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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO UNISAL Campus Maria Auxiliadora MATILDE MARIA DE MAGALHÃES ARENA CORRÊA ESCOLA DE SAMBA E PROJETOS DE TRABALHO COM CRIANÇAS: relações entre educação, arte e cultura AMERICANA 2016

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

UNISAL – Campus Maria Auxiliadora

MATILDE MARIA DE MAGALHÃES ARENA CORRÊA

ESCOLA DE SAMBA E PROJETOS DE TRABALHO COM CRIANÇAS: relações

entre educação, arte e cultura

AMERICANA

2016

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Matilde Maria de Magalhães Arena Corrêa

ESCOLA DE SAMBA E PROJETOS DE TRABALHO COM CRIANÇAS:

relações entre educação, arte e cultura

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação, do Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL – como partes dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação, sob a orientação da Prof. Dra. Renata Sieiro Fernandes.

AMERICANA

2016

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Catalogação: Bibliotecária Mariana de Matos CRB- 8/9075

Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL

C844e

Corrêa, Matilde Maria de Magalhães Arena

Escola de samba e projetos de trabalho com crianças:

relações entre educação, arte e cultura / Matilde Maria de

Magalhães Arena Corrêa. – Americana: Centro Universitário

Salesiano de São Paulo, 2016.

181 p.

Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL – Centro

Universitário Salesiano de São Paulo.

Orientador: Profa. Dra. Renata Sieiro Fernandes.

Inclui Bibliografia.

1. Educação Sociocomunitária. 2. Projeto Pedagógico. 3.

Práticas Interdisciplinares. I. Título. II. Autor

CDD – 370.193

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Autor: MATILDE MARIA DE MAGALHÃES ARENA CORRÊA

Título: ESCOLA DE SAMBA E PROJETOS DE TRABALHO COM CRIANÇAS:

relações entre educação, arte e cultura.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação – área de concentração: Educação Sociocomunitária. Linha de pesquisa: A intervenção educativa sociocomunitária: linguagem, intersubjetividade e práxis. Orientador: Prof. Dra. Renata Sieiro Fernandes

Dissertação defendida e aprovada em 26/09/2016, pela comissão julgadora: __________________________________________ Profa. Dra. Margareth Brandini Park – Membro Externo

Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP __________________________________________ Profa. Dra. Lívia Morais Garcia Lima – Membro Interno

Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL

_________________________________________ Dra. Renata Sieiro Fernandes – Orientadora

Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL

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Dedico este trabalho aos amores da

minha vida, meu marido e meu filho.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por ter me dado a vida e por estar comigo em meus altos e

baixos.

Agradeço ao meu marido e filho pelo amor e, principalmente, pela ajuda e

paciência que tiveram comigo para desenvolver esta dissertação.

Agradeço meus pais, sogra, pela força, seja através de palavras, ou ajudando

a cuidarem do meu filho.

Agradeço minha psiquiatra, Paula Benetton, e psicóloga, Elisabeth Morey, pela

confiança, profissionalismo, por acreditarem e me ajudarem a realizar o mestrado.

Ao carnavalesco Rubens Eduardo e a direção da escola de samba Rosa de

Prata, na pessoa de Rafael Rosa, que me receberam tão bem no trabalho de campo,

permitindo e contribuindo muito com esta pesquisa.

À querida orientadora Dra. Renata Sieiro Fernandes, pela orientação desde a

escolha do tema até o final do trabalho, sempre com profissionalismo e competência.

Agradeço às professoras Dra. Lívia Morais Garcia Lima e Dra. Margareth Park

pela honra em tê-las como participantes da banca de avaliação deste trabalho.

Agradeço muito aos queridos professores do UNISAL, em especial ao professor

Dr. Severino Antônio, que me possibilitou com toda sua sensibilidade despertar ainda

mais em mim a paixão por crianças, artes, poesias.

Agradeço ao professor Dr. Renato Soffner, pois cursei duas disciplinas suas e

aprendi muito sobre Tecnologias da Educação e Epistemologia da Educação.

A todos os amigos e amigas que cruzaram meu caminho e me ensinaram a ser

um ser humano melhor, em especial a Ester, Anamélia e Eliane.

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“Antes de me despedir Deixo ao sambista mais novo O meu pedido final... Não deixe o samba morrer Não deixe o samba acabar O morro foi feito de samba De Samba, pra gente sambar”. (Edson Conceição, Aloísio Silva, 1975).

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RESUMO

O tema desta dissertação refere-se às aproximações do trabalho educativo na educação infantil e na escola de samba. A problemática trata dos projetos de trabalho como metodologia apropriada para a educação infantil. Tem como objetivo analisar as contribuições do trabalho educativo desenvolvido pela escola de samba, espaço não formal, para se repensar os projetos de trabalho na educação infantil, espaço não escolar. Metodologicamente, a pesquisa é de cunho qualitativo, bibliográfico e documental e do tipo participante e os instrumentos de construção de dados foram estudos bibliográficos, observação no trabalho de campo e entrevistas com gravação e transcrição. O foco de estudo bibliográfico foram os documentos que regem o currículo da educação infantil no cotejamento com a experiência advinda da prática docente. O sujeito da pesquisa foi o carnavalesco e o lócus foi a escola de samba Rosa de Prata, localizada em um bairro periférico, na cidade de Campinas-SP. O referencial principal de ancoragem foi Hernández, Romaguera, Fernandes, Park, Simson etc. Este trabalho possibilita um encontro entre a escola de samba e a educação infantil através dos projetos de trabalho, valorizando a arte e a cultura. As análises trazem contribuições relevantes para se pensar o trabalho por projetos na educação não escolar, enfatizando o fazer criativo, o improviso, o imprevisto e outros aspectos pouco presentes no cotidiano institucionalizado de educação infantil. Por outro lado, a escola de samba pode aproveitar da sistematização metodológica sob a óptica dos projetos, pois ela propõe um percurso de construção de trabalho coletivo que pode ser utilizado em espaços formais como não formais. A pesquisa contribui para a área da educação ao problematizar o trabalho por projetos flexibilizando suas fronteiras, sendo permeável a conhecimentos advindos do campo da cultura e da arte. E aproxima conceitual e metodologicamente os espaços não formais e formais de educação. O conceito de educação sociocomunitária se refere à responsabilidade social das práticas educativas na tentativa de construir ações coletivas transformadoras da realidade cotidiana. Palavras-chave: educação infantil. Projetos de trabalho. Escola de samba. Linguagens. Educação não formal. Educação não escolar. Educação Sociocomunitária.

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ABSTRACT

he theme of this dissertation refers to the approaches of the educational work in the infantile education and the school of samba. The issue deals with work projects as an appropriate methodology for early childhood education. It aims to analyze the contributions of the educational work developed by the samba school, non-formal space, to rethink the work projects in children's education, non-school space. Methodologically, the research is qualitative, bibliographical and documentary and of the participant type and the instruments of data construction were bibliographic studies, observation in the field work and interviews with recording and transcription. The focus of the bibliographic study was the documents that govern the curriculum of the children's education in the comparison with the experience coming from the teaching practice. The subject of the research was the carnival and the locus was the Rosa de Prata samba school, located in a peripheral district, in the city of Campinas-SP. The main reference of anchorage was Hernandez, Romaguera, Fernandes, Park, Simson etc. This work enables a meeting between the samba school and children's education through work projects, valuing art and culture. The analyzes bring relevant contributions to think about work by projects in non-school education, emphasizing creative doing, improvisation, unforeseen and other aspects little present in the institutionalized daily education of children. On the other hand, the samba school can take advantage of the methodological systematization from the perspective of the projects, since it proposes a course of construction of collective work that can be used in formal and non-formal spaces. Research contributes to the area of education by problematizing project work by making its borders more flexible and permeable to knowledge from the field of culture and art. And it approximates conceptually and methodologically the non formal and formal spaces of education. The concept of socio-community education refers to the social responsibility of educational practices in an attempt to build collective actions that transform everyday reality.

Keywords: early childhood education. work projects. Samba school. Languages. non-formal education. no school education. Education socio-communitarian.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Quadra da Escola de Samba Rosa de Prata, no bairro Vila Castelo Branco em

Campinas, onde foi realizada a entrevista com a direção da escola .................................... 28

Figura 2: Quadra da Escola de Samba Rosa de Prata, no bairro Vila Castelo Branco em

Campinas, onde foi realizada a entrevista com a direção da escola .................................... 28

Figura 3: Carnavalesco em seu ateliê com fantasias e materiais dos carnavais .................. 29

Figura 4: Carnavalesco em seu ateliê com fantasias e materiais dos carnavais anteriores.. 30

Figura 5: Adereço feito com bolinhas de piscina de bolinhas ............................................... 88

Figura 6: Adereços feitos com materiais recicláveis e garrafas pet ...................................... 89

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Etapas do processo de pesquisa na escola de samba e na “Escola” Infantil ........ 93

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BNCC - Base Nacional Curricular Comum

CAIPE – Conhecimento e Análise das intervenções na práxis educativa

sociocomunitária

CEI – Centro de Educação Infantil

LDBN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

MEC – Ministério da Educação

NAEDS - Núcleo de Ação Educativa Descentralizada

ONG – Organização não governamental

PNE – Plano Nacional de Educação

PROGEN – Projeto Gente Nova

RCNEI – Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

TDC – Trabalho Docente Coletivo

UFSCAR – Universidade Federal de São Carlos

UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São Paulo

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO: DO CONVITE DE INFÂNCIA AO CONVITE À PESQUISA ATUAL:

UMA LUZ NA AVENIDA DO SAMBA, DA EDUCAÇÃO E DA VIDA ....................... 15

CAPÍTULO 1. O CALEIDOSCÓPIO GIRA E PÁRA: REVELANDO O PERCURSO

DA PESQUISA .......................................................................................................... 22

CAPÍTULO 2. OS PROJETOS DE TRABALHO: A LUZ NA PASSARELA DA

EDUCAÇÃO INFANTIL ............................................................................................ 38

CAPÍTULO 3. AS ESCOLAS DE SAMBA, O CARNAVAL E A EDUCAÇÃO

INFANTIL: COMO OS PROJETOS APROXIMAM ESSES LUGARES NA AVENIDA

DA VIDA.................................................................................................................... 49

3.1. HISTÓRICO DO CARNAVAL NO BRASIL: .................................................... 49

3.2. HISTÓRICO DO CARNAVAL EM SÃO PAULO.............................................. 52

3.3. ESCOLA DE SAMBA E EDUCAÇÃO NÃO FORMAL ..................................... 56

3.4. A EDUCAÇÃO INFANTIL NÃO ESCOLAR E AS CONVERGÊNCIAS E

DIVERGÊNCIAS ENTRE O CARNAVALESCO E O EDUCADOR INFANTIL ....... 60

3.5. AS CONVERGÊNCIAS ENTRE O PROCESSO DE PREPARAÇÃO PARA O

DESFILE NA ESCOLA DE SAMBA E AS ETAPAS DOS PROJETOS DE

TRABALHO EM EDUCAÇÃO INFANTIL ............................................................... 69

CONSIDERAÇÕES FINAIS. FINALIZANDO O “DESFILE” DA PESQUISA: A

ARTE, CULTURA E EDUCAÇÃO PRESENTES NA ESCOLA DE SAMBA E NA

EDUCAÇÃO INFANTIL ............................................................................................ 99

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 104

APÊNDICE 1 ........................................................................................................... 109

APÊNDICE 2 ........................................................................................................... 130

APÊNDICE 3 ........................................................................................................... 152

APÊNDICE 4 ........................................................................................................... 153

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INTRODUÇÃO: DO CONVITE DE INFÂNCIA AO CONVITE À PESQUISA ATUAL:

UMA LUZ NA AVENIDA DO SAMBA, DA EDUCAÇÃO E DA VIDA

“Nada é destino, tudo é coincidência. Se você acha que não, dê uma oportunidade a você e verá que tudo é uma questão de estar na hora e no lugar certo”. (DIÁRIO SECRETO, [s.d.]) 1

Falar em Carnaval é me relembrar a infância. Falar em Carnaval é me fazer

recordar as fantasias confeccionadas com tanta habilidade e carinho pelas mãos de

minha mãe. É relembrar o quanto amava pular, pular e dançar ao som de sambas e

marchinhas.

Este trabalho me possibilitou além de encontrar conhecimentos novos,

encontrar o caminho que me levou de volta a mim, ao que tinha de mais prazeroso,

alegre de minha memória da infância.

A possibilidade de trabalhar sobre escola de samba, educação infantil, minha

outra paixão e voltar ao bairro em que nasci, a Vila Castelo Branco, em Campinas -

SP, local onde foi sugerida a pesquisa de campo pela minha orientadora, é como

receber um presente divino, espiritual, sem explicações, como àquelas coisas da vida

em que não aconteceram em certo momento e que voltam para acontecer, porque

tinham que acontecer...

Aos quatro anos de idade a escola de samba Rosa de Prata desfilou em frente

à minha casa, eu não me recordo, mas minha mãe me disse que eu sambei, pulei,

vibrei tanto quando a escola passou, que logo foram me convidar para desfilar na

escola. Meus pais, novos no bairro, que era considerado violento, e talvez a má fama

que o carnaval de rua tinha, o que será explicado neste trabalho, que era a maneira

das elites reprimirem a manifestação popular, negra, fizeram meus pais não

autorizarem minha participação.

Fiquei sabendo anos depois o ocorrido, quando tentava entender minha paixão

pelo Carnaval, embora não fiquei frustrada, poder pesquisar sobre essa escola de

samba, era como se a vida se encaminhasse novamente deste convite, e aceitá-lo

com mais idade, maturidade, era não somente participar de algo prazeroso, lúdico,

1 Epígrafe encontrada no endereço eletrônico: http://pensador.uol.com.br/poemas_de_coincidencia/. Acesso em: 04/09/2016.

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era entender a importância do resgate de certas memórias culturais, da minha

memória cultural, da minha infância, do meu povo brasileiro, das minhas raízes

humildes, podendo valorizar esta comunidade, destacá-la de alguma maneira,

relacioná-la e trazer contribuições suas à educação, que é minha profissão há

dezesseis anos. Assim, eu fui entendendo que o homem, modificando a natureza, ou

seja, agindo no mundo, vai construindo história e memória para atender às suas

necessidades existenciais, assim vai construindo cultura e simbolizando, bem como

construindo maneiras de expressar seus sentimentos e pensamentos e é neste

processo de construção que estão as raízes da educação (AVANCINI, s.d), ou seja,

educação imbrica-se com a cultura e com a arte.

Uma das necessidades fundamentais do ser humano é a de criar (GARCIA,

2009). Fundamentada na filosofia de Deleuze, Garcia (2009) fala que a necessidade

de criar traz consigo a necessidade do homem de se relacionar com o mundo

interpretando-o e significando-o.

Mario de Andrade (apud GOBBI; FARIA, 2004) vê a criança como construtora

e transmissora de cultura, tanto nos espaços domésticos como públicos,

especialmente nas instituições de cuidado e de educação da infância em nossa

sociedade. Por isso, a educação infantil é uma parte muito importante na formação

dos sujeitos educadores-educandos, para construir e valorizar a cultura e

diversificados modos de se relacionar com o mundo natural, cultural, social e humano.

Para que essas concepções anteriores sejam desenvolvidas, é necessário um

novo olhar sobre a educação infantil por meio de práticas que vão além das

tradicionais no sentido de não escolar, como será visto mais adiante, com propostas

inovadoras no currículo, como os projetos de trabalho desenvolvidos como

metodologia.

Mello (2001 apud MORAES, 2006) aponta a importância das pesquisas em

educação infantil, principalmente no sentido de proporcionarem reflexões sobre os

problemas nesta etapa, desde estruturas físicas até a formação dos professores, pois

ainda nota-se que são reproduzidas concepções do senso comum que não refletem

sobre a intencionalidade das ações pedagógicas.

O tema desta pesquisa é sobre a educação infantil, a escola de samba e

possíveis aproximações nas formas de trabalho educativo de ambas, portanto, trata

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dos projetos de trabalho na educação infantil e visa aprimorar essa metodologia e

entendê-la como uma proposta didática em que a criança é participante de todo

processo de construção do conhecimento, desde a escolha do tema à avaliação,

valorizando a interação entre professores – crianças; crianças e outras crianças,

outras turmas, família, comunidade, ou seja, possibilita um conhecimento que

promove as interações sociais (MORAES, 2006), o aspecto cognitivo, motor,

emocional e o desenvolvimento de linguagens. A problematização da metodologia se

dá no diálogo com o conhecimento metodológico de um carnavalesco, pois ambos os

lugares institucionais (educação infantil e escola de samba), embora remetam ao

campo da educação formal, esta em sua terminologia e a outra por tomar parte no

sistema educativo do país, buscam construir identidades próprias e especificidades

nos modos de relacionar educação, cultura e arte.

Segundo Rocha, 2003, a educação infantil faz parte do sistema formal

educativo, entretanto, os documentos oficiais e os autores que discutem o tema da

infância afirmam que esta etapa não pode ser baseada no ensino e, sim, na educação,

diferentemente de como se organiza o restante das etapas. Neste caso, embora faça

parte do sistema, entende-se que a educação infantil é uma via não escolarizada, ou

seja, constitui-se como educação não escolar.

A educação infantil também se fundamenta em um tripé que interliga a

educação com a cultura e a arte, logo, a metodologia de trabalho com as crianças

precisa contemplar essas áreas. Assim, o trabalho por projetos tem sido assumido

como uma forma adequada de produzir o conhecimento e de promover a

aprendizagem.

Como por muito tempo valorizaram-se apenas as contribuições formais para a

educação, nesta pesquisa, busca-se ressignificar e valorizar a experiência que

interliga cultura, arte e educação, dentro de um campo não formal. A escola de samba,

como uma instituição deste campo que valoriza a comunidade, que parte de ações

criativas e performáticas para levar o samba para a rua, procedendo de forma muito

semelhante ao que se denomina de trabalho por projetos, pode, de muitas formas,

enriquecer, contribuir com este trabalho na educação infantil.

Enfim, a educação infantil e a escola de samba se aproximam por fazerem

educação, uma no campo da educação não escolar e a outra no campo da educação

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não formal, ambas interligando o trabalho criativo sob a forma de projetos que se

baseiam na cultura, arte e educação.

A educação infantil precisa ter uma identidade própria, que considera a criança

como sujeito de direitos, com uma pedagogia que amplie o universo cultural da

criança, considerando também conhecimentos e aprendizagens, mas não de maneira

fragmentada e que, considera aspectos como a expressão, afeto, sexualidade, o

brincar, a fantasia, a linguagem, superando parâmetros pedagógicos escolares que,

muitas vezes, não consideram as dimensões humanas. É preciso, como nos diz

Rocha (2003), levar em conta as dimensões “praxiológicas”, que articulam teoria e

prática de modo a se construir a função social das instituições de educação infantil

sem tomar como parâmetros o ensino fundamental, que é escolar.

Supondo que o trabalho do carnavalesco na escola de samba se assemelha ao

trabalho por projetos e que essa experiência pode contribuir para se pensar a

metodologia no trabalho com as crianças, sendo a problemática a educação infantil e

a escola de samba e possíveis aproximações nas formas de trabalho educativo de

ambas.

Esta problemática encontra-se focada nos projetos de trabalho como alternativa

para o currículo de educação infantil, concebendo currículo como uma construção

social, que se constitui no processo cultural, histórico e social, ou seja, é algo vivo, em

construção, que ultrapassa os limites do currículo escolar, oficial e formal e que produz

relações, identidades e subjetividades (PARK, 2003).

As perguntas que orientam a pesquisa são: ao se pensar sobre as escolas de

samba e os projetos de trabalho como formas da educação não formal, e ao pensar o

trabalho de pesquisa realizado pelo carnavalesco, este trabalho realizado nas escolas

de samba, teria algo a contribuir com os projetos de trabalho em educação infantil? O

processo de trabalho realizado na escola de samba, teria, de certa forma,

contribuições principalmente com essa forma de se trabalhar em educação infantil

através de projetos?

Gadotti (apud GORDO, 2015, p. 144), afirma a

importância da escola formal buscar novos processos educacionais com o intuito de envolver e de seduzir seus alunos, não uma sedução como técnica de manipulação, mas no sentido de encantar pela beleza, a exemplo do que vem ocorrendo com a educação não formal.

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As escolas de samba são exemplos de associação social e sua autenticidade,

está ligada ao seu histórico de formação (TURETA; ARAÚJO, 2013).

Há dados históricos que se referem às primeiras manifestações do samba,

como o Afoxé Ylê Ogum, em 1982, criada pela comunidade negra, e que já continha

aspectos lúdicos, de lazer e uma ênfase pedagógica não formal, visando construir

concepções de tradição e identidade étnica (ANTONIO, 1997).

Portanto, existe um caráter também educativo no carnaval, desde sua

concepção e concretização até sua apresentação o que justifica pensar sua

contribuição para a escola formal e as vias não escolarizadas de educação.

Há na escola de samba conhecimentos e aprendizagens que se dão na

coletividade e que, muitas vezes, não são reconhecidos como educativos ou estão

implícitos, precisando ser revelados e podendo ser referências para a educação

formal (GORDO, 2015).

Trazer à luz o processo de construção do trabalho de uma escola de samba,

no caso desta pesquisa, assim como sua tradição, valorização da comunidade, do

meio ambiente, do processo de busca do conhecimento integrado e através da

pesquisa para a educação formal, é provocar uma reflexão acerca do currículo de

educação infantil não escolar. Esta reflexão pode contribuir para a educação infantil

que trabalha com a metodologia de projetos de trabalho, provocando transformações

em suas teorias, práticas e pessoas envolvidas, como visa a perspectiva

sociocomunitária do Centro Universitário Salesiano de São Paulo-Unisal, instituição

que abarca esta pesquisa de mestrado, ou seja, provocar transformações, reflexões

em determinadas comunidades e que a levem a uma prática que vise transformação

em muitas esferas, desde a pessoal até a comunitária e a social.

Segundo Gomes (2016), a educação sóciocomunitária “investiga articulações

comunitárias, de caráter emancipatório ou instrumentalizado, que se expressam por

meio de intervenções educativas para a consecução de transformações sociais”

(p.01).

Esta pesquisa se filia a linha denominada Conhecimento e análise das

intervenções na práxis educativa sociocomunitária - CAIPE, pois visa ajudar a

construir autonomia, voz e práxis social transformadora com as comunidades, não de

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forma isolada, efêmera e que se estenda para além do grupo pesquisado, ou seja,

valorizar as contribuições histórico-pedagógicas das experiências sociocomunitárias,

oferecendo subsídios para a autonomia e transformação social de uma forma geral

(BISSOTO; MIRANDA, 2016).

O currículo de educação infantil sofre influências de vários países para

estabelecer suas diretrizes, chegando ao Brasil concepções vindas da Europa e

América do Norte, especialmente, da Itália, dos Estados Unidos, da Espanha, isto é,

internacionais, não tendo diretrizes exclusivamente nacionais ou embasadas em

experiências de outros continentes ou da própria América do Sul. Essas contribuições

são importantes como os projetos em Reggio Emília na Itália, mas suas realidades

são muitas vezes, distantes das brasileiras.

A escola de samba, sendo uma manifestação primordialmente brasileira,

poderia contribuir com o currículo da educação infantil, integrando a ela ideias

provenientes do modo como são concebidas, criadas e postas em prática essas

manifestações oriundas do brincar com a cultura e a arte a partir de um tema de

interesse que é desenvolvido fornecendo informação e aprendizagens em vários

aspectos. Às escolas cabe valorizar a história do povo brasileiro e sua cultura e suas

manifestações artísticas.

Segundo Antonio (1997) visa-se tornar os projetos de trabalho práticas não

alienantes, vazias, sem sentido, que acabam se tornando imposições artificiais de

modelos alheios as necessidades e interesses ou demandas da própria comunidade

envolvida.

Existe na história uma luta para conservar as primeiras manifestações

carnavalescas, como o entrudo, os cordões carnavalescos, o samba, em que muitos

carnavalescos e militantes procuram até hoje recuperar um significado crítico para

revalidar no espaço do carnaval, práticas coerentes com suas culturas, realidades,

políticas, etnias (ANTONIO, 1997). Desta forma, a escola e a escola de samba se

estruturam sob o tripé da educação, da cultura e da arte.

É importante entender as transformações pelas quais as escolas de samba

passaram, investigando as interações e relações que se (re) constituem no cotidiano

dos sujeitos que compõem essas organizações e, de certa forma, chegarmos a ver

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como isso poderia contribuir com os projetos de trabalho na Educação infantil, que,

de certa forma, dialogam, com características das escolas de samba.

A fim de desenvolver este percurso argumentativo, descritivo e narrativo, a

dissertação se estrutura da seguinte forma:

O capítulo I refere-se aos procedimentos metodológicos utilizados nesta

pesquisa qualitativa, bibliográfica e documental do tipo participante.

No capítulo II apresenta o referencial teórico de ancoragem, o histórico da

metodologia dos projetos de trabalho e os documentos da educação infantil que

norteiam as práticas educativas.

O Capítulo III apresenta a história das escolas de samba no Brasil, as suas

origens e transformações ao longo do tempo e as relações entre elas e a educação

não formal, dialogando com autores importantes desta abordagem do campo da

educação não formal. Este capítulo está dividido em subcapítulos que mostram a

análise dos dados construídos a partir da entrevista realizada com o carnavalesco e

presidente da escola de samba Rosa de Prata, assim, como o processo que o primeiro

realiza para a preparação do carnaval, desde a escolha do tema, as linguagens

envolvidas neste trabalho, a comunidade, tudo isso, fazendo um paralelo com os

projetos de trabalho em educação infantil na sua proposta, nos seus documentos e

com as proposições dos teóricos específicos, estabelecendo as convergências e

divergências entre o trabalho na escola de samba e os projetos na escola e possíveis

contribuições educativas e metodológicas para ambos os espaços.

Por fim, as considerações finais apresentam as contribuições da pesquisa e

que podem dar margem a prospecções do tipo interventivas educacionais e de

investigação científica.

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CAPÍTULO 1. O CALEIDOSCÓPIO GIRA E PÁRA: REVELANDO O PERCURSO

DA PESQUISA

“Cada um é porque é todos os outros. Esses

“outros” não se referem apenas a pessoas, mas

também aos lugares que habitam, à escuta de seus

processos sociais, suas tradições, enfim às vidas

que neles são vividas” (Mia COUTO apud

BARBOSA; RICHTER, 2007).

O objetivo deste capítulo é apresentar o percurso metodológico ancorando a

pesquisa em termos ontológicos, que diz respeito a natureza da realidade investigada,

no caso, a natureza social e as relações complexas construídas nos contextos cultural,

histórico, político e educacional; em termos epistemológicos, que diz respeito aos

autores que sustentam as argumentações e em termos metodológicos, que trata

especialmente dos passos construídos e escolhidos para a construção dos dados e

das análises dos mesmos.

Esta pesquisa se define como sendo qualitativa, bibliográfica e documental e

do tipo participante.

Segundo Godoy (1995), a pesquisa qualitativa permite estudar os fenômenos

que envolvem os seres humanos e suas relações sociais em diferentes ambientes,

estes fenômenos devem ser analisados posteriormente numa perspectiva integrada,

em que o pesquisador deve ir a campo com objetivo de “captar” o fenômeno em

estudo, considerando pontos de vistas relevantes e as formas de expressão e

linguagem dos sujeitos pesquisados. Este tipo de pesquisa não é rígido, permitindo a

imaginação e criatividade do pesquisador.

A pesquisa documental, segundo Santos (2010) é uma espécie de fonte de

dados muito vasta. Baseando-se em materiais que podem ser reelaborados de acordo

com os objetivos da pesquisa e integrando-se ao rol de investigações utilizadas num

mesmo estudo, permitindo organizar informações conferindo-lhe uma nova relevância

enquanto fonte de consulta.

Já a pesquisa bibliográfica, embora possa ser confundida com a documental

devido às suas características, utiliza-se principalmente das contribuições de vários

autores sobre determinado tema em estudo, porém difere-se da pesquisa documental,

pois esse é um material que ainda não recebeu tratamento analítico (SANTOS, 2010)

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e, muitas vezes, compõe-se de registros de instituições, atas, leis, referenciais e

parâmetros que orientam ou regem práticas.

A pesquisa participante, por sua vez, se desenvolve a partir da interação entre

pesquisadores e membros das situações investigadas, visando compreender numa

perspectiva interna o ponto de vista dos sujeitos e dos grupos nas situações em que

vivem. É um tipo de pesquisa flexível, que procura identificar o universo da população

pesquisada, discutindo e refletindo sobre a ideologia presente nela de forma aberta

(PRODANOV; FREITAS, 2013).

Segundo Santiago (1996), a pesquisa participante se preocupou com o papel

do investigador dentro da situação investigada e com o desencadeamento de ações

modificadoras da realidade como fruto da pesquisa, tendo como características os

princípios metodológicos da autenticidade, compromisso, antidogmatismo, feedback,

equilíbrio entre ação e reflexão e técnicas dialogais.

Na pesquisa em Educação, segundo Ludke e André (1986) os fenômenos da

realidade a ser investigada são construídos entendendo que provêm de uma

complexidade social, não permanente, não perene, fluida, dinâmica, provisória e que

são impossíveis de serem entendidos separadamente do sujeito pesquisador.

Portanto, a subjetividade é o modo de operar no conhecimento e interpretação da

realidade, aceitando, inclusive, que “todo ato de pesquisa é um ato político” (Alves

apud (LÜDKE; ANDRÉ, 1986),p. 4), não havendo neutralidade científica.

Para as autoras (1986, p.2), o conhecimento científico

[...] vem sempre e necessariamente marcado pelos sinais de seu tempo, comprometido, portanto, com sua realidade histórica e não pairando acima dela como verdade absoluta. A construção da ciência é um fenômeno social por excelência.

Sendo assim, os instrumentos ou técnicas empregadas no percurso

metodológico servem como formas de construir os dados, já que eles não se

apresentam a priori a observação e escuta, mas necessitam serem recortados de um

contexto maior, ainda que tragam consigo marcas desse.

No dizer das autoras (1986, p. 4),

Os fatos, os dados não se revelam gratuita e diretamente aos olhos do pesquisador. Nem este os enfrenta desarmado de todos os seus princípios e pressuposições. Ao contrário, é a partir da interrogação que ele faz aos

dados, baseada em tudo o que ele conhece do assunto – portanto, em toda

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a teoria acumulada a respeito, que se vai construir o conhecimento sobre o fato pesquisado.

De acordo com os procedimentos indicados, foi realizado inicialmente um

levantamento bibliográfico tanto em livros como artigos e dissertações e teses sobre

os projetos de trabalho, sobre sua história, como chegaram ao Brasil, os principais

autores que falam a respeito e a educação infantil como não escolar.

Nas fontes Scielo, de artigos acadêmicos, foram colocadas as palavras chave:

educação infantil e projetos de trabalho, em seguida, educação infantil e escolas de

samba e não foi encontrado nada a respeito.

No IBICIT, banco de dados de teses e dissertações, foram encontrados os

seguintes trabalhos com as palavras chave: educação infantil e projetos de trabalho:

“O trabalho com projetos na educação infantil”, de Moraes (2006) da Universidade

Federal de São Carlos – UFSCAR, dissertação de mestrado, que objetiva

compreender como as professoras de crianças pré-escolares concebem e

desenvolvem os projetos com suas turmas.

Outra dissertação de mestrado encontrada foi: “Projetos transdisciplinares e

vivências lúdicas: desafios, caminhos e contribuições à educação infantil”, de Brandão

(2006), da Universidade Estadual de Londrina, que considera o trabalho por projetos

e a transdisciplinaridade e, por último, foi encontrada a dissertação intitulada: “Projetos

de Trabalho na Creche UFF: articulação com a proposta pedagógica e a produção

das crianças, de Melo (2013), com o objetivo de investigar a articulação entre os

projetos de trabalho, a proposta pedagógica e a produção das crianças numa creche

do Rio de Janeiro.

Em seguida, o mesmo processo anteriormente foi feito a respeito das escolas

de samba. Uma tese de doutorado: “O carnaval é o quintal do Amanhã”, (GORDO,

2015), realizada na Universidade Estadual de Campinas – Unicamp é um bom

exemplo encontrado no IBICT, que trata dos saberes e práticas educativas presentes

na escola de Samba Bole-Bole em Belém do Pará, objetivando identificar e desvelar

esses saberes e práticas presentes nesta escola de samba.

Os documentos estudados relativos à educação infantil foram: Referencial

Curricular Nacional para educação infantil (RCNEI), na parte em que esta faz

referência à educação infantil como primeira etapa da educação básica, integrando

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cuidar, educar e brincar e na parte em que traz as linguagens da criança, como a

dança. Da Lei de Diretrizes e Bases Nacionais da Educação (LDBN), foi referendada

a educação infantil também fazendo parte da educação básica, tendo como finalidade

o desenvolvimento integral da criança e onde a educação infantil é oferecida. Das

Diretrizes Curriculares de Campinas para a Educação infantil foram feitas referências

sobre intencionalidade, diversidade cultural, concepção de currículo, e ciências

naturais (meio ambiente) e da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), foi citada a

parte que propõe como deve ser a organização curricular na educação infantil e do

Plano Nacional de Educação PNE, a porcentagem de crianças matriculadas e que

devem estar frequentando a educação infantil até 2016.

Foi considerada importantíssima uma ida a campo2, para conhecer a realidade

de uma escola de samba, assim como o trabalho do carnavalesco, que é, diga-se, o

“idealizador e construtor” do projeto de uma escola de samba.

De acordo com Gonsalves (2001 apud PIANA, 2009), na pesquisa de campo,

o pesquisador busca informações diretamente com a população pesquisada, através

de um encontro mais direto, onde ocorre o fenômeno e com o objetivo de reunir

informações a serem documentadas.

A escola de samba escolhida foi a Rosa de Prata, da cidade de Campinas-SP,

do bairro periférico Vila Castelo Branco, bairro no qual nasceu a pesquisadora, que

conhece e acompanha a realidade do bairro.

Nesta visita foram observados os seguintes aspectos: espaço físico da escola

de samba, do ateliê do carnavalesco, componentes em processo de ensaio, fantasias,

adereços, carros alegóricos.

Além disso, considerou-se importante a realização de entrevista semiaberta

com o carnavalesco3 e com o presidente da escola de samba, técnica que não é

rigidamente estruturada e deve permitir um entendimento do sentido das respostas

dos entrevistados como outro instrumento de construção de dados.

2 O documento que autoriza a entrada a campo consta dos Apêndices. 3 O termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado e consta dos Apêndices.

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Este tipo de entrevista fala de uma necessidade inicial em planejar questões

que atinjam os objetivos pretendidos na pesquisa. Segundo Piana (2009), trata-se de

um procedimento formal para obter informações por meio da fala dos atores sociais.

Barros e Lehfeld (2000 apud PIANA, 2009) afirmam que a entrevista

semiestruturada estabelece uma relação amigável com o entrevistado, buscando

dados para uma análise quantitativa selecionando os aspectos relevantes do

problema de pesquisa. Além disso, deve haver adequação da sequência de

perguntas, do roteiro e da linguagem a fim de facilitar o desenvolvimento da conversa

gravada em áudio.

Para Triviños (1987), a entrevista semiestruturada tem questões apoiadas em

teorias e hipóteses que se relacionam ao tema da pesquisa, favorecendo a descrição

dos fenômenos sociais e sua explicação e compreensão na sua totalidade.

A elaboração escrita da entrevista semiestruturada foi realizada procurando

elencar perguntas que focassem todo o processo de preparação da escola de samba

para o Carnaval e que se relacionavam aos seguintes itens: escolha do tema,

pesquisas, elaboração do samba-enredo, fantasias, integrantes, relação do tema com

a comunidade, etc, para posteriormente perceber o que esse processo poderia

contribuir com a educação infantil, aprimorando seu currículo com duas propostas

inovadoras: os projetos de trabalho, que já existem na Rede Municipal de Campinas

e as ideias da escola de samba.

Também, foram feitas perguntas gerais que objetivavam o conhecimento da

história da Rosa de Prata, seus componentes e práticas cotidianas.

Enfim, o que se objetivou foi conhecer teoricamente e na prática a escola de

samba, considerando a história e linguagens deste grupo social, bem como suas

memórias sociocomunitárias.

Fernandes e Lima (2016) dizem que as memórias sociocomunitárias são

lembranças ou esquecimentos que envolvem reconstrução e ressignificação por parte

do sujeito, ou dos grupos sociais. Seriam o desvelamento dos processos de

socialização que as camadas populares desenvolvem de forma

consciente/inconsciente, com peculiaridades próprias do momento histórico e social

de uma determinada época. Essas memórias carregam subjetividades, subjetivações,

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ficção ao tentarem ligar passado e presente. Ao fazerem isso ancoram os sujeitos em

uma historicidade e participam da construção da identidade.

Apesar das escolas de samba também possuírem um caráter formal, pois

seguem regulamentos da Prefeitura, entre outras regras públicas, o que interessava

na entrevista com o presidente da escola de samba Rosa de Prata de Campinas4,

Rafael Rosa, com o seu carnavalesco Rubens Eduardo5 e através de observações da

escola de samba, era buscar um entendimento do significado do cotidiano, ou seja,

do processo de preparação para o carnaval, principalmente no que se refere a busca

de conhecimentos para definir o enredo, a preparação de fantasias, o refletir sobre o

criar a partir de materiais, as diversas linguagens presentes neste processo, a

participação, relação e a voz desta comunidade, ou seja, esta exploração do campo

não se limitou ao período do carnaval (fevereiro) e nem ao carnaval espetáculo.

Simson (2007) define carnaval espetáculo como a tendência que se iniciou em

1930 até os dias atuais em que houve uma homogeneização das atividades festivas

e a atuação dos meios de comunicação de massa que, fazendo parte e sendo

incentivados pelo sistema capitalista acabam transformando o carnaval em

mercadoria passível de ser comercializada. Primeiramente, ele foi comercialmente

explorado pelo rádio e, em 1960, a escola de samba passou a ser encarada como

mercadoria, principalmente pela televisão, e para virar “espetáculo”, o folguedo,

passou por um total processo de enquadramento, que consistia nas imposições do

gosto da classe média branca que o oficializa através dos seus regulamentos.

A outra entrevista foi realizada com o presidente da escola de samba na própria

sede. Apesar de seguir um roteiro pré-estabelecido de questões, o encontro

flexibilizou-o abrindo-se para o diálogo e o acréscimo de novas perguntas conforme a

pesquisadora ia sentindo necessidade.

O encontro para a entrevista aconteceu na quadra da escola de samba, como

ilustram as fotos abaixo:

4 O sujeito autorizou o uso de seu nome próprio. 5 O sujeito autorizou o uso de seu nome próprio.

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Figura 1: Quadra da Escola de Samba Rosa de Prata, no bairro Vila Castelo Branco em Campinas, onde foi realizada a entrevista com a direção da escola

Fonte: Acervo da pesquisadora

Figura 2: Quadra da Escola de Samba Rosa de Prata, no bairro Vila Castelo Branco em Campinas, onde foi realizada a entrevista com a direção da escola

Fonte: Acervo da pesquisadora

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Com o presidente, a entrevista focou nas seguintes temáticas: histórico da

Rosa de Prata, as funções da diretoria da escola, o desfile, o número de participantes,

o processo de construção do enredo, a parte burocrática da escola, os seus

componentes, o que acontece no dia do desfile, a preocupação com as crianças,

velhos, pessoas tradicionais da escola, a forma de divulgação da escola, como

arrecadam recursos e os trabalhos sociocomunitários dentro dela.

Posteriormente, foi realizada a entrevista com o carnavalesco em seu próprio

ateliê, um ambiente cheio de fantasias, alegorias, cores, como ilustram as fotos

abaixo:

Figura 3: Carnavalesco em seu ateliê com fantasias e materiais dos carnavais

. Fonte: Acervo da pesquisadora

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Figura 4: Carnavalesco em seu ateliê com fantasias e materiais dos carnavais anteriores

Fonte: Acervo da pesquisadora

Com o carnavalesco os temas abordados foram: sua função como

carnavalesco, o seu histórico na escola de samba, o processo de construção do

enredo (escolha do tema, construção do samba-enredo, o processo de pesquisa, a

participação dos outros componentes durante esse processo), as linguagens de

expressão e comunicação presentes na escola de samba, os desenhos das fantasias,

a construção dos carros alegóricos, os registros que faz uso, a reciclagem de

materiais, a preocupação com o meio ambiente e o que a escola de samba pode

contribuir com a escola formal.

Assim como com o presidente, a entrevista com o carnavalesco foi

semiestruturada, podendo acrescentar novas perguntas fora do roteiro. Durou

aproximadamente duas horas e meia e a pesquisadora pôde manusear os materiais

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e fazer um registro fotográfico do local. Ambas as entrevistas foram gravadas no

celular e, posteriormente, transcritas.

Este trabalho, ao realizar a entrevista, realizou um procedimento da História

Oral.

Em uma pesquisa de História Oral, os documentos são geralmente construídos por meio de uma entrevista. Trata-se basicamente de um ato de conversação entre duas ou mais pessoas (pesquisador e entrevistado ou entrevistados). A entrevista é proposta pelo pesquisador em função dos objetivos do estudo e do tipo de narrativa que pretende obter (DEMARTINI; CAMPOS; LANG, 2010, p.42).

Segundo Cassab (s.d.), a História Oral no Brasil se expandiu nas últimas

décadas devido ao número de pesquisas sociais que aumentou e também à

disseminação do uso do gravador.

De acordo com Fernandes; Lima (2016), a História Oral é uma metodologia que

teve sua disseminação na Universidade de São Paulo, através do Centro de Estudos

Rurais e Urbanos – CERU.

Na década de 70 foi possível instrumentalizar as técnicas da História Oral,

surgindo inclusive, modelos para captação, documentação e tratamento de

entrevistas, principalmente vindos da Europa.

Mas, somente ao final da década de 80 com o desenvolvimento das pesquisas

qualitativas, reflexões, leituras e discussões, que o CERU adota a metodologia da

História Oral com foco nas histórias de vida (FERNANDES; LIMA, 2016, p. 6).

Na História Oral, o entrevistado ao responder a entrevista, vai recordando,

repensando e reavaliando a trajetória, suscitando memórias e fatos que não são

exatamente como se passaram (DEMARTINI; CAMPOS; LANG, 2010). Apesar dessa

reconstrução da memória o que é considerado verdadeiro para os sujeitos ou os

grupos sociais é que dá a definição de verdade. Trabalhar com história oral é lidar

com marcas específicas, idiossincrasias, é trabalhar com memórias e esquecimentos,

com culturas que dão sentido para algumas práticas e outras não (PARK, 2003).

Segundo Cassab ([s.d.]), na História Oral busca-se conhecer e aprofundar-se

sobre determinadas estruturas sociais e processos históricos conversando com

pessoas que focam em lembranças pessoais e na importância delas para suas vidas.

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Lang; Campos; Demartini (2010), consideram a metodologia da História Oral

extremamente rica, podendo incorporar histórias de vida e depoimentos, considerando

a complexidade de determinada realidade social.

O que foi feito neste trabalho foi coletar narrativas orais dentro da metodologia

de História Oral, essas narrativas podem assumir a forma de história oral de vida,

relatos orais de vida e depoimentos orais, sendo os últimos utilizados nesta pesquisa

em que visou-se obter informações dos entrevistados sobre sua vivência e

participação na escola de samba, instituição estudada (DEMARTINI; CAMPOS;

LANG, 2010).

Através da História oral buscam-se versões dos fatos, tendo ciência de que são

subjetivas, com lacunas espaciais e temporais, mas que oferecem uma riqueza de

signos, sentimentos, significados e emoções (CASSAB, [s.d.]).

Lang (1996 apud Cassab [s.d.]), nos fala que a História Oral traz a visão do

sujeito em relação com o seu coletivo, com sua profissão, camada social, ou seja,

envolve uma relação entre narrador e pesquisador, por isso não dá para se

estabelecer um roteiro rígido, único. Embora seja importante dar liberdade ao narrador

para falar, é necessário focar e aprofundar determinados aspectos relevantes para a

pesquisa.

Após a coleta desses relatos, foi feita uma transcrição do discurso oral para o

escrito, que se constitui em fases bem distintas, mas complementares e necessárias:

a transcrição e a textualização (GORDO, 2015).

Demartini (1992 apud Cassab [s.d.]) diz que após o pesquisador ter em mãos

memórias faladas e material escrito (transcrito), é possível então, uma visão de

conjunto e um trabalho com as memórias de forma mais dinâmica e só uma análise

minuciosa dos relatos depois de transcritos permite conhecer os detalhes, pois muitas

vezes, os elementos necessários ao entendimento de determinadas situações surgem

não só na análise do que foi dito, mas também do não dito.

A transcrição é um registro fiel da fala dos entrevistados, com objetivo de não

alterar nada na fala do sujeito, e já permite ir levantando indicadores na voz do

carnavalesco, do vice-presidente.

A textualização é a segunda etapa, na qual faz-se uma limpeza textual, corrigindo palavras ditas com erro, retirando o que está além da fala do

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narrador, mantendo o texto na íntegra, bem como as características do narrador (GORDO, 2015, p. 13).

Bardin (apud CAREGNATO; MUTTI, 2006) se refere ao surgimento da análise

de conteúdo no início do século XX, nos EUA, servindo para analisar material

jornalístico. Este tipo de análise, dentro de uma pesquisa, considera a presença ou

ausência de uma ou várias características de conteúdo num determinado fragmento

de uma mensagem, trabalha com a palavra e possibilita inferências do conteúdo da

comunicação de um texto que vem de um contexto social, de um sujeito,

principalmente a partir de expressões que se repetem. Costuma ser feita através do

método de dedução frequencial ou análise por categorias temáticas, ou seja, coloca

um segmento em classes de equivalências definidas.

O pesquisador ao fazer este tipo de análise deve ter fineza, sensibilidade para

apreender o que realmente lhe importa, seguindo, geralmente, as etapas da pré-

análise, exploração do material e por último, tratamento dos resultados e

interpretação. Entretanto, nas análises, não houve intenção de seguir o modelo de

Bardin, mas de se inspirar livremente no que ele sistematiza para ajudar no exercício

de categorização, tabulação e síntese do material.

No caso desta pesquisa a pré-análise foi feita da seguinte maneira: as

respostas foram organizadas depois de uma leitura flutuante e um exame inicial. Em

seguida, foi feita uma exploração do material, classificando as respostas que

expressavam determinadas categorias e, por último o tratamento dos resultados e

interpretação, tornando-os significativos e válidos (GODOY, 1995).

Esta última etapa, o tratamento dos resultados e interpretação, resultou num

capítulo desta dissertação criado a partir dos relatos do carnavalesco e do presidente

da Rosa de Prata, mais o auxílio de referências bibliográficas sobre o papel do

carnavalesco no processo de samba enredo que pudessem conversar e contribuir

com os projetos de trabalho em educação infantil, contribuindo com a autonomia e

reflexão, compreendendo melhor essa prática e contribuindo com este trabalho

inovador, ousado que pode provocar uma prática social, no sentido de contribuir com

o currículo de educação infantil, que se refletirá na prática.

Em seguida, foi feita uma relação entre as escolas de samba e os projetos de

trabalho, estabelecendo um diálogo também entre ambos, com o referencial teórico

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do campo da educação não formal, principalmente com as ideias de Garcia (2009),

que trata de uma educação não formal para além do assistencialismo, dizendo que a

aprendizagem se dá por meio de práticas sociais que respeitem as diferenças entre

os sujeitos; com as ideias de Simson e Park (2001 apud RAMOS, 2014) que se

referem ao caráter voluntário da educação não formal e sobre a importância em se

proporcionar elementos para a socialização e solidariedade em prol da participação

coletiva e desenvolvimento social e, por último a visão de Trilla (1996), vendo a

importância do educador em instituições, entidades, ONGS, movimentos sociais etc,

pois esta seria a ponte entre o não formal disperso e heterogêneo e sua realidade

atual e de potencialidades futuras, que serão melhor explorados posteriormente.

Acima de tudo, a pesquisa qualitativa, em educação, de qualquer tipo que se

assuma, envolve uma relação social e humana, portanto, o pesquisador deve ter ética

profissional em seu proceder.

Para as autoras Fernandes; Lima (2016), “o retorno ou a divulgação dos

resultados da pesquisa são imprescindíveis de acontecer tanto para os diretamente

envolvidos como para o público mais amplo” (p.08).

Por isso, é objetivado um feedback para a escola de samba, com o intuito de

lhe dar um parecer sobre o que foi feito com as entrevistas, a pesquisa de campo e

as contribuições que esta trouxe tanto para a educação infantil, quanto para a

academia e para a pesquisadora que se transformou após a pesquisa, passando a ter

outro olhar sobre a comunidade, sobre o processo de preparação da escola de samba

e, podendo com esta devolutiva também trazer uma contribuição para a comunidade

Rosa de Prata. No caso da educação infantil, a devolutiva pode ser na forma de

palestra para as escolas ou NAED (Núcleo de Ação Educativa Descentralizada) da

Rede Municipal de Campinas.

Por fim, foi feita uma síntese entre teoria e prática, vendo no que as escolas de

samba podem contribuir com os projetos de trabalho em educação infantil e no que

estes podem auxiliar a escola de samba.

A seguir, um quadro sinótico da síntese da metodologia deste trabalho:

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CAPÍTULO 1. O CALEIDOSCÓPIO GIRA E PÁRA:

REVELANDO O PERCURSO DA PESQUISA

PESQUISA

TRANSCRIÇÃO/

TEXTUALIZAÇÃO

/ANÁLISE DE

DADOS

FEEDBACK

PESQUISA DE

CAMPO-

ENTREVISTAS

SEMI-ABERTA;

HISTÓRIAS ORAIS

PESQUISA EM

EDUCAÇÃO

Dinâmica

Ato político – não

neutro

história

PARTICIPANTE

Dentro da

situação

investigada

DOCUMENTAL -leis

BIBLIOGRÁFICA –

recebeu

tratamento

analítico

QUALITATIVA

Seres humanos,

relações sociais

Não é rígida-

criativa

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HISTÓRIAS ORAIS (FERNANDES;LIMA,2016)

METODOLOGIA

INTERAÇÃO PESQUISADOR E PESQUISADO

RECONSTRUIR

RESSIGNIFICAR

FATOS-REALIDADE SOCIOCULTURAIS

O QUE É VERDADEIRO DÁ A DEFINIÇÃO DE

VERDADE

MEMÓRIAS E ESQUECIMENTOS

SUBJETIVAS

RIQUEZA DE SIGNOS, SENTIMENTOS

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CAPÍTULO 2. OS PROJETOS DE TRABALHO: A LUZ NA PASSARELA DA

EDUCAÇÃO INFANTIL

O objetivo deste capítulo é apresentar o referencial teórico referente a produção

sobre a metodologia dos projetos de trabalho bem como as defesas pela educação

infantil não escolarizada.

Ao se buscarem os artigos indexados na base de dados do Scielo, usando

como palavras-chave: educação infantil e projetos de trabalho; educação infantil e

escolas de samba nada constou.

Ao se proceder da mesma forma na base da Capes BCTD, o que se encontra

em termos de dissertações e teses é: O trabalho com projetos na educação infantil”,

de 2006, da Universidade Federal de São Carlos – Ufscar; “Projetos transdisciplinares

e vivências lúdicas: desafios, caminhos e contribuições à educação infantil”, de 2006,

da Universidade Estadual de Londrina; “Projetos de Trabalho na Creche UFF:

articulação, com a proposta pedagógica e a produção das crianças (2013).

No levantamento bibliográfico de autores que tratam conceitualmente dos

projetos de trabalho bem como os que propõem a construção de uma identidade

própria da educação infantil, no sentido de não ser escolarizada, encontramos,

Romaguera e Fernandes (2015), Hernández (1998), Kuhlmann (1981), Rocha (2003),

Faria, (s/d), entre outros.

Segundo Kuhlmann (1981 apud MORAES, 2006, p. 13), a história da Educação

infantil está vinculada ao tempo e à sociedade da qual fazem parte, assim como a

concepção de criança também foi mudando ao longo do tempo, mostrando que é uma

noção historicamente construída

Ariés (1981 apud MORAES, 2006, p. 13) diz que só a partir do século XV a

educação das crianças deixou de ser feita pelo clérigo e os pais se aproximaram mais

dos filhos, mas só no século XX, com a mulher no mercado de trabalho é que surgem

as creches assistencialistas no Brasil.

Mello (2001 apud MORAES, 2006) afirma que apesar das poucas pesquisas6

em Educação infantil, esta vem sendo focalizada e percebe-se a importância de refletir

sobre os seus problemas, desde a estrutura física à formação dos professores,

6 Já existem mais pesquisas sobre educação infantil.

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principalmente refletindo sobre as intencionalidades das ações que ocorrem neste

período tão importante da criança.

Com a implantação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96 e as

creches e pré-escolas fazendo parte da educação básica, há a necessidade de

superar desafios, dar sentido a esta fase, que não deve ser uma etapa de preparação

para o ensino fundamental, mas deve ter práticas e propostas educativas que

atendam às necessidades das crianças, construindo uma identidade própria, não em

função do ensino fundamental, sendo, assim, uma via não formal de educação.

Segundo a Lei 12.796, de 2013, que faz um adendo na LDB, a Educação Infantil

deve ter como finalidade o desenvolvimento integral da criança, sendo oferecida em

creches, ou entidades equivalentes, como centros de educação infantil, para crianças

de até 3 anos de idade ou pré-escolas, para crianças de 4 a 5 anos e, tem-se como

meta do Plano Nacional de Educação (PNE), que até 2016, 100% das crianças a partir

dos 4 anos estejam matriculadas e frequentando a educação infantil.

Diante dessa mudança na sociedade, inclusive, em forma de leis, cabe à

sociedade e ao Estado cuidar e educar a infância. Faz-se necessária uma política de

educação infantil e um projeto político pedagógico, que superem as visões

educacionais higienistas, moralizadoras e preparatórias para o futuro (ROCHA, 2003).

A Base Nacional Curricular Comum (BNCC), de 2016, propõe para a educação

infantil, uma organização curricular a partir de cinco aspectos:

Princípios da educação infantil;

Cuidar e educar;

Interações e brincadeiras;

Centralidade das crianças;

Seleção de práticas, saberes e conhecimentos:

As propostas curriculares, em seus discursos e na sua operacionalização, também constituem as subjetividades de crianças e de adultos, pois a formação pessoal e social não estão dissociadas da formação do mundo físico, natural e social (DCNEI, Art. 8º e 9º Base Nacional Comum. Proposta preliminar. Segunda versão revista, 2016, p. 58).

Para isso, muitos desafios devem ser superados, dando sentido a esta etapa,

com práticas e propostas educativas que sejam motivadoras, ousadas, atuais e que

atendam às necessidades das crianças, não escolares. Essa identidade da educação

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infantil ainda está em construção e disso derivará a noção de currículo e as

metodologias empregadas, inclusive.

Rocha (2003) defende a ideia de que as instituições de educação infantil não

são escolares, porque têm marcadores diferenciados do ensino fundamental, por

exemplo, na educação infantil, o sujeito é a criança, a base são as relações

educativas, o espaço coletivo é lugar de convívio, a experiência é o campo de

formação, a criança é sujeito brincante, ou seja, são características próprias da

educação infantil. Ao contrário, no ensino fundamental, o sujeito é o aluno, a base é o

ensino dividido por áreas de conhecimento, a aula com foco nos conteúdos que são

organizados hierarquicamente e sequencialmente.

Os projetos de trabalho são uma alternativa que levam em consideração a

ausência de receitas e modelos, cada um é ímpar, já que não dá para copiar um

projeto já realizado, pois nesta etapa, as crianças são diferentes umas das outras e

se encontram em realidades diversas, além disso, o trabalho deve ser reflexivo, com

objetivos e sentidos claros tanto para os professores como para as crianças.

Segundo o RCNEI (Referencial curricular nacional para a educação infantil,

1998), a educação infantil é a primeira etapa da educação básica, visando integrar

atividades educativas, cuidados e brincadeiras. Este documento traz metas de

qualidade para que as crianças tenham um desenvolvimento integral de suas

identidades, respeitando seus direitos à infância e tendo um objetivo socializador em

ambientes eu acessem e ampliem conhecimentos de suas realidades social e cultural.

O documento anterior traz o seguinte sobre os projetos de trabalho:

A realização de um projeto depende de várias etapas de trabalho que devem ser planejadas e negociadas com as crianças para que elas possam se engajar e acompanhar o percurso até o produto final. O que se deseja alcançar justifica as etapas de elaboração. O levantamento dos conhecimentos prévios das crianças sobre o assunto em pauta deve se constituir no primeiro passo. A socialização do que o grupo já sabe e o levantamento do que desejam saber, isto é, as dúvidas que possuem, pode se constituir na outra etapa. Onde procurar as informações pode ser uma decisão compartilhada com crianças, familiares e demais funcionários da instituição. Várias fontes de informações poderão ser usadas, como livros, enciclopédias, trechos de filmes, análise de imagens, entrevistas com as mais diferentes pessoas, visitas a recursos da comunidade etc. O registro dos conhecimentos que vão sendo construídos pelas crianças deve permear todo o trabalho, podendo incluir relatos escritos, fitas gravadas, fotos, produção das crianças, desenhos etc. Os projetos contêm sequencias de atividades e pode-se utilizar atividades permanentes já em curso (Referencial curricular nacional para a educação infantil, 1998 p. 58).

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Existem poucas publicações sobre os projetos desenvolvidos em educação

infantil que são apresentadas a seguir.

Fernando Hernández, professor espanhol, estava preocupado com uma

aprendizagem significativa dos alunos, por isso, propôs juntamente com os demais

educadores da Escola Pompeu Fabra, na Espanha, um currículo que fosse

organizado por temas, em que os alunos, principalmente do Ensino Médio, pudessem

se interessar, pesquisar, organizar o processo de busca pelo conhecimento e articulá-

lo a outros (HERNANDEZ, 2007).

De acordo com a ideia de Hernández sobre projetos, há uma necessidade de

o conhecimento ser integrado, globalizado e relacional, como um “caleidoscópio”, no

dizer dele mesmo. Nesta metodologia os alunos levantam temas de seu interesse,

questões sobre o tema, registram o conhecimento por meio de diferentes linguagens,

enfim, eles podem ser participantes, construtores de conhecimento e acima de tudo,

podem dialogar com o/a professor/a estratégias de como ir em busca do

conhecimento, e mais ainda, este pode ser socializado com toda a escola e até com

a comunidade, ou seja, podem ser alunos cidadãos, participantes e estender isto para

fora dos muros da escola (HERNÁNDEZ; VENTURA, 1998).

Os projetos de trabalho, assim denominados pelos autores anteriores, referem-

se a projeto, termo utilizado muito por arquitetos e designers, e que dá a ideia de algo

em que se pretende trabalhar, não de forma estanque, mas em diálogo com novas

ideias, aprendendo a abrir-se para o novo e para a relação com o outro, daí o termo

seguinte trabalho, que implica ação sobre si, sobre o mundo físico e social visando

uma transformação.

A metodologia de trabalho por projetos, não é tão recente, e mostra ao longo

da história que teve influência de Dewey, filósofo americano, referência na abordagem

da Escola Nova, um movimento educacional que fez críticas à escola tradicional

escolarizada, às concepções de criança entendida como sujeito passivo e tabula rasa,

às noções de aprendizagem e de ensino (BARBOSA; HORN, 2008).

(...) os escolanovistas procuraram criar formas de organização do ensino que tivessem características como a globalização dos conhecimentos, o atendimento aos interesses e necessidades dos alunos, a sua participação no processo de aprendizagem, uma nova didática e a reestruturação da escola e da sala de aula. Nessas experiências, vamos encontrar várias estratégias para a organização do ensino, como os centros de interesse, os projetos e as unidades didáticas (BARBOSA; HORN, 2008).

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Para Hernandéz e Ventura (1998) a organização de um trabalho por projetos

deve-se pautar pelo seguinte roteiro definido por etapas de elaboração, realização e

avaliação e deve ter 10 páginas previamente definidas:

1. Definição do tema multidisciplinar;

2. Definição dos objetivos gerais;

3. Definição dos objetivos específicos;

4. O Projeto e a proposta pedagógica da escola;

5. Justificativa (por que é importante e quem se beneficiará);

6. Metodologia (devendo ser colaborativa, integrativa, multidisciplinar, abrangente,

desenvolvimento de habilidades e competências, tempos e espaços escolares);

7. Atividades (o quê, com que fim, como, quando, onde, quem, com o quê);

8. Acompanhamento, avaliação e disseminação;

9. Definição do título do projeto;

10. Finalização.

Esta proposta inicial por projetos foi se desenvolvendo, se reinventando, se

reconstruindo e, hoje, aparece reescrita por outros autores na relação direta ou não

com Hernández.

Na educação infantil, podemos tomar como exemplo, a experiência

desenvolvida no distrito de Sousas - SP, que é área de proteção ambiental, e que

relacionou arte, memória e meio-ambiente, aproximando a comunidade ao redor do

Centro de Educação infantil (CEI). O trabalho por projetos foi sendo construído pouco

a pouco, de forma flexível e aberta, de modo a incorporar as situações, momentos,

desejos, necessidades e interesses de todos os envolvidos. Sendo assim, nessa

experiência foram descobertas e pesquisadas a fauna e flora, animais da fazenda,

flores e insetos de jardim, pequenos artistas que aprenderam com os saberes dos

artistas locais, visitando, inclusive, seus ateliês (PARK et al., 2005).

Em Campinas-SP, algumas educadoras e pesquisadoras chegaram ao

trabalho por projetos através de uma busca por algo novo e estimulante na educação,

que partisse do que a criança já sabe para direcioná-la a outras experiências, sem

fragmentar o conhecimento e com a colaboração mútua (FERNANDES;

ROMAGUERA, 2015). Neste caso, o trabalho por projetos foi a metodologia assumida

desde a educação infantil até o ensino fundamental II nessa escola

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No modo de entender dessas educadoras, o trabalho por projetos implica:

(...) uma grande transformação do tempo e espaço, na revisão do currículo e, principalmente, na revisão da postura do professor (FERNANDES; ROMAGUERA, 2015).

O trabalho com projetos na educação infantil é uma proposta metodológica que

se coaduna com a ideia dessa etapa de formação ter uma identidade própria, não se

definindo como antecipação da escola, ou seja, não a vê como escolarizante ou

preparatória para o ensino fundamental, mas vê a criança no aqui-agora, no tempo

real e presente com suas especificidades; num devir ao invés de um porvir. O devir é

a potência do que é agora, mas em acontecimento. O porvir é a espera por algo que

se localiza num futuro, é um vir a ser.

Abramowicz (2015), explica bem o que seria esta infância num devir. Como

realizou sua pesquisa de doutorado em uma comunidade indígena, percebeu que a

infância atravessa a sociedade indígena em que adulto e criança apresentam

singularidades e produzem juntos uma experiência da infância. Para a autora,

(...) a experiência da infância não está vinculada unicamente à idade, à cronologia, a uma etapa psicológica ou a uma temporalidade cumulativa e gradativa, já que ligada ao acontecimento; vincula-se à arte, à inventividade, ao intempestivo, ao ocasional, vinculando-se, portanto, a uma des-idade (ABRAMOWICZ, 2015, p. 1).

É preciso recuperar a dimensão estética do que a criança percebe, sente e

pensa. Hoje o interesse da Sociologia da Infância é ver a criança como um devir, com

uma singularidade própria que se concretiza num tempo e num espaço determinado.

Portanto, ainda que uma estrutura social atravesse as sociedades e em todas as

épocas históricas, por exemplo, as crianças da década de 30 desfrutaram de uma

infância reconhecidamente diferenciada das do século XX (ABRAMOWICZ, 2015).

Assim, para Abramowicz (2015), a infância está ligada ao acontecimento, à

criação. Um tempo que não se submete ao imposto pelo poder e pelo capital. Portanto,

para a autora, o trabalho com crianças deve incentivar o devir (es), ou seja, propiciar

a elas momentos de diferenciação, de experimentação, produzindo aquilo para o que

não se tem ideia do que seja.

Indo ao encontro das ideias sobre a infância vista por Abramowicz (2015), os

projetos de trabalho propiciam à criança estar presente, criar, se expressar, ser, como

referido anteriormente, e baseiam-se não em um currículo definido a priori, mas em

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temas de interesse dos grupos, fazendo uso de diferentes linguagens artísticas,

possibilitando o aprender a fazer, fazendo as crianças sentirem-se produtoras de

cultura.

Os projetos de trabalho sendo uma atividade intencional em que se rascunham

planos de intenções e objetivos que podem ser retraçados sobre o que alcançar,

envolvem uma complexidade de atividades interligadas a fim de constituírem sentidos,

bem como a resolução de problemas, conclusões e avaliação processual. Entretanto,

o modo de fazer isso acontecer pode ser mais ou menos flexível, ou seja, entendido

como um rascunho ou um plano de intenções, aberto ao acaso e ao imprevisto, como

diz Russo (2008) ou um rascunho a ser passado a limpo, buscando-se seguir à risca

o pré-planejado, em uma estrutura ou “grade” fechada.

Nesta forma de se trabalhar, os registros são de grande relevância,

principalmente ao longo do percurso do trabalho. Os registros podem ser através de

diferentes tipos de linguagem: escrita, pictórica, fotográfica, videográfica, entre outros.

Fernandes e Garcia (2006), pois eles são tanto a memória como a história do grupo e

permitem a recuperação de parte do vivido bem como certa retrospectiva.

Os projetos de trabalho são uma inovadora forma de lidar com o conhecimento,

permitindo a valorização dos conhecimentos prévios das crianças, a pesquisa, a

articulação entre as informações, as estratégias de organização e trato dos assuntos,

a escolha de metodologias singulares e a forma, também, singular de lidar com os

resultados ou produtos construídos, ou ainda as formas de encerrar, divulgar e avaliar

esses projetos. Assim, cada projeto é único e tem a autoria do seu grupo (BARBOSA;

HORN, 2008).

Além disso, permitem trabalhar com pontos muito atuais: a importância de

religar os saberes, compartilhar conhecimentos e a inexistência de uma verdade

única, “pois conhecer é estabelecer um diálogo com a incerteza” (BARBOSA; HORN,

2008).

De acordo com Fernandes e Garcia (2006), os projetos de trabalho

representam uma proposta metodológica tanto para a educação formal quanto para a

educação não formal, apostando que melhor se adeque à educação não formal,

incluindo-se assim a educação infantil, entendida como não escolar ou como via não

formal.

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As autoras propõem um roteiro para embasar a construção dos projetos de

trabalho, bem como para ajudar na redação do trabalho já desenvolvido, ou seja,

quando ele finda e não apenas no seu rascunho intencional.

Segundo elas, o roteiro deve conter:

1. Título e Apresentação: uma apresentação contextualizada faz-se importante no

sentido de: a) introduzir e localizar quem e de onde se fala, revelando seus aspectos

sociais, os aspectos culturais e os aspectos educativos; b) qual é o público envolvido

(faixa etária, gênero, etnia, grupo social etc); c) qual a razão da escolha do foco do

projeto de trabalho; d) o porquê do interesse em trabalhar conjuntamente com outras

instituições/mídias (museus, hospitais, rádio, jornal etc).

2. Área temática/Tema: ponto de partida ou pontos deflagradores: partindo-se de um

levantamento de tema/as, área/as do conhecimento (Memória, História, Cultura,

Arquitetura, Patrimônio material e imaterial, Meio Ambiente, Artes etc) ou um “objeto

disparador” carregado de simbologia que possibilite discussões filosóficas, estéticas,

éticas etc. (escolhido pelo grupo).

3. Objetivos: o que se pretende alcançar? Levantamento de questões ou hipóteses

norteadoras do trabalho;

4. Justificativa: por que se quer desenvolver tal/tais assunto/os ou tema/as? Qual a

relação disso com os objetivos propostos? Qual a relação com o trabalho

desenvolvido com/pelo grupo?

a) Desenvolvimento e Estratégias: passos conceituais, eixos de pensamento e ações

que serão utilizados para o encaminhamento das discussões e das atividades,

visando alcançar os objetivos propostos; como o trabalho será encaminhado?

Levantamento de referências bibliográficas, e demais fontes para embasar ou

complementar o trabalho (quando isto for possível).

6. Cronograma: distribuição dos temas ou “conteúdos” do item “Desenvolvimento e

Estratégias” ou assuntos a serem trabalhados ao longo de um tempo previamente

programado;

7. Resultados previstos/esperados/possíveis: produções individuais e coletivas a

serem feitas: escritas: textos, relatos, depoimentos, livros, catálogos; imagéticas:

desenho, fotografia, vídeos, exposições, construções, sonoras: gravações de vozes,

sons, de depoimentos orais etc. Além de produtos tangíveis, pode-se incluir os

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intangíveis como: ampliação de repertório, produção de cultura, interferências e

mudanças de olhares etc;

8. Formas de registro: formas de registro do processo por parte do educador: dossiê

que congrega o que foi feito e mostra os caminhos encontrados e/ou diários/relatórios

com anotações passo a passo, incluindo observações sobre o grupo, ou outra forma

de preferência do educador, apontando inclusive o que se modificou a partir da

proposta de desenvolvimento inicial;

9. Avaliação: definição dos modos e critérios de avaliação do processo percorrido:

portfólios que armazenam e são suportes da memória do trabalho, contendo as

produções mais significativas, que envolvam escrita, desenho, pintura, colagem,

fotografia etc. e/ou uso de instrumentos de avaliação especialmente desenvolvidos

para avaliar o processo, como questionários, entrevistas etc.

Tanto no campo da educação formal quanto no da não formal, para as autoras,

é preciso lembrar “que a palavra projeto indica algo em constante construção ou

caminho em que se basear, mas sujeito a imprevistos, a novidades, a transformações”

(FERNANDES; GARCIA, 2006 p. 76).

A educação não formal passou a ser sugerida como um programa educacional,

nos anos 1960, nos Estados Unidos e nos anos 1970, no Brasil, a partir de uma

constatação de crise das escolas, pela dificuldade de atender a toda a demanda

advinda da diversidade de alunos a fim de ensinar o que é tido como necessário pelo

currículo, sendo assim, a sociedade, ao perceber seus problemas, passa a enxergar

e valorizar outras diferentes práticas educativas que já existiam antes do surgimento

da escola. Uma sociedade que já não é mais a mesma (com estruturas diferenciadas

de relações familiares e de trabalho, com a influência da TV e da internet, entre outros,

multicultural e multiétnica) começa, de certa forma, a entender a educação não formal

como mais um rol de opções educativas distribuídas pela cidade, de forma

institucionalizada e não (TRILLA apud FERNANDES; GARCIA, 2006), podendo

acontecer em qualquer tempo e espaço e com metodologias variadas, sem a

preocupação de fazer o que é papel da escola, e nem complementando-a ou

suplementando-a, mas criando seus próprios modos em relação ao seus projetos de

formação de sujeitos para projetos societários.

Em Reggio Emilia, na Itália, a educação infantil também lança mão dos projetos

de trabalho com sucesso, como mostram os materiais produzidos e as produções

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acadêmicas que focam esse universo. Lá, as crianças participam elaborando projetos,

escolhendo o que será realizado, discutindo e refletindo de forma ativa e participante.

O professor participa desta discussão e deve estudar os conceitos envolvidos no

projeto, dando espaço para as crianças expressarem-se e aprenderem diferentes

linguagens: pintura, música, jogos, brincadeiras etc (MORAES, 2006).

Apesar da rica e inegável contribuição das escolas de Reggio Emilia às teorias

e práticas da educação infantil, ainda se nota que a realidade delas é bem distante e

diferente da do Brasil, principalmente em relação à qualidade das condições materiais

e profissionais.

Como vemos, nos projetos de trabalho, o foco é a criança e também como ela

se relaciona com sua família, outras crianças, professores, sendo alguém que

experimenta e sente o mundo, um ser competente, ativo e crítico, que cria cultura,

entendida, principalmente, como cultura da infância (MORAES, 2006).

A seguir, veremos como os projetos de trabalho se relacionam com a forma de

trabalho das escolas de samba dentro do campo da educação não formal.

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CAPÍTULO 3. AS ESCOLAS DE SAMBA, O CARNAVAL E A EDUCAÇÃO

INFANTIL: COMO OS PROJETOS APROXIMAM ESSES LUGARES NA AVENIDA

DA VIDA

Neste capítulo são feitas relações entre a escola de samba e o carnaval e a

educação infantil, principalmente, focando o papel do carnavalesco, da educação, da

arte e da cultura, nas convergências e divergências com o papel do educador infantil.

Além disso, apresenta-se o processo de pesquisa e preparação do enredo e do desfile

na proximidade com o processo de construção de um projeto de trabalho desenvolvido

na instituição de educação da infância, principalmente, no que se refere a escolha do

tema, linguagens artísticas variadas envolvidas, importância do coletivo, da

comunidade, do relacionar conhecimentos, do preocupar-se com questões atuais,

ambientais e sociais.

3.1. HISTÓRICO DO CARNAVAL NO BRASIL:

O carnaval existe como uma manifestação cultural baseada no arcabouço ou

no repertório simbólico de determinados grupos e é estudado por muitos autores como

Bakhtin, da Matta, Simson entre outros, e representa um momento muito importante

para o ser humano de parada do trabalho, liberdade e expressão corporal (GORDO,

2015).

O desenvolvimento do carnaval no Brasil, segundo Simson (2007),

acompanhou a transformação geral da sociedade brasileira para um contexto

capitalista consumista e concentrador de riquezas.

O livro “Carnaval em Branco e Negro”, Simson (2007), conta através da divisão

em três períodos históricos, o processo de construção do carnaval brasileiro. É um

livro encantador, resultado de profundas pesquisas e recuperação de memórias

coletivas e de grupos sociais envolvidos neste processo criativo e nessa manifestação

cultural.

O primeiro período sobre a história do Carnaval no Brasil ao qual Simson (2007)

se refere vai do Brasil colônia até meados do século XIX, em que embora todas as

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classes econômicas participassem dos festejos religiosos, na hora do desfile cada

classe tinha seu lugar e seu papel definido conforme a classe social que pertencia.

O entrudo, trazido pelos portugueses no final do século XVII, foi uma prática

duradoura, mas combatida pelas classes mais abastadas da sociedade como forma

de brincar o carnaval, já que era considerada uma ação que consistia em jogar líquidos

das mais variadas procedências uns nos outros (CABRAL, 2011).

Simson (2007) traz no texto que apesar de reprimirem, muitas vezes, as

camadas mais abastadas da sociedade participavam e se divertiam com o entrudo,

ainda que fazendo uso dos negros no serviço de segurar bandejas com água para

irem enchendo e satisfazendo seus prazeres e diversão.

O segundo período, de 1870 a 1930, com a produção cafeeira atingindo o Oeste

Paulista, há uma tendência em separar e diferenciar as diferentes camadas sociais,

mudando inclusive, a forma de cada uma comemorar as festividades.

As camadas mais abastadas seguiam os padrões europeus de divertimento,

indo em bailes de máscaras e participando de desfiles luxuosos. Já as camadas

populares eram espectadoras dos préstitos burgueses e elas criaram os zé-pereiras

(foliões que percorriam ruas com enormes tambores), os ranchos, os blocos e os

cordões carnavalescos, separando assim, o carnaval numa comemoração dos menos

favorecidos economicamente nas ruas e das elites em clubes e ranchos (GORDO,

2015).

Os ranchos mais importantes surgiram no Rio de Janeiro, no final da década

de 1870, criados pelas camadas populares sob a liderança de migrantes baianos que

desfilavam a pé (SIMSON, 2007).

Simson (apud GORDO, 2015) afirma que a organização conquistada e os

elementos adquiridos pelos ranchos, que eram consideradas práticas carnavalescas

“mais civilizadas”, deram origem às escolas de samba, uma maneira das classes mais

populares dos subúrbios brincarem na década de 30.

O Rancho Deixa Falar, foi a primeira escola de samba do Brasil, culminando

com o crescimento da cidade do Rio de Janeiro, sendo reduto de grandes

compositores de samba, como Noel Rosa, que traziam consigo o uso do surdo e da

cuíca como novidades instrumentais. Nesta escola já tinha a ala das baianas, abertura

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no desfile, grandes alegorias e a presença do técnico, que logo depois, passou a ser

chamado cenógrafo, artista e por último carnavalesco (CABRAL, 2011).

O termo escola de samba surgiu em vista da escola de samba Deixa Falar

localizar-se próximo à escola Normal que funcionava no bairro Estácio no Rio de

Janeiro, e também devido aos compositores famosos serem chamados de

professores (CABRAL, 2011). O termo escola não parece ter sido acidental, mas

significava o prestígio que a Deixa Falar possuía, mostrando que era respeitada, um

modelo a ser seguido, sendo que poderia “ensinar” como uma escola formal.

A segunda escola de samba criada foi a Estação Primeira de Mangueira, em

1929, trazendo a participação de crianças e uma comissão julgadora que entendia de

literatura, poesia e música, ou seja, de linguagens expressivas e comunicativas

artísticas.

As escolas de samba tiveram e têm ainda hoje grande prestígio no Rio de

Janeiro, e foram disseminadas graças ao papel da mídia: jornais e rádios e da própria

Prefeitura, que regulamentou essa prática, institucionalizando-a e deixando para trás

muitas práticas de ruas importantes e espontâneas.

Os parágrafos anteriores, já trazem o terceiro período da construção nacional

do carnaval, de 1930 até a atualidade, em que a influência dos meios de comunicação

(rádio, televisão, jornais impressos) nestas festividades favorecem a comercialização

do carnaval visto como mercadoria lucrativa (SIMSON, 2007).

Na década de 30 também surge o samba nos morros cariocas para onde iam

os compositores e cantores profissionais da classe média para procurar os sambistas

e comprar seus sambas. Mas, para isso, os folguedos precisavam urgentemente

seguir padrões, serem oficializados, terem regulamentos para serem enquadrados

aos padrões das classes médias e altas (SIMSON, 2007).

Outra forma de divulgar o “espetáculo”, como as escolas de samba eram vistas

neste período, foi através dos desfiles que eram transmitidos na TV, que atraíam

turistas, inclusive norte-americanos, passando a ser uma atividade rentável

economicamente, exigindo assim, que as agremiações investissem mais na

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competição, e para arrecadar dinheiro, era muito comum o envolvimento dos

presidentes das escolas com o jogo do bicho7 (GORDO, 2015).

Assim, se nota a dominação das classes mais abastadas sobre as classes

populares, impondo suas criações e apropriando-se das manifestações culturais do

povo.

Embora a escola de samba use o nome de escola – que se remete ao campo

da educação formal – é uma manifestação cultural e artística que se localiza no campo

da educação não formal, como se defende aqui e também, é defendido o carnaval das

camadas populares e não o carnaval visto como espetáculo, como foi citado

anteriormente visto como mercadoria desde a década de 30 até hoje.

Propõe-se um olhar cultural para a escola de samba já que esta pode ser

considerada formadora de uma identidade brasileira, que mistura traços culturais de

origem europeia, africana e indígena (SOUZA, 2007), que valoriza a comunidade e o

processo que envolve a organização e preparação para um desfile acontecer, focando

o processo de pesquisa, as interações, as artes envolvidas e a escola de samba como

manifestação no campo da educação não formal.

Considera-se importante retraçar o histórico do processo de construção do

Carnaval em São Paulo, antes de apresentar o local da pesquisa e os sujeitos

investigados.

3.2. HISTÓRICO DO CARNAVAL EM SÃO PAULO

Simson (2007) traz a história do carnaval em São Paulo focando os bairros que

tiveram destaque em relação a esta manifestação cultural. No Brás, havia a presença

de pessoas de origem italiana e espanhola, além de uma classe média que convivia

com o proletariado, que buscavam se divertir e ter momentos de lazer diante de tanto

trabalho.

As primeiras manifestações de folguedos carnavalescos foram retratadas no

7 O jogo do bicho é uma bolsa ilegal de apostas em números que representam animais. Foi inventado em 1892 pelo barão João Batista Viana Drummond, no Rio de Janeiro, Brasil (disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Jogo_do_bicho. Acesso em: 31/08/2016).

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jornal Correio Paulistano. Em 1910, o Brás desenvolvia a importante folia de Momo8,

da qual participavam pessoas inclusive dos bairros próximos.

Durante a I Guerra Mundial, os festejos de rua não tinham grande importância

e aconteciam mais as folias dos salões, sendo que o folguedo mais importante do

bairro vinha na forma de um desfile de automóveis em que participavam crianças,

jovens e pessoas idosas. Era nítida uma participação familiar nesses folguedos,

todos brincando com respeito e sem qualquer tipo de restrição de classe ou etnia.

O que diferenciava a classe econômica eram as fantasias, mas mesmo assim

representavam as diferentes etnias:

Aqueles mais bem situados economicamente desfilavam no corso em carros e portavam as fantasias mais luxuosas, mas menos imaginativas. As mulheres geralmente vestiam roupas que indicavam sua origem étnica ou que representavam outras etnias: camponesa, italiana, espanhola, portuguesa, japonesa, cigana ou as famosas colombina e jardineira. Os homens usavam roupas típicas do país de origem, como a bersaglieri, ou então fantasias de dominó, pierrô e arlequim, então em grande voga (SIMSON, 2007, p.43).

Mas, se analisando mais cuidadosamente seria possível identificar ainda mais

as diferenças de classe presentes no carnaval de São Paulo, havendo espaços bem

delimitados para que cada grupo social e étnico brincasse entre si, mas separado uns

dos outros.

Outro bairro de destaque no carnaval paulista é a Lapa. Devido ao surto

populacional na última década do século XIX, havia os subúrbios circundados pelo

campo e separados da cidade, em função disso houve uma crise no abastecimento

de água, além disso, muitas fábricas começaram a se instalar, favorecidas pelas

ferrovias que passavam próximo. Além disso, o bairro estava assumindo um caráter

predominantemente comercial e as atividades das pessoas resumiam-se a trabalho e

estudo. Então, as famílias lapeanas começaram a se reunir em clubes, a fazer serões,

serenatas, bailinhos, festas juninas. "Porém, a grande ocasião de divertimento para

todo o bairro parece ter sido mesmo o período carnavalesco..." (SIMSON, 2010, p.56).

8 “O Rei Momo é considerado o dono do Carnaval, quem comanda a folia. Possuindo uma personalidade zombeteira, delirante e sarcástica. Vindo da mitologia grega, é filho do sono e da noite, sendo expulso do Olimpo porque tinha como diversão ridicularizar as outras divindades. Foi escolhido para decidir qual Deus, entre Zeus, Atena e Poseidon poderia fazer algo bom. Mas botou defeito em todas as criações” (disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Carnaval_do_Brasil. Acesso em: 31/08/2016).

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O carnaval neste bairro, segundo a autora anteriormente, resumia-se aos

festejos de Momo, cuidadosamente planejados, com carros construídos para o desfile,

e onde iniciou- se o "livro de ouro", que era uma alternativa para arrecadar verbas

para confeccionar fantasias e comprar instrumentos, o qual era levado pelo tesoureiro

do clube carnavalesco lapeano às casas de famílias frequentadoras, que se sentiam

ofendidas caso não pudessem contribuir financeiramente.

Em 1962, após algumas crises no carnaval da Lapa, este, incentivado pela

mídia e lojistas, teve seu desfile transmitido pela TV Paulista, entrando no esquema

do "carnaval espetáculo".

Já o carnaval da Água Branca, outro bairro de São Paulo, dá destaque para o

desfile de rua; sendo que estes se iniciaram em 1927, quando jovens montaram o

bloco carnavalesco Moderado, saindo com roupas velhas e rasgadas, com carros

alegóricos, representando a transformação deste bloco num rancho carnavalesco. O

rancho era uma associação ou agremiação carnavalesca apresentada por um cortejo

contendo rei e rainha, porta-estandarte e mestre sala, adaptados, posteriormente, nas

escolas de samba.

Este bloco que se transformou em rancho, além de representar um carnaval

popular conseguiu reunir muitos profissionais na construção de carros alegóricos:

chapeleiros, desenhistas, ferroviários, carpinteiros, ceramistas entre outros,

preocupando-se com o sigilo dos carros e do desfile geravam muitas expectativas,

ainda mais com o marketing que o Moderado realizava, tentando vender antes do

carnaval uma imagem favorável às mídias da época. Porém, o bloco acabou se

desfazendo por várias razões, culminando com as festas carnavalescas assumindo

um caráter puramente empresarial, perdendo suas características de festas familiares.

Já o histórico do carnaval na cidade de Campinas-SP, cidade que abriga a

escola de samba focalizada nesta pesquisa teve como marco a festa de Bom Jesus

de Pirapora que terminava em romaria e onde existiam competições entre o grupo

carnavalesco da Barra Funda – o Camisa Verde e outros localizados em Campinas e

Itu, sendo que a briga maior do Mancha Verde era com Campinas. O Mancha Verde,

como cordão carnavalesco da época, além do desfile, realizava um teatro e outras

opções de lazer e a encenação percorria várias cidades, incluindo Campinas.

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Duarte (apud Souza, 2007), descreve algumas manifestações culturais

ocorridas em Campinas no século XIX, como o samba (remetendo aos instrumentos

tamborins, zabumba, pandeiros, sons fortes e vibrantes) e o cateretê (um ritmo mais

sapateado e com presença da viola), que eram realizados, principalmente, no meio

rural. Também ocorria a “pagodeira”, que consistia na reunião em torno do canto e das

danças do samba e do cateretê, em que o mote da disputa girava em torno da dança

com uma negra.

Essas manifestações de origem africana consistiam em disputas a partir da

capacidade de estabelecer um diálogo partindo de versos improvisados, com uma

linguagem cifrada que servia de comunicação entre os negros e que os brancos

dominadores não entendiam (SOUZA, 2007)

Outro dado histórico do carnaval em Campinas é a figura importante de Aloísio

Jeremias, citado na entrevista com o presidente da Rosa de Prata, Rafa Rosa, de

Campinas e também por Souza (2007). Aloísio foi um sambista, artista plástico e

dirigente da Rosa de Prata. Na dissertação de Souza (2007), conta-se sua experiência

de infância nos anos 50 em relação ao Samba de Roda, no cortiço no bairro Cambuí,

em que havia a presença dos instrumentos de percussão como o bumbo, ganzá e o

cavaquinho que vinha sendo introduzido. Também se relata a presença da sambadeira

que dançava ao redor do bumbo, e a dança acontecia em roda com a presença da

umbigada e de versos que formavam refrãos e davam pontos, superando a fase das

improvisações e a importância das transmissões orais.

Então, nota-se, através deste breve histórico, que o carnaval, apesar de ter seu

foco no Rio de Janeiro, aconteceu em várias cidades do Brasil e, especialmente, o

carnaval paulistano teve grande destaque, mesmo com as diferenças sociais, ainda

que adquirindo um caráter de espetáculo, há que se considerar o trabalho coletivo, de

tradição, de ajuda mútua – ou seja, quando todos se ajudam sem diferenças

excludentes - desses folguedos, que têm muito a ensinar, tendo características da

educação não formal como se verá a seguir.

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3.3. ESCOLA DE SAMBA E EDUCAÇÃO NÃO FORMAL

A educação não formal, segundo Gordo (2015), chegou ao Brasil na década de

1970, principalmente com programas de alfabetização de jovens e adultos, com

características de organizações coletivas e, mais tarde, nos anos 1990, de instituições

não governamentais para além da preocupação com a alfabetização, ocupando-se de

outra problemáticas urgentes.

Gohn (apud GORDO, 2015, p. 121) conceitua a educação não formal como

ligada à educação e à cultura, ou seja, como uma forma de ensinar e aprender que

leva em consideração a vivência dos sujeitos e as relações que estabelecem com

outros. Ela ocorre fora dos espaços formais de aprendizagem, como em praças, ruas,

cidades, não tendo menos importância por isso; as aprendizagens na educação não

formal acontecem quando, por exemplo, um determinado grupo dialoga, soluciona

problemas, pensa sobre as relações no trabalho, permitindo uma valorização da sua

cultura, um refletir sobre o mundo, uma transformação pessoal e social.

A educação não formal não é presa a um currículo, não é tão burocrática e

homogeneizadora, considerando as diferenças e procurando respeitá-las, é quase

sempre prazerosa, com um sentido para determinado grupo, pois acontece na

realidade deste, dentro ou fora de instituições.

Fernandes (2012) apresentando as ideias de Trilla (1996), define a educação

não formal como as ações que não são dependentes e derivadas de proposições e

normativas do Ministério da Educação (MEC), órgão governamental que regula o

sistema escolar formal do país. Para este autor, a educação não formal é aquela que

é mediada pela relação de ensino-aprendizagem, tem forma, intencionalidade,

assume e desenvolve metodologias com procedimentos e ações diferenciadas das

adotadas nos sistemas formais.

Para Afonso (1989) a educação não formal, embora obedeça a uma estrutura

e a uma organização (distintas, porém das escolas), com pouca hierarquia e possa

levar a uma certificação (mesmo que não seja essa a finalidade) “diverge da educação

formal no que toca a não fixação de tempos e locais e à flexibilidade na adaptação

dos conteúdos de aprendizagem a cada grupo concreto” (p. 78), atendendo a

demandas e urgências advindas dos próprios grupos e levando, necessariamente, a

uma mudança social.

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Simson; Park; Fernandes (apud GORDO 2015), afirmam que não dá para

desconsiderar a comunidade quando se pensa em educação não formal. É uma forma

diferente de educação que permite o encontro de crianças, jovens, adultos e idosos,

sendo cada fase um modelo de aprendizagem para a outra na troca de saberes.

Estas autoras anteriormente referidas, também falam da importância da

educação não formal para os jovens que já estão nas ruas, fora da educação formal,

para que não se percam na criminalidade. Os espaços de educação não formal seriam

uma forma de ressignificação e possibilidades educativas, ou seja, formativas e

socializadoras destes jovens. Entretanto, a educação não formal não é sinônimo de

educação para os pobres, mas é um campo conceitual e educativo que abarca

qualquer público, de qualquer idade, embora muitos autores priorizem o trabalho com

a classe econômica menos favorecida.

A educação não formal não é uma proposta ou alternativa contra a educação

formal e tem que ser definida pelo que ela é: um espaço concreto de formação com a

aprendizagem de saberes para a vida em coletividade (GOHN apud GORDO, 2015).

Garcia (2009), em sua tese de doutorado sobre educação não formal, diz que

este tipo de educação não tem uma definição pronta, é um acontecimento recente,

sua história não é linear e está sendo construída principalmente pelos atuantes no

campo da educação não formal. Baseada na filosofia de Deleuze, esta autora, fala da

necessidade existencial humana de se relacionar com o mundo, de criar, de formular

problemas e buscar respostas.

O termo conceito, para Deleuze, (apud GARCIA, 2009, p. 19) é singular e

“sobrevoa todo o vivido”, e está para ser pensado, sendo múltiplo e complexo.

Garcia (2009), diz que a educação não formal ocupa um lugar do não instituído.

Mas, tanto a educação formal como não formal se relacionam:

(...) por operarem em campos muito próximos, ou por terem coincidências (ambos atuam com educação; com crianças, jovens e adultos; com a transmissão de saberes etc), o novo, em algumas situações, se vê forçado a buscar estabilidade na lógica e no discurso do legitimado. É como se a educação não formal, ao fazer o movimento de se entender e se conhecer, se reconhecesse, em parte na educação formal, e esta, por sua vez, temerosa de transformações e inovações que a educação não formal possa provocar, oferecesse sua segurança e legitimidade (GARCIA, 2009, p. 16).

A questão numa possível conceituação da educação não formal consiste em

tentar entender o que diz respeito somente a ela. Ela não é algo criado, mas cria-se

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com as transformações que trazem a necessidade de uma reestruturação na

sociedade (GARCIA, 2009).

Segundo a autora, a educação não formal tem algumas características

próprias, como subordinar suas atividades às condições sensíveis da intuição e da

construção, principalmente social, onde seria possível encontrar uma solução, que

concebe os saberes como não estanques. Educação não formal não seria um lugar

para “tirar” jovens e crianças das ruas, um passatempo para eles, mas sim algo que

contribua para a construção de um homem social.

A escola de samba, segundo Gordo (2015), apresenta saberes, que a

sociedade desconhece e que podem tornar a escola pública mais democrática e

menos excludente, pois, como este movimento social ocorre em sua maior parte nas

periferias das cidades, este pode constituir-se num espaço de educação não formal

para esta camada mais pobre da sociedade.

Segundo Gohn (apud GORDO, 2015, p. 17) há na escola de samba:

um trabalho de formação política e cidadã muito profícuo, as teias sociais e culturais tecidas nesses espaços fortalecem as relações familiares, de amizade, de solidariedade, de cooperação e de comunidade, que são imperativos para uma vida social saudável, interativa e produtiva .

Gordo (2015), em sua belíssima tese de doutorado, vê a escola de samba como

um lugar de formação cidadã, autônoma e libertadora do ser humano, principalmente

daquele que, por alguma razão, pode em sua vida, ter a escola de samba como única

forma de educação, sem ser a educação formal dentro de uma sala de aula.

A escola de samba pode mudar o caminho de vida de muitos jovens que iriam

para a criminalidade e violência, dando inclusive, oportunidade de entrar em contato

com aprendizagens, saberes, que se acredita serem exclusivos das escolas formais.

Aprender a tocar um instrumento, dançar, representar, cantar, compor,

desenhar, cortar, costurar, colar, transformar, criar, sonhar, se relacionar, se entregar

para viver e aprender, assim como relacionar todo esse aprendizado com os

conteúdos escolares, são processos vivos na escola de samba (GORDO, 2015, p.

18).

Gordo (2015) percebeu, por meio da pesquisa realizada na escola de samba,

que até noções de Química e Física eram trabalhadas em seu meio, ao se ter contato

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com reações químicas de materiais diversos e com conceitos de tridimensionalidade,

volume, perspectiva desses materiais. Noções de História, ao pesquisar o enredo,

noções matemáticas, entre outras tantas. Entre estes, existem conhecimentos e

saberes não necessariamente científicos, mas sensíveis, poéticos, relacionais que

não são explícitos, mas são produzidos no espaço da escola de samba.

Estes saberes precisam ser identificados, reconhecidos, aproveitados. Por

isso, a contribuição que advém do trabalho educativo na escola de samba como um

espaço de educação não formal, desenvolvido por uma equipe, mas concebido e

conduzido, principalmente pelo carnavalesco, para se pensar a metodologia de

projetos de trabalho no currículo da educação infantil.

Souza (2007), explica em sua dissertação de mestrado que a educação não

formal e a formal devem andar juntas e deve-se refletir sobre as contribuições de cada

uma para a construção de uma educação crítica e emancipatória.

E ainda, diz Souza (2007), a educação não formal deve ser incentivada, mas o

Estado tem como dever se responsabilizar pela qualidade da educação formal e

pública. Ambas têm o mesmo objetivo que é realizar a educação para todos, direito

de todos e dever do Estado, garantida em lei.

Há muito tempo, a história da educação foi marcada pela predominância de

pedagogias tradicionais, escolarizadas, do tipo que controlam os corpos, que dividem

os saberes em disciplinas, que fazem hierarquização entre professor e aluno, que se

circunscrevem em salas de aula. Já, a metodologia de projetos de trabalho é mais

flexível, permite autonomia do educando, não fragmenta o conhecimento e nem o

hierarquiza em graus de importância (GORDO, 2015), assim como acontece com o

trabalho educativo nas escolas de samba, conteúdos tidos como escolares às

realidades de vida do sujeito.

A importância da educação não formal pode ser ajudar diminuir os abismos

entre a realidade das classes menos favorecidas com a realidade escolar, que acaba

muitas vezes mais excluindo do que incluindo os alunos, por isso, a validade de se

inspirar no trabalho da escola de samba apontando ideias e caminhos para se levar

em conta a realidade dos aprendizes e de forma atrativa, de forma que se vejam

presentes nela.

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A escola de samba, como uma manifestação cultural, tanto educa os grupos

que participam ativamente dela quanto os que assistem ao espetáculo do desfile nas

ruas e avenidas, por meio do trabalho com o coletivo, com a comunidade, pela

apresentação de uma história que conta de sujeitos históricos, de determinada época,

de determinado tempo, de grupos e personagens ou personalidades.

3.4. A EDUCAÇÃO INFANTIL NÃO ESCOLAR E AS CONVERGÊNCIAS E

DIVERGÊNCIAS ENTRE O CARNAVALESCO E O EDUCADOR INFANTIL

A educação infantil caracteriza-se por ser um espaço de educação que também

cuida enquanto forma e socializa e, embora seja formal, tem muitas características da

educação não formal, cujo flexibilidade possibilita o exercício do coletivo infantil, a

vivência nos espaços-tempos e a construção de histórias e narrativas sobre si, o outro,

o mundo, como forma de conhecimento e significação das experiências. A instituição

de educação da infância, embora faça parte do sistema escolar, é para ser entendido

como não escolar, ou seja, como não escola e como espaço não escolarizado,

conforme afirma Moruzzi (2014):

Tem-se como mote o pressuposto de que a educação infantil é um local privilegiado em que as crianças vivenciam uma condição particular: trata-se de um espaço tempo não familiar, não hospitalar e não escolar, mas formal e que predomina a vivência do coletivo infantil. Proporcionar e explorar a interação deste coletivo, a partir de diferentes linguagens e das brincadeiras infantis é o objetivo da educação infantil (MORUZZI, 2014, p. 18).

Faria (2007) também entende da mesma forma, embora opte pelo termo “vias

não formais” na educação infantil. Para a autora, seja formal ou não formal,

governamental ou não governamental, para crianças pobres e ricas, a educação

infantil não é escolar, não é ensino, nem antecipação, nem preparação para a escola

obrigatória (FARIA, 2007).

Segundo Rocha (2003), a criança, nesta etapa educativa, precisa ser vista

como sujeito social de direitos, para isso, as instituições corresponsáveis pela criança

necessitam redimensionar suas funções. Tendo como objeto as relações educativas

travadas num espaço de coletividade e tendo como sujeito a criança de 0-6 anos, o

seu objetivo não deve ser o conteúdo escolar ou limitar-se ao domínio do

conhecimento, mas o vendo como parte e consequência das relações das crianças

com seu meio, com dimensões humanas como: expressão, ludicidade, afetividade etc,

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que muitas vezes, são esquecidas na sociedade atual que privilegia o conhecimento

parcializado e fragmentado em disciplinas. É preciso recuperar as manifestações

próprias das crianças, o espaço da brincadeira, da interação, da expressão das

diferentes linguagens.

De acordo com Faria (s.d.)

O sistema educacional brasileiro a partir da Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 reconhece como educação infantil a primeira etapa da educação básica (que por sua vez é composta também pelo ensino fundamental e o ensino médio). Trata-se do direito à educação e cuidado das crianças de 0 a 6 anos em creches e pré-escolas. Não se trata, portanto, de período preparatório para o ensino fundamental. Não é obrigatória para as crianças, sendo uma opção das famílias garantida pela Constituição Nacional de 1988 que entende a criança como portadora de história, capaz de estabelecer múltiplas relações, construtora de cultura, enfim, sujeito de direitos. Outras formas de educação das crianças desta faixa etária que não se enquadrarem no sistema formal de educação e ensino do país, assim não se caracterizando como primeira etapa da educação básica, podendo ser governamentais ou não governamentais, farão parte da construção de uma política plural de atenção e educação da criança pequena e assim são chamadas de educação infantil por vias não formais. (...) Portanto, seja formal ou não formal, governamental ou não governamental, em país socialista ou capitalista, para crianças pobres e ricas, a educação infantil não é escolar, devendo estar centrada na produção das culturas infantis e não no ensino, nem na antecipação, nem na preparação para a escola obrigatória. (...) A educação infantil pelas vias não formais não significa uma forma de educação barateada que atende um direito de segunda classe. As vias não formais são, pelo contrário, para garantir a política plural que caracteriza este segmento da educação básica não obrigatória em creches e pré-escolas que, procuram implementar a Constituição brasileira respondendo tanto pelos direitos trabalhistas de adultos e adultas, pais e mães como também e, ao mesmo tempo, respondendo ao direito à educação de seus filhos e filhas e o de todas as crianças de 0-6 independente da situação trabalhista do pai e da mãe, mas tendo-os como atores sociais constitutivos da educação infantil ao lado do protagonismo das professoras e da centralidade nas crianças.

Sendo a educação infantil um espaço não escolar - que valoriza

primordialmente, o ensino da leitura e escrita, vindas de uma tradição capitalista de

produção, de preparação para o ensino fundamental - consideram-se as

aprendizagens que ocorrem na infância e o contato que as crianças têm com essas

linguagens e a importância do profissional que atua nesta fase (MORUZZI, 2014).

Embora defenda-se aqui os conceitos anteriores, na prática essas ideias são

paradoxais, pois ainda se notam as dificuldades principalmente dos que trabalham em

educação infantil em pôr em prática tais ideias, principalmente porque alguns ainda

têm a visão de que educação infantil é preparar para o ensino fundamental, portanto,

deve ser escolar, e por outro lado, existem outros que acham que na educação infantil

é brincar somente. Portanto, o que se defende aqui são as teorias que buscam uma

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identidade ressignificada para a educação infantil, o que se torna novamente

paradoxal e difícil, pois esta encontra-se dentro de uma estrutura e de um sistema

educativo que normatiza termos e práticas.

Para Moruzzi (2014, p. 21), “o espaço-tempo da educação infantil exige do

profissional que ali atua uma escuta sensível do que as crianças querem, sentem e

dizem sem dizer”, desta forma, fica embutida uma preocupação com a coparticipação

das crianças nas experiências, nas propostas e nos projetos construídos. É possível

e interessante defender que na educação infantil há lugar para o ensaio e a

experimentação, o tateio e o erro.

O “laboratório” do projeto do carnavalesco que atua no espaço da escola de

samba tem amparo na ideia de “obra total”, que engloba dança, canto, música, teatro,

artes plásticas e visuais, sendo essas suas linguagens artísticas expressivas,

comunicativas e performáticas.

O papel do carnavalesco assemelha-se ao papel do que deve ser o educador

na educação infantil. Ambos têm que estudar sempre, pesquisar, ter muita criatividade

e reflexividade sobre seu processo de criação e de trabalho. Um reconhecido

carnavalesco do Brasil, Joãosinho Trinta, representava bem as funções de sua

profissão, pois

ele brada sua liderança profética e estética firmada no compromisso de ofertar a capacidade de fazer o público evadir à plenitude da beleza, sendo esta incompatível com qualquer mazela ou desarmonia. Desqualifica os que o denunciam como usurpador da cultura popular. Deflagra-se, assim, uma disputa entre interpretações desses círculos intelectuais pela legitimidade de dizer a verdade sobre o povo (FARIAS, 2012).

Hernández e Ventura (1998) falam da necessidade de o educador ser flexível

e reflexivo no seu trabalho educativo e docente, de modo a contemplar desejos,

necessidades e interesses das crianças, bem como se apropriar do trabalho com

conhecimento e autoria.

O trabalho do carnavalesco é um fazer humano, portanto, não deve abrir mão

ao desenvolvê-lo, da intenção, livre-arbítrio, decisão e raciocínio (FARIAS, 2012).

A intencionalidade é algo que deve estar presente na concepção de currículo

da educação infantil, como apontam as diretrizes curriculares da educação básica

para este segmento. É preciso intencionalidade ao planejar os tempos cotidianos, os

espaços internos e externos, a disposição de materiais, a qualidade das relações. A

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intencionalidade deve fazer parte dos atos educativos conscientes, pois organiza,

sistematiza, planeja passos que orientam possíveis caminhos, entretanto, é preciso

haver espaço para o inusitado, o imprevisto, o improviso:

A especificidade da atuação do adulto nesta etapa da educação básica demanda um olhar atento à produção cultural infantil em seus coletivos, nos quais a intencionalidade de profissionais no trabalho educativo ganham significados (CAMARGO; GODOY, 2013, p. 3).

Todo ato educativo leva em consideração um projeto de sociedade e um projeto

de formação de sujeitos ou de grupos para essa sociedade. E essa educação pode

acontecer por meio de instituições ou fora delas, de forma intencional, como acontece

com a educação formal e a educação não formal e de forma não intencional, como é

próprio da educação informal ou incidental.

Machado (2004), entende que as intenções em educação infantil são pontos

de partida de uma determinada instituição, ou seja, como seu grupo de profissionais

concebe a noção de criança, a função deste segmento educativo, os papéis que

devem desempenhar, assim como as famílias e a comunidade envolvidas. Uma das

formas de traduzir essas intenções é através de um modelo que não se baseia em

áreas do conhecimento ou disciplinas preestabelecidas, mas um projeto pedagógico

para a infância, que deve:

pautar-se não só em um programa de disciplinas específicas, mas também nas intenções que se evidenciam em ações e interações de crianças e adultos, pais e profissionais de educação infantil, os quais, por sua vez, traduzirão o reconhecimento de que a criança é – desde que nasce e desde que é bebê - capaz de agir e interagir, de produzir cultura e de ser sujeito de direitos” (MACHADO, 2004, p. 8).

Então, vê-se que tanto o carnavalesco quanto e educador infantil devem ter

intenções claras ao desenvolverem seus trabalhos. Mas, também devem ter a

consciência de que, além de intencionalidade, existem intervenções que extravasam

seus controles e que o trabalho idealizado é diferente do finalizado, por isso, a

importância das trocas de experiências e saberes, para que um aprenda com o outro

com abertura (ARAÚJO, 2010).

O ofício do professor surgiu na Antiguidade com o intuito de encaminhar os

aprendizes e o ofício de carnavalesco surgiu por volta de 1960, ou seja, na

contemporaneidade, com o intuito de concretizar um ritual simbólico, de diversão e

inversão do cotidiano, pois que tem relações diretas com os cultos gregos e com o

mito do Momo nos sacrifícios ao deus Saturno, que simbolizava a ironia e o sarcasmo,

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a luxúria e o delírio. Disso é que passa a existir o Rei Momo, personagem e símbolo

carnavalesco, introduzido no Brasil a partir dos anos 1930.

O carnavalesco atua com o objetivo de diferenciar os desfiles das escolas de

samba, devendo ter a habilidade para aliar, com base em um suporte literário temático

e dramatúrgico, a materialização do ideal de beleza com o interesse em produzir

efeitos sensíveis – advindos da arte – e ser informativo – advindo do educativo - num

público utilizando-se de imagens simbólicas geradas com recursos plástico-visuais

(FARIAS, 2012). Ele ajuda a criar o espetáculo festivo, lúdico e brincante.

O ofício de carnavalesco acaba por ter que lidar com grupos e espaços sociais

ambíguos em termos de condições desiguais econômicas e difíceis de conciliar pela

diversidade sociocultural envolvida, especialmente se pensarmos na relação entre

centro e periferia, sendo esta muitas vezes caracterizada pela presença da violência,

tráfico, jogo do bicho. Assim, o carnavalesco ajusta-se, procurando saídas para suas

escolhas artísticas. É um papel que exige saber reelaborar saberes, memórias,

aprendizados e linguagens (FARIAS, 2012).

O papel do educador infantil, neste sentido, acaba sendo convergente ao do

carnavalesco, o primeiro também lida o tempo todo com sujeitos diferentes, vindos de

realidades diferentes, e tem como objetivo proporcionar um campo de experiência e

experimentação sensível, poético, de aprendizagem e formação, nem que para isso,

precise continuamente se adaptar, se ajustar, a estas diferenças, procurando saídas

para lidar com elas, também, reelaborando saberes, aprendizados, linguagens para

atuar com a heterogeneidade. Todo trabalho que envolva educação, arte e cultura não

pode prescindir de lidar com a realidade cotidiana e suas complexidades e

contradições.

Segundo Fernandes e Park (2010), a imagem do professor assemelha-se a do

profeta, tendo inclusive, a mesma raiz etimológica. Pode-se também relacionar a

imagem do professor a do carnavalesco, quando ambos recolhem fragmentos,

quando lidam com situações plurais, caóticas, diversidades, visando uma tentativa de

ordenação, unicidade, aparência de equilíbrio ante uma realidade que as autoras

chamam de babélica, referindo-se ao mito da Torre de Babel.

Fernandes e Park (2010) falam que os sujeitos precisam apropriar-se do que

lhes é dado; no caso do professor, a realidade é a educação e no caso do

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carnavalesco, a realidade é a arte e a cultura. Para tanto, precisam lançar mão de

“artes de fazer”, ou seja, de astúcias e táticas de criação e de resistência, construídas

com fragmentos e com um elemento ético, que é inserirem juntamente com isto, suas

vontades de existirem. Junto a isso, estes dois papéis sociais, necessitam desenvolver

um caráter estético, o como fazer isso, como uma síntese, em que a multiplicidade de

elementos deve ser reunida naquela ocasião específica, com projeções do que

poderia ser, do que se deseja ser e do que é possível ser.

Certeau (1998) define “artes de fazer” como sendo a formulação da cultura

popular que precisa restituir sua legitimidade e lógica, fazendo reaparecer sua

linguagem própria e seu poder, que foram escondidos pelos sistemas de produção

(televisivo, urbanístico e comercial) que modificam esses modos e fazeres populares,

impondo-lhes regras para que sejam consumidas. Por isso, a importância do educador

e do carnavalesco como representantes dessa linguagem popular e como

desmascaradores desses “simuladores” e “deturpadores” da arte original, do sujeito

comum, ordinário, como ele nomeia.

Em sua tese de doutorado: Histórias e leituras de almanaques no Brasil, Park

(1998) define cultura popular como um conceito que perpassa os termos popularidade

e povo. Sendo de difícil definição, pode ser encarado como um sistema simbólico,

coerente, autônomo, como um mundo à parte de quem vive às margens da sociedade,

ou, por outro lado, pode ser visto como uma cultura que depende, que é carente em

relação à cultura das classes dominantes, enfim, é um termo definido por contrastes.

Mas, como nos traz Park (1998) e que pode ser relacionado aos objetivos desta

dissertação é que a importância da cultura popular está em suas práticas.

Um exemplo muito prático do que foi dito anteriormente da importância da arte

e sua função social de passar a verdade, consta da dissertação de Araújo (2010), em

que ela entrevista a artista ilustradora de livros infantis Angela Lago

Consciente do poder de comunicação das imagens, a partir de sua poética, a artista nos reapresenta um antigo problema das grandes cidades: a desigualdade social. Ela denuncia, reorganiza, revaloriza, desmoraliza e ressignifica a questão da marginalidade, do bom e do mau, a partir de sua narrativa visual. E disse: Eu não tinha outra chance de fazer esse livro com palavras, eu tenho que fazer uma reportagem, mas uma reportagem visual, porque as pessoas não vão acreditar se eu falar (LAGO, 2008, apud ARAÚJO, 2010, p.55 e 56).

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Voltando, ao papel específico do carnavalesco, sabe-se que este profissional,

aprimora-se no Brasil com a vinda da corte portuguesa e a mudança da capital para o

Rio de Janeiro; com isso, há tentativa de o país passar de uma colônia dependente,

arcaica, para uma sociedade nação, mais desenvolvida. Havia a necessidade das

cidades entrarem na chamada civilização moderna. Com a criação da Escola de Belas

Artes e do Teatro Municipal o carnavalesco passa a almejar ter acesso a arte erudita,

modernista (FARIAS, 2013).

Nesse trabalho, a cultura popular e seus saberes e festas são a base para a

recriação do carnavalesco.

Se a aquisição de um "bom-gosto" seria, então, decorrente do retorno às fórmulas simples encontradas na própria realidade e memória populares, o resgate do folclórico comparece, não em seu dado rústico, mas reelaborado pela mão intencionada do especialista, na tarefa de distribuição da proporção das formas e das cores e, ainda, na combinação de materiais segundo uma programação visual e cênica (FARIAS, 2013, p. 3).

Assim como o carnavalesco, o educador infantil deve observar nos primeiros

dias na escola, a realidade de suas crianças, seus interesses, pois o trabalho por

projetos envolve uma metodologia que possibilita que se construa um currículo em

educação infantil, que não deve ser pré-determinado, mas construído junto das

crianças, em observação e valorização de suas variadas linguagens, interesses e

curiosidades, que também leva em consideração os materiais que dispõe, para extrair

daí um tema a ser desenvolvido, fazendo uma “elaboração mental” antecipando (sob

a forma de rascunho) o processo e desenvolvimento do projeto, ou seja, fazendo uma

antecipação frente ao empírico, sempre valorizando o lúdico, o divertimento.

Apesar da onda modernista no Brasil, que aconteceu na primeira metade do

século XX, e que se iniciou em 1922, com a Semana de Arte Moderna, muitos artistas

plásticos tomaram às mãos uma “brasilidade” contestadora da arte acadêmica. Era

uma mescla entre vanguardas europeias modernistas e uma paisagem tropical

colorida mestiça, que fazia parte do dia-dia do povo. Assim, muitos artistas nacionais,

como os carnavalescos, incentivaram o “povo” a narrar seus próprios heróis e

episódios encobertos, a temática dos negros, que, nesta fase, surge com grande

força, inclusive, nos enredos (FARIAS, 2013).

Essa foi uma das maneiras encontradas de fugir de uma arte “alienada”,

deslocada da realidade cotidiana e sem o impulso para a mobilização popular; era

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preciso conciliar artistas e classes populares, modernizar, mas desalienar as massas

pela antropofagia que consistia em se apoderar do que eram produtos internacionais

e reconfigurá-los e ressignificá-los aos modos brasileiros, tupiniquins e mestiços.

Estabelecendo-se um paralelo, o educador infantil, também deve ter

conhecimento das produções da chamada cultura erudita, principalmente, em relação

às artes, mas também, conhecer as produções e saberes populares, fruto da

mestiçagem com negros e indígenas e europeus, sempre considerando a realidade

das crianças e a cultura dos povos, de acordo com as diretrizes curriculares do

município de Campinas, como o trecho abaixo indica. Elas apontam a importância de

ser trabalhada na educação infantil a diversidade cultural, valorizando as minorias e

os saberes à margem ou marginalizados, fora do centro, deslocados:

Hoje o currículo não se pode abster de considerar objetivamente questões: locais, regionais, étnico raciais, diferenças sociais, de gênero, laicidade da educação pública, sustentabilidade, idades, consumismo e deficiências de crianças e adultos, que envolvem outras políticas sociais e públicas que permeiam as políticas educacionais; junto a essas busca-se, neste processo, firmar coletivamente as Diretrizes Curriculares Nacionais (CAMARGO; GODOY, 2013, p. 17).

E, no sentido do que é tido como marginalização na sociedade, os cordões

carnavalescos abriram espaços para a participação e valorização dos negros,

mulheres e crianças, sendo o desfile um meio de promoção da equidade, ainda que

momentânea, em uma sociedade desigual.

Segundo Domingues (2013), os negros eram meros expectadores do carnaval,

tendo o acesso dificultado a determinados parques e praças públicos. Suas práticas

lúdico-culturais restringiam-se a batuques, samba-lenço, jongos, tambus, congadas,

moçambiques, capoeiras, jogos de tiririca. Mas, nota-se a importância no investimento

dos negros na criação e recriação de formas populares de brincar o carnaval: os

caiapós, zé pereiras, blocos, ranchos e cordões.

Pela cultura os negros resistiam, já que “se as instâncias políticas formais eram

refratárias aos negros, as linguagens da arte (música e dança), da cultura, do corpo e

do lazer lhe serviam de trincheira” (DOMINGUES, 2013, p. 139).

Simson (apud PARK, 2003) ressalta a importância dos festejos de Momo para

os negros, que os consideravam como a atividade mais importante de suas vidas

cotidianas, sendo vivas suas lembranças e memórias sobre esses festejos e

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perfeitamente mantidas e que reforçava a identidade étnica e social do grupo afro-

brasileiro, pois havia a preocupação, principalmente dos velhos das agremiações

carnavalescas em transmitir esse passado às gerações mais jovens.

Essa transmissão não se restringia a relatos, mas aos saberes carnavalescos,

às danças, a composição dos sambas, a realização dos artesanatos e a montagem

dessa manifestação cultural, tendo o carnavalesco grande papel nesta transmissão.

A função de carnavalesco residia no exercício pleno de competência de uma

atividade intelectual e técnica, no caso a elaboração plástico-temática a serviço da

potencialização da tradução do samba. O carnavalesco, segundo Farias (2013), deve

ter um intuito pedagógico ao ser um esclarecedor ao seu grupo, não reproduzindo

somente fórmulas já consagradas, mas inserindo novidades de forma a construir

narrativas sob linguagem performática, como estratégias de comunicação e

expressão, logo, de processos de educação e formação.

Outra função do carnavalesco seria a de potencializar a escola de samba como

uma instituição de expressão e comunicação. Da mesma forma, a instituição de

educação infantil opera com esses objetivos pelo papel do educador.

Há muitas conexões entre os modos de pensar e fazer desses dois

profissionais, o carnavalesco e o educador, para colocarem em prática processos de

construção de conhecimentos por meio da cultura, da arte e da educação. Além dos

desafios diários, o exercício constante de investigação, experimentação, suas

experiências anteriores dão ferramentas para desenvolverem com maior segurança

seus ofícios.

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3.5. AS CONVERGÊNCIAS ENTRE O PROCESSO DE PREPARAÇÃO PARA O

DESFILE NA ESCOLA DE SAMBA E AS ETAPAS DOS PROJETOS DE TRABALHO

EM EDUCAÇÃO INFANTIL

“O artista deixa marcas de diversas naturezas sem que esteja necessariamente consciente destes gestos” (ARAÚJO, 2010, p.106).

A epígrafe que abre este subitem foi escolhida, considerando o carnavalesco e

o educador infantil como artistas e ambos, ao desenvolverem seus fazeres em seus

ambientes, acabam deixando marcas, seja nas crianças, na comunidade ou na

sociedade. Nesta parte são analisadas essas “marcas” que se manifestam no

processo de trabalho do carnavalesco e no processo de um projeto de trabalho na

educação infantil, mediado em sua maior parte pelo educador infantil.

Ao se entrevistar um carnavalesco para conhecer de perto o processo de

criação é possível perceber que, em relação à escolha do tema, seja para o enredo

de uma escola de samba, ou para o projeto de trabalho, existem algumas

peculiaridades.

Segundo o carnavalesco Rubens Eduardo, da Rosa de Prata, de Campinas-

SP, na escola de samba há o tema “comercial e o natural”; segundo ele, o comercial

conta com patrocínio, já o natural é quando se quer falar sobre algo sem haver

patrocínio, como contar histórias de determinadas entidades, de coisas que

acontecem. Por exemplo, a escola já trabalhou o tema: “Castelo Branco” para chamar

a comunidade, para ressignificar a paixão pelo bairro considerado vulnerável social,

economicamente e violento. Existem temas de alerta que incentivam o uso de

preservativos como método contraceptivo e de prevenção a transmissão de doenças.

Tanto os temas naturais, como os comerciais são escolhidos primordialmente pela

diretoria da escola de samba, em uma reunião precedente.

Por sua vez, na educação infantil os temas podem surgir das necessidades,

interesses e curiosidades das crianças, pois em seu currículo há apenas diretrizes,

mas não temas ou currículo predeterminados e isso é compartilhado com a equipe

gestora.

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Em relação à escola de samba, a primeira manifestação ligada a um tema ,

surgiu através dos ranchos mais populares do Rio de Janeiro, no final da década de

1870, que se diferenciavam dos ranchos da elite por terem um tema único, com uma

música ligada a ele e este tema organizava todo o cortejo (SIMSON, 2007).

Na história do carnaval de São Paulo, segundo a autora anterior, os temas dos

desfiles eram geralmente baseados numa música carnavalesca de sucesso do ano,

mas desde que possibilitassem um enfoque jocoso do assunto tratado, que deveriam

fazer rir, provocar diversão ou satirizar situações vivenciadas durante o ano.

Notam-se as diferenças nas escolhas dos temas em relação aos cordões

carnavalescos dos negros, já demonstrando uma diferença entre os cordões e os

demais folguedos, principalmente os “embranquecidos”. Nos cordões, o tema quase

não tinha importância e apenas orientavam a confecção das fantasias, depois

passaram a referir-se à nacionalidades e profissões ou a homenagear um fato

importante ocorrido no ano anterior (SIMSON, 2007).

E continuam as divergências entre o carnaval “branco” e “negro” em relação

aos temas, pois somente após a oficialização do carnaval é que estes tinham que ter

caráter nacional, e nos cordões não há registros de quaisquer temas fazendo alguma

crítica social ou política, o que impossibilita afirmar se realmente não aconteceram ou

se foram reprimidos.

Trazendo a realidade sobre temas de carnaval para a realidade da escola de

samba de Campinas, o carnavalesco Rubens Eduardo diz que o que motiva a escolha

de um tema é a realidade local, aquilo que interessa ao bairro e às pessoas do bairro.

O tema de uma escola de samba, também, pode surgir para aproveitar

materiais, por exemplo, se a escola ganhou um carro alegórico com um pierrô gigante,

escolhe-se um tema que dê para aproveitar alguma alegoria, fantasia, já que os

recursos financeiros são limitados. Na educação infantil, também é possível fazer o

aproveitamento de coisas, objetos anteriormente usados, bem como se valer de

trabalhos desenvolvidos e que se articulam aos trabalhos a serem postos em prática,

criando elos de ligação e significação.

Isto também pode ser relacionado a qualquer coisa, ideia, situação que possa

ser deflagradora, que possa ser desencadeadora ou o ponto de partida para o

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desenvolvimento de temas de projetos na educação formal e na educação não formal,

aqui, o papel do educador assemelha-se ao do carnavalesco, que busca em seu ateliê

os objetos que sobraram de carnavais anteriores, fantasias e carros alegóricos

ganhados e começa a intuir caminhos, conhecimentos, como um ponto de partida,

que abre muitas possibilidades, assim, professores e carnavalesco vão preenchendo

esses objetos com muitos significados “e, aos poucos, o objeto sai da dimensão

cotidiana de seus usos no dia a dia e ganha o status de objeto artístico”

(FERNANDES; ROMAGUERA, 2015, p. 48).

Qualquer que seja o ponto de partida ele deflagra “fios” que entrelaçam redes

de possibilidades de experiência, de percepção, de conhecimento, de pensamento e,

assim, o que é um projeto rascunho, idealizado, vai tomando formas conforme

acontece, no tempo e no espaço.

A restrição que pode surgir em relação ao tema, numa escola de samba, é

decidida pela diretoria, que dá a liberação para falar ou não daquilo, principalmente,

considerando se o jurado irá gostar, já que se tem um objetivo competitivo nas escolas

de samba, que é ganhar o carnaval.

Isto pode acontecer, também, na educação infantil por parte da gestão quando

ela precisa se adequar a desejos e pedidos da família, já que a instituição precisa

complementar a educação familiar, havendo diálogo e não separação entre os

interesses e os espaços:

Neste sentido, a participação dos pais na educação formal dos filhos deve ser constante e consciente. A vida familiar e a vida escolar devem ser simultâneas e complementares. É preciso que a escola esteja em perfeita sintonia com a família, pois a escola é uma instituição que deve complementar a formação educacional da criança. Essas duas instituições devem se complementar na tentativa de alcançar o objetivo maior que é formação integral da criança. CORTELAZZO,2000, apud (FERREIRA, L. M.; TABORDA, C.R. B., [s.d.], p.02)

Os componentes da escola de samba não escolhem o tema, mas podem se

informar com o carnavalesco sobre sua fantasia, sobre o que ela significa, pode se

informar também com o seu coordenador de ala sobre o que está representando,

significando.

Segundo as autoras Barbosa e Horn (2008), a escolha do tema para um projeto

ser desenvolvido na escola, pode ser feita pelo educador, pais ou pela comunidade,

pode surgir de experiências anteriores das crianças, podem ser continuidade de

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outros projetos ou partir das interrogações das crianças sobre algo. O tema também

pode surgir de um fato inusitado e instigante que aconteceu. Para ambas as autoras,

são diversos os modos de se levantar um tema: pode ser através da conversa em

roda, onde as crianças podem se expressar, podem colocar assuntos que ouviram

nos jornais.

A escolha do tema para os projetos de trabalho em educação infantil não tem

restrições e, quase sempre se inicia do interesse das crianças por determinado

assunto, da observação atenta do educador a sua curiosidade e comportamentos que

são indicadores de potenciais caminhos. Por exemplo, as crianças, ao virem um

formigueiro na escola, podem ficar curiosas e o educador atento poderá explorar as

dúvidas das crianças sobre o tema e desenvolver um projeto a partir disso.

O parágrafo anterior mostra que o papel do educador é novamente semelhante

ao do carnavalesco, cabendo a eles olhar, analisar e coordenar o desenvolvimento de

determinado tema, porém, enquanto o objetivo do carnavalesco é ganhar o carnaval,

conquistar o público e consequentemente os jurados, o objetivo do educador de

educação infantil é a criança aprender, relacionar conhecimentos e expressar-se em

diferentes linguagens.

Como foi dito, o tema na educação infantil pode se repetir com outras

abordagens, pode ser continuidade de um projeto do ano anterior, ou de um projeto

já desenvolvido por outras turmas, outras escolas, entretanto, ele nunca será

repetível, pois cada turma é singular. Por sua vez, nas escolas de samba há a

preocupação em não repetir os temas, cada ano se difere do outro para a composição

do enredo.

Assim, no carnaval, o enredo não se repete, na escola, apesar de um projeto

poder repetir um determinado tema, nunca o projeto será igual ou o mesmo, pois são

realidades diversas, tempos diversos, crianças diferentes, recursos diferentes e o

próprio educador não é o mesmo, já que tem mais experiência e conhecimentos.

Não é possível impor ou transpor uma prática com projetos de trabalho na

escola como uma receita, tem que se levar em conta, também, as concepções que o

professor tem sobre educação, sobre a pedagogia, sobre a formação de sujeitos e

dos grupos.

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No entanto, projetos riquíssimos são deixados de lado e não são continuados

pelos mais diversos motivos: troca de professores, de ano, férias, ou mesmo falta de

interesse do professor em dar continuidade ao projeto, abortando muitos ciclos. O

trecho a seguir ilustra essa situação, quando um projeto em andamento, na cidade de

Jarinu-SP, no ano de 2001, sobre pitangas é interrompido, pois “os professores estão

acostumados a que tudo muda, ou deve mudar, quando o ano recomeça. Sua vida de

trabalho é constantemente marcada pelas rupturas e novidades pedagógicas” (PARK,

2003, p.42)

É preciso pensar o tempo de duração dos projetos; se toda a equipe escolar for

envolvida, se as relações espaço-temporais forem ressignificadas, talvez não se

interrompam projetos importantes. Então, os fatores envolvimento, interesse,

participação de toda equipe escolar precisam ser levados em conta na busca pela

continuidade de duração de um projeto.

Em uma entrevista, Hernández (2007, s/p) fala sobre o trabalho solitário do

educador dentro de uma metodologia que não a de projetos e a diferença que surge

após a adoção desta:

O trabalho do docente é solitário e uma das coisas que aprendi nessa experiência foi que a gente tem de compartilhar. Quando comecei a trabalhar com projetos nas escolas e surgia uma questão emergente em sala de aula, esse assunto pertencia à escola e não se restringia a um único educador. Eu me lembro de estar na sala dos professores, na hora do café, vendo os docentes discutindo uma proposta, expondo ideias e sugestões e, dessa maneira, todo mundo se envolvia no processo.

Por se tratarem de crianças pequenas, estas podem buscar informações na

comunidade, com seus pais principalmente. E, cabe à educação infantil fazer este elo,

especificando nas reuniões a importância dos projetos para as crianças, assim como

a contribuição das famílias trazendo informações sobre o tema. Além disso, toda a

equipe escolar pode contribuir com o projeto, outras turmas podem ajudar trazendo

pesquisas, assim como os demais funcionários da escola e especialistas. Por isso, é

importante toda a escola tomar conhecimento do projeto que cada turma está

desenvolvendo para poder contribuir e perpassar o trabalho da escola como um todo,

de forma a constituir uma verdadeira pedagogia de projetos.

O parágrafo anterior pode ser relacionado com as ideias de Hernández e

Ventura (1998) em que os estudantes precisam desenvolver uma consciência sobre

o processo de aprendizagem e precisam ter uma relação com os conteúdos de forma

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integrada e articulada, pensando a partir de problemas ou interesses, no caso, da

educação infantil isso está explicitado através da concepção de currículo nas

Diretrizes Curriculares (CAMARGO; GODOY, 2013). Eis o trecho em que Barbosa

(2009 apud CAMARGO; GODOY, 2013, p.14 e 15) concebe o currículo como

(...) construção, articulação e produção de aprendizagens que acontecem no encontro entre os sujeitos e a cultura, tendo como foco as crianças em suas relações. Assim: Um currículo CRIANÇA, CURRÍCULO, INFÂNCIA: PRÁXIS EDUCACIONAIS INVENTIVAS emerge da vida dos encontros entre as crianças, seus colegas e os adultos e nos percursos no mundo (...)

Os projetos de trabalho, não devem seguir um método dado, é uma

metodologia de entendimento de como a aprendizagem pode se dar, e embora o tema

possa partir das crianças ou professores, tem que acima de tudo, despertar a

curiosidade por novos conhecimentos, devem-se levantar dúvidas, perguntas sobre o

assunto, objetivos e metas claros, e só vão se deslocando na medida em que vão

sendo respondidas as perguntas, que devem ser registradas para verificar os avanços

e permitir conclusões, generalizações, relações e sínteses.

O processo de pesquisa do carnavalesco é muito semelhante ao que faz o

educador de educação infantil, a única diferença, é que este último não a faz sozinho,

mas com as crianças e outros envolvidos, sendo este um grande desafio. De acordo

com Fernandes e Romaguera (2015) é fundamental nos projetos de trabalho, sujeitos

socialmente cooperativos, coparticipes, capazes de planejarem e tomarem decisões

em grupo.

De acordo com a entrevista do carnavalesco Rubens Eduardo, este, após ter

em mãos o tema, pode consultar especialistas no assunto, entidades relacionadas ao

tema, preocupando-se com a construção de uma sinopse que não use palavras que

não se encaixam ao tema, fugindo muito dele. Ele faz um trabalho de campo, realiza

entrevistas, depois transforma num texto, que é a sinopse. Esta sinopse é entregue a

diretoria que a aprova, depois aos compositores para ser feito o samba-enredo,

articulando as linguagens. O tema é chamado de enredo, o que estiver nele tem que

aparecer na avenida através do samba-enredo, fantasias, carros alegóricos,

adereços, coreografias. O tema é o mote.

Apesar de ser um trabalho mais solitário, componentes da escola, direção e a

comunidade podem trazer sugestões, conhecimentos, pesquisas, curiosidades sobre

o que significa determinada ala ou fantasia. O carnavalesco diz contar com a

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colaboração de uma historiadora e estudiosa da própria comunidade para realizar

suas pesquisas. O fato de a pesquisa ser o que embasa a construção do enredo é o

mesmo que se dá na metodologia de projetos, ou seja, a partir de um ponto de partida,

a pesquisa em diferentes fontes é que vai dar o andamento e o desenvolvimento do

mote.

Enquanto vai sendo eleito o samba-enredo, o carnavalesco rascunha os

croquis, ou seja, os desenhos das fantasias que ajudam a construir a dimensão lúdica

e imaginária do enredo.

Na educação infantil, por sua vez, após a coleta de informações, seja através

de conversas, entrevistas com informantes, através da ida à biblioteca, leituras de

livros, observações, explorações de materiais, através de pesquisas online vindas do

professor, ou da comunidade, ou da contribuição de outras pessoas da escola, é a

hora de pensar na sistematização dessas informações. Essa documentação pode ser

através de desenhos, textos coletivos, montagem de painéis, registros plásticos

(BARBOSA; HORN, 2008).

O registro é parte da memória e da história do trabalho e das aprendizagens

dos grupos, pois “os materiais produzidos podem formar a memória pedagógica do

trabalho e ser uma fonte de consultas para outras crianças. O registro propicia a

construção social da escrita e valoriza uma das dimensões do uso social da língua”

(BARBOSA; HORN, 2008, p. 60).

Durante este processo, duas coisas assemelham-se ao trabalho por projetos

em educação infantil: o registro feito de diversas maneiras, como citado anteriormente

e a importância do desenho, como forma de visibilizar o pensamento para o

carnavalesco e para a criança pequena, ou seja, a criança fala e se expressa através

do desenho, assim, a educadora já vai levantando os conhecimentos prévios das

crianças sobre o assunto a ser trabalhado a partir de indícios de fala e de grafia das

crianças.

Assim, segundo Gobbi e Faria (2004), desenhos fazem parte da inventividade

das crianças, ele pode ser a base para a criança falar sobre o que sente, o que

fantasia, o que pensa, mas o desenho da criança já fala por si. Para Araújo (2010), o

desenho como uma forma de arte permite a comunicação da criança com ela mesma

e lhe permite também organizar seu mundo.

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Esta linguagem da criança que está presente como forma de representação do

mundo nos projetos de trabalho, assim como acontece na escola de samba, não deve

se restringir a técnicas, mas possibilitar aos sujeitos expressividade que deixem fluir

as percepções dos sentidos: cheiro, gosto, tato, permitindo construir pensamento e

conhecimento, gerando culturas.

Segundo Araújo (2010), os desenhos das crianças constituem verdadeiras

fontes de inspiração para artistas adultos e ilustradores de livros, pois os desenhos

delas apresentam um repertório imagético vasto e diversificado, cheios de lembranças

e observações do real, onde dão soluções plásticas e têm uma estética muito peculiar

de produção, sendo espontâneas, tendo movimentos livres. Enfim, os desenhos das

crianças têm ludicidade e a capacidade de sintetizar a realidade.

O carnavalesco, por sua vez, também, não precisa saber técnicas de desenho,

apenas passar com os croquis a ideia que tem em mente, como um esboço de suas

intenções e idealizações, como o professor que planeja ou faz um plano de intenções

para as experiências infantis, mas que se coloca aberto e flexível a mudanças e ao

surgimento do novo.

Ostrower,(apud Araújo, 2010), reitera o que se afirma nos parágrafos anteriores

quando fala que a técnica é parte fundamental em um fazer criativo, mas a arte não

se restringe a ela. O que importa para o artista é que exista em sua arte algo essencial,

necessário, inevitável que ele possa identificar-se e assumir inteira responsabilidade,

que diga o que ele queira e precise dizer. “... nas obras de arte, as técnicas acabam

se tornando invisíveis sendo absorvidas inteiramente pelas formas expressivas”

(Ostrower apud Araújo, 2010, p.38).

Outro ponto é a importância da música em educação infantil, assim como o

samba-enredo exprime a narrativa que descreve e argumenta sobre o que foi

pesquisado e sintetizado na sinopse pelo carnavalesco, o educador infantil pode

trabalhar determinado projeto de trabalho com músicas que falem a respeito do tema

e pode, também, compor como produto final de um projeto uma música que retrate o

que as crianças aprenderam, de modo que esta linguagem expressiva e artística

participe do processo ou do produto final de algum trabalho, pois se entende que é

uma linguagem a ser desenvolvida na infância.

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De acordo com Fiorussi (2012), a história da educação musical como plano

formalizado de ensino no Brasil, começou com os jesuítas no período colonial

representando uma ferramenta utilizada no processo de dominação cultural, impondo

aos índios e negros a cultura lusitana, europeia e da Igreja Católica.

Atualmente a educação musical e o ensino vêm passando por um processo de

transformação, ou seja, “está muito distante das escolas, mas há uma perspectiva de

aproximação por conta da Lei n 11.769, de 18 de agosto de 2008 (BRASIL, 2008), que

inclui o ensino de música com obrigatoriedade na disciplina de Artes” (FIORUSSI,

2012, p. 36).

Desde a década de 1990 vêm avançando as pesquisas em educação musical

no Brasil, mas ainda está pouco presente no cotidiano dos ambientes formais de

educação (FIORUSSI, 2012).

Neste momento, vamos falar do ritmo musical que interessa neste trabalho, que

é o samba e como ele se desenvolveu no país.

Foi na década de 1920 que as músicas carnavalescas e as marchas

começaram a ser divulgadas. No entanto, o samba como grande ritmo carnavalesco

já trazia raízes africanas desde a época colonial.

Manzatti (apud Souza, 2007) traz a referência de que o samba de bumbo levou

à formação dos primeiros cordões carnavalescos paulistas, mas o samba já existia

em São Paulo antes mesmo das primeiras escolas de samba surgirem.

Segundo Souza (2007), o samba tem raízes no batuque, que designava a

música, dança e os folguedos realizados pelos negros. Além do batuque, os calundus

e os lundus influenciaram o samba, os primeiros incorporando aspectos religiosos dos

colonos brancos e os segundos marcando a influência sedutora que os folguedos

negros tiveram na vida dos colonos, mas que de alguma forma o “eruditizaram”.

Apesar do samba como ritmo musical ser generalizado e depreciado pelos

intelectuais e classes dominantes, tinha elementos comuns como: percussão

(impacto), síncope e elementos coreográficos como a roda e umbigada9, que derivava

9 Umbigada é uma dança afro-brasileira praticada nos quilombos, criada em meados do século XIX. Seu nome representa a dança, os escravos que possuíam roupas curtas, geralmente os mais

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da palavra de origem africana semba e que levou ao termo samba, significando

animação, excitação, pular, saltar com alegria (SOUZA, 2007).

Segundo o autor, o samba também deu origem ao pagode, mas infelizmente

este mais representava a cultura dominante e suas letras eram banalizadas,

erotizadas e com arranjos e melodias previsíveis. Além disso, com a televisão, o

samba foi perdendo espaço para o forró e o funk. Mas, em 1990 procurou-se recuperar

a memória do samba, através dos “projetos” ou “movimentos culturais”, que

consistiam em núcleos de sociabilidade em torno do samba, com o objetivo de

recuperar sambas que as pessoas dessas comunidades ouviam na infância, em jogos

de futebol ou em suas próprias agremiações, em bares e, principalmente, através das

rodas de samba.

Nessas rodas de samba, além dos sambistas antigos serem relembrados e

reverenciados, visava-se também a transmissão da memória musical e a continuidade

do grupo do samba, para isso, escreviam até textos, chamados de prospectos, que

falavam da biografia de sambistas, comentavam músicas e letras de sambas

tradicionais (SOUZA, 2007).

Enfim, a música é um elemento muito importante de ser trabalhado nas

manifestações culturais, presente tanto na escola de samba como na educação

infantil, pois além de ser um meio de transmissão de saberes que se estabelecem por

meio da linguagem musical, ela realiza também, uma quebra de barreiras sociais,

servindo como canal de comunicação ou elemento unificador dos grupos diversos

existentes na sociedade brasileira.

Portanto, vê-se a música como linguagem presente na escola de samba e na

educação infantil e sua importância como meio de aprendizagens e tendo um papel

social. Por meio da linguagem musical é possível uma unidade na diversidade, ou

seja, um encontro e comunicação com várias culturas (FIORUSSI, 2012).

adultos (com as roupas mais apertadas) eram os que mais sabiam dançar, logo os que dançavam estavam sempre de umbigo de fora.

Atualmente, no Estado de São Paulo nomeia-se umbigada à dança comemorativa ou tributo de terreiro, praticada pelos remanescentes das "Assombrosas" Senzalas Paulistas. Organizados em duas fileiras, dispostas frente à frente, inicialmente bem separadas por até 10 metros, os dançadores de ambos os sexos evoluem em reverência, até um ligeiro contato físico dos quadris. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Umbigada. Acesso em: 04/09/2016.

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Outro aspecto convergente entre o carnavalesco e o educador e que já foi

mencionado anteriormente, dentro do processo de pesquisa, é o registro e a

documentação.

Em relação ao processo de pesquisa, todo material pesquisado do

carnavalesco deve ser registrado numa apostila (Apêndice 2) que irá para os jurados,

hoje já tem uma normatização desta feita pela Prefeitura, segundo o carnavalesco.

Então, nela são passados o tema, a formação da escola, o samba-enredo, a sinopse,

os desenhos das fantasias. O desfile também é uma forma de registro em movimento,

efêmero, que fica guardado na memória das pessoas, ou gravado em fotos e vídeos.

Na educação infantil, também, deve-se ter a preocupação com a organização

e registro dos projetos, tanto para constar no Projeto Pedagógico da Escola, como

para fim de organização do processo de conhecimento, que é tão importante para a

criança pequena. Nesta forma de se trabalhar em educação infantil, os registros são

de grande relevância, principalmente do percurso do trabalho. Os registros podem ser

através de diferentes tipos de linguagem: escrita, pictória, fotográfica, videográfica

entre outros (FERNANDES; GARCIA, 2006).

Fernandes e Romaguera (2015) propõem um instrumento interessante para o

registro nas escolas, chamado portfólio, porém com um caráter de um suporte

tridimensional, ou hipertextual, segundo as autoras, o que permite registros de

variadas linguagens e de diferentes dimensões, indo além de uma mera marcação

cronológica ou de simplesmente avanços e retrocessos. Para elas, o portfólio,

diferentemente de como propõe Hernández (1998) é mais história e memória do que

instrumento de avaliação.

O portfólio é um instrumento muito importante e pessoal tanto do grupo na

escola formal, como para o carnavalesco, através de sua apostila, pois representam

um lugar do processo, que pode ser retomado, um lugar de memórias, de lembranças

e esquecimentos, um lugar de histórias subjetivas, particulares, com uma lógica

temporal, espacial muito específica deles, e que permite a organização de ideias e

reflexão (FERNANDES; ROMAGUERA, 2015).

Estas variadas formas de registro acontecem tanto na escola de samba como

na escola por meio dos projetos de trabalho: o registro através de fotos, filmagens,

seja do processo ou do produto final. O carnavalesco guarda esse material, o

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educador também, sendo que, na escola, pode ser usado para reuniões de pais,

mostras de trabalho, avaliações de trabalhos futuros.

O educador que faz uso de uma documentação sistemática torna-se um

produtor de pesquisas, gerando novas ideias sobre o currículo e aprendizagens,

formando docentes mais conscientes de suas opções filosóficas, políticas e

pedagógicas, possibilitando uma auto-reflexão e apropriando-se de sua prática.

Na educação infantil, após, a escolha do tema feita em conjunto com as

crianças, também pode ser escolhido após uma atividade disparadora, como a leitura

de um livro, quando existe a necessidade de se trabalhar um tema da atualidade

como, por exemplo, dengue. Aliás, temas atuais, que estão na mídia de forma geral,

são também muito valorizados pelas escolas de samba, pelo público e pelos jurados.

Em relação ao processo de pesquisa, o da educação infantil é ligeiramente

diferente do carnavalesco. Baseando-se em Hernández e Ventura (1998) as crianças

fazem perguntas sobre determinado tema, que são índices. Além dos índices

retratarem seus conhecimentos prévios das crianças sobre o assunto, são modos de

organizar a informação, pois mesmo não sabendo ler ou escrever, o educador vai

lendo as questões delas e, juntos vão respondendo o que já pesquisaram, como uma

forma de não se perderem na pesquisa, facilitando as estratégias de busca do

conhecimento e a avaliação do educador do que aprenderam com o projeto.

Sistematicamente, existe o Primeiro Índice (perguntas das crianças), o

Segundo Índice, o ponto de partida para o trabalho do grupo e um Terceiro Índice, que

é a recapitulação do trabalho realizado, que pode ser um texto coletivo sobre o que

aprenderam sobre o projeto (HERNÁNDEZ; VENTURA, 1998, p. 78). Este Índice Final

seria a sinopse do carnavalesco, mas neste caso este é o seu ponto inicial, ou seja, é

por este que começa seu trabalho, enquanto que na escola este finaliza o projeto.

Segundo o carnavalesco, na escola de samba, a sinopse se refletirá nas alas,

nas coreografias. As escolas de samba das pequenas cidades têm mais liberdade

para desfilar, não precisam respeitar passos tão marcados, como uma marcha. As

coreografias são mais livres e o carnavalesco tenta adequar as fantasias aos

movimentos das danças, permitindo uma liberdade maior.

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A educação infantil deve trabalhar a linguagem da dança, o educador pode

trabalhar o tema índio e suas danças, então, esta linguagem está também, de certa

maneira, acoplada aos projetos na educação infantil, e permite a liberação do corpo,

a sua autonomia, expressão, que permite posteriormente, até o desenvolvimento de

outras habilidades na criança. Eis o que diz a lei:

(...) os objetivos estabelecidos para a faixa etária de zero a três anos deverão ser aprofundados e ampliados, garantindo-se, ainda, oportunidades para que as crianças sejam capazes de: • ampliar as possibilidades expressivas do próprio movimento, utilizando gestos diversos e o ritmo corporal nas suas brincadeiras, danças, jogos e demais situações de interação; • explorar diferentes qualidades e dinâmicas do movimento, como força, velocidade, resistência e flexibilidade, conhecendo gradativamente os limites e as potencialidades de seu corpo; • controlar gradualmente o próprio movimento, aperfeiçoando seus recursos de deslocamento e ajustando suas habilidades motoras para utilização em jogos, brincadeiras, danças e demais situações (Referencial curricular nacional para a educação infantil, 1998, v.3);

As múltiplas linguagens são as diferentes manifestações expressivas presentes nas dimensões artísticas e culturais, vivenciadas, produzidas, criadas e recriadas por bebês, crianças pequenas e adultos, que se manifestam no desenho, pintura, literatura, música, LIBRAS, escrita, escultura, dança, fotografia, cinema, teatro, poesia, museu, sons, choros, movimentos, entre tantas outras possibilidades, constituindo sentidos e significados para todos os envolvidos (CAMARGO; GODOY, 2013, p.21).

A educação infantil também visa uma educação comprometida com a liberdade,

com o social e com a ética. Segundo Fiorussi (2012), a libertação do sujeito só ganha

significado profundo quando alcança a transformação da sociedade e é através dos

processos de conscientização e educação que vai construindo história e sendo

protagonista de sua busca pela libertação.

Freire (1967) também celebrou a educação como prática da liberdade, pela

qual estão presentes sujeitos aprendentes, ao invés de professor e aluno, sob a forma

de “círculos de cultura”, diálogos. Portanto, o educador, ao fazer um projeto de

trabalho deve dialogar com as crianças os momentos do início, meio e fim.

A escola de samba valoriza grandemente sua comunidade, a tradição, o cuidar,

a importância da participação de idosos e suas experiências, a importância das

crianças - mesmo não ganhando pontos, são valorizadas para formarem uma história

da escola, por isso, recebem atendimento especial. A educação infantil, deve ter como

foco a infância, sua valorização. Nenhum projeto vai caminhar sem a contribuição e

envolvimento também das famílias, elas precisam ajudar a criança a pesquisar, seja

na internet, em livros, revistas e trazer para a escola, se informar, se interessar pelo o

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projeto, pois isto faz a criança se interessar mais sobre o assunto e sobre o processo

de aprender.

O parágrafo anterior traz um ponto convergente entre a escola de samba e

projetos de trabalho na educação infantil: toda comunidade deve participar, sem os

profissionais responsáveis por cada setor da escola de samba a escola não funciona

e, muito menos, sem seus componentes. Assim, com os projetos, toda escola deve

se envolver: crianças, pais, gestão, outras turmas. Essa é a globalização do

conhecimento, a qual referem Hernández e Ventura (1998).

A escola de samba Rosa de Prata chegou a ter 700 componentes, de diferentes

idades, porque as pessoas se vêm como parte desta agremiação.

No histórico do carnaval paulistano já existem registros sobre a participação de

crianças e pessoas idosas nos corsos (desfiles motorizados) e, como passavam horas

neste, levavam grandes cestas de alimentos, e este clima entre diferentes idades

conseguia também reunir: pretos, brancos, idosos, jovens, adultos de meia-idade e

crianças, como uma grande família (SIMSON, 2007).

A Rosa de Prata, assim como a educação infantil tem em relação às crianças

uma preocupação com o cuidado delas. Na educação infantil ações pedagógicas se

misturam às ações de cuidado como ajudar a ir ao banheiro, a se limpar, ensinar a

escovação dos dentes, a guardar seus pertences, entre outros. Na Rosa de Prata,

tem-se uma preocupação com as crianças durante os ensaios, quando se preocupam

que os adultos sejam modelos positivos, que não bebam álcool na frente delas, se

preocupam com sua escolarização formal, fazendo parcerias com a Organização Não

Governamental (ONG): PROGEN – Projeto gente nova, em não ficarem sozinhas na

quadra da escola.

Durante o desfile a preocupação se torna maior, há uma preocupação com a

alimentação das crianças, se estão precisando tomar água, pois consideram a

participação delas, mesmo não contando pontos, preocupam-se que as crianças da

comunidade tenham contato com as tradições e pessoas mais velhas da escola para

perpetuarem essa prática.

Por isso, outra forma de inclusão que existe na escola de samba e que é muito

valorizada pela Rosa de Prata é a valorização dos idosos, além de reconhecerem a

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importância destes na manutenção das tradições da escola, consideram também as

suas contribuições e importância no desfile, tomando muito cuidado com eles,

oferecendo água, cadeiras de rodas, cuidando da ala das baianas que é composta,

em sua maior parte, por senhoras.

Lima (2010), explica o uso do termo velhice sendo substituído pela sociedade

contemporânea pelos termos “terceira idade” ou “melhor idade”. Estes termos negam

a história da velhice, já que a sociedade atual não quer aceitar ou nega a decadência

física, o retraimento, a perda de papéis sociais. Não usar os termos velho ou idoso

seria uma maneira de afastar ideologicamente a realidade da velhice.

Park (2005 apud LIMA 2010), nos fala que não usar o termo “velho” encobre

um debate sobre a função da velhice na sociedade atual, privilegiando uma busca

incessante pela longevidade, combatendo a velhice, que passa a ser alvo do

capitalismo, do consumismo, dos mercados.

Por isso, como defende-se aqui o carnaval não como espetáculo, objeto

capitalista, também será defendido que os componentes idosos da escola de samba

também não sejam vistos dessa forma encoberta pelo capitalismo descrita

anteriormente, mas como participantes do processo e respeitados em suas

características.

Já se notava a importância dos velhos e sua presença no carnaval paulistano,

quando eram vistas as senhoras que às tardes colocavam cadeiras nas praças e nas

calçadas para assistirem aos folguedos, mas não ficavam somente como

espectadoras, eram envolvidas na folia pelas brincadeiras, confetes, sendo chamadas

de vovós e a entrarem na dança (SIMSON, 2007).

Nota-se também, a presença dos velhos nos cordões carnavalescos

paulistanos em que estes eram os supervisores dos jovens, buscando zelar pelo bom

andamento da festa, ressaltando a importância da manutenção, também, de uma

tradição quando buscava-se uma permanência de um grupo familiar, com filhos,

netos, sobrinhos, assim como a criação de novos laços de parentesco (SIMSON,

2007).

Na escola de samba, foi relatado na entrevista, que embora o zelo e todo o

cuidado com os idosos, estes insistem em desfilar, passando inclusive, por cima de

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limites físicos e de saúde, tal o amor que sentem pela escola. Não é à toa que a morte

de um idoso da escola, cause tanta comoção e falta, como nota-se na fala dos

entrevistados.

Essa presença dos velhos e a valorização destes é algo muito importante que

também deve ser passado às crianças na escola formal. Assim, como a transmissão

de valores. É importante que se abra espaço para que os velhos cheguem

espontaneamente à instituição de educação infantil, a partir das oralidades e das

histórias que conhecem e podem contar, pela proximidade, contato, pois alguns

podem possuir acervos importantes, fundamentais para embasar as relações

intergeracionais.

Tanto o presidente, quanto o carnavalesco da Rosa de Prata, mencionaram a

preocupação em educar por meio de valores, dando exemplos positivos com o

objetivo de serem “espelhos” para a comunidade. Ao fazerem isso imprimem alguns

códigos de conduta; a educação infantil também deve focar-se nisso.

O trabalho com as crianças a respeito dos valores humanos, que consistem no

conjunto de qualidades que nos distinguem como seres humanos independentemente

de credo, raça, condição social ou religião deve estar presente na educação infantil.

Inerentes ao homem, as qualidades verdade, retidão, paz, amor e não violência são

alguns exemplos. Segundo Mesquita (2003) estamos vivendo em um mundo de

conflitos.

Nossa sociedade está envolvida pela violência, corrupção, jogos de poder,

desprezo pelo ser humano e pelo ambiente. “A solução desses problemas exige uma

verdadeira revolução na maneira de educar nossas crianças” (MESQUITA, 2003,

p.14).

Pais e professores devem se unir na tarefa de educar e de transmitir pelo

exemplo, valores às crianças. Ainda, de acordo com Mesquita (2003), o Brasil está

começando a valorizar o professor como peça essencial do processo educacional. O

educador, também, está percebendo que seu papel é muito mais amplo que transmitir

conteúdos, é formar cidadãos.

No histórico do carnaval paulistano já se via a preocupação com a transmissão

de valores. As apresentações dos cordões ressaltavam a “ordem” e o “respeito”.

Segundo um depoente dessa época,

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Havia respeito, que o principal é o respeito. A alma de toda brincadeira é o respeito. Era um carnaval livre, bonito, mas dentro de um padrão próprio do povo, que era o respeito (ZEZINHO DO MORRO DA CASA VERDE, apud SIMSON, 2007, p. 177).

Os parágrafos anteriores nos mostram a importância da comunidade, da

valorização de cada faixa etária, da valorização das tradições. Tönnies (apud Souza,

2007, p. 64 e 65), expressa bem isso nas palavras a seguir:

A comunidade se difere pela unidade de pensamento e de emoção, pela predominância dos laços estreitos e concretos e das relações de solidariedade, lealdade e identidade coletiva. A "sociedade", pelo contrário, caracterizada pela separação entre meios e fins, com predominância da razão manipulatória e a ausência de relações identitárias do grupo, com a conseguinte prevalência do individualismo e a mera agregação passageira. A falta de laços que verdadeiramente a unem será compensada pela competência e pelo controle.

Outra questão importante é com o Meio Ambiente. A escola de samba vem

preocupando-se com a preservação do meio ambiente, assim como a educação

infantil.

A Lei 9.795/99 estabelece que a Educação Ambiental deve estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, respeitando em suas diretrizes nacionais aquelas a serem complementadas discricionariamente pelos estabelecimentos de ensino (artigo 26 da LDB) com uma parte diversificada exigida pelas características regionais e locais, conforme preceitua o princípio citado no 4º, inciso VII da Lei 9.795/99, que valoriza a abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais e nacionais, e o artigo 8º, incisos IV e V que incentivam a busca de alternativas curriculares e metodológicas na capacitação da área ambiental e as iniciativas e experiências locais e regionais, incluindo a produção de material educativo (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, [s.d.]).

A Lei ainda identifica a Educação Ambiental como um processo, ou seja, uma vez iniciado prossegue indefinidamente por toda a vida, aprimorando-se e incorporando novos significados sociais e científicos. Devido ao próprio dinamismo da sociedade, o despertar para a questão ambiental no processo educativo deve começar desde a infância. A determinação para que a Educação Ambiental seja integrada, contínua e permanente implica o início do seu desenvolvimento na educação infantil sem futura interrupção (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, [s.d.]).

Park (2003) faz uma citação sobre a preocupação com a questão ambiental

A necessidade de consolidar novos modelos de desenvolvimento sustentável no país exige a construção de alternativas de utilização dos recursos, orientada por uma racionalidade ambiental e uma ética da solidariedade (PARK, 2003, p. 68)

A partir dessa preocupação, a lei 9.795/99 (Política Nacional de Educação

Ambiental), faz uma parceria com a educação formal ou não formal, visando ações na

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área ambiental, conscientizações que gerem atitudes e solucionem problemas

ambientais (PARK, 2003).

Na prefeitura de Campinas, as Diretrizes Municipais de Educação infantil já

trazem o Meio Ambiente como tema gerador

A nova gestão dos assuntos voltados à Educação Infantil pública municipal formalizou o Regimento Comum das Unidades Sócio Educacionais Municipais (Lei nº 7.776 de 19 de Janeiro de 1994) e, trouxe em seu currículo, uma organização didática pautada nos jogos, nas artes, na educação física e nas seguintes áreas consideradas de conhecimento: Linguagem Oral e Escrita, Ciências Sociais, Ciências Naturais e Matemática (CAMARGO;

GODOY, 2013, p.09).

Enfim, o Meio Ambiente entra nas Ciências Naturais e deve ser incorporado,

relacionado, ou trabalhado à parte dos projetos de trabalho, então, o educador pode

criar artisticamente representações do conhecimento obtido por meio de uso de

materiais recicláveis, o carnavalesco também, recicla fantasias anteriores, carros

alegóricos, além disso, usa materiais como garrafas pet, bolinhas de piscinas de

bolinhas, CDs, DVDs, pratinhos de festas (CAMARGO; GODOY, 2013).

Além de uma preocupação com o meio ambiente, a escola de samba e a

educação infantil devem se adequar às verbas que recebem, portanto, devem planejar

os recursos materiais e humanos que serão utilizados para o desenvolvimento de seus

trabalhos e enriquecimento deles. Neste momento de uso de recursos materiais cabe

bem uma fala de Pamplona (apud FARIAS, 2012), “deve-se retirar da cabeça o que

no bolso não há”.

Apesar do reuso de materiais e da reciclagem, a escola de samba e a educação

infantil, colaboram com a produção de lixo ambiental, pois transformar coisas que

podem ser recicladas em outras coisas, não resolve os problemas ambientais, pois

essas outras coisas produzidas também podem virar lixo. Ainda que façam reuso e

reciclem, falta exercitar o outro “pé” do princípio ambiental: a redução.

Então, é preciso desenvolver medidas para se reduzir o lixo e se respeitar os

princípios ambientais, pois como diz Garcia (apud PARK, 2003), não basta rechear os

dias das crianças com a construção e a montagem de objetos com materiais

descartáveis, é preciso contextualizar essas práticas à pesquisas e reflexões sobre o

assunto, com ações mais pontuais efetivas e educacionais em termos de melhorar a

ação das pessoas em relação à preservação ambiental.

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A precariedade de condições materiais, sociais e ambientais versus a

criatividade, é o que mais aparece na vida tanto do carnavalesco, quanto da do

educador infantil. Entretanto, há que se ressaltar a criatividade do carnavalesco no

aproveitamento dos materiais e na escola esse parece ser o “nó górdio”, pois acabam

sendo produzidos com baixa qualidade pelo uso de materiais simples e baratos.

Rodrigues (apud FARIAS, 2012) tem uma obra sobre as artes figurativas no

Brasil. Esta fala que o trabalho do carnavalesco possibilita o contato com materiais

nacionais como o manejo da palha, a estopa, o vime. Então, além da valorização e do

uso de materiais recicláveis existe algo que o educador infantil poderia aprender com

o carnavalesco: a usar materiais nacionais, típicos da natureza brasileira, orgânicos,

e a ensinar a criança a criar a partir deles, pois a geração de hoje mal conhece os

produtos da natureza e muito menos o processo de criar sobre eles, já que têm tudo

muito pronto ou lidam com derivados do plástico assim, é até uma maneira da criança

dar valor à natureza, ao meio ambiente, aos processos e não só aos fins, aos produtos

finais, geralmente comprados prontos, por isso, nem sempre valorizados.

As fotos a seguir mostram a composição de adereços feita com

reaproveitamento de materiais.

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Figura 5: Adereço feito com bolinhas de piscina de bolinhas

Fonte: Acervo da pesquisadora

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Figura 6: Adereços feitos com materiais recicláveis e garrafas pet

Fonte: Acervo da pesquisadora

Esse processo de criação é muito bem retratado por (ARAÚJO, 2010), quando

ela fala que o artista, aqui no caso, as crianças ou o carnavalesco, devem atribuir

sentidos às imagens que constroem, pois estas são detentoras de poética e estética

próprias.

No momento em que criam, sejam com materiais recicláveis ou não, suas

memórias entram em cena neste momento, há sempre uma intencionalidade criativa,

deixando marcas de diversas naturezas nessas criações, às vezes, até de forma

inconsciente e estas criações, o poder da imagem delas, podem auxiliar na elaboração

do conhecimento. Portanto, a imagem é reconhecida como veículo de conhecimento,

servindo como forma de expressão, representação, comunicação, narração

(ARAÚJO, 2010). Aqui nota-se, então, a importância das imagens quer estejam elas

nos projetos de trabalho, quer estejam presentes no desfile para esse processo de

construção do conhecimento.

Para comporem essas imagens com estética e poética as crianças e o

carnavalesco, os artistas aqui em questão, necessitam além das intenções

educativas, um conjunto de habilidades inerentes ao trabalho artístico, pois as

imagens podem reforçar ideias preconceituosas e estereotipadas, mas também

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podem ser libertárias, ampliando e reelaborando a tolerância ao outro, ao diferente.

Portanto, ao valorizar os projetos de trabalho ou o trabalho artístico da escola de

samba, deve-se procurar um planejamento, um apurado senso estético, humor

refinado e consciência dos seus propósitos educativos.

Uma questão muito convergente entre a escola de samba e os projetos de

trabalho na educação infantil refere-se ao processo de construção do conhecimento,

ao processo de pesquisa e ao relacionamento entre os conhecimentos. Crianças,

educadores e carnavalesco podem pesquisar sobre o tema nas mais diversas fontes:

internet, livros, jornais, irem a campo. Segundo o carnavalesco, o trabalho de campo

permite sentir o local, entrar em contato com detalhes que não têm na internet, que

nem sempre têm dados verídicos, para isso, tem que ter uma visão crítica do material

pesquisado.

Assim, as crianças também devem ser incentivadas desde cedo a terem

contato com diferentes fontes de informação, mas aprenderem que não existem

verdades absolutas e que o conhecimento não é estanque e pode ser relacional,

transdisciplinar e que é preciso ser crítico quanto aos seus conteúdos e mensagens.

Hernandez e Ventura (1998), entendem que a forma do conhecimento

acontecer é sob a forma do caleidoscópio, porém, eles não aprofundam esse conceito.

Para eles, “(...) tratou-se de ir substituindo o acúmulo linear de informação pela busca

de inter-relações entre diferentes fontes e problemas que pretendem conectar-se em

espiral em torno de estruturas de conhecimento” (HERNÁNDEZ; VENTURA, 1998, p.

38).

Elas resgatam a origem grega do termo caleidoscópio, que significa belo, ou

que permite uma maravilhosa forma de se ver o mundo, e que permite também, que

imagens fragmentadas sejam associadas. O caleidoscópio é algo que pode conter o

“universo”, figuras, cores, imagens geométricas diferentes etc, num mesmo espaço

limitado.

O ser humano tem a necessidade de compreensão, junção e interpretação do

mundo que é babélico, ou seja, contraditório e fragmentado. Fernandes e Park (2010)

valem-se do mito da Torre de Babel para referirem-se ao estado que o mundo se

encontra, usando a metáfora babélica da multiplicidade de línguas e da dispersão dos

homens, provocando perda da unidade.

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Na educação e na escola de samba, há inúmeros exemplos de diversidades,

sejam sujeitos diferentes, áreas de conhecimentos diferentes, mas que estão num

mesmo campo: o do conhecimento. Então, resta aos educadores ou à comunidade da

escola de samba integrar essas diferenças, não para assimilarem todas, o que é

impossível, mas para que como um caleidoscópio incluam-se as diversidades, e como

um feixe de luz atravesse-as e as revele conforme o movimento do caleidoscópio

revele sua autenticidade, beleza, no meio de um todo.

Em uma escola, no processo de conhecimento por meio do trabalho com

projetos isso é possível pois, quando determinado tema “ilumina” - como um

caleidoscópio - determinada linguagem, permite ir da matemática às ciências naturais

e físicas, ou de um saber a outro, destacando-o em determinado momento, mas

mostrando que está dentro de um todo, em um espaço limitado, só resta saber a hora

em que cada uma aparece, o por quê, a função e a importância seja para cada criança

individualmente ou para o grupo todo, a comunidade, se tiver sentido num tempo e

espaço.

Na escola de samba, o carnavalesco, ao ter em mãos o enredo pode relacioná-

lo a outras questões que forem surgindo tanto durante a pesquisa, “iluminando” como

que com um facho de luz o tema que estiver desenvolvendo no momento; o

carnavalesco chama isso de licença poética, que é como um “estender o braço”, sem

sair do todo. Observa-se este processo relacional também no desfile, até as cores

devem articular e dar sentido às alas; é a chamada “paleta de cores”.

Marjorie Perloff, (2010 apud A.P.N.; et al., [s.d.]), conceitua o termo licença

poética:

A licença poética é a liberdade concedida a um artista, não necessariamente um poeta, para se expressar criativamente, sem obediência rígida a um cânone, a uma gramática, a um código ou a um modelo convencional de escrita. Ao sabor deste tipo de liberdade, é possível encontrar os mais diversos desvios à norma poética, desde rimas falsas a versos de métrica irregular, desde temas obscenos em épocas de contenção moral a mistura de várias formas de expressão literária na mesma composição (A.P.N.; et al., [s.d.], p.01).

Segundo A.P.N. et al.( [s.d.]), licença poética pode ocorrer em artistas que

aspiram por liberdades de expressão. Às vezes, a intenção do erro é determinante

para passar uma mensagem e regras rígidas podem deixar uma determinada arte

artificial. Portanto, para os autores, a licença poética não tem limites, principalmente

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na poesia e na música, o que importa é o que quer expressar, podendo ter até uma

preocupação estética, servindo para criar impacto no leitor, ou espectador, ou

aproximar-se mais deles.

Enfim, o trabalho na escola de samba pode ser relacionado ao termo

caleidoscópio, utilizado nos projetos de trabalho, seja por Hernández; Ventura (1998)

seja por Fernandes e Park (2010), em que ao se pesquisar um assunto com relação

ao enredo, é como se o carnavalesco parasse o movimento do caleidoscópio, olhasse

para a imagem produzida naquele momento, para determinado assunto com toda sua

complexidade, como se neste momento desse uma licença ou estendesse seu braço

para dar espaço para que este assunto seja destacado, mas sem sair do todo que é

o tema do enredo. A imagem do caleidoscópio também mostra que o conhecimento é

sempre parcial e sempre tem arranjos momentâneos, dependendo da parada no

objeto caleidoscópio e da mirada lançada a ela. A imagem do caleidoscópio, na forma

como entendem as autoras, é um modo de olhar a realidade complexa, contraditória,

efêmera, babélica.

Fernandes e Romaguera (2015) associam também os projetos de trabalho e o

processo de conhecimento a uma cebola ou às bonecas matrioskas, ou seja, ambas

têm suas camadas, a cebola suas pétalas, as bonecas uma dentro da outra por ordem

decrescente de tamanho, num movimento de contenção e revelação, de dentro-fora-

dentro. Estes conceitos podem ser relacionados à metodologia para lidar com o

conhecimento dentro dos projetos de trabalho, onde tudo conversa com tudo.

Como disse em entrevista o carnavalesco Rubens Eduardo, ao se ter um

determinado tema, pode-se relacioná-lo a outro e voltar para o mesmo tema, como

disse no parágrafo anterior, como “estender o braço”, ou permitir uma licença poética,

é o movimento dentro-fora-dentro ou como ousou dizer Fernandes (apud

FERNANDES; ROMAGUERA, 2015) tanto o trabalho do carnavalesco como os

projetos de trabalho em educação infantil, permitem lidar com “janelas escancaradas

e sem tramelas” (p.45).

Licença poética, “estender o braço”, seriam essas janelas escancaradas e sem

tramelas, tanto na escola de samba, quanto nos projetos de trabalho em educação

infantil, pois também, comparando estes termos a um caleidoscópio, pode-se dizer

que, ambos trabalham com peças, fragmentos que se compõem, se conjugam, se

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aproximam, se juntam, se afastam, formando imagens, rabiscos e esboços, que são

contagiantes, com elementos subjetivos, imaginativos, ficcionais. A forma peculiar de

relacionar e juntar e de propor significados e interpretações para os fragmentos

recolhidos é um verdadeiro espetáculo, um que se encerra na avenida, com o desfile

e outro faz verdadeiros laços nas vidas dos envolvidos num projeto de trabalho. Para

melhor representar isso, o trecho abaixo indica que,

Se, por um lado, os laços unem, por outro eles o fazem de forma frágil, já que podem ser desfeitos por um descuido, um deslize, um lapso. Mas, os laços também não indicam perenidade, e sim movimento – faz, desfaz, faz de novo, desfaz novamente – e variabilidade em sua duração. Os laços dão abertura para a liberdade, para o caminhar autônomo, para as buscas individuais, como a pipa que, em dia de vento, busca o céu e outros lugares desconhecidos ao se soltar da mão do empinador (FERNANDES; ROMAGUERA, 2015, p. 52).

A Tabela 1 a seguir apresenta o processo de pesquisa realizado na escola de

samba e nos projetos em educação infantil, de modo a permitir observar

convergências e divergências:

Tabela 1: Etapas do processo de pesquisa na escola de samba e na Educação Infantil

Escola de Samba Educação Infantil

Como surge o tema? Através de objetos que

sobraram de carnavais

anteriores.

Tema natural: atual e

cotidiano;

Tema comercial: com

patrocínio

Através de objetos deflagradores

carregados de simbologia que

possibilitem discussões filosóficas,

estéticas, éticas, etc.

Quem escolhe o tema? Carnavalesco o escolhe

juntamente com a

direção da escola de

samba (numa pré-

reunião)

Educador infantil escolhe

juntamente com a sua turma;

Pode ter contribuições das famílias.

Objetivos (o que pretende

alcançar)

Agradar os jurados, os

espectadores, tema do

O que se pretende alcançar a partir

de perguntas norteadoras do

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enredo aparecer na

avenida e permitir

ganhar o desfile

projeto, ou seja, ir respondendo às

perguntas que surgem dos

interesses, curiosidades e

interesses do grupo.

Formar a criança.

Como busca informações Pesquisas na internet,

pesquisas de campo,

entrevista pessoas que

saibam sobre o tema

Pesquisas na internet, livros, DVDs

pesquisas de campo, entrevista

pessoas que saibam sobre o tema,

principalmente com a ajuda das

famílias e pessoas da escola.

Formas de registro Sinopse, Fotos (das

fantasias, desfiles

anteriores, materiais

produzidos), apostila

para os jurados,

filmagens e o desfile

como registro vivo e em

movimento

Fotos do processo do projeto, do

que foram descobrindo, criando,

portfólio de atividades sobre o

projeto (lugar de memória delas),

filmagens, registros da professora

em relatórios mensais.

Conhecimento

“caleidoscópio”

Dar sentido aos

conhecimentos obtidos

no enredo, samba-

enredo, licença poética,

paleta de cores,

fantasias tudo articulado

dando sentido na

avenida e retratando o

tema escolhido.

Conhecimentos que vão surgindo

em relação ao tema, pára neste

conhecimento por um tempo e

depois o relaciona ao tema geral.

Temas

Preocupação em não

repetir os temas dos

carnavais anteriores

Poderia dar continuidade aos

projetos de anos anteriores.

Duração

Ano todo Geralmente enquanto houver

interesse dos envolvimentos no

projeto. Potencializar espaço-tempo

para os projetos não serem

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abortados por férias, término do

ano, mudança de professor etc.

Linguagens artísticas

envolvidas

Música: samba

Desenho: croquis

fantasias

Construções de carros

alegóricos e fantasias

Dança: desfile

Criação com materiais

recicláveis ou não

Improvisos

Músicas: que tenham a ver com o

tema;

Desenhos das crianças sobre o que

aprenderam.

Atividades, criações com diversos

materiais recicláveis ou não;

Danças sobre o tema

Improvisos

Construções

Relações sociais que

possibilitam

Entre a comunidade,

entre as diferenças,

valorizando tradições, o

velho, as crianças,

transmissão de valores

como respeito

Entre as diferenças, entre crianças-

crianças, criança-educador,

crianças- educador- equipe escola,

crianças, escola e comunidade

Transmissão de valores morais e

éticos

Conclusões Retratadas na

performance do desfile

na avenida, valoriza mais

o fim. Ensinar

componentes,

comunidade,

espectadores e jurados.

Avaliação do que as crianças

aprenderam através do processo,

das pesquisas, dos registros, das

diversas linguagens em que

expressam o conhecimento;

Visão crítica do conhecimento;

Ludicidade,

Artes,

Desenvolvimento de noções de

pertencimento, identidade,

cidadania;

Formação moral e estética;

Apresentações finais sobre o

projeto.

Embora ambas se denominam escolas, pode-se dizer que são escolas sem

muro, já que são entendidas nesta pesquisa como não formais (a escola de samba) e

em vias não formais ou não escolar (a educação infantil), justamente por não

representarem o convencional ou o normativo proveniente da educação formal.

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Tanto a escola de samba como a educação infantil são instituições bastante

hierárquicas e que se organizam de forma piramidal, ou seja, no topo encontra-se o

cargo mais abrangente e na sequência aparecem os demais cargos distribuídos em

níveis.

No caso da escola de samba, segundo Fernandes (2009 apud (LOPES;

MALAIA, VINHAIS, [s.d.]) a estrutura organizacional se dá da seguinte forma:

...é constituída, em sua maioria, por um presidente, um presidente de honra e diretores com atribuições em diferentes áreas, tais como: administrativo, financeiro, jurídico, de carnaval, de barracão, de harmonia, de assessoria de comunicação, de bateria, cultural, social, de patrimônio etc. Fazem parte ainda do seleto grupo integrante das agremiações as equipes responsáveis pela limpeza, zeladores e vigias (p. 9)

O carnavalesco se encontra abaixo dos diretores e é ele quem, normalmente

escolhe os profissionais especialistas como ferreiros, marceneiros, carpinteiros,

escultores, eletricistas, iluminadores, desenhistas, cenógrafos, figurinistas,

aderecistas, costureiras, bordadeiras, vidraceiros, pintores, ceramistas e decoradores,

que dão concretude as suas ideias e croquis (LOPES, MALAIA e VINHAIS, s/d, p. 9).

Os velhos e as crianças, bem como a comunidade, ou estão na base ou não

estão evidenciados na estrutura, pois que estão invisibilizados no trabalho de

realização das obras ou aparecerão no momento ápice do carnaval que é o desfile na

avenida.

A estrutura organizacional do sistema formal de ensino do qual a educação

infantil faz parte se dá da seguinte forma, em três níveis: a) institucional (órgãos de

administração e gestão); b) coordenação (conselhos, supervisores, coordenadores,

diretores, vice-diretores); c) técnico operacional (professores, alunos, demais

funcionários). De acordo com a lei n 6894 de dezembro de 1991, que dispõe sobre o

estatuto do magistério público e dá providências correlatadas eis o exemplo de alguns

cargos e suas respectivas funções10:

§ 2º - Toda unidade Educacional do Ensino Fundamental terá um Vice-Diretor e a unidade que tiver período noturno ou conforme a sua complexidade poderá contar com mais um Vice-Diretor.

10 Trecho da lei orgânica de Campinas, disponível no endereço eletrônico: https://leismunicipais.com.br/a/sp/c/campinas/lei-ordinaria/1991/689/6894/lei-ordinaria-n-6894-1991-dispoe-sobre-o-estatuto-do-magisterio-publico-e-da-providencias-correlatas. Acesso em 07/09/2016.

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Art. 10 - Os ocupantes de cargos das classes de especialistas de educação atuarão, conforme suas respectivas especialidades, no Ensino Fundamental, na Educação Infantil e na educação Especial, com as seguintes atribuições: I - Vice-Diretor - compõe a equipe de gestão da unidade Educacional auxiliando o Diretor no desempenho de suas atribuições e substituindo-o nas suas ausências e impedimentos; II - Orientador Pedagógico - realiza o assessoramento pedagógico aos componentes das equipes de trabalho. Participa da elaboração, desenvolvimento e avaliação do Projeto Pedagógico. Atua na integração com a comunidade das Unidades Educacionais e dos demais Coordenadores Pedagógicos nas suas ausências e impedimentos. III - Diretor Educacional - atua na coordenação do processo de gestão, conjuntamente com os componentes das equipes de trabalho das Unidades Educacionais e da Secretaria Municipal de Educação; IV - Coordenador Pedagógico - Atua na elaboração, coordenação, avaliação dos trabalhos, projetos e grupos de estudos propostos e desenvolvidos pela rede municipal de ensino e/ou por outros órgãos educacionais públicos; e/ou atua no assessoramento aos orientadores pedagógicos para o desenvolvimento do seu trabalho nas unidades educacionais. V - Supervisor Educacional - atua no acompanhamento, assessoramento, avaliação e pesquisa do processo administrativo pedagógico das unidades educacionais integrado as equipes de trabalho, sendo responsável pela orientação das mesmas, de acordo com a política educacional e legislação em vigor. Atua também na elaboração das normas e procedimentos legais necessários ao cumprimento da legislação em vigor.

As crianças e a comunidade aparecem também na base ou em um nível antes,

o que implica pensar que eles é que dão a sustentação para todo o “prédio” que o

organiza.

Tanto o carnavalesco quanto o educador se localizam no “meio” da hierarquia,

fazendo o elo de ligação entre a base e a superestrutura, articulando posturas políticas

e pedagógicas ou educativas de modo a que a parte criativa dê conta de pôr em

prática éticas e estéticas, formação e socialização.

A parcela de educação e de cuidado está presente na educação infantil e na

escola de samba, tanto com as crianças quanto com os idosos. Entretanto, talvez, se

possa dizer que na escola de samba, se assumam mais riscos ao incluir a criança e

que, talvez, na escola, os riscos sejam minimizados ao se evitar algumas situações.

A formação do educador para o sistema formal advém de um ensino acadêmico

e universitário que, muitas vezes, não o prepara para o trabalho por projetos.

Entretanto, as aprendizagens e os modos de fazer acontecem no cotidiano, por meio

de troca de experiências, de cursos de formação que acontecem ao longo da

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experiência docente, de modo que o tateio e o erro também perpassam a construção

do ser educador. O mesmo pode se afirmar para o caso do carnavalesco.

Independentemente de sua formação – acadêmica ou não -, é a experiência anterior

– obtida na própria vivência na escola de samba e as de sua biografia – bem como

experimentações no cotidiano ajudam a construir seus fazeres e saberes.

As análises dos dados permitem visualizar convergências e divergências entre

os modos de proceder a construção de conhecimento em ambos os espaços, não

escolar e não formal e, especialmente, mostra o quanto educação, arte e cultura estão

em interface e não podem ser desmerecidas.

Talvez, inclusive, se possa afirmar que as ideias que compõem a metodologia

de projetos de trabalho advenham do fazer artístico, ainda que no campo da educação

formal ela assuma menos riscos e se normatize. Porém, a educação infantil permite

que se experimente o fazer artístico como modo de constituição de sua identidade a

partir da flexibilidade de seu currículo e de uso de metodologias.

As divergências marcam especificidades de cada lugar na sociedade e de sua

função institucional. Entretanto, a pesquisa mostra o quanto a educação infantil pode

ousar e assumir para si o trabalho com cultura e arte.

A contribuição da pesquisa para a escola de samba seria o fato de que o

processo é tão mais importante do que o produto final e que aquele é visibilizado o

tempo todo, enquanto que na escola de samba, o processo é a via para o produto final

que é o que, realmente tem visibilidade. Será que o carnavalesco poderia assumir o

desafio de mostrar o percurso de criação e de construção no momento do desfile e

que a escola de samba como um todo se interessasse por assumir seu papel

educativo muito mais do que espetáculo?

Essas perguntas finalizam as análises e se abrem para reflexões e para futuras

pesquisas que atrelem o trabalho da educação infantil e da escola de samba, bem

como suas metodologias e formas de construir o conhecimento.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS. FINALIZANDO O “DESFILE” DA PESQUISA: A

ARTE, CULTURA E EDUCAÇÃO PRESENTES NA ESCOLA DE SAMBA E NA

EDUCAÇÃO INFANTIL

O objetivo desta dissertação foi analisar as contribuições do trabalho educativo

desenvolvido pela escola de samba, espaço não formal, para se repensar os projetos

de trabalho na educação infantil, espaço não escolar. Para tanto, as convergências,

divergências e complementaridades de um espaço e de outro foram elencadas e

evidenciadas em seus pontos fortes, especialmente no que toca a interface entre

educação, cultura e arte.

Foi visto nesta dissertação que a educação infantil é uma etapa muito

importante para a criança, principalmente para a valorização da cultura na qual

pertence, lançando um novo olhar sobre ela, principalmente através dos projetos de

trabalho que priorizam as diversas linguagens das crianças, através das artes, de

forma a valorizar nesta fase também, o belo, o estético, como visa a escola de samba

para desfilar na avenida. Além disso, vimos que a arte vai ao encontro da criança

concebida como devir, ou seja, respeitada em seu momento presente, em seu

momento de criação.

Tanto na escola de samba como na educação infantil há aprendizagens que

ocorrem espontaneamente, que se dão na coletividade e, como muitas vezes, não

são explicitadas é preciso revelá-las.

A revelação na escola de samba pôde ser vista na união da comunidade, na

participação dos componentes em prol de um bom desfile, na valorização das

crianças, dos velhos e dos valores como respeito. Na criança isto é revelado quando

a escola formal desenvolve atividades que as representam, que valorizam suas

habilidades, onde podem ouvir histórias de gerações anteriores sendo espelhos para

as gerações atuais, em que a criança consegue se ver. Pena que muitas vezes, a

escola formal mais homogeniza através de currículos prontos e predeterminados, que

não permitem a revelação do sujeito, levando a um desinteresse, evasão, exclusão.

Por isso, a escola de samba Rosa de Prata chegou a ter 700 componentes, de

diferentes idades, porque as pessoas veem-se como parte desta agremiação.

A escola de samba também, além de poder contribuir com a parte pedagógica

dos projetos mostrou que o sujeito pode refletir sobre questões políticas e sociais,

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sobre a sociedade desigual e a história do Carnaval, que evidenciava contradições

sociais. Além disso, mostrou a luta do negro, do pobre por espaços de participação,

seja nas cidades, seja na sociedade de maneira geral, e suas manifestações como o

samba que possibilitaram a essa camada mais marginalizada “aparecer” de alguma

maneira em nosso país.

O mesmo se dá na escola formal onde existem inúmeras desigualdades, e se,

a criança como na escola de samba tiver como “aparecer”, manifestar-se através de

diferentes formas de expressão: seja através da música, dança, artes de maneira

geral, há um aumento em sua autoestima, autonomia, a criança tem motivação para

ir à escola, pois se vê nela, como parte dela.

O processo de construção de um projeto de trabalho passa por “etapas”

semelhantes ao que faz o carnavalesco na preparação do desfile.

Através desta pesquisa viu-se a contribuição muito importante da escola de

samba no processo de construção do conhecimento, como ao escolher um tema de

enredo. A escolha de um tema, seja na escola de samba, ou na educação infantil

supõe não absorver algo pronto para ambos, mas possibilita um refletir sobre algo,

uma intuição inicial, a lembrança de uma memória seja individual ou social sobre este

algo, ou objeto deflagrador; permite o imaginar, o criar, o planejar, o objetivar, o

pesquisar. Tanto no trabalho do carnavalesco quanto do professor não existem

cartilhas, receitas, mas devem haver reflexões sobre um tema que englobem um

grupo determinado e com suas peculiaridades.

O trabalho na escola de samba e na educação infantil permite também, um

encontro com o erudito, permite que professor e carnavalesco estudem sempre,

atualizem-se, pesquisem e passem este modelo para o seu grupo, como vimos na fala

do carnavalesco onde determinado componente se interessa pela história da sua

fantasia, sobre a sinopse do enredo, o que estes significam.

A criação da Escola de Belas Artes e o Teatro Municipal trouxeram para o

carnaval a necessidade e almejo, principalmente por parte do carnavalesco por uma

cultura erudita. A educação infantil, deve aproximar as crianças dessa cultura, das

grandes obras de arte, da história de importantes pintores, compositores, de

literaturas, poesias, escritores. Estes, servem de exemplos tanto para os

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componentes da escola de samba quanto para as crianças, para que com base neles,

deixem aflorar os artistas que existem dentro de cada um.

Deixar aflorar essa arte nos sujeitos é respeitar uma necessidade interior e

inevitável, já que criatividade está presente em todos os sujeitos de todas as camadas

sociais. As vivências que o carnavalesco e que as crianças e educadores infantis

compartilham em sociedade estão presentes em seus trabalhos.

Como vimos nesta dissertação, é importante produzir projetos significativos

para si e para os espectadores - no caso da escola de samba, de forma que essas

“artes do fazer” baseadas na concepção de Certeau, (1998), sirvam para desmascarar

artes produzidas e manipuladas pelas “elites”, que são muito distantes de suas obras

naturais e só servem para incentivar o consumismo e o capitalismo.

O mesmo deve dar-se com os projetos em educação infantil, de forma que a

expressão artística da criança não se transforme em produto e não retire sua inteireza

e completude.

Por isso, a criatividade deve ser retroalimentada com mais experiências

criativas, pois assim, crianças, educadores infantis e membros da escola de samba

sentem-se em relação e sintonia com o que produzem, com suas obras, ampliando,

ressignificando e facilitando novamente o fazer criativo.

Viu-se também que nestes espaços os desenhos possibilitam uma liberdade à

criação, à criação do carnavalesco com os croquis, refletindo esboços de suas

intenções, idealizações, e que não precisam de técnicas. O desenho permite

projeções de sentimentos, desejos, de aprendizagens tanto na educação infantil,

quanto na avenida do samba, onde virão representados nas fantasias, nos carros

alegóricos.

A música, por sua vez, pode fazer parte dos projetos de trabalho e podem ser

uma síntese dos projetos ou pode-se aprender sobre assuntos através da escolha de

boas músicas, de suas letras, o mesmo se dá com o samba enredo.

Esta dissertação trouxe a importância do registro tanto no trabalho da escola

de samba, quanto dos projetos, pois permite a organização dos conhecimentos, do

processo do trabalho, permite ver os avanços e desavanços, o “guardar” memórias, o

transmitir conclusões para outros, sejam outras turmas, sejam para as famílias,

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jurados ou espectadores do carnaval, permitindo também, reflexões, avaliações

destes.

Algo marcante da escola de samba e dos projetos de trabalho é a pesquisa,

ambos permitem o pesquisar em diferentes fontes, mas não fazendo um acúmulo

linear de informações, mas fazendo como o caleidoscópio tão citado nesta pesquisa,

que permite um lançar luz ou uma iluminação sobre determinado assunto.

Viu-se que além da escola de samba contribuir com o currículo da educação

infantil, com os projetos de trabalho, o seu próprio espaço e forma de ser já são

educativos, mostrando que a educação pode se dar em qualquer lugar quando se tem

intenções, objetivos, união, debates, divergências, encontros de culturas, de

gerações, pois são estas que levam o sujeito a descobrir através de reflexões o seu

papel social, político e transformador da sociedade, que é o verdadeiro sentido da

educação.

Esta dissertação pretende dar contribuição para a área da Educação no sentido

de se construírem práticas educativas mais centradas no trabalho coletivo e na

participação da comunidade, bem como de assumir a arte e a cultura como áreas em

diálogo com a educação.

A contribuição para a pesquisa em Educação sociocomunitária se dá na

originalidade da abordagem, haja vista que são poucas as pesquisas sobre os projetos

de trabalho na educação infantil – diferentemente da presença no ensino fundamental

e médio – bem como a articulação entre educação não formal e não escolar,

entendendo que a educação é diferente de ensino e que aquela acontece o tempo

todo, em diferentes lugares, pela via da socialização nos grupos de que participamos.

Desta forma, a dissertação alimenta os debates no campo educacional e no

campo da pesquisa e se compromete em promover discussões e difusão de

conhecimento.

Como devolutiva da pesquisa para os sujeitos envolvidos diretamente opta-se

por convidá-los para assistir à defesa deste trabalho e uma possível apresentação

para a comunidade da Rosa de Prata, e para a comunidade mais ampla, opta-se pela

divulgação em eventos científicos e artigos acadêmicos. Para a rede pública municipal

de Educação de Campinas-SP opta-se por estar à disposição dos NAEDS e da escola

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em que trabalho apresentando em TDC (Trabalho docente coletivo) para a equipe

escolar este trabalho.

Enfim, há convergências e divergências, bem como complementaridades entre

o trabalho desenvolvido na escola de samba e o trabalho por projetos na educação

infantil; ambos reúnem vários tipos de linguagem: dança, música, artes, performance,

ambos visam envolver e valorizar o coletivo, ambos requerem planejamento flexível e

aberto, organização, registros, ambos valorizam a pesquisa, mesmo que para fins

diferentes (escola de samba, desfilar, ganhar o desfile; crianças na escola,

aprenderem, aprender tendo inúmeros significados: autonomia, reflexão, criticidade,

liberdade, conhecimento de si, do outro, de mundo, conhecimento do belo-estético).

Ambos, estão no tripé arte, educação e cultura seja na avenida do samba, ou na

“avenida” da vida, em cenas temporárias, iluminadas ou cenas registradas para

sempre na memória. Por isso, considera-se importante conhecer mais a fundo o

trabalho nas escolas de samba e terem mais pesquisas sobre essas convergências

para que se atinjam os objetivos de um novo olhar sobre a educação infantil não

escolar, e que necessita, assim como uma escola de samba, desenvolver a arte do

criar, do respeitar o outro, do pesquisar, relacionar conhecimentos, de forma lúdica e

esteticamente bela.

.

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APÊNDICE 1

ENTREVISTA COM O PRESIDENTE DA ESCOLA DE SAMBA

Ficha do Entrevistado

Nome: Rafael Rosa

Idade: 31 anos

Formação: ensino médio completo/ Conservatório Dramático Carlos Gomes

Profissão ou função: Músico e vice-presidente da Rosa de Prata

Lugar de trabalho: Sede Social da Vila Castelo Branco e sede da Rosa de

Prata

Cidade/Estado: Campinas/SP

Data da Entrevista: 28/10/2015

Lugar da Entrevista: Quadra da Rosa de Prata

Tempo de duração: 43 minutos de gravação, mais meia hora sem gravação.

Como combinado apareci no dia 28, uma quarta-feira às 17 h lá na sede da

Rosa de Prata.

Ao entrar, perguntei pelo Rafa Rosa, e ele já estava à minha espera. Me

apresentei e, disse-lhe que fui indicada pelo diretor Jorge.

Entramos no salão da sede e logo, vi uns bonecos gigantes num canto, que ao

final da entrevista descobri com o vice-presidente que são partes dos materiais do ano

passado que estão sendo transformados para o Carnaval deste ano.

O vice-presidente pegou uma cadeira, foi se desculpando pelo local, que disse

estar bagunçado e sentou-se em uma cadeira na minha frente. Expliquei-lhe que era

aluna do mestrado da Unisal e que estou desenvolvendo uma pesquisa que visará

uma relação entre a escola de samba e a escola formal. Que eu sou professora de

Educação Infantil da Prefeitura de Campinas, e que a “metodologia” que trabalho é

através de projetos e que eu penso que a escola de samba faz um trabalho de

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pesquisa parecido ao preparar-se para o Carnaval, para o desfile e, que poderíamos

aprender com ela.

Falei que escolhi a Rosa de Prata, pois nasci na Castelo Branco, na rua, antiga

29, contei-lhe do fato de quando era criança citado acima neste capítulo, e

conversamos sobre algumas coisas do bairro e, acabamos por descobrir que ele foi

ex-aluno da minha mãe e, sabe inclusive, onde ela mora hoje.

Em seguida, li as duas fichas de autorização do Centro Universitário Salesiano

de São Paulo, ele concordou e assinou, inclusive, para tirar fotos, gravar áudio e falei

que daria retorno à pesquisa.

Ao pegar em mãos meu roteiro, falei que iniciaria a gravação, ele concordou,

liguei o celular e começamos. (Utilizarei P: para pesquisadora e V-P: para vice-

presidente).

P: É... Eu estou aqui com o vice-presidente da Escola de Samba Rosa de

Prata... é Rafa Santos, né?

V-P: Rafa Rosa

P: Rafa Rosa, perdão...rs...é então eu vou começar com algumas perguntas tá,

é...o que você não souber fica tranquilo tá, não tem problema, depois a gente se

informa...Annn...Você poderia contar como que surgiu a Rosa de Prata, você sabe um

pouquinho da história?

V-P: A Rosa de Prata surgiu no ano de 75, 1975, é..o fundador dela foi o Seu

Aloísio Jeremias, hoje morador do bairro ainda, e, ele foi fundador disso, ele cresceu

no bairro Costa e Silva, e tinha uma escola de samba lá, que hoje é a Estrela D’alva,

e com essas influências do samba, o Seu Aloísio gostou e trouxe a cultura pra cá, e

tentou montar essa escola aí. No início, no início, foi se colocado como Rosa do

Futuro, aí ele começou um trabalho tal, ele começou com crianças a partir de oficinas

de percussão, de artesanato, de pintura, e a coisa foi tomando forma, foi crescendo,

aí passou a ser uma escola de samba grande mesmo, aí ele trouxe o nome de volta

pra Rosa de Prata.

P: Certo... e você está aqui desde quando?

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V-P: Eu comecei em 1999, comecei como batuqueiro, eu aprendi a tocar e

comecei a desfilar na bateria, em 99 o Carnaval foi descentralizado pros bairros, então

a gente fez aqui um desfile aqui na rua da feira, que eu não vou me recordar o nome

da avenida, foi feita aqui na rua da feira, aqui no bairro mesmo.

P: Certo...àquela feira que tem de domingo? Ah Tá!

V-P: Aí, e a partir daí eu tomei gosto pela coisa e fui indo, aí quando foi no ano

de...2007...a escola parou em 99, não...desculpa, em 98, a escola foi campeã do grupo

especial, em 99 o Carnaval foi descentralizado, em 2000 a escola não participou, a

escola voltou a participar no Carnaval oficial de Campinas em 2004. De 2004 até 2007,

a escola ficou parada, a escola voltou no Carnaval oficial de Campinas em 2008,

fizemos um desfile homenageando o Bosque dos Jequitibás. Ficamos no segundo

grupo, ficamos em terceiro lugar. Em 2009, a gente ganhou o acesso, subimos para o

grupo especial falando do Castelo Branco, o tema foi sobre o Castelo Branco. Daí em

2010 ganhamos um título, em 2011 eu passei a ser diretor de bateria, aí em 2011

ganhamos um Título de novo, 2012, o Carnaval foi descentralizado, continuei como

diretor, em 2013 foi descentralizado de novo, foi só pra cumprir regulamento e,

continuei como diretor, aí em 2014 a gente teve uma eleição, aí a gente teve uma

eleição em 2014 e me elegeram como vice-presidente, aí de 2014...desculpa, em

2014 continuei sendo diretor de bateria, ficamos em quinto lugar, um Carnaval

horrível, Carnaval horrível...

P: Isso em 2014?

V-P: 2014, um Carnaval ruim, Carnaval pra esquecer, ficamos em quinto lugar,

quase caímos pro segundo grupo, aí foi que em 2015 teve eleição, em 2015 teve

eleição, me elegeram como presidente, aí teve uma complicação nos votos lá, fizeram

a votagem de novo, aí eu vim pra vice, e o atual continuou sendo presidente, que era

o Marcos Jeremias, o Marcão. Aí em 2015...continuamos, ficamos em vice lugar,

perdemos por meio ponto, agora em 2016, 2016, eu sou o presidente atual.

P: Que legal! E quais são suas funções de vice-presidente?

V-P: A o vice tem que suprir a ausência do presidente né? O Vice, o que o

presidente não puder fazer, ele que toma as decisões, tem que estar sempre

buscando, angariando fundos, tem que buscar novas parcerias...

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P: Isso eu tenho de pergunta também. Eu fiquei com uma dúvida, quando você

fala de descentralizado o que seria? O que seria o Carnaval ficou descentralizado?

V-P: O Carnaval descentralizado é assim, o pessoal, tipo assim, a gente tem

no primeiro grupo, no grupo especial do Carnaval são seis escolas, eles colocam cada

escola para desfilar num ponto de Campinas, num ponto assim... que eles acham que

é, tipo assim...como eu posso dizer pro cê...

P: Principal? Assim de destaque?

V-P: É, um ponto de destaque de Campinas, eles vão colocando as escolas lá

e o desfile é realizado lá, mas só que não é válido, não vale, não tem competição

P: Entendi...Você sabe quais são assim, os participantes de uma escola de

samba, assim, mais ou menos, assim os principais?

V-P: Os principais pontos de uma escola de samba...

P: Que você falou que você além de vice-presidente, é da bateria... aí tem a

bateria, tem a Harmonia...

V-P: Os principais pontos de uma escola de samba são: a Bateria, o Casal de

Mestre Sala e Porta Bandeira, Comissão de frente, e a Ala das Baianas, assim, é

assim que é uma coisa primordial numa escola de samba.

P: E vocês têm todos esses?

V-P: A gente tem. Isso aí!

P: Você sabe me dizer quantos participantes têm mais ou menos?

V-P: Olha, no Carnaval de 2015 agora, a gente levou para a avenida 548

componentes.

P: Nossa, bastante.

V-P: Quando a gente conseguiu o primeiro título do Carnaval no campeonato

especial, a gente foi escola de destaque, e levou para a avenida 776 componentes.

P: Nossa, e é tudo aqui da região?

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V-P: É, a maioria é do bairro, aqui eu costumo dizer que o pessoal, que, assim

pra gente aqui, o burocrático do Carnaval é difícil, pra lidar com Prefeitura, com verba,

com essas coisas todas, aí a gente costuma fazer festa, evento, ou faz rifa.

P: Entendi...igual escola mesmo.

V-P: Pra tentar você trazer algum caixa pra escola, alguma coisa, mas, aqui a

gente costuma dizer que o pessoal é bem apaixonado, porque gosta mesmo.

P: Ai que legal, assim que vai pra frente! E como que faz assim, pra ser um

participante?

V-P: Ah...começar a frequentar, começa a frequentar, ter presença nos ensaios,

a gente tem também o ateliê lá embaixo que funciona pra fazer as fantasias, que são

confeccionadas as fantasias aqui...

P: Aqui também faz?

V-P: Aqui são confeccionados os carros alegóricos e lá embaixo são as

fantasias, aí o pessoal que quiser participar tem que vir, deixa o nome lá embaixo

onde é feita as fantasias e pode participar, você escolhe sua ala, a gente faz os

croquis. Croquis é o desenho das fantasias que vão pra avenida, aqueles desenhos,

croquis eles são, têm que ser oficializados, assim, você tem que fazer o desenho, leva

no cartório, registra, eles vão ver, de acordo com a sinopse, tem que estar tudo

certinho, você apresenta na Prefeitura e aquilo lá que tem que ir pra avenida, aquilo

lá vai numa pasta na mão dos jurados, tem que fazer tipo um...como eu posso

falar...tem que fazer tipo uma apostila, contando o seu Carnaval, vamos supor: você

vai falar do Pato Donald... sei lá. O Pato Donald ele vem de uma instituição, do Wald

Disney, suas cores, seu pavilhão e assim vai, é feita uma apostila que é entregue na

Prefeitura.

P: E tem que ter coerência entre o tema do enredo?

V-P: Porque pro jurado poder te julgar ele tem que te julgar por ali, ele vai pegar

sua apostila e vai ver seu Carnaval ali, se você conseguiu fazer o desfile contando o

que está ali.

P: E vocês entregam quando essa apostila?

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V-P: Isso é entregue sempre no começo de janeiro, entre 10, 15 de janeiro, isso

aí, eles já estão pedindo...

P: Ah...legal...Quais os profissionais ou sujeitos imprescindíveis de estarem

junto na concretização do Carnaval dessa escola, assim é... que que é assim...mais

imprescindível, qual o profissional mais, que assim, não pode faltar pra concretizar o

desfile, pra ele acontecer?

V-P: Se for se tratar de profissional a gente tem bastante, tem bastante porque

assim, a gente conta com os músicos de Campinas hoje que eu conheço bastante,

músicos de nome, de Campinas, eles vêm pra compor a ala musical, o pessoal que

desce cantando, as crianças cantando, a harmonia, cavaco, violão, tamborim. A gente

conta também com o Carnavalesco que dentro da escola ele é o profissional, ele é

remunerado pra isso, tanto quanto os músicos que descem na ala musical. Aí a gente

tem o nosso serralheiro, que é o rapaz que faz os carros alegóricos, quem mais...a

gente tem que ter o tesoureiro, o tesoureiro tem que ter....a experiência...

P: Com uma parte burocrática?

V-P: Tem que ter experiência, experiência pelo menos no ramo, acho que de

profissional, é isso, mas eu costumo dizer que o pessoal, a gente, a gente é meio

que...um artista, mas meio louco né? Porque o pessoal aqui, você pega uma pessoa

que nunca trabalhou, uma pessoa que nunca trabalhou no modo assim, ele tipo

assim...se ele pegar esses instrumentos, aí ele vai conseguir reformar todos, vai

conseguir pintar, deixar tudo, mas ele nunca fez aquilo...

P: Já nasce com um dom?

V-P: É bem isso daí que eu queria dizer, então aqui tem bastante pessoas

assim...

P: Que bacana, artistas mesmo!

V-P: Tem bastante pessoas assim, tem o dom do que faz mesmo. O rapaz que

trabalha junto com a gente, o Adenilson Fernandes...

P: Ele é o Carnavalesco?

V-P: Não, não, ele ajuda o pessoal da serralheira dos carros alegóricos, ele é

caminhoneiro profissional, ele é caminhoneiro, e...ele vem e chega assim nas partes

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mais chatas de decoração, pintura, porque ali você tem que pôr um galão, um negócio

para dar um efeito e tal, aí a gente tem o Adenilson Fernandes e tem o Veiga. O Veiga

é o cara que dá mecanismo, dá vida, a gente fala que ele que dá vida nos nossos

carros alegóricos.

P: Dá vida na parte mecânica ou na parte artística?

V-P: Na parte mecânica, parte artística. Então, esses dois aí, o que eu

acompanho assim, desde que eu estou dentro da escola, é os dois que vêm evoluindo

bastante dentro da escola.

P: Tá...e o Carnavalesco que passa as orientações pra eles?

V-P: O carnavalesco que passa. O carnavalesco que faz também um croqui

dos carros alegóricos, faz um desenho, fala pra eles têm que ser feito assim...

P: Croqui?

V-P: É chama croqui.

P: Nunca tinha ouvido falar.

V-P: Tem que ser feito assim...aí o Carnavalesco faz o desenho de tudo e passa

pra eles, eles vêm isso, executa e vai fazendo.

P: Hum... legal...annn...Tem alguma criança que participa dessa escola?

V-P: Tem. A gente tem a ala das crianças, hoje a gente tem vinte crianças, de

6 a 16 anos.

P: E elas participam de que forma?

V-P: Participam. Eu tenho, hoje eu tenho na bateria, eu tenho H., H. tem 5 anos,

tem o P., o P. tem 13, tem o B., o B. tem 5 também.

P: Nossa, que novinhos, e eles vêm sem terem uma aula, chega assim mesmo?

V-P: rs... eu não sei o que que acontece com o povo aqui, sabe? Já tem no

sangue, porque tipo assim, o pai desfilou muitos anos, a vó desfilou muitos anos, o

avô...

P: É herança mesmo?

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V-P: Uma coisa.. eles vêm como se tivessem feito aula assim , e vai e, eles

gostam de ir e aí “cê” chega pra uma criança de 5 anos, às vezes, a gente tem medo

de ter alguma complicação na avenida, porque uma criança de 5 anos no meio de,

de...ali a gente tem jovens de 18, tem pessoas de 30, de 40, de 50, que desfila na

bateria, a gente tem uma senhora aqui, Dona D., ela tá na escola, a escola é de 75,

tem 40 anos. A dona D., ela deve estar na escola, acho que uns 37, 36 anos. A dona

de L. ela deve ter de idade, se eu não me engano, chutando baixo, ela deve ter uns

76, 77...

P: Ai que gracinha, ela desfila?

V-P: Desfila na avenida, e todo ano ela está aqui, a gente briga com ela, fala

D. D., a senhora não quer ir sentadinha num carro alegórico, ela fala não, eu quero ir

na avenida...

P: rs...ai tá no sangue mesmo...ai que legal!

V-P: É que nem você chegar para uma criança e falar que não dá pra ela ir na

bateria, mesma coisa que você dar um doce na mão dela e tirar, ela vai ficar...

P: Fica frustrada?

V-P: Fica...Já teve caso de criança que ficou com febre e não pôde ir pra

avenida.

P: E lá na avenida eles desempenham super bem?

V-P: Nossa, na avenida...parece que a hora que pisa lá, muda tudo...

P: Imagino a sensação...não tenho a experiência, mas eu imagino...Vocês têm

Harmonia?

V-P: Tem.

P: E por que ela é importante?

V-P: A Harmonia eu costumo dizer que é meio que a evolução do conjunto...São

duas coisas, a Harmonia e a Evolução do conjunto. Uma escola harmoniosa ela tem

que ser o que? Todos os componentes têm que estar cantando, tem que saber o

samba decor, se uma ala tiver um passo marcado, a outra também tiver, todos os

integrantes dessa ala têm que estar no mesmo passo, mesmo ritmo, às vezes, a gente

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também se preocupa com a altura, com a altura dos componentes, porque

dependendo do jurado ele está vendo a escola de assim....a escola vai passar aqui

na frente dele, tem àquela coisa, ele quer ver a perfeição das fantasias, então a gente

se preocupa com a altura das pessoas, isso aí é tudo detalhe.

P: Eu achei que Harmonia fosse assim, alguns funcionários, que na hora vem

ver...se algum carro está com defeito, tem isso também?

V-P: A gente tem isso também, a Harmonia conta bastante disso, pessoal

sempre vê, dá uma checada antes em eixo de carro alegórico, checa o pessoal da ala

musical, se não tem nenhum microfone que vai dar defeito, inclusive esse ano a gente

pegou um vice, porque a gente tomou um 7 em samba-enredo, porque chegou numa

parte da avenida, a hora que a gente colocou a bateria no recuo para a escola passar,

porque o recuo é feito no meio da avenida, quando a bateria faz o recuo é pra terminar

a escola, quem fecha o Carnaval é a bateria, então já é no final, a gente teve esse

problema aí...

P: A bateria fica no final então? Eu sempre achei que ficasse na frente...

V-P: A bateria começa no meio, aí quando vai chegando quase no final da

avenida, tem uma dispersão, assim, sempre do seu lado esquerdo, você vai coloca a

bateria lá, a bateria vira de frente pra avenida e a escola toda continua passando,

passou o carro fecha ala, a bateria vem fechando o Carnaval, e assim vai, então a

Harmonia tem que olhar tudo isso.

P: Quanto tempo vocês têm para passar na avenida?

V-P: 50 minutos.

P: 50?

V-P: Cê não pode correr, você não pode atrasar, você tem que fazer

cronometrado, e a gente tipo assim, eu falo sempre pro pessoal que a gente, a gente

meio que se destaca. O Carnaval do Rio, o Carnaval de SP, não tem nem comparação

com o da gente em Campinas, né. O Carnaval da gente de Campinas aqui é bem... é

bem “carente” mesmo, mas lá em SP a estrutura deles é boa, porque eles têm um

ensaio técnico...

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P: É que nem vc falou, eles têm mais estrutura, mas não que tenha mais dom,

porque pelo que você me falou, vocês têm muita capacidade, muita gente com

dom...muita gente de potencial.

V-P: Tem, tem... a gente teve caso aqui de pessoas, que acabaram saindo do

bairro e moraram em SP e se envolveu numa escola grande de SP, no Rio, que hoje

estão tudo por lá. Hoje eles trazem coisas de lá pra cá, pra gente, experiência, como

material, bastante coisa, então a gente aqui não tem um lugar pra ter um desfile

técnico, um ensaio técnico, a gente não tem, é cada um ensaiando na sua quadra,

muitas escolas de Campinas não têm quadra, eu acho que a única que escola que

tem uma sede, uma quadra apropriada para ensaio é a nossa.

P: É...é aqui mesmo?

V-P: É aqui mesmo... o resto... todas não têm.

P: Que pena né!

V-P: Então acaba sendo difícil pra gente, se a gente, se a gente quiser pensar

num ensaio técnico, é o pessoal da Harmonia quem vai queimar o cérebro lá na hora

da avenida.

P: Imagino, vocês têm que se desdobrarem...É...você falou de algumas

tradições... que nem as crianças que pegam dos pais, essas coisas, tem outras

tradições que a escola mantêm que você saiba?

V-P: Olha eu acho que a tradição, a maior tradição que a nossa escola tem,

que assim, que é orgulho de todo mundo aqui é dar valor num componente antigo, né.

A gente dá muito valor nos componentes antigos, como Seu Aloísio Jeremias.

P: Ele tá vivo?

V-P: Tá vivo. A gente tem um caso de um presidente que foi bom pra gente

pracaramba, eu aprendi muita coisa com ele, foi o Rubem dos Santos, o Rubão,

inclusive tem uma placa dele ali, tá meio apagada ainda, mas tem uma placa dele ali,

ele faleceu, no dia do título de 98 ele veio a falecer, acho que ele não aguentou a

emoção, que a gente pegou em primeiro lugar, ele faleceu.

P: Você estava?

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V-P: Eu tava, eu era batuqueiro nessa época aí, eu fazia parte da bateria, eu

acho que é isso aí mesmo, tradição é isso aí, é dar valor num componente antigo, a

gente sempre aprendeu assim, desde pequeno a respeitar, a gente aqui se respeita

bastante, o pessoal que vem de fora também tem bastante respeito. Hoje, a gente

conseguiu agregar aqui dentro da nossa escola, assim, se a gente vai fazer um evento

na escola de samba, hoje a gente tem bastante família que vem, bastante casal,

bastante idoso, então a gente consegue...

P: É uma comunidade mesmo.

V-P: Eu costumo dizer que as nossas baianas, porque a gente tem a ala das

baianas, eu costumo dizer que as nossas baianas assim é... é...elas são baianas

mesmo, tipo assim...é...elas que carregam o fardo hoje na escola de ter aquele

negócio, tipo assim, eu estou aqui há 30 anos e já vi bastante gente entrar, bastante

gente sair, e eu continuo aqui, sabe, tem orgulho de falar...daqui eu não saio, aqui eu

só saio o dia que acabar meu legado mesmo, e são senhoras de 60, 70, 80.

P: Você tem uma ideia de quantas têm?

V-P: Hoje a gente tem 20 baianas cravado, certinho, 20.

P: É o número exato?

V-P: São todas daqui, é o número exato, todas as alas têm que ser número

exato, de 20 a 25.

P: Desculpe você ia falar que você tem...medo do quê?

V-P: Então, a ala das baianas eu tenho até medo assim, porque tipo assim por

elas serem de idade a gente também costuma deixar pelo menos um, dois, três, de

apoio de evolução do conjunto para deixar perto delas, porque como são de mais

idade têm que ter atenção, a gente tá sempre do lado, dando uma água e tal,

perguntando pra elas se tá tudo bem. A gente teve o caso da Dona Alaíde, que mora

na rua 8, ela passou mal no Carnaval de 2011 que a gente foi campeão, ela passou

mal, então como tem que ser o número exato, fica assim, você fala poxa, se o jurado,

olhar na sinopse e ver, se o número exato é 20, ele vai contar, de lá dá pra ele contar,

e o jurado sempre coloca um fiscal na catraca, porque no desfile tem uma catraca. A

catraca é no começo da avenida pra contar todos os componentes de uma escola, e

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a catraca, tipo uma catraca de ônibus, são acho que cinco, e vai passando, vai

passando...

P: Nossa, é bem rigoroso...

V-P: E vai passando na catraca, e nesse dia aí que a Dona Alaíde passou mal,

foi pro hospital...

P: E a Harmonia é própria da escola?

V-P: Daí o pessoal da escola começou a correr atrás de alguém para colocar

P: É gente que participa mesmo?

V-P: Achamos uma moça aqui da rua 4 aqui, ela ama a escola, ela adora de

paixão, mas ela fala que ela não se sente bem se ela ir desfilar, ela falou que ela adora

ver, ela não perde um Carnaval, aí a gente falou pra ela, Teresa, se tem que ir, se se

não ir... aí ela falou eu não sei, eu não sei, falei T., por favor, você tem que ir, ela

acabou pegando a fantasia e foi, primeira vez que ela desfilou depois de quase 30

anos acompanhando a escola.

P: Nossa, que legal! É...Vocês assim, são divulgados por algum jornal, alguma

revista, tem alguma divulgação da escola? Em alguma mídia?

V-P: Então, hoje a maior divulgação da escola é o meio de internet mesmo, tem

no youtube tem bastante coisa, no youtube, tem o facebook, tem uns 2 ou 3 facebook,

se eu não me engano.

P: O Jorge é o que daqui?

V-P: o Jorge é nosso secretário geral.

P: Ah, e ele que é responsável por aquele espaço do facebook?

V-P: É, ele que toma conta

P: Que ele divulga bastante né?

V-P: O Jorge é nosso Bombril, eu falo Jorge você é o nosso Bombril, se faz

tudo aqui dentro. O J. tira foto na avenida, ele cuida do facebook.

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P: rs, rs...Ainda arranja estagiário rs, umas entrevistas longas rs, rs...ehhh

Jorge rs

P: Estou brincando...ahnnn... você estava falando lá da parte de investimento,

vocês recebem algum investimento, patrocínio?

V-P: Então, a gente tem uma verba da Prefeitura que toda escola tem, que é

de 70 mil reais, e o fundo que a gente tem é de pessoas assim que ajudam, contribuem

com algumas quantias.

P: Existe ainda aquele livro de ouro?

V-P: Então, o livro de ouro a gente tava tentando resgatar...

P: É, porque eu cheguei a ler numa pesquisa, daí eu falei eu vou perguntar.

V-P: Antigamente tinha o livro de ouro.

P: Você lembra como funcionava?

V-P: Então o livro de ouro, se eu não me engano era um livro que a gente, que

o pessoal passava na época de casa em casa pedindo contribuição, mas eu não sei

se tinha um valor específico, ou se era a quantia que a pessoa podia dar, mas eu

lembro do livro de ouro sim.

P: Então hoje vocês contam com o investimento da Prefeitura, e das pessoas

que quiserem ajudar.

V-P: Tem algumas pessoas que costumam ajudar a gente com algumas

quantias aí, eu costumo falar que são os mister Ms...

P: São as próprias pessoas da comunidade?

V-P: Pessoas da comunidade, pessoas de fora, tem um rapaz que ajuda a

gente que é empresário, tem uma moça também que ela é empresária, ela tem um

escritório de produção de evento e tal que ajuda a gente também, fora as outras coisas

que a gente faz: camiseta, faz caneca, agora “tamos” com a ideia de fazer um boné e

um chinelo e assim vamos fazendo...agora com o samba enredo...

P: E vocês divulgam esses materiais como para as pessoas comprarem?

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V-P: Pela internet, whatsapp, , é sempre assim, hoje é muito difícil, se a gente

conseguir fazer, a gente até queria fazer o ano todo uma matéria sobre o Carnaval,

mas o ano todo, acabou o Carnaval já começar a fazer, porque tipo assim, eles

publicam, só tipo assim: Prefeitura Municipal de Campinas, é...oficializou o Carnaval

de Campinas e vai ser em tal lugar, acabou, aí eles publicam de novo, escola campeã

é tal...

P: Eles não falam do processo que é bem...interessante?

V-P: É difícil, é bem difícil...

P: E a Prefeitura manda a verba direitinho?

V-P: Eu vou falar pra você... teve ano, teve ano que foi meio difícil pegar porque,

é...tem ano que eles dão inteiro, tem ano que eles parcelam, então pra gente pegar

parcelado, a gente já pegou 35 em janeiro aí o Carnaval era em fevereiro, tipo assim,

o desfile era dia 10 de fevereiro, aí eles mandaram a segunda parte dia 5 de fevereiro.

P: E vocês depois tem que prestar conta?

V-P: É prestado conta, passa tudo na mão do tesoureiro, todos, todos, e hoje a

prestação de contas funciona como: se é...você não pode ir lá comprar e falar se você

quer uma nota, é tudo no débito automático, se vai pra SP, vai fazer uma compra de

pano, brilho, TNT, tudo, se tem que ir numa loja, tipo assim é...gastou mil, mil, fechado,

vai na outra loja, mais mil fechado e assim vai, se apresenta danfe da loja, apresenta

danfe da loja, apresenta nota, depois você tem que tirar o extrato do banco e levar

tudo junto, mas isso passa pelo contador, ixi, é um processo meio longo...

P: Eu entendo...Vocês enfrentam alguma resistência, ou enfrentaram, alguma

dificuldade?

V-P: Teve uma época que a Rosa de Prata era meia, é...teve uma época que

foi meio difícil que era meio difícil pra gente. A gente apresentava os Carnavais bonito

pracaramba, luxuoso, e a gente não entendia a colocação que a gente ficava, sabe?

Tipo assim, já teve, eu vi Carnaval que nem em 96, apresentamos um Carnaval bonito

pracaramba, falamos sobre a Coca-Cola, falamos sobre a coca. (Começou a cantar:

“Beba Coca e tome um banho de alegria, nesse mundo de amor, cai na folia, a festa

é nossa no bailão da alegoria”.) Apresentamos um Carnaval bonito pracaramba,

apresentamos um Carnaval bonito, a gente ficou acho que em quarto lugar em 96,

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quase caímos, então a gente já chegou a pensar que tinha alguma resistência por

parte da Prefeitura, porque o Rubão ele é funcionário público, e ele tinha assim...

P: Rubão era jurado?

V-P: Não, Rubão era presidente nessa época, ele veio a falecer em 98, então

chegou uma época que a gente tava meio assim...

P: E os jurados, você sabe se eles são neutros, são da Prefeitura?

V-P: Hoje os jurados são do, parece que eles vêm, são da Liga do Carnaval de

SP, que cuida da segunda divisão e terceira divisão do Carnaval de SP, eles são de

lá, não sei se é EZEC, acho que é EZEC, eles são de lá. Hoje os jurados são neutros,

mas naquela época não, naquela época, os jurados eram Secretários de Cultura, eram

vereador, era tipo assim uma pessoa...

P: Tinha algum artista?

V-P: Não, na época não, mas era...

P: Não tinha ninguém que entendesse de arte?

V-P: Ah... eles colocavam um pessoal do Sindicato dos Artesão, sabe essas

coisas, então chegou uma hora que a gente tava achando que era meio boicotado,

teve uma hora que a gente tava achando que era meio boicotado, porque era muito

estranho, apresentava uns Carnaval bonito e ficava em quarto, umas coisas...

P: Imagino...depois de tanta dedicação...

V-P: É...aí em 97, aí em 97, que eu me lembre, o pessoal parece que pegou

um advogado para desfilar junto na avenida, né. Porque sempre tem aquele lance,

você vai na apuração, você vai na apuração, só que antes das notas serem apuradas,

tipo assim, a gente desfila na segunda, na quarta-feira é a apuração, só que você

desfilou na segunda, se você achou que você perdeu ponto em algum quesito, tipo

assim: atraso, quebrou um carro alegórico, sabe, parou o som e a bateria falhou por

conta do som, então você pode recorrer, você tem que fazer o documento lá, tipo um

ofício e mostrar os defeitos que você acha que você teve e que acha que não era pra

perder ponto por causa disso e disso, aí esse advogado tem que entrar com essa ação

na Prefeitura e esperar a apuração.

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P: Vocês já recorreram?

V-P: Não, não, não chegou a época de recorrer não. Em 97 fomos vice, em 97

a gente fomo vice campeão do Carnaval, falou sobre Mitologia Grega, fomos vice

campeão, aí em 98 falamos sobre os índio, foi campeão, aí que se começa a ver que

tipo assim, demorou muito sabe, demorou muito. A Rosa de Prata foi campeã em 91,

o enredo chamava “Mãe Menininha”, 91, aí veio a ser campeã, só em 98, só que nesse

trajeto de 91 até 98, durante 7 anos a escola caiu, subiu, caiu de novo, sabe, foi

bastante coisa, umas coisa assim, que a gente chegou a pensar que era meio boicote,

mas hoje não existe mais isso não, hoje não existe mais...

P: Que bom né, pra valorizar todo o processo de vocês né! Annn...Você já falou

como a escola se adequa à realização do Carnaval com o orçamento que tem né?

É..., vocês tentam né fazer...assim, o que vocês recebem da Prefeitura e da

Comunidade, tem algum exemplo dessa adequação?

V-P: Um exemplo que eu posso te dar...silêncio. “Cê” fica meio que dependente

da Prefeitura, você espera...Porque você tem um espaço, o Carnaval já não é uma

coisa profissionalizada né, que nem no RJ e SP, mas o que a gente vai fazendo é isso

aí é...evento, tenta se adequar ao que tem, tipo assim se a gente consegue uma

arrecadação de 100 caixas de cerveja, ó deixa essa daí, o que for saindo, vai pegando

o que tá entrando, vai comprando, vai repondo, e vai indo e muitas vezes as festas

nossa assim, a gente faz mais pro pessoal porque lucro, lucro mesmo, você não tem

nenhum, retorno você não tem nenhum.

P: Mas, vocês conseguem realizar assim...o desfile?

V-P: Consegue, isso aí é tranquilo.

P: Tá jóia...É...Vocês realizam algum trabalho social-comunitário?

V-P: A gente tem aqui dentro do espaço, a gente tem escolinha de futebol, aí

agora não funciona mais, porque o professor teve que viajar, a gente tem jiu-jitso aqui

no salão, jui-jitso, tem aula de crochê na terceira idade, tem jui-jitso, tem aula de T.O.

(Terapia Ocupacional), tinha culinária.

P: Vocês realizam algumas festas pra comunidade?

V-P: Realiza.

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P: Parece que eu vi no facebook alguma coisa pras crianças, na semana das

crianças.

V-P: A gente tem a festa das crianças, a gente faz uma aqui e a outra é

realizada na rua da casa do Jorge, que vai fazer acho que quase 10 anos que ele faz

essa festa sozinho. O pessoal vai arrecadando mantimento, o que tem: salsicha,

refrigerante, a gente consegue doação de sorvete de um pessoal da gente, um

pessoal lá do Jardim do Lago, tem uma sorveteria, eles dão uma doação, e a gente

faz esses projeto aí.

P: E vocês têm qual objetivo?

V-P: Você sabe como é a nossa realidade, é a criança que já

nasce...sabe...(Tocou o celular, pequena pausa), não ensaia perto de criança sem

camisa, não toma cerveja perto da criança no ensaio, cê entendeu? Sempre que a

criança vir perto do cê, você procura conversar, abraça, brinca, mostra pra ele o jeito

que você toca, é muita questão de espelho, porque eu fui assim, então eu acho que o

primordial aqui nosso é isso, é mostrar pras crianças, tipo assim, que eles estão vindo

pra escola de samba, só que tem regra, tem regra, tanto que eu já fiz bastante palestra

na escola, no Lencastre, no Mana, a gente já realizou oficina de bateria dentro das

escolas, então tipo assim, a gente conversa com os pais, fala, ele vai vir pro ensaio à

noite, só que se tiver tendo uma oficina à tarde, e ele estudar à tarde, tem que saber

que ele estuda à tarde, não dá pra ele vim, não adianta ele brigar porque ele quer vim,

porque não dá, então se não dá pra ele vir à tarde, nem à noite, aí a gente começou

a por projetos de manhã, a ter oficinas de manhã de artesanato, de grafite e bateria,

então aí os menininhos que estudavam de tarde, eles vinham de manhã, então

começou a melhoria, avaliar e melhorar tipo assim o comportamento deles, aí muitos

eu ia no Projeto, conversar com a Isabel, entendeu, porque tipo assim, tem criança

aqui que o pai e a mãe, sabe...o pai e a mãe não pergunta onde vai, muitas vezes, a

criança tá aqui, muitas vezes, se tiver aberto a criança tá jogando bola aqui, se tiver

aberto a escola aqui normal, ele sabe que vai ter um ensaio, uma coisa entendeu, mas

se tiver fechado e não tiver ninguém aqui já é meio...

P: E vocês não recebem fora do horário de oficina, ou as crianças podem entrar

livre aqui?

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V-P: Não, pode entrar livre, se tiver bastante gente jogando bola e eles vêm,

joga, mas tipo assim, é...eu sempre falo pra eles, se tiver aberto e tiver gente lá, se

tiver gente jogando bola vocês podem ficar, mas se tiver fechado e não tiver gente da

idade deles, da faixa etária deles, eu já procuro falar pra eles que...

P: E tem muitas crianças do Progem que participam?

V-P: Tem, tem bastante criança do Progem, que participa.

P: Que bom...Você falou que cresceu e alguns foram exemplo pra você. Você

tem alguma lembrança de alguém aqui da escola que foi um grande exemplo pra

você?

V-P: Então pra mim, o primeiro de todos foi o Rubão, o Rubens, Seu Rubens.

P: Você começou aqui com qual idade?

V-P: Nossa, eu sou de 85, eu comecei em 99.

P: 14?

V-P: 14, bastante tempo.

P: Aí você já chegou tocando a bateria, ou você aprendeu aqui?

V-P: O mestre de bateria na época era o Cláudio, Claúdio e Adriano eram

mestres de bateria, eram rígidos pracaramba.

P: Então, você além de vice-presidente, você desfila como baterista?

V-P: Não, além de vice-presidente eu desfilo como mestre de bateria.

P: Ah, mestre de bateria, qual que é a diferença?

V-P: Mestre de bateria, ele que cria tudo, ele quem tem que criar as batidas, os

breques em cima.

P: Você é quem coordenada a bateria, desculpe eu achei que não tinha

diferença.

V-P: 70 pessoas...

P: Nossa...E vocês assim, utilizam quais espaços da cidade assim...é pra

escola de samba...quadra aqui, sambódromo, barracão?

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V-P: É a quadra aqui e aqui em Campinas a gente não tem sambódromo, o

Carnaval é sempre destinado pra um local diferente, que nem em 2014, foi na Glicério,

desculpa, nos Amarais, 2015 agora foi na Glicério, parece que em 2016 agora vai ser

no túnel, Joaquim Penteado.

P: Já foi lá um ano?

V-P: Já, o ano que a gente foi campeão foi no túnel. Então, eles sempre mudam,

nunca tem um lugar definido sabe, pra concretizar.

P: Quais orientações assim, que são dadas antes do desfile? Como que é esse

momento, que acho que deva ser o mais esperado.

V-P: Bebida nem pensar e...concentração, você chega, o carnavalesco monta

a escola, o carnavalesco que fez todos os desenhos ele tem que ver qual ala vai

aonde, a bateria vai atrás de onde, o casal de mestre sala, o único que não tem como

mudar é a Comissão de Frente, Comissão de Frente é a “testa de ferro”, ele vai ser o

primeiro a pisar na avenida, então montou, do jeito que montou, do jeito que colocou

você tem que ficar ali, duas horas, uma hora, três hora e meia esperando, até começar

o desfile pra você começar a desfilar, e assim vai, concentração.

P: E dá muita ansiedade?

V-P: Ah dá, porque sempre têm uns que fogem, se olha tem gente que vai pro

bar.

P: Tem gente que foge?

V-P: Tem...tem gente que foge, vai no bar, toma um negócio, aí se ele volta

meio alegre cê tem que dar uma dura, aí a ala das crianças tem criança que fica

correndo de um lado pro outro, quer ir no banheiro, quer água.

P: Imagino, eu trabalho com criança, vocês estão de parabéns, de juntar as

crianças.

V-P: É 20 crianças na ala, quem toma conta é a Luciana e a Vanessa.

P: Elas são as coordenadoras da ala das crianças?

V-P: São as coordenadoras da ala das crianças, Luciana está com a ala das

crianças, acho que vai fazer uns 7 anos mais ou menos.

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P: E... Os ensaios como são realizados, quais profissionais participam? Qual

que é o objetivo?

V-P: O ensaio é realizado aqui mesmo.

P: Aí você falou daqui a pouco você vai ensaiar a bateria, é isso?

V-P: Vou, daqui a pouco eu começo o ensaio, hoje é...hoje a gente tá montando

os breques, né? Breque é paradinha que a bateria faz durante o desfile.

P: Vocês já têm samba-enredo, tudo?

V-P: Não, vai ser escolhido dia 7, pessoal pegou a sinopse vai fazer o samba e

vai vir apresentar no dia 7, aí vai ter eleição, o samba que for escolhido é o samba

que vai pra avenida.

P: E quem que escolhe?

V-P: Então, a gente tem um corpo de jurado que é o pessoal da diretoria

mesmo, a gente não costuma pegar assim é...pessoal de fora, porque tipo assim se

foi...o carnavalesco é daqui, foi ele que fez todo o projeto, toda sinopse, toda história,

então ele tem que estar presente como jurado, porque ele tem que escutar, de repente

ele escuta um samba e ele olha e fala nossa, e fala pô é isso que eu quero falar.

P: Tem que saber bem a realidade né, que vocês sabem.

V-P: Depois tem o pessoal que põe a mão na massa, que é o pessoal que faz

a fantasia, inclusive eu acho que a mulher que costura pra gente aqui a fantasia, achei

que ela fosse vir aqui, até agora não veio, a P. Então, tem tudo esse processo aí.

P: E além do ensaio de bateria tem quais outros ensaios?

V-P: Ó, aqui, o que é feito aqui na quadra é o ensaio da bateria, e o que é

tradição ensaiar aqui também junto com a bateria é a Comissão de Frente, a Comissão

de Frente.

P: E aí...geralmente Comissão de Frente é uma dança assim?

V-P: A Comissão de Frente é meio que tipo assim...um balé, hoje muitas

escolas, inclusive aqui de Campinas, do Rio, de SP, muitas escolas usam academia

de balé né? Pra fazer uma Comissão de Frente.

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P: Aí elas vêm aqui ensaiar?

V-P: Aí elas vêm ensaiar aqui, mas só que é muitas meninas daqui mesmo do

bairro, as meninas que frequentam a dança do jongo, que é da fazenda Roseira, as

meninas que frequentam o Tainã.

P: Que legal, elas que compõem a Comissão. Legal...é...você teria alguma,

mais alguma informação sobre a escola de samba, que não foi contemplada, alguma

questão que você de colocar?

V-P: Não entendi?

P: Se você tem alguma informação que você acha importante, que você acha

que não foi contemplada nas outras perguntas, alguma coisa que você queira falar da

escola, que você acha importante.

V-P: Não, não, eu acho que tá tudo aí.

P:Teve bastante pergunta né? Ai eu te agradeço muito R.

V-P: Se precisar tamo aí.

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APÊNDICE 2

ENTREVISTA COM CARNAVALESCO

Ficha do Entrevistado

Nome: Rubens Eduardo da Silva

Idade: 38 anos

Formação: Técnico de Eletroencefalograma

Profissão ou função: motorista

Lugar de trabalho: JTG Transportes (prestadora de serviços à Prefeitura de

Campinas).

Cidade/Estado: Campinas/SP

Data da Entrevista: 05/12/2015

Lugar da Entrevista: Ateliê da Rosa de Prata

Tempo de duração: 1hora e 34 minutos de gravação, mais uma hora sem

gravação.

Foi usado P: pesquisadora e C: carnavalesco

P: Então...a gente pode começar? O que é ser carnavalesco?

C: Pra mim, eu tenho uma satisfação pessoal em desempenhar essa função,

porque eu já tenho, eu já gosto de estar lidando com o público, e o nosso público, os

nossos componentes, 90% de membros daqui da Castelo Branco, então, é...já é um

público, mais “carente”, coisa é tal...

P: Eu nasci na CB, eu morei 7 anos, eu conheço aqui bastante.

C: Então, o que que acontece, é...também tem esse lado muito humano, por

conta da história do bairro, então, assim, é...como você tem que lidar muito com o

público, muito com todo mundo, às vezes, tem que resolver problemas que não são

relacionados aí, então acaba me trazendo uma satisfação, não era...a minha de

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origem, porque eu vim ser carnavalesco aqui na escola, eu não era antes, eu só fazia

parte de uma outra escola, que já foi extinta, ajudava no ateliê, aí em 2006 a gente

tinha vindo aqui e feito uma promessa com o atual presidente, que veio a falecer, que

a gente ia colocar a escola na avenida em troca dele dar instrumentos para a escola,

aí eu vim cumprir a minha palavra. Vim aqui e falei pro pessoal, eu prometi o ano

passado, independente de qualquer coisa eu estou aqui pra ajudar. Daí como na

época eu acho que eu era a pessoa mais que tinha um conhecimento com fantasia, a

escola me deu essa oportunidade de ser carnavalesco, aí eu vim estudando, venho

estudando na medida do possível, porque infelizmente Campinas não é nada

profissional, eu venho cada ano, tentando superar, tentando aprender.

P: O que faz um Carnavalesco?

C: Então, no meu caso, eu pego um tema, que a diretoria da escola esteja

disposta a falar, e...desenvolvo esse tema, desenho todas as fantasias, sou

responsável por todas as fantasias da escola, desde como vai vir a diretoria, ao

destaque do carro, ao destaque do chão, fantasia de ala, tudo que for relacionado à

fantasia na escola sou eu. Essa montagem da escola de definir como que vai ser,

porque às vezes, o presidente, às vezes a diretoria, a gente quer falar sobre isso, mais

hoje a gente tem que adaptar o que eles querem falar à realidade da escola, à

realidade daquilo que a gente tem, então, a gente desempenha muito a função disso

daí.

P: O tema é você quem escolhe?

C: Não, é a diretoria, às vezes, eu dou minha opinião, sou muito escutado.

Porque existem algumas maneiras de você ter um tema: existe tema comercial, e

assim, digamos um tema natural. Que que é um tema comercial? Quando você tem

um patrocínio por traz da situação. A Beija-Flor vai falar do Roberto Carlos, meu, eles

não estão só falando do Roberto Carlos, eles têm patrocínio de alguém. O Natural é

quando você quer falar sobre alguma coisa, que nem o ano passado a gente falou

sobre a história da Vila, a gente não tinha um patrocínio da Vila CB, a gente quis

contar a história das entidades, das coisas que aconteciam, porque a gente chamava

muito a comunidade, porque muita gente fora daqui bate no peito e fala eu sou da Vila

Bela, tem uma paixão muito grande.

P: Então, natural vem da realidade da Comunidade?

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C: Natural, digamos, vem da realidade também, mas não só, mas quando você

não tem um fim lucrativo por traz. Já teve escola que falou sobre sorvete, às vezes

tem e às vezes, não tem um patrocínio por traz. Quanto a essas escolas grandes de

SP, todas elas têm. Há dois, três carnavais atrás, a escola falou sobre prudência,

camisinha. A gente já fez Carnaval direcionando pra alguma coisa.

P: Posso te chamar de Rubão. Você está me falando que tem um tema

comercial e tem um tema natural, e esse tema surge mesmo da discussão entre vocês.

C: Algumas vezes, a gente tira o tema de uma parceria, de aproveitar...(do

pendurado pra cá é tudo material que a gente não usou ainda, tudo material que a

gente vai levar esse ano pra avenida), então, a gente fez uma parceria com uma outra

escola maior, então a gente comprou a alegorias e essas fantasias.

P: Alegorias seriam o quê?

C: São as esculturas dos carros alegóricos. O que que acontece, a gente pega

uma carcaça dessa, uma fantasia dessa, baseado na alegoria que a gente comprou,

a gente monta um tema que dê pra aproveitar, aí nesse momento tem muito da minha

influência, porque eu vou pegar, vou ficar olhando, analisando, vou de repente

inventar alguma coisa em cima, às vezes, você faz uma adaptação da fantasia ao

tema. Tem anos que a gente começa tudo do zero, aí você começa tudo do zero,

desde o tema. Quando a gente falou da história da Vila Castelo Branco, a gente não

tinha comprado nada, então a gente teve que construir tudo pra falar de cada entidade

que tinha aqui, até de alegoria, de tudo. Aí este ano, a gente optou por valorizar essa

parceria, e tá trazendo algumas coisas, porque quando você começa do zero, tem que

tem uma boa imaginação, tem mais gastos, mais trabalho.

P: E já aconteceu de mudar o tema no meio do processo?

C: Não, já aconteceu da gente incluir alguma coisa, a gente está falando sobre

a história de um Reino, era uma batalha entre o bem e o mal, e aí a gente conseguiu

uma alegoria muito grande, duas alegorias, que era de dois Pierrô. A gente acoplou o

Pierrô no Reino, adequamos o tema para aproveitar. No tema deste ano, não fiz tantas

modificações, mas a gente trabalha com um tema muito atual. Então, quando às

vezes, vc acha uma coisa muito grande, acha alguma coisa que surge de novo. Num

tema desse ano, eu não fiz tanta modificação, mas por exemplo assim, a gente

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trabalha com um tema muito atual, que é a Tentação de Recriar, tudo aquilo que o

Criador, no caso Deus criou e o homem quis mudar, então você tem elementos a cada

dia. Então, de repente se na história, se daqui até o Carnaval acontece um fato muito

grande, você tem um espaço pra você colocar. Porque você tem que atingir o jurado,

você tem que atingir o público. Então, o jurado você entende que seja uma pessoa

mais orientada, com mais estudo de cultura, é um técnico, ele não está ali só pra

verificar folia. Então, se é um tema atual, ele acabou de ver isso na televisão, ele

acabou de ver isso, tá sendo discutido isso. Então, a hora que ele bate o olho na

avenida, ele vai verificar: pô essa escola, a pessoa se importou com isso, deu atenção

a isso. É melhor o cara ver isso na avenida, do que por exemplo, ele ver a escola

passar e falar, pô aconteceu isso esses dias atrás aí, pô será que o cara não se ligou,

não acompanhou, não viu?

P: Vocês têm que ter bastante noção de atualidade, de relação, né?

C: Tudo isso.

P: Você sabe como é feita essa sinopse do enredo, quem faz, em que

momento?

C: Então...aí...depois que a gente...que nem eu falei pra você, às vezes tem

dois tema, a desse ano posso falar pra você, e dos outros anos quando a gente

começou do zero. Quando a gente começa do zero, a partir de uma reunião com a

diretoria sobre o que a gente quer falar, às vezes, eu consulto, tem uma professora

que mora aqui na rua, na Castelo Branco, ela já foi diretora educacional, tem

doutorado e, ela tem ajudado a gente, às vezes, a gente pega, que nem quando a

gente falou da África, a gente procurou uma pessoa que trabalhava com essas

entidades, pra ajudar a gente na pesquisa, pra não acontecer da gente usar termos

que não convém, usar palavras que às vezes, não se encaixa, coisas que geram

conflito, pra evitar tudo isso, que nem o ano passado que a gente falou da Vila, a gente

teve que procurar todas essas entidades, então o que que eu fiz, eu fiz um trabalho

de campo, comecei do zero, sentei, conversei com as entidades aqui da CB, algumas

eram pessoas, a gente não falou especificamente de pessoas, para enaltecer a

pessoa, mas o trabalho que a pessoa faz, então, a gente veio, sentou, eu procurei as

pessoas, as entidades, quem representava, fiz uma entrevista, igual ao trabalho que

você está fazendo, depois eu transformei isso num texto, um texto, que por exemplo,

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o jurado venha a entender. Existe o tema que você fala, o desse ano é “Tentação de

Recriar”, só que é só o nome, a sinopse já é um texto, que é feito depois de toda essa

pesquisa, daí em cima da sinopse a gente entrega pros compositores, faz um

concurso pra eleger o samba, aí vem o samba-enredo, depois o último momento que

a gente tem pra se adequar, porque às vezes, o compositor enalteceu um pouco mais

um setor, mesmo a gente dando referência, o ponto forte da escola vai ser isso, isso,

dá umas três ou quatro referências pro cara, geralmente de carro alegórico,

geralmente de casal, aí o cara faz samba enredo, mesmo assim, se ele colocou

alguma coisa a mais, depois o jurado vai ter que ver isso na avenida, é o último

momento que a gente mexe, daí a gente manda.

P: Isso é feito depois que eles apresentaram o samba-enredo?

C: Depois da escolha, aí eu quem faço essa adequação, o cara deu ênfase a

tal coisa, deixou outra de lado, não deu tanta ênfase, então, o que que eu vou ter que

fazer, vou ter que dar uma enaltecida.

P: Você participou do julgamento do samba enredo?

C: Participei. Um dos critérios meus de julgamento, vou julgar o samba que

melhor atingiu aquilo que eu estava querendo.

P: Tiveram muitas apresentações?

C: Tivemos três. Aí um samba só ganhou, às vezes, já aconteceu de juntar dois

sambas, foi um samba só que ganhou, inclusive foi o do J. que é presidente da Liga.

Hoje, eu estou na parte de estar definindo os desenhos, que são os croquis, daí a

Prefeitura vai pedir a documentação, junto ela vai pedir os croquis, que é a parte final,

que a gente entrega lá. Depois, não pode mudar mais. Você pode alterar a fantasia,

só que daí é um critério seu alterar a fantasia, e uma responsabilidade sua se um

jurado não entender aquilo ou falar pô o cara desenhou uma coisa e pôs outra na

avenida.

P: Que nem no caso, se vocês ganharem, que nem você falou do Pierrô, quase

perto do Carnaval, e vocês tentarem adequar, vocês entregam essa adequação pro

júri ou não?

C: Não, só àquela que já foi.

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P: Mas, vocês não podem ser incoerentes?

C: É, então, não pode ser incoerente, se faz isso, é porque tinha escola no

passado, que o cara vinha com um tema, vinha com isso e na avenida ele apresentava

uma outra coisa. Então, é montada pro jurado uma pasta, nessa pasta vai a formação

da escola, a ordem, tudo organizadinho, o samba-enredo, porque a hora que o cara

tiver cantando, ele vai tar vendo, se o samba-enredo é o mesmo, os desenhos não

pode alterar a ordem que ele vai ver na avenida, senão já tem um motivo pra te

descontar ponto.

P: Muito trabalho né, pro Carnavalesco?

C: Muito trabalho.

P: E vocês têm alguma restrição de tema? Pode ser tema de outro país?

C: Não tem restrição nenhuma, a gente já trabalhou tema de fora, de outro país,

a gente já trabalhou África. O que você tem que ter o cuidado, é que quando você vai

falar de uma coisa, primeiro você tem que ter a liberação pra falar daquilo, segundo

você falar o que que os jurados espera ver. Ele espera ver na fantasia uma visão

fantasiada daquilo. Então, vamos supor você vai falar de uma bola de futebol, não é

só você colocar uma bola de futebol na avenida, se você colocar só a bola de futebol

na avenida, qual que foi a sua criatividade? Nenhuma, você só aumentou o tamanho

da bola de futebol e colocou na avenida. Então, você tem que ter uma visão, você tem

que contar uma história. Você vai ter que contar uma história da bola de futebol, seja

uma história verídica, que é como surgiu, por que surgiu, como até os dias de hoje ou

uma coisa fantasiada disso daí uma história fictícia, que você está inventando.

P: Pode isso?

C: Isso pode, aí depois você olhar e dizer é uma bola de futebol, só que daí

você já forçou o cara a “viajar”.

P: Você pode viajar, mas voltar pro assunto?

C: Pra realidade, é isso que é o ponto que o jurado vai te julgar, ele precisa

entender tudo isso. Existe muita facilidade em falar sobre países, sobre coisas de fora,

sobre culturas de fora, porque todo mundo tem esse interesse de aprender, de saber,

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a curiosidade do ser humano é algo acima do normal, então, tudo que você trabalha

neste sentido, as pessoas digerem muito bem.

P: As pessoas que você diz no caso são os jurados ou o público?

C: O público em geral, porque a primeira pessoa que você tem que conquistar

até antes do jurado, é o seu próprio componente, porque às vezes, o componente não

quer vir só colocar uma fantasia e ir desfilar, ele quer saber o que que é àquela

fantasia.

P: Isso que eu queria saber, eles têm participação?

C: Eles não têm participação na escolha do tema, mas por exemplo assim, cada

folião, ele é representado pelo seu coordenador de ala, então, a primeira pergunta que

eles fazem, eu vi tanta ala bonita qual que você escolheu pra gente? A gente escolheu

tal ala, mas está falando do que? Se você tiver alguma dúvida procura o Rubão, aí o

cara vem e pergunta, mas o que que significa mesmo essa fantasia? Aí eu vou explicar

pro cara. Então, eu faço esse trabalho durante o Carnaval.

P: E se a pessoa não se interessar por àquela ala, ela pode trocar?

C: Ela pode trocar, só que daí ela vai procurar o coordenador de ala dela pra

poder fazer essa troca, pra falar pra ele.

P: E como são definidas as alas?

C: Esse daqui é o décimo carnaval, então têm pessoas que tão com a gente

desde o começo, a Rosa de Prata ressurgiu das cinzas, porque ela quase acabou,

quase morreu, e a gente veio resgatando tudo isso, então a pessoa eu queria

coordenar uma ala, porque eu já coordenei antes no passado, então, ela fica com a

função de organizar essa ala, organizar é pegar o nome, o número, sapatilha,

tamanho, vê se a fantasia tá tudo oquei, então ela organiza essas pessoas, a gente

não fica correndo atrás do componente. Todo componente novo, ela vai ter que

procurar uma ala pra desfilar, a gente coloca no mural todas as fantasias, o pessoal

olha e fala, putz eu gostei desta daqui, já vai estar lá o nome do coordenador de ala,

então, ela vai procurar essa pessoa. Aí ela vai preencher uma fichinha, a gente tentou

fazer uma carteirinha, a gente não conseguiu levar pra frente, a gente tenta se

organizar da melhor maneira pra ter o número mínimo e a gente também trabalha com

número máximo, tem que vir todas as alas equilibradas, não dá para ter 10 em uma e

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50 em outra. Então, a gente define em reunião com a diretoria. Por exemplo, a gente

tem uma ala de passo marcado. São meninas de 14 a 18 anos, então na hora, é passo

marcado, porque elas vêm fazendo uma coreografia durante o desfile. A escola coloca

uma ou duas alas que vêm fazendo coreografia no meio da ala, não a mesma

coreografia da Comissão de Frente, hoje num nível SP, no Rio é muito mais exército,

você não pode sair da sua coluna, sair da sua fileira, você não tem liberdade de

brincar, você mais desfila, mais uma apresentação. Então, você coloca uma ala de

passo marcado, eles vão fazendo uma outra coreografia, uma outra interpretação do

samba enredo ou às vezes, da fantasia dela, essa coreografia está relacionada ou a

fantasia que ela está ou ao samba enredo propriamente dito. A gente tem uma ala que

faz isso, então, como eu sei que são meninas mais adolescentes, então, na hora de

eu desenhar, de eu definir, eu vou colocar esse costeiro, porque é mais leve pra poder

dançar, eu vou colocar essa fantasia, eu vou desenhar essa fantasia. Não vou

desenhar com calça, porque meninas já gostam de uma roupa mais à vontade,

adequamos às alas.

P: As baianas não podem fugir muito?

C: As baianas são mais tradicionais, a gente não foge muito da tradição.

P: Têm número mínimo, máximo de alas?

C: Não tem um número mínimo de alas não, a gente desfila numa média de 8

a 10 alas, já desfilamos com mais, hoje a gente tenta enxugar um pouco a escola pra

gente conseguir colocar mais qualidade, porque o regulamento pede 250

componentes e a gente já chegou a desfilar com 700.Quando mais gente é mais difícil

de você fazer, mais gasto. A Vila CB, é uma das únicas escolas que tem muitas

crianças, tem escola que nem coloca criança na avenida, porque a criança não tem

um quesito que ela ganha ponto, mas se ela não estiver dentro do regulamento que é

com crachá, com isso, com aquilo, ela te faz perder ponto, então pra uma criança

arrancar o crachá, perder o crachá, não colocar, é a coisa mais simples, é difícil você

lidar porque você tem que se preocupar demais com a criança, tem que se preocupar

onde vai desfilar, o horário, questão da alimentação, se tá tendo água, então tem

escola que já aboliu.

P: Mas, vocês acabam sendo mais democráticos, né?

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C: Porque aqui tem muita criança...

P: Porque criança é da comunidade, e eles vão seguindo uma tradição.

C: Aqui, a gente hoje, as pessoas que hoje compõem a nossa diretoria eram

crianças que eram da escola, a gente nunca vai desistir de desfilar com essas

crianças, isso é uma coisa que nem entra em pauta a diminuição do número de

crianças. A gente pode entrar em pauta com a diminuição de alguma outra coisa, mas

não de diminuir as crianças, isso já faz parte já desta tradição. A escola já ficou

afastada alguns anos do Carnaval, isso já traz um vácuo, de uma adolescência que

não vivenciou esse Carnaval desde criança, então, eles já são um pouco mais

distantes. Então, pra gente hoje é mais fácil trabalhar com pessoas de mais idade,

que todas elas se recordam da escola, e dessas crianças, tem adolescentes que têm

uma certa dificuldade porque não vivenciaram isso daqui quando criança. Aqui na Vila

CB, tem muita entidade que cuida de criança, que nem o Progen, há dois anos que a

gente trabalhou com o Progen, muitas crianças vêm de lá.

P: Você falou que você faz pesquisa de campo, que mais que você usa como

fonte de pesquisa?

C: Dependendo muito do que vai falar, hoje a maior parte é via internet. Mas,

que nem assim, é muito legal a pesquisa de campo quando você tem um acesso, é

outra coisa, que nem a gente já falou do Bosque dos Jequitibás, por exemplo, quando

a gente foi campeão do grupo de acesso, em 2008. Então, eu fui lá... por mais que eu

já tivesse frequentado, já tivesse levado meus filhos, já fui milhões de vezes lá, mas

eu fui. Eu fui sentir, fui, fiquei uma tarde, voltei outro dia, aí eu tive o prazer de conhecer

uma pessoa, conhecida como madrinha do bosque, que ficaram sabendo que eu

estava fazendo essa pesquisa e tal, aí a gente entrou em contato, a gente marcou um

dia lá, eu passei um dia com ela, conversei com ela muito, aí você vê que tem muito

mais detalhes, do que pela internet, porque a internet só coloca o bonito, só coloca os

detalhes mais importantes e nem sempre verídicos e você tem que ter uma visão

crítica daquela situação. Eu tinha o tema, fiz o texto, em cima daquilo que eu vi, não

daquilo que eu pesquisei do bosque, você tem que vivenciar, mas como também, a

gente é limitado, por exemplo, no bosque é fácil a gente ir, mas quando você pega um

tema um pouco mais...que nem a gente já falou da África, e eu nunca fui, aí você

depende muito da internet, depende muito do que já deu certo, do que você escuta

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falar, se no blog está falando de alguma coisa da atualidade, ou então você pode

direcionar sua pesquisa de campo a conversar com uma pessoa que já tenha

vivenciado isso tudo, isso a gente faz muito. Inclusive, quando a gente falou da história

da Vila, a gente falou baseado num livro que a Nélia, que hoje ela é diretora aqui do

“Fernandão”, ela escreveu, que era “O meu lugar”, esse livro ela fez com os alunos,

se eu não me engano da sexta série, e esses alunos fizeram essa pesquisa de campo.

O que que eu fiz: eu li esse livro acho que umas cinco vezes, só que eu não fui pela

visão desses alunos da sexta série, fui pela minha visão, então, eu peguei o que eles

acharam de importante e fui atrás, e fui verificar a autenticidade de tudo aquilo, do que

eles estavam vivenciando pra gente poder, a hora que o jurado pegar, ou quem for

pegar esse documento, porque vira um documento: histórico da cidade, o que que

você quis falar com aquilo, então a pessoa tem uma possibilidade, ela tem uma

fantasia representando a Folia de Reis, por exemplo aqui, mas se ela quiser se inteirar,

saber o que é a folia de reis, aí se ela quisesse ir mais fundo ainda ela ia saber por

quê a Folia de Reis é importante aqui no nosso bairro, ela ia conhecer a história da

Dona Maria, finada, mas a gente teve o prazer de tirar ela de dentro de casa, a gente

pode bater no peito, que ela já não saía mais e ela desfilou com a gente, a minha filha

desfilou do lado dela. Ela desfilou de cadeira de roda, pois ela não tinha mais

condições de andar, ela quis participar, ela quis ir..,

P: Puxa...que valorização da comunidade, da história, ela se sentiu parte

daquilo.

C: E de tudo que a gente estava contando. Então, virou um documento, se hoje

a pessoa quiser ir a fundo, ela vai...

P: E você que vai sozinho nessas entrevistas?

C: Geralmente sou eu que faço isso sozinho, porque a gente tem uma diretoria

da escola, uma diretoria pequena, então se você não incube cada um de fazer uma

coisa, você acaba não saindo do lugar, então a escola de samba não é só isso. Que

nem você entrevistou o Rafa, ele é mestre de bateria e está na frente da escola no

lugar do presidente, que o nosso presidente é meio ausente, ele tem os projetos dele,

aí cada um julga da sua maneira, mas daí já fica bastante coisa, daí tem que organizar

essa questão e organizar a bateria. Estamos há dois meses do Carnaval e não

sabemos se vai ter Carnaval, tudo caminha pra que tenha.

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P: Pode ser que seja descentralizado?

C: O Carnaval descentralizado já aconteceu no Campo Grande, eles não

montam àquela mega estrutura de arquibancada, palanque, de camarote. Eles pegam

uma estrutura menor, que acho que Prefeitura já tem, que nem fez no Campo Grande,

no Dic, na região do Taquaral, aí faz o Carnaval lá, distribui as escolas, é ruim, porque

você já não tem mais a competição, você não tem mais um público avaliando, mas é

uma maneira de Carnaval, por mais que não seja aprovado pela maioria, entende-se

que gasta menos fazendo dessa maneira, a gente prefere que faça do jeito tradicional

mesmo, num lugar só, todo mundo, com competição, é prazeroso quando você tem a

conquista.

P: Depois que você colhe essas pesquisas, como você as organiza esses

conhecimentos que você obteve?

C: Eu começo a montar a sinopse, eu junto tudo isso. Eu digito. Eu pego um

resumo de tudo que eu pesquisei, já começo a montar na minha cabeça um

cronograma, porque tem que ter começo, meio e fim, então, eu começo a distribuir

dentro da nossa realidade, a gente tem um costume, a gente traz as baianas no

primeiro setor da escola. A sinopse que organiza as alas, depois que eu crio as

fantasias em cima disso daí. O pessoal não tem acesso ao material pesquisado, a

acesso que eles têm é depois da sinopse pronta, pra quem tiver curiosidade e pra

desenvolver o samba enredo, até mesmo para a coreógrafa que vai fazer a Comissão

de Frente, essas pessoas têm interesse na sinopse, para montar alguma coisa, não

dá pra ela falar assim, tudo pergunta pro Rubão, o diretor tem que estar a par do que

está acontecendo, por isso, a gente faz uma reunião, faz uma leitura, eu colho a

opinião de todo mundo. O que destacou um pouco a Rosa de Prata é por conta desse

trabalho com a sua diretoria, então a diretoria tem um envolvimento, tem uma

participação, por mais que cada um cuide da sua função, do seu quadrado, a gente

sabe o que o outro está fazendo, o que é possível ajudar, tem o momento para chegar

às críticas.

P: Tá...e se alguém da comunidade se interessar pela pesquisa vocês podem

falar, por exemplo para um folião?

C: A gente já teve folião que já quis ajudar, contribuir com a história, às vezes,

com material, teve um rapaz que era historiador e que já ajudou a gente, a Néli

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mesmo, ela não desfila, mas sempre contribui muito, porque a filha dela faz a

Comissão de Frente, a mãe dela era diretora social da escola.

P: Você pode relacionar o enredo com outras questões que forem surgindo

durante a pesquisa?

C: Pode, é como se fosse uma licença poética, embora o público, por exemplo,

se você vai trabalhar o rio, hoje a nossa realidade tem poluição, embora ele queira ver

beleza, você pode mostrar o lixo, você colocar que entorno do rio tem poluição, você

colocar isso no carro alegórico, pra hora que a pessoa bater o olho, ela reconhecer,

ela entender, o carro é lindo, maravilhoso, mas e essa poluição, esses pneus que ele

colocou aqui? O que significa? Você faz a pessoa pensar. Você faz isso dentro do

tema, você relaciona com o tema.

P: Porque no Projeto na Educação Infantil acontece muito isso, que nem esse

ano a gente trabalhou o Palhaço, daí a gente relacionou com Charles Chaplin, na

linguagem deles, porque ele representava de forma cômica o nazismo, ele tirava sarro

do Hitler, e como que a gente vai falar pra criança, e aí a gente torna a linguagem

acessível, mas você viu que, do Palhaço a gente foi lá pro Nazismo, então nisso que

ao meu ver, é a beleza do trabalho com projetos, então vocês podem também, se

surgir um exemplo desse tipo, vocês podem falar do nazismo e voltar pro palhaço?

C: Pode, sem sair do tema do palhaço, o exemplo que você deu retrata bem

isso que eu estou falando, você não sai do tema do palhaço, é como se você

estendesse o braço um pouquinho, contasse um pouco da história do palhaço e

voltasse pro seu tema. Um exemplo, quando a gente falou aqui da história da Vila, a

gente falou de folia de reis, a gente colocou um exemplo, a gente colocou a D. Maria,

colocamos ela como um destaque, então, quem não sabe da história...

P: Depois que você tem a pesquisa, você faz algum planejamento? Você disse

que faz um texto, um cronograma...

C: Então, a gente vai sempre fazendo uns rascunhos, até ter um cronograma

geral. Eu tenho que apresentar pra Prefeitura o tema, aí depois eu apresento um

cronograma, que é a ordem de desfile, como vai vim a montagem da escola, aí eu

apresento os desenhos. No princípio a gente tem um tema, depois a gente já começa

com a sinopse, aí depois da sinopse a gente começa a ter o samba enredo.

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P: Eu fiquei meio em dúvida, que horas que entra a sua pesquisa?

C: Depois do tema. Aí após, o samba enredo a gente tem o desenvolvimento

das fantasias, juntamente com os carros alegóricos. Um exemplo pra você entender:

esse ano nós vamos falar da "Tentação de Recriar", qual foi a primeira tentação do

homem? Foi Adão e Eva, então, o primeiro carro vai vir representando a primeira

tentação de Adão e Eva, depois vai vir o casal representando o livre arbítrio, aí você

começa a fazer a montagem da escola, aí a gente monta o primeiro, segundo, terceiro

carro e, divide por setor, uma das tentações de criar foi inveja, Deus não criou a inveja,

Deus criou um ser de igualdade, pra isso, a gente tem a história, Deus criou todo

mundo nu, numa questão de igualdade, aí a inveja, as conquistas, surge o pobre e o

rico, a própria desigualdade social, a questão de riqueza, de beleza, porque antes não

tinha tudo isso, hoje tem o bonito e o feio, então está tudo num setor. Daqui a pouco,

Deus criou a planta, por exemplo, e o homem mudou geneticamente ela, fez uma

mutação genética, então, já está num outro setor, depois, você faz esse encaixe tudo,

porque a hora que o cara vir, o cara não tá vendo uma coisa, depois ele vê outra e vê

outra, tem que dar um sentido, é como se fosse uma "paleta de cor", tem que colocar

umas cores, vir combinando.

P: E só o jurado entende esse sentido, ou a plateia que está assistindo

entende?

C: Eu entendo da seguinte maneira, eu aprendi que a gente tem sempre que

ter essa visão de jurado, porque primeiro que você está em busca das notas, segundo

que os jurados são os olhos do público, se o público entender, automaticamente, o

jurado vai entender e vice-versa. Então, se você bater o olho e ver a escola confusa,

meu, quem bater o olho também vai ver confusa, então, existe um estudo, existe um

método, por exemplo, assim, até na questão de cores pra você fazer a escola, uma

cor dá um contraste com a outra, e que não vai fugir muito disto, tem carnavalesco

que trabalha dessa maneira, trabalha num setor determinada cor, aí começa a

escurecer a escola, até as cores vai fazendo uma ligação. Tem a questão visual, de

você assimilar melhor.

P: Isso é uma coisa estética, ou também para entender o tema?

C: Não só para entender o tema, engloba tudo, porque assim, a partir do

momento da cor, você aplica um contaste, você dá ênfase a uma coisa, porque às

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vezes, a fantasia é imensa, grande, e aquilo que você precisar demonstrar na fantasia

você não consegue destacar, então, se você não pensar na cor, você não consegue

destacar aquilo, e a gente sempre tenta vir com uma escola colorida, porque

antigamente as escolas só trabalhavam com as cores da escola: rosa, prata e branco,

então, a gente trabalha com o máximo da escola colorida possível, por exemplo,

porque trabalhar só com as cores da escola fica difícil, quando a gente trabalhou o

tema da África, o que você encontra de rosa, é difícil, na África você encontra coisas

coloridas, com cores fortes, só que nas cores primárias, então, você tem que estudar

isso, você tem que ver que são cores primárias, você faz suas fantasias baseadas em

cores primárias, quando você fala da história da África, você não encontrava rosa, as

cores que eles tinham vinham de sementes, de madeira, daquilo que eles usavam,

você não tinha essa variação de cores, aí a gente teve que achar alguma coisa rosa

pra poder retratar as cores da escola, então, não é simplesmente você colocar, porque

às vezes, você coloca e fica confuso, se você tiver confuso, aquilo que você vai fazer

vai ficar confuso, aí o cara vai olhar e vai falar, mas o que que é isso? Essa parte da

fantasia é muito delicada, porque às vezes, você precisa de voltar pra traz, mexer. A

gente cria e executa aqui, tudo é feito aqui nesse ateliê. Eu faço um desenho, depois

o piloto, pra mostrar pros coordenadores de ala, porque às vezes no piloto a gente dá

referência à fantasia, a gente contrata uma equipe de trabalho aqui, e essa equipe

está sempre baseada naquele piloto, porque às vezes, você está fazendo um adereço

e é um triângulo, mas o que que é esse triângulo? Meu, vamos fazer o triângulo e

depois a gente vai explicar, então é difícil a pessoa já comprar a ideia, é só fazer o

triângulo? É só fazer isso? Esse triângulo, de acordo com o piloto é pra colocar aqui,

então, a pessoa já tem um a visão de como a fantasia vai ficar, também já sabe se

ficou bom ou não.

P: E muda muito depois do piloto?

C: não, só existe uma possibilidade de mudar depois do piloto, que é você não

encontrar o material que você trabalhou, que às vezes você começa a fazer o piloto

muito cedo, por exemplo, chega nas vésperas do Carnaval e a gente trabalha com

recursos só da Prefeitura, na sua maioria, quando a gente vai comprar a gente já não

encontra mais daquele material, então você comprou um tecido que era lindo,

maravilhoso, aí chega na hora de comprar, já não tem mais aquele tecido e aí você

fica limitado, você vai procurar um tecido parecido, já não é mais o mesmo, então às

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vezes, cai um pouco a qualidade, ou aumenta a qualidade, só que você gasta mais,

mas você cria o piloto para ter uma noção, é uma base, mais ou menos.

P: Quais linguagens de expressão e comunicação estão presentes no

Carnaval? Há profissionais que são contratados?

C: A escola de samba reúne todos os tipos de artes, então você pega um cara

da dança pra poder montar coreografia, você pega um músico porque ele vai ajudar

na ala musical, o cantor que vai ajudar na ala musical, ou só o batuqueiro...

P: E são todos da comunidade?

C: Em sua maioria, a gente prioriza muito a questão da comunidade. Têm

pessoas que já moraram aqui e hoje não moram mais aqui, mas vêm pra ajudar, eles

voltam aqui pra desfilar, já tiveram algum tipo de relacionamento com a escola.

P: Essa parte de artes mesmo, é sua?

C: Eu faço essa parte de desenvolver o tema, de desenhar, por exemplo, a

gente contrata um rapaz, ele não é daqui da comunidade, mas ele já está com a gente

já faz uns oito anos, se eu estou 10 ele está 8, ele faz a parte de escultura, ele pinta,

ele faz grafite, ele vive disso, ele vem reforma nossa escultura, modifica, essa

adaptação que foi falada, ele já transformou um cavalo em zebra, a grosso modo

pensam, é só pintar umas faixas no cavalo e virou uma zebra, mas quem estiver

julgando vai ver a diferença e um folião numa empolgação, às vezes, passa

desapercebido, mas quem tem essa visão vai falar o cavalo que a gente tinha era com

musculatura definida, tava numa posição de guerra e a zebra não. Já estamos com

as esculturas do próximo ano, eu estou pra marcar uma reunião com ele pra gente

sentar, e eu falar tudo o que eu imaginei quando montei a sinopse, a gente escuta o

samba enredo, aí discute eu, o vice-presidente, o responsável pelos carros desde a

parte da ferragem até a decoração, vai ter uma pessoa responsável para entregar o

carro inteiro na avenida, essa escultura é muito pesada pra este carro, vamos ter que

reforçar, é o momento de cada um expor aquilo que está pensando e aí a gente

começa o trabalho.

P: Essa parte que você falou que imaginou você coloca num papel?

C: Ás vezes, a gente desenha junto, fantasia é mais conhecimento de material

que existe, então, você tem que estar muito antenado com novidades, com coisas que

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as escolas de SP estão usando, tecido, material sintético. Aí o que que acontece? No

caso do carro alegórico, o cara já tem esse conhecimento, depois que eu passei pra

ele, a gente começa junto a montar o desenho, então, ele é muito bom de desenho,

ele já faz o desenho dos carro, senão eu mesmo faço, só que eu faço do meu jeito e

o método que eu uso é um método simples pra desenhar, se você pegar meus

desenhos é um desenho bem simples, só que ele tem um porquê de ser simples, do

carro alegórico, eu também peço pra ele fazer simples, por mais que ele faça com

seus detalhezinhos, a sua perspectiva do carro de lado, ele vai fazer esse desenho

técnico pra passar pro cara responsável pelo carro, porque a gente trabalha com limite

de altura, daí ele já começa a calcular.

P: Qual que é o limite de altura, fiquei curiosa?

C: Desse ano que passou foi 5 metros e meio. A gente trabalha com 4 metros

e meio, a gente já trabalhou com 5 metros e meio e um destaque nosso quase

enroscou, mas são vários setores que têm que se agrupar, depois é só mais um

acompanhamento e esclarecimento de alguma dúvida, eles já chamam com uma

solução, ou eu faço questão que seja isso porque tem uma representação, eu passo

pra eles, eles compreendem, a gente vai tocando um trabalho conjunto, porque não

dá pra fazer tudo sozinho, é muita coisa. Aí tem tem de tudo, profissional da dança,

escultor, o cara que pinta, aderecista, a gente pega meninas da comunidade para

trabalhar, porque se torna também uma fonte de renda, elas recebem, tem muito

trabalho voluntário, mas a gente tenta criar uma base e que recebem por essa base,

pois você passa a contar, porque o voluntário você tem, mas você não pode contar

muito e também não pode exigir, porque é um voluntário, aí a gente contrata umas

quatro pessoas, que é o alicerce, que é a base, que dá pra gente saber que elas vão

fazer, mas a gente conta muito com o voluntário também.

P: Você faz registro escrito né? Você tira fotos, você grava vídeos, assim, do

processo?

C: Não, a gente já teve um projeto uma vez que a gente tentou, tenho um

compadre que ele é câmera e a gente começou a conversar e tentar fazer, mas a

gente acabou não levando adiante. Teve outro cara, um cinegrafista, que veio aqui,

tentou registrar esses momentos, fora isso, só coisas pessoais, o Veiga, que a gente

fala que é o professor Pardal, é um cara acima da média, todos problemas eletrônicos

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a gente leva pra ele, às vezes, ele surpreende e tá aqui filmando: Rubão, esconde o

que que eu não posso mostrar aqui, pode deixar que é coisa pra mim, ele registra pra

ele e guarda. O único registro que eu faço meu é guardar as fotos depois do desfile,

procuro guardar o material que eu faço. Que nem agora a Prefeitura padronizou tudo

que você tem que entregar tudo como se fosse um livro, uma apostila, então eu pego

e guardo.

P: Você tem alguma depois...? Se você puder me emprestar pra eu ver, tirar

uma foto.

C: Do ano passado eu tenho.

P: Deixa eu te perguntar uma coisa, vocês reciclam material?

C: O Carnaval em si, ele é pelo menos 50% de reciclagem, pra você ter uma

noção, lá no fundo, é tudo fantasias que a gente já usou e a gente não tem como jogar

fora, a gente faz umas parcerias e acaba vendendo isso tudo, mas como a grana é

curta pra você fazer o Carnaval, a gente vem e fala tô precisando disso, disso, disso,

começa a procurar, tenta achar vinte adereços desses daqui aqui no meio, revira,

achou. Então, você tem que usar, até porque existe a aramagem que vai por baixo,

que é a estrutura da cadeirinha da fantasia, então, tem umas que é mais pesada do

que as outros, você coloca no corpo você acaba não sentindo tanto, chega no desfile

tem a adrenalina, geralmente, as baianas que sofrem, as fantasias são mais pesadas

e elas são mais idosas, o casal também.

P: E vocês usam coisas que dão pra reciclar, tipo garrafa pet?

C: Tudo que está no nosso alcance, quer ver um exemplo que eu vou te dar?

Você pega essa cabeça, ela é feita com acetato, então, o que que acontece? Hoje,

você encontra esse acetato pronto, mas antigamente era feito de garrafa pet, você

tinha que recortar, fazer o cone, aí você pintava, mas hoje, você já encontra no

mercado esse daqui pronto, não o cone pronto, mas esse daqui como se fosse tecido

desse material, mas antigamente a gente tinha que trabalhar com isso, essa ponta

marrom, é bolinha da piscina de bolinhas, são todas elas pintadas, então são

adaptações do material que você tem pra poder utilizar.

P: Vocês tem essa preocupação com o meio ambiente?

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C: A gente tem a preocupação, mas a gente tem pra fantasia pouco tempo pra

fazer isso, ou você começa a fazer o ano inteiro, ou você não vai ter a quantidade

suficiente. A gente usa garrafa pet, por exemplo, quando você faz uma fantasia (ai

não tenho nenhuma aqui), então você faz a base com garrafa pet. Teve um ano que

a gente falou de todas as artes e uma arte era a arte digital, então, todo mundo da

escola inteira começou a guardar CD. Eu já vi um dragão feito com pratinho de

plástico. Eu já copiei uma coisa que me chamou bastante a atenção foi um trabalho

da Fumec, que quando eu cheguei perto era copo plástico, eu bati uma ou duas fotos,

eu tenho aquilo comigo. De trabalho de artesanato, tudo é adaptável, obviamente tem

algumas coisas que você já encontra industrializado daquilo ali, mas antigamente não

tinha. Antigamente, pluma era feita da pena de galinha e tinha que vir colando, não

podia nem pensar em nublar o tempo, tem que pensar no tempo também, porque a

gente trabalha ao ar livre, hoje existe uma tendência às coisas sintéticas, que nem

capim de acetato, imita o capim que você encontra no mercado, tem nas lojas de

produtos pra Carnaval, mas por exemplo, quando falamos da África, não tinha esse

material metalizado lá, então, usamos o natural, porque tem a ver com a fantasia.

Agora quando você vai falar de uma outra coisa você já tem esse daqui (aponta para

o material sintético).

P: Quando você vai transmitir suas ideias pra direção, tem muito conflito?

C: A gente trabalha assim, eu vou falar pra você com base numa fantasia feita

do zero. A primeira coisa é você colocar a diretoria ciente que é uma fantasia que vai

começar do zero, é diferente de uma fantasia luxuosa que você compra já pronta de

SP. Se você vai fazer do zero, já se entende que é uma coisa mais simples, porque

dá trabalho você trazer todo brilho, todo luxo, além de dar gastos, então, aí você vai

faz uma fantasia, eu na escola, graças a Deus todo mundo tem essa consciência, por

mais que o jurado também saiba valorizar isso daí, também existe esse lado de

entendimento a diretoria vai entender aquilo, ela vai olhar pra fantasia e também age

com franqueza, o R. eu achei que esta daqui tá meio simples, eu explico por quê que

tá simples. Do mesmo jeito que o método que eu tenho de desenhar ela simples, o

piloto eu também faço simples. Porque não adianta você fazer um piloto mega

recheado de pluma e depois não condiz com a sua realidade, qual que é a minha

realidade? A minha realidade é colocar cinco plumas só, e aí você desenhou ela com

cinquenta, vai ter uma diferença, então, o piloto também tem que ser mais realista

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com aquilo, eu meio que utilizo dessa artimanha, não é artimanha, desse método para

mostrar pra diretora que pé que nós tamos, ó com a grana que a gente tem, com a

grana que vocês destinaram pra fantasia, é isso que dá pra fazer, a nossa realidade

é essa. Ah, mais pô acho que tinha que ter muito mais pluma, então tudo bem, a pluma

se a gente for comprar, então a gente não pode comprar na última hora, que na última

hora não vai achar, vai pagar caro e ainda vai conseguir comprar só cinco. Então, a

diretoria se adequar, a primeira vez que fizer um evento, precisa já comprar pluma,

porque daí compra mais barato e tem condições de colocar de cinco, colocar dez,

começou a melhorar, mas se eu não mostrar pra diretoria a realidade da fantasia que

nós estamos fazendo a gente não vai chegar a lugar nenhum, tem que ter esse

consenso. E aí eles vão trabalhar em cima, se eles não gostam, eles acabam me

passando, ó eu achei que isso, o trabalho não é unânime, o ser humano é de várias

opiniões, então a gente tem diversas opiniões, eu gostei mais dessa, dessa, dessa,

essa daqui precisa trabalhar um pouquinho mais, será que você vai atingir isso? E aí

essas críticas vêm como um incentivo de melhora, aí eu paro passo a analisar melhor,

porque você tá contando com uma opinião que não está ali que é do jurado, que vai

dar a nota final.

P: Pra finalizar, você acha que a escola de samba tem algo a ensinar pras

escolas formais?

C: Eu acho que tem e muito, o princípio da escola acho que já é o mesmo da

escola convencional. A nossa escola Rosa de Prata precisa melhorar em alguns

aspectos, em muitos aspectos para dizer a verdade, mas você pega, por exemplo, as

que já estão muito acima da gente, que são as de SP e tal, você vê umas questões

que eles desenvolveram muito, que é o respeito. A escola te ensina o respeito e você

não vê uma idosa, uma pessoa que desenvolve um trabalho numa escola grande em

pé, sendo maltratada, não sendo tratada com alguma coisa que não seja respeito.

Respeito é um exemplo que eu estou te dando, isso ensina a ser um ser humano

melhor. Ah, mas o Carnaval é folia, o Carnaval não é folia, o Carnaval trabalha num

extremo, numa coisa que é muito polêmica, que é essa questão da exploração do

corpo, mas ela trabalha outra coisa, eu tenho meus filhos, minha filha desfila na escola

há seis anos, meu filho tem três anos e desfila há três anos na escola, ele não tinha

nem um ano completo e já estava desfilando na escola, tem três carnavais no currículo

e eu tento passar isso pra eles: essa questão do respeito, essa questão do próximo,

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do trabalho que é trabalhar com opiniões diferentes, com gostos diferentes, com

personalidades diferentes, com condições diferentes, a gente trabalhou o ano

passado com uma grávida, a gente aprendeu a conviver com ela, a conviver com as

necessidades dela. Porque você aprende um pouco de tudo, você aprende um pouco

de cultura. A escola de samba e a convencional se equivalem, se equalizam, você

aprende a cultura, um trabalho manual, você aprende um trabalho mais braçal, mais

forte, tem diversos profissionais trabalhando, aprender a lidar com todos eles, você

tem que aprender a respeitar uma hierarquia, quem está na frente, no comando, a

dividir opiniões, a analisar o gosto das outras pessoas, na minha comunidade têm

raças diferentes, têm religiões diferentes, têm gostos artísticos diferentes, orientações

sexuais diferentes e a gente convive com todo mundo aqui, acho que é o espaço mais

democrático que tem, nesse aspecto se equaliza muito com a escola, porque você

não sabe quem está entrando por àquela porta, ai putz não gostei dessa pessoa, um

cara alto. Eu costumo falar, que é uma conquista diária, a gente não chegou aqui

dessa maneira, hoje você sabe, a Castelo Branco é uma comunidade mais “carente”,

um pessoal mais humilde. A gente teve muito problema com questão violência, perda

de muitas pessoas no bairro, teve um histórico passado e a gente briga com as

estatísticas, a gente a cada ensaio tenta trazer mais pessoas, a gente tenta mostrar

pras pessoas que hoje a Castelo Branco é diferente, hoje eu atravesso a rua com

meus filhos, colocou o pé na quadra, largo e tal, na hora de ir embora saio gritando

cadê fulano, fulano, e eles estão brincando. A nossa quadra é muito cheia de crianças,

de idosos, de pessoas, quem tinha uma visão distorcida de um lugar problemático,

hoje já vai lá, dá pra gente consumir coisas de lá, lá também existe família. Às vezes,

a pessoa leva muito pra questão bagunça. Hoje, infelizmente, a violência está em

todos os lugares, a exposição do corpo, a sexualidade deturpada não está no

Carnaval, está fora do Carnaval. Vou te dar um exemplo bem claro, até hoje, por seis

anos consecutivos a madrinha da bateria da nossa escola é uma mulher, casada, já

mãe, casada com um policial que vem toda vez que ela precisa vir no ensaio, ele vem

trazer ela na porta, ele vem acompanhado, ela vai desfilar, ele vai leva ela até a

avenida, chega lá ela tira o roupão, ela desfila de fio dental, com uma fantasia de

passista, chega no final ela só se cobre, tira a fantasia e vai embora pra casa dela.

Ela já fez diversos shows com a escola e ela frequenta a escola e ela supera

preconceitos, porque ela é casada com um policial. E ela não se envolve nisso, você

não vê uma conversa com o nome dela. A minha filha desfila de passista, ela

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completou doze anos, dentro do que ela pode, daquilo que eu entendo de vida ela

desfila como passista, quando ela crescer tenho que mostrar pra ela o lado bom: isso

é legal.

P: Isso que você falou é legal, a questão da mulher passar uma imagem

diferente, que não é questão da roupa que ela usa.

C: Então, já tivemos vários casos de meninas aqui, não só daqui da Vila, mas

de outros lugares, meninas que andam super bem vestidas, que frequentam bons

lugares, que passam até por evangélicas, daqui a pouco você vê um vídeo delas

circulando, se vê umas fotos, ou fica sabendo que fez isso, que fez aquilo, eu passo

muito pras minhas destaques, pra quem participa aqui: a questão respeito quem vai

se dar é você, o primeiro momento que você teve aqui na escola você foi respeitada,

o primeiro contato que você teve oficialmente com a escola foi o dia que você passou

do portão pra cá, você passou do portão aqui pra dentro sou eu que vou fazer sua

fantasia, sou eu que vou lidar com você, então eu vou te respeitar, o que você vai

fazer fora daqui, é um problema seu, se você for num ônibus junto com batuqueiro,

imagina essa situação, você vai fantasiada, de biquíni, ou vai com uma roupa curta ou

meio transparente, porque tudo cabe dentro do Carnaval, se você vai no meio dos

batuqueiros, você está esperando o quê? Que ele venha e mexa com você, porque

você está sensualizando pra esse lado. Agora você pode estar sensualizando, com

uma pessoa acompanhada, uma pessoa assessorando, como um namorado. Se ela

quiser se expor, ter seu momento de polêmica, ela pode ter, mas se ela quiser

respeito. Você aprender coisas diferentes, vivenciar coisas diferentes, você conhecer

escolas de samba diferentes, de outro nível.

P: Vc tem experiência assim?

C: Tenho, eu coordenei ala na Tom Maior, desfilei em SP. Não vou em shows,

em samba, eu passo meu ano tendo outra profissão, eu sou motorista, no Carnaval

eu me volto ao meu posto, aí eu meu dou o luxo de ir nos ensaios, eu sou Palmeirense,

aí eu vou no ensaio da Mancha Verde, seja pra renovar o espírito, ou seja pra desfilar

também, eu vou e assim a gente vai.

P: Ai obrigada R. foi ótimo, eu tomei muito do seu tempo, mas me ajudou muito,

depois com certeza, eu vou dar retorno pra vocês.

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APÊNDICE 3

AUTORIZAÇÃO PARA PESQUISA

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APÊNDICE 4

APOSTILA DE APRESENTAÇÃO DE ENREDO PARA O DESFILE

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