américa, natureza e cidade - paulo mendes da rocha
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Coleção Estúdio Aberto Reunião de textos de autoria de um dos mais importantes arquitetos brasileiros, incluindo entrevistas e artigos publicados em jornais como Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil e em revistas especializadas de arquitetura. Também faz parte da coletânea uma carta enviada ao governador de São Paulo na época (1999), Mario Covas, sobre a proposta de mudança da sede do governo para a área central da cidade. Em abril de 2006, Paulo Mendes da Rocha foi agraciado com o premio Pritzker, considerado o Nobel da arquitetura. Prefácio de Eduardo Subirats e croquis e plantas do arquiteto.TRANSCRIPT
COLEÇÃO
Estação Liberdade
Paulo Archias Mendes da Rocha nasceu em Vitória, no Espírito Santo, em 1928, e formou- -se na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, em São Paulo, em 1954. Convidado por Vilanova Artigas, passou a lecionar na Faculdade de Arquitetura e Urbanis-
mo da USP a partir de 1959, sendo nomeado Professor Titular em 1998. Recebeu o título de Professor Emérito em 2010.
Entre seus projetos mais importantes estão o Clube Paulistano e os edifícios Guaimbê e Jaraguá, em São Paulo, o pavilhão do Brasil na Expo 70, em Osaka, o estádio Serra Dourada, em Goiânia, o Mu-seu Brasileiro da Escultura (São Paulo), a reforma da Pinacoteca do Estado, da praça do Patriarca e do prédio da FIESP, estes três tam-bém em São Paulo. Destacam-se mais recentemente a ampliação da Universidade de Vigo, na Espanha, o Museu dos Coches, em Lisboa, e o Cais das Artes, em Vitória. Participou de concursos internacionais como o do Centre Beaubourg em Paris, da Casa da Música no Porto e o projeto para os Jogos Olímpicos em Paris em 2008. Foi laureado com o Prêmio Pritzker em 2006. Vive em São Paulo.
Maria Isabel Villac é formada em Arquitetura e Urbanismo pelo Mackenzie. Fez Doutorado em Teoria e História da Arquitetura na Universitat Politecnica de Catalunya (2002), e tese sobre a obra de Paulo Mendes da Rocha. Foi professora no Departamento de Arqui-tetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Londrina de 1986 a 2002. Desde 2002, é professora do curso de graduação e, a partir de 2006, do curso de pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie.
Poucas vezes nos foi dado conhecer a relação entre a obra e o pensamento de Paulo Mendes da Rocha. Des-cortinam-se aqui reflexões ao cabo de sessenta anos de vida profissional de um arquiteto da prática e do discurso. Paulo Mendes da Rocha nos abre seu estúdio em vários tempos e momentos, e um dos pontos altos da obra são os depoimentos à professora de arqui te-tura Maria Isabel Villac, em recortes que vão de 1995 a 2012. E gentilmente o arquiteto nos permitiu pesquisar em seus arquivos: croquis, maquetes, plantas e fotos permeiam a edição.
Estruturalmente, o livro se divide em Depoimentos, Entrevistas, Aulas (destacamos a de 50 anos da FAU- -USP e a prova de postulação a professor titular), Me-mórias de projetos, encerrando-se com uma seção mais ensaística, “Sobre projetos e discursos”. Uma cronologia fecha o volume.
Há uma saudável insistência de Paulo Mendes da Rocha em temas de nossa cultura e suas circunstân-cias, que exigem uma revisão crítica do colonialismo e revelam quão pouco avançamos em questões de importância fundamental para saldar uma dívida ci-vilizatória inerente ao processo de modernização e desenvolvimento.
Os temas abordados são abrangentes: formação e influências; os principais projetos, como o conjunto residencial de Guarulhos, a Baía de Vitória, o MuBE, a reforma da Pinacoteca. Fala de seus colegas de pro-fissão (“a presença de Vilanova Artigas”), Niemeyer (“a linguagem que se falava antes dos tempos”, a lin-guagem primordial), as escolhas de Álvaro Siza e a afi-nidade com Luigi Snozzi (“A arquitetura surge plena-mente quando cessa a função”). Nos faz compartilhar seu fascínio pela arquitetura e a cidade.
Para o arquiteto de raízes modernas, a noção de projeto preconiza não só a resolução de problemas, mas a pro-posição de questões e a providência do futuro. O que para Mendes da Rocha focaliza a cidade como obra co-letiva por excelência, lugar da construção da liberdade
paulomendes
darocha
com Maria Isabel Villac
américa, cidade e natureza
da condição plural do ser humano, onde deve se revelar a ação política do arquiteto, enquanto aquele que não só desenha a urbs, mas promove a experiência da polis.
Uma linha mestra que se verifica em projetos como o da Baía de Montevidéu, o Deltametrópolis, na Holanda, a Universidade de Vigo e o Cais das Artes, em Vitória.
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AMÉRICA, CIDADE E NATUREZAprefácio de Eduardo Subirats
Paulo Mendes da Rocha
com Maria Isabel Villac
CO
LEÇ
ÃO
© PauloMendesdaRocha,2012© EditoraEstaçãoLiberdade,2012
Organizaçãodaediçãoeiconografia MariaIsabelVillac Preparaçãodetexto AngelBojadsen Revisão KátiaG.Vitale,HeitorFerrazePaulaNogueira Projetográfico EdilbertoFernandoVerza Composição AntonioCarlosKehl Capa MiguelSimon/EstaçãoLiberdade
AgradecemosespecialmenteaDulcinéadoCarmoPereira,doestúdiodePauloMendesdaRocha.
Atraduçãodostextosemespanhol“Oarquitetoeointelectual”,deEduardoSubirats,e“Seéespaço,deveriaserpúblico”,entrevistaconcedidaaAnatxuZabalbeascoaparaojornalElPaís,foifeitaporAlvanísioDamasceno.
AcoleçãoEstúdioAbertoédirigidaporMariaIsabelVillaceAngelBojadsen.
TodososdireitosdestaediçãoreservadosàEditoraEstaçãoLiberdadeLtda.
RuaDonaElisa,116 | 01155-030 | SãoPaulo-SPTel.:(11)36612881 | Fax:(11)38254239
www.estacaoliberdade.com.br
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
R575a Rocha, Paulo Mendes da, 1928- América, natureza e cidade / Paulo Mendes da Rocha ; com Maria Isabel Villac. - São Paulo : Estação Liberdade, 2012. 256p. : il. ; 21 cm (Estúdio aberto ; 1) ISBN 978-85-7448-197-5 1. Arquitetura moderna. 2. Arquitetura brasileira. I. Villac, Maria Isabel. II. Título. III. Série. 12-6903. CDD: 720.981 CDU: 72.036(81) 21.09.12 10.10.12 039365
CIP-BRASIL.CATALOGAÇÃO-NA-FONTESindicatoNacionaldosEditoresdeLivros,RJ
R575aRocha,PauloMendesda,1928-América,naturezaecidade/PauloMendesdaRocha;comMariaIsabelVillac.-SãoPaulo:EstaçãoLiberdade,2012.272p.:il.;21cm(Estúdioaberto;1)ISBN978-85-7448-197-51.Arquiteturamoderna.2.Arquiteturabrasileira.I.Villac,MariaIsabel.II.Título.III.Série.12-6903.CDD:720.981CDU:72.036(81)21.09.1210.10.12039365
SUMÁRIO
PREFÁCIO 9O ARQUITETO E O INTELECTUAL por Eduardo Subirats 11
DEPOIMENTOS 19A ESPERANÇA NO MUNDO NOVO 21
A PRESENÇA DE ARTIGAS 22
LUCIO COSTA 24
ENTREVISTAS 25A CONSTRUÇÃO DO OLHAR DE PAULO MENDES DA ROCHA 27
SE É ESPAÇO, DEVERIA SER PÚBLICO 88
HÁ UMA IDEIA ELITISTA NOS CENTROS CULTURAIS 93
AULAS 105AULAS UNITAU 107
AULA INAUGURAL — 50 ANOS DA FAU-USP 141
PROVA DIDÁTICA PARA PROFESSOR TITULAR 149
MEMÓRIAS DE PROJETOS 169PROJETO CASA SILVIO ANTONIO BUENO 171
PROJETO BAÍA DE MONTEVIDÉU 174
RELATÓRIO DELTAMETRÓPOLIS 178
PROJETO UNIVERSIDADE DE VIGO 186
PROJETO CAIS DAS ARTES — MUSEU E TEATRO DE VITÓRIA 190
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SOBRE PROJETOS E DISCURSOS 195ARQUITETO PAULO MENDES DA ROCHA,
AUTOR DO RISCO INICIAL DA BIENAL 197
IDEIA E DESENHO 204
MORAR NA ERA MODERNA 208
A CIDADE COMO FÓRUM PARA O FUTURO 217
NOVA HEGEMONIA 222
CARTA AO GOVERNADOR MÁRIO COVAS 226
SEMINÁRIO DELINEANDO NORTES 230
LE DURABLE BÂTIR 248
OS DESEJOS, HOJE 252
CRONOLOGIA DE PROJETOS E OBRAS 261
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PREFÁCIO
EmumabelatardedeinvernotropicalconheciPauloMendesdaRochaemseuestúdiodeSãoPaulo.Eraoanode1984.EuforaconvidadopelaFaculdadedeArquiteturaeUrbanismodaUniversidadedeSãoPauloparaparticipardeumsemináriosobrevanguardas.EraumademinhasprimeirasviagensacadêmicasaoBrasil.Lembrocomverdadeirapaixãoaquelesprimei-rosencontroscomaculturabrasileira,comaboemiaintelectualdeSãoPaulo,comosarquitetospaulistas,ecomPaulo.Opaíssaíadoperíododaditaduraedeseuasfixianteclimapolítico,eportodapartesesentiaaesperançadereconstruí-loerepensarsuaspotencialidadesemtodososâmbitos.Claro,tudomeparecianovo,surpreendente.Etudoerarealmenteanimadoporumapoderosavitalidade,nãoimportavaquefossemexposiçõesdeprimeiraousegundalinha,acaloradasdiscussõesacadêmicasouconflitosentreosarquitetoseaadministraçãopública.E,comoaconteceucomtantoseuro-peus,deixei-meseduzirpelainteligência,pelaliberdadepoéticaepelaimensacriatividadequeencontravaemtodaparte.Foioquepudepresenciarcomosceramistasbaianos,osmuseusedepartamentosuniversitáriospaulistas,suaseditoraseperiódicos,semesquecerosestúdiosdearquitetura.
O ARQUITETO E O INTELECTUAL
Eduardo Subirats*
* Eduardo SubiratSnasceuemBarcelonaem1947.Éautordeumasériedeensaiossobreteoriadacultura,críticadocolonialismo,estéticadasvanguardasefilosofiamoderna.Publicou,entreoutros:Davanguardaaopós-moderno(SãoPaulo,1984),Losmalosdiaspasarán(Caracas,1992),Elcontinentevacío(México,1995),LinternaMágica(Madri,1997),Culturasvirtuales(México,2001),UnaúltimavisióndelParaíso(SãoPaulo,2001;México,2004)eMemoriayexilio(Madri,2003).SeulivromaisrecenteéLaexistenciasitiada(México,2006).Subiratsfoiprofessordefilosofia,estética,arquitetura,literaturaeteoriadaculturanasuniversidadesdeSãoPaulo,Caracas,Madri,MéxicoePrinceton;atualmentelecionanaNewYorkUniversity. 11
DevoacrescentarquevinhadaEspanhae,portanto,traziaasmalasvazias.Naquelesanos,asociedadeespanholaseabriapoliticamenteaumprocessodeintegraçãoeuropeiamarcadopelosmercadosneoliberais,peloespetáculopós-modernodeculturasadministradasebanaisepelosimulacrodeumamodernidadeintelectualmentetorpe,salvoemseussemprerenovadosexílios.Erabastanteprevisíveloqueasnovaselitesiriamproporcionaràquelepaís:autoestradasetrensdealtavelocidade,umaexplosãodoconsumoeumaculturatotalmentecomercial.Comomarcafinaldessamilagrosatransformação,amanutençãodosmesmospreconceitosnacionalistasecatólicosquehaviamlastreadosuahistóriaintelectualemumapeculiarmisturadeprepotênciaeobscurantismo.Poroutrolado,euenxergavaessefuturoespanholcomoumacaricaturadoquedequalquerformaseriaodesenvolvimentoeuropeu.DoqueviraemParisouBerlim,cidadesemqueviveracomoestudante.Dessaperspectiva,apaisagemculturalbrasileiramepareciaumabênção.Eramuitomaisdiversa,maisconflitivatambém,e,porissomesmo,maisdinâmica,eemtodosossentidosmaispromissora.
Estaeraecontinuasendominhacarteiradeidentidadecomonar-rador,meu“olhardeestrangeiro”,comováriasvezesmelançaramaorostoosamigosbrasileiros.Eéprecisamentetambémopontodevistasoboqualtrateideentenderostrêsarquitetospaulistascomquemmaisaprendi,comquemcompartilheiideias,projetosebelíssimosmomentos:JoãoBatistaVilanovaArtigas,LinaBoBardiePauloMendesdaRocha.
Poisbem,exatamentedessaperspectivadistingotrêsmomentosnaobradePauloquemecomovememefascinam,equenãoapenaspos-suemovalorestéticoqueosjuradosdeprêmios,asrevistasespecializadasemuitosprofessoresdeprojetoerguemcomosímbolodeumaépoca,massobretudoumvalortestemunhal,rebelde,inovadoreprecursorouprogramático.Sereimuitobreve.
UmprimeirogrupodeobrasdePauloMendesdaRochapodeserreunidoemtornodoconceitodebrutalismocaboclo.Suadefinição
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podesertraçadaaoredordealgumascategoriaselementares.Éumaarquiteturadeconcreto.Umaarquiteturaqueutilizaoconcretocomomatériaindustrialsemadornos,masqueutilizasuaplasticidadecomomeiodeumaliberdadeespacialeexpressivararasvezesigualadaporqualquer outra arquiteturamoderna.Eventualmente pode ser com-paradaàdeLouisKahn,masdesdequesedeixedeladoadurezadesuaconstruçãoabstratadosespaçosdopoder.Porqueobrutalismocabocloéantesdetudoumaarquiteturaurbana:umaarquiteturaqueseabreparaacidade,quedialogacomacidadeaberta,democrática,igualitária.Eéumbrutalismocaboclo,istoé,reúneascaracterísticasdamassividadeindustrialedaconsistênciadasformasindustriais,masaomesmotempodialogacomastradiçõespopularesdacasacamponesae,sobretudo,damaloca indígena.Issoquerdizer,porexemplo,querompeasfronteirasrígidasentreoespaçointerioreoespaçoexteriorpormeiodemúltiplasmediaçõeseespaçosintermediários.Equerdizertambémquenãohierarquizaosespaçosinterioresnosentidoemqueofazaarquitetura“funcional”daeraindustrial,istoé,aquiloquesechamade“moderno”.
Essebrutalismopossuioutrascaracterísticasdecentralimportância.Umaéestritamentetécnicaeexpõeanítidavinculaçãodessaarquiteturacomosvaloresestéticosdoindustrialismo:asolidezeatransparênciaconstrutivadeuma arquitetura feitapor engenheiros, a simplicidadeelementardeseuscomponentesestruturais,autilizaçãoexpressivadegrandesvolumesdeconcretoesuapoderosadinamizaçãodosespaçosinterioreexterior.Creioquenãomeequivocoaomencionarumúnico,mas formidável, exemplonaobra inicial dePaulo: suaprópria casa,construídaem1962.
Aúltimacaracterísticadessebrutalismopaulistanãoéamenosim-portante.Éadignificaçãohumanadosespaços,adimensãoconscienteesocialmenteresponsáveldeseusdesenhos,aclaraprojeçãodeumconceitoabertoeparticipativodacidadenoprojetoarquitetônico.Esta
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éumadimensãoquedesejoressaltar,especialmentenomomentoatual,emqueocinismoestéticoeacorrupçãocorporativadefinemprecisa-menteosprojetosemblemáticosdapós-modernidademaismilitantenoscenáriosdoespetáculoglobal,deKoolhaasaGehry.
Poroutrolado,nãoéprecisolembrarqueaobradefinitivadessaconcepçãomoderna,industrial,mashumanistadaarquitetura,dotadaainda de uma transparente projeção democrática, é a Faculdade deArquitetura,deVilanovaArtigas,semaqualéimpossívelcompreenderaarquiteturadePaulo,bemcomoadeoutrosgrandesarquitetospau-listas,comoLinaBoBardi.Queroapenasacrescentaraesserespeitoumasucintaconclusão:éapartirdesteencontroentreasestruturaselementaresdaengenhariaarquitetônica,deumaconscienteeintensavinculaçãocomasmemóriasculturaisecomariquezadeculturasdoBrasil,edeumcompromissohumanoesocialdaarquitetura,quesedevecompreenderoqueconstituioaspectomaisoriginaldestasobrasemtermosestéticos:sualinguagemespacial,aelementaridadedesuacomposição,apoderosaforçaexpressivadeseusvolumesesuabeleza.Umconceitodebelezaquenãosedeixadomesticarpelospadrõesdoformalismoestéticoepelovaziododesign industrialpós-moderno.TudoissoconfereuminconfundívelselolinguísticoàsobrasdePaulo.Equerosalientarqueeste“selo”nãosignificaaquium“logo”,nãoéumamarcadediferençacontroladanomercadohomologadodavi-trinefetichistadaarquiteturacontemporânea.Éumestilonosentidoclássico da palavra.Aquele definido porGoethe.Estilo dotado deumaforçaexpressivatãopoderosaeextraordináriacomoasmelhoresmanifestaçõesdaarquiteturaexpressionistaalemã,istoé,omomentomaiscriativodaarquiteturadoséculoXXnomundoocidental.
Segunda etapa: pode-se falar de uma segunda etapa na obra dePaulo,emborasaibamosqueessaobsessãoacadêmicadeclassificaçõesé completamente inócua.De todomodo, existe umaobra paulista-paulistanadosanos80e90quemereceatençãoespecial.Alémdisso,
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querodestacarque,deacordocomasnormasestilísticasditadaspelaacademiaepelaindústriaculturalnorte-americana,essasduasdécadasdevemserincluídassobadenominaçãoeodomínio“pós-moderno”.Esãodécadasquesecaracterizampelaliquidaçãodeprojetosdecarátersocialedemocrático;pelaredefiniçãourbanaapartirdasempresasesuascorrupções;epelopredomíniodeumamonumentalidadetecno-cráticaquefezecontinuafazendoalardedocinismo,semomenorrespeitopelosaspectosecológicosesociais,inclusiveouprecisamenteemmetrópolespós-coloniais,nasquaisasdivisõesdeclasses,raçasereligiõessãobrutaiseondeseconcentramgrandesmassaspopulacionaisemcondiçõesdeextremamisériaegravesconflitossociaispermeadosporumacrescenteviolência.
NoBrasil, comono restodomundo industrializado, esses anosforam e continuam sendo anos de oportunismo cultural e político,decorrupçãoadministradapelaselitesintelectuaiseartísticasedeco-mercializaçãoadnauseam emumacorrida inverossímilporprodutoscadavezmaisvaziosebanaisdospontosdevistaintelectual,artísticoetambémsocial.Estefoiecontinuasendoomomentodadegradaçãomidiáticadasculturasdemocráticasatravésdaproduçãoindustrialdegrandesespetáculoseeventosculturais.Arquiteturasecidadesinteirasincluídas.Enestemomento,quandoconheçoPaulo,ocorreumamu-dançaimportanteemsuaobra.
Formulareiduasoutrêscategoriaspararesumiroqueconsiderootraçodistintivodasobrasdesseperíodo:umaconcentração“budista”noelementar,umapoéticadasformaspuras,eohermetismo.Éumacaracterísticadeseutrabalhonessesanos,masnãoapenasdoseu,diga--sedepassagem.Semdúvidaalguma,deve-secitartambémaobratardiadeOscarNiemeyer.SeuMemorialdaAméricaLatina,quenasceapartirdeumprojetopolíticoeintelectualclaramentedefinidoporeleeporDarcyRibeiro,édecantadopeloviésdeumformalismoestetizantedamaiorbelezaeigualmentehermético.
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Astrêsobrasquequeromencionaraestepropósito—oMuseuBrasileiro deEscultura (MUBE), a casaGerassi e a loja demóveisForma—foramanalisadasedescritasporIsabelVillacemsuatesededissertaçãoAconstruçãodoolhar :natureza,cidadeediscursonaarqui-teturadePauloMendesdaRocha.Sómerestareferir-meàsuaanáliseesublinharumadascategoriasqueelaformulacomestepropósito:aelementaridade,apureza,apoéticadojogocomformaselemen-taresepuras.Aquinosencontramoscomapoéticadomínimo,quecompõe a partir de elementos formais puros, constrói com umaeconomiarigorosademeios,mantémsempreumequilíbrioestéticoeexistencialcomomeioambienteurbanoqueacercae,porfim,travaumdiálogosutilcomasmemóriasbrasileiras.Umamemóriadetrêsfaces:apurezaformaldamalocaamazônica,odinamismodosespa-çosbarrocosearacionalidadeconstrutivadatradiçãodaarquiteturabrasileiramodernadeEduardoReidy(quemesejapermitidoexcluirVilanovaArtigasporqueesteiniciasuaobradeconcretodepoisdePauloMendesdaRocha).
Para acrescentar algo, destacareimais uma coisa. Essa estéticadapurezaedaconcentraçãoformalnãoéfrutodoacaso?Surgeemprimeirolugarcomoprotestoecomoalternativaàdegradaçãocorpo-rativadaslinguagenspós-modernas,cujascaracterísticassãobanaiseevidentes:aexaltaçãodaarquiteturacomorepresentaçãomonumentalebrutaldopodertecnológicoecorporativo;arenúnciadaarquiteturacomoorganizaçãohumanaecomunitáriadoespaçoesuasubsequenteregressão às estratégias comerciais e administrativas do espetáculo;eadesconstrução.
Masnodesejodeconcentraçãoeabstraçãoformaisenacristalizaçãodeumalinguagemmeditativaeretraídaacódigosesignosherméticospermanece uma dimensão crítica.OMuseuBrasileiro deEsculturaénesseexatosentidoummodelodignodeatenção.Comonasduasoutrasobrascitadas,estase compõeapenasdetrêsouquatro linhas
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evolumeselementares.Oprópriomuseupodeserconsideradoumaesculturaabstrata,umaconstruçãotridimensional. Contudo,seuses-paçossefundemnosubsolo.Enterram-secomoqueparaseesconderdeumolharurbanodefinidopelosoutdoors,pelasarquiteturasbaratas,porumhistéricotrânsitomotorizadoeporsuaslinguagensestriden-tesevazias.Nessedesejodesubmergirosespaçosarquitetônicosnosubsoloeminimizarapresençafísicadaarquiteturanacidaderesideestemomentonegativo.Umacrítica.Enãofoisóaarquiteturadesseperíodoquesedesumanizoudesconstrutivamente.Acidadetambémsedesumanizou.Fragmentaram-se,desconstruíram-seedestruíram-seotecidosocial,amalhaurbanaeasarquiteturasdacidadedeSãoPaulo.Taldesintegração,ocaosurbanoeaangústiahistóricaquetransmiteexplicamessaconcentraçãoformalemlinguagenspuras.
EchegamosaoterceiroaspectodaobradePaulo.Ummomentonitidamente intelectual.Paradizê-lodiretamente:conhecipoucoses-critoresnoBrasileemqualqueroutrolugarquetivessemtãobrilhante,tãoveemente,tãoradicalcapacidadedearticularcomsuapresençaumdiscursocríticosobreaarquitetura,acidadeeahumanidade.Oterceiromomentode suaobra éoPaulopedagogo, crítico cultural, agitadorintelectual.Eestaéaobraqueseapresentaparcialmentenestaspági-nas.Textosecríticas,conferênciasecomentários,análisesepolêmicas.Edigo“parcialmente”porumasimplesrazão.EssaatividadeintelectualdePaulofoiantesdetudopresencialeoral.Comtodooencantopessoaletodasasdimensõespolêmicasqueapresençafísicaeacomunicaçãodiretatêmnaeradacomunicaçãovirtualedaficcionalizaçãodoreal.
Umúltimocomentário.ExisteentreapoéticaformaldasúltimasobrasdePauloeestadimensãopolêmica,críticaenitidamenteintelec-tualumnexomaisoumenosoculto.Emumaépocaemqueoarquitetopodeformularprojetosdotadosdeumadimensãosocialparticipativaeemqueaconstruçãodoespaçopodecoincidiremalgumamedidacomaconfiguraçãodeumarealidadesocialdemocráticaetransparente
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—eassimfoiaidadedeourodaarquiteturabrasileira,aépocadosgrandesprojetosdeLucioCosta,RobertoBurleMarx,EduardoReidyeOscarNiemeyer,entreoutros—,acríticasocial,oprojetourbanoe o desenho arquitetônico propriamente dito não estão separados.Nossaépocaédecisãoefissuras.Éumaidadenegativa.Porissoanecessidadedesepararoâmbitodateoriacrítica.
OterceirocapítulodavidadePauloquesedescortinanestaspáginaséumacontribuiçãoaessateoriacrítica.
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OS
Página anterior: Boneca de arame. Inspiração: Henry Moore.
AquestãofundamentalnaobradeLeCorbusierésuaafliçãoeuropeiadiantedamodernidade.ÉnotáveloolharquededicouàÍndia,àÁfricamediterrânea,àAmérica,eàscidadesdeSãoPaulo,RiodeJaneiro,BuenosAireseArgel,entreoutras.Nessaprevisãodoartistainaugurava-seummundonovo:paraLeCorbusier,asesperançasestavamnesseslugares.
A ESPERANÇA NO MUNDO NOVO
Revista Projeto no 118, jan/fev 1989
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EstaéumaexposiçãodavidadeArtigas.Oquesevêésuapresençanosdesenhosquesempreoapaixonaram.Épossívelimaginarasemelhançasuacomessesdesenhos.Artigaseraumprojetotransparentedesimesmo.Nuncaoviàtoa.Vinhasempreafimdealgumacoisa,armadocomonumcampomagnético.
Eraprocuradosempreparadiscutirsobretodososmomentosmaisimportantesnavidadosarquitetos.Depoisdesuafalatudosereorientava,poisensinavacaminhos,vias,avançoseespera,comoseavidafosseumnavioeasideias,estrelas,balizandoomardosacontecimentos.
Tinhaque conhecermuitobemos riscos que corria.Nuncao viqueixar-sedasperseguiçõesedomalporquepassounaprisãoenoexílio.Sómanifestavaindignação,revoltaeconfiançanofuturo,maisnosoutrosatéqueemsimesmo.
ConstruiuaestruturadoensinodearquiteturanasuaFAUdaUSP.Organizoucomvisãooportunaoqueseriam,nonossomeio,odesenhoindustrialeacomunicaçãovisual,eprojetouoedifíciodaescolacomluz,espaçoeestruturaderarabeleza,noqualasjanelasparaocéuclareiamasmesasdedesenhocomideias.
AconstruçãodasbasesdoensinodearquiteturaemSãoPaulo,jánosanos50,éumtrabalhogigantescoprevistoporArtigas,porquesecriavadentrodaEscolaPolitécnica,ondeorigordaciênciaeopri-vilégiodatécnicacomprimiamacriatividadeartísticacomopesodasociedadedesenvolvimentistaeindustrialdeSãoPaulo,contraditoria-
A PRESENÇA DE ARTIGAS
Revista Módulo, Especial Vilanova Artigas, 1985
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menteconservadoraeatrasadaquantoaopoderinovadorelibertáriododesenhoedamodernidade.
TransformaraFAUnumaescolavoltadaparaasartescomrespaldonapesquisadahistóriadasraízesdanossaformaçãoetendooconheci-mentotécnicoecientíficocomorecursoparaaconstruçãodeumpaíslatino-americanoéoquadrodesseentendimento.Opoderdecomunica-çãodaformacujodiscursodeveviràsclaraséumaliçãosua,transmitidacomargumentaçãofirmadanosseusprojetos.Artigassempredissequenãoseensinaarquitetura,masqueaeducaçãoartísticaéoobjetodotrabalhonaescola.
Essa ideia,naqualoconhecimentoatémesmosobreopoderdasensibilidadedecadaumorganizaacriatividade,eleensinavaaseusalu-nos,pelosquaistinhaumafetoquecomandavasuasações.Artigaseraextremamenteafetuosonassuaslições,nasuapersonalidadedeprofessor.
Queriaumaconfirmaçãodoquesabianooutro,naaçãodooutro,dosseusalunosedeseuscolegas,porqueacreditavanopoderdacriati-vidadesobreahistória.
DEPOIMENTOS
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