alternativas politicas ao direito_willis santiago_06!12!13

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    Willis Santiago Guerra Filho

    (coordenador)

    Editora Lumen JurisRio de Janeiro

    2014

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    Copyright 2014 byWillis Santiago Guerra Filho

    Categoria: Filosofia do Direito

    Produo EditorialLivraria e Editora Lumen Juris Ltda.

    Diagramao: Ana Lcia MoraisCapa: Cristiana Fernandes

    A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA.no se responsabiliza pela originalidade desta obra

    nem pelas opinies nela manifestadas por seu Autor.

    proibida a reproduo total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusivequanto s caractersticas grficas e/ou editoriais.

    A violao de direitos autorais constitui crime (Cdigo Penal, art. 184 e , e Lei no6.895, de 17/12/1980), sujeitando-se a busca e apreenso e indenizaes diversas (Lei

    no9.610/98).

    Todos os direitos desta edio reservados Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

    Impresso no Brasil

    Printed in BrazilDados internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP)

    A466

    Alternativas potico-polticas ao direito : a propsito das manifestaespopulares em junho de 2013 no Brasil / Willis Santiago Guerra Filho(coordenador). Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2014.

    588 p. : il. ; 23 cm.

    Inclui bibliografia. ISBN 978-85-375-2517-3

    1. Direito Brasil. 2. Movimentos sociais Brasil. 3. Direitos fundamentais. 4. Participao poltica I. Guerra Filho, Willis Santiago

    CDD- 340.115

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    NDICE

    PREFCIO ........................................................................................ I

    MOVIMENTOSSOCIAISNOSOMAISOSMESMOSLUCIASANTAELLA ................................................................................... 1

    ASMANIFESTAESDEJUNHODE2013 NACIDADEDESOPAULO(VERSO

    AMPLIADA)MARILENACHAUI .................................................................................. 17

    A CAMINHODEUMARUPTURAGLOBALSlavojiek ......................................................................................... 29

    JUNHODE2013SRGIOSRVULODACUNHA .................................................................. 37

    UMINVERNOQUENTENOBRASIL: JUNHODE2013EDMUNDOLIMADEARRUDAJR. ............................................................. 39

    ONTOLOGIA PRIMRIADOORNITORRINCOJURDICO-SOCIALEDMUNDOLIMADEARRUDAJR. ............................................................. 45

    MARXREVOLUCIONRIOVERSUSMARXREACIONRIO!EDMUNDOLIMADEARRUDAJR. ............................................................. 53

    SEROUNOSERMARXISTAHOJEEDMUNDOLIMADEARRUDAJR. ............................................................. 65

    PANISETCIRCUS

    AURLIOWANDERBASTOS .................................................................... 71

    O MOVIMENTODAHORAPRESENTEluizWerneckvianna ......................................................................... 73

    EXAMEDESIMESMOECRTICAAOPODERDOMINANTEEDUARDOGUERREIROBRITOLOSSO ....................................................... 77

    NESSEMOMENTONEBULOSOEINQUIETANTEALBERTOPUCHEU .................................................................................. 83

    KAIRS: OMOMENTOOPORTUNOVICENTECECIM ..................................................................................... 89

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    DE COMO O GRITO CSMICO POR MUDANAS DEVEESTAR ACOMPANHADODE NOSSA ATENO QUANTO S POSSVEIS AMBIGUIDADES E ESTRANHASINTENCIONALIDADESINFILTRADASNOSPROTESTOSNOBRASIL.ARTHURCECIM ..................................................................................... 97

    SADADACOLUNADECLARASARABANDACARLOSEMLIOCORRALIMA ............................................................. 105

    SENSIBILIDADE TRGICO-POTICA COMO RESPOSTA OBJETIVAO E PROGRAMAOHUMANAPAOLACANTARINI ............................................................................... 113

    OUTROSMUNDOS - DRAMATRGICAFUNODOSMOVIMENTOSSOCIAISDEPROTESTOEMNIKLASLUHMANN: NOVASDISTINESPARAOBSERVAROJUNHODE2013.FERNANDABUSANELLOFERREIRA ......................................................... 129

    PORUMAVISOARTSTICO-POTICADODIREITO: PARAALMDATECHNPAOLACANTARINI ............................................................................... 177

    O CONTRATOSOCIALASER (RE)FEITO: PROPOSTADECONTRATOTECNO-HUMANO-NATURALWILLISSANTIAGOGUERRAFILHOMRCIAPITTAAQUINOCARLAPINHEIRO ................................................................................. 181

    ENTREHOLMESEROUSSEAU: OSUPREMOTRIBUNALFEDERALNOCONTEXTODODILEMAHERMENUTICOLEGALISMOV.S. REALISMOJURDICORAFAELTOMAZDEOLIVEIRA ............................................................... 187

    A PEC37 EAEMEPFOBIA OUQUETALUMAOUTRAPEC?LenioluizStreck ............................................................................. 195

    PEC37 VIOLAPRINCPIODASEPARAODOSPODERES

    RICARDOSAYEG .................................................................................. 205A PEC 37 E MAIS UM CAPTULO DA INSTITUCIONALIZAO DOESTADO DE

    EXCEOENTRENSWILLISSANTIAGOGUERRAFILHO ........................................................ 209

    PEC37 AFRONTAAOESTADODEMOCRTICODEDIREITOPAOLACANTARINI ............................................................................... 213

    A (IN)SENSATAECONTAGIANTEPEC37HENRIQUEGARBELLINICARNIO ............................................................ 217

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    DIANTEDESSESPROTESTOS, UTOPIAMITIGAROPODER?

    JOOMAURCIOADEODATO ................................................................ 223INTELECTUALECRTICA: TEXTODEMARILENACHAUSOBREOJUNHO/2013.EDMUNDOLIMADEARRUDAJUNIOR. ................................................... 227

    A NAOENCONTRA-SENASRUASWILLISSANTIAGOGUERRAFILHO ......................................................... 233

    RESPOSTA PARA WILLIS SANTIAGO GUERRAFILHOEEDMUNDO LIMA DEARRUDAJUNIORMARILENACHAUI ................................................................................ 239

    IDENTIDADE APARTIDRIA DAS MANIFESTAES DE RUA: UM PRENNCIO DEMOCRACIADELIBERATIVA?RICARDOTINOCODEGESRODRIGORIBEIROROMANO ................................................................. 247

    O DIREITODEPROTESTAREASVIASINSTITUCIONAISIKONSTANTINGERBER ........................................................................... 263

    O MOVIMENTOCOMO(UM)AMANIFESTAOEA(DE)NEGAODODIREITOJOAQUIMEDUARDOPEREIRA ................................................................. 269

    STFVSLEGISLATIVO: APERIGOSAPOLUIOSEMNTICAACERCADOSEFEITOSERGAOMNESEVINCULANTENAJURISDIOCONSTITUCIONAL.GEORGESABBOUD ............................................................................... 277

    MANIFESTOCONTRACONSTITUINTEPARAREFORMAPOLTICA .......... 287

    O QUEOTERCEIROESTADOBRASILEIRO?A JURIDICIDADEELEGITIMIDADEPOLTICADEUMACONSTITUINTEEXCLUSIVAPARAAREFORMAPOLTICAALCIMORROCHANETO ....................................................................... 291

    A CONSTITUINTEJCOMEOU!

    WILLISSANTIAGOGUERRAFILHO ........................................................ 299A DEMOCRACIANAERADAINFORMAO

    JORGEPEREZ ........................................................................................ 303

    BRASIL, JUNHODE2013: DEMOCRATIZAONASCENASDEUMMOVIMENTOPOPULAR

    LVIAGAIGHERBSIOCAMPELLOMARIANARIBEIROSANTIAGO ............................................................... 309

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    PROTESTOSNOBRASIL: MUITOALMDOPREODAPASSAGEM

    ISABELLUSTOSA .................................................................................. 315IMPROVISAO, AVENTURAECAOSDOMBERTRANDDEORLEANSEBRAGANA .......................................... 319

    O OCASODADEMOCRACIAFRUTODAREVOLUOFRANCESAMIGUELDACOSTACARVALHOVIDIGAL ............................................... 321

    QUEM DIRIA QUE UMA PRIMAVERA LATINO-AMERICANA FLORESCERIA NOBRASIL?BETHANIAASSY

    BRUNOCAVA ...................................................................................... 327O BRASILEMUMACRISEDE(RE)PRESENTAO? UMAHIPTESEAPARTIRDE

    HEIDEGGER

    MRCIAREGINAPITTALOPESAQUINOMOEMAFERREIRAGIUBERTICORADINI ................................................. 329

    DIREITO, DILOGO, IMAGINAO E COLAPSO: A EXAUSTO SEMNTICAATRIBUDA.juliekohlmann ................................................................................. 337

    CRISEEESPETCULO: APOLTICANAPRAAPBLICAMARCELOGUIMARESLIMA ................................................................. 349

    ENTREVISTACOMCHICODEOLIVEIRA ............................................ 365

    ENTREVISTACOMIVANABENTES ................................................... 367

    REPRESENTATIVIDADEEREFORMAPOLTICASUSANADECASTRO ............................................................................ 379

    A MEDICINAEOBRASILREALROBERTOAMARAL ............................................................................... 385

    PERSPECTIVAS EPISTEMOLGICA E HISTRICA DO DIREITO SADE NOBRASILHESIOCORDEIROWILLISSANTIAGOGUERRAFILHO ........................................................ 389

    FUNOSOCIALDAPROPRIEDADERURALKARELWILLISRGOGUERRA ............................................................... 401

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    DIREITOSFUNDAMENTAIS,ESTADODEMOCRTICODEDIREITOEINTERPRETAOCONSTITUCIONALAINDAQUETARDIAWILLISSANTIAGOGUERRAFILHOHENRIQUEGARBELLINICARNIO ............................................................ 413

    LIBERDADECOLETIVADEEXPRESSOWILLISSANTIAGOGUERRAFILHO ........................................................ 427

    A MASSAEAHORDAALMIRPAZZIANOTTOPINTO ................................................................. 431

    ECOSDEJUNHODE2013 ............................................................. 435

    UMAREFLEXOSOBREASLTIMASMANIFESTAESPOPULARES(E, TALVEZ, ASPRIMEIRASDEUMNOVOTEMPO...)PIETRONARDELLA-DELLOVA ................................................................ 441

    LEVANDO ASFINANAS PBLICAS A SRIO: O GASTO PBLICO COMOFRUTODA VONTADE DA MULTIDOE A DEMOCRATIZAO RADICAL DA PRTICA

    FINANCEIRABRASILEIRADANIELGIOTTIDEPAULA .................................................................... 449

    PREMIDIANDOAUDINCIASFINANCEIRAS: OCASO#OCCUPYWALLSTREET

    RICHARDGRUSIN ................................................................................. 475BRASIL2013: OPODERINTENSODAMULTIDOBELMIROJORGEPATTO ........................................................................ 487

    DEMOCRACIASELF-SERVICE? NO, OBRIGADO.ROSIVALDOTOSCANODOSSANTOSJNIOR .......................................... 497

    PSICANLISENARUA: UMDILOGOCOMACLNICAPERIPATTICADEANTONIOLANCETTI.CARLAPINHEIRO ................................................................................. 505

    MENTIRABLOCvinciuSnicaStrohoneSko ............................................................. 529

    O DIREITODEPROTESTAREASVIASINSTITUCIONAISIIkonStantinGerber ........................................................................... 533

    PRIMAVERABRASILEIRARICARDOHENRIQUEANDRADE ............................................................. 561

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    I

    PREFCIO

    UMLIVRO-MULTIDOA poltica e a poesia so demais para um s homem..., diz Sara para

    Paulo em dilogo clebre no igual e justamente clebre Terra em Transe, de

    Glauber Rocha. Mas, e para uma multido?A presente obra surgiu de troca de mensagens com Edmundo Lima deArruda Jr. pensando em editarmos algo para comemorar trs dcadas doMovimento do Direito Alternativo, que professores da UFSC como ele eHorcio Wanderlei, do lado acadmico, assim como pioneiros magistradosgachos como Amilton Bueno de Carvalho e Rui Portanova deslancha-ram, empolgando estudantes de direito de todo o Pas, no embalo da rede-mocratizao e reconstitucionalizao daquela segunda metade dos anos1980. Da fomos colhidos de cheio pelas manifestaes de junho e nossacomunicao, coletiva, foi aparteada por Cristiano Mabilia, da Lumen Jurisde Santa Catarina, propondo a publicao, que aqui segue. Permaneceramas contribuies de Edmundo, acrescidas de outras, dele mesmo, encami-nhadas por ele, como a de nosso Mestre Srvulo da Cunha, minhas e detanto(a)s outro(a)s, agora sobre e em torno do que tanto nos surpreendeuno final da primavera do ano em curso, em nosso Pas.

    Como uma simples olhada no ndice permitir constatar, trata-se deuma coletnea que recobre amplssimo espectro ideolgico e terico, for-ando mesmo a fronteira rumo ao alm do terico e ideolgico, a utopia,para a qual, ou quais, recuperamos a disposio favorvel, aps o ocorrido

    junho passado entre ns. Contm, no entanto, no s textos a respeito di-retamente de nosso iunius mirablis, mas tambm sobre temas que gravi-taram e ainda gravitam - em torno dele.

    Agradecimentos so devidos a todo(a)s que se dispuseram a colaborar,e mesmo a quem, como Manuel Castells - ao contrrio de alguns poucosque me deixaram sem resposta ou texto -, respondeu-me, mas no autorizoupublicar entrevista dada por ocasio de sua passagem pelo Pas, justamentequando das manifestaes, por entender que entrevistas no se prestariam aser mais do que isso, palavras de ocasio. De tal entendimento, felizmente,no compartilhou Chico de Oliveira, a quem tive dificuldade de contatar a

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    II

    distncia, mas encontrei por acaso em uma livraria de So Paulo, e Ivana

    Bentes, contatada atravs de meu fraternal amigo, o escritor Carlos EmlioCorra Lima, assim como diversos outros dos que enviaram seus textos, pro-venientes da sua rea. A tod@s, como ele gosta de dizer, agrasubido. Apreocupao com as autorizaes, que no incio do trabalho Edmundo achouexcessiva de minha parte, mostrou-se oportuna, por conta de um incidente,em nvel internacional, sobre o direito autoral de propriedade, envolvendo amim e algum justamente que trabalha ou trabalhou, antes de ingressar emum dos setores mais subservientes da burocracia estatal - com o pensamentocrtico, mas no o incorpora em sua prtica, por no saber ou poder, sendo o

    que me parece tudo o que de menos precisamos agora.Por fim, registro agrasubidssimo pacincia dos editores, em nomedo Cristiano Mabilia, no acolhimento deste livro-multido, em si tam-bm mais uma manifestao, de professores em sua maioria, como os queno momento enfrentam a represso poltico-governamental e policial noRio de Janeiro, e tambm em So Paulo, com apoio de estudantes. Sobreaquela ocorrida semana passada no Rio de Janeiro, escreveu o j aqui mul-ticitado Carlos Emlio: Agora se ABRIRAM AS COMPORTAS DO CUDA REALIDADE. o que nos mostra foto maravilhosa veiculada pelagrande mdia da gigantesca manifestao de todas as classes sociais em

    apoio aos professores cariocas e brasileiros ocorrendo agora na cidade doRio de Janeiro, tambor espiritual da nao, representam um recado claroqueles que humilharam a cultura e a educao da forma vil que o fizeramnesses mais de trinta anos de polticas pblicas de desmonte da identidadenacional aliada a uma tentativa calculada de midiotizao e vulgarizaogeral da sociedade, tendo como base abjeta de ao concreta a precarizaoda figura do professor no Brasil. Ela lembra inumerveis outras fotos seme-lhantes vindas do Egito e agora do Mxico, areas, tiradas ontem na maiorcidade da Terra, a antiga Tenochttlan. So fotos que servem de impulso

    humanidade por rumos melhores contra a opresso do antiuniverso sist-mico neoliberal que vai se esgotando a passos rpidos . So as imagens maispoderosas da Terra, so figuras icnicas de poder revolucionrio que nopodem ser destrudas porque emitem uma potncia mgica que os povos re-cebem e transmitem entre si. Neste momento de dialogo entre movimentosde massa de diferentes povos das mais diversas civilizaes o grande dem-nio capetalista (Profeta Gentileza) est de mos e ps atados e todos ospovos do mundo se liberam de sua influencia energtica malfica. Estamosem plenos anos 30 novamente quando a humanidade pde respirar e reflo-rescer culturalmente e politicamente porque os EUA tinham que resolver

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    III

    primeiro os seus problemas sociais ,econmicos e financeiros internos e no

    podia se meter com a mesma fora e desfaatez no destino das outras na-es. Mas agora esses problemas dos EUA so infinitamente mais srios. Ospovos esto emitindo estas imagens para mudar a realidade, so imagens demultides-aurora. Sobre a que ocorreu em So Paulo, recebo do AccioAugusto, integrante do Nu-Sol (Nlceo de Sociabilidade Libertria), daPUC-SP, tambm professor na Faculdade Santa Marcelina, a seguinte:

    Nota dos professores e estudantes da FASM encaminhada im-prensa

    Na noite do dia 7 de outubro de 2013 uma manifestao em apoio greve de professores no Rio de Janeiro e dos estudantes da Universidade deSo Paulo, culminou, na Praa da Repblica, em confronto com as foraspoliciais. O embate foi atribudo ao de um grupo minoritrio de mani-festantes denominados pela polcia e imprensa de vndalos. No objetiva-mos questionar as motivaes ou fazer julgamentos quanto aos mritos dasaes. O que nesta comunicao repudiamos a ativao da Lei SeguranaNacional n 7.170, de 14 de dezembro de 1983, como mote jurdico parapriso de nossa colega, Luana Bernardo Lopes, estudante do segundo anodo curso de Moda.

    A despeito dos motivos e avaliaes pessoais acerca das manifestaese das tticas utilizadas por grupos diferentes, a priso de uma jovem e outrosdez acusados, sob um dispositivo penal que remete ao quadro jurdico daDitadura Civil-Militar, preocupa os corpos docente e discente dessa Facul-dade. Somos trabalhadores e estudantes de uma instituio de reconhecidaexcelncia no ensino e que presa pelos valores da democracia, do respeito pessoa e da diversidade na produo do conhecimento. Como professo-res e estudantes, no acreditamos que situaes problemticas possam serresolvidas pelo recurso ao autoritarismo e s leis que remetem ao perodo

    mais sombrio da histria de nosso pas. Um tempo no qual se torturavamestudantes, professores, religiosos e trabalhadores em nome justamente dasegurana nacional. Lembramos da clebre pesquisa, de 1985, daArquidio-cese de So Paulo e repetimos: Brasil: nunca mais!

    Luana, nossa colega, no uma terrorista. Ela uma estudante deModa que ao se fazer presente na manifestao reafirma a sua preocu-pao com rumos de nossa sociedade. Desta maneira, afirmamos que intolervel sua priso e de qualquer outro jovem que decida externar suainsatisfao quanto aos rumos polticos e sociais da sociedade em que vive.

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    IV

    No se faz democracia com priso de jovens. No se educa por meio de

    medidas autoritrias.Acreditamos ser suficientemente capacitados e responsveis pela edu-cao que Luana recebe. No vivemos mais sob um perodo de exceo eacreditamos que na democracia se educa em liberdade. Que nossa colegaseja libertada e possa retornar para concluir o seu curso e contribuir para asnecessrias transformaes em nosso pas.

    Esta a posio dos que assinam esse documento e no refletem ne-cessariamente a opinio da instituio.

    Estudantes e professores da Faculdade Santa Marcelina (FASM). Deus e o Diabo na Terra do Sol, para terminar com quem come-amos...

    So Paulo/Rio de Janeiro, 14 de outubro de 2013.

    Willis Santiago Guerra FilhoProf. Tit. do Centro de Cincias Jurdicas e Polticas da Universidade Fe-

    deral do Estado do Rio de Janeiro. Professor e Coordenador do Ncleo de Pes-quisa em Direitos Humanos do Programa de Mestrado e Doutorado da PUC

    -SP. Livre Docente em Filosofia do Direito (UFC), Doutor em Direito (Univ.Bielefeld, Alemanha), Doutor e Ps-Doutor em Filosofia (UFRJ). Advogado,ator, poeta e psicanalista em contnua formao.

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    1

    MOVIMENTOSSOCIAISNOSOMAISOSMESMOS

    Lucia Santaella

    Professora Titular da PUC-SP atuando nos seguintes Programas de Estudos

    Ps-Graduados: Comunicao e Semitica; Tecnologias da Inteligncia eDesign Digital.

    Antes que tivessem irrompido os movimentos sociais que tomaramas ruas de vrias cidades do Brasil, em junho de 2013, j havia escrito, umano antes, sobre o tema da poltica nas redes em tempo real. O artigocompe um dos captulos do livro Comunicao ubqua. Repercusses nacultura e na educao(Santaella, 2013, p. 93-110). Na poca em que foi

    escrito, o movimento Occupy(v. infra, Richard Grusin ed.) norte-ame-ricano havia recm fenecido e inspirada em matria publicada na Folhade S. Paulo, por Vladimir Safatle (2012a, p. A2), terminei o artigo comum comentrio sobre o filme Cosmpolis(2012), de David Cronenberg. Opersonagem, na pele de um yuppie, encarnao alegrica do insano auto-movimento do capital e de cuja vida o sentido havia desertado, enigma-ticamente assassinado no final do filme. Nessa morte simblica, os ideaisdo Occupypareciam estar vingados, pelo menos no plano do imaginrio.

    O artigo buscou dar conta de duas questes que, no momento, mepareciam fundamentais: a transformao do conceito e das prticas dos

    movimentos sociais a partir dos anos 1980 e, na sequncia, o papel de-sempenhado pelas redes digitais nessa transformao. A tradio marxistanos legou a noo de movimentos sociais como aes coletivas de carterrevolucionrio contra as relaes de produo contraditrias do sistemacapitalista. Equalizavam-se, portanto, luta de classes na ao histricada sociedade. J a partir dos anos 1980, os movimentos sociais foram setornando cada vez mais heterogneos e complexos, configurados no meiourbano, com estruturas e linhas de ao diversificadas ambientalistas, an-ticapitalistas, feministas, pacifistas, pelos direitos dos animais etc. Ocor-

    rendo na maior parte das vezes sob a forma do associacionismo civil, a

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    2

    heterogeneidade dos novos movimentos sociais converge sempre para es-

    tratgias de mobilizao em franca oposio a alguma ordem dominante.Com isso, ampliou-se necessariamente o conceito de movimentos so-ciais e Alain Touraine foi o autor em quem me apoiei para compreenderessa ampliao. Sua obra nos ensina que os movimentos sociais passarama ser definidos como condutas socialmente conflitivas, mas tambm cul-turalmente orientadas e como a manifestao de contradies objetivas deum sistema de dominao. Assim, o movimento obreiro no apenas umlevante dos operrios, mas sim, um contra modelo da sociedade industrialsuportada pelos trabalhadores possuidores de fora de trabalho. Em se-

    gundo lugar, a ao dos movimentos sociais no est dirigida fundamen-talmente contra o Estado e no pode ser identificada com uma ao pol-tica pela conquista do poder. Ela se caracteriza, ao contrrio, como umaao de classes, dirigida contra um adversrio propriamente social. Dissoresulta convergncia ou aliana, jamais unificao entre um movimentosocial e uma ao de transformao do poder do Estado. Por fim, um mo-vimento social no cria uma sociedade mais moderna ou avanada do queaquela que ele combate, pois defende, dentro de um campo cultural ehistrico dado, uma outra sociedade. Desse modo, o tema da superao substitudo pelo de alternativa, o que contradiz as ideias evolucionistas do

    pensamento clssico social (Touraine, 2006, p. 258-259).Assim definidos, os novos movimentos sociais vieram ganhar incre-

    mento ao tirar proveito dos aparatos das redes digitais. Antes estritamentedependentes das praas pblicas, bloqueios de estradas e de avenidas etc.,hoje, sem deixar de fazer uso desses meios de visibilidade, eles adquiriramacelerao e amplitude graas s tecnologias computacionais interativas, es-pecialmente as nmades que se desvencilharam dos limites impostos pelosfios. O que os grupos e seus movimentos defendem heterclito, mas semprelegtimo e lcido na deteco dos sintomas de que padecem as sociedades

    atuais nos campos das causas relativas a polticas totalitrias, assim comocausas ambientais, ecologia, desenvolvimento sustentvel, reforma agrria,educao, arte e cultura. Suas formas de atuao, sua abrangncia local,regional, nacional ou internacional e seu limite de tempo a curto, mdioe longo prazo - so igualmente plurais.

    Para ilustrar e identificar o modo de funcionamento das novas alian-as que emergem dos movimentos sociais com as redes digitais, auxiliadapela publicao de Di Felice (2009) e a dissertao de Arruda (2011),apontei no texto para as origens dessas alianas no movimento neozapa-tista em Chiapas, passando em breve revista os diferenciados movimentos

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    da Primavera rabe para terminar no Occupy Wall Street. No cheguei

    a me deter nos Indignados da Espanha, movimento tambm chamado deMovimiento 15-M. No tinha em mos algumas importantes publicaessobre a questo que s vieram a circular mais recentemente em nosso meio,tais como Occupy, da editora Boitempo (2012), Malini e Antoun (2013),Castells (2013), Cidades Rebeldes, tambm da editora Boitempo (2013). Foinas redes e em recortes de jornais, portanto, que, ento, coletei e selecioneiinformaes para subsidiar minhas elaboraes naquele momento.

    ASECLOSESEOSDIAGNSTICOS

    Quando, quase um ano depois da escritura desse artigo, turbinadas peloMovimento Passe Livre, que existe desde 2005 e se compe de militantesde esquerda, as multides foram s ruas de So Paulo, numa reverberaoque foi se alastrando em dias subsequentes e por outras partes do Brasil, asociedade, em todas as suas esferas e camadas, foi tomada de atordoada sur-presa. No se dizia que os brasileiros eram passivos demais, sem conscin-cia poltica? Um povo inebriado por futebol, Carnaval e cerveja, que s seaglomerava em show, bloco e passeata gay ou evanglica? (Aquino, 2013).Ademais, diferente dos movimentos rabes, o Brasil de hoje se enquadra per-

    feitamente no padro das democracias do sculo XX. Diferente tambm doOccupye dos pases mediterrneos mais drasticamente atingidos pela crisefinanceira de 2008, desde a estabilizao do processo inflacionrio crnico,houve grandes avanos nas condies econmicas da vida dos brasileiros.Nos ltimos vinte anos, houve ganho substancial de renda entre os maispobres (...) e a distribuio de renda melhorou, com o desemprego em seumnimo histrico (Lara Resende, 2013). Afinal, o que estava at ento silen-ciado por baixo da superfcie?

    Uma avalanche de matrias jornalsticas, de entrevistas com especia-listas, artigos nas redes e em blogs emergirampari passuao estado febril dosfatos, sem dvida, escritos imbudos no s da lucidez da crtica, mas tam-bm da paixo do engajamento e da esperana (Carneiro 2012, p. 10). Porcerto, no de modo exaustivo, fui selecionando e lendo avidamente essesartigos, enquanto acompanhava a sua cobertura no imbroglio das mdiasconvencionais e das novas mdias na riqueza que estas apresentam paratransformar a antiga condio do espectador em vivncia participativa.

    A par do turbilho de eventos e informaes, duas obras, publicadasbem antes dos eventos que agitaram o mundo nos ltimos anos, impeliram--me a voltar a escrever sobre o assunto. 5 Lies sobre Imprio, de Antonio

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    4

    Negri (2003) e Protocol, control, and networks, de Galloway e Thacker

    (2004), este ltimo autor do conceito de biomdia, no qual vejo a possibili-dade de avanar um passo no conceito de multido de Negri, rumo a umacompreenso mais fina da dinmica atual dos movimentos sociais. Antesde entrarmos nessa discusso, vale a pena explorar alguns tpicos que, ameu ver, mapeiam os impactos e cartografam o cadinho das controvrsiassobre os movimentos de junho-Br. O primeiro desses tpicos versa sobre afartura de diagnsticos com que os analistas nos brindaram acerca das ra-zes que levaram s ecloses.

    Uma das narrativas mais detalhadas sobre os acontecimentos a de

    Osvaldo Coggiola (2013), publicada no blog da Boitempo. S. iek (v. tb.infra ed.), clebre por sua acuidade diagnstica hegel-lacaniana das maze-las do capitalismo, indica como uma caracterstica chave do movimento deprotesto a ecloso de organizaes heterogneas (de estudantes, mulheres,trabalhadores etc.) nas quais a sociedade civil comeou a articular seus in-teresses fora do escopo das instituies estatais e religiosas. Seu diagnsticoavana para uma generalizao que vale ser testada em cada um dos diferen-ciados movimentos particulares: H mais [no primeiro clmax exttico darevolta] do que uma iluso ideolgica imaginria toda revolta radical con-tm, por definio, uma dimenso comunista, um sonho de solidariedade de

    justia igualitria que vai alm da esfera estreita da poltica para economia,vida privada, cultura, em suma, permeia todo o edifcio social.

    Diagnstico detalhista o de Marilena Chau (2013), no arrazoadoque apresenta das contestaes frente aos poderes executivos municipais,estaduais e federal, assim como ao poder legislativo nos trs nveis (v. infra ed.). Para a autora, o ponto que foi sempre o foco dos movimentos po-pulares encontra-se na situao da vida urbana nas grandes metrpolesbrasileiras. Em funo disso, enumera os nefastos traos mais marcantesda cidade de So Paulo nos ltimos anos, revolve a tradio paulistana de

    lutas para, ao final, enfatizar e problematizar a revolta dos participantescontra os partidos polticos. Sem minimizar a importncia dos movimen-tos, fica implcita no texto uma certa tendncia intelectualista,condutorado dever ser dos movimentos sociais, ou seja, de correo dos equvocose de indicao do verdadeiro caminho a ser seguido para que os ideais deemancipao possam ser alcanados. O diagnstico da autora acerca dopapel desempenhado pelas redes digitais frgil. Isto porque no h comocompreender o funcionamento das redes sem estar nelas. Por sua prprianatureza, as redes repelem interpretaes nostlgicas.

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    Para responder s causas do mal-estar difuso no Brasil de hoje, que trans-

    bordou da Internet para a realidade e levou a populao s ruas, Lara Resende(id. ib.) encontra dois eixos principais: O primeiro e mais evidente, uma crisede representao. A sociedade no se reconhece nos poderes constitudos Executivo, Legislativo e Judicirio em todas suas esferas. O segundo que oprojeto do Estado brasileiro no corresponde mais aos anseios da populao. Oprojeto do Estado, e no do governo, importante que se note, pois a questotranscende governos e oposies. Este hiato entre o projeto do Estado e a so-ciedade explica em grande parte a crise da representao.

    O autor continua seu diagnstico, apontando para a ineficincia do Es-

    tado ao descumprir suas funes bsicas segurana, infraestrutura, sade eeducao , uma ineficincia que realada pela reduo da pobreza absolutana populao que aumentou a demanda por servios de qualidade. Apontouainda para o contraste entre a realidade e o ufanismo da propaganda oficial.Esse contraste s agravou o estranhamento e consolidou o divrcio entre apopulao e os que deveriam ser seus representantes e servidores.

    J Francisco de Oliveira (2013), crtico cido do PT, em entrevista (v.infra ed.) , evidencia a contradio entre a inesperada demonstrao decapacidade e iniciativa revelada pelos movimentos e os objetivos difusosque os animam. O diagnstico do autor dirige-se, sem subterfgios, para a

    poltica do PT que mandou os bancos estatais soltarem o dinheiro e veioesse festival de consumo que no est altura da renda dos brasileiros. Elescriam uma euforia falsa, isso no se aguenta. Euforia de consumo, finan-ciada por bancos, tem perna curta.

    Para Dora Kramer (2013), a motivao dos movimentos advm da iracontra os polticos, uma ira que no era motivada por regras eleitorais esim pelo dar de ombros do Estado traduzido em desleixo administrativo edegradao moral.

    No seu artigo, extrado de uma conferncia improvisada no Vale do

    Anhangaba, em outubro de 2011, atendendo ao convite de estudantesque se mobilizaram atravs do movimento Ocupa Sampa, Safatle (2012b,p. 51), afirma o desencanto como afeto central do poltico. De fato, na-quele momento, era do desencanto que os movimentos Occupyextraiamsua fora de resistncia. No Brasil de 2013, contudo, o afeto mais intensodo que o desencanto, pois incorpora no apenas o inconformismo presenteno desencanto, mas torna esse afeto mais agudo na indignao, na revolta ena ira. O vrtice dos movimentos tem sido movido pela irritao e a raiva,temperadas pelo humor corrosivo.

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    QUEDEMOCRACIASEQUER?Embora tenham sido sempre aclamados pelos tericos e comentaris-

    tas, os movimentos no deixaram de receber crticas relativas sua ausn-cia de agendas claras e, para alguns, at mesmo teleolgicas.

    Para iek (ibid.), no deveramos ficar excessivamente fascinados pormomentos sublimes de unidade nacional a pergunta chave : o que vemem seguida? Como essa exploso emancipadora se traduzir em uma novaordem social? Sonhando com as agendas racionalmente sistematizadas dosmovimentos tradicionais, a pergunta repetida em entonaes similares por

    vrios outros comentadores: talvez falte clareza do prximo passo ou do elomais prximo da corrente de indignao coletiva que clama, por exemplo, pelademocracia real. Por isso, nos interrogamos: (...) e depois? (Alves, 2012, 36).

    Uma vez que as anlises opinativas de iek nunca so simples e per-feitamente concordantes consigo mesmas, em outro artigo (2012b, p. 23),sua posio parece um pouco mais modalizada quando diz que o gesto for-mal de resistncia dos movimentos mais importante do que o contedopositivo, de modo que no devemos ficar aterrorizados pela eterna ques-to: Mas o que eles querem? Alm disso, para o autor, os manifestantes

    no devem ser mimados e adulados hoje, se que isso possvel, osintelectuais devem combinar o apoio integral aos manifestantes com umadistncia analtica fria e no paternalista. (...) Deve-se evitar a tentaodo narcisismo da Causa perdida, da admirao pela beleza sublime dos le-vantes fadados ao fracasso. Na esquerda atual, o problema da negaodeterminada retorna como uma vingana: que nova ordem positiva deve-ria substituir a antiga, no dia seguinte, quando o entusiasmo sublime doslevantes tiver acabado

    iek estava a se referindo ao Occupye aos Indignados. De fato, en-quanto nos eventos rabes havia um inimigo a ser batido e a combusto

    tendia a perder fora na medida em que o alvo era atingido, no Occupyeno outono brasileiro, no houve racionalizao dos passos. Isso no diminuio impacto dos acontecimentos, como foi apontado em entrevista de PauloArantes (2013) a Ivan Marsiglia: Quanto ao carter difuso das deman-das, trata-se de um bordo pejorativo porque, em sua infinita variedade,alm de serem de uma espantosa preciso - nada menos do que tudo, comoo Terceiro Estado em 1789 queria tudo por no ser nada -, elas sugerem umlimiar que no fundo ainda no se ousou transpor.

    De fato, existe uma fora de atrao que imanta todos os movimen-

    tos quer seja pela busca da democracia, quando ela est em falta, quer seja

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    pela insatisfao com a democracia representativa, um sentimento a que os

    movimentos do expresso e que se estende para alm dos seus limites. Aoreceber a pergunta do jornalista sobre a existncia de uma crise da demo-cracia representativa, Castells (2013a) responde afirmativamente, mencio-nando que a maior parte dos cidados do mundo no se sente representadapor seu governo e parlamento. Partidos so universalmente desprezadospela maioria das pessoas. A culpa dos polticos. Eles acreditam que seuscargos lhes pertencem, esquecendo que so pagos pelo povo. Boa parte,ainda que no a maioria, corrupta, e as campanhas costumam ser finan-ciadas ilegalmente no mundo inteiro. Democracia no s votar de quatro

    em quatro anos nas bases de uma lei eleitoral trapaceira. As eleies vira-ram um mercado poltico, e o espao pblico s usado para debate nelas.Apesar dessas evidncias, o questionamento das democracias repre-

    sentativas imediatamente traduzido por alguns como iminncia de pe-rigo, especialmente em pases como o Brasil, sobre os quais ainda pesamna memria as nuvens negras da ditadura e dos eventos que a precederam.Bem dizia Safatle (2012b, p. 47) que nos ensinaram que, se criticarmos ademocracia parlamentar, tal como ela funciona hoje, estaremos, no fundo,fazendo a defesa de alguma forma velada de autoritarismo. Quantos no secomprazem em nos olhar e dizer: o que vocs querem? Vocs no querem

    um Estado democrtico de direito? Ento, vocs querem o qu?Inspirado em Badiou, , mais uma vez iek (2012, p. 23) quem tem

    a resposta na ponta da lngua. Hoje o nome do pior inimigo no o ca-pitalismo, imprio, explorao ou algo similar, mas democracia: a ilusodemocrtica, a aceitao dos mecanismos democrticos como a moldurafundamental de toda mudana que evita a transformao radical das rela-es capitalistas.

    A POTNCIADASREDESDIGITAIS

    Entre os comentadores, so poucos aqueles que fazem jus influnciadas redes digitais na sua funo de estopim e retroalimentao dos eventospresenciais. H, inclusive, autores que minimizam essa funo at o pontode reduzi-la insignificncia. o caso, por exemplo, do prestigiado ge-grafo ingls David Harvey (2012, p. 61), crtico feroz do capitalismo, quandoafirma peremptoriamente que a PraaTahrir mostrou ao mundo uma ver-dade bvia: so os corpos nas ruas e praas, no o balbucio de sentimentosno Twitter ou Facebook, que realmente importam. Cabe a pergunta: essescorpos estariam tomando para si as ruas, na ausncia desses balbucios?

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    Lorenzotti (2013) chama ateno para o fato de que a maioria das

    entrevistas feitas pela mdia tradicional impressa e televisiva, ou no men-ciona, ou passa rapidamente pelo papel das redes sociais nas jornadas dejunho. Mas, certamente, h excees. J em 2003, Negri (p. 44) atentavapara o fato de que a revoluo tecnolgica e informtica d a possibilidadede novos espaos de liberdade.

    No momento presente, mais do que no posfcio edio brasileira deseu livro sobre Redes de indignao e esperana(2013b, p. 178-182), naentrevista concedida ao jornal O Globoque Castells (2013a) se aproximada questo das redes, denunciando a desconfiana com que o establishment

    poltico v as redes sociais. Uma desconfiana que Castells parece conside-rar desmedida, pois, a seu ver, as mdias sociais s permitem a distribuioviral de qualquer mensagem e o acompanhamento da ao coletiva.

    Outro especialista em mdia e comunicao, Paolo Gerbaudo (2013),estudioso dos protestos que tomaram as ruas das grandes cidades, em en-trevista concedida Folha de S. Paulo, declarou que, com a ascenso dasredes sociais, a organizao mais difusa da sociedade, incorporando espe-cialmente as classes mdias emergentes e os jovens, desorientou os po-lticos e os velhos partidos que estavam acostumados a buscar consensosatravs dos meios de comunicao de massa. Diante das redes sociais, os

    partidos tm pouco a fazer, a no ser que mudem completamente as suasprticas, baseadas no velho sistema de quadros e caciques locais, e se abrampara novas formas de participao popular.

    Em entrevista a Fernando Gabeira, Augusto Franco (2013) criadorda Escola-de-Redes (apudLorenzotti, ibid.),diz que a rede um ambientepropcio para a multiliderana. Mais contundente Lara Resende (ibid.)ao considerar as redes como o elemento novo que emergiu, na medida emque a internet viabiliza a mobilizao antes que surjam as lideranas.Confrontados com maio de 68 na Frana, os acontecimentos brasileiros, e

    outros antes dele, vieram tona com a insgnia das redes sociais e o mo-vimento pelo passe livre fez com que o mal-estar transbordasse do virtualpara a realidade das ruas.

    Lara Resende imputa as trapalhadas canhestras da mdia convencional sua falta de percepo de que o debate pblico deslocou-se das esferastradicionais da poltica para a internet e as redes sociais. Incapaz de avaliara extenso da insatisfao que fervia nas redes, a mdia transformou-se elaprpria em alvo da irritao popular. Ademais, enquanto a inpcia trucu-lenta dos comandos policiais funcionava como munio intensificadora dos

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    conflitos, as mdias alternativas emergiam como forma de registro e discus-

    so colada no corpo a corpo com a vivncia dos fatos.Sem fazer pesar em demasia um ou outro lado da balana, o das redese o dos corpos vivos nas ruas, trata-se de compreender que, desde o mo-mento em que a comunicao mediada por computador se livrou dos fiose adquiriu uma portabilidade leve e voltil, o ser humano passou a adquiriruma existncia one offlinesimultaneamente. Hoje habitamos espaos in-tersticiais com passagens instantneas do virtual ao presencial e vice-versa.Eis a uma questo que no pode ser menosprezada se quisermos compreen-der a dinmica das multides nas ruas.

    Foi-se o tempo em que tudo se dividia em mdia pblica, de um lado, ouseja, comunicao visual, audiovisual e impressa, feita por pequeno grupo deprofissionais e, de outro lado, mdia pessoal, como cartas e telefonemas, reali-zados por cidados comuns. Hoje, a internet colocou as mdias, no plural, emestado de efervescncia e, em quaisquer dos artefatos em que a cultura me-diada por computador se corporifica desktop, laptop, ipad, tablet, iphoneetc encontra seu pico nas redes sociais.

    Na sua primeira fase, a da Web 1.0, as redes digitais j permitiam oacesso e troca de informaes, difundindo e ampliando os saberes, a memriae a cultura. Essas funes incrementaram-se, cada vez mais, na Web 2.0. Esta

    ficou conhecida como a Web da cooperao, com redes de relacionamento,emoticons, blogs, transferncia de arquivos (FTP), marketing viral, socialbook-marking(folksonomia), webjornalismo participativo, escrita coletiva, veloci-dade e convergncia. Surgem a as produes independentes, eletrnicas, di-gitais etc., os ativismos polticos, artsticos e mesmo a possibilidade de formarredes de cidados conectados (Prado, 2012). Hoje, tudo isso bastante mu-niciado pelos equipamentos mveis com acesso direto, entre outras coisas, splataformas de redes sociais em crescimento exponencial.

    Alm de favorecer a circulao, as redes sociais abrem espao para

    a criao de ambientes de convivncia instantnea entre as pessoas. Ins-tauraram, assim, uma cultura participativa, onde cada um conta e todoscolaboram, portanto, uma cultura integrativa, assimilativa, cultura da con-vivncia que evolui de acordo com as exigncias impostas pelo uso dos par-ticipantes (Shirky 2011). Nesse tipo de cultura, o sentido de pertencimento animado pelo compartilhamento de alvos comuns em um cenrio de con-vivncia humana que no aceita mais discursos de tom puramente persua-sivo, exigente, excludente, impositivo, autoritrio, pois no preciso maisdo que um celular para que algum se converta em produtor de informao

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    e com uma capacidade de mobilizao dentro e fora das redes que, quando

    irrompe, desconcerta os incautos.O que, a meu ver, ainda falta perceber que muitos dos comportamen-tos adquiridos nos redes so transferidos para o mundo presencial: o direito aocompartilhamento pblico de um discurso prprio, o direito participao,o desenvolvimento da capacidade crtica que brota da colaborao, o espaoaberto para iniciativas e o estado de prontido para agir. So as passagens in-consteis dos tipos de condutas adquiridos nas redes para a vida presencial quefuncionam como uma das chaves mestras para se compreender a fora vulc-nica desse ativismo hbrido que funde indissoluvelmente as redes e as ruas.

    A NOVADINMICADOSMOVIMENTOSSOCIAISA partir de referenciais diversos, h comentadores que tm colocado

    nfase no carter diferencial desse novo tipo de militncia e ativismo o qual,a meu ver, irrompe da fuso das redes com as ruas. Para Castells (2013a), oespao pblico rene a sociedade em sua diversidade. A direita, a esquerda,os malucos, os sonhadores, os realistas, os ativistas, os piadistas, os revolta-dos todo mundo. Anormal seriam legies em ordem, organizadas por umanica bandeira e lideradas por burocratas partidrios. o caos criativo, no

    a ordem preestabelecida. Ora, esse espao pblico hoje constitudo nasredes e delas transborda para o mundo l fora. ainda possvel falar em militncia poltica? Com essa pergunta, No-

    gueira (2013, p. 42) d incio ao seu texto, chamando ateno para o novotipo de militncia que a est. Trata-se de uma militncia que acompanha osinal dos tempos, quando a hiperatividade da sociedade civil ocorre maisem funo da autoexpresso do que da disposio para organizar consensosou lutar pelo poder em sentido estrito. A zona de ao poltica , ento,menos organizada e mais individualizada, de ao contnua, de pressesassistenciais errticas, viabilizadas pelas maiores facilidades de comunica-o e contato. Nasce a um novo tipo de militante que multifocal, abra-ando vrias causas simultaneamente.

    Alves (ibid.) enumera seis traos caracterizadores dos elementos queso novos nesses movimentos: 1) constituem-se de densa e complexa di-versidade social; 2) so pacficos, recusando a adoo de tticas violentase ilegais; 3) utilizam redes sociais, produzindo sinergias sociais em rede; 4)so capazes de inovar e ter criatividade poltica na disseminao de seuspropsitos de contestao social; 5) expem com notvel capacidade decomunicao e visibilidade, as misrias da ordem burguesa; 6) almejam a

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    democratizao radical contra a farsa democrtica. Alves ainda acres-

    centa que os novos movimentos no incorporam utopias grandiosas deemancipao social que exijam clareza poltico-ideolgica. Pelo contr-rio, eles expressam, em sua diversidade e amplitude de expectativas po-lticas, uma variedade de conscincia social crtica capaz de dizer no emover-se contra o status quo. O ponto fulcral nas consideraes de Alvesencontra-se na sua percepo aguda da predominncia de um modo deconscincia contingente nos manifestantes. Ora, trata-se de um modode conscincia que a participao nas redes faz germinar, o que no lhestira o poder de transformao social, nem sempre imediatamente visvel.

    Tendo como pano de fundo a ontologia da imanncia deleuziana, Pel-bart (2013, p. A3), pe a nu a conscincia contingente movida a desejo.No quer a multido algo mais radical do que sade e educao? Ou isso ealgo mais radical: um outro modo de pensar a prpria relao entre a libidosocial e o poder numa chave da horizontalidade, em consonncia com aforma mesma dos protestos? pergunta o autor. Enquanto as reivindicaespodem ser satisfeitas, o desejo coletivo implica imenso prazer em descer sruas, sentir a pulsao multitudinria, cruzar a diversidade de vozes e cor-pos, sexos e tipos e apreender um comum que tem a ver com as redes, comas redes sociais, com a inteligncia coletiva. Pelbart continua: Mas no

    se deve subestimar a potncia psicopoltica da multido que se d o direitode no saber de antemo tudo o que quer, mesmo quando enxameia o pase ocupa os jardins do palcio, pois suspeita que no temos frmulas parasaciar nosso desejo ou apaziguar nossa aflio.

    No por acaso que Pelbart faz uso do termo multido. De fato, oconceito de multido, tal como foi definido por Negri (2003) e Hardt eNegri (2005), embora tenha sido pensado e formulado antes dos movimen-tos sociais que tm agitado o planeta, revela-se como um dos mais aptospara dar conta das novas dinmicas que se impem.

    MULTIDESLUZDABIOMDIADistinto do conceito de povo que, segundo Negri (2003, p. 43),

    uma unidade artificial que o Estado moderno exige como base de fico delegitimao, diferente tambm de massa que a sociologia realista assumena base do mundo capitalista de produo, a novidade introduzida porNegri encontra-se em sua concepo, com base espinoziana, de multi-do como uma multiplicidade de singularidades que no pode encontrarunidade representativa em nenhum sentido. Assim sendo, multido surge

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    como uma potncia poltica sui generis, tornando-se poderosa em razo

    de sua capacidade de circulao, de navegao, de contaminao. Em-bora Negri no esteja a diretamente se referindo aos enxames de frequen-tadores e participantes das mdias digitais, salta vista a adequao de taiscaractersticas para referenciar no s enxames de corpos presenciais, mastambm de suas extenses nas redes.

    Negri (ibid., p. 147-148) explora a potncia da multido, desde que estano seja vista como encontro da identidade, nem como pura exaltao dasdiferenas, mas sim como reconhecimento de que por trs de identidades ediferenas, pode existir algo comum, isto , um comum, sempre que ele seja

    entendido como proliferao de atividades criativas, relaes ou formas asso-ciativas. Como conjunto de singularidades, considera-se uma comunidadede diferenas, as singularidades concebidas como produo de diferena.H trs pontos a serem ponderados: 1) multido como conjunto mltiplo desingularidades; 2) como conceito de classe (no necessariamente operria);3) como potncia ontolgica. Todos esses pontos agem dentro do paradigmaprodutivo, no qual a produtividade vista em termos biopolticos, conceitoeste herdado de Foucault.

    Assim definida, a multido no representvel, uma vez que ela monstruosa vis--viscom os racionalismos tecnolgicos e transcendentais

    da modernidade. (...) Ela um universal concreto (...) a carne da vida. Seuprimeiro material , pois, a carne, ou seja, aquela substncia viva comum naqual o corpo e o intelecto coincidem e so indiferenciados. Como a carne, pura potencialidade, a fora no formada pela vida, um elemento do ser ecomo a carne est orientada para a plenitude da vida (ibid.166-168).

    Que Negri tenha levado o conceito de multido ao limite radical dacarne da vida remete-nos sua complementaridade na noo de biomdiadesenvolvida por Thacker (2010),na medida em que dessa complementari-dade pode resultar uma viso acurada do que h de agudamente novo nos

    movimentos sociais da atualidade.A biomdia requer compreender a vida em si mesma tanto comome-diumquanto como processo de mediao. No caminho preparatrio paraessa compreenso, Galloway e Thacker (2004) tomaram o conceito deprotocolo como central igualmente nas redes computacionais e nos siste-mas biolgicos. Entendido menos como confinamento, disciplina e norma-tividade e mais como modulao, distribuio e flexibilidade, as virtudesdo protocolo nas redes so: robustez, contingncia, interoperabilidade eheterogeneidade. em funo dessas virtudes que a biocomputao podecodificar a rede no corpo biomolecular. Tendo isso em vista, os autores

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    estabelecem a analogia entre as redes computacionais e as biolgicas. Em-

    bora a primeira seja feita de silcio, faz uso de conceitos biolgicos comoagentes inteligentes, vida artificial, algoritmos genticos. A segunda in-teiramente biolgica, mas faz uso de termos computacionais. Isso casual?

    Certamente no. Definido como uma emanao materializada de con-trole distribudo, o protocolo no um exerccio do poder a partir de cima,nem uma liberao de dados anrquicos a partir de baixo. Ao contrrio deambos, a relao entre o protocolo e o poder invertida. Quanto maior anatureza distribuda da rede, maior o nmero de controles a permitir que asredes funcionem como redes. Em outras palavras, o protocolo nos diz que

    relaes heterogneas e assimtricas de poder se constituem na essnciaabsoluta das redes digitais e das redes dos genomas (ibid., p. 20).Ambas as redes mantm uma tenso consigo mesmas, agrupando di-

    ferenas que se unificam. Assim, a compreenso dos mecanismos de con-trole dentro das redes deve ser to polidimensional quanto so as redeselas mesmas. Uma maneira de preencher a lacuna entre a viso tcnicae a poltica das redes encontra-se, portanto, em pens-las como continua-mente expressando seus prprios modos de individuao, multiplicidade,movimento e nveis de conectividade, do nvel mais baixo ao mais altodas redes. por isso que os autores consideram as redes como ontologias

    polticas (ibid., p. 23).O que me parece fundamental na analogia do funcionamento das

    redes com o funcionamento biolgico o fato de que essa analogia pode serestendida tanto para a dinmica das redes sociais quanto para a dinmicados movimentos sociais encarnados na vivncia heterclita e polidimensio-nal dos corpos nas ruas. Sob essa luz, o conceito de multido como carne davida, de Negri, est longe de ser uma mera metfora, e mesmo que o seja,trata-se de uma metfora que chega bem perto da verdade potica do real.

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    ASMANIFESTAESDEJUNHODE2013NACIDADEDESOPAULO(VERSOAMPLIADA)

    Marilena Chaui

    Professora Titular da FFLCH-USP

    OBSERVAESPRELIMINARESO que segue no so reflexes sobre todas as manifestaes ocorridas

    no pas nem as que se deram no dia 7 de setembro, mas focalizam principal-mente as ocorridas na cidade de So Paulo no ms de junho de 2013. Entre-tanto, algumas consideraes mais gerais a ttulo de concluso sero poss-veis quando levamos em conta alguns pontos comuns a todas elas, tais comoalgumas palavras de ordem e algumas atitudes que tambm apareceram nasmanifestaes de outras cidades (a forma da convocao, a questo da tarifado transporte coletivo como ponto de partida, a desconfiana com relao institucionalidade poltica como ponto de chegada) bem como o tratamentodado a elas pelos meios de comunicao (condenao inicial e celebraofinal, com criminalizao dos vndalos).

    O estopim das manifestaes paulistanas foi o aumento da tarifa dotransporte pblico (que nos ltimos 10 anos ultrapassaram os ndices deinflao) e a ao contestatria da esquerda com o Movimento Passe Livre

    (MPL), cuja existncia data de 2005 e composto por jovens (em sua maio-ria estudantes) sem partido poltico, mas tambm por militantes de partidosde esquerda. Em sua reivindicao especifica, o movimento foi vitoriososob dois aspectos: conseguiu a reduo da tarifa e definiu a questo dotransporte pblico no plano dos direitos dos cidados e, portanto, afirmouo ncleo da prtica democrtica, qual seja, a criao e defesa de direitos porintermdio da explicitao (e no do ocultamento) dos conflitos sociais epolticos. Por isso, se o estopim das manifestaes foi o aumento da tarifa,seu crescimento, nos dias subseqentes, foi uma reao represso policial,determinada pelo governador do Estado.

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    O INFERNOURBANO: ACAUSADESENCADEADORANo foram poucos os que, pelos meios de comunicao, exprimiram

    sua perplexidade diante das manifestaes de junho de 2013: de ondevieram e por que vieram, uma vez que os grandes problemas que sempreatormentaram o pas (desemprego, inflao, violncia urbana e no campo)esto com solues encaminhadas e reina a estabilidade poltica? As per-guntas so justas, mas a perplexidade, no. De fato, nossa perplexidadediminui desde que voltemos nosso olhar para um ponto que foi sempre ofoco dos movimentos populares: a situao da vida urbana nas grandes me-

    trpoles brasileiras.Quais os traos mais marcantes da cidade de So Paulo nos ltimos anose que, sob certos aspectos, podem ser generalizados para as demais cidades degrande porte? Resumidamente, podemos dizer que so os seguintes:

    - exploso do uso do automvel individual: a mobilidade urbana se tor-nou quase impossvel, ao mesmo tempo em que as cidades se estruturam comum sistema virio destinado aos carros individuais em detrimento do trans-porte coletivo, mas nem mesmo esse sistema capaz de resolver o problema;

    - exploso imobiliria com os grandes condomnios (verticais e ho-

    rizontais) e shopping centers, que produzem uma densidade demogrficapraticamente incontrolvel, alm de no contar com a atualizao e am-pliao das redes de gua, eletricidade e esgoto para servi-los, os problemassendo evidentes, por exemplo, na ocasio de chuvas. Alm disso, nego-ciatas de todo tipo favorecem as empreiteiras que, sem qualquer respeitopelo Plano Diretor da cidade, erguem edifcios em locais proibidos e semobedecer s regras mnimas de segurana (como atestam os frequentes de-sabamentos, com morte de operrios ou de habitantes);

    - aumento da excluso social e da desigualdade com a expulso dosmoradores das regies favorecidas pelas grandes especulaes imobilirias e

    o conseqente aumento das periferias carentes e de sua crescente distnciacom relao aos locais de trabalho, educao e servios de sade. No casode So Paulo, como aponta Ermnia Maricato, essa expulso tem levado ocupao das regies de mananciais, pondo em risco a sade de toda apopulao. Em resumo: degradao da vida cotidiana das camadas maispobres da cidade;

    - o transporte coletivo indecente, indigno e mortfero. No caso de SoPaulo, sabe-se que o programa do metr, sob responsabilidade do governo esta-dual, previa a entrega de 450 k de vias at 1990; de fato, at 2013, foram feitos

    90 k. Ademais, a frota de trens metrovirios no foi ampliada, est envelhecida

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    e mal conservada; alm da insuficincia quantitativa para atender a demanda,

    h atrasos constantes por quebra de trens e dos instrumentos de controle dasoperaes. O mesmo pode ser dito dos trens da CPTU (Companhia Paulistade Trens Urbanos), tambm de responsabilidade do governo estadual. No casodo transporte por nibus, sob responsabilidade municipal, um cartel dominacompletamente o setor sem prestar contas a ningum: os nibus so feitos comcarrocerias destinadas a caminhes, portanto, feitos para transportar coisas eno pessoas; as frotas esto envelhecidas e quantitativamente defasadas comrelao s necessidades da populao, sobretudo as das periferias da cidade; aslinhas so extremamente longas porque isso as torna mais lucrativas, de ma-

    neira que os passageiros so obrigados a trajetos absurdos, gastando horas parair ao trabalho, s escolas, aos servios de sade e voltar para casa; no h linhasconectando pontos do centro da cidade nem linhas interbairros, de maneiraque o uso do automvel individual se torna quase inevitvel para trajetos me-nores. Alm disso, sob os governos municipais do PSDB e do DEM, nos lti-mos 10 anos esses cartis aumentaram as tarifas acima da inflao.

    Definidas e orientadas pelos imperativos dos interesses privados, asmontadoras de veculos, as empreiteiras da construo civil e as empresasprivadas de transporte coletivo dominam a cidade sem assumir qualquerresponsabilidade pblica, impondo o que chamo de inferno urbano.

    ASMANIFESTAESPAULISTANAS

    A tradio de lutasFaamos um breve exerccio de memria. A cidade de So Paulo

    (como vrias das grandes cidades brasileiras) tem uma tradio histricade revoltas populares contra as pssimas condies do transporte coletivo,isto , a tradio do quebra-quebraquando, desesperados e enfurecidos, os

    cidados quebram e incendeiam nibus e trens ( maneira do que faziamos operrios no incio da Segunda Revoluo Industrial, quando usavamos tamancos de madeira em francs, os sabots para quebrar as mqui-nas donde a palavra francesa sabotage, sabotagem). Entretanto, no foieste o caminho tomado pelas manifestaes atuais e valeria a pena inda-gar por que. Talvez porque, vindo da esquerda, o Movimento Passe Livre(MPL) politiza explicitamente a contestao, em vez de politiza-la simboli-camente, como faz o quebra-quebra.

    Lembremos tambm que, nas dcadas de 1970 a 1990, as organiza-es de classe (sindicatos, associaes, entidades) e os movimentos sociais e

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    populares tiveram um papel poltico decisivo na implantao da democracia

    no Brasil pelos seguintes motivos: 1. introduo da idia de direitos sociais,econmicos e culturais para alm dos direitos civis liberais; 2. afirmao dacapacidade auto-organizativa da sociedade; 3. introduo da prtica da de-mocracia participativa como condio da democracia representativa a serefetivada pelos partidos polticos. Numa palavra, sindicatos, associaes, en-tidades, movimentos sociais e populares erampolticos, valorizavam a poltica,propunham mudanas polticas e rumaram para a criao de partidos polti-cos como mediadores institucionais de suas demandas.

    Isso, porm, quase desapareceu da cena histrica como efeito do neoli-beralismo, que produziu: 1. a fragmentao, terceirizao e precarizao dotrabalho (tanto industrial como de servios), dispersando a classe trabalha-dora, que se v diante do risco da perda de seus referenciais de identidadee de luta; 2.o refluxo dos movimentos sociais e populares e sua substituiopelas ONGs, cuja lgica distinta daquela que rege os movimentos sociais;3. sob os efeitos dos programas sociais dos governos Lula e Dilma, o surgi-mento de uma nova classe trabalhadora heterognea, fragmentada, aindadesorganizada e que por isso ainda no tem suas prprias formas de lutae no se expressa no espao pblico, alm de ser atrada e por ideologiasindividualistas como a teologia da prosperidade (do pentecostalismo) ea ideologia do empreendedorismo (da classe mdia), que estimulam acompetio, o isolamento e o conflito inter-pessoal, quebrando formas an-teriores de sociabilidade solidria e de luta coletiva.

    Erguendo-se contra os efeitos do inferno urbano, as manifestaesguardaram da tradio dos movimentos sociais e populares a organizaohorizontal, sem distino hierrquica entre dirigentes e dirigidos. Mas, di-versamente dos movimentos sociais e populares, tiveram uma forma deconvocao que as transformou num movimento de massa, com milharesde manifestantes nas ruas.

    O pensamento mgicoA convocao para as manifestaes foi feita por meio das redes so-ciais. Apesar da celebrao (por parte de muitos intelectuais) desse tipode convocao porque derruba o monoplio da informao pelos meios decomunicao de massa, entretanto, preciso mencionar alguns problemaspostos pelo uso dessas redes, visto que este possui algumas caractersticasque o aproximam dos procedimentos da mdia:

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    - indiferenciada: a convocao poderia ser para um show da Madonna

    ou da Beyonc, para uma maratona esportiva, etc. e calhou ser por causa datarifa do transporte pblico;- tem a forma de um evento, ou seja, pontual, sem referncia tem-

    poral ao passado ou ao futuro porque, embora tenha partido de um movi-mento social (o MPL), medida que cresceu passou recusa gradativa doenraizamento scio-temporal, caracterstico de um movimento social, parase tornar um espetculo de massa;

    - assume gradativamente uma dimenso mgica, cuja origem se en-contra na natureza do prprio instrumento tecnolgico empregado, pois

    este parece operar magicamente, uma vez que os usurios so, exatamente,usuriose, portanto, no possuem o controle tcnico e econmico do ins-trumento que usam. Ou seja, deste ponto de vista, os usurios, embora seexpressem, se encontram na mesma situao passiva que os receptores dosmeios de comunicao de massa. A dimenso desse uso mgica porque,assim como basta apertar um boto para tudo aparecer, assim tambm seacredita que basta querer para fazer acontecer. Ora, alm da ausncia decontrole real sobre o instrumento, a magia repe um dos recursos mais pro-fundos da sociedade de consumo difundida pelos meios de comunicao,qual seja, a idia de satisfao imediata do desejo, sem qualquer mediao;

    - confere s manifestaes a aparncia de um espetculo de massapor-que, ao se apresentar como uma ao da juventude, fizeram supor que o uni-verso dos manifestantes homogneo ou de massa, ainda que, efetivamente,seja heterogneo do ponto de vista econmico, social e poltico, bastandolembrar que enquanto as manifestaes do centro da cidade forma majorita-riamente de classe mdia, as das periferias no foram apenas de juventude,mas de jovens, adultos, crianas e idosos da classe trabalhadora.

    Dessa heterogeneidade social uma prova dada pelo aconteceu namanifestao para comemorar a vitria da revogao da tarifa. Sabemos

    que o MPL constitudo por militantes de esquerda sem partido e pormilitantes vindos de partidos de esquerda e que, para assegurar a unidadedo movimento, evitou a referncia aos partidos e foi s ruas sem definir--se como expresso de partidos polticos. Ora, quando, na comemoraoda vitria, os militantes do MPL ligados a partidos compareceram s ruascom suas bandeiras e smbolos foram execrados e espancados, sofrendo re-presso violenta por parte de outros manifestantes. Ou seja, no s ficouevidente que no se trata de uma massa juvenil homognea, mas tambmque alguns manifestantes praticaram sobre outros a violncia que aparen-temente haviam condenado na ao da polcia.

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    Se o ponto de partida das manifestaes foi luta pela revogao da

    tarifa, entretanto, no ponto de chegada passou crtica da poltica.A crtica s instituies polticas no infundada, mas possui baseconcreta. De fato, no plano conjuntural, o inferno urbano , efetivamente,responsabilidade dos partidos polticos governantes e, no plano estrutural,no podemos esquecer que, no Brasil, sociedade autoritria e excludente,os partidos polticos tendem a ser clubes privados de oligarquias locais eregionais, que usam os bens pblicos para seus interesses privados. Nomenos verdade que a qualidade dos legislativos nos trs nveis a maisbaixa possvel e a corrupo constante, trazendo como conseqncia a

    impossibilidade de concretizar a relao de representao porque vigoramrelaes de favor, clientela, tutela e cooptao. Igualmente fundada acrtica ao PT por ter abandonado a relao com aquilo que determinouseu nascimento e crescimento, isto , o campo das lutas sociais auto-orga-nizadas, e ter-se transformado numa mquina burocrtica e eleitoral (comotm dito e escrito muitos petistas ao longo dos ltimos 20 anos).

    Isso, embora explique a recusa da poltica e dos partidos, no significa,entretanto, que ela tenha sido motivada pela clara compreenso do pro-blema por parte dos manifestantes. Com efeito, a maioria deles no expri-mia em suas falas uma anlise das causas desse modo de funcionamento dos

    partidos polticos, qual seja, a estrutura autoritria da sociedade brasileira,de um lado, e, de outro, o sistema poltico-partidrio e eleitoral montadopelos casusmos da ditadura. Em lugar de lutar por uma reforma polticaradical, boa parte dos manifestantes recusou a legitimidade do partido po-ltico como instituio republicana e democrtica. Assim, sob este aspecto,apesar do uso das redes sociais e da crtica aos meios de comunicao, boaparte dos manifestantes aderiu mensagem ideolgica difundida anos a fiopelos meios de comunicao de que os partidos so corruptos por essncia.Como se sabe, essa posio dos meios de comunicao tem a finalidade de

    lhes conferir o monoplio das funes do espao pblico, como se no fos-sem empresas capitalistas movidas por interesses privados.Dessa maneira grande parte dos manifestantes aderiu perspectiva da

    classe mdia conservadora, difundida pela mdia, a respeito da tica. De fato,boa parte dos manifestantes, reproduzindo a linguagem miditica, falou deticanapoltica (ou seja, a mera transposio dos valores morais do espaoprivado para o espao pblico), quando, na verdade, se trataria de afirmar atica dapoltica (isto , valores propriamente pblicos), que no depende dasvirtudes morais das pessoas privadas dos polticos e sim da qualidade das ins-tituies pblicas enquanto instituies republicanas e democrticas. A tica

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    dapoltica, no nosso caso, depende de uma profunda reforma poltica que

    crie instituies democrticas republicanas e destrua de uma vez por todasa estrutura deixada pela ditadura, que, de um lado, permite a existncia docaixa 2 nas empresas e nos partidos, financiados secretamente e compro-metidos com aes secretamente tramadas revelia dos eleitores, e, de outrolado, impede que um partido vitorioso para o poder executivo tenha maioriaparlamentar, forando os partidos polticos a coalizes absurdas se quiseremgovernar, alianas que comprometem o sentido e a finalidade de seus progra-mas e abrem as comportas para a corrupo. Em lugar da ideologia conser-vadora e miditica de que, por definio e por essncia, a poltica corrupta,

    trata-se de promover uma prtica inovadora capaz de criar instituies pbli-cas que impeam a corrupo, garantam a participao, a representao e ocontrole dos interesses pblicos e dos direitos pelos cidados. Numa palavra,realizar uma inveno democrtica.

    Ora, ao entrar em cena o pensamento mgico, os manifestantes dei-xaram de lado o fato bvio de que, at que uma nova forma da poltica sejacriada num futuro ainda imprevisvel, quando, talvez, a poltica se realizarsem partidos, por enquanto, numa repblica democrtica (ao contrrio deuma ditadura) ningum governa sem um partido, pois este que cria e pre-para quadros para as funes governamentais para concretizao dos obje-

    tivos e das metas dos governantes eleitos como representantes da vontadeda maioria dos cidados. Bastaria, por exemplo, que os manifestantes se in-formassem sobre o governo de Fernando Collor para entender isso: Collorpartiu das mesmas afirmaes feitas por uma parte dos manifestantes (diziaele que partido poltico coisa de maraj e corrupto) e se apresentoucomo um homem sem partido. Resultado: no teve quadros para montar ogoverno, nem diretrizes e metas coerentes, e deu feio autocrtica ao go-verno, isto , o governo sou eu. Sabemos o que aconteceu.

    Alm disso, parte dos manifestantes, sem se dar conta disso, est ado-

    tando a posio ideolgica tpica da classe mdia, que aspira por governos semmediaes institucionais e, portanto, ditatoriais. Eis porque surge a afirmaode manifestantes, enrolados na bandeira nacional, de que meu partido meu pas, ignorando, talvez, que essa foi uma das afirmaes fundamentaisdos totalitarismos para a extino dos partidos polticos como pluralidadeconflituosa e, portanto, democrtica.

    Assim, em lugar de inventar uma nova poltica, de ir rumo a uma in-veno democrtica, o pensamento mgico pode erguer uma barreira con-tra a poltica, reduzida figura da corrupo. Por isso no nos devem sur-preender, ainda que devam nos alarmar, as imagens de jovens militantes de

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    partidos e movimentos sociais de esquerda espancados e ensangentados

    durante a manifestao de comemorao da vitria do MPL em So Paulo.J vimos essas imagens na Itlia dos anos 1920, na Alemanha dos anos1930 e no Brasil dos anos 1964-1975.

    ALGUMASINDAGAESDo ponto de vista simblico, as manifestaes possuem um sentido

    importante que contrabalana os problemas acima mencionados.No se trata, como se ouviu dizer nos meios de comunicao, que fi-

    nalmente os jovens abandonaram a bolha do condomnio e do shoppingcenter e decidiram ocupar as ruas (j podemos prever o nmero de nove-las e mini-sries que usaro essa idia para incrementar o programa HighSchool Brasil, da Rede Globo). Tambm no se trata de irresponsavelmenterepetir a afirmao da classe mdia conservadora de que o gigante acor-dou e nada ser como antes.

    Mas tambm no se trata de dizer, como fizeram vrios intelectuais, queas manifestaes resgataram o esprito libertrio de 1968. De qual 1968 se fala?

    Comecemos por uma distino importante: 1968, no Brasil e em v-rios pases da Amrica Latina, viu o surgimento de movimentos revolu-

    cionrios armados, inspirados em Che Guevara, que agiam sob a formaclandestina da guerrilha. Visavam no apenas derrubada das ditaduras,mas, sobretudo, realizar a revoluo socialista. Contra eles, em nosso pas,a ditadura promulgou o Ato Institucional n0. 5 e recrudesceu o terror deEstado, com priso, tortura e morte dos presos polticos. Nada nas mani-festaes de junho de 2013 pode aproxima-las desse 1968.

    H, porm, um outro 1968, provavelmente aquele que serve de com-parao para as atuais manifestaes. Trata-se do 1968 de Paris, da Cali-frnia e de Nova York, da Itlia e da Inglaterra. O movimento estudantilfrancs, cujo lema foi proibido proibir, se iniciou contra a repressosexual na Universidade de Nanterre e, ao se espalhar, ergueu-se contratoda forma de autoridade; o estadunidense, ergueu-se contra a guerra doVietn, a represso sexual, a discriminao e a violncia contra as mulherese a entrada dos jovens universitrios no mercado de trabalho capitalista; oitaliano e o ingls ergueram-se contra as chamadas instituies totais, isto prises e manicmios, ensejando a o surgimento da Anti-Pisuqiatria (comBasaglia e Laing) na luta pela Reforma Anti-Manicomial como ao de psi-quiatras, psicanalistas e psiclogos. Esse conjunto heterogneo de posiesacabou recebendo o nome de contra-culturapor se erguer contra valores,

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    normas, regras e padres da sociedade capitalista, tendo como principal

    caracterstica realizar-se como mudana dos costumes, dos valores e das re-laes sociais, sem jamais se dirigir aos poderes institucionalmente constitudos.Ora, os manifestantes de So Paulo se dirigiram prioritariamente s insti-tuies polticas, apresentando reivindicaes ao Estado (reduo da tarifa,mais verbas para a educao e a sade, luta contra a corrupo, etc.). Emoutras palavras, consideraram o Estado um interlocutor de suas reivindica-es. Assim como no propuseram uma revoluo socialista ( maneira do1968 latino-americano), tambm no propuseram uma revoluo cultural,mas reivindicaram ao Estado a concretizao de direitos. Portanto, tambm

    nada em comum com o 1968 europeu e estadunidense.Simbolicamente, malgrado eles prprios e malgrado suas afirmaesexplcitas contra a poltica, os manifestantes realizaram um evento pol-tico: disseramnoao que a est, contestando as aes dos poderes exe-cutivos municipais, estaduais e federal, assim como as do poder legislativonos trs nveis. Praticando a tradio do humor corrosivo que percorre asruas, modificaram o sentido corriqueiro das palavras e do discurso conser-vador e, por meio da inverso das significaes e da irreverncia, indica-ram uma possibilidade de prxis polticapara repensar o poder.

    Justamente porque uma nova possibilidade poltica pode estar aberta,

    algumas observaes merecem ser feitas para que fiquemos alertas aos ris-cos de apropriao e destruio dessa possibilidade pela direita conserva-dora e reacionria. So provas desse risco o caso das empresas de cami-nhes promovendo locaute, as manifestaes dos mdicos contra o AtoMdico (vetado por Dilma) e contra o programa Mais Mdicos.

    Comecemos por uma obviedade: como as manifestaes foram de massa(de juventude, como propala a mdia), no apareceramem sua determinaode classe social, que, entretanto, era clara: nas periferias da cidade de SoPaulo, onde a violncia e as excluses so a regra da vida cotidiana, a compo-

    sio social das manifestaes foi de trabalhadores de todas as idades e comdemandas muito precisas; no centro da cidade, como vrias pesquisas reve-laram1, os manifestantes eram majoritariamente jovens de classe mdia que,com exceo da demanda especfica pela revogao da tarifa do transporte,fizeram demandas genricas. Isso significa que uma parte dos manifestantesno vive nas periferias da cidade e no experimenta a violncia do cotidianoexperimentada pela outra parte.

    1 Uma pesquisa do IBOPE trouxe um dado significativo: 72% dos manifestantes do centro da cidade

    disseram que estavam muito contentes com suas vidas.

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    Diante disso, podemos fazer algumas indagaes. Como sabemos, a

    classe mdia brasileira, que cresceu e prosperou nos ltimos 12 anos, noalterou seus costumes: continua com os filhos em escolas privadas, criticaimpiedosamente o Prouni e as cotas nas universidades pblicas, desprezao SUS e mantm planos de sade privados. No curioso, ento, que osjovens paulistanos de classe mdia se ponham a reivindicar mais verbaspara a educao e a sade? Do que falam quando fazem essa reivindicao?Sabemos tambm que a classe mdia fascinada pelos signos de prestgioe status, como, por exemplo, o apartamento ou a casa em condomnio fe-chado, o carro importado, as roupas e calados de marca importados,

    o nmero de serviais domsticos, etc.. Assim, no paradoxal, que osjovens paulistanos de classe mdia se ponham a lutar contra aquilo que resultado da ao e dos valores de suas prprias famlias, mas atribuindo odesastre poltica corrupta?

    Essas indagaes no so gratuitas nem expresso de m-vontade arespeito das manifestaes de 2013 em So Paulo. Elas tm um motivo po-ltico e um lastro histrico.

    Motivo poltico: assinalamos anteriormente o risco de apropriao dasmanifestaes rumo ao conservadorismo e ao autoritarismo. S ser possvelevitar esse risco se os manifestantes levarem em conta algumas perguntas:

    - esto dispostos a lutar contra as aes que causam o inferno urbanoe, portanto, enfrentar de fato o poder do capital, isto , de montadoras, em-preiteiras e cartis de transporte que, como todo sabem no se relacionampacificamente (para dizer o mnimo) com demandas sociais?

    - esto dispostos a rever suas posies acerca do Prouni, do Reuni, doENEN, do SUS e de todos os programas governamentais de criao e am-pliao de direitos?

    - esto dispostos a abandonar a suposio de que a poltica se faz ma-

    gicamente sem mediaes institucionais?- esto dispostos a se engajar na luta pela reforma poltica, a fim de in-ventar uma nova poltica, libertria, democrtica, republicana, participativa?

    - esto dispostos a no reduzir sua participao a um evento pontuale efmero e a no se deixar seduzir pela imagem que deles querem produziros meios de comunicao?

    Lastro histrico: quando Luiza Erundina, partindo das demandas dosmovimentos populares e dos compromissos com a justia social, props aTarifa Zero para o transporte pblico de So Paulo, ela explicou sociedade

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    que a tarifa precisava ser subsidiada pela Prefeitura e que ela no faria o

    subsdio implicar em cortes nos oramentos de educao, sade, moradia eassistncia social, isto , dos programas sociais prioritrios de seu governo.Antes de propor a Tarifa Zero, ela aumentou em 500% a frota da CMTC(explicao para os jovens: CMTC era a antiga empresa municipal detransporte, hoje privatizada, que dividia a responsabilidade do transportecom empresas privadas) e forou os empresrios privados a renovar suafrota. Depois disso, em inmeras audincias pblicas, ela apresentou todosos dados e planilhas da CMTC e obrigou os empresrios das companhiasprivadas de transporte coletivo a fazer o mesmo, de maneira que a socie-dade ficou plenamente informada quanto aos recursos que seriam neces-srios para o subsdio da tarifa. Ela props, ento, que o subsdio viesse deuma mudana tributria: o IPTU progressivo, isto , o imposto predial seriaaumentado para os imveis dos mais ricos, que contribuiriam para o subs-dio juntamente com outros recursos da Prefeitura. Ou seja, ela props umaforma de realizar a transferncia de renda, que base da justia social. Osjovens manifestantes de hoje desconhecem o que se passou: comerciantesfecharam ruas inteiras, empresrios ameaaram lockout das empresas, nosbairros nobres foram feitas manifestaes contra o totalitarismo comu-nista da prefeita e os poderosos da cidade negociaram com os vereado-res a no aprovao do projeto de lei. A Tarifa Zero no foi implantada.Discutida na forma de democracia participativa, apresentada com lisura etica poltica, sem qualquer mancha possvel de corrupo, a proposta foirejeitada. Esse lastro histrico mostra o limite do pensamento mgico, poisno basta ausncia de corrupo, como imaginam os manifestantes, paraque tudo acontea imediatamente da melhor maneira e como se deseja.

    Cabe ainda observar que se no levarem em considerao a divisosocial das classes, isto , os conflitos de interesses e de poderes econmico--sociais na sociedade, os manifestantes no compreendero o campo eco-nmico-poltico no qual esto se movendo quando imaginam estar agindo

    fora da poltica e contra ela. Entre os vrios riscos dessa imaginao, con-vm lembrar aos manifestantes que se situam esquerda que, se no tive-rem autonomia poltica e se no a defenderem com muita garra, podero,no Brasil, colocar gua no moinho dos mesmos poderes econmicos e po-lticos que organizaram grandes manifestaes de direita na Venezuela, naBolvia, no Chile, no Peru, no Uruguai e na Argentina. E a mdia, penho-rada, agradecer pelos altos ndices de audincia.

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    A CAMINHODEUMARUPTURAGLOBAL

    Slavoj iek

    Traduo Vila Vudu

    Em seus primeiros escritos, Marx descreve a situao na Alemanhacomo uma daquelas na qual a nica resposta a problemas particularesseria a soluo universal: a revoluo global. expresso condensada dadiferena entre perodo reformista e perodo revolucionrio: em perodoreformista, a revoluo global permanece como sonho que, se serve paraalguma coisa, apenas para dar peso s tentativas para mudar algumacoisa localmente; em perodo revolucionrio, v-se claramente que nadamelhorar, sem mudana global radical. Nesse sentido puramente for-mal, 1990 foi ano revolucionrio: as muitas reformas parciais nos estados

    comunistas jamais dariam conta do servio; e era necessria uma quebratotal, para resolver todos os problemas do dia a dia. Por exemplo, o pro-blema de dar suficiente comida s pessoas.

    Em que ponto estamos hoje, quanto a essa diferena? Os problemas eprotestos dos ltimos anos so sinais de que se aproxima uma crise global, ouno passam de pequenos obstculos que pode enfrentar mediante interven-es locais? O mais notvel nas erupes que esto acontecendo no ape-nas, nem basicamente, nos pontos fracos do sistema, mas em pontos que, ataqui, eram percebidos como histrias de sucesso. Sabemos por que as pessoasprotestam na Grcia ou na Espanha; mas por que h confuso em pases prs-

    peros e em rpido desenvolvimento como Turquia, Sucia ou Brasil?Com algum distanciamento, pode-se ver que a revoluo de Kho-

    meini em 1979 foi o caso original de dificuldades no paraso, dado queaconteceu em pas que caminhava a passos largos para uma modernizaopr-ocidente, e era o mais estvel aliado do ocidente na regio.

    Antes da atual onda de protestos, a Turquia era quente: modelo idealde estado estvel, a combinar pujante economia liberal e islamismo mode-rado. Pronta para a Europa, um bem-vindo contraste com a Grcia mais eu-ropeia, colhida num labirinto ideolgico e andando rumo autodestruio

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    econmica. Sim, verdade: aqui e ali sempre viam-se alguns sinais pssi-

    mos (a Turquia, sempre a negar o holocausto dos armnios; priso de jor-nalistas; o status no resolvido dos curdos; chamamentos a uma grandeTurquia que ressuscitaria a tradio do Imprio Otomano; imposio, vezou outra, de leis religiosas). Mas eram descartados como pequenas mculasque no comprometeriam o grande quadro.

    E ento, explodiram os protestos na praa Taksim. No h quem nosaiba que os planos para transformar um parque em torno da praa Taksimno centro de Istambul em sho