alpendre #5

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ISSN 2236 4382 1

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Revista Multidisciplinar do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de Votuporanga (UNIFEV) Edição 5 Universo Particular

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ISSN 2236 4382

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Um segredo está a nascer. Precisamente, nesse momento em que os olhos do curioso leitor percorrem esse encontro de palavras cadenciadas, um segredo salta de sua morada e vem habitar esse ensaio. Agora, ele flutua por entre essas três linhas escritas e dança sobre um chão forrado por letras coloridas que formam - com seus ângulos agudos, suas curvas e espaços vazios - pe-queninas pedras brilhantes em technicolor. Esse piso, que cintila a luz de uma manhã amarela, é o mesmo que levou Doroty ao encontro de um mágico fluido pink depois de um vendaval. Mas o segredo está mesmo interessado nas frestas, mas os vãos entre as palavras são grandes demais para garantir o equilíbrio de seu corpo franzino. Por isso, caroleitortratemosdecriarumlugarmaisestreitoparaosegredoseequilibrar. Acho que assim já é suficiente, ele já se acomodou, está aí bem aconchegado nessa sentença. Agora tratemos de criar um vazio, desses vazios longos que ocupam a gente por anos a fio. Esse fio de anos de vazio é necessário para que o segredo possa tecer o seu trapézio de melancolia feito da mais nobre trama de gotas de lágrimas de tristeza. Tudo pronto. Agora o segredo ba-lança entre as palavras, o vendaval que vem de cima empurra o segredo em um pêndulo infinito. Passa pela Doroty, rodopia em ângulos agudos, encontra do outro lado uma manhã amarela e volta, passa pelo mágico, tingindo de pink os espaços vazios, rodopia de novo em curvas technicolor e encontra do outro lado seu corpo franzino. E a platéia de um único espectador assiste sem fôlego à apresentação delicada e estonteante do segredo que vai e vem remexendo as nuvens. Preparando-se para o último salto, já que agora a altura entre a sentença estreita e esse chão de letras já é suficiente, o segredo mergulha e atravessa rapidamente esse amontoado de palavras, carrega todas elas em seu corpo e deixa o texto assim,

um eco oco no espaço.

Alpendre apresenta sua edição confidencial. Sua intimidade é bem vinda, sinta-se em casa, que contaremos um pouco dos segredos que selecionamos

para vocês!

por Maria Julia Barbieri Eichemberg

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ONDEVIVEMOS

EGOS

O ego, segundo definições, é “um modelo triádico do aparelho psíquico”. Mas quero enxerga-lo como um bichinho. Nascemos com esse bichinho. Ele se alimenta basicamente de arrogância e prepotência e inúmeras outras coisas que são fontes de vitaminas para o ego. Mora em um paradoxo entre segurança e insegurança e anda de mãos dadas com a percepção. Contudo, o ego não é uma boa companhia para a percepção, pois nos faz pensar que somos coisas que na verdade não somos. Quando bebes, ele é tão pequenino que sua existência é quase nula. Mas já na infância ele começa a crescer. “A bola é minha portanto eu defino as regras”. Cresce o ego, mas é um ego bobo, um ego-criança inconsequente que quer brincar na rua descalço sem se importar com muita coisa. Na pré-adolescência, às vezes um pouco antes, é apresentado para a vaidade, que se torna sua amiga fiel. Mas é na formação da fase adulta onde ele se apresenta como um vilão malvado. É característica do ego estar sempre um passo a frente da gente, de tal forma que seu crescimento pode nos ofuscar por completo. Ofusca também nossas atividades. Por exemplo, o ego de artistas, por vezes são muito grandes e gordos, daqueles que não conseguem nem se levantar às vezes. Bendito o artista que conseguir retratar seu ego em arte, haja tela, haja papel fotográfico, haja notas musicais... É legal imaginar a cena. Um pintor coloca seu ego no rio Sena para pintá-lo, e como é influente, conseguiu quilômetros de tela, mas ao colocar o ego no rio, ele transborda e inunda toda a Paris. Tem os egos gigantes dos pseudo-artistas também. Nossa, e são bastante feios. Crescem tanto que a arte já não mais importa. Por mais bela que seja, o ego está na frente, com uma face horrível, cheia de verrugas, espinhos, olhos distorcidos e tudo mais que assuste. Ele pula em cima da gente e nos sufoca tanto que mandamos pro inferno o artista e sua arte. Até gosto da arte-ego do Andy Warhol, mas vejo beleza mesmo na arte-simples-humilde do Manoel de Barros. Não há comparação entre cores vivas das telas pop art com as dos primeiros raios que escapam do abridor de amanhecer. Afinal, a humildade

é a maior e mais difícil de todas as artes.

por Lucas Guarnieri

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O amor é um sentimento tão maluco que não entendemos como conseguimos passar a vida ou parte dela fugindo dessa maluquice . Fugir do amor é uma forma de correr da vida e passá-la sem observar o simples. É morrer em vida.

“Em 3 de Setembro de 1973, às 18:28:32, uma mosca califorídea, capaz de 14.670 batidas de asas por minuto, pou-sou na Rua Saint Vicent, em Montmartre; no mesmo segundo, num restaurante perto do Moluin-de-la-Gralette, o vento es-gueirou-se como por magia sob uma toalha fazendo os copos dançaram sem que ninguém notasse. Nesse instante, no 5º distrito Eugéne Colere, de volta do enterro de seu amigo Èmi-le Maginot, apagou seu nome da caderneta de endereços... Ainda nesse mesmo segundo um espermatozóide de cromos-somo X, pertencente ao Sr. Raphael Poulain, destacou-se do pelotão e alcançou um óvulo pertencente à Sra. Poulain, em

Solteira, Amandine Fouet.“Nove meses depois nascia Amelie Poulain.”Poderia ser a descrição do nascimento de qualquer um,

mas este é o nascimento de Amelie Poulain. Aqui descrevo um personagem, alguém comum, igual a

mim ou a você. Alguém com medos, receios, pensamentos, desejos e prazeres. Detalhes incomuns, pois é pelos detalhes que conseguimos, enfim, nos diferenciar dos demais. Amelie se diferencia e nos ensina a viver de forma simples e delicada; ela nos convida, durante 122 minutos, a entramos em um universo íntimo e peculiar: o seu universo particular.

Por vezes, nos refugiamos em nossos mundos particula-res, onde encontramos o conforto e o equilíbrio necessários para sermos nós mesmos. Aqui observamos, criamos e re-criamos sistemas complexos de defesa capazes de nos

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fazer acreditar que aquilo que construímos nos basta. Pois bem, nosso universo tem nos bastado, pois através dele nos conhecemos e reconhecemos gostos, desejos, tons que são familiares ao nosso íntimo. Deste modo, compreendemos que a vida pode consistir em um eterno jogo de charadas, onde a cada instante temos a chance de errar e acertar, por vezes até na mesma proporção.

Ahh, mas o bom da vida é sentir... Sentir e se permitir ser sentido. Amelie nos ensina que experimentar e permitir consiste em viver. E viver, por sua vez, consiste em vencer o medo, as amarras e os receios. Fechar os olhos para o exter-no e abri-los para o interno, para apreciar os próprios gostos, cheiros e cores. Este é o lugar onde realmente nos conhece-mos, ao ponto de nos reinventarmos e nos soltarmos para a vida que nos espera. É saltarmos rumo a um tempo livre de

nossos limites para obtermos o prazer genuíno, a satisfação de ser como somos, livres de medos, mas com algum receio e esquisitices; porém plenos dentro de nossos mundos par-ticulares. Agora proponho um brinde ao simples e belo, sem máscaras ou etiquetas. Um brinde a vida e à casca do creme brulee. Brindemos ao encontro, ao amor, ao cinema, ao ato de jogar pedras no lago, ao beijo, ao cheiro de chuva, ao andar de bicicleta... Um brinde ao detalhe e ao simples. Um brinde a vida porque ela não dura aproximadamente 122 minutos, mas dura o suficiente para ser vivida e muito bonita.

Desejo que, em sua trajetória, caro leitor, você encontre seu próprio creme burlee e quebre a casca que o envolve, sinta o cheiro, aprecie o gosto e observe a textura. Ex-perimente! Pequenos prazeres, simples detalhes e grandes satisfações. Viva!

DIVAGANDO ENTRE AS LINHAS DE AMELIE POULAIN

O JOGO DE CHARADAS:

A VIDA

por Bruna de Vieira Assis

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O seleto mundo das artes permitiu que o cine-ma fizesse parte de seu reduto apenas se referido como a “sétima arte”, para lembrar sua dita margi-

nalidade quando comparado às artes clássicas: pintu-ra, dança, teatro, escultura, literatura e música.

Tentar colocar a moda no meio desse grupo seria praticamente uma ofensa partindo dessa ótica conservadora. Entretanto, há de se reco-nhecer algum valor estético no trabalho dos estilistas e costureiros.

Colecionar referências culturais e criar algo relevante a partir disso é um processo que envolve elaboração e expressão de conteúdos da

ordem do ser – no caso de criações primorosas, é claro.A confecção do que se chama de estilo passa exatamente por esta ques-

tão. Mesmo sendo renegado pela alta intelectualidade, o estilo pode ser reflexo de grande exercício da inteligência e demonstração da essência hu-

mana. Evidentemente, ele só alcança este patamar se o esforço for o suficiente para quebrar as amarras que o estilo representa no âmbito do senso comum, da

massificação das ideias.O intuito aqui é exatamente o de tocar no mesmo paradoxo com que a arte se depara: reafirmar a individualidade e, simultaneamente, se aprofundar no ser. Para os criadores, supõe-se que isso é um dever. Para nós, meros mortais, é opção. A sugestão deste texto é única: não só tornar-se ciente dessa possibilidade, mas também tomar posse dela.O estilo é uma atividade que envolve escolha, decisão, e, para isso, personalida-de. É uma maneira visual de se conhecer, descobrir numa cor mais forte, numa proporção menos usual, num tecido atípico, um pedaço esquecido de si. Vestir-se é escavar a alma pela superfície da vestimenta. Um desafio do olhar.

A roupa e a coragem

por Pedro Camargo

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Intro.: O pequeno livro dos segredos

Vou contar um segredo! O livro dos segredos é um micro-livro-espalhado que não deve ser guardado, mas esquecido! O esquecimento é o sentimento preferido desses pequenos seres mudos. Portanto, caro leitor, esqueça-o em qualquer lugar, ou melhor, num lugar qualquer: na gaveta das meias, numa caixa de sapatos, no quartinho dos fundos, ou até mesmo dentro de outro livro. Não faça força para que eles permaneçam juntos, eles são seres solitários! Deixe-os habitar por muito tempo esses cantos empoeirados, quando eles ficam assim, é que seu sentido se completa. E se algum dia você reencontrar algum deles, segure-o com a delicadeza de quem segura um pergaminho milenar, leia-o pela última vez lenta, solitária e silenciosamente, deixe que ele desperte e espalhe seus micro-sentimentos delicados e, por favor, queime-o depois de ler!

1º inserção:

Malabarista nato, o segredo se equilibra escalando dentro da gente aqueles cantos esque-cidos. Sente uma atração irresistível pelas frestas. A fresta que ele habita está sempre entre o desejo e a memória, é entre eles que o segredo adormece. Mas não sem antes criar o ambiente perfeito para sua existência solitária: uma cadeira de balanço; uma janela entrea-berta vestida por cortinas foscas esvoaçantes; uma prateleira pequena ocupada por aqueles livros singulares, que buscam sem sucesso decifrar a alma humana; alguns cobertores felpu-dos e uma caixa de música. Ah! E tem também os travesseiros, são muitos, de todos os ta-manhos e densidades. É sempre inverno lá fora, e por isso o segredo hiberna por muito tempo. Vive assim, numa quase-existência banhada pelo entorpecimento e pela vigília, e sonha, como o segredo sonha! Sonhos bons e ruins, pesadelos e epifanias. É por isso que, às vezes, vemos as nuvens se moverem depressa antes da chuva cair, são os segredos sonhando. As nuvens são sua forma corpórea preferida, pois são leves e dispersas o suficiente para ocupar os pequenos lugares sem esforços. Os segredos nascem em silêncio e morrem de solidão

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Aëla busca através de seu trabalho mostrar uma intera-ção humana com a natureza, ilustrando a beleza frágil da infância com uma qualidade secretamente assombrada. Tal como acontece com a narrativa ilógica dos sonhos, os eventos parecem se desdobrar sem restrições por limites convencionais de tempo e lugar - uma visão nostálgica do passado flui através das cores que são representadas. Seu trabalho já foi destaque em revistas independentes em todo o mundo, aparecendo em inúmeras exposições na França,

Itália, Espanha, Reino Unido e EUA.

AËLA LABBÉ, FOTÓGRAFA FRANCESApor Isabella Valino

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Imagine se Marcel Duchamp tivesse sido arquiteto? Se as for-mas distorcidas e surrealistas de Salvador Dali fizessem parte da composição de um prédio? Ou se Andy Warhol tivesse feito do movimento artístico Pop Art um estilo arquitetônico? Como seriam os projetos de arquitetura se caso tivessem sido cons-truídos em formas expressivas das obras de arte na lingua-gem desses e de outros artistas? Imaginando isso, o arquiteto e ilustrador italiano Federico Babina fez uma divertida sequ-ência de desenhos intitulada “Archist City”, transformando as obras de artes em prédios. As ilustrações mostram como seriam construções ao estilo de Mondrian, Picasso, Duchamp

entre outros artistas de renome.

E SE FOSSE ARQUITETURA?por Henrique Ramos

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O autor sueco Stieg Larsson descreve na trilogia Mil-lennium, série composta pelos livros Os homens que não amavam as mulheres, A menina que brincava com fogo e A rainha dos castelos de ar, uma Suécia fria e sombria, onde são escassos os meses em que o sol resolve dar o ar de sua graça na Capital Estocolmo. A primeira impressão temos acesso a essas caracte-rísticas descritas pelo autor e logo as evidenciamos, criamos um ideal imaginário da cidade e dos espaços descritos, a medida que avançamos na leitura vamos mudando nossa concepção e descobrindo novos de-talhes da jornada. Evidentemente, cada leitor fará sua interpretação da história, meu objetivo não é descrevê-la nem distribuir spoilers é apenas explanar as fases que passamos ao adentrar em uma história que nos traz identificação.Lisbeth Salander, a heroína da trilogia, é avessa a qualquer estereótipo. Esqueça o ideal de mocinha que será salva pelo herói, na trama é bem capaz que ela o salve antes. No livro, é descrita como uma garota es-tranha, antissocial e que não sorri ao primeiro conta-to. Talvez essa seja a mística toda que faz os amantes da trilogia Millennium amarem a moça. O envolvimento é tanto que Estocolmo parece estar sempre iluminada pelos raios de sol e que Salander se torna doce e gentil, é claro que a capital continua géli-da e o humor de Lisbeth continua inconstante, porém nem nos damos mais conta.Já na obra Entre quatro paredes, de Jean Paul Sartre, o inferno ambientado não apresenta cheiro de enxo-fre, labaredas, calor sufocante ou penitência. É ape-nas uma sala em que três indivíduos são colocados e se confrontam a todo o momento. Ao final da leitura percebemos que passar a eternidade confrontando

sua consciência é bem mais doloroso do que o inferno tradicionalmen-te imaginado. Levados a loucura pelo vazio e pela falta de distração, eles tornam-se os próprios carrascos. Evidente-mente nenhuma forma de in-ferno deve ser agradável, porém a ideia do cheiro de enxofre e do ca-lor sufocante poderia ser recon-fortante aos condenados. Em A Metamorfose, nosso persona-gem Gregor Samsa se depara com uma mudança não apenas física, à medida que é transformado em um inseto, inúmeras patas, dorso duro e asas surgem, fazendo-o per-der a fé em sua identidade. Aos olhos de seus familiares é tratado com repulsa, porém essa transformação provoca uma mudança em toda a estrutura familiar de um modo positivo. O que nos faz desenvolver certa simpatia pelo inseto e pelas mudanças que sua metamorfose provocou.A mensagem transmitida por cada obra é to-talmente particular e subjetiva de cada indiví-duo. E é claro, não podemos esquecer da parte que movimenta nossos sentidos sem ao menos sairmos do lugar. Aposto que o livro que você está lendo no momento, também te traz essa sensação ótima que é imaginar-se fazendo parte do enredo.

OS HERÓISDAS NOSSAS HISTÓRIAS

por Nathalia Almeida

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Parmiggiani é um artista raro, sua particularidade nas obras é algo para reflexão, subliminarmente jogado para o tema au-sência. Seu exílio voluntário no ramo da arte e o seu silên-cio obstinado por mais de quarenta anos, hoje ressurge com uma posição única. Deliberadamente longe da “realidade” da arte contemporânea ele tem sido capaz de desenvolver uma linguagem inovadora, profundamente pessoal e universal ao mesmo tempo. Em 2006, o artista criou um impressionante la-birinto de vidro quebrado, onde o visitante torna-se o espaço, imaginado como foi dificultosa a saída deste labirinto, vendo

que a única alternativa era quebrá-lo para chegar ao final.

CLAUDIO PARMIGGIANI , 71 ANOS , POETA, ARTISTA E ENSAÍSTA ITALIANO

por Isabella Valino

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“Alice permaneceu olhando pensativamente para o cogumelo por um mi-nuto, tentando compreender quais eram os dois lados da planta, e, como ela era perfeitamente redonda, sentiu-se em meio a uma difícil questão. Entretanto, afinal a menina esticou seus braços o mais que pôde em torno do cogumelo e cortou um pedaço da borda com cada mão.”Já não é preciso viajar para o país das maravilhas para encontrar cogumelos gigantes ou paisagens surreais. De fato, não é preciso sequer sair deste país para se perder entre abstrações e simbolis-mos. Basta alguns minutos de caminhada pelo Inhotim, o instituto de arte contemporânea em Brumadinho, Minas Gerais.Mais que uma viagem comum, passear pelo inhotim nos faz per-correr territórios que estão além de qualquer divisa geográfica. A arquitetura em escorço proporciona momentos de surpresa ao ex-pectador que caminha por seu exuberante jardim, repleto de plantas exóticas como, por exemplo, a Socratea exorrhiza, uma palmeira que utiliza suas raízes para caminhar por entre as outras plantas.

TROCA TROCA

TROCA TROCA

Momentos de surpresa permeados por instalações e galerias, que nos levam à território particulares de artistas, que uma vez se expressaram, e agora reverberam em teorias, impressões, emoções e interpretações.E é preciso se perder e ainda que as placas e mapas nos levem aqui ou alí, não se sabe o que esperar, é preciso ler e reler aquilo com o que se depara, é preciso permitir-se ter a própria inter-pretação e entender que a qualidade da leitura tem em si, uma relação de interdependência entre expressar e compreender. Todos os dias, as mesmas obras produzem diferentes encon-tros com diferentes pessoas, em densidades que variam de acordo com o próprio visitante. Quando nos permitimos sair do nosso próprio território e temos a chance de nos perder em outros discursos, encontramos mais do que um ponto de vista diferente, vivenciamos inspiração. Como uma droga, uma paixão, um sonho, ou uma obra de Lewiss Carrol.

por Victor Locatelli

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2º inserção:

Suspiro

O suspiro é o segredo a respirar. Quando alguém suspira desperta um segredo. Suspiramos de amor, suspiramos de dor, suspiramos, apenas. O suspiro preenche um microintervalo invo-luntário da nossa existência, abre uma fresta para o segredo ocupá-la. Nesse intervalo de respiração cambaleante, o segredo orquestra sua aparição. Pode ser num beijo, que sempre é um segredo guardado entre dois suspiros. E segredo de beijo nasce muito antes do beijo nascer, contorna todas as coisas que se empilhavam infinitamente entre uma boca e outra - o desencontro na estação, a viagem que não deu certo, o minuto de atraso que fez perder o elevador, o muro que separava um dentro e o outro fora, o tempo que separava os dois no mesmo lugar, um ontem e o outro amanhã. Às vezes o segredo cansa e o beijo não acontece, mesmo assim, é um beijo não dado e o suspiro de um beijo não dado é um suspiro longo e úni-co, inesquecível. Outras vezes, o segredo atravessa tudo ignorando as horas, as coisas, os lugares e aparece num beijo roubado, e suspiro de beijo roubado é assim, rápido, sem fôlego, desajeitado e pronto, é como doce de suspiro feito de açúcar de confeiteiro, desses que a gente compra na padaria e que derrete rápido na boca. Mas quando o segredo dança entre as coisas, vaga lento pelos olhos, se demora entre as mãos, adormece entre as horas, é que nasce um beijo de amor, e o suspiro de um beijo de amor é assim, lento e preguiçoso, se deixa demorar, faz ondas curvas no ar, escala a pilha de coisas e se joga do último andar, não cai, voa leve com o vento. Num beijo de amor o próprio suspiro está a suspirar.

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O pai, Timothy Archibald frustrado por não encontrar uma perspectiva na doença (autismo) de seu filho, resolveu ten-tar senti-la através de um ensaio fotográfico que capta todo o seu universo particular. Eli, o filho, foi fotografado de for-ma genuína. Nenhuma foto foi posada. E o pai, ao contrário dos outros que sempre fotografavam os filhos sorridentes e em situações graciosas, apoiou-se nessa alternativa para viver com o diagnóstico do filho que, para ele, já não tem mais importância. O que importa verdadeiramente é relação

entre os dois.

ECHOLILIA: SOMETIMES I WONDER

por Lucas Guarnieri

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James Blake - Overgrown

Portishead - Dummy

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Björk - Post

Spiritualized - Ladies and Gentlemen We are Floating in Space

Sigur Rós - ( )

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Com a intenção de mostrar ao mundo que no Irã não há ape-nas conflitos com vizinhos e países ocidentais, o designer Araz Fazaeli criou a primeira página iraniana sobre moda e lifestyle exclusivos do país. Há cerca de um ano, Fazaeli começou a foto-grafar mulheres nas ruas de Teerã, capital do país, e publicá-las no tumblr The Tehran Times, mas só agora a página começou a ter grande visibilidade na imprensa internacional. Segundo Fa-zaeli, as pessoas têm um entendimento errado dos iranianos. “Eles acreditam no que veem nas notícias, e apesar de muita coisa ser verdade, há ainda muito mais para ver. Os iranianos são muito interessados em moda e a fazem bem”, em entrevis-

ta a revista norte-americana The Atlantic.

THE TEHRAN TIMES: A PRIMEIRA PÁGINA DE MODA E LIFESTYLE DO IRÃ

por Nathalia Brunini

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Sem enganar a si mesmo, procure em sua memória quantas vezes você atra-vessou a rua por se deparar com uma pessoa suspeita. Trapos no corpo, barba grande e mal feita e cabelos desarrumados são características que causam incômodo. Se for negro então, beira o pânico. Mas fique calmo, isso não é sua culpa. A sementinha do estereótipo foi plantada pela sociedade na sua cabeça e germina brotos de preconceito. Saber podá-los é o que diferencia seu jardim moral e ético.

Para fins de contexto, cito o termo criado por Francis Galton. Eugenia, que em significado literal quer dizer “bem nascido”, é o termo empregado para de-signar “o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mental-mente”. Há de se admitir que seja uma área controversa, principalmente, após o holocausto com sua eugenia nazista que foi peça chave para a construção da ideologia de “pureza racial”.

Um exemplo disso está no filme norte-americano de ficção científica Gat-taca, de 1997 que retrata um futuro onde acontece uma seleção de embriões e apenas os perfeitos são implantados no útero. Portanto, aqueles que não são geneticamente planejados são considerados inválidos e, por conseguinte discriminados pela sociedade. Foi eleito como filme de ficção científica mais plausível pela NASA. O que quer dizer que em breve você poderá escolher todas as características do seu filho. Olhos azuis? Sim, por favor. Acréscimo de 25% no preço de embriões livres de alguma doença hereditária? Eu pago. Cabelos lisos? Esse é meu filho.

Diante dessa realidade, é certo que Arthur Bispo do Rosário seria protagonista de inúmeras situações como essa. Negro, pobre e nordestino, sua figura não seguia padrão estético algum. Mas imagine que falta de respeito cruzar a rua para não se deparar de frente com um dos maiores artistas contemporâneos brasileiros.

“Um dia, eu simplesmente apa-reci.” Era dessa forma que ele res-pondia aos curiosos a respeito de sua origem. Foi membro da marinha e pugilista, mas ninguém sabia muita coisa sobre sua pessoa e também se recusava a falar sobre sua família e raízes. Em suas palavras, era filho de Deus. Havia sido adotado pela Virgem Maria e “aparecido” no mundo em seus braços.

A consequência dessas histórias julgada por muitos como insanidade, o rendeu o diagnóstico de esquizofrê-nico-paranóico em diversos manicô-mios onde passou boa parte de sua vida. Sua cela na ala de psiquiatria virou seu atelier particular. Equilibran-do-se na fina linha entre a realidade e o delírio, utilizava de lixo e sucata para produzir suas obras que eram dedicadas apenas a Deus. Dizia ser o enviado dos céus para reproduzir o mundo em miniaturas.

Toda sua fé e devoção não foram suficientes para livrá-lo do terror dos manicômios que mais parecia um

ARTHURBISPO DOROSÁRIOpor Lucas Guarnieri

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campo de experimentação. Em meio a eletrochoques, lobotomias e tratamentos violentos, Bispo driblava o poder regente do manicômio e utilizava de sobras de materiais hospitalares para criar suas obras em um dos períodos mais obscuros da psiquiatria.

Foi nesse ambiente em que ele criou um universo extremamente particular, um mundo paralelo onde ele era rei. Bordava, fazia colagens, estandartes e assemblages de todo e qualquer material que obtivesse para compor sua arte. Aliás, em vida, não gostava de ser chamado de artista, pois o termo, para ele, não representava sua verdadeira função como um enviado dos céus que foi confiado uma tarefa divina.

Um dos frutos de toda essa religiosidade foi uma das histórias mais célebres a seu respeito. Foi na noite de 22 de janeiro de 1938 que Bispo, conduzido por um imaginário de anjos, seguiu pelo caminho da igreja da Candelária e depois peregrinou pelas ruas do rio e terminou no Mosteiro de São Bento e lá anunciou aos padres que era um enviado de Deus incumbido de “julgar os vivos e os mortos”. A história remota a detalhes que Bispo utilizava um estandarte bordado por ele, uma de suas peças dentre sua vasta obra. Nele, o artista registra a frase-síntese de sua vida “Eu preciso destas palavras - Escrita”. Para Bispo, a palavra havia status extraordinário, por isso seus bordados são repletos de palavras, trechos poéticos, mensagens e nome de pessoas.Após esse episódio, foi enviado ao Hospital Nacional dos Alienados na Praia Vermelha, onde sua ficha era marcada como: negro, sem documentos e indigente. Foi transferido para a Colônia Juliano Moreira, hospício considerado na época como “fim de linha” para depois ser remanejado para um engradado de doentes perigosos. Sua cela tinha um colchão fino e um buraco no solo para suas necessidades. Nada digno da inspiração para sua obra. Quando tinha fortes crises, pedia para os funcionários o trancar e por lá ficava meses a fio. Recusava refeições e passava fome, “Vou secar pra virar santo”, prometia.Pois foi nesse período de isolamento que sua arte mais frutificou. Na falta de material, Bispo desfiava seu uniforme e aproveitava fio por fio, não é a toa que o azul - cor das vestimentas do manicômios - se destaca em suas peças. E foi assim que começou a cerzir o Manto Da Apresentação durante toda sua vida para usá-lo no dia do Juízo Final. O manto possui nomes bordados das pessoas que conhece que para ele são merecedoras de subir aos céus, a maioria mulheres.

Em 1982, a primeira oportunidade de reconhecimento de seu trabalho veio do Museu de Arte Moderna do Rio De Janeiro. O MAM expôs alguns exem-plares do universo particular de Bispo numa coletiva que reunia presidiários, menores infratores e idosos em uma exposição com o nome “À margem da vida”. O crítico de arte, Federico Morais, ofereceu a Bispo uma sala inteira para exposição no museu onde ele poderia se expressar e se alojar por um tempo. Ele sequer pensou no assunto e morreu na solidão de sua cela sete anos de-pois. Nos últimos momentos de sua vida, o reconhecimento já lhe era confe-rido. Mas foi após sua morte que suas obras foram consagradas no mercado internacional de arte contemporânea. Arthur Bispo do Rosário não pode assistir suas obras viajarem o mundo e nem ouvir, a seu contragosto, o título de artistas vanguardistas cuja obra foi comparada com as de Marcel Duchamp, tamanho reconhecimento que lhe foi dado mundo a fora.Bispo nunca foi perigoso como disseram. Loucura e lucidez foram apenas duas extremidades nas quais ele perambulou. Como a essência e a aparência, a arte que entretém, é como um tigre de garras limadas. Não fere, não cumpre o que promete. Contudo, no caso do “enviado de Deus”, acontece o inverso. Ele pode não oferecer perigo, mas sua arte nos rasga e atravessa como o ataque de um batalhão de felinos.

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Mirror City é um projeto que tem a pretensão de transformar a ótica de pessoas que visitam algumas cidades americanas to-dos os dias. Prédios e ruas se refletem em um caleidoscópio em cidades como San Diego, Chicago, San Francisco, Las Vegas e Los Angeles. As imagens são capturadas de uma forma peculiar utilizando o Time Lapse, técnica que consiste em filmar paisa-gens urbanas por muito tempo e acelerar. O fotógrafo e cineas-ta Michael Shainblum explica sua pretensão com o projeto: “Eu queria misturar formas geométricas construídas pelo homem com elementos de cor e movimento para criar um vídeo menos

estruturado, e mais uma pletora de estímulos visuais”.

MIRROR CITYpor Lucas Guarnieri

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Encomendado pelo Barbican, em Londres, o Artista argentino Leandro Erlich instala uma versão de sua ilusão de ótica popular que cria o efeito visual de leveza. Usando uma parede de espe-lhos gigantes apoiados contra uma enorme impressão horizontal de uma casa com terraço vitoriano, os visitantes são livres para escalar e saltar em torno de como as suas reflexões parecem mover-se livremente, sem os efeitos desagradáveis da gravida-de. Intitulado Dalston House a peça foi erguido em Hackney e

fica em esposição até o dia 4 de Agosto

ILUSÃO DE ÓTICA X GRAVIDADEpor Lucas Dias

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AS DEZESSETE PRIMAVERAS DE ANGELO BONINI

“A fotografia foi o que eu escolhi para apresentar as pessoas o mundo que eu enfrento e a maneira que o mundo externo se apresenta para mim. Comecei a compreender cada vez mais que ninguém vê a mesma coisa ao olhar pela janela e isso é o que mais me surpreende dentro da arte. O fato de sermos diferentes e vivermos em um mundo completamente diferente. Tenho a crença de que é o papel do artista representar o que há nele. Já não sei o que fotografo, o meu trabalho é bastante baseado no inconsciente, no meu jeito de ver o mundo e a junção de tudo que carrego comigo. Hoje ando de olhos abertos e busco cada vez mais estar dentro das minhas concepções e atender ao que espero de mim. Não sei onde vou estar daqui alguns anos, mas espero estar longe. Bem longe. Talvez fazendo filmes, ou fotografando, ou mesmo vendendo arte na praia, só não me vejo fazendo outra coisa se não vendo a vida nesse ângulo tão criativo

e trabalhando com a gratidão como recompensa.”

Angelo Bonini contou apenas dezessete primaveras mas suas fotografias imprimem um olhar sólido e somam várias referências que educaram seu olhar para as coisas simples.

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Para alguns, objetos e móveis têm prazo de validade. Exercem seu papel funcional e logo são substituídos ou simplesmente jogados fora por estar velho. Dar outro valor a esses objetos é um exercício criativo constante e que possibilita criar resultados originais que dão elegância a sua produção. Objeto não vem com obrigatoriedade de desapego. Reformar ou evidenciar o caráter

do tempo é uma boa opção de continuar a história de outra forma.

POR QUE JOGAR FORA?por Lucas Guarnieri

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3º inserção:

Sussurro

O segredo quando fala, sussurra. Cochicha entre as frestas num barulhinho de conversa de missa, não é a toa que a reza boa é sempre sussurrada, e segredo bem contado é ao pé do ouvido. Ouviu?

4º inserção:

Tristeza

O segredo quando entristece, tece uma longa trama de linhas embaraçadas. Os fios tristes, feitos do algodão mais puro das borboletas, são tecidos pelo segredo com pequeninas agu-lhas finas de metal. Com destreza e lentidão, o segredo tece seu rosário de melancolia, e, cada conta, que surge depois de uma longa corrente, é feita de uma lágrima delicadamente envolvida pelos fios invisíveis da memória. Como nas longas novenas, o rosário melancólico da tristeza leva muito tempo. Pois tristeza boa, é essa que se deixa demorar, que tira suas férias e se instala dentro da gente num local privilegiado, de preferência, com vista pa-norâmica para o céu anuviado. Vestida de galochas e munida de um guarda-chuva, fica ali durante um verão inteiro. E ela não vem sozinha, vem sempre acompanhada por três tigres. Os tigres hibernam na maior parte do tempo, só despertam para comer seus três pratos de trigo. Às vezes, a tristeza cansa de esperar a chuva e de alimentar os tigres e resolve ela mesma chover dentro da gente, são dessas gotas de chuva que são feitas nossas lágrimas. O segredo sabe disso, e, por isso também sabe esperar a melhor gota para compor sua tra-ma entristecida. Eu já tenho, além do rosário, dois pares de luvas e um cachecol, todos eles tricotados perfeitamente. Devem ficar guardados todo o tempo da crisálida, pois quando o inverno chega, e os tiramos dos armários, as pequenas contas de gotas de lágrimas se desfazem, desembaraçam suas asas e se precipitam num vôo simples, tingindo o céu de um profundo azul de borboleta.

por Maria Julia Barbieri Eichemberg

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Como você insere seu universo particular no processo criativo? Bom, o meu universo particular nunca foi à parte do universo da marca. Porque para construir uma marca que te-nha um DNA reconhecível, eu tive que colocar nessa marca a única coisa que é diferente de você por exemplo, que é minha vivência, meu estudo, minha criação, onde eu nasci e as influ-ências que eu tive durante a minha vida. Então, eu penso que pra moda é muito importante colocar a sua personalidade nas suas criações porque só assim você vai fazer alguma coisa

diferente de outro estilista.

REVISTA ALPENDRE ENTREVISTA ALEXANDRE HERCHCOVITCH

por Lucas Guarnieri

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OS ESCONDEDOUROSOnde vivem os monstros? A repetição da rotina pesa uma tonelada em nossos ombros e criam criaturas que assombram nosso dia a dia ao ponto de precisarmos nos re-fugiar em escondedouros onde nós somos os ditadores da realidade. Dessa forma, cabe a nós a tarefa de transformar esses monstros em amigos, levando a imaginação a lugares nunca explorados. É o que faz Max, personagem principal da obra adaptada “Onde Vivem Os Monstros” de Spike Jonze. O garoto, cansado pela limitação que o interior causava, resolve criar seu próprio refúgio feito de neve. Ao ver o seu iglu ser reduzido a gelo pelos amigos da irmã, Max se vê desamparado e sua imaginação e criatividade necessitam com urgência de um endereço para se estabelecer. Essa busca se assemelha aos escapes do cotidiano que fazemos quase sem perceber. Adentrar em um espaço onde os arredores ficam desfocados e sem importância, ou o mesmo a ação de criar uma redoma em torno de si, onde o mundo exterior se torna

pano de fundo para o ato de estar só, é quando esse mergulho é bem sucedido.

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OS ESCONDEDOUROSOnde vivem os monstros? A repetição da rotina pesa uma tonelada em nossos ombros e criam criaturas que assombram nosso dia a dia ao ponto de precisarmos nos re-fugiar em escondedouros onde nós somos os ditadores da realidade. Dessa forma, cabe a nós a tarefa de transformar esses monstros em amigos, levando a imaginação a lugares nunca explorados. É o que faz Max, personagem principal da obra adaptada “Onde Vivem Os Monstros” de Spike Jonze. O garoto, cansado pela limitação que o interior causava, resolve criar seu próprio refúgio feito de neve. Ao ver o seu iglu ser reduzido a gelo pelos amigos da irmã, Max se vê desamparado e sua imaginação e criatividade necessitam com urgência de um endereço para se estabelecer. Essa busca se assemelha aos escapes do cotidiano que fazemos quase sem perceber. Adentrar em um espaço onde os arredores ficam desfocados e sem importância, ou o mesmo a ação de criar uma redoma em torno de si, onde o mundo exterior se torna

pano de fundo para o ato de estar só, é quando esse mergulho é bem sucedido.

por Henrique Ramos

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O NULO

por Hugo QuenneHen

Com o crescimento desordenado nas cidades, vêm junto os problemas em sua estrutura territorial, com isso, vários pontos dessa cidade são esquecidos e ignorados, formando assim os espaços nulos, estes serão discutidos no presente artigo. Para o melhor entendimento desses espaços foram analisados conceitos semelhantes ao de nulo, ilustrações através de interferências nos espaços considerados nulos e para um possível projeto, foi aplicado os princípios de espacialidade MA, desenvolvida por Michiko Okano.

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“Nasci, cresci e estou morrendo aqui dentro, o tempo passou rápido demais por aqui e eu ainda não encontrei esse maldito coelho. Primeiro escutei, foi como um susto, batidas repetitivas e altas na minha cabeça, então avistei, muita luz, até então achava que eu era cego e gritei, acho que de medo, medo do novo ou medo da luz... De-pois entrei pra toca de novo, sabia que fora não era meu lugar. Aqui dentro pude ser o que e quem eu quisesse ser, foi aqui que aprendi a andar, falar, correr, rir, chorar. Aqui amei e odiei, ganhei e perdi, tive companhias e fiquei só, e que solidão. Às vezes subia e por uma janela observava o fora, a grama cresce rápido demais, algumas vezes até sai para dar umas voltas, mas sempre voltava aqui pra toca, aqui tem tudo que eu quero, aqui posso ser o que eu quiser, pequeno ou grande, gordo ou magro, inteligente ou burro, um ou dois ou três e quem sabe quatro... Só esse maldito coelho que nunca aparece. Como o tempo passa depressa... E eu aqui, branco, cheio de pelos e de olhos vermelhos.”

“ Um túnel de memórias ou uma viagem de autoconhecimento, mes-mo que a vida na cidade estimule o convívio social, muitas vezes é necessário retirar-se em sua própria toca a fim de buscar a si mesmo, e ao fim desse processo quando então se olha para fora é que se entende não apenas a si, mas a própria cidade e a sociedade em que se insere.

Esse túnel surge a partir da minha relação com a cidade, que não é apenas feita de edifícios e vias, mas de pessoas e experiências únicas e individuais no espaço urbano. Os elementos dentro do túnel seguem ao modo de linha do tempo, e para ilustrar essas experiências criei módulos afetivos das minhas lembranças do espaço urbano, são eles:Afeto-escola - a princípio um mundo fantástico, mas que te decepa a cabeça com o passar dos níveis;Afeto-pessoas - do amor ao ódio, da calmaria ao desespero;Afeto-vó Isabel - separada por dois tempos, vida e morte, mas sempre de braços abertos para acalmar a mente e o coração; Afeto-hoje - com os olhos vermelhos avisto o sol dar lugar a lua;Afeto-bicicleta - meus caminhos traçados, com o vento em meu rosto.

A cada lembrança exposta no túnel, um elemento relacionado da ci-dade é subtraído, ao realizar essa subtração é enfatizado o fato da transformação que a cidade sofre, mesmo que as memórias possam guardar o passado, a cidade como organismo vivo que é, está sem-pre sofrendo transformações, como se a própria cidade estivesse em busca de entender a si mesma. Ao mesmo tempo em que o túnel nasce e morre em espaços urba-nos abandonados, com inicio num antigo trecho em que passava os trilhos da “Maria Fumaça” e terminando em uma antiga casa aban-donada, isso acontece para ilustrar o abandono e descaso com os espaços nulos, que podem apresentar grandes potenciais. Assim a proposta visa abrir-se para a cidade, ao invés de seguir por caminhos impostos.”

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Afeto Escola

Afeto Avó - Vida

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Afeto Hoje

Afeto Hoje

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NOWHERE MAN:O lugar do homem no contemporâneo.

por Henrique Ramos

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Espaço estriado: a linha entre dois pontos

A compreensão do que é espaço se altera junto com

as mudanças da humanidade. Antes de ser esquadrinhada aqui ou ali, de um lado à outro em formação de uma área fechada, a cidade ainda era um

espaço nômade, não delimitado, não repartido, um campo pré urbano. Hoje, entendemos a cidade como traços

de organização dimensional e métrico, afim de preencher um espaço extensivo, criando propriedades visuais mensuráveis.

Trata-se de distribuir no espaço aberto, ocu-pando de um ponto a outro. A cidade apresenta em sua formação pontos, li-nhas e superfícies, que exercem a função de me-dir o espaço para então poder ocupá-lo. É por meio de linhas que se alternam e se cruzam perpendicu-

larmente que a cidade é delimitada, ou seja, a com-posição do espaço estriado. Neste caso, é a arquitetura que designa a estriagem

do espaço, subordinando o corpo por meio de elemen-tos estruturais, estabelecendo pontos fixos com começo

e fim. A arquitetura é uma linha entre dois pontos. Em contrapartida, o corpo como vontade de potência que-bra o controle que a arquitetura exerce no espaço urbano. E pergunta o que é e qual é o espaço do homem no contem-porâneo.

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Espaço liso: o ponto entre duas linhas

Considerando a cidade como espaço estriado, outra concepção do que é espaço é gerada em oposição à urbe, à polis, à cidade. Esse espaço distribui-se num campo nômade, e não delimitado. Assim como no estriado, no espaço liso também existem pontos, linhas e superfícies. Em contradição ao território urbano, a linha do nomos é um vetor, uma direção e não uma dimensão ou organização métrica. Desse modo, o liso consiste em distribuir o corpo

num espaço aberto e indefinido. É uma distribuição espacial, sem partilha, sem fronteiras nem cerca-dos. É um espaço constituído pelas forças da natu-

reza, mais que de coisas formadas e percebidas. Por isso o que ocupa o espaço liso são as inten-sidades e qualidades táteis e sonoras, como no gelo, deserto e floresta. Tais como, estalido do gelo, canto das areias e ruídos da floresta.

Se na cidade, o espaço estriado se torna palco para experimento do liso, o liso também é receptador dessa tentativa de tradução de sentidos. Seja no deserto, no gelo ou na floresta, o projeto consiste em uma grande estrutura geológica, com uma distância vertical positi-

va de 1 239,94 metros. É, simplesmente, a troca de dois espaços de naturezas opos-tas, já que o espaço liso é direcional, e a partir do despontar de um monolitho, o espaço liso é, agora, flexível a um espaço

dimensional. Entendemos como espasos lisos, lu-gares incomuns, onde a desorientação consiste em plena formação. Locais inóspitos, onde não há condições mí-

nimas para ser habitado.

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Sabe quando seu computador trava e a imagem fica distorcida? Pois bem, quem poderia imaginar que isso seria uma tendên-cia a ser obervada com olhos clínicos pela arte contemporânea? A Glitch Art é a estética inpirada nos erros digitais gerados por tecnologia corrompida. Essa nova tendência em plena era de perfeição tecnológica questiona o papel da arte digital. Se os gadgets hoje em dia apresentam erros, bugs e outras séries de falhas tecnológicas, a Glitch Art celebra o caos e a fragmentação transformando o que antes era defeituoso e inútil em arte con-

temporânea.

A ARTE DO ERRO DIGITALpor Lucas Guarnieri

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