/08/2010 RESUMO Este artigo trata da utilização da metodologia de projetos (MP) como facilitadora da alfabetização científica na educação infantil. Apresenta uma discussão dos termos “alfabetização científica” e “letramento científico”, buscando seus principais indicadores. Em seguida, na pesquisa de campo, realizamos o planejamento e a aplicação de uma aula prática sobre o tema coleta seletiva, para uma turma da segunda etapa da educação infantil, numa escola da rede privada de Belo Horizonte. Após analisar a atividade aplicada, dialogando com os dados coletados na análise documental e bibliográfica, encontramos evidências de que a MP possibilita a construção de um ambiente favorável à alfabetização científica e até mesmo de eventos de letramento científico, potencializando a internalização de conhecimentos no processo de ensino- aprendizagem. Palavras-chave: Metodologia de Projetos; Alfabetização Científica; Letramento Científico; Educação Infantil. ABSTRACT This article deals with the study of the use of project methodology (MP) as facilitator of scientific literacy of the infant education. Presents a discussion of “scientific alphabetizing” and “scientific literacy”, seeking its main indicators. Then, in field research, we performed the planning and implementation of a practical lesson of selective collection,with a group of the first period, at a private school. After analyzing the activity applied, dialoguing with the data collected in the documentary analysis and literature, we found evidence that MP allows the construction of a favorable environment for Scientific Alphabetizing, and even events of scientific literacy, increasing the internalization of knowledge in the process of teaching and learning. Keywords: Project Methodology; Scientific Alphabetizing; Scientific Literacy; Infant Education. Introdução A educação infantil é considerada a primeira etapa da educação básica, tendo como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade. Trata-se de

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34 | artigo

Alfabetização científica através da metodologia de projetos: reflexões para o desenvolvimento de uma proposta na educação infantilScientific alphabetizing through the methodology project: reflections on development of a proposal at infant education

Denise do Prado Lisboa Oliveira1

Paulo Cezar Santos Ventura2

1 Mestre em Educação

Tecnológica pelo Centro Federal

de Educação Tecnológica de

Minas Gerais.

[email protected]

2 Doutor em Sciences de

L´information et de la

Communication pelo Universite

de Bourgogne. Professor do

Centro Federal de Educação

Tecnológica de Minas Gerais.

[email protected]

| Recebido em: 08/07/2010 | Aceito em: 08/08/2010

RESUMOEste artigo trata da utilização da metodologia de projetos (MP) como facilitadora da alfabetização científica na educação infantil. Apresenta uma discussão dos termos “alfabetização científica” e “letramento científico”, buscando seus principais indicadores. Em seguida, na pesquisa de campo, realizamos o planejamento e a aplicação de uma aula prática sobre o tema coleta seletiva, para uma turma da segunda etapa da educação infantil, numa escola da rede privada de Belo Horizonte. Após analisar a atividade aplicada, dialogando com os dados coletados na análise documental e bibliográfica, encontramos evidências de que a MP possibilita a construção de um ambiente favorável à alfabetização científica e até mesmo de eventos de letramento científico, potencializando a internalização de conhecimentos no processo de ensino-aprendizagem.

Palavras-chave: Metodologia de Projetos; Alfabetização Científica; Letramento Científico; Educação Infantil.

ABSTRACTThis article deals with the study of the use of project methodology (MP) as facilitator of scientific literacy of the infant education. Presents a discussion of “scientific alphabetizing” and “scientific literacy”, seeking its main indicators. Then, in field research, we performed the planning and implementation of a practical lesson of selective collection,with a group of the first period, at a private school. After analyzing the activity applied, dialoguing with the data collected in the documentary analysis and literature, we found evidence that MP allows the construction of a favorable environment for Scientific Alphabetizing, and even events of scientific literacy, increasing the internalization of knowledge in the process of teaching and learning.

Keywords: Project Methodology; Scientific Alphabetizing; Scientific Literacy; Infant Education.

IntroduçãoA educação infantil é considerada a primeira etapa da educação básica, tendo como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade. Trata-se de

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um trabalho complementar entre as instituições de educação infantil e a família. A educação infantil, dividida em duas etapas, pretende atender as crianças de 0 a 3 anos e de 4 a 6 anos. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI (BRASIL, 1998) foi concebido de maneira a servir como um guia de reflexão de cunho educacional sobre objetivos, conteúdos e orientações didáticas para os profissionais que atuam com crianças de 0 a 6 anos, respeitando seus estilos pedagógicos e a diversidade cultural brasileira. De caráter não obrigatório, o RCNEI (BRASIL, 1998) pretende contribuir para o planejamento, o desenvolvimento e a avaliação de práticas educacionais que considerem a pluralidade e a diversidade. Composto por três volumes, esse documento está organizado da seguinte forma: Introdução, Formação Pessoal e Social (Identidade e Autonomia) e Conhecimento de Mundo (movimento; música; artes visuais; linguagem oral e escrita; natureza e sociedade e matemática).

A aprendizagem é um processo contínuo e a educação é caracterizada por saltos qualitativos de um nível de aprendizagem a outro. A aprendizagem desperta processos internos de desenvolvimento que somente podem ocorrer quando o indivíduo interage com outras pessoas. O processo de ensino-aprendizagem desenvolvido por meio de uma metodologia de projetos tem sido indicado como uma prática educativa que promove a aproximação entre a experiência escolar e a extraescolar pela prática de pesquisa e iniciação científica e tecnológica, evidenciando a interação social para a aprendizagem e o processo colaborativo de apropriação do conhecimento (VENTURA, 2002).

A atividade humana faz surgir diferentes linguagens, entre elas a científica. Ser alfabetizado cientificamente é saber expressar um modo de observar, interpretar e agir com relação à natureza, contribuindo, assim, para controlar e prever algumas das transformações que nela ocorrem. Assim, teremos condições de fazer com que essas transformações sejam propostas, para que conduzam a uma melhor qualidade de vida. Consideramos fundamental apresentar para o aluno conhecimentos científicos já nas séries iniciais da educação, viabilizando a interação entre o indivíduo e os fenômenos do mundo físico. A alfabetização científica deverá contribuir para favorecer a adoção de atitudes responsáveis, em particular diante dos problemas globais que afetam a humanidade. Um dos objetivos deste trabalho é analisar o papel e a aplicação da metodologia de projetos para a alfabetização científica no estudo do eixo de trabalho Natureza e Sociedade, estabelecendo uma interlocução com a perspectiva sociointeracionista, na segunda etapa da educação infantil. Parte-se da consideração de que o processo de ensino-aprendizagem, através da metodologia de projetos, possibilita a construção de um ambiente favorável à alfabetização científica, potencializando a internalização de conhecimentos no processo de ensino-aprendizagem.

A metodologia de projetos no contexto escolar: conceitos e implicações Existe uma tendência geral para o uso de projetos nas escolas, mas as práticas apresentam poucas características de um verdadeiro projeto. Este tópico explicita os principais referenciais teóricos sobre a metodologia de projetos e apresenta uma visão

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geral do que ela seja enquanto prática educativa, suas funções e aplicação. O termo “projeto” tem sido interpretado e utilizado de várias formas. Na educação infantil, constróem-se projetos de vida, projetos pedagógicos, projetos de artes, enfim, aparece como título de diversos tipos de atividades. Mesmo “mascaradas” de projetos, essas atividades, muitas vezes, são descontextualizadas, desenhadas e planejadas por uma coordenação pedagógica, em um trabalho unilateral, no qual a participação da criança é apenas na execução das tarefas.

Para o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, doravante apenas RCNEI (BRASIL, 1998), projetos são “(...) conjuntos de atividades3 que trabalham com conhecimentos específicos construídos a partir de um dos eixos de trabalho que se organizam ao redor de um problema para resolver ou um produto final que se quer obter” (BRASIL, 1998, p. 57).

Para Ventura (2002) projeto é

(...) uma atividade negociada entre os membros de uma equipe,

e entre a equipe e a rede de construção de conhecimento da qual

ela faz parte, atividade esta que se concretiza na realização de uma

obra ou na fabricação de um produto inovador. Ao mesmo tempo

em que esta ação transforma o meio, ela transforma também as

representações e as identidades dos membros da rede, produzindo

neles novas competências, através da resolução dos problemas

encontrados (VENTURA, 2002).

Como possui caráter investigativo, o trabalho com projetos caracteriza-se como uma estratégia para abordar e investigar problemas que vão além da compartimentação disciplinar e assumem o aspecto de complementaridade de saberes, e não de disciplinas. Essa metodologia favorece a interatividade, a autonomia, a aprendizagem significativa e a análise crítica de outras situações similares à que ele desenvolve no seu projeto escolar.

Para o RCNEI, o projeto é a forma prioritária de trabalho dos conteúdos da educação infantil. Durante o desenvolvimento do tema, o aluno precisa agir e confrontar as próprias ideias com os conhecimentos pesquisados, levantando dúvidas, hipóteses e curiosidades. Os dados precisam ser discutidos e registrados, desenvolvendo nos envolvidos essas habilidades. A avaliação é contínua e se inicia desde o planejamento, chegando até mesmo a momentos posteriores ao projeto, quando os impactos previstos podem ser confrontados. Feita durante o processo, a avaliação faz ajustes entre o ensino e aprendizagem, compara resultados alcançados a resultados esperados.

A metodologia de projetos é uma prática educativa4, de acordo com Ventura (2008 citado por LISBOA, 2009), por meio da qual os alunos aprendem conceitos científicos envolvidos em um sistema de atividades. Uma prática educativa se compõe de um conjunto de ações que determinam tanto o caráter preordenado de um ambiente de aprendizagem quanto sua dimensão de construção social. É uma atividade intencional

3 A palavra atividade, neste

documento, tem concepção

diferente da empregada na

Teoria da Atividade e neste

artigo (LEONTIEV, 1978).

4 Não se confunde com a prática

pedagógica, que se constitui

em um conjunto de ações

realizadas pelo professor. Já a

prática educativa engloba as

ações realizadas pelo professor,

as realizadas pelos alunos e a

interferência do e no ambiente.

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5 Mesmo em se tratando de

educação infantil, é comum

encontrar o uso exclusivo de

livros didáticos na prática

escolar. Nesses casos, a

principal função do aluno

é completar as atividades

propostas, mesmo aquelas

que estão completamente

descontextualizadas.

Consideramos que o profissional

que atua dessa maneira

desconsidera o que vem a ser

educar genuinamente.

dirigida para fins educativos e trata da relação direta entre o educador e o educando, e do resultado da educação, ou seja, a efetividade da aprendizagem. A prática educativa engloba alguns indivíduos diretamente envolvidos com o pensar/planejar, executar e avaliar a prática. A prática educativa constitui um ambiente de aprendizagem desde a sua organização inicial fundada em certa concepção de aprendizagem até a sua realização.

O termo ambiente de aprendizagem, inicialmente, originou-se na análise dos diferentes estilos de conduta e motivação dos alunos na interação com os objetos de aprendizagem, identificando a diversidade dos espaços, a ausência de controle, a oportunidade de planejar o ensino e como as oportunidades de aprendizagem se constituem. O ambiente de aprendizagem escolar é um lugar previamente organizado para promover oportunidades de aprendizagem e se constitui de forma única, na medida em que é socialmente construído por alunos e professores, a partir das interações estabelecidas entre si e com as demais fontes materiais e simbólicas do ambiente (MOREIRA, 2008). Lugar, nessa conceituação, deve ser entendido em sentido amplo, e não reduzido a espaço físico. O caráter previamente organizado de um ambiente de aprendizagem expressa uma intenção de promover oportunidades de aprendizagem. Pode ser uma estrutura mais diretiva, centrada no professor e fundada na transmissão de informações, mas pode ser uma organização dinâmica, flexível, centrada no aluno e na construção de sua autonomia. Refere-se também ao caráter distribuído da cognição, uma vez que ela está para além do indivíduo, pois consideramos que a inteligência é uma realização que emerge da ação do indivíduo. É realizada, em vez de possuída.

Quando almejamos formar o ser em sua integralidade, consideramos na criança um ser em formação. O ambiente de aprendizagem formal deve promover oportunidades de desenvolvimento para a criança, respeitando suas limitações e imaturidades. Adotar a metodologia de projetos num contexto escolar tradicional significa romper com o ensino fragmentado e livresco5, reorganizando o tempo e espaço escolar. Isso requer alterações no modo de planejar, avaliar e estabelecer as relações professor-aluno, estimulando a responsabilidade e a cooperação.

Letramento e alfabetização científica: congruências e diferenças Precisamos, inicialmente, compreender o que vem a ser alfabetização científica. Neste tópico, apresentamos as principais definições de alfabetização, expondo também sobre letramento e propondo uma discussão sobre esses termos.

A alfabetização envolve a compreensão e a apropriação de um código estabelecido socialmente. Esse código é formado por signos com significados culturalmente estabelecidos. O processo de alfabetização é intencional e ocorre em ambientes de aprendizagem formais, ou seja, em locais organizados com objetivos de ensino aprendizagem. Assim, alfabetizar-se implica a aquisição de uma tecnologia capaz de ser reproduzida por meio da escrita. A palavra “letramento” ainda não está dicionarizada.

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O letramento pode ser entendido como o resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita, ou ainda como o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais. Brian Street (1984 citado por MACEDO, 2004, p. 1) formula uma proposta para o letramento ao afirmar: “Eu usarei o termo letramento para nomear as práticas sociais e as concepções de leitura e escrita [...]. O que as práticas particulares e os conceitos de leitura e escrita são para uma dada sociedade depende do contexto”.

É importante observar que se ter apropriado da escrita é diferente de ter aprendido a ler e a escrever. Aprender a ler e escrever significa adquirir uma tecnologia, a de codificar em língua escrita e de decodificar a língua escrita; apropriar-se da escrita é tornar a escrita “própria”, ou seja, é assumi-la como sua “propriedade”. São processos distintos, porém interligados, não são independentes e, sim, interdependentes. No artigo “Letramento e alfabetização: as muitas facetas”, Magda Soares (2003) afirma: “(...) a alfabetização desenvolve-se no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por sua vez, só se pode desenvolver no contexto da e por meio da aprendizagem das relações fonema–grafema, isto é, em dependência da alfabetização” (SOARES, 2003).

Retomemos a grande diferença entre alfabetização e letramento: alfabetização é a aquisição de um código, o domínio de uma série de signos e a apropriação de significados, que ocorre geralmente dentro de ambientes formais de aprendizagem e pode ser medido por testes cognitivos. Letramento é o estado ou condição de indivíduos envolvidos em numerosas práticas sociais, em ambientes formais, não-formais e informais de aprendizagem, que fazem uso coletivo desse código adquirido em práticas sociais de leitura e escrita.

Sabendo-se que alfabetização refere-se ao processo de ensino-aprendizagem da leitura e da escrita, ou conjunto de técnicas utilizadas para a comunicação, em se tratando do ensino de ciências, podemos afirmar que a alfabetização científica é o processo de ensino-aprendizagem de habilidades do método científico, ou o conjunto de técnicas próprias das ciências utilizadas para a investigação e a construção de conhecimentos científicos, conforme Eler e Ventura (2007):

Se “alfabetização” é o processo de “aquisição do sistema de

codificação de fonemas e decodificação de grafemas, apropriação

do sistema alfabético e ortográfico da língua” (SOARES, 1998), então

a alfabetização científica pode ser entendida como a compreensão

da estrutura básica de funcionamento das ciências, o que engloba,

segundo Miller (apud SABATTINI, 2004), a aquisição de vocabulários

básicos de conceitos científicos, uma compreensão da natureza do

método científico e do impacto da ciência e da tecnologia sobre os

indivíduos e sobre a sociedade (ELER; VENTURA, 2007).

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Em ambos os casos, a alfabetização refere-se à aquisição e ao uso de técnicas com a apropriação de instrumentos para o desenvolvimento de competências individuais que podem ser medidas por testes cognitivos. Consideramos que o letramento científico, assim como o letramento, também envolve eventos de letramento científico e práticas de letramento científico. De acordo com Gouveia (2009), quando as situações diversas relacionadas com a ciência, a tecnologia e a sociedade ocorrem em contextos escolares, em que os alunos aprendem e usam habilidades para a resolução de um problema, geram os eventos de letramento científico. Ela afirma também que:

as práticas de letramento científico, referem-se tanto às habilidades

dos alunos envolvidas num evento de letramento científico, quanto

suas concepções que configuram a resolução de um problema e

dão sentido ao uso de conhecimentos científicos (GOUVEIA, 2009).

A fim de delimitar mais claramente quando ocorre a alfabetização científica ou o letramento científico, elaboramos a figura a seguir:

Figura 1: Diferenças entre alfabetização e letramento científico

Fonte: Dados da pesquisa bibliográfica.

Resumidamente, podemos afirmar que a alfabetização científica ocorre em ambientes formais de aprendizagem e pode ser medida individualmente, por meio de testes cognitivos em que se encontram indícios de aquisição de vocabulário próprio da ciência, compreensão, mesmo que seja inicial, do funcionamento do método científico e capacidade de previsão de impacto social. Entretanto, se observarmos a figura, veremos que existe uma interseção entre letramento e alfabetização na qual aparecem as práticas sociais, a utilização de método científico, a previsão de impacto

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e o ambiente formal e não-formal de aprendizagem. Estão nesse ponto localizadas, pois esses conceitos se aplicam tanto à alfabetização quanto ao letramento, sendo diferenciadas entre eles apenas pela aplicação coletiva. Se ocorre dentro da prática individual, podemos nomear como um de evento de alfabetização; se ocorre dentro da prática coletiva, podemos identificar como um evento de letramento.

Em relação ao ambiente de aprendizagem formal, podemos caracterizá-lo como os espaços organizados com objetivos de ensino-aprendizagem, como as escolas. Os ambientes não-formais de aprendizagem são aqueles elaborados com vistas ao aprendizado, mas que, entretanto, não avaliam nem certificam os educandos, sendo exemplos os museus, jardins botânicos, galerias de arte, etc. Já os ambientes informais de aprendizagem correspondem aos locais onde esse processo de ensino-aprendizagem não foi previamente planejado ou organizado, como casas, supermercados, clubes, etc.

Delimitando o que vem a ser alfabetização e letramento científicos, é possível perceber que ambos os termos devem ser melhor compreendidos pelos profissionais da educação infantil. As concepções envolvidas aparentam tanta complexidade, mas separá-los para melhor compreendê-los nos remete a agrupá-los novamente, almejando alfabetizar letrando. Considerando essas informações, passamos à análise de alguns eventos que foram destacados para identificação dos indícios apresentados.

Indicadores de alfabetização científicaNa alfabetização científica, existem indícios que comprovam a compreensão da estrutura básica de funcionamento das ciências que se inicia com a aquisição do vocabulário básico, que seria saber nomear corretamente determinados instrumentos, fenômenos ou objetos, partindo, em seguida, para a utilização do método científico como caminho para responder às questões levantadas e à consciência do impacto da ciência e da tecnologia sobre os indivíduos e a sociedade que engloba a capacidade de previsão de estratégias para resolução de um problema.

O artigo de Lorenzetti e Delizoicov (2001) apresenta a concepção de Bybee (1995) sobre três dimensões da alfabetização científica que ocorreriam de acordo com uma evolução gradual. São elas: a alfabetização científica “funcional”, “conceitual e processual” e “multidimensional”. A “alfabetização científica funcional” objetiva o desenvolvimento de conceitos, centrando-se na aquisição de um vocabulário, palavras técnicas envolvendo ciência e tecnologia. Na “alfabetização científica conceitual e processual”, os alunos já atribuem significados próprios aos conceitos científicos, relacionando informações e fatos sobre ciência e tecnologia6. O nível de “alfabetização científica multidimensional” é quando os indivíduos são capazes de adquirir e explicar conhecimentos, além de aplicá-los na solução de problemas do dia a dia.

A concepção de Bybee (1995) sobre as três dimensões da alfabetização científica se aproxima da concepção de letramento científico apresentada por Eler e Ventura (2007). Quando mostra a definição da “alfabetização científica funcional”, explicita que a

6 Destaca-se que o ensino

não se resume a vocabulário,

informações e fatos sobre

ciência e tecnologia. Inclui

habilidades e compreensões

relativas aos procedimentos

e processos que fazem da

ciência um dos caminhos para

o conhecimento, ou seja, não se

dicotomizam os processos e os

produtos da ciência.

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mesma objetiva o desenvolvimento de conceitos, ou seja, a aquisição de vocabulário. Para Bybee (1995), a “alfabetização científica conceitual e processual” refere-se a habilidades e compreensões relativas aos procedimentos e processos que tornam a ciência um dos caminhos para o conhecimento, ou seja, aponta a compreensão do funcionamento do método científico. Consideramos também que o método científico é muito complexo e abrangente, sendo necessário, em nosso trabalho, destacar apenas o método de projetos, pois ele aparece de forma atuante em todo o período da pesquisa7. E, finalmente, a “alfabetização científica multidimencional” é quando o indivíduo é capaz de adquirir e explicar conhecimentos, aplicando-os para resolução de problemas, apresentando uma característica da previsão de impacto social, presente no letramanto científico. Para Eler e Ventura (2007), a sociedade atual tornou-se um ambiente de letramento em ciência e tecnologia. Em uma cultura tecnologizada, podem existir analfabetos tecnológicos, mas não é possível existir sujeitos totalmente iletrados científica ou tecnologicamente.

A definição de alfabetização científica como a capacidade do indivíduo de ler, compreender e expressar opinião sobre assuntos que envolvam a ciência parte do pressuposto de que o indivíduo já tenha interagido com a educação formal, dominando, dessa forma, o código escrito. Na escola observada, os alunos envolvidos na pesquisa já iniciaram o processo de alfabetização. Nessa etapa, pretende-se que as crianças já tenham domínio do código e de sua utilização no dia a dia. Geralmente, já sabem a escrita do seu nome, de colegas e pessoas próximas (mãe, pai, irmãos), objetos que os rodeiam, como cadeiras, mesas, armários, brinquedos, enfim, participam de práticas sociais associadas a habilidades que envolvem a escrita. O domínio do código é uma condição inicial para apropriação de uma tecnologia8. Para as crianças pequenas que ainda não possuem completo domínio da leitura e da escrita essa alfabetização científica poderá auxiliar significativamente o processo de aquisição do código escrito, propiciando condições para que os alunos possam ampliar sua cultura. Espera-se que esses indivíduos ultrapassem a mera reprodução de conceitos científicos, destituídos de significados, de sentidos e de aplicabilidade.

Pesquisa de campo: aplicação e análise de atividade práticaUtilizando métodos qualitativos de coleta e tratamento dos dados, a pesquisa iniciou-se com a análise documental do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998). Escolhemos uma turma da segunda etapa da educação infantil em escola da rede privada da educação, localizada na região oeste de Belo Horizonte, que atua na educação infantil e no fundamental I. Os intrumentos escolhidos e utilizados para melhor responder ao tema em questão foram: análise documental e bibliográfica, observação, entrevista semiestruturada, planejamento e aplicação de uma prática em sala de aula.

A turma pesquisada é composta por seis alunos com quatro anos completos. A escola utiliza a metodologia de projetos em sua prática educativa. Na pesquisa de campo, após o período de observação, uma atividade foi elaborada e aplicada na turma,

7 Queremos salientar

que o presente trabalho

pretende perceber, nas

crianças observadas, uma

compreensão inicial do

funcionamento do método

científico, que aqui aparece

em forma de método de

projeto.

8 Entendemos tecnologia

como um “processo

educativo que se situa no

interior da inteligência das

técnicas para gerá-las de

outra forma e adaptá-las às

peculiaridades das regiões

e às novas condições da

sociedade”, conforme Ruiz e

Moreyra (2003).

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seguindo o projeto Coleta Seletiva, que estava sendo desenvolvido pela professora regente há seis semanas. Algumas ações foram destacadas por apresentarem indícios de alfabetização científica. A atividade proposta na pesquisa se dividiu em duas partes. Na primeira, a turma se encarregou de construir, intermediada pela pesquisadora, uma lixeira para coleta seletiva. Utilizando-se de materiais reaproveitáveis, a turma construiu o artefato, conforme a Figura 2.

Figura 2: Lixeira produzida pela turma

Depois de concluída a confecção das lixeiras e iniciada a segunda parte do experimento proposto pela pesquisadora, os alunos realizaram o levantamento das hipóteses da pesquisa sobre o lixo mais produzido pela turma. Não entrou nessa pesquisa a lixeira verde referente aos vidros, pois os próprios alunos consideraram desnecessário, uma vez que não utilizam diretamente o vidro na escola. O papel teve um voto, o plástico, dois, e o orgânico, três. O metal não foi escolhido por nenhum aluno da turma. Na tentativa de compreender o nível de entendimento dos alunos sobre as hipóteses levantadas, a pesquisadora pediu que eles justificassem suas escolhas. Para se certificar sobre o entendimento dos alunos, no dia seguinte, a justificativa foi novamente solicitada. As respostas encontram-se no Quadro 1.

Quadro 1

Fonte: Diário de campo, p. 33,34.

Aluno/ hipótese 1ª justificativa 2ª justificativaIsabel (Vermelha) “Eu trago muito plástico.” “É porque eu jogo esse lixo lá na

lixeira.”

Ivan (Marrom) “Porque eu trago muita fruta no

plástico.”

“É porque eu traço muita fruta

no plástico.”

Guto (Azul) “É porque, ééé... porque a gente

embrulha a fruta no papel.”

“Porque a gente traz muita fruta

no papel.”

Saul (Marrom) Não quis se justificar. “Escolhi porque... porque eu

achei, ué.”

Davi (Marrom) “Porque...não sei... é que a gente

traz muita fruta. Por causa que a

gente traz mais lixo orgânico.”

“Porque a gente traz muita coisa

orgânica.”

Rui (Vermelho) Não quis se justificar. “Porque... eu achei.”

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Comparando as justificativas, percebemos que os alunos realmente pensaram a respeito de suas hipóteses. Suas respostas apresentam coerência com as escolhas individuais e relacionam-se ao tipo de lixo mais produzido individualmente. No dia seguinte, no momento de comprovação da hipótese, houve dúvidas por parte dos alunos sobre qual lixeira estava mais cheia. Visualmente, não era possível identificar, sendo necessário espalhar os resíduos na mesa para a comparação.

Figura 3: Comparação dos resultados da pesquisa

Ficou constatado que havia mais resíduos de papel (B). A hipótese do Guto foi confirmada. Os demais alunos, apesar de terem hipóteses diferentes, permaneceram engajados na atividade, que prosseguiu com o descarte dos resíduos coletados.

Uma característica de um projeto é a sua flexibilidade, que oportuniza ir além do que está realmente planejado. Nesse projeto, ao descartar os resíduos, a turma constatou que o experimento realizado em sala se confirmou nas lixeiras da escola: havia mais lixo na lixeira azul, destinada aos papéis. “... Até essa aqui tá mais cheia!” (Ivan, referindo-se à lixeira azul do pátio da escola). Percebe-se que a noção de impacto da produção de lixo dos alunos se ampliou. Não somente eles estavam consumindo muito papel como também os demais alunos da instituição. Nesse ponto, é possível perceber que a questão se ampliou, sendo identificado um problema social. Toda a escola estava descartando mais papel do que os outros resíduos.

Podemos afirmar que, nesse momento, novas relações estavam se formando e evidências de um impacto social apareceram, indicando o início de um evento de

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letramento científico. A descoberta da grande produção de lixo de papel gerou uma nova questão: O que a turma pode fazer para amenizar a situação? Ao buscar estabelecer essa relação, os alunos utilizaram o conhecimento adquirido, buscando soluções imediatas para resolver o problema. Nesse contexto, percebe-se uma iniciação ao entendimento das relações entre ciência, sociedade e meio ambiente, que corresponde a uma característica de letramento científico. Apresentamos a análise da descrição do momento em que ocorreu essa discussão em classe:

Quadro 2: Indícios de alfabetização científica e letramento científico

Participante Discurso Indicadores

Pesquisadora

Então a escola é uma grande

produtora de lixo de papel. Estão

gastando muito papel e jogando

no lixo. O que podemos fazer

para melhorar essa situação?

Levantamento da questão

Ivan Já sei. Tira o papel. Levantamento de hipótese

Pesquisadora

Mas uma escola precisa usar pa-

pel, não precisa? O que podemos

fazer para gastar menos papel

Justificativa

Guto Trazer pouco papel Levantamento de hipótese

Ivan

A gente não usou o outro lado

(referindo-se à folha onde, no dia

anterior, haviam anotado a hipó-

tese da pesquisa). É melhor usar

essa folha e guardar a nova.

Organização da informação

Levantamento de hipotese

Previsão de impacto

Fonte: Diário de campo.

Após a pergunta da pesquisadora, Ivan levanta uma hipótese quando afirma: “Já sei. Tira o papel”. Depois da inferência da pesquisadora, o aluno organiza as informações sobre a necessidade do uso de papel na escola e levanta nova hipótese quando diz: “A gente não usou o outro lado. (referindo-se à folha onde, no dia anterior, haviam anotado a hipótese da pesquisa.) É melhor usar essa folha e guardar a nova”. No intervalo das falas do Ivan, Guto levanta uma hipótese: “Trazer pouco papel”. Quando Ivan afirma: “A gente não usou o outro lado”, está considerando a possibilidade de diminuição geral dos papéis gastos, usando os dois lados de uma mesma folha, ou seja, está realizando uma previsão de impacto social. Podemos considerar que, nesse ponto, ocorreu um evento de letramento científico, uma vez que o aluno reconheceu a consequente diminuição dos papéis gastos pela utilização completa dos papéis disponíveis. Mesmo depois de encerrado o projeto, os alunos decidiram continuar utilizando a lixeira construída por eles na sala de aula.

Na educação infantil, a avaliação deve ser contínua e baseia-se em registros e observações. A aprendizagem, assim, é medida não somente em atividades realizadas pelos alunos, mas também pelas mudanças de comportamento observadas. O professor da educação infantil tem papel fundamental de observação nesse processo,

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percebendo os indícios de mudanças e possíveis avanços na aprendizagem dos alunos. Por esse motivo, realizamos uma entrevista com a professora regente algumas semanas após o experimento para identificar o impacto do projeto nas crianças e até mesmo em seus familiares. De acordo com entrevista feita com a professora, percebemos que o projeto impactou os alunos, que assumiram posturas diferenciadas. Algumas questões serão analisadas individualmente.

Quadro 3: Análise da entrevista com a professora – parte 1

Questão Objetivo

Depois de concluídas as atividades propostas, que

atitudes a turma passou a ter?

Identificar o impacto do projeto para as crianças

RespostaOs alunos passaram a observar mais ao seu redor e a fiscalizar as atitudes dos colegas, pais, amigos e

professora. Percebi que nossa sala ficou mais limpa, principalmente após a merenda. Antes do projeto,

era comum encontrar restos de alimentos e embalagens no chão para que a auxiliar de limpeza recol-

hesse. O interesse pelos temas ambientais também aumentou, os alunos passaram a levar para o nosso

mural de curiosidades reportagens sobre coleta seletiva, reciclagem e preservação do meio ambiente. A

coleta seletiva também despertou nos alunos o senso de organização. O ato de separar e colocar cada

lixo em seu devido lugar induziu as crianças a organizarem seus objetos, colocando-os também nos

lugares corretos.

Fonte: Diário de pesquisa, p. 46.

Esse relato demonstra que o projeto foi bem internalizado pelas crianças que fizeram uso das informações adquiridas em momentos posteriores. Quando afirma que: “O interesse pelos temas ambientais também aumentou, os alunos passaram a levar para o nosso mural de curiosidades reportagens sobre coleta seletiva, reciclagem e preservação do meio ambiente”, a professora está indicando o uso de técnicas próprias das ciências utilizadas para a investigação e a construção de conhecimentos científicos, indicando a alfabetização científica e eventos de letramento científico dos alunos. Quando afirmou que “O ato de separar e colocar cada lixo em seu devido lugar induziu as crianças a organizarem seus objetos, colocando-os também nos lugares corretos”, a professora explicitou a interação dos alunos com uma demanda social possibilitada pela aquisição de novas habilidades, pois, entendendo como separar e organizar o lixo, passaram a separar e organizar também seus materiais pessoais. Uma vez que “O letramento científico possibilita aos alunos a interação com as demandas sociais através da aquisição e do uso de habilidades (GOUVEIA, 2009)”, podemos afirmar que um evento de letramento científico foi identificado.

46 | artigo

Quadro 4: Análise da entrevista com a professora – parte 2

Questão Objetivo

Quais foram as notícias sobre mudanças em casa?

Houve algum relato das famílias? Ou dos próprios

alunos?

Identificar o impacto do projeto para as crianças e

suas famílias

RespostaTodos os pais, sem exceção, fizeram relatos sobre os procedimentos em casa. Foram feitas perguntas

sobre coleta seletiva no bairro e na escola. Uma mãe brincou dizendo que eu havia colocado um “fiscal

infiltrado” em sua casa. Três alunos trouxeram lixo de casa para colocarmos nas lixeiras seletivas. Um

fato engraçado foi a auxiliar de limpeza perguntar se eu estava colocando os alunos de castigo se jogas-

sem coisas no chão, porque a sala passou a ficar limpa de repente.

Fonte: Diário de pesquisa, p. 46.

O relato indica que a mudança de hábito dos alunos se estendeu às suas casas. Ao dizer que a professora havia “colocado um fiscal infiltrado em sua casa”, essa mãe confirma que o projeto afetou também os hábitos familiares. Percebe-se o nível de compreensão dos alunos sobre a importância de se manter os ambientes limpos, tanto em casa quanto na escola. Isso demosntra o entendimento deles sobre as relações entre ciência e sociedade, aplicando os conhecimentos adquiridos em situações diversas.

Quadro 5: Análise da entrevista com a professora – parte 3

Questão Objetivo

Na sua opinião, qual o principal resultado desse

projeto? Ele atingiu os objetivos propostos?

Examinar a relevância do projeto Coleta Seletiva

RespostaO principal resultado do projeto foi ter incutido nos alunos uma responsabilidade social. Percebi que o

projeto contribuiu para a formação do caráter daqueles pequenos cidadãos.

Fonte: Diário de pesquisa, p. 46.

O relato aponta para a percepção, por parte da professora, da conscientização e da tranformação da realidade, ao afirmar que: “O principal resultado do projeto foi ter incutido nos alunos uma responsabilidade social”. E ainda: “(...) contribuiu para a formação do caráter daqueles pequenos cidadãos”.

Quadro 6: Análise da entrevista com a professora – parte 4

Questão Objetivo

Se você fizesse novamente, o que mudaria nesse

projeto?

Explorar novas possibilidades de atuação com

projetos

RespostaSe fizesse novamente o projeto, acrescentaria um trabalho junto à comunidade. Poderíamos distribuir

panfletos pelo bairro ou pelo prédio em que moramos e convidar responsáveis pela coleta seletiva na

cidade para nos trazer informações.

Fonte: Diário de pesquisa, p. 46.

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A resposta da professora aponta sua percepção social do projeto desenvolvido em sua turma. Ao afirmar que “acrescentaria um trabalho junto à comunidade”, está considerando as possibilidades de ampliação do projeto e sua aplicação prática no ambiente onde seus alunos e a escola estão inseridos. Isso se confirma no trecho: “poderíamos distribuir panfletos pelo bairro ou pelo prédio em que moramos”. Observados os detalhes da entrevista, podemos perceber que o projeto desenvolvido foi internalizado pelos alunos, que passaram a fazer uso das informações adquiridas, assim como das técnicas próprias da ciência para investigação e construção do conhecimento.

ConclusãoNossos estudos apontaram para a presença de indicadores de alfabetização científica e até mesmo eventos de letramento científico na educação infantil. Focalizamos nossos estudos na alfabetização científica, utilizando, para tanto, os indicadores colocados por Eler e Ventura (2007). Não deixamos de mencionar os indícios de letramento científico que apareceram à medida que os dados eram analisados. Algumas palavras já estavam incorporadas ao vocabulário dos alunos devido ao tempo passado do projeto, como “coleta”, “seletiva”, “orgânico”. Isso indica a aquisição de vocabulário científico por parte dos alunos, uma vez que conheceram e aplicaram esses termos científicos em seu dia a dia. Os alunos ainda levantaram hipóteses quando questionados sobre que tipo de lixo a turma mais produz e, em seguida, testaram essa hipótese ao comparar as quantidades dos resíduos coletados durante o experimento. Essas informações comprovam a utilização do método de projeto pelos alunos na resolução de problemas apresentados.

Na conclusão da atividade, foi possível identificar um momento em que o aluno foi capaz de fazer uma previsão de impacto social, ao sugerir que seja utilizado o outro lado da folha de hipóteses para o registro do resultado da pesquisa. Houve, nesse ponto, uma ruptura no processo, em que este passou de individual para coletivo, o que nos remete à presença inicial de letramento científico. A entrevista indicou que, mesmo após o encerramento do projeto, foi possível perceber mudanças no comportamento dos alunos, tanto em casa quanto na escola. Esses são indícios de que os alunos conseguiram relacionar os conteúdos estudados ao seu contexto social, transformando suas realidades. Essas tranformações foram visíveis pelas práticas sociais dos alunos, que modificaram seus comportamentos na escola e nos ambientes não-formais de aprendizagem, indicando novamente que o letramento científico estava em processo. Todas essas evidências nos levam a concluir que a metodologia de projetos pode ser uma prática educativa usada para a alfabetização científica dentro do ambiente de aprendizagem da educação infantil.

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