Ç nº48887 aimagemdachinanaliteraturaportuguesa ... de... · 7 assim uma imagem da china, que foi...
Post on 07-Aug-2020
3 Views
Preview:
TRANSCRIPT
Ç
Nº 48887
A Imagem da China na Literatura Portuguesa:Maria Ondina Braga " A China Fica ao Lado "
Lu liu
Dissertação Mestrado em Estudo Portugueses
Orientador: Paula Cristina Costa
Outuber,2017
1
A Imagem da China na Literatura Portuguesa:
Maria Ondina Braga: “A China Fica ao Lado”
2
RESUMO
Este estudo tem como objetivo estudar a imagem da China em alguns momentos da
literatura portuguesa. Nomeadamente, na escritora Maria Ondina Braga, a partir da
analise da obra "a China fica ao lado". Como metodologia serão usados alguns
conceitos da literatura comparada, tais como o estudo de imagem, ou seja, a
imagologia. Tentar se á compreender a imagem que os textos analisados desta
autora reflete da cultura chinesa, particularmente, a imagem da mulher chinesa.
Palavra-Chave: Imagem da China, Literatura Portuguesa, Maria Ondina Braga,
3
ABSTRACT
This research aims to study the image of China in some moments of Portuguese
literature. Namely, from the analysis of the work " A China Fica ao Lado" written by
Maria Ondina Braga, will be used some concepts of comparative literatures, for
example, the study of image. Trying to understand the image of China described in
texts of this author, the image of China reflects the Chinese culture, in particularly
the image of the Chinese woman.
Key words: Image of China, Portuguese literature, Maria Ondina Braga
4
ÍNDICE GERAL
Resumo …………………………………………………………………………………………………………………2
Abstract …………………………………………………………………………………………………………………3
Introdução
a) Objetivo do Trabalho…………………………………………………………………………………………6
b) Como o ocidental olha para a China …………………………………………………………………8
c) Os métodos de estudo da imagem ……………………………………………………………………12
d) Maria Ondina Braga e a relação com a China……………………………………………………17
e) Portugal como país particular para observar a China. Orientalismo. Literatura
Comparada e estudo de imagem……………………………………………………………………………20
Parte Ι
1.O imaginário do Ocidente acerca do Oriente………………………………………………26
2. A Imagem da China na Literatura Portuguesa do século XVI ao século XIX…31
2.1. Portugal começa a explorar o mar……………………………………………………………31
2.2. Apresentação de alguns aspetos da imagem da China na Literatura Portuguesa
do século XVI ao XX
a) Aspetos iniciais…………………………………………………………………………………………….40
b) Aspetos negativos…………………………………………………………………………………………41
c) Aspetos positivos…………………………………………………………………………………………48
5
Parte II
4. Apresentação da imagem da China descrita pela autora Maria Ondina Braga
4.1 Vida e Obra………………………………………………………………………………………55
4.2 A Experiência no Oriente…………………………………………………………………59
4.3 O resumo dos vários tipos de personagens………………………………………63
4.4 Analise dos vários tipos de personagens……………………………………………65
5. Caraterísticas especiais
a) A especificidade da personagem feminina e o do seu universo …………96
b) A intriga oriental de carácter místico e simbólico………………………………98
6. Conclusão …………………………………………………………………………………………………103
7. Bibliografia……………………………………………………………………………………………………105
8. Anexos………………………………………………………………………………………………………109
6
Introdução
a) Objetivo do trabalho
Qual a imagem da China na literatura portuguesa contemporânea do século XX? Na
área da literatura comparada a palavra imagem é utilizada frequentemente e à sua
aprendizagem chama-se estudo de imagem, i.e. imagologia. Neste caso, é estudada a
imagem de um país estrangeiro tal como foi descrita na literatura de outro país. O
estudo da imagem, segundo a literatura comparada, é um conceito amplo, aborda
diferentes áreas do conhecimento, tais como a política, a religião, a filosofia, a
filologia, a antropologia e a psicologia, entre outras.
O século XX na China é um dos períodos mais tumultuosos de mudança social e de
criatividade cultural na história humana. Em 1911, uma tradição de dinastias
imperiais durante vários milhares de anos caiu para um grupo de jovens
revolucionários que desejavam uma nova direção para o país. Após décadas de
guerra, uma fação de revolucionários conhecidos como comunistas chineses,
emergiram vitoriosos. No ano de 1949, estabeleceu-se uma “Nova China”, sob um
governo que, embora altamente experimental, foi suficientemente estável para
durar ao presente. Atualmente é a economia como crescimento mais rápido do
mundo, com os valores, organizações e estruturas sociais em rápida mudança. O
dinamismo da China continua a ser palpável.
Portugal foi o país da Europa que mais cedo teve contacto com a China, além disso,
Macau foi colonizado por Portugal há quase 450 anos. Durante muitos anos de
contacto e colisão, a China tornou-se inevitavelmente um tema forte na política
diplomática e cultural de Portugal. Também missionários, viajantes, aventureiros,
romancistas, poetas, etc, deixaram muitos textos e conceitos sobre a China, em
diferentes crónicas e espaços de opinião, dependentes da sua própria visão,
experiências e necessidades, descreveram o que cada um observou. Foi-se formando
7
assim uma imagem da China, que foi naturalmente evoluindo. Este trabalho
pretende apresentar de forma simplificada o reflexo da evolução desta imagem na
história da literatura portuguesa, especialmente na literatura contemporânea
portuguesa do século XX.
Na presente investigação, o trabalho de construção do objeto de estudo teve por
base fundamentos teóricos resultantes da revisão do estado da arte através de
leituras prévias efetuadas sobre a temática enunciada, pela reflexão das práticas em
termos literários.
Pelas mais variadas causas, até hoje poucas pessoas abordaram a imagem da China
na literatura portuguesa. Este trabalho pretende analisar esta imagem da China na
literatura portuguesa contemporânea através da metodologia comparatista do
estudo da imagem, tomando como referência o método do orientalismo e tendo por
base a obra de ficção de Maria Ondina Braga intitulada “A China Fica ao Lado” (1967).
Serão analisados igualmente, os vários tipos de personagens desta obra,
especialmente a personagem feminina e o seu universo, a intriga de carácter místico
do oriente e a religiosidade oriental, entre outros aspetos, para tentar saber que
imagem da China revela esta autora. Discutindo a perceção da autora quando ela
como observadora descreve a China, e como a China encara esta perceção.
Colocou-se também como objetivo deste trabalho determinar quais as atividades
duma sociedade que contribuíram para a formação desta imagem.
8
b) Como o ocidental olha para a China
“Poema Chinês: Repartido
Tu estás na ponte a ver paisagem
Alguém na torre vê a paisagem e também a ti
Um raio de luar decora a sua janela
Mas és tu que decoras o sonho dele
Bian zhi lin”1
Vários europeus chegaram à China ao longo dos últimos séculos, tentando
aproximar-se dela. Muitos deles tentaram conhecê-la mais profundamente,
procuraram saber se correspondia à sua imagem, e procurando também novas
realidades. Houve também aspetos que não se observaram, talvez por motivos
culturais.
Este interesse do Ocidente pela China não era reciproco. Os ocidentais sempre
tiveram uma atitude de muita curiosidade em relação à China que preencheu
durante muitos anos o seu imaginário coletivo. Muitos deles, sonhavam com uma
viagem itinerante pelo deserto ou pelo mar para atingir a China, com um espaço e
um tempo longínquos. O Ocidente utiliza a lua para elogiar o luar chinês, mas no
9
fundo está a levar pedaços da sua cultura e a guardar outros desta cultura oriental
que hão de colorir os seus sonhos.
Entretanto a China, no centro do mundo, confunde os seus limites com o limite do
mundo. O seu céu é o céu do mundo. O território da China é vasto e não há interesse
em olhar para além dele. A linha da costa é enorme, mas não é encarada como uma
oportunidade de comunicação.
A partir do século XIII, os ocidentais começaram a chegar à China com muita
curiosidade. Naquela altura, o conhecimento do mundo que a China tinha restringia-
se aos seus vizinhos e continuava agarrada à tradição de permanecer na sua terra,
não tendo interesse pelo resto do mundo.
Por outro lado, os ocidentais continuavam a chegar ininterruptamente trazendo
histórias e costumes, e levando ideias utilizadas nos livros e crónicas que moldaram a
imagem da China no Ocidente.
Nesses escritos há muitos elogios, mas também algumas críticas, por vezes violentas
e injustas. A China reagiu construindo um "muro" de modo a continuar fechada no
seu espaço e na sua cultura, bem como a preservar o mundo a que estava habituada.
Os novos conceitos vindos do exterior não alteram muito a cultura chinesa - são
antes assimilados por ela.
Por esta razão, no processo de desenvolvimento mundial, os chineses não se
habituaram a utilizar os conceitos já existentes noutras partes para explicar as novas
descobertas e fenómenos sociais e foram perdendo ainda mais o interesse pelo
mundo exterior.
Ao longo de um período bastante longo, estudar ou conhecer uma cultura exótica
(neste caso a europeia) torna-se suspeito. Quando olhamos para a história da China
10
vemos muito poucas descrições sobre o que se passa do lado exterior, pois o
interesse dos chineses é muito raro ou mesmo inexistente.
Stavrianos descreveu assim esta realidade: "Na verdade, os chineses não têm
qualquer interesse no que se passa fora da China. De facto, eles não sabem a
localização da Europa e raramente a perguntam. Sobre os povos europeus, eles
confundem-nos sempre e geralmente trataram-nos por monstros de nariz
comprido".2
Ultimamente a China começou a ler e a traduzir os documentos ocidentais que se
referem a ela, com o intuito de "conhecer imagem da China na visão dos ocidentais"3.
No estudo da sinologia já há muitas traduções acerca das comparações culturais
entre China e Europa.
No livro "Definição da China na visão dos Ocidentais "4, o autor comenta "que a
porta da China se abriu desde finais do século XIX, os ocidentais começaram a
escrever sobre a política, a vida e espirito do povo, características da raça, etc. Mas
ao mesmo tempo o autor explica que a imagem da China na visão dos ocidentais
apresenta aspetos verdadeiros, mas também coisas menos corretas. "5
Sobre os estudiosos chineses na área da imagem da China na visão Ocidental, o
melhor e também o mais importante livro é o intitulado A definição da China no
Mundo (Publicado em 1992)6. Este livro descreveu a política, economia, sociedade,
religião, cultura, língua, filosofia e literatura da China na visão ocidental.
O sinologista americano Jonathan D. Spence publicou muitos obras sobre a China,
tais como, a sua obra que se pode incluir como uma referência da imagem da China
intitulada "A China na Visão do Ocidente"7 discute a imagem da China desde Marco
Polo a Kafka. O autor comenta como os ocidentais estão a tratar a imagem da China:
quer ao nível do conhecimento, quer nos sentimentos, há sempre várias atitudes.
11
Outro estudioso da sinologia, o alemão Hans Wolfgang Rubin, discursou numa
palestra na universidade de Beijing em 1997, o assunto era o estudo da diferença. O
autor abordou o estudo da diferença através do padrão ocidental, e também discutiu
a imagem da China na literatura alemã em diferentes períodos.
(Notas de Rodapés da parte b)
1. 卞之琳,断章,写于 1935 年(tradução:Bian zhi lin, Poeta Chinês, poema Duna Zhang(traduzido
em português por: repartido), foi escrito em editora ,1935, )
2.Leften Stavros Stavrianos, Man's Past and Present: A Global History (1971)(abridgement of World
to/since 1500, 2nd ed.),p39
3. Zhou Yi, "conhecer imagem da China na visão dos ocidentais",beiijing,1989,
4. Bai Ju ,"Definição da China na visão de Ocidentais ", the people of republica, 1978.
5.Bai Ju ,"Definição da China na visão de Ocidentais ", the people of republica, 1978. P.45
6.Huang Zhong, A definição da China no Mundo, beijing, 1992
7. Jonathan D. Spence,"A China na Visão de Ocidente"(1966)with Roger F. Hacket
12
c) O método de estudo da imagem
Na área da cultura e da história, os termos imagem e conceção da China são ambos
usados, visto que o seu significado é muito próximo. Um estudioso chinês chamado
Zhou Ning, apontou pela primeira vez, a diferença entre os dois. De acordo com o
autor, o termo conceção da China é usado especialmente pelos estudiosos
ocidentais que estudaram a China. A conceção da China é uma metodologia
empregue pelo sinologistas, e ainda um conhecimento profissional.
Não obstante, a imagem da China é popularmente usada na sociedade e refere-se a
uma ideia alargada sobre a China, incluindo conhecimentos, imaginário, verdades e
ilusões. A imagem da China é vulgarmente construída através de variados textos. A
separação destes conceitos pelo Senhor Zhou é muito correta. Além disso, a imagem
não surge apenas através dos textos, mas também através do movimento, das ações,
das conversas, dos equipamentos, da arquitetura, do ambiente, das cores, do som,
dos aromas, etc. Em conclusão, o ser humano consegue formar uma imagem acerca
tudo. O estudo da imagem também pode ser analisado pela literatura comparada.
Como este trabalho pretende-se propor uma interpretação, uma " leitura" da
imagem que os portugueses, sobretudo através da sua literatura, formaram a partir
da realidade chinesa, ou melhor, do que os portugueses puderam conhecer dessa
realidade. Trata-se de fato de um tema de estudo especificamente comparativista,
com evidentes implicações históricas, sociais, culturais e antropológicas. Como e por
que razão se formou esta ou aquela imagem do homem chinês, da história chinesa, e
da civilização e cultura chinesas, em que sentido evoluiu e se desencadeou a
imaginação criadora dos portugueses ao pensarem na China e ao "fantasiarem" a
China---eis as interrogações básicas que nortearam a nossa análise.
13
Para dar uma resposta a essas interrogações, enveredou-se pelo caminho mais
seguro, que é o da analise dos meios de conhecimento de que dispuseram os
portugueses nas suas relações com a China, relações quer intelectuais, quer
comerciais, ou políticas. Mas deverá notar-se que, em qualquer destes domínios,
apenas se destaca as linhas-mestras desses meios de conhecimento. Com atenção às
lições dos historiadores, tentar-se-á igualmente exprimir os diferentes ritmos da
história das relações luso-chineses. Todavia, o que mais nos interessou foi
compreender--em termos literários--as imagens, por vezes elementares (quer dizer,
essenciais) com as quais os portugueses formaram uma ideia e tiveram uma
experiência da China.
Ora, aqui, o estudo, não se limita a mergulhar em diferentes camadas de cultura, ao
longo dos séculos, mergulha-se também, forçosamente, em nós próprios. Porquê?
Porque o aparecimento de uma imagem, de uma interpretação do Outro, esta ou
aquela "leitura" de Portugal, não podem deixar indiferente o investigador. A
imagem, isolada, explicada, interpela, interroga, faz pressão sobre o investigador
para que ele penetre fundo em si mesmo, para que ele analise as suas próprias
formas de representação, as suas preferências, os seus entusiasmos, os seus
silêncios. Assim, não é a objetividade que pretendemos atingir aqui, mas sim uma
verdadeira análise autocrítica: diz-me como vês o Outro, dir-te-ei quem tu és…
Terrível regra do jogo, esta regra imposta pela imagética literária, ou como se diz na
expressão comparativista francesa, a "imagologie". Todavia, esta regra é a razão de
ser das nossas atividades universitárias a nível da Literatura Comparada, ainda
considerada por alguns (que de fato a desconhecem) demasiado afastada do real e
das suas preocupações....
A literatura comparada, pela sua abertura e complexidade, pode atravessar
diferentes áreas, como a politica, a religiosa, a filosófica, a filológica, a antropológica,
a psicológica, a cultural e também a área do estudo de imagem.
14
Assim, desde o início, a base fundamental da Literatura Comparada, o princípio
dialógico (o famoso diálogo de culturas, frequentemente desigual), de que um dos
fundadores foi Bakhtine, instala-se no próprio centro do espaço conhecido (o da
cultura do investigador), retomando-o, revalorizando-o.
Edgar Morin disse: "todo o estudo de imagem é valioso quando dá atenção à cultura
da imagem. Por isso, o estudo da imagem não é apenas obra de autores, mas
também engloba as áreas da historia, sociedade e cultura, etc." 8
Na área da literatura comparada o estudo da imagem é um estudo recente, com
pouca história, proporcionado por um estudioso alemão, Jauss, e outro francês,
Étiemble, nas décadas 60 e 70 do século XX. O estudo da imagem enquadra-se na
literatura comparada e na respetiva metodologia do estudo de imagem da literatura.
Na China, o estudo de imagem inicia-se mais tarde e começa a chamar a atenção na
década de 90 do século XX. "A lista da literatura Comparada da China"(1994.1) 9e
"Literatura Comparada Chinesa" (1995.1-2)10 são livros publicados sobre o estudo de
imagem na literatura comparada, por Balou.
Posteriormente, Le-Daiyun publica "Cultura Transmitida e Imagem da literatura
"(1999) e Meng-Hua publica "literatura comparativa"(2001)11 sendo neste livro,
muito significativo para iniciar e indicar o caminho da literatura comparada.
Portugal foi o país ocidental que mais cedo teve contato com a China e os
portugueses escreveram muitos textos sobre ela, muito embora estes não tenham
tido muito peso na literatura europeia.
O estudioso inglês Boxer, não achou justo para os escritores portugueses que por as
suas obras estarem escritas na língua portuguesa não fossem tão populares como as
editadas pela imprensa italiana ou espanhola.
15
C.R.Boxer ao comentar o livro do missionário português Gaspar da Cruz Tratado das
Coisas da China 12 afirma que este descreve melhor e mais claramente a China do
que o famoso viajante Marco Polo.
Há muitos estudiosos do Oriente que pensam que para além de Marco Polo,
Mendoza e Ricci, não há mais livros na Europa que descrevam bem a China. Isso é
um erro uma vez que infelizmente é ignorada a bibliografia portuguesa e espanhola.
Por outro lado, na China são poucas as pessoas que conseguiram obter proficiência
na língua portuguesa, e ainda menos as que analisaram a imagem da China na
literatura portuguesa.
Além disso os poucos estudiosos que estudaram a imagem da China, não
consideraram os livros portugueses, por exemplo os livros intitulados A Imagem da
China, A Lenda do Ocidental e A Listagem da Grande China13, são muito pouco
discutidos.
Na China, já existem algumas traduções de livros portugueses que falam sobre ela,
por exemplo, Os Lusíadas14 (publicado em 1995 pela editora chinesa Arte
Associação), Viagem no Sul da China15 (publicado em 2002 e que faz parte da coleção
da Biblioteca Nacional da China), que foram retiradas das obras de dois escritores
portugueses que, em diferentes alturas estiveram na China .Outra obra é imagem da
China na literatura Ibérica dos Seculos XVI e XVII16 ( publicada em 2003 pela
Imprensa do Elefante), na qual foram utilizados alguns episódios de descrições da
China, de escritores portugueses e espanhóis nos séculos XVI e XVII, e que também
foram publicadas na revista multicultural. Em geral, ainda é uma área a explorar.
16
Notas de Rodapé de episódio c)
8..Edgar Morin,L'Homme et la Mort ("O Homem e a Morte"), lançado em 1951.p34
9..Zhou Ning,A lista da literatura Comparada da China"(1994.1)
10..Zhou Ning,"Literatura Comparada Chinesa" (1995.1-2)
11.le-daiyun ,"Cultura Transmitida e Imagem da literatura "(1999),"literatura comparativa"(2001),
beijing
12.Daniel-Henri Pageaux imagem de Portugal na cultura Francesa, 1. Edição -1983,p23
13. Rodrigo Trespach, a imagem da China,1 Edição,1989,
14. os lusíadas(publicado em 1995 pela editora chinesa arte associação)
15. Viagem no Sul da China(publicado em 2002 e que parte da coleção da biblioteca da China)
16. imagem da China na literatura ibérica dos seculos XXVI e XXVII16 (publicada em 2003 pela
imprensa do elefante)
17
d) Maria Ondina Braga e a relação com a China
Em Macau há muitas obras publicadas por autores portugueses residentes, das quais
as principais foram publicadas em língua portuguesa e também traduzidas para
chinês. Uma delas pertence à autora portuguesa Maria Ondina Braga, que descreve a
China na sua obra.
A autora viveu em Macau três anos, e afirmou-se como ficcionista. Publicou livros
sobre a China, tais como a China fica ao lado (1968), romances como Noturno em
Macau (1991) e contos como Angústia em Pequim (Lisboa Rolim - 1988). A China fica
ao Lado ganhou o Prémio do Concurso de Manuscritos do SNI, Noturno em Macau
ganhou o Prémio Eça de Queirós.
Marina Ondina Braga foi uma autora portuguesa muito viajada. Teve experiências
em Africa, na Europa e na Asia. Ela foi uma boa representante da literatura itinerante,
e deu uma grande contribuição à literatura de viagem portuguesa. Depois da época
dos descobrimentos de Portugal, a literatura de viagens começou a ser muito
comum e ocupou um lugar muito importante na literatura portuguesa. Nos relatos
históricos começou a aparecer com frequência esta vertente itinerante.
A viagem, na sua especificidade, torna-se uma espécie de tema literário no qual é
importante ver até que ponto pode estruturar um texto ou o imaginário de um
escritor e quais serão os diversos aspetos e metamorfoses desse tema. O caso-limite
dessa metamorfose cultural é o da viagem imóvel, a "mise en scène do eu"17num
espaço feito de palavras. “É o que faz Fernando Pessoa através, por exemplo, do
heterónimo Álvaro de Campos na Ode marítima ou do semi-heterónimo, Bernardo
Soares no Livro do Desassossego ao contar uma viagem nunca feita, B. Soares
definiu-a nestes termos;para viajar basta existir. Vou para o dia, como de estação
para estação, no comboio do meu corpo ou do meu destino.”18
18
Aqui a viagem é um elemento profundamente revelador dos problemas do ser em si.
Mas, antes de mais, a viagem é uma experiência do estrangeiro, vivido ou imaginado,
ou ainda simultaneamente as duas coisas. O que, sobretudo no século XIX, a torna
uma experiência essencialmente complexa.
De facto, de todas as experiências do país estrangeiro ou do indivíduo, a viagem é
sem dúvida a mais complexa. Mas esta complexidade não deve de maneira nenhuma
fazer recuar o estudioso da literatura, o qual tem, assim, a oportunidade de
confrontar a análise textual com outras abordagens: histórica, artística, sociológica e
antropológica. Porquê este último termo? A sua justificação é evidente quando se
pensa. Todavia, desde já, queremos assinalar que para nós a viagem constitui
também uma prática cultural, ao mesmo nível das outras, tais como a pintura, a
dança ou a cozinha.
Assim, a viagem é, simultaneamente, uma experiência humana singular, única,
inconfundível para aquele que a viveu, e um testemunho humano que se inscreve
num momento preciso da história cultural de um país: o do viajante. Por seu turno,
este conceito de uma cultura implica para o viajante-escritor a escolha de uma
escrita, a forma literária, mais ou menos pessoal, da sua narrativa.
O percurso de Maria Ondina Braga, numa tradição cristã antiga é associado
frequentemente à peregrinação, à travessia do mundo e da vida. A esta tradição
responde um poeta moderno, como Fernando Pessoa, o seguinte, no seguinte
poema datado de 1930:
Quando fui peregrino
Do meu próprio destino!
O presente trabalho vai analisar a obra de Maria Ondina Braga, intitulada A China
fica ao Lado, através de alguns aspetos tais como a personagem feminina e o seu
19
universo. Aspeto como a intriga de carácter místico, misticismo e religiosidade, entre
outros serão analisados para explicar e mostrar como a imagem da China é retratada
de modo geral na literatura portuguesa contemporânea do século XX.
A análise vai debruçar-se também sobre a imagem da China na literatura portuguesa
do século XVI ao XX. Sendo uma ajuda para acompanhar a evolução da imagem da
China na literatura portuguesa.
O seculo XX vai ser especificamente analisado neste trabalho. Discutindo o
imaginário e a aceitação de um observador (também autor) que descreve a China (a
China como ele a observou) e ao mesmo tempo a reação de quem foi observado.
(Notas de Rodapé do episódio c)
17 Daniel-Henri Pageaux imagem de Portugal na cultura Francesa, 1. Edição -1983, p23
18 B. Soares, Estudo de Imagem, 4 Edição,1999, p 45
20
e) Portugal como país particular para observar a China. Orientalismo.
Literatura Comparada e estudo da imagem
Portugal pertence ao Ocidente ou não? Na geografia e na cultura Portugal pertence
ao Ocidente, e contribui também para o conceito de Ocidente. O Ocidente
constituiu-se como entidade social e cultural no início do século XVIII. Anteriormente
existia apenas uma união de países cristãos. Mas o território do islão e a sua história
foram nesta altura objetos da atenção dos ocidentais, pois eram já parte do Oriente
e como tal enquadrados no orientalismo.
"Durante a luta e os encontros com os países islâmicos, a imagem do Islão é confusa,
a barba como elemento identificador, as indecências, a sujidade, o mau feitio, tal
qual monstros sem moral ou consciência." 19O crescimento da fé cristã e a
prosperidade de Omã faz evoluir o conceito de cristianismo para o conceito de
Ocidente.
A exploração pós descobrimentos une a Europa ao redor do conceito de Ocidente.
No século XIX, a colonização da Índia, de parte da China, e do Médio Oriente, tornou
o Ocidente num importante protagonista.
Ao mesmo tempo, os Estado Unidos, como um mundo novo também eram vistos
como fazendo parte do Ocidente e aparece o conceito de cultura ocidental. Portugal
como um dos membros do Ocidente foi um pioneiro na exploração do mundo e na
luta contra os islâmicos.
Portugal teve sempre uma relação próxima com os religiosos romanos. Perdeu, no
entanto, o lugar de topo, alcançado nos descobrimentos, e o seu posicionamento no
plano internacional ficou cada vez mais fraco, sendo mesmo menosprezado por
outros países na Europa.
Por causa da desigualdade de tratamento dos historiadores para com as línguas e
culturas diferentes os portugueses tiveram de integrar uma aliança especial para
21
sobreviver. Este aspeto também influenciou a sua atitude em relação à China. Ao
mesmo tempo Portugal nivelou-se como Mundo Ocidental, onde continua, no
entanto, a haver grandes diferenças entre os diferentes países. Neste ponto, surge a
criticar Eduard Said 20que não aceita os ocidentais porque não têm outra intenção
que não seja a de dominar e controlar.
Para perceber a imagem da China no Ocidente temos de recorrer à teoria do estudo
da imagem, e do orientalismo de Edward Said, onde este trabalho se inspirou.
Edward Said aproveitou a teoria de Michel Foucault para discutir o estudo do
orientalismo, ele apontou os orientais como “o outro” para os ocidentais, que assim
aceitaram as suas próprias culturas, baseando-se no fato de cada cultura precisar de
construir “o outro”.
Segundo a teoria de Edward Said o desenvolvimento e a preservação de cada cultura
precisa de outra cultura para ser homogénea e competitiva (alter ego). A construção
da identidade “eu próprio” (porque do próprio ponto de vista, quer do oriental, do
ocidental, do francês ou do inglês, para além do conjunto de diferentes experiências,
no final é tudo uma construção da identidade do “eu próprio”). A construção do “eu
próprio” implica a construção do “outro” que é contrário de ti mesmo, assim nós
temos diferentes personagens, e explicação, e reexplicação. Em cada nova época a
sociedade cria “o outro” que é um oposto de si mesmo. Por isso, a identificação do
“eu próprio” e do “outro” em oposição, são construções dinâmicas e não estáticas.
De fato, o que aconteceu foi que o historiador começou a ocupar o lugar do
comparativista, sem dúvida porque o investigador literário começou a dedicar-se
exclusivamente à análise do texto em si. Um dos sucessores de Jean-Marie Carré,
M.F Guarda, considera que o estudo das imagens só pode interessar o investigador
literário se abordar esse problema ao nível das transposições literárias, como se se
pudesse ignorar completamente as implicações histórias e mesmo sociais.
22
Paralelamente, o investigador literário ficava condenado a não estudar mais a
história das ideias, outra herança legada por F.Baldensperger e Paul Hazard, um dos
prolongamentos mais importante de todo e qualquer estudo sobre as viagens e as
imagens.
Temos de reconhecer que esta "imagologie" teve ilustres inimigos. Já em 1953, num
artigo publicado no" Yearbook of Comparative and General Literature", René Wellek
se manifestava frontalmente contra este tipo de estudos, por ele considerados
representativos da famosa escola francesa da literatura comparada, quer dizer, a
escola erudita, historicista, digamos mesmo neopositivista. Dez anos depois,
Étiemble, em "Comparaison n'est pas raison," estigmatizava os trabalhos que,
segundo ele, "regarder et historie, le sociologue ou l' homme d'etat», acrescentando
também que esse género de estudo era, segundo parecia," prospere en
France,presque autant que les études sur les voyageurs islandias à madagascar,
malgaches au Kamtchatka, ou suédois à Bangkok!" 21
Interdisciplinar "avant la lettre", a imagologia caiu, sobretudo em França, em dois
extremismos, por um lado, a excessiva importância dada a textos literários
separados da análise histórica e cultural, por outro, o excesso contrário, ou seja, uma
leitura demasiado redutora dos textos literários, transformados em inventários de
imagens do estrangeiro. Quem tenha consultado certos trabalhos comparativistas,
certas teses consideradas por vezes importantes, trabalhos que Étiemble
ligeiramente caricatura, conhece bem os defeitos básicos deste tipo de investigação,
mera catalogação temática, "mise à plat" dos textos citados, inflação de
comparativistas não deverão impedir que se continue a explorar um campo de
investigação tão fértil como o das imagens do estrangeiro, campo de investigação
que, aliás, voltou a atrair muitos especialistas desde há alguns anos para cá.
Reconhece, no entanto, o interesse renovado pela imagologie (ou seja, na tradução
portuguesa imagiologia, como já foi referido).
23
Repare-se, antes de mais, que toda e qualquer imagem procede de uma tomada de
consciência. Por menor que ela seja, procede de um Eu em relação a um "algures". A
imagem é, portanto, o resultado de uma distância significativa entre duas realidades
culturais. Ou melhor, a imagem é a representação de uma realidade cultural
estrangeira através da qual o indivíduo ou o grupo que a elabora (ou que a partilha
ou propaga) revela e traduz o espaço ideológico no qual se situa.
A história e a área académica e política contribuem muito para esta construção que
parece um concurso em que está envolvida cada instituição e unidade da sociedade.
A atitude cultural Ocidental em relação ao Oriente tem a ver com a construção do
“eu próprio”. O oriental, como oriental, existe apenas porque foi construído pelo
ocidental, e então os termos de construção do conceito de oriental foram criadas
pela teoria e pela prática, e os processos foram deixados ao longo de alguns séculos.
Estes processos podem ser englobados num sistema denominado de "estudo do
orientalismo", que é uma espécie de filtro aceite por toda a gente. O Ocidente usa
esse filtro em relação aos orientais.
A imagem da China como um objetivo do Ocidente leva a que o processo para
construir “o outro” ao contrário de "si", também passe por esse filtro. Por isso, a
imagem da China, o imaginário da China, os conhecimentos sobre a China, as
verdades acerca da China, as ficções e a mitologia chinesas são filtradas pelos
ocidentais, levando em conta também as expectativas dos ocidentais, e as
necessidades e os proveitos do “outro” para o Ocidente.
De fato, cada um tem o seu filtro, todas as coisas que vemos passam por esse filtro, e
todos os sentimentos e valores são filtrados para entrar no nosso próprio mundo,
portanto, o Oriente não existe. Não apenas ele não existe naturalmente, como de
igual modo o Ocidente não existe naturalmente.
O problema é que no atrito entre o Ocidente e o Oriente, este tornou-se o “outro”
em contraposição ao Ocidente, e por sua vez os ocidentais tornaram-se em juízes e
24
observadores. Por isso, a análise sobre a criação e a evolução da imagem da China
temmuitos protagonistas.
A imagem da China inevitavelmente vai passar por um filtro, do ponto vista do
estudo da imagem, para criar a imagem de outro país, o autor não apenas copia, ele
filtra alguns tipos de personagens, as personagens que o autor pensa que convêm
para explicar a imagem do outro país. Por isso, o estudo da imagem na literatura
comparada não é apenas copiar e assemelhar diferentes realidades. A imagem da
China é reconstruída e reescrita por cada observador, este mecanismo de
reconstrução existe antes do estudo da imagem.
A imagem é a imagem do “outro”, mas também transmite a imagem do próprio. Em
conclusão, quanto o ocidental está a criar a imagem da China, também está a discutir
a sua própria, está à procura da aceitação da sua identidade e a tentar melhorá-la.
Quando um observador está a olhar para a China, esta é o objeto observado, mas o
observador também está a questionar-se a si próprio. É o que se passa com a
contemplação de toda gente.
Há uma tese sobre é a relação entre China e Japão22, que a indica a imagem do
japonês na literatura chinesa e que analisa como a imagem do Japão foi interiorizada
pelos chineses. O mais impressionante é a atitude da China face ao japão. O autor
disse, o centralismo da cultura mostra uma prioridade ultrapassada, e essa
prioridade fez mesmo a China permanecer muito fechada. À cultura da China ainda
falta a capacidade de conhecer e analisar o mundo exterior.
Pode-se ver o conhecimento do Japão pela China, através da história, pois os
chineses repetiam sempre o conhecimento dos seus ancestrais sobre o Japão e não
houve nenhum novo desenvolvimento durante muito tempo. A mesma descrição
repetia-se sempre, estava sempre no mesmo nível e vinha em todos os livros.
Mesmo que as ligações entre o Japão e a China já tenham milhares de anos, a China
25
nunca conheceu realmente o japão. O conhecimento do Japão começou apenas na
época contemporânea.
E também dá para pensar, como é que a China depois de milénios de proximidade
ainda não conhecia o Japão. Também mostra quem foi o observado. O centralismo
da China faz da sua cultura uma prioridade e também faz a China perder o desejo e o
entusiamo de conhecer o mundo lá fora. Na verdade, não havendo um “outro” em
contraposição, não dá para se conhecer a si mesmo.
Podemos pensar na metáfora da China como um espelho. Os conhecimentos acerca
do Ocidente para os orientais são também como um espelho. Esse espelho, reflete
os pensamentos lá fora acerca da China, e a evolução da sua imagem na história
Ocidental, e vai ajudar a melhorar o saber e o conhecimento e as potencialidades do
país e do povo. Hoje em dia, a modernização e a comunicação internacional, reforça
a consciência e ajuda a obter um lugar melhor no posicionamento global.
Notas de Rodapé de e)
19 Edward wadie said, orientalismo, Editor, Good Hope, 1978, p45
20 Edward wadie said, orientalismo, Editor , Good Hope 1978, p25
21 Daniel-henri pageaux, imagem de portugal na cultura ,1 edição-1983,p 67
22 徐秦,论文,中国和日本的关系,写于 1990 年 (Tradução:Qu Qi, tese, a relação entre China e Japão, foi
escrito 1990)
26
1. O Imaginário do Ocidente acerca do Oriente
Vimos o diferente céu e terra.
(Luís de Camões)
A história de um país e de uma raça pode ser a história da tentativa de definir e
redefinir os seus próprios limites. O homem faz as fronteiras, mas não fica satisfeito
com o mundo dentro dessas fronteiras, pois transpor uma fronteira é um desejo e
uma atividade instintiva do ser humano. Passar as fronteiras geográficas está no
imaginário do ser humano, que o faz tanto por via pacífica como violenta. Por isso,
viajar para além das suas fronteiras é a procura do “outro”, é um caminho mais curto
de se conhecer a si próprio, e a satisfação desse desejo. O Ocidental é um conceito
geográfico, político e cultural, assente na mudança permanente das suas fronteiras.
Antes do século XIII, os habitantes do nosso planeta não se conheciam uns aos
outros e sabia-se muito pouco sobre quem realmente seriam os seus habitantes. As
pessoas viviam isoladas nas suas terras, pois não existiam meios de comunicação
nem de transporte. A curiosidade levou-as a começar a viajar para além das suas
fronteiras. Muitos viajavam também no seu imaginário através das lendas que foram
surgindo.
Quando a seda apareceu em Roma no século Iº da era cristã, os romanos pensavam
que os chineses a fabricavam de folhas de árvores, que podiam viver bebendo
apenas água e que conseguiam viver duzentos ou trezentos anos. Durante a época
medieval, as notícias sobre oriente tinham mais de imaginário do que de verdadeiro.
O imaginário sobre um oriente exóticos foi originado pelas várias lendas, e pela
mitologia.
27
O clérigo Pian de Carpine, que foi missionário, e embaixador do papa na Mongólia
em 1245, escreveu o livro "A História da Mongólia" baseado nas suas vivências e em
1253, o monge franciscano Guilherme de Rubruck foi enviado para a Mongólia para
pregar a religião cristã. Os dois nunca estiveram na China, mas mesmo assim
escreveram muitas coisas sobre a China, na maioria imaginadas.
A partir do século XIII a economia da Europa assim como o seu número de habitantes
começou a ter um crescimento assinalável. Os comerciantes começaram a organizar-
se melhor e as atividades comerciais tiveram um grande incremento.
Por causa da necessidade de ouro, de alimentos e de produtos de luxo, muitos
negociantes começaram a viajar para lugares mais longínquos. Antes do caminho
marítimo entre o Ocidente e o Oriente, já existia um caminho denominado de “rota
da seda” por terra, através do qual se desenvolviam os negócios. Muitos produtos
exóticos orientais já apareciam nas cidades ocidentais.
Chegavam também muitos relatos sobre essas viagens e sobre terras distantes. As
dificuldades de transporte impediam a comunicação entre o Ocidente e o Oriente, e
assim o conhecimento do Ocidente sobre o Oriente era muito escasso. Muitas coisas
sobre o Oriente foram transmitidas boca a boca, e pelas lendas que se iam
originando. Mas muitos delas eram exageros ou mal-entendidos.
Na verdade, a Europa só começou a conhecer melhor o Oriente depois do regresso
de Marco Polo, pois foi quando conseguiu obter informações corretas acerca do
Oriente. O viajante Marco Polo foi ao Oriente em 1271, chegou ao interior do
continente asiático e encontrou-se com Kehan imperador da Mongólia. Kehan
apreciou as suas capacidades e ofereceu-lhe trabalho no seu palácio. Portanto, ele
teve oportunidade de viajar por muitas zonas da China.
Em 1295, Marco Polo regressou a Veneza, publicou o livro milhão 21(0 que significava
que na china as histórias eram aos milhões). O lançamento deste livro causou uma
28
grande sensação na época, tendo tido várias edições e traduções espalhadas por
toda a Europa.
A maior razão para o sucesso deste livro foi a garantia do autor de que todos os
acontecimentos descritos no livro tinham sido presenciados por si próprio.
O livro contesta a existência de um país no Oriente em que os habitantes, riquezas,
artigos de luxo e cidades eram enormes e ultrapassavam em muito o que existia na
Europa.
O livro de Marco Polo descreveu pela primeira vez abundantemente a China e a
dinastia Yuan. O autor descreveu um mundo novo cheio de surpresas, elogiou os
tesouros, as cidades, os produtos, os caminhos, os palácios, etc. Estes relatos
impressionaram muito os europeus e ficaram gravados nas suas memórias. Mesmo
assim, a China continuou a ser um país misterioso.
Vinte anos depois do regresso de Marco Polo apareceram outros autores italianos a
escrever sobre a China, por exemplo Odoric of Pordenone, com o seu livro a viagem
de Odoric, e Bernard Mandeville com o livro O Visto e o Ouvido do Oriente22. O livro
de Odoric 23descrevia corretamente o Oriente, mas não foi tão popular como o de
Mandeville. "O Visto e o Ouvido do oriente" foram escritos entre 1356 e 1357.
Bernard Mandeville escreveu também sobre a India e a China. A China foi descrita
como um lugar paradisíaco. Este livro, do qual ainda hoje há duzentos manuscritos,
teve mais sucesso do que o livro de Marco Polo, mas na verdade Mandeville nunca
esteve na China nem tão pouco no oriente, ele apenas aproveitou as obras de outros
autores. É uma obra imaginada e ficcional, de modo a satisfazer os desejos dos
ocidentais.
Ele escreveu muitas coisas estranhas sobre o Oriente, como por exemplo: as ovelhas
que cresciam nas árvores; as cascas de caracóis que serviam para as pessoas viverem;
os indianos sem cabeça, etc. Por outro lado, também elogiou o Oriente e os seus
produtos bonitos e requintados, a vastidão do território, a existência de duas mil
29
cidades, o facto de haver habitantes cristãos, a inexistência de pobres, a barba dos
homens ser parecida com a dos gatos, e a beleza das mulheres, entre outros.
Os autores ocidentais que provavelmente nunca estiveram no Oriente são todos
iguais na repetição destes elogios, descrevendo o Oriente como um lugar rico,
próspero e de arquitetura magistral. Estas descrições repetem-se na história
Ocidental, e também nas descrições de portugueses, mesmo as descrições dos
portugueses originadas diretamente pela experiência, têm a ver com o seu
enquadramento Ocidental. Por isso, parece um sistema rotineiro de metáforas,
inicialmente a acompanhar o pensamento já existente para comentar a imagem da
China, e apenas por acaso em diferentes períodos. Podemos dizer que se a imagem
da China na época medieval era uma imagem colorida, então os portugueses
puseram mais cor nessa imagem.
Na época medieval, o ocidental construiu o Oriente com base no seu imaginário e
nas lendas.
A partir do século XVI os europeus começaram realmente a viajar. Empunhando
espadas e transportando a cruz cristã, começaram a explorar com ambição. A
história da Europa do autor Peter Rietbergen, indica que "por tradição os europeus
sempre tiveram bom gosto para as viagens." 24
Os motivos foram vários. Em primeiro lugar, o pensamento europeu era cada vez
mais independente, seguindo-se depois os conhecimentos de astronomia árabe,
experiências de viagem, mapas feitos por profissionais judeus que já tinham chegado
à Europa. Mais do que o desenvolvimento da Europa, a escassez de território, leva os
países a quererem alargar os seus domínios. Por isso, não interessavam os valores a
gastar, viajar começou a tornar-se inevitável.
Leften Stavrianos disse que" o continente europeu era um lugar de
subdesenvolvimento, com poucos habitantes, que foi inicialmente invadido por
30
indianos, hunos, árabes, entre outros povos. Os europeus defenderam-se e fizeram a
vingança, muitas vezes armados e transportando a cruz." 25
Por isso, a Europa tem uma tradição de exploração e esta exploração de alguma
forma autoalimenta-se. O rancor religioso entre os cristãos e os islâmicos cria nesses
dois mundos o ceticismo, a ganância, e as atitudes de vingança, e a vontade de cada
um querer conquistar o outro, antes de explorar as suas riquezas.
Os islâmicos controlavam os caminhos para o Oriente. Por isso, a raiva dos cristãos
era muito forte. Os europeus queriam chegar comercialmente ao Oriente, e por
acaso havia uma lenda que dizia existir no Oriente um lugar cristão, e que o Papa
também devia ser o seu chefe. Por isso, eles sonhavam um dia chegar ao Oriente e
unir-se a estes cristãos com o fim de derrotar os islâmicos.
No fundo, a Europa começa a sonhar assim com o mundo: o ocidental representa a
infância do homem, o Oriente o conhecimento arcaico do ser humano, a América o
homem primitivo, e a China a sociedade perfeita e com muito esperança no futuro.
Desde a época de Marco Polo e dos descobrimentos que a Europa passou pelo
imaginário e pelo ficcional, pela procura e pela conquista, o que mostra que a Europa
precisava de um “outro” em contraste, para poder desenvolver-se a si mesma.
Os ocidentais eram sonhadores com muita paixão, viajantes com muita coragem,
conquistadores ambiciosos e a sociedade Ocidental desenvolveu-se neste processo
de civilização e guerra. Por outro lado, a China foi um objeto muito inspirador para a
Europa, mas ao mesmo tempo foi também um objetivo a conquistar.
Notas de Rodapé de capitulo 1
21 Marco Polo, milhão, Editor,Porto, 1º edição,1999
31
22 Mandeville, o visto e o ouvido do oriente,1945
23 Odoric of Pordenone, Odoric,1956
24 Peter Rietbergen, A Culture history, psychology press, 1988, P.234
25 Leften Stavrianos,The World to 1500: A Global History (1970; 3rd ed. 1983; 7th ed. 1999)
2. A Imagem da China na Literatura Portuguesa do século XVI ao XIX
2.1Portugal começou a explorar o mar
O destino de Portugal era viajar para outros lugares. A situação geográfica teve
consequências muito importantes na política, história e cultura de Portugal, sendo
uma razão de peso para impulsionar Portugal a partir para a descoberta do mundo. A
Espanha era mais forte e separava Portugal dos outros países da Europa. Portugal
estava isolado, e podia apenas “alargar-se” para o lado do mar, e assim este entrou
no coração dos portugueses. Mas, o que adianta, no entanto, o mar, se não houver
nenhum caminho para alargar o pequeno território?
Por isso, as características dos portugueses foram-se formando com base no seu
pequeno território e no vasto oceano. Os portugueses desenvolveram a capacidade
e a coragem para viajar e para enfrentar o desafio do mar violento e misterioso, e
por outro lado a sede de aventura tornou-os sonhadores, característica essa que
deixou vestígios fundamentalmente na literatura e na cultura.
Adam Smith disse que" o descobrimento da América, através do "Cabo da Boa
Esperança" e da India foi um evento majestoso e muito importante. "26. Este autor
ocidental foi da opinião que a colonização europeia do século XVI foi um ponto de
viragem na história da humanidade, pois a partir daí as sociedades passaram de uma
época em que se fechavam em si próprias para outra de grande abertura ao exterior;
começou a haver contactos entre o Ocidente e Oriente e o mundo começou a mexer
32
e mudou completamente. Nesta parte da história os portugueses foram os pioneiros,
um país silencioso e uma raça fraca foram os registos nos livros de história.
O espírito de aventura e a paixão de descobrir novas coisas encorajaram os
portugueses a entrar no mar, a exploração é o resultado do desejo, ou mesmo do
entusiasmo de conhecer um novo mundo. A partir do século XIII, os portugueses
começaram a descobrir e explorar o Oceano Atlântico e a Costa de África, naquela
altura ainda não conheciam nada sobre o Oriente, nem tinham noção da sua
localização. Os portugueses serviam-se de livros europeus para saber algo sobre o
Oriente. Este ainda era um mistério para os portugueses e não há, nesta altura,
descrições sobre o Oriente que se tenham refletido na literatura portuguesa.
No século XV, o livro de Marco Polo e o livro "Visto e o Ouvido do Oriente "(1945)
terão chegado a Portugal e incentivado a imaginação dos portugueses,
proporcionando a inspiração para a exploração portuguesa.
As motivações da exploração dos portugueses foram as necessidades económicas e o
fervor religioso. O historiador português José Hermano Saraiva comentou esta
motivação indicando que, "no século XV, a sociedade portuguesa estava cheia de
contradições, mas a exploração beneficiou pessoas de todos os estratos sociais. Para
o povo, a exploração foi uma forma de emigrar, poder sair da pobreza e procurar
uma vida melhor." 27
Para os religiosos e nobres, a exploração serviu para pregar a religião, alargar as
áreas do cristianismo e ocupar mais território. Ambas eram maneiras de servir a
Deus e ao rei, pois serviam para obter mais terra, mais empregos e ofícios, e mais
fiéis religiosos.
Para os negociantes a exploração significou a possibilidade de comprar maior
variedade de produtos, e a melhores preços, num local, de modo a lucrar mais nas
vendas, após o seu transporte.
33
Para o rei, foi uma oportunidade de aumentar a reputação e explorar novas
maneiras de aumentar a riqueza do reino.
Foram sobretudo os motivos económicos que levaram os portugueses a explorar, e
foi também uma oportunidade de resolver as contradições domésticas. Além disso, a
paixão pela religião também foi um motivo. Os portugueses eram fiéis católicos, o
comprometimento com a fé cristã, nesta época, proporcionava muito boas
influências, daí Portugal mostrar, nesta fase, alguma debilidade.
O impulsionador dos descobrimentos foi o príncipe Infante D. Henrique, ele era um
católico fiel, e viu que o poder cristão estava cada vez mais fraco, por isso pensou em
usar o povo cristão para recuperar a força do cristianismo, e por isso ele também foi
mandatado pelo papa na liderança deste grupo de cristãos.
Ele ajustou a atividade dos negociantes e dos nobres, que queriam obter benefícios
durante o decurso das rotas comerciais, mas o príncipe regulou essa atividade de
modo a seguir os interesses da nação e da religião católica. Por isso, a exploração em
conjunto com a pregação da religião, foi uma oportunidade de lucrar mais e reforçar
o poder da igreja católica.
Os portugueses empunhando a espada por um lado, e por outro pregando a fé cristã
(As velas dos navios levavam a cruz cristã pintada) revelavam os dois princípios
fundamentais da exploração portuguesa.
Apesar do uso de novas técnicas de navegação, a exploração com base na paixão
religiosa e no desejo de deixar para trás séculos de muitas contradições, é
acompanhada do espírito de cavaleiro medieval, com a cruz e a espada sempre
presentes. Como assinalou o filósofo Eduardo Lourenço, "foi uma aventura com
características tipicamente medievais, pelos seus objetivos e pelos processos
utilizados." 28
Podemos dizer que esta navegação que utilizava novas técnicas náuticas tinha
sempre presente objetivos comerciais e religiosos. O propósito dos navegantes era a
34
exploração através dos soldados da cruz. A cruz cristã bordada não era apenas um
símbolo, mas sim o verdadeiro espírito aglutinador.
Os Venezianos, já então com uma burguesia forte, sabiam que o símbolo da cruz,
presente um pouco por todo o lado, não era muito conveniente para comunicar com
outros povos, e com fiéis de outras religiões.
Os portugueses não eram negociantes e comerciantes aquando do início do
capitalismo, mas o espirito economicista desta exploração foi uma escola e uma
oportunidade de negócio para toda a gente, sem nunca faltar, é certo, o fundo
religioso.
O professor universitário e ensaísta Jacinto do Prado Coelho disse com orgulho: "nós,
os portugueses, fomos grandiosos viajantes, por vários motivos, como por exemplo o
estado da economia, a ambição política, a paixão pela religião, e a ânsia pela
aventura, que fizeram com que o nosso o espírito de cavaleiro andasse por todo
mundo. Por isso, no decurso da experiência e da observação, fomos aprendendo ao
longo dos anos, descobrimos os segredos do mundo, descrevemos muitas novidades,
não apenas por regozijo, mas também para ajudar os outros. " 29
Na verdade, os portugueses deixaram muitos escritos sobre a época dos
descobrimentos. A literatura portuguesa tornou-se mais interessante e próspera,
devido a estas narrações. Estas descrições, não apenas refletiam o espírito humano,
ou proporcionavam conteúdos exóticos, ou argumento para os escritores, mas
também, e fundamentalmente, mostravam a paixão pelo humanismo, a capacidade
de sobrevivência e o êxito dos portugueses no mundo. Foram viajantes, idealistas,
mas também tiveram "de lavar a cara com as próprias lágrimas."
Do século XV ao XX, a atividade dos portugueses no mundo foi surpreendente. Esta
atividade, digna de poemas, ocupa um lugar imenso e majestoso na história da
humanidade, que teria sido muito diferente sem os descobrimentos portugueses.
35
Esta história brilhante podia constituir um modelo para a atitude do presente. As
pessoas conservaram muitos símbolos dos descobrimentos em Portugal, visíveis em
monumentos, museus, estandartes, livros, e nomes de ruas e de lugares.
Comemoram regularmente estes feitos do passado. Para comemorar esta parte
brilhante da sua história, Portugal organiza através da associação dos
descobrimentos, palestras, conferências e edições de livros entre outras
manifestações, para que as pessoas não esqueçam a história.
Os descobrimentos contribuíram para o desenvolvimento da civilização. É de
salientar que os portugueses levaram as ciências humanas aos quatro cantos do
mundo. Eles conquistaram o mundo com o conhecimento, com a cultura e com a
organização e não só com as espadas e a artilharia.
Os descobrimentos dos portugueses foram uma atividade majestosa. Antes da
chegada dos portugueses aos continentes asiático, americano ou à India, já existiam
civilizações, com milhares de anos e em alguns casos mais avançadas do que a
própria civilização europeia. Há estudiosos que duvidam que os europeus estivessem
convencidos do centralismo da Europa.
Portugal teve um grande sucesso com os descobrimentos, mas há custa de muitas
dificuldades e sofrimento. Há muitos escritos sobre o naufrágio de barcos, guerras,
separações, lágrimas, mortes etc. Mas mesmo assim, os portugueses também acham
que foi um feito glorioso, como o poeta Fernando Pessoa que escreveu o seguinte
poema, de «Mensagem»:
"Ó mar salgado, quanto do teu sal.
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram, quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar.
Para que fosse nosso, o mar!
36
Valeu a pena? Tudo vale a pena. Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do bojador, tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e abismo deu, mas nele é que espelhou o céu."30
Outro poeta, Manuel Alegre, criticou os descobrimentos, ele acha que os
portugueses receberam do mar apenas um fruto amargo, que andaram por todo
mundo, e no fim descobriram que o seu lugar era mesmo em Portugal. No seu
poema sobre Portugal, “Chegar aqui” lê-se:
"Portugal
O teu destino é nunca haver chegada
O teu destino é outra índia e outro mar
E a nova nau lusíada apontada
A um país que só há no verbo achar"31
No entanto, a prosperidade de Portugal foi temporária. No final do século XVI,
Portugal começou de repente a perder fulgor. A exploração de outros continentes
exigia muita mão-de-obra, energia e outros recursos e as capacidades de Portugal
eram limitadas.
Não havia grande apoio financeiro à exploração, mas mais importante foi não haver
igualmente consciência comercial para apoiar. Felizmente, o espírito de cavaleiro, o
espírito de aventura, a localização geográfica e as novas técnicas de navegação, em
conjunto, deram o primeiro lugar aos portugueses na aventura das descobertas.
Esse lugar cimeiro não se manteve por muito tempo. A Portugal faltava uma
sociedade forte para apoiar a economia e a experiência bancária como em Itália ou
na Alemanha. O mundo era na altura demasiado vasto, e um país pequeno como
Portugal não foi capaz de o controlar. Havia muito dispêndio de recursos em troca de
37
poucos recebimentos. José Saramago pensava que "Portugal não ganhou nada de
bom com a exploração." 32
O esplendor de Portugal esfumou-se com a morte de el Rei D. Sebastião na batalha
de Alcácer-Quibir. D. Sebastião era um rei jovem, corajoso e sonhador, e
apercebendo-se do enfraquecimento da nação, decidiu, em 1578, partir com o seu
exército para Marrocos, para fortalecer a presença portuguesa no norte de África.
Como nenhum dos sobreviventes presenciou a sua morte, os portugueses
conservaram a esperança de que ele não tivesse realmente morrido. Acreditavam
também que ele iria voltar a Portugal para continuar a construção do país.
Na literatura portuguesa existem inúmeras referências a esta lenda que assume uma
natureza mitológica.
No imaginário do povo, D. Sebastião havia de regressar a Portugal e o povo esperou
por ele. Muitos portugueses acreditavam que o rei regressaria numa manhã de
nevoeiro, o que tinha a ver com o forte lado nefelibata e saudosista dos portugueses.
Este pensamento prova que os portuguese tinham consciência do enfraquecimento
do país. O regresso de D. Sebastião nunca se concretizou. A única verdade foi o
desejo geral do seu regresso. Esta consciência coletiva tornou os portugueses mais
tristes e sentimentais, eles gostam de acreditar na mitologia e de ter esperança em
coisas irreais. Este pensamento também tem uma grande influência na literatura
portuguesa.
Fernando Pessoa na sua obra também falou sobre o regresso de D. Sebastião para
construir um novo Portugal capaz de controlar o mundo.33
Mas na verdade, D. Sebastião nunca mais voltou, o que surgiu, mais tarde, foi a sua
estátua, que embeleza uma praça de Lisboa.
38
Depois da morte de D. Sebastião Portugal foi ocupado pelos espanhóis até 1 de
dezembro de 1640, altura em que houve um golpe de estado que deu origem à
restauração da Independência.
A proeminência de Portugal desapareceu e nos lugares cimeiros dos descobrimentos
no mundo foi substituído pelo Reino Unido e a Holanda.
Portugal "desapareceu "do mapa do mundo como se fosse um barco naufragado na
vastidão do oceano. No palco do mundo, já não há lugar para Portugal, a sua voz
tornou-se muito fraca na cena internacional; não há coisas novas para mostrar.
Na época dos descobrimentos, viveu o majestoso poeta Luís Vaz de Camões que na
sua obra-prima “Os Lusíadas “descreveu em rima a epopeia dos descobrimentos.
Eduardo Lourenço expressou o seguinte: "em todas as atividades da nossa cultura, o
que é mais permanente é a fusão do nosso mundo, eventualmente a relação de
harmonia com a natureza e ao mesmo tempo com os nossos defeitos e fracassos, a
consciência de ser feliz na tristeza, ou de estar triste na felicidade. " 34 Os
portugueses inventaram uma palavra especial para expressar essa maneira especial
de sobreviver: a saudade.
A cultura de Portugal formou-se na Europa, no entanto as diferenças étnicas e
históricas entre outras particularidades deram origem a uma cultura com
características distintas das de outros países europeus e isso é visível na maneira
como os portugueses comunicam, eles usam as suas sensações, emoções e
experiências, no sentido de construir uma imagem do "outro”.
39
Notas de Rodapé de capitulo 2.1
21 Marco Polo, milhão, 1º edição,1999
22 Mandeville, o visto e o ouvido do oriente,1945
23 Odoric of Pordenone, Odoric,1956
24 Peter Rietbergen, A Culture history, psychology press, 1988, P.234
25 Leften Stavrianos,The World to 1500: A Global History (1970; 3rd ed. 1983; 7th ed. 1999)
26 Adam Smith, the Theory of Moral Sentiments (1759), P45
27 José Hermano Saraiva,Uma carta do Infante D. Henrique (1948),p 56
28 Eduardo Lourenço,O Comércio do Porto (1960), P32
29 Jacinto do Prado Coelho,Dicionário de Literatura, 1969, P55
30 Fernando Pessoa,Mar Português, Mensagem ,lisboa(1934)
31 Maunel Alegre, Atlântico, em 1981, lisboa
32 José Saramago ,As Pequenas Memórias, 2006, P 57
33 Fernando Pessoa, Mensagem , p77
34 Eduardo Lourenço, Tempo e Poesia (1974), p 78
40
2.2 Apresentação de alguns aspetos da imagem da China na literatura portuguesa
do século XVI ao XX.
A. Aspetos inicias
No início do século XVI, os portugueses apenas sabiam que havia na Ásia um lugar
chamado Qinren, e ainda não sabiam a localização da China.
Para os portugueses do século XVI, a Índia não era apenas a península índica, era o
oriente inteiro, que começava no cabo boa esperança e ia até ao japão e às ilhas do
oceano pacífico.
Ainda antes de 1548, os portugueses começaram a explorar a costa da China (mas
não contataram o Qindan como foi descrito no livro de Marco Polo) e a fazer negócio
ao longo desta costa.
Do mesmo modo, ao lugar da China, eles seguiram a designação dos indianos e
chamaram-no de chins (o lugar de chins). Esta palavra é a transliteração de Qin(ren).
Em Malaca, os portugueses contataram com os chineses pela primeira vez. Este
contacto foi descrito num livro intitulado “Descobrimentos” de autor desconhecido.
De acordo com o escrito por este autor, os chineses eram altos e robustos, com
41
barba fraca e sempre cortada, olhos pequenos, ossos malares afastados do nariz,
cabelo comprido e a cara muito plana.
Este livro também contava que o capitão do barco chinês convidou os portuguese
para jantar na sua embarcação, e também que os chineses comeram muito, mas não
beberam muito vinho, que a refeição tinha muitos temperos e alho e que tinham
sido usados faca e garfo para comer. A comida para o jantar era frango e porco
cozido, e a sobremesa era mel, doce e várias frutas. Foram usados talheres de prata,
e o vinho era branco e servido em copos de porcelana.
Os dois povos conheceram-se assim inicialmente apenas por hábitos de vida e
aparência exterior. De qualquer maneira, o primeiro contato foi favorável - os
chineses deixaram boa imagem na memória dos portugueses.
Em 1513, Jorge Álvares orientou um grupo de barcos que chegou à de ilha de Tamão,
perto de GuangZhou. Naquela altura da dinastia Ming, foi implementada a estratégia
de proibir os negócios pelo mar, ficando assim os barcos estrangeiros proibidos de
entrar nos portos chineses, por isso o barco de Jorge Álvares apenas estacionou nas
ilhas ao largo da China. Esta viagem fez chegar a Lisboa muitas notícias da China.
Em 1515, Rafael Perestrelo35 comandou a frota em que os portugueses chegaram à
China pela segunda vez. O objetivo dele também era o comércio e obteve muito
dinheiro, e também muita informação acerca dos chineses (Os chineses são gente
boa e simpática que gosta de paz e amizade).
B. Aspetos negativos
Os portugueses que mais cedo chegaram à China podem dividir-se em três tipos:
O primeiro foi o político e o diplomático. Eles tinham tarefas junto do imperador e
família, e a responsabilidade de fazer contatos no país, ou de fazer conquistas, como
por exemplo Afonso de Albuquerque.
42
O segundo tipo foram os missionários e pregadores. Eles chegaram com muito boa
preparação e o seu objetivo era pregar o catolicismo no Oriente. Ajudaram muito na
comunicação entre as culturas Ocidental e Oriental.
O terceiro tipo foram os negociantes, os aventureiros e os piratas. Estes viajaram
para fora do seu país motivados por sonhos de riqueza.
Provinham de diferentes classes sociais e tinham diferentes propósitos ao chegar à
China, mas cada um deles à sua maneira descreveu, esclareceu, melhorou, ou
inverteu a imagem da China que inicialmente existia na Europa e que foi descrita
como muito imaginária e algo falsa.
Viajando por estes novos caminhos marítimos, foram os portugueses que trouxeram
notícias da China para a Europa. Os portugueses contactaram os chineses
diplomaticamente. Estes contactos foram impressionantes e sem nada de bom ou de
poético para contar, e no final acabaram por ser trágicos.
Os portugueses não foram bem tratados como Marco Polo, quando esteve na China,
o destino deles foi uma cela escura, em vez do palácio majestoso.
Depois da ocupação da Índia e de Malaca, seguiu-se a exploração ambiciosa do
Oriente, e por isso, foi dada muita atenção à recolha de informações dos países da
Ásia, como reportam os livros deixados pelos portugueses. A China e a Índia foram os
dois países que despertaram mais atenção.
Utilizando informações recolhidas em Malaca e nas duas viagens até à zona costeira
chinesa, houve dois autores portugueses, que tinham vivido no Oriente, que
escreveram livros sobre a China. Foi a primeira vez que a imagem da China foi
descrita na literatura portuguesa. Estes dois autores foram Tomé Pires e Duarte
Barbosa.
Em 1514, Tomé Pires antes de ir à China (posteriormente foi o primeiro embaixador
português enviado para este país), usou informação já recolhida e escreveu "Suma
43
oriental"36, o primeiro livro, completamente sobre o Oriente, e entregou-o ao rei
para ser utilizado na estratégia de conquista do Oriente.
A China era há muito conhecida no sudeste asiático como um lugar vasto e rico, e o
seu povo era admirado e respeitado. Tomé Pires não concordava com esta
apreciação e escreveu sobre esta avaliação dos países orientais.
O autor duvidou e isso surpreendeu todas as pessoas, o autor não descreveu uma
China melhor do que o país real.
O historiador Rui Loureiro analisou esta posição que explicou do seguinte modo:
"Tomé Pires tinha esta opinião porque antes de 1515, os conhecimentos dos
portugueses sobre a China eram ainda muito limitados, e o que já era conhecido
sobre a China não correspondia às expectativas.".37
Tomé Pires estava muito desapontado por o imaginário sobre este país não
corresponder à realidade então conhecida. Tomé Pires descreveu a aparência dos
chineses, a roupa e a comida: Os chineses têm pele branca como a nossa. A maioria
usa roupa comprida preta parecida com a nossa, apenas mais comprida. No inverno
cobrem as pernas com mantas e calçam botas requintadas. Vestem roupa de pele de
cabrito, borrego ou de outros animais. Usam o cabelo despenteado e envolto numa
rede de metal fino, do tipo da utilizada pelos pescadores. Os chineses comem carne
de porco, vaca e de outros animais.
Eles gostam de beber qualquer bebida mesmo com mau sabor e elogiam os nossos
vinhos, que gostam de beber sem moderação38. Naquela altura, os principais
inimigos, dos portugueses no Índico e sul da Ásia eram os muçulmanos. Os chineses
ao comerem carne de porco mostravam que não eram hostis para com portugueses,
dado que até tinham este mesmo hábito alimentar. Tomé Pires esteve em Malaca e
os contactos com os chineses eram limitados, mas em vez de pujança ficou com uma
imagem de pouca nobreza e moralidade, Ele disse: "os chineses são frágeis e magros,
44
desonestos e ladrões e isso é o que se chama de defeitos humanos.39 Tomé Pires
referiu que a China era rica, mas não era forte.
Esta conclusão foi igual à de outros portugueses que regressaram a Portugal. Tomé
Pires achou que" não era difícil para o Governador de Malaca conquistar a China,
porque as pessoas eram débeis e era muito fácil derrotá-las. " 40"Ele achou também
que a China ao implementar as regras de proibição no mar e ao não deixar os
estrangeiros entrar em Guangzhou revelava medo de mostrar as próprias
fraquezas."41
Os chineses não queriam viajar para Guangzhou por terem medo dos javaneses e
dos malaios, e na verdade, em batalha naval, estes países já tinham derrotado uma
frota de vinte barcos chineses.
Eles são débeis e temem os javaneses e os malaios. Na realidade um barco de
quatrocentas toneladas conseguiu destruir a cidade de Guangzhou, o que
representou uma grande perca para a China. Marco Polo tinha criado uma imagem
da china poderosa, mas do ponto de vista de Tomé Pires, a China era frágil.
Tomé Pires também escreveu que tanto o imperador da China, como o povo chinês
não acreditavam na religião católica. Para os portugueses isso era motivo de
preocupação pois um objetivo da exploração dos portugueses era espalhar a fé
católica, e por isso davam muita atenção aos fiéis religiosos.
Tomé Pires também achou que ser imperador da China não era um cargo hereditário,
mas sim objeto de eleição pela “corte” ou pela associação dos funcionários públicos.
No entanto esta descrição era incorreta. Na China o imperador é que escolhia o
diretor da associação, e não o contrário. Tomé Pires fantasiou uma China
democrática há 500 anos atrás.
"Suma oriente" escrito antes de Tomé Pires ter estado na China, continha muitas
incorreções, mas algumas descrições eram muito objetivas.
45
O autor entregou este livro ao rei de Portugal com propósitos políticos, com o fim de
ser lido pelo monarca e pelos chefes da exploração no Oriente. Tomé Pires ao
escrever este livro, teve, pois, o cuidado de respeitar as informações que recebeu, e
não cair em exageros, como aconteceria provavelmente se o livro se destinasse a
outros públicos mais ávidos de fábulas coloridas.
Duarte Barbosa, contemporâneo de Tomé Pires, foi um navegador que escreveu uma
série de manuscritos reunidos no "Livro de Duarte Barbosa".42
Num desses manuscritos fez a relação do que viu e ouviu no Oriente. O conteúdo é
semelhante ao de "Suma Oriente". Também descreveu o imperador da China como
pagão, a pele dos chineses como branca e os seus olhos como pequenos.
Revelou que os chineses tinham muita dificuldade em entrar no mar e que não eram
um povo bélico, sendo, no entanto, muito bons negociantes. Através das descrições
comuns às duas obras conseguiu-se perceber com mais certeza alguns aspetos da
realidade chinesa.
Quanto Tomé Pires visitou a China, no seu grupo expedicionário, viajava igualmente
Cristóvão Vieira que após uma malograda tentativa de entrevista com o imperador
da China foi enviado para uma prisão em Guangzhou.
Cristóvão Vieira encontrou nesta prisão um negociante português chamado Vasco
Calvo. Na prisão os dois escreveram cartas que alguém, a pedido, entregou à
representação portuguesa em Malaca. Estas cartas descreviam as suas observações
e a imagem que tinham da China.
Desde a viagem de Marco Polo até às cartas destes prisoneiros portugueses, passou-
se um período de cerca de 250 anos, nos quais a Europa não soube mais nada sobre
a China.
Os relatos contidos nestas cartas foram originados pelas experiências vividas por
estes dois portugueses, por isso tiveram uma dose acrescida de credibilidade. A
46
partir daquela altura, a China já não tinha a imagem poderosa transmitida pelo livro
de Marco Polo.
As cartas dos dois prisoneiros portugueses divulgaram muitas novas informações
sobre a China, revelando uma imagem completamente diferente da anterior.
Antes os portugueses tinham tido contactos com a China apenas em alguns lugares,
principalmente na ilha do delta do rio das Pérolas (ao largo de Guangzhou) onde se
situam Hong Kong e Macau.
Do interior da China, por detrás de Guangzhou, os estrangeiros nada mais sabiam. O
tipo de chineses que contactaram com os portugueses também foi muito limitado. A
maioria eram negociantes com estatuto social baixo, que não representavam
corretamente a sua região e muito menos a China na sua globalidade.
Os dois prisoneiros portugueses de Guangzhou estavam na China há quase sete anos.
As suas deslocações começaram em Guangzhou, depois Nanjing e Pequim (acabaram
por atravessar a China). A partir do momento em que se tornaram prisoneiros,
tiveram a oportunidade de conhecer bem a China.
Do ponto de vista de Cristóvão Vieira, a China não era possante, mas sim instável e
perigosa, os povos eram submissos e não tinham coragem para falar. Toda a China
era assim, podendo haver zonas ainda piores, por isso toda gente podia achar bem
que os portugueses entrassem pela China adentro.
Vasco Calvo escreveu que os assaltantes se matavam entre si, porque não havia
nenhuma autoridade a controlar. Os funcionários eram assaltados se não fugissem.
O povo era pobre e bem controlado pelos funcionários. Vieira e Calvo achavam que
Portugal podia ser a salvação da China. Também eles pensavam, tal com Tomé Pires
que a China era fraca.
Posteriormente nas descrições ocidentais sobre os chineses, ficamos a saber que a
imagem dos chineses era de facto negativa: os chineses eram fracos e tímidos e os
47
soldados chineses também eram débeis. Quer Vieira, quer Mendoza, Mateu Ricci,
Defoe, ou o chefe da armada inglesa George Anson, menosprezavam os chineses e
os seus soldados, devido à sua fragilidade. Este tipo de imagem foi-se avolumando
cada vez mais, especialmente através das opiniões de Mateu Ricci e Defoe, tendo-se
fixado na memória coletiva dos ocidentais.
Said referiu no livro dedicado ao estudo do orientalismo: quando o ocidental está a
descrever “o outro”, as relações entre o Ocidente e o Oriente são vistas na
perspetiva do observador e do objeto observado.
Os Orientais sempre foram o sujeito observado, e sempre foi descrito como feio,
fraco, efeminado e menosprezado pelos ocidentais.
Os ocidentais eram compradores, usavam o seu discernimento melhor do que os
orientais para observar o Oriente. O poder dos ocidentais era maior e a perceção das
prioridades era diversa. A imagem da China foi criada pelos ocidentais de acordo
com estes critérios.
Estas duas cartas foram escritas por Cristóvão Vieira e Vasco Calvo, eram muito
valiosas, pois continham descrições muito detalhadas sobre a geografia, defesa,
produções e meios de comunicação da China.
Proporcionavam informações estratégicas sobre como conquistar a China. Indicavam
ao rei de Portugal que a China era muito grande, tinha muitos habitantes, mas não
era muito forte. O envio de dez ou quinze barcos era suficiente para a sua conquista,
e para as revoltas do povo a seguir à conquista.
Entretanto, o rei de Portugal e o governador português de Malaca não levaram a
sério estas cartas, porque ninguém acreditava que a China pudesse ser assim tão
fraca.
A China que já vestiu roupagens de ouro, através dos mitos e lendas, constituía um
imaginário muito marcante. A negação desta imagem, mesmo que muito verdadeira,
48
exigia muita força para romper com a imagem já estabelecida. A China, ainda era
uma grande esperança para os portugueses.
Naquela altura em Portugal e na Europa, estas cartas não foram vistas por muita
gente, porque provinham de dois prisioneiros, e existia então um ambiente propício
ao elogiar da China.
Embora a imagem que eles descreveram estivesse fora do admissível para a China
naquela altura, estas descrições foram provadas posteriormente pela história, e são
semelhantes a outras já no século XIX.
Uma imagem fixada na mente, vem se calhar de muitas memórias, e também de
muitas confrontações, das viagens do corpo e do espírito, demarcadas pelo tempo,
local, entendimento, psicologia, distâncias, luz e muitos elementos. Tudo pesa na
formação da imagem. Para Vieira havia apenas sombra, a sombra que vinha da
grande China, mas também do interior da prisão.
C) Aspetos Positivos
Outro português que também foi feito prisioneiro na China, teve mais sorte. As
causas desta foram os elogios que formulou sobre a China e que deram início ao
enaltecimento da China pelos europeus. Este homem era Galiote Pereira.
A exploração de Portugal não era apenas um objetivo estratégico do país, mas
também o sonho de todos os portugueses que queriam mudar de vida e que
chegaram à China com diferentes objetivos. Galiote Pereira foi um dos deles. Em
1539, ele chegou à India em busca do seu sonho, como tantos outros portugueses.
Foi vítima do mesmo destino dos outros dois portugueses, Tomé Vieira e Vasco Calvo,
tal como eles foi feito prisioneiro sob a dinastia Ming, mas Galiote Pereira ficou com
uma imagem muito boa da China, nomeadamente do seu sistema de justiça, porque
49
foi tratado com imparcialidade e de forma justa, o que evitou a sua sentença de
morte.
Este desfecho foi bom para alterar a relação de equilíbrio entre observador e
observado, tendo sido uma forte razão para elogiar a China.
O juiz chinês não foi vicioso no julgamento em tribunal, e a impressão de Galiote
Pereira em relação aos chineses começou a tornar-se muito positiva. Estes elogios
aos juízes chineses significavam, ao mesmo tempo, uma crítica em relação aos
congéneres portugueses. A posição social daqueles juízes era muito alta em relação
ao resto da sociedade, mesmo assim, eles não tinham a desconfiança de ninguém.
Os juízes chineses tinham ainda uma outra qualidade digna de elogios: eram
respeitados pelos monarcas, mas ao mesmo tempo, também tinham muita paciência
ao receberem o povo. Enquanto em Portugal os estrangeiros que eram levados a
julgamento, dissessem eles o que dissessem, os juízes consideravam apenas aquilo
que lhes aprouvesse e o resto catalogavam-no como mentiras dos réus.
Galiote Pereira disse que "Nós seguimos os costumes chineses para nos
defendermos no tribunal, e eles trataram-nos com tanta paciência que ficamos
surpreendidos, sentimos que no nosso país, os juízes não nos iriam tratar com tanta
paciência. " 43 Galiote Pereira utilizou a sua experiência na China para criticar a
realidade do seu próprio país. Comparou a imagem que, entretanto, formara da
China para questionar e criticar a imagem que tinha do seu próprio país, não utilizou
simplesmente esta para avaliar “o outro”.
A equidade da justiça também se manifestava nas regras que exigiam que as provas
e os interrogatórios fossem feitos em público. Ao passo que no seu país, os
interrogatórios e a apresentação de provas eram feitas somente em presença do juiz,
o que deixava uma grande margem para a corrupção, através do poder do dinheiro.
Mas neste país, além do procedimento dos interrogatórios se processar com
paciência e respeito ainda existiam estas regras que determinavam que o julgamento
50
devia ser público e transparente. Havia muito receio do imperador chinês, porque
este era muito poderoso.
Jonha acha que "Galiote Pereira ao usar este processo de comparação para analisar a
cultura chinesa deu origem a um modo de pensamento muito importante no mundo
ocidental"44
Ao contrário do mundo trágico descrito por Tomé Vieira e por Vasco Calvo, aos olhos
de Galiote Pereira a China era cheia de maravilhas e surpresas.
"Eles têm uma coisa muito boa que nos deixa maravilhados, principalmente por se
tratar de um povo pagão. Em todas as cidades há um hospital onde há sempre
muitas pessoas.
Nunca vimos pessoas na rua a pedir e por isso perguntamos qual a explicação. A
resposta era simples, em cada cidade há um lar com as edificações necessárias para
alojar os pobres, os cegos, os deficientes, os idosos e outras pessoas que não
tivessem capacidade de sobreviver sozinhas. Neste lar nunca faltava arroz para
comerem.
As pessoas eram recebidas e a seguir conforme a sua fragilidade: doença, cegueira,
deficiência ou outra pediam em tribunal um comprovativo para provar a sua
condição. Feito isto podiam permanecer no lar mencionado até ao seu falecimento.
Também tinham condições para criar porcos ou galinhas, de modo a que os pobres
não tivessem de pedir para conseguir viver."45
Esta descrição de Galiote Pereira tornou-se simbólica para a imagem da China no
Ocidente e posteriormente apareceu muitas vezes em diversos textos.
Esta narração foi sem dúvida um sinal de esperança para ilusões dos ocidentais. Faz
lembrar o livro "Utopia "de Thomas More: os doentes no hospital público são bem
tratados e segundo o seu grão de prioridade. Em cada cidade e nas cidades vizinhas,
há quatro hospitais, que são amplos e com muitas divisões.
51
"Os propósitos são dois: Primeiro, por mais doentes que haja, eles não precisam de
ficar todos juntos por ser constrangedor e desconfortável. Segundo, os pacientes com
doenças infeciosas podiam ficar separados, os materiais infetados não eram
desenvolvidos. Além disso, os tratamentos eram feitos com muita atenção, e os
médicos tratavam diretamente as doenças para as quais estavam melhor habilitados.
Os habitantes só recorriam ao hospital quanto estavam realmente doentes. Num
livro em chinês antigo, também já havia descrições sobre a utopia. " 46
Os hospitais apareceram em Portugal no século XIII, no entanto surgiram muito
tarde na China, ninguém sabe qual o hospital a que Galiote Pereira se refere, mas a
sua descrição mostrou a esperança dos portugueses numa sociedade justa e
abastada.
A exploração trouxe muitos tesouros para Portugal, mas apenas para o rei do país, e
para os religiosos católicos, pois o povo não recebeu nada.
O Povo para além disso, sofreu também com o mau resultado da exploração; 1521
foi um período de fome em grande extensão de Portugal, houve muitas pessoas que
morreram à fome. Pedir comida na rua tornou-se uma situação comum nessa altura.
Mas na china, com base no sistema de esmolas, os deficientes levavam as suas vidas
com alguma independência, enquanto estivessem vivos tinham sempre arroz.
Quer a viagem do Marco Polo, quer nas descrições dos portugueses no século XVI,
sempre foram descritas cidades e casas bonitas, pontes sólidas e caminhos planos.
Foram utilizadas muitas palavras elogiosas. Com Galiote Pereira também foi assim.
Os cristãos achavam que quem não era cristão era bárbaro. Para os ocidentais, quem
era fiel à religião cristã então era também uma pessoa civilizada. Como os árabes
não eram cristãos também foram inicialmente considerados bárbaros, apesar de
terem ensinado aos ocidentais muitos conhecimentos e técnicas, inclusivamente de
navegação.
52
Na China, a justificação era alterada, como eles não eram iguais aos expedicionários
cristãos eram usadas as regras dos cristãos para avaliar as culturas pagãs. Eles
achavam que os chineses eram pagãos, mas não eram bárbaros, e em muitas áreas
do conhecimento estavam mais a frente, como por exemplo no sistema de justiça.
Galiote Pereira também pensava que estes pagãos em algumas áreas eram melhores
e mais imparciais do que os cristãos.
Galiote Pereira foi uma pessoa que descreveu a imagem da China de uma forma
muito positiva, um país capaz, sem dúvida, de deixar os estrangeiros com inveja. Esta
imagem era uma consequência dos escritos de Marco Polo, mas também continha
novos elementos, dado que a sua experiência de vida na China lhe adicionou mais
autenticidade. Na verdade, com algumas contradições, mas também com mais
justeza.
Prisão, tortura, justiça, simpatia, tesouros etc. são tudo formas num espelho
contrário ao próprio. Então neste caso é a China, talvez não seja a China… cada
observador conseguiu criar uma nova China e ainda a China contrariada pela
realidade.
Galiote Pereira, infelizmente à custa de dissabores na sua vida, propagou um cântico
de elogio aos chineses, e descreveu a China como um bom exemplo para Portugal.
Galiote Pereira teve a sua própria razão.
"Bajociano escreveu assim: o autor descreveu outro país, mas mesmo o escrito era
completamente diferente desse país. O seu imaginário teria influenciado o seu
trabalho. Se calhar a nível pessoal, escreveu um que se identificasse com ele próprio,
e a nível coletivo, outro como uma forma de reclamar, compensar ou explicar a
ilusão da sociedade."47
Galiote Pereira descreveu a imagem da China cheia de palavras elogiosas e os
portugueses começaram a ter da China uma imagem muito positiva, e esta tornou-se
assim num país de utopia. O texto dele influenciou também muito os restantes
53
autores quando descreviam a China. Em "Peregrinação "do autor Fernão Mendes
Pinto, e "Tratado das Coisas da China "de Frei Gaspar da Cruz, são influenciados por
aquelas descrições positivas.
Sabemos que a imagem da China antes do século XX era positiva, era uma imagem
de utopia, uma utopia que os ocidentais desejaram.
No século XX, após a revolução industrial, a porta da China foi aberta pelas armadas
ocidentais, e em consequência do maior conhecimento do Oriente, a imagem da
China começou a ter mais aderência à realidade e aos factos concretos.
O povo chinês era descrito como uma raça amarela, delgada, de olhos pequenos, e
que ficava na cama a fumar cachimbo. A ilusão da utopia que o ocidental tinha do
Oriente foi alterada pela realidade.
No século XX, o feudalismo estava perto de acabar na China, havia mais opiniões e
ideias novos originadas pelos ocidentais. Os chineses abandonaram a tradição de
fechar a China e começaram a aprender alguns costumes ocidentais.
Muitas vezes se falhou na guerra, houve muitas invasões armadas, e os chineses
acabaram por mudar o hábito de se fechar em si próprios, e abandonar o
pensamento de que a china era o centro do mundo, e as culturas exteriores não
interessavam.
Sendo que o século XX foi um século de mudanças. Foi o século em que os ocidentais
realmente conheceram o oriente e a China. Foi o século em que a China abriu
completamente as portas e recebeu a cultura ocidental. Houve também muitas
revoluções no mundo e apareceram novas ideias de capitalismo, e de comunismo,
etc. A imagem da China tornou-se outra vez negativa na cultura ocidental e tem-se
mantido assim até ao presente.
54
Para analisar a imagem da China faz muito sentido estudar as alterações ocorridas no
século XX, os autores portugueses que viveram na China e em Macau, assim como a
imagem da China na literatura portuguesa contemporânea do século XX.
Portanto, o que se segue na segunda parte deste trabalho é uma análise da obra da
autora portuguesa Maria Ondina Braga.
Notas de Rodapé de 2.2
35 Rafael Perestrelo https://pt.wikipedia.org/wiki/Rafael_Perestrelo
36 Tomé Pires, Suma Oriental (1515)
37 Tomé Pires,Suma Oriental (1515),p 89
38 Tomé Pires,Suma Oriental (1515),p 66
39 Tomé Pires,Suma Oriental (1515),p 56
40 Tomé Pires,Suma Oriental (1515),p 101
41 Tomé Pires,Suma Oriental (1515)
42 Duarte Barbosa, Livro de Duarte Barbosa,1896
43 Galiote Pereira, Several of the Portuguese survivors of the 1549 incident and the subsequent
imprisonment and exile wrote accounts of their experiences. The first of them was published as early
as 1555. However, Galeote Pereira's is considered the most complete, and is the best known
44 Jonha, Proust Was a Neuroscientist. Boston, MA: Houghton Mifflin Harcourt. 2007
45 Galiote Pereira,
46 Thomas More,Utopia,publicada em 1516. P90
55
47 Bajociano, Autor chinês, publico o livro o estudo de imagem em 1980, beijing. P 48
Parte II
4- Apresentação da imagem da China descrita pela autora Maria Ondina Braga
4.1 Vida e obra
Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado.
No meu olhar fatigado.
Foram terras que inventei.
(Manuel Bandeira) Poeta Brasileiro
A primeira vez que eu ouvi falar da autora Maria Ondina Braga foi no Mestrado em
Estudo Portugueses na FCSH da UNL. Muito pouco estudada esta autora, é uma
autora que teve muita experiência no Oriente, e a sua vida foi marcada por
56
constantes deslocações geográficas em terras, à época colónias de Portugal - Angola,
Goa e Macau - e Inglaterra, França e China. Grande parte do substrato da sua ficção
espelha essa vivência itinerante. Através das viagens, surgiu a literatura itinerante,
através de literatura itinerante, surgindo a imagem do outro país, através da imagem
do outro país, surgiu o estudo de imagem na literatura do próprio país corrente. Por
isso, este trabalho vai analisar especificamente a imagem da China tal como foi
exposta na obra de Maria Ondina Braga, intitulada: A China Fica ao Lado.
Nasceu em Braga a 13 Jan 1932. aquela que viria a ser uma grande escritora
portuguesa, de seu nome Maria Ondina Braga. Frequentou o liceu na mesma cidade,
onde viria a publicar os seus primeiros trabalhos. Ainda adolescente, parte para
Inglaterra, tendo estudado em Cambridge. Aí concluiu um curso superior de Língua
Inglesa. De seguida, parte para Paris, frequentando a Aliance Française. Após ter
estudado e trabalhado nestes dois países, vai para Angola, Luanda, como professora
do ensino secundário. No ano seguinte, foi para Goa, onde se encontrava no
momento da ocupação do território pelas tropas indianas, o que a obrigaria a viajar
para Macau e depois para Pequim.
Aqui terá sentido empatia com os locais, o que a faz regressar, triste e saudosa a
Portugal, dando origem a uma das mais pungentes narrativas no conto "Angústia em
Pequim (1984)", de acordo com a própria como expressão do seu reconhecimento ao
povo chinês. Aliás, ela viveu com a consciência "orgulhosa" de ter contribuído para o
estabelecimento das relações culturais entre Portugal e a China. "Segundo as suas
próprias palavras, "Não posso esquecer que os chineses tenham julgado útil a
presença de uma escritora como eu para reiniciar relações culturais entre os nossos
dois países que, de tão distantes, quase um para o outro se tornaram fabuloso." 48
Colaborou em diversos jornais e realizou trabalhos de tradução, de crónicas, de
biografias, de contos, e de romances. São de destacar os escritores tão importantes
como Graham Greene, Pearl Buck, Bertrand Russel, John le Carré. Herbert Marcuse.
Anais Nin ou Tzvetan Todorov, em simultâneo com a sua própria escrita literária.
57
Com longas estadias no Oriente, Maria Ondina Braga dá seguimento a uma tradição
do imaginário asiático na literatura portuguesa do início do século XX. A experiência
do oriente está presente em quase toda a sua obra. Depois de ter vivido em Lisboa
muitos anos Maria Ondina Braga regressou à sua terra natal, Braga, onde faleceu em
14 de março de 2003.
Iniciou-se na poesia com "O Meu Sentir "(1949) e "Almas e Rimas "(1952). Depois de
uma tentativa poética, encontrou o seu caminho na prosa, um misto de literatura de
viagem, de memorialismo, de crónica e de ficção. Em 1968 surgiu a sua primeira obra
de ficção, "A China Fica Ao Lado"49, seguida por "Estátua de Sal "50, "Amor e Morte
"51, "Os Rostos de Jano "52, "A Revolta Das Palavras "53, "A personagem "54, "Mulheres
Escritoras "55, "Estação Morta."56 "O Homem da Iha e Outros Contos "57, "Lua de
Sangue”58," Noturno Em Macau"59 e a "A rosa de Jericó "60
Estes títulos deram-lhe um lugar de relevo indiscutível no panorama da literatura
contemporânea.
Deixou-nos uma obra de grande mais valia literária e dimensão humana, embora não
tenha tido ainda o destaque que merece.
Após a sua morte, os deputados da Assembleia da República, como reconhecimento
pelo seu trabalho, elaboraram um voto de pesar. Nesse documento ficou o
testemunho de que a escritora teve " a força e a arte de transformar a sua vida e as
suas experiências em páginas de grande literatura,"61 destacando-se exatamente a
obra aqui em análise, A China Fica ao Lado, que já Eugénio Lisboa havia qualificado
de " invulgarmente atraente" 62 devido ao facto de ser feminina e incómoda.
Este facto de ser uma escrita com uma arte tão subtil na sua simplicidade, que evoca
a solidão da mulher a partir da própria solidão da autora, tem sido referido por
vários críticos. João Gaspar Simões mencionou esse aspeto fulcral da sua escrita a
propósito do Romance A Personagem63. A Solidão e o silêncio que caracterizaram a
58
sua existência são na verdade os grandes vetores da alma de uma obra de notável
mais valia literária que a grande maioria dos portugueses desconhece.
Depois da sua morte, começam a surgir algumas homenagens: um prémio literário,
exclusivo para cidadãos nacionais ou estrangeiros desde que naturais ou residentes
nos distritos de Braga e Viana do Castelo, e uma rua com o seu nome.
Notas de Rodapé de 4.1
48 Maria Ondina Braga, Estátua de sal, (Romance,1969—Autobiografia Romanceada),p33
49 Maria Ondina Braga, A China Fica ao Lado ( Contos de inspiração chinesa escritos em Macau-
Prémio do concurso de Manuscritos do SNO EM 1966 e Prémio de Revelação
50 Maria Ondina Braga ,Estátua de Sal (Romance,1969—Autobiografia Romanceada)
51 Maria Ondina Braga, Amor e Morte (Contos,1970—Prémio Ricardo Malheriros)
52 Maria Ondina Braga, Os Rostos de Jano (Novelas, 1973)
53 Maria Ondina Braga, A Revolta Das Palavras (Contos e Crónicas, 1975)
54 Maria Ondina Braga, A personagem (Romance, 1978)
55 Maria Ondina Braga, Mulheres Escritoras (Biografias, 1980)
56 Maria Ondina Braga, Estação Morta (Contos e Novelas, 1980)
57 Maria Ondina Braga, O Homem da Iha e Outros Contos (Contos e Novelas, 1984)
58 Maria Ondina Braga, Lua de Sangue (Novelas, 1986)
59 Maria Ondina Braga, Nocturno Em Macau(Romance, 1991—Prémio Eça de Queirós)
59
60 Maria Ondina Braga, A rosa de Jericó (1992) e Vida Vencidas (1998-Grande Prémio de Literatura
ITF 2000)
61. https://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Ondina_B
62. Eugénio Lisboa,Indícios de Oiro-Volume II.INCM-Imprensa Nacional Casa da Moeda, Edição:08-
2009
63. João Gaspar Simões, Pântano,1940,2ª ed .1946
4.2 A experiência no Oriente
A frase lapidar “Macau é mais do que um lugar, é uma constelação de sentidos
expressos ao longo de séculos, em diferentes línguas, na escrita de autores que ali
nasceram, viveram ou passaram”64, também elucida bem a experiência de Maria
Ondina Braga. Aliás, é opinião de Lourdes Câncio Martins65 bem como de Ana Paula
Laborinho 66que quem esteve em Macau não esquece Macau quando regressa, o que
podemos verificar também com a nossa escritora bracarense.
Num colóquio, Michela Graziani, investigadora de Florença que na sua Tese de
Doutoramento se debruçou sobre a obra de Maria Ondina Braga, salientou que «o
escritor que está de passagem pode oferecer: um olhar profundo e um
conhecimento diferente da literatura desse local. Um olhar profundo com uma visão
ocidental a refletir a imagem da China, e de Macau”. 67A imagem também é um
espelho, através do qual, reflete o próprio ocidental e um novo oriental já filtrado
pelo ocidental.
60
A relativamente curta estadia de Maria Ondina Braga em Macau permitiu-lhe,
através da escrita, falar da miscigenação das gentes do território, algo que
permanece até aos dias de hoje, e dá à sua obra uma pungente intemporalidade.
Macau é um espaço de encontro de muitas e desvairadas gentes, desde o dia em
que os portugueses e os chineses, por força de circunstâncias mais adivinhadas do
que provadas, tiveram de comunicar. A cultura de Macau para os europeus é, com
certeza, uma cultura oriental, entretanto para o povo chinês, é apenas uma cultura
oriental misturada com outras ocidentais, é um lugar de mistura e coexistência de
várias culturas.
MOB foi uma escritora e viajante inquieta e inquietamente em trânsito pela escrita e
pelos espaços da portugalidade, falando-nos com uma subtileza única dessa atração
pelo enigma de Macau.
A cidade foi-se alterando aceleradamente. Por isso, enquanto a fugacidade e o
provisório se revelavam como conceitos simbolizadores da rutura iminente,
emergiram diversos textos, entre os quais os de Maria Ondina Braga, em que era
visível uma procura de rememorações que procuravam resistir à voracidade do
tempo. Neste fluxo de sucessivas rememorações, Macau surge nos textos como um
local privilegiado de diferentes identidades culturais. Este fenómeno aconteceu em
Macau e Hong Kong.
A cultura do interior da China é muito característica, e evoluiu também com o
feudalismo e posteriormente com o comunismo. Macau também teve influências
desta China interior. Com a colonização de Portugal, chegou a cultura ocidental, mas
esta não teve poder suficiente para conseguir transformar Macau numa cidade de
cultura ocidental.
O que apareceu foi apenas o fenómeno da coexistência. Os descobrimentos e
colonização dos portugueses foram no sentido de aprender a conviver com os
nativos, e até a casar com eles, e nunca teve por objetivo a sua coação.
61
Em conclusão, os portugueses em Macau descreveram a imagem da China um pouco
diferente da imagem da China do interior. A autora Maria Ondina Braga foi um
pouco diferente, porque ela não esteve apenas emMacau.
A escritora que viveu outros deslocamentos sucessivos (Angola, Goa, Hong Kong,
Beijing, além de Macau) enunciou a viagem como uma forma possível de obter
diferentes consciências do universo. Diferentes consciências incluindo a do povo
chinês, do povo indiano, do povo goês etc. Nos seus percursos, escritores e poetas
como MOB foram produzindo um inventário de referências a Macau, sobrepondo
vivências de cidades e tornando-se cúmplices de outras culturas.
A sua experiência aponta, pois, para a diversidade cultural que a literatura em língua
portuguesa pode abranger, motivando um questionamento permanente acerca da
sua função na interação comunicativa multicultural. É também por isso que retomo a
afirmação inicial de que Macau excede em significado o nome de um lugar e a sua
história para se converter " em constelação de sentidos expressos ao longo dos
séculos, em diferentes línguas, na escrita de autores que ali nasceram, viveram ou
passaram como MOB.
Nesse sentido, a Literatura de Macau evidencia algumas diferenças da Literatura
Portuguesa, especialmente quanto à temática, à qual não é alheia a influência da
cultura ocidental que se faz sentir, a partir de meados do século XVI, com a chegada
dos portugueses.
Templos, casas de chá, farmácias, moradias, jardins, constituem marcas do universo
cultural chinês. Aliás, neste território chinês, na altura sob administração portuguesa,
outras culturas provenientes de comunidades da Ásia, da Europa e de África
passaram a integrar o seu universo. Por isso, a sedução de Macau está nessa mistura
de pessoas, povos, hábitos e construções. Exemplificamos melhor este aspeto: um
templo chinês, um pagode, um convento, uma mesquita, uma simples casa chinesa
ou um palácio português formam um conjunto híbrido onde se interligam as mais
62
variadas culturas e formas, que, cristalizando ao longo de quatro séculos,
transformaram aquele organismo urbano num acontecimento único.
Notas de Rodapé de 4.2
64. 周宁,中国作家,比较文学,写于 1999 年,北京,34 页
(Tradução:Zhou Ning, Autor Chinese, literatura comparada , 1999,beijing, p34)
65. http://www.comparatistas.edu.pt/investigadores/membros-integrados/maria-de-lourdes-cancio-
martins.html
66 https://idi.mne.pt/pt/39-curriculos/282-ana-paula-laborinho.html
67 Michela Graziani, tese de Doutoramento analisa a obra Maria Ondina Braga, 2003
4.3 O tipo das personagens da sua obra
Quatro séculos depois de Fernão Mendes Pinto, uma escritora de voz singular
descobriu a China milenária - a sua sabedoria, as suas tradições e os seus mitos.
Encontrou-a num lugar de convergência, Macau, onde se debatiam e se ajustavam
duas almas coletivas, dramatizando uma extensa galeria humana: velhas de pés
atados, médicos de práticas escusas, vendedores de produtos exóticos, adivinhos,
refugiados, mulheres sem rumo - figuras entre o real e o sonho, inquietas, trágicas,
inesquecíveis.
O presente capítulo vai analisar o tipo das personagens desta obra. Através do tipo
das personagens chinesas descritas para conhecer a imagem da China, como foi
descrita pela autora Maria Ondina Braga.
63
Através da descrição das personagens chinesas, transparece o modo como o povo
chinês trata das coisas, e forma-se uma imagem que se reflete nos próprios
ocidentais. As descrições das personagens chinesas são como um espelho, um lado
reflete a imagem da China, o outro lado reflete os próprios ocidentais. Isso já foi
mencionado atrás, faz muito sentido para conhecer a imagem do outro, conhecer-se
a si próprio. Cultura comparada, literatura comparada, tudo faz parte deste espelho.
Somos um espelho, mas também somos uma imagem no espelho. O poeta “Molana
Jalaluddin Rumi disse que o espelho de mim está a refletir-te a ti, naquele momento,
eu também sou tu. Há muitos filósofos a repetirem esta opinião. Tu existes por isso
eu também existo 68
A análise do tipo de personagens deste livro, conto a conto, vai mostrar um novo
panorama.
O quadro esquema é um resumo do tipo de personagens deste livro.
Conto Designação da
personagem
Descrição Que Imagem
Reflete
A imagem é
positiva ou
negativa
A China Fica
ao Lado
Doutor Yu
Avó
Neto de avó
Doutor Yu
moderno,
elegante,
Avó era chinês
exilado,
Uma imagem
Doutor Yu
apresenta
uma nova
imagem da
China, outra
imagem da
avó apresenta
uma imagem
da China
tradicional.
A imagem do
Doutor Yu é
positiva. A
outra imagem
da avó é
negativa. A
neta da avó
foi fazer um
aborto que
ocasionou
estas duas
64
imagens.
Os Espelhos Miss Carol uma mulher
sensível e
frágil, triste,
solitária,
pobre,
misteriosa
Ela era de
mestiça de pai
inglesa e mãe
chinês. A
imagem
refletida é
uma mescla
entre o novo e
o tradicional.
Uma imagem
um pouco
negativa
ódio de Raça
Tai-ku
Tai-ku Inocência e
fidelidade de
mulher
chinesa
tradicional,
feudal e
religiosa.
Uma imagem
de mulher
chinesa
tradicional
Negativa
O Homem de
Meia Vida
O homem Homem
viciado em
ópio
Uma imagem
de um homem
doente
Negativa
Fong-Song Sam-Ku Mulher
tradicional
chinesa
Uma imagem
de uma
mulher
tradicional
chinesa
Negativa
O filho do sol Francisco O filho
mestiço de
uma chinesa e
de um
português
Uma imagem
de uma
sociedade
feudal que
não aceita o
Negativa
65
filho mestiço
Lázaros A-Mou Mulher
chinesa,
dorida e
angustiada
Uma imagem
de mulher
triste
Negativa
O homem do
sam-lun-chê
Chenong um homem
tradicional
chinês, com
um filho
adotado, de
feições mistas
de chinês e
europeu, e de
pele clara
Uma imagem
de convivência
cultural com o
Ocidente
Negativa
A magia Menina
Vong kei
Menina que
recorreu à
magia para ter
um filho em
vez de uma
filha
Uma imagem
feudal
Negativa
Morte A avó Mei-Lai Uma mulher
chinesa
indigente,
muito
trabalhadora
Uma imagem
da mulher
tradicional
chinesa
Negativa
Doida Uma mulher Uma mulher
em desgraça
Uma imagem
da mulher
tradicional
chinesa
Negativa
66
4.4. Analisar os vários tipos das personagens
O primeiro conto é “A China Fica ao Lado”, que dá o título ao livro. Este conto mostra
duas imagens da China, uma imagem da China antiga, outra da China nova, deixando
uma pergunta ao protagonista - poderia voltar à China ou ficar ao lado da China?
Uma nova imagem da China é representada pelo doutor Yu, as seguintes descrições
são do doutor Yu:
"Bem que os chineses educados eram discretos. O doutor Yu !... Então muito jovem o
doutor Yu, mas já a caminho da fama. O doutor Yu entrou. Homem de mais de
sessenta anos, algo curvado, rosto sério. Por momentos ela pensou que se tinha
enganado. Outro doutor Yu? Onde estava a elegância, a riqueza de que a avó falava?
O doutor Yu não queria saber coisa alguma. Era chinês e exilado. Aceitava tudo, até o
que a outros poderia parecer inaceitável."69
O Dr. Yu, homem marcado pelo tempo e pela mudança do sistema político chinês foi
um homem elegante, rico e atencioso, dono de uma maternidade de luxo, onde os
instrumentos clínicos eram moderníssimos para a época.
Por outro lado, numa imagem da China antiga, é descrito o seguinte sobre a avó e a
recordação dela:
"Era a primeira vez que chorava desde que deixara a casa de seus maiores, desde
aquela noite de infância em que os soldados haviam podido ouvir os gritos de dor da
avó por entre as gargalhadas dos militares. Pobres de pés estropiados ! Tinha
chorado justamente por isso. Um orgulho, essa avó de sapatinhos de cetim no
pezinho de fada. Última coluna da mítica, venerável ancestralidade, despedaçada
sem dó num ímpeto de mãos brutais. Sim, fora pelos pés da avó que então chorara.
Aquilo era como profanar o templo, como desonrar os mortos. Com o desligar dos
67
pés da anciã, instintivamente ela sentira não apenas o ruir do seu belo mundo de
menina, mas o aviltamento de toda uma tradição....nessa noite a avó morrera
pateticamente e, com a avó, a China de antanho....A avó agarrada a antigos
preconceitos, constantemente a falar de nomes que já não existiam....Algumas avós
vendiam as netas a chineses ricos, a marinheiros bêbados, a barracas de feira.." 70
Na imagem descrita da avó, o termo fulcral é: pés estropiados! Agora, é pobre,
curvada, com rosto sério, indiferente ao meio que o circundava, apesar de simpático
e atencioso, o que é visível na observação da protagonista quando rememora para si.
Assim surge uma forte comparação entre a China tradicional e a nova China. No
século XX, em 1945 foi estabelecida a República na China. No final do século XX,
perdurava a geração que nasceu no início do século XX em convívio com as novas
gerações nascidas, entretanto. A China estava a mudar, e na narrativa deste conto, a
mudança pode ver-se quando a neta vai fazer um aborto. É como se esta
personagem simbolizasse a transição da Velha China para a China moderna.
Na obra, a personagem feminina que procura o doutor Yu para efetuar o aborto do "
filho que enjeitara", encontra-se muito mais dilacerada pela perda da avó do que
pela situação em si, rememorando essa fatídica noite, porque ela exprime esse sentir
coletivo da população macaense. Veja-se a seguinte passagem:
"… E sem saber explicar, sem sequer entender, sabia que continuava a chorar pelos
da avó. Tudo se resumia nessa noite. Toda a dor refletia essa dor. Mas não
simbolizavam, afinal, os pés atados da avó ao longo e destino forçado da mulher? O
mesmo destino que a tolhia, a angústia que nesse instante lhe subia à garganta?" 71
O destino da mulher na sociedade é muito dependente dos homens. Uma mulher
que praticou um aborto, como é que vai conseguir casar-se com um outro homem?
Por isso, através desta descrição, percebe se que a autora já tinha observado que
naquela altura da sociedade chinesa, a mulher tinha uma posição inferior na
sociedade.
68
Aos olhos dos ocidentais, na China a mulher não tem liberdade nenhuma. A autora
descreveu uma personagem feminina assim no texto, de certa maneira, parece que
está apenas a descrever a imagem da sociedade chinesas, mas está também a
protestar por a mulher não ter um tratamento justo.
Ao mesmo tempo, Portugal também foi uma sociedade que não teve a revolução
industrial e onde o estatuto da mulher portuguesa na sociedade também era muito
baixo. A autora, como autora feminina portuguesa, descreveu este tipo de
personagem feminina no livro, também para chamar a atenção das mulheres
portuguesas. Trata-se de uma descrição de outra cultura para evocar e manifestar
insatisfação contra o seu próprio país.
Esta ação do aborto revela duas imagens da China. Poderia voltar à China ou ficar ao
lado da China. No final do conto as duas imagens aparecem mais uma vez juntas,
para salientar esta diferença:
"E via-se a caminhar por uma estrada sem bermas, os braços alongados até ao
infinito, levando consigo, triunfal, sem esforço, como se fossem penas de ave, toda a
legião ancestral das ofendidas, de pés atados deslizando à flor da terra" 72
Maria Ondina Braga, como autora, e também como soldado, estava a lutar contra o
feudalismo que limitava os direitos das mulheres. A ficção de Maria Ondina Braga
assume-se assim como a projeção literária de um universo muito pessoal, cheio de
secretas intimidades e de sombras, que ela soube projetar através de uma prosa
marcadamente poetizada, como no conto “Os Espelhos”:
"No entanto, toda a gente sabia que o quarto de Miss Carol era forrado de espelhos.
Não que ela alguma vez nos convidasse a entrar. Além do espelho do toucador, havia
uma série de espelhos quadrados na parede, com iniciais ou com um nome em
caracteres sínicos. A mim aquilo intrigava-me. Seria que todos os anos Miss Carol
recebia de algum admirador um espelho de presente?" 73
69
"(…) E nunca uma chamada telefónica para a professora de literatura inglesa. Nunca
para ela anúncio malicioso da porteira "É a voz de cavalheiro". Nem correio na
bandeja do bengaleiro, afora os avisos da congregação da Praia Grande com o seu
carimbo em cruz. Nem visitas tão-pouco. E todos os anos mais um espelho na parede
do quarto." 74
Por aqui se vê que perpassa na obra essa dimensão poetizada e cativante da sua
escrita, esse sentido oculto das coisas, dos lugares e das pessoas que mergulham no
meio de simples intrigas, ou povoam o quotidiano com gestos simples e sinais de
outros sonhos ou meras congeminações como as que efetua a narradora do conto, a
propósito de Miss Carol:
"As vezes imaginava Miss Carol refletida até ao infinito nos espelhos paralelos - nua?
De casaco acolchoado? E chegava a crer que ele própria os comprava, os
encomendava ao vidraceiro da Praça. Para nós julgarmos tratar-se de um presente
do professor budista? para ela própria gozar a ilusão de dormir num quarto
grande."75
Esta passagem é também um exemplo do psicologismo que acompanha a obra, na
análise dos vários tipos humanos, preconizada na viagem interior que tanto
narradores como personagens empreendem, nessa recolha silenciosa e solitária de
familiaridades que reenviam sempre para a dimensão afetiva.
Assim, a imagética de Maria Ondina Braga constrói-se através da forma como a
figura feminina da mulher é tratada e modelada, mas também através da sua
postura cronista, abordando temas centrais e incontornáveis da literatura
contemporânea como o amor, a solidão e o humanismo.
O bule, ao gorgolejar, vertendo o chá, poderá ser comparado aos olhos de Miss Carol
que vertiam lágrimas por sentir tristeza, solidão, e até mesmo pobreza, como nos
refere a narradora.
70
A construção do perfil psicológico foi assim acompanhada de determinados traços
físicos. Após a primeira apresentação dos traços físicos da personagem, o narrador
centra-se no lado psicológico, descrevendo-a como uma mulher temperamental, de
estados de humor variáveis, dedicada ao seu trabalho de professora, ao estudo, e à
música, tocando piano, sempre fechada em si própria, sem uma vida social e
amorosa evidente. Parecia esconder um segredo:
"os ódios da professora de literatura eram longos e tortuosos como o corredor que
desembocava no pátio menor.(...) Eu perguntava a mim mesma se ela não teria
família, relações, um namorado. Nunca a via sair à noite ou ir ao cinema com amigos.
Sua vida passada na biblioteca, a dar aulas, a estudar piano. Deslocava-se três vezes
por ano ao Conservatório de Hong Kong para exames no Conservatório. No entanto,
toda a gente sabia que o quarto de Miss Carol era forrado de espelhos." 76
Este último traço dá à personagem a tal característica misteriosa que lhe pode
conceder a configuração de uma imprevisibilidade a confirmar, que constitui o
centro do enredo, do conto. É a imaginação da narradora que nos introduz nesse
clima de mistério que passa a rodear a personagem, através das várias conjeturas ou
especulações sobre o significado de todos aqueles espelhos no seu quarto:
"E perguntava a mim mesma, se revestidas por completo as paredes de espelhos,
Miss Carol não começaria a espelhar o soalho e o teto, imergindo na loucura." 77
É também através das suas observações que percebemos a evolução da
personalidade da personagem.
"Depois de discutir com a diretora, Miss Carol ficava diferente - mais humana. Nessas
ocasiões, suspeitava de que ela seria até capaz de amar. Não seria o ódio a face
oculta do amor." 78
Maria Ondina Braga criou esta personagem, Miss Carol, com a imagem de uma
mulher mestiça de chinesa e inglês, embora mal passasse dos trinta anos, dir-se-ia
nunca ter sido nova.
71
Esta imagem é a de uma mulher moderna, com boa formação, que não tinha nada a
ver com a mulher tradicional e que representava uma nova sociedade chinesa. Do
ponto de vista de Maria Ondina Braga a China estava a desenvolver-se e as mulheres
eram cada vez mais instruídas.
No entanto, as personagens descritas por Maria Ondina Braga são todas trágicas, tal
como Miss Carol, cheia de mistérios e solidão e ainda a sombra de um pouco de
tradição chinesa. Como se pode ver nas seguintes passagem:
"A hora do chá havia batata-doce. Descascávamos os tubérculos cozidos, quentes,
vermelho-escuros, com uma faquinha de osso, e embrulhávamo-los em açúcar. O chá,
de jasmim, era amargo e aromático…" 80
"Na inauguração, em vésperas de Natal, da nova sede da congregação Protestante
(salão elegante à Rua da Praia Grande) vestiu uma cabaia (Vestuário tradicional de
Macau) “comprida, preta, sob um casaco de brocado. A melhor que as finalistas de
há cinco anos atrás lhe haviam oferecido (cinco anos antes contavam-se entre as
suas alunas as filhas dos chineses mais ricos da terra). Frisou o cabelo e estava
bastante bonita." 81
Como no primeiro conto estão presentes duas imagens da China, uma da China
antiga e outra da China nova, pois havia o aborto a causar a rutura. Então, o segundo
conto é uma mescla de imagens - China antiga versus China nova. Duas imagens
nasceram da desta mulher, e da sua tristeza, pobreza, solidão, e não sei bem mais o
quê - sei só que era feminina e isso incomodava.
Esta imagem seria assim não apenas da autora Maria Ondina Braga, porque ela
própria era muito triste, pessimista e solitária. Também no orientalismo de Said, a
imagem da China do século XX era normalmente descrita como uma imagem
feminina e fraca.
Mesmo no final do século XX, a China já estava muito melhor do que na época do
feudalismo. Depois do sonho e da utopia do ocidental em relação ao Oriente, a
72
imagem da China acabou por ser negativa, e com muito misticismo próprio do
Oriente.
No caso de Maria Ondina Braga, as personagens, maioritariamente femininas, são
elementos estáticos; figuras singulares, com grande densidade psicológica, às quais
ela empresta o elemento místico que provém da sua orientalidade. Como já se disse,
representavam nesse existir coletivo os traços individuais que a autora lhes atribuiu.
Como autora que centra as suas narrativas em mulheres, pode-se dizer que, aquilo
que se passava com os homens, era menos importante do que aquilo que acontecia
às mulheres. É este mundo ou universo feminino que assim vai sendo privilegiado.
Às personagens de Maria Ondina Braga acontece muito pouca coisa na vida real, mas
acontecem coisas muito importantes na sua vida interior: a mulher que vai à clínica
do doutor Yu, além de ter rompido com a tradição milenar da sua cultura ao fazer
um aborto, liberta-se a si e às outras mulheres da sua condição de submissão, ao
longo de séculos de ancestralidade.
A imagem da Miss Carol é a imagem da mulher estrangeira que ensina língua inglesa
na China. Mas do ponto vista da autora, esta é uma imagem cheia de tristeza e
tragédia. Assemelha-se à própria imagem da autora que também leciona inglês na
China.
Maria Ondina Braga tem uma visão universal da mulher. O que ela escreve é
também um protesto da sua própria vida. Quando descreveu Miss Carol também
estava a descrever-se a si própria.
Neste universo feminino, cheio de subentendidos, reinava a solidão interior das
mulheres, que é magistralmente apresentada pela narradora na seguinte passagem:
“Encontrávamo-nos então ao chá. E, diante das batatas cozidas, dos pires de açúcar,
das tigelas fumegantes, sentava-se ao lado de Miss Carol, ao nosso lado, a Tristeza,
ou a Pobreza, ou a Solidão.” 82
73
Por isso podemos saber que a imagem da China aqui descrita é como a de uma
mulher triste, com educação, e sintomas da tradição feudal.
Sem dúvida, a descrição de Maria Ondina Braga é subtil e muito profunda, mas ela
seguia ainda o pensamento padrão da Europa, ou seja, pensava ainda, de certa
maneira, como os europeus pensavam sobre a China. Nesta altura, Portugal seguia
as principais linhas de pensamento da Europa. Este fato refletia-se também na
literatura portuguesa.
Como já foi mencionado acima, Maria Ondina Braga foi uma escritora pioneira a
descrever o Oriente na literatura contemporânea portuguesa.
Em Portugal os sentimentos dominantes nesta altura eram de tristeza e saudosismo.
Como Maria Ondina Braga, houve muitos outros escritores portugueses que
aproveitaram as viagens e a experiência no Oriente para escreverem muitos obras
sobre a China.
No conto de “ódio de Raça Tai-ku”, a filha extremamente fiel e devotada ao pai,
surpreende-nos totalmente com a sua atitude de assassinar a nova madrasta
japonesa, que o pai acabara de desposar. Em última instância, a submissão e
fidelidade desta filha foram vencidas pela sua sede de vingança contra os japoneses,
que haviam provocado a morte de sua mãe na hora do parto, não lhe permitindo
sequer que fosse enterrada com os bonzos para que pudesse encomendar a sua
alma a Buda.
Afinal, em todo o ser humano, há essa luta interior entre o bem e o mal, muitas
vezes o ódio é maior do que o amor, mesmo o de uma filha pelo pai. Esse é também
um dilema da vida real, que aqui aparece plasmado num conto com uma natureza
mística e religiosa muito forte. É o conto com o final mais definido, mas não
totalmente fechado: "Tai-Ku, matando a madrasta, provocou a morte de desgosto do
seu próprio pai. Por isso encara com naturalidade a sua própria partida para o
Desconhecido com o pai que acabara de falecer."83
74
Neste conto a autora mostrou a imagem de uma monja budista. Ela não rapara a
cabeça, nem trocara a cabaia de seda pela de burel, porque o pai não consentira.
Vivia da oração, do jejum, das ofertas para o altar. Tai-Ku - a primeira filha -
considerava aquilo uma doença... Esta imagem representa um tipo de personagem
da mulher tradicional, feudal e religiosa chinesa.
Ela apresentou muitos personagens chineses com valores semelhantes aos das
regras próprias da religião budista. Tai-ku que queria muito matar a mulher japonesa
de seu pai é um exemplo disto. No conto refere-se:
"A sua religião ensinava: não matar. Mas não mandava também extirpar o mal?" 84
Na China, a religião budista começou-se a impor desde a dinastia Sui (Ano 581 da era
cristã), e foi governado força e prosperidade, acabando por ser a religião dominante
na China.
Nos longos tempos de feudalismo, o governador utilizou a religião para controlar a
mentalidade dos povos.
O budismo ensinou o povo a acreditar noutra nova vida depois da morte. Por isso,
quando a vida das pessoas não corre bem, elas têm a esperança de viver uma nova
vida mais feliz. Ensinou também o povo a não matar, e a não extirpar, para não ser
castigado na próxima vida.
Por outro lado, as pessoas boas iriam ser premiadas na próxima vida. Assim
normalmente o povo aceitava o destino que a sorte lhe destinava.
Maria Ondina Braga apercebeu-se dos contornos desta religião e utilizou-os na
justificação da maneira de ser dos chineses face ao Ocidente.
Na Europa, incluindo Portugal, vigorava a religião cristã e os descobrimentos
também aconteceram em grande parte por causa desta religião.
75
Do ponto de vista europeu, além da sua própria religião cristã, as restantes religiões,
tais como o islamismo, ou o budismo eram todas bárbaras. Por isso, o cristão tinha o
dever de melhorá-las.
Esta imagem da monja budista, face aos leitores ocidentais, parece uma imagem
originária de um país fechado com uma sociedade antiquada.
Isto corresponde à imagem da China do século XX na literatura europeia. Neste
conto, Maria Ondina Braga usou esta imagem para utilizar este ambiente de
misticismo oriental, para justificar a lealdade da primeira filha das famílias chinesas.
Há um fenómeno muito interessante que é a diferença entre o Oriente (neste caso a
China) e a Europa. Depois de milhares de anos de feudalismo na China os povos
habituaram-se a viver interligados, de uma forma que podemos definir como uma
sociedade coletivista. A partir da unidade mais pequena - a família - até à maior
unidade – o país. Toda a gente vivia na dependência da família, e por sua vez as
famílias eram a unidade base do país.
Pelo contrario, na Europa, até ao século XII o conceito de país era fraco, as pessoas
viviam com muito individualismo. Esta forma de sociedade europeia, mais
individualista, proporcionava mais liberdade do que na China. A autora conseguiu
identificar este feudalismo na China, mas também não apontou o que era mau ou
bom.
No final do conto, A Tai-ku acabou a sua missão na família e reuniu-se como o seu
pai no “desconhecido”.
"Pálpebras descida, Tai-Ku tentava uma prece. Não conseguia, porém, nem sequer
coordenar os pensamentos. O Seu espírito, agora tão livre, era como se já não
existisse, ou como se existisse longe, muito longe, fora dela, como se fosse cruzando
os caminhos assombrados da ausência para se reunir ao pai no desconhecido. " 86
76
No conto “ódio de Raça”, Tai-Ku, apesar de, aparentemente, ser indiferente ao
mundo que a rodeava, escondia uma fúria em relação aos japoneses que invadiram o
seu lar e, consequentemente, provocaram a morte da mãe, na hora do parto, tendo-
a enterrado, sem bonzos que pudessem encomendar a sua alma a Buda.
Quando a japonesa é entregue ao pai, toda a estrutura psicológica de Tai-Ku se
manifesta. Dividida entre o Bem (Deus) e o Mal (Mulher Japonesa), assiste-se a um
determinado antagonismo entre a razão e o coração. Acaba por matar a japonesa,
talvez para honrar a memória da figura materna, Tai-Ku vivia enclausurada dentro de
si, e acaba por se libertar matando a " intrusa" que lhe invadira a casa, através do
veneno de uma serpente, pois tinha o sangue daqueles que destruíram o éden onde
Tai-Ku vivera.
Em “ódio de Raça”, a autora escreveu sobre a protagonista Tai-Ku:
"Habilidosa, as mãos de Tai-ku iam reunido em corola de neve pétalas de jasmim,
abotoando gomos de flores de laranjeira, espalmando folhas de lótus... E Tai-Ku
velava. Emagrecera. Estava lívida..." 87
Já praticamente no final do conto, encontrámos o principal traço físico, só nesta fase
finalmente revelado, o que prova quanto a caracterização física é periférica, por
oposição, à centralidade do lado psicológico: “Nunca antes a achara tão bela. Porque
seria que Tai-Ku não casara.” 88
Toda a atenção é colocada na dimensão psicológica e na interioridade da
personagem. Assim, o primeiro traço que nos é apresentado pelo narrador é o de
"Tai-Ku, a inocente",89 que era também a primogénita do senhor rico e que se havia
tornado na filha mais dedicada ao pai. Todas as restantes irmãs haviam partido, após
os seus casamentos, para as casas dos maridos. Habituada estava, pois, àquela rotina
de tarefas que executava todos os dias sem exceção e com todo o zelo e precisão:
"Todas as manhãs impassível, Tai-Ku ia tomar a temperatura ao banho do pai...”
90Era uma monja budista. O narrador começa a desenhar o seu perfil psicológico
77
através das suas reações, e da vida que levava com seu pai, que desposava uma nova
mulher em cada lua nova.
O seu carácter de determinação e de lealdade para com a familiar contrasta com a
sua convicção de que o comportamento luxurioso do pai era uma doença.
Tai-Ku tinha aquilo por uma doença, e jamais os seus lábios se abriram para censurar
o pai, jamais se preocupara com parentes, vizinhos, amigos, fossem quinhentas ou
oitocentas as mulheres do “homem rico”. O número era-lhe indiferente.
Contudo, é pertinente considerarmos que, neste conjunto de linhas de influência da
autora, o “percurso de vida das mulheres” é de fato o elemento unificador e
condutor de toda a obra. São elas, as mulheres, com bem notou José António Garcia
de Chaves que “pela sua tangibilidade, humanizam o universo, comunicam afetos e
entretecem vivências”. 91
A ideia que nos dá é de que a escritora, imbuída das suas experiências peregrinantes,
não só pela China, mas também por outros lugares do mundo, comunica à sua
escrita uma dimensão abismal, de autoanálise, para se descobrir perante a Morte, a
Solidão, a Distância e a Dor. É uma escrita subtil e penetrante, povoada de
referências aos lugares que foram os da sua peregrinação.
Misticismo, mistério, magia, espiritualidade profunda, são as notas dominantes do
final deste conto, que muito tem a ver com a atitude de abnegação que o pai de Tai-
Ku lhe reconhece, e com a redenção de que ela necessita, e que acabará por cumprir
com a sua morte, e que é simultaneamente o seu maior desejo - o de ficar para
sempre com o pai, sem interferência de quaisquer outras mulheres.
É também esta vertente da cultura oriental que mostra que as valorizações da
lealdade à família, ao clã e à casta, são mais importantes do que tudo,
inclusivamente do que as verdades objetivas dos factos. Nesse sentido, superam o
crime cometido por Tai-Ku contra a sua madrasta japonesa, porque o amor pela sua
78
família comanda a sua própria moral, que vem de dentro, já que o ser humano é o
sujeito ativo da moral de si mesmo.
No conto “O Homem de Meia Vida” aparece o seguinte poema:
"É antes do ópio que a minha alma é doente, sentir a vida convalesce e estiola e eu
vou buscar o ópio que consola, um oriente, ao oriente do Oriente. "92
Estes versos citados pela autora são do poema Opiário de Álvaro de Campos. Neste
poema, Campos faz uma viagem ao oriente e escreve este poema, num tom
decadente, muito semelhante ao de Camilo Pessanha. Ambos os poetas são
fumadores de ópios e seduzidos pelo oriente. São dois poetas de uma poética do
ópio que os contos de Maria Ondina Braga evocam.
Neste conto a autora mostra a imagem dum homem viciado em ópio:
“O Homem de Meia Vida, o velho antiquário, de manhã, apresentava-se débil,
apático. Mas, depois das quatro horas, ao entregar-se ao vício do ópio,
transformava-se e rejuvenescia o seu espírito. Nesse momento, reagia, oferecendo
chá aos apreciadores de antiguidades, e descrevia a história de cada um dos objetos
da sua loja.”93
“Era fatalmente um opiómano. Bastava lá ir um pouco antes do meio-dia e ver o
olhar aflito que nos lançava, a lassidão dos seus gestos e palavras na venda da
mercadoria…A princípio julguei-o aloucado. Meia-idade, rosto simpático, embora
muito emagrecido, não atendia os clientes diretamente, deixando que lhe
remexessem o armazém de antiguidades, indiferente, respondendo por
monossílabos, arrastando os pés, suspirando.
Depois, compreendi. Lembrei-me do que lera sobre Camilo Pessanha - “o morto-vivo,
pune-tio-iane-mean, homem de meia vida...também o antiquário estava meio morto.
De Manhã era tal o vazio do seu olhar que uma espécie de ausência lhe transparecia
da presença." 94
79
Como podermos constatar, a autora afirma através destas personagens que leu
Camilo Pessanha. Como se sabe, Caminho Pessanha viveu em Macau e era grande
fumador de ópio. Por isso, Maria Ondina Braga vai buscar estes dois poetas
portugueses, Álvaro de Campos e Camilo Pessanha, para os por em dialogo com as
suas personagens.
“De tarde, dava-se a ressurreição. Um milagre, pelas quatro horas. Fechando o
estabelecimento para a sesta (coisa rara entre os Chineses que, das dez da manhã às
dez da noite, trabalham a fio, almoçando e jantando à porta da loja), ele surgia
renovado, semblante vivo, verbo fluente.” 95
Aqui temos uma imagem de um homem dependente, um homem viciado em ópio, e
que apenas está vivo depois das quatro horas da tarde. Ele é um caso típico de uma
franja da população da China dos finais do século XX. A imagem da China na
literatura europeia tem muito a ver com a vida deste homem.
Um grande país que aparenta ter um corpo pesado que já não consegue movimentar,
e que tem tendência a ficar na cama e a baixar os braços, vivendo a vida apenas pela
metade, tal como o homem de meia vida.
O Ocidente pensava que a China se encontrava doente no final do século XX. Por isso,
a imagem do ópio, assim como a imagem do homem viciado em ópio, aparecia
normalmente, na literatura ocidental do século XX. O ópio era produzido na China,
mas mesmo assim os ocidentais utilizavam-no para vendê-lo aos próprios chineses e
assim apropriarem-se das riquezas da China.
Como se sabe, a história da china pode se dividir entre dois períodos muito
importante: as duas guerras do ópio.
Desde a primeira guerra do ópio (1840-1842) e da segunda guerra do ópio (1860-
1862) a imagem da China tornou-se semelhante à imagem do homem doente e
viciado em ópio - do homemmeia vida.
80
Neste conto de Maria Ondina Braga ela não apenas apontou isso, mas também
referiu muitas tradições religiosas, e antigos costumes chineses. Como autora
portuguesa, conseguiu observar o modelo de sociedade chinesa e os seus costumes
de forma profunda e clarividente, abordando também aspetos filosóficos e
tradicionais.
“De tarde, amável, oferecia chá a uma ou outro apreciador de trastes velhos.
Mandava sentar numa concha de cadeirinha, no estofo puído de um riquexó de
mandarim. Citava Confúcio: o homem é por natureza virtuoso como a água que corre
espontaneamente. É a perversidade do mundo que o corrompe. Ficava por um
instante calado (comovido?)” 96
"Na véspera do Ano lunar, a loja de antiguidades alegrava-se com o ramo de flores
de pessegueiro, e no arco da porta, o lojista escrevia em caracteres doirados sobre
fundo escarlate os cumprimentos da praxe: Kung Hei - Ano Feliz!" 97
“O dragão Long o deus-bicho de cinco garras, emblema do poder imperial, símbolo
do Oriente e da Primavera, com a faculdade de crescer até abarcar os céus, de
sustentar a abóbada celeste, de distribuir a chuva a regular o curso dos rios,
dominava, ao centro, todo de pau-rosa incrustado de madrepérola.” 98
Acima foram focados alguns costumes e aspetos filosóficos da mitologia chinesa .
E no final do conto a autora escreveu assim:
“ah, como um bem tamanho, tanta felicidade numa espiral de fumo, iriam, na
manhã seguinte, reduzir satanicamente tão sublime criatura a um verme do pó, ao
mais miserável ser! Era o ópio ou a vida que fazia aquilo? Na realidade, ele só vivia
depois do ópio.” 98
O conto de "Fong-Song "refere uma catástrofe originada por um tufão em Fong-Song.
O tufão atingiu Fong-Song com ventos muito fortes e bátegas de água (o monstro
feroz que morava nas entranhas da Terra e governava os elementos acordou).
81
Aqui apareceu outra vez uma imagem de mulher, Sam-Ku:
“Filha Terceira, pés atados, descendente de família nobre. O que todos ali sabiam. No
entanto, aquela mulher idosa, o dia inteiro calada, aninhada à ré do barco, a chupar
o cachimbo turco, a embalar meninos no berço (embalara-o a ele, aos irmâos, ao pai,
talvez ao pai do pai deles), convivera outrora com príncipes!...estremeceu. A velha
era do tempo dos senhores e dos servos. Como é que nunca reflectira nisso? A morte
vinha buscá-la, finalmente tão velha e tão cansada de viver, parecia quase feliz,
agora que o fim se aproximava, e ninguém sabia do paradeiro de Sam-Ku, ninguém a
alcançava. Tão-pouco constou das vítimas do tufão. Mas o neto, que a viria
transfigurar-se, acreditava secretamente que FongSong---o ente fantástico que, das
entranhas da Terra, governava os elementos---a levara, calma e contente, na
exaltação da noite, para o reino dos justos, talvez (quem sabe?) bem recomendada
ao eterno pelas cerimónias do bomzo e pelas rezas da freira.” 99
Trata-se de uma imagem típica da mulher tradicional chinesa, que trabalhou muito a
vida inteira. Tinha três obediências e quatro virtudes, costume proveniente da época
feudal para controlar as mulheres. Naquela altura, as mulheres tinham um estatuto
social muito baixo.
O marido, o filho e a pátria eram o céu da mulher chinesa. A lealdade, a beleza, a
contenção verbal em lugares públicos, e a eficiência no trabalho eram qualidades
fundamentais da mulher chinesa.
Só por isto podemos ver que na China antiga as mulheres não tinham um estatuto
elevado na sociedade, e também não tinham liberdade. Maria Ondina Braga queria
mostrar uma imagem assim aos ocidentais, com dois objetivos.
Primeiro para mostrar um panorama da realidade do quotidiano da mulher chinesa
em contraponto com o da mulher ocidental.
Por outro lado, ela queria evocar a atenção da mulher no resto do mundo, numa
tentativa de elevar o seu estatuto social.
82
No conto Fong Song, o neto de Sam-Ku via a avó como uma figura sagrada,
descendente de família nobre. Mas, quando ela, entre pensamentos vagos e delírios,
disse:
“A ama a ligar-me os pés, e ambas a cantar para não chorar... Os adens brancos..., o
espírito do neto foi assaltado pela ideia de que o seu sangue descendia da raça
branca e não somente chinesa e, por isso, sentiu uma revolta momentânea: seria a
avó filha de algum tirano-quem sabe, E, por um momento quis-lhe mal. Não mesmo
a ela, mas ao sangue dela (o seu sangue) (...) uma vontade de lhe fazer perguntas
(roía-o, ao mesmo tempo, a curiosidade e a revolta), de a sacudir, de lhe gritar, (não
sabe que já não há império, nem castas, nem senhorios, não sabe.” 100
Esse momento de um turbilhão de emoções, dúvidas e inquietações revela o
profundo sofrimento e dilema da personagem, mas acaba, em última instância, por
lhe devolver, com o momento da morte da avó, o sentimento de figura sagrada que
lhe fora momentaneamente questionado para se encontrar de novo consigo própria.
“O corpo da centenária nunca o rio o devolveu mas o neto que a vira transfigurar-se,
acreditava secretamente que Fong-Song - o ente fantástico que, das entranhas da
Terra, governava os elementos - a levara, calma e contente, na exaltação da noite,
para o reino dos justos, talvez (quem sabe) bem recomendada ao eterno pelas
cerimónias do bonzo e pelas rezas da freira.” 101
Esta imagem da China, e esta imagem da mulher chinesa, foi revelada neste conto de
Maria Ondina Braga, e permaneceu viva na mente dos ocidentais.
Ela foi sempre usada como a imagem da China na literatura Ocidental do século XX.
Como o orientalismo indica, através do autor Edward Wadie Said a imagem da China,
(ou melhor a imagem do Oriente) sempre foi descritiva “como a de uma mulher
fraca”102, pela literatura ocidental.
Pelo contrário, a imagem do Ocidente foi sempre descrita automaticamente como a
de um homem robusto e poderoso. Estas imagens são fruto do imaginário Ocidental,
83
que depois do fim da ilusão sobre o Oriente, começou a imaginá-lo como fosse uma
mulher fraca, que precisava de um homem forte para a salvar e proteger - o
ocidental.
No conto “O filho do Sol” ... podemos conhecer uma mulher com um quadro
psicológico muito complicado.
Ela era uma mulher chinesa tradicional, mas no inico, e até ao meio do conto, isto
não foi dado a conhecer ao leitor, mas apenas um caso de séria alteração de
personalidade e respetivos reflexos ao nível psicológico.
Maria Ondina Braga soube muito bem como descrever com subtileza os aspetos
psicológicos deste tipo de personagem. O narrador acompanhou sempre a atividade
psicológica da protagonista, desde a primeira vez em que a protagonista apareceu:
“Veio de dentro a irmã Chen-Mou, a face de lua reluzindo, com rebuçados de
gengibre numa tigela de porcelana. As meninas rodearam-na: mostravam-lhe os
presentes: perguntavam-lhe as horas.” 103
Vemos aqui a imagem de uma mulher chinesa, que trabalhava num colégio onde as
meninas eram todas pobres. Havia as que não tinham família, e as que não tinham
onde passar férias. Havia também uma ou outra professora solitária. Entretanto
surgiram os aspetos psicológicos:
“A sua terra era do outro lado do mundo. Havia neve. A família devia lembrá-la mais
naquela noite. E talvez lhe escrevessem, lhe enviassem presentes. As comidas que lá
se comiam, o tilintar dos copos, conversas cortadas, risos, exclamações. A família,
não podia tornar a vê-la. Trazia nas entranhas sangue de uma raça alheia, o filho de
alguém que nunca conhecera nem amara (alguém que nascera milhares de anos
antes dela), o fruto híbrido e falso do próprio cinismo.” 104
Esta descrição subtil do pensamento da protagonista mostra a sua angústia e dor. Ela
não pode voltar a casa e à família, porque a sua culpa já lhe foi apontada por esta.
84
Uma família tradicional chinesa não pode aceitar que a filha engravidou antes de
casar.
O final do conto diz:
“A noite fechou-se. Era tudo negro. Oh, quem ficasse para contar dessa alegria!
Quem fosse dizer que ela estivera ali que trazia no ventre um filho do sol!” 105
O filho do sol, o filho mestiço de chinesa e português, não é aceite pela sociedade
chinesa. Mostra uma imagem da China, dos tempos do feudalismo, ainda que esta
situação ocorra em pleno século XX. Mostra, mais uma vez, o estatuto social muito
baixo da mulher, e a falta gritante de liberdade.
Um olhar profundo de mulher domina este conto. Maria Ondina Braga quando está a
descrever este tipo de personagem, está também a expressar o que sente sobre ela
própria. Esta relação já foi mencionada acima.
Este tema (o olhar profundo da mulher) também transparece no conto “Lázaros”:
“A-Mou era jovem, e a doença, que tinha na face rosetas de lepra, A-Mou nunca
tinha amado, nem sabia bem o que isso era. Não tinha família. A avó. Com quem
fugira dos arredores de cantão, morrera logo que ela entrara ali. Era uma velha
pequenina e triste de touca de veludo preto-esverdinhado, fumava ópio em longas
horas paradas. Ela gostava de viver, de se aformosear com cabaias garridas, flores
no cabelo, laca nas unhas....Mas um novo dia despontava. Ela tinha muito em que
pensar---entrançar os cabelos, tratar da cabaia, aguardar o pôr do sol. Aqui está a
mostra uma imagem é que uma menina doente mas com muito esperança de ter
amor..” 106
Quando leio este conto, imagino a protagonista A-Mou, e também a autora Maria
Ondina Braga. Ela descreveu o tipo de personagem desta mulher chinesa,
descrevendo-se a ela própria. Quando vejo a protagonista cheia de esperança, penso
na autora que também parece esperar pelo amor da sua vida.
85
Este tipo de personagem chinesa pertence a um ambiente de plena orientalidade.
Este ambiente, cheio de costumes religiosos e míticos chineses, é utilizado por ter
um sabor exótico e chamar a atenção do leitor, e ao mesmo tempo salientar a
sensação de angústia da protagonista.
Maria Ondina Braga para mostrar a imagem da mulher chinesa que espera que o
amor um dia chegue, mas que sabe que ele pode nunca chegar, escreveu este conto
cheio de romantismo, onde deixa espaço para o leitor imaginar a dolorosa angústia
da protagonista A-Mou.
Também podemos ver em “o Homem do Sam-lun-chê”, um conto muito interessante.
Este conto mostra a imagem de um homem tradicional chinês, com um filho adotado,
de feições mistas de chinês e europeu, e de pele clara. Uma criança perfeita,
embrulhada em flanelas encarnadas e um amuleto de osso no pulso.
Em “o homen do sam-lun-ché”, a omnisciência do narrador é gerida e distribuída
pelas várias personagens do conto, sem nunca haver uma concentração efetiva, quer
no homem do sam-lun-ché, quer no menino que ele adotou.
A técnica narrativa omnisciente vai oscilando de personagem para personagem,
percorrendo-as sem nunca aprofundar verdadeiramente nenhuma; quer na
revelação dos motivos da decisão da Madre Superiora relativamente ao menino ali
exposto, quer depois no sentimento suscitado pelo menino, face ao seu pai adotivo:
“Claro que a madre superiora não recorreu às autoridades nem tentou investigações,
porque tudo seria infrutífero. Impossível descobrir a família do exposto num mundo
tão confuso (...). O velho Cheong deixava o triciclo à esquina para ir ver o pequeno
nos actos de culto. Por vezes, as lágrimas subiam-lhe aos olhos. O menino mais
parecia um anjo do que gente. (...) Um orgulho, um filho assim, de feições mistas de
chinês e de Europeu, esguio e branco, que o destino lhe confiara, a ele, pobre velho
sem família." 107
E posteriormente nos pensamentos do menino Francisco em relação ao pai:
86
"Era na viagem de regresso a casa. Anoitecia. O rapaz via o busto curvado do pai
pedalando à frente. Não sabia por onde começar. Nunca o velho criticara a religião
dele, Francisco..." 108
Esta gestão por partes da omnisciência do narrador, indica haver a intenção
subjacente, e que se adequa à mensagem do conto, que é a de levar o leitor a tirar
conclusões por si próprio, através destas duas personagens, de que é possível a
coexistência harmónica de duas religiões muito distintas:
"uma revelação, aquela noite, nem cristãos, nem budistas, nem tauistas, nem
confucionistas... Deus, só. Um Deus de todos" 109
No final do conto parece que as duas religiões conseguiram coexistir muito bem.
"Uma revelação, aquela noite. Nem cristãos, nem budistas, nem tauistas, nem
confucionistas... Deus, só. Um deus de todos. A custo o velho reabriu os olhos,
vencendo o sono. O filho estava calado, meditabundo, com certeza findara já a sua
bela história. E Cheong balbuciou: tão novo e sabendo coisas que um velho mal-
entende! Por isso vou ao pagode depois de te deixar na capela das freiras. Quanto
devo agradecer aos deuses um filho assim!"110
Isto é um bom exemplo de como os portugueses convivem bem com os chineses.
Os portugueses nunca aceitaram a exploração como exploração - são
descobrimentos. Porque os portugueses habituaram-se a casar com os nativos locais.
E o texto, mostra uma imagem de como os chineses vivem bem com os portugueses.
Os portugueses trouxeram aspetos culturais mais desenvolvidos para o Oriente. Os
portugueses podem casar-se com os nativos, podem ter filhos com os nativos,
podem ensinar português aos nativos.
No entanto, isso pode ser tudo arrogância dos portugueses, pois os chineses não
queriam aceitar a cultura portuguesa, e também não queriam estudar a sua língua.
Ainda hoje em Macau, não há muitos chineses que consigam falar bem português,
87
para além dos seus descendentes. Em Macau onde coexistem várias culturas ao
mesmo tempo, parece que a cultura portuguesa não está muito em harmonia com a
chinesa.
Realmente existem duas escritas, duas culturas, dois mundos, lado a lado, dando-se
mutuamente a conhecer. E se, depois da leitura dos textos, constatamos as muitas
diferenças, sentimos também, o quanto há de idêntico ou mesmo igual.
Além disto, o conto de Sam-lun-ché mostra um fenómeno chinês que é a família
chinesa gostar e aceitar melhor um filho do que uma filha. Se fosse um filho, toda a
gente ficava contente, se fosse uma filha, podia ser abandonada ou passar uma vida
na desgraça.
Este tipo de conceção está fixado na cabeça do povo chinês desde início.
Significa que um filho é mais importante do que uma filha, que o homem é mais
importante do que a mulher. Os filhos ficam com os apelidos do pai, e isto é um lado
obscuro da sociedade chinesa, onde a mulher não é considerada uma protagonista.
Lembremos alguns aspetos do conto onde se percebem as desigualdade ente os
sexos.
Ser rapaz, parecia muito mais complicado. Onde o poriam depois da creche? Decerto
que a mãe estava mesmo desesperada para assim abandonar um filho varão.
“A gorda irmã parteira, que fora a primeira a ver o menino, impunha silêncio. Quem
poderia dizer o que levara a mãe a repudiar o filho? Na realidade, ela o aguentara
até àquela idade... Quem sabia do drama de tal separação? Rezar por ela, sim, a
única coisa que valia a pena.” 111
No conto “A Magia” há uma jovem a recorrer à magia para ter um menino, e não
uma filha:
“Eu pensava na moça do fim do tempo. Semelhante às bailarinas, também ela tinha
máscara, mas de pano da gravidez. Que lhe diria o mágico? Que ia nascer uma
88
rapariga quando o pai da criança só se casava se fosse rapaz? E porque teria o cego
soltado aquele brado de aflição?” 112
Aqui aparecem cinco tipos de personagem e também cinco imagens diferentes; eu,
a minha amiga, Vong kei, um adivinho e o marido de Vong Kei. A citação seguinte é a
descrição de Vong Kei:
“Vong Kei era casado e tinha cinco filhas, todas bailarinas e cantadeiras de teatro.
Obeso, de pele clara, olho afogados nas banhas do rosto, vestia cabaia de seda preta
que lhe descobria a base das pernas nuas, gordas, em pêlo. Uma rapariga grávida no
fim do tempo-de queixo quase pousado no ventre,cela do bruxo-um homem forte,
uma freira budista de cabeça rapada e cabaia cinzenta caindo solta até aos pés,
perfeitamente confundível com un homem, entrava.” 112
“Mas a historia é vindo da cadeira ao fundo, um gemido rompeu o silêncio da sala-a
velha tinha recebido o aviso telepático do filho e não podia expressa-se de outro
modo porque estava moribunda....toda a gente querendo alguém, alguma coisa.
Todas inquietos. Desvairados todos. E a velha a arquejar. O filho? Onde estava o filho?
Onde estava aquele que nascera de seu ventre e sabia tudo?....ele dirigiu o olhar para
a mãe, ao canto, encolhida na espalda da cadeira, estendeu as mãos em direção à
bacia, o rosto gordo franziu-se-lhe, dorido, e desatou a chorar....era como se não
houvesse ali mais ninguém senão Vong Kei e a noite, Vong Kei e a morte. O volume
do bruxo contra os vidrilhos---estrelas ao clarão dos lumes---,a sua imponência, a sua
amargura, dominavam de tal modo que, além dele, só o vulto desfeito, murcho, da
mãe.” 113
Uma história em que se recorre à magia chinesa para ter um filho, e em que no final
só resta o vulto, desfeito e abatido, da mulher que queria ser mãe. Foi o resultado
deste conto trágico, em que Maria Ondina Braga quis dizer aos leitores que não
deveriam acreditar no recurso à magia, pois o destino da mulher não se alterou - não
conseguiu conceber um filho.
89
A autora era uma mulher ocidental, moderna, com boa formação e uma vincada
consciência feminista, que reagiu através da escrita, quando se deparou com este
tipo de magia oriental, de conotação religiosa.
Não apenas dava jeito para chamar a atenção do leitor, mas também servia para
denunciar este tipo de costumes arcaicos, e para libertar a mulher destas práticas.
Neste conto também temos boas razões para dizer que a autora Maria Ondina Braga
era uma feminista, embora este tipo de feminismo esteja presente em todos os
contos deste livro.
Vamos avançar para o conto “Morte” e saborear o tipo de imagem que a sua
personagem reflete.
Os antigos mortos, invisivelmente
Vêm ainda ao seu terraço antigo...
Já sopra da nona lua o vento
lamentoso
Elegia chinesa (versão de camilo Pessanha)
Este conto trata da imagem de uma mulher chinesa, indigente, mas muito
trabalhadora, que consegue à custa do seu trabalho e abnegação criar dez filhos. É
uma mulher chinesa do tipo tradicional, que se sacrificou toda a vida pela sua família.
Quer seja chinesa, ou portuguesa, a autora gosta de descrever mulheres com uma
grande força mental e com capacidade de contribuir para a sociedade.
“A avó de Mei-Lai, uma mulher notável que, apesar de pobre, criara dez filhos para a
riqueza. Pequena, magra, ativa, inteligente, mandara seis rapazes para a América,
para a terra do oiro, à custa só das leiras de arroz por ela duramente trabalhadas de
sol a sol. Quando o marido morreu, andava pejada do décimo filho. A viuvez, contudo,
90
não a assustou, nada podia assustar uma mulher como ela. Do arroz de cada colheita
todos os anos apartava uns tantos cates--ração que por vezes tirava à boca---vendia-
os, e o produto da venda, arrecadado no fundo da arca, destinava-se à viagem dos
filhos. Durante vinte anos não teve mais do que duas cabaias de pano grosseiro. Os
sapatos que a família levava ao pagode nos dias de festa eram feitos por ela com
palha de arroz e pele de porco.” 114
Esta descrição de uma mulher chinesa não me surpreende, a sociedade chinesa é
mesmo uma sociedade de mulheres guerreiras, mesmo tendo o homem maior poder.
A mulher trabalha muito e permanece calada. Elas trataram dos filhos, dos pais e dos
maridos, e de si próprias.
Têm poucos direitos, mas são quem mais contribui para a família. Assim a mulher
chinesa devia ser melhor aceite, e até elogiada pela sua sociedade.
Este tipo de imagem é também uma imagem do feudalismo chinês. Quando a autora
estava a escrever este conto, em Portugal ainda reinava a ditadura de Salazar. Tanto
as Chinas, como Portugal, estavam numa situação idêntica, e a autora estava a
utilizar a situação da China para dizer que a mulher portuguesa ainda estava a ser
menosprezada.
“A avó de Mei-Lai ao final morreu num tufão. Sete anos decorridos sobre a morte da
avó, elas tinham ido a Coloane recolher-lhe os ossos, ossos que guardavam numa
caixa de charão junto do altar da família - o nome da avó já na lista a vermelho e oiro
dos antepassados.” 115
A morte da avó provocou uma dor generalizada entre todos os habitantes da aldeia,
que mostraram o seu respeito e veneração, atuando como uma personagem coletiva
à qual a narradora acaba também por conferir uma grande densidade psicológica:
"Numa cova onde se acolheram, formaram círculo em volta do corpo da avó,
rasgando cada qual uma tira das vestes em farrapos para o amortalharem. Alguém
tirara do seio um pacotinho de serrdura de sândalo com que aromatizou o cadáver,
91
todo ligado, a seguir: cabeça e peito de costelas, pescoço, ventre de peles, ancas
mirradas, braços e pernas, dedos um por um"116
No final do conto, percebe-se que essa ação omnisciente, centrada em praticamente
todos as personagens de forma mais exaustiva, acaba por justificar a narração de
uma história que se assume como um hino à abnegação, coragem, sacrifício e amor
pelo Outro, que aqui são personificados pela personagem principal, a velha, avó de
Mei-Lai, o que justifica também o ato algo macabro de Mei-Lai de ir buscar à cova da
avó o anel de jade que ela usou durante sete anos debaixo da terra.
No conto “a doida”, apareceu outra imagem de mulher em desgraça:
“Magra, de trança grisalha, rosto liso e triste nas mãos, firmava os olhos num ponto
longínquo, não respondia às nossas boatardes, não se mexia, em nada atentava.
Ninguém lhe conhecia morada ou família. Os chineses evitavam sequer olhá-la."
Doida, fugira da China continental com o filho, que morrera já em terra do exílio. O
marido, que a devia seguir, nunca aparecera. Enterrado o filho na praia, vinha ao
anoitecer esperar o marido. Ela própria fugira de noite. Era também de noite que o
marido se devia escapar. De noite os mortos ressuscitavam. E, todas as noites, a
doida ali à espera...
Não gostava de sol, a doida. Ninguém sabia dela de dia. Só a noite surgia, de cabaia
esfarpada, trança grisalha, pés descalços e rosto perdido no cismar.” 117
Uma mulher tipicamente com uma vida em desgraça, sem marido nem filhos.
Acabou por ficar louca.
Finalmente, no último conto “o dia do grande frio”, voltamos às datas caraterísticas
do calendário chinês: o ultimo dia de ano, 31 de dezembro. Este período escolhido é
alias referido na China, como a festa do tempo, a noite de inverno da passagem de
ano. Na china como alias no ocidente, esta data marca o ano novo chinês. E este
ultimo conto de livro é diferente de todos outros porque não tem personagens nem
92
uma ação, mas é apenas uma reflexão em torno da cultura chinesa. Por isso serve de
conclusão à obra.
Quando o salgueiro
O ramo pende
Na noite fria
Nus
No triste inverno
Como esperar
Pelo milagre
De lhe nascerem
Folhas? 118
TU FU (tradução de Jorge de Sena)
Notas de Rodapé de 4.3 e 4.4
4.3
68. Molana Jalaluddin Rumi, great work,1987
4.4
69. Maria ondina Braga, A China Fica ao Lado, livraria bertrand,S.A.R.L. LISBOA. P11
70. Maria ondina Braga op.cit.p. 18
93
71. Maria ondina Braga, op.cit.p. 17
72. Maria ondina Braga, op.cit p.19
73. Maria ondina Braga, op.cit p. 13
74. Maria ondina Braga, op.cit .p. 24
75. Maria ondina Braga, op.cit.p. 26
76. Maria ondina Braga, op.cit p. 27
77. Maria ondina Braga, op.cit.p. 28
78. Maria ondina Braga, op.cit .p.25
79. Maria ondina Braga, op.cit .p. 30
80. Maria ondina Braga, op.cit.p. 35
81. Maria ondina Braga, op.cit op. 36
82 Maria ondina Braga, op.cit.p. 36
83. Maria ondina Braga, op.cit .p. 36
84. Maria ondina Braga, op.cit .p. 36
85. Maria ondina Braga, op.cit .p. 36
86. Maria ondina Braga, op.cit p. 38
87. Maria ondina Braga op.cit .p. 37
88. Maria ondina Braga, op.cit .p. 38
89. Maria ondina Braga, op.cit .p. 35
90. Maria ondina Braga, op.cit .p. 34
91. José António Garcia de Chaves , vozes das mulheres(as),2008
92. Maria ondina Braga, op.cit.p. 45
94
93. Maria ondina Braga, op.cit.p. 47
94. Maria ondina Braga, op.cit.p. 47
95. Maria ondina Braga, op.cit .p. 46
96. Maria ondina Braga, op.cit .p. 45
97. Maria ondina Braga, op.cit .p. 47
98. Maria ondina Braga, op.cit .p. 48
99. Maria ondina Braga, op.cit .p. 56
100. Maria ondina Braga, op.cit .p. 58
101. Maria ondina Braga, op.cit .p.59
102. Edward Wadie Said, orientalismo, 1978.p 78
103 Maria ondina Braga, op.cit.p. 64
104. Maria ondina Braga, op.cit .p. 65
105. Maria ondina Braga, op.cit .p.72
106. Maria ondina Braga, op.cit.p. 73
107. Maria ondina Braga, op.cit.p. 84
108. Maria ondina Braga, op.cit.p. 87
109. Maria ondina Braga, op.cit.p. 89
110. Maria ondina Braga, op.cit .p. 89
111. Maria ondina Braga, op.cit.p. 84
112. Maria ondina Braga, op.cit.p. 93-94
113. Maria ondina Braga, op.cit p. 95-96
114. Maria ondina Braga, op.cit p. 104-105
95
115. Maria ondina Braga, op.cit .p. 112
116. Maria ondina Braga, op.cit p. 97
117. Maria ondina Braga, op.cit .p. 125
5. Caraterísticas especiais
a) A especificidade da personagem feminina e um olhar no universo da mulher
Perante este sentir e olhar feminino que percorre um número muito significativo de
contos de “A China Fica ao Lado”, e tendo em conta a forma compadecida (no
sentido empático do termo) com que Maria Ondina Braga trata as mulheres, o leitor
sentir-se-á implicado no seu sofrimento e entrará nesse reduto de subentendidos e
intuições subtis.
96
De facto, a escrita de Maria Ondina Braga compromete-se com este universo
feminino que ama de forma abnegada, porque é portador de um sentimento
amoroso e materno, que transcende as desilusões resultantes do calculismo e da
frieza masculinas.
A sua forma diversificada de encarar a figura feminina, tendo sempre como base
uma mulher despretensiosa (no sentido de se encontrar destituída de uma posição
social relevante), mas dotada de uma identidade e personalidade vincadas, encaixa-
se nos moldes da mulher social.
"É por este motivo que a sua escrita se assume como marcadamente social, e de
denúncia, da desigualdade existente entre os sexos, e da discriminação da mulher. As
mulheres são muito mais dotadas de humanidade e de um sentimento protetor
(talvez relacionado com a maternidade) do que homens; que muitas vezes as
maltratam, que as levam a esquecer, não raras vezes, a sua dignidade."118
A autora referiu no seu romance “a Personagem” que os homens muitas vezes
atraiçoavam as mulheres, mas que estas raramente os abandonavam, quer fosse por
pena, por hábito, por instinto ou por dependerem deles. Segundo a autora os
homens constituíam para elas uma espécie de filhos.
O fato é que os homens aqui não são o centro da obra, mas sim, esse olhar sobre o
universo feminino, de que falarei à frente. Todos os contos estão arquitetados com
base neste monólogo interior, no qual surgem entrecortadas frases do discurso
direto, e breves descrições quer do espaço (Como acontece no conto acerca do Dr.
Yu). A protagonista assume-se como uma mulher revoltada. O sentir-se aprisionada
na sua condição de mulher, acaba por lhe dar uma força que a impede de se resignar,
e que a leva a encetar a busca de si mesma, que lhe conferirá a almejada liberdade:
“Um protesto cresceu-lhe nas entranhas. Fez-lhe sacudir a cabeça com força. Não,
não era última derrota. Estava ali por não ter morrido nem virado fantasma (...)
poderia voltar à China ou ficar ao lado da China. O principal era combater o seu
97
combate de mulher só e abusada. E guardar o coração intacto. Para um dia. Para
uma verdade.” 119
Este acontecimento tão marcante para uma mulher acaba finalmente por operar a
tal catarse. Quando concluído o processo doloroso e fatigante do aborto, a
protagonista acaba por se libertar da imposição da ancestralidade e dos costumes
rigorosos da China, para se converter simplesmente numa mulher em paz consigo
mesmo:
“Uma fadiga boa, apaziguante. E via-se caminhar por uma estrada sem bermas, os
braços alongados até ao infinito, levando consigo, triunfal, sem esforço, como se
fossem penas de ave, toda a legião ancestral das ofendidas, de pés atados deslizando
à flor da terra” 120
A autora revelou ao leitor a imagem da mulher chinesa através de muitos elementos
orientais, para ilustrar as desigualdades entre sexos. Também se pode perceber uma
distinção entre a visão Ocidental e a Oriental, que pode ser ilustrada pela diferença
entre físico moderno, e o oriental místico e psicólogo: o primeiro experimenta o
mundo através da extrema especialização da mente racional, e o segundo fá-lo com
recurso à mente intuitiva.
Na ótica da sabedoria chinesa, a ciência poderia ser interpretada como Yang,
racional, masculina e agressiva, que possui o seu complemento no misticismo
oriental. O Yin, por seu lado é intuitivo, feminino e pacífico. Só essa
complementaridade leva ao sentimento de compreensão cósmica, da natureza e do
próprio indivíduo, como entidades em constante inter-relação. Por isso, a imagem da
China é como o Yin: intuitivo, feminino e pacífico. Pelo contrário, o ocidental é como
o Yang: racional, masculino e agressivo.
Há realmente duas escritas, duas culturas, dois mundos, lado a lado, dando-se
mutuamente a conhecer. E se, depois da leitura dos textos, constatamos as muitas
diferenças, sentimos também, o quanto há de idêntico o mesmo igual.
98
b). A intriga oriental de carácter místico e simbólico
Os mitos são uma conquista relativamente recente do comparativista,
contrariamente aos temas e às imagens. Há meio século, falava-se, por exemplo, a
propósito de Don Juan, “não de mito, mas de lenda.” 120
A literatura comparada limitava-se a seguir o caminho dos folcloristas, que
estudavam os contos, as lendas e os mitos em geral. “A breve histories dês
legendes.” 121põe em lugar de destaque “Fausto e Don Juan”122 tornados pilares da
mitologia comparativista.
Poderá dizer-se que o mito pertence aos folcloristas, aos antropólogos, aos
historiadores da religião e aos sociólogos.
Assim, o estudioso da literatura (neste caso o comparativista), analisaria esquemas
considerados essenciais porque são, antes de mais, fábulas já estruturadas na altura
em que surgiram as primeiras versões literárias, que variavam de uma cultura para
outra, e também de um século para o outro.
Note-se a semelhança que poderá existir com o estudo temático e, por outro lado, a
diferença, sobretudo no que diz respeito ao carácter fixo e esquemático, do material
utilizado no estudo do mito.
As palavras provenientes do país que observa servem para definir o país observado.
As palavras oriundas do país observado são transpostas, sem tradução, na língua, no
espaço cultural e nos textos do país observador (e também no seu imaginário).
Dado que é a escrita sobre a alteridade que estudamos aqui, é importante estar
atento ao que faz a diferença (o próprio versus o outro) ou a assimilação (o outro
semelhante a mim próprio).
Neste segundo caso, são evidentes as vantagens que um estudo, à partida lexical,
pode tirar de noções operatórias como a isotopia e, duma maneira geral, de tudo o
99
que permite passar duma série lexical, dum eixo sémico para outra série, para outro
eixo.
A “imagologia” é um auxiliar ativo da história das ideias e dos estudos de receção,
que dificilmente pode dispensar estes pontos de referência lexicais, para
compreender como se elabora, a partir de alguns vocábulos, um discurso crítico
sobre a literatura do outro.
Para elaborar uma imagem do estrangeiro, o escritor não tem, como se sabe, que
copiar o real: seleciona um certo número de características, de elementos
considerados pertinentes para a sua representação.
É que a imagem do outro serve para escrever, para pensar, para sonhar de outra
maneira, ou seja, no interior duma sociedade e duma cultura estudada, em termos
sistemáticos, o escritor escreve, escolhendo o seu discurso sobre o outro, por vezes
em contradição total com a realidade política do momento.
Talvez tenham sido as dificuldades entre os povos que trouxeram uma proximidade
maior do homem com o lado místico, o que propiciou a energia e a força de que
precisavam para sobreviver.
Além da elaboração de teorias filosóficas, os religiosos do Oriente construíram
importantes templos e locais de adoração, nos quais aplicaram a mais fina arte da
escultura, da ourivesaria, da tapeçaria e da pintura, e onde posteriormente
utilizaram o melhor da sua música, poesia e letras. Por este aspeto percebe-se de
que modo se pode estabelecer a ponte entre a cultura ocidental e as tradições da
ásia, que ainda hoje vigoram na China.
Em “A China Fica ao Lado” este aspeto é facilmente comprovado ao longo dos vários
contos. Por exemplo em “Fong Song”, a noite do tufão, que haveria de levar à morte
a velha Sam-Ku, descendente de família nobre, a quem tinham atado os pés, é vista
sob esta perspetiva de dupla religiosidade:
100
"Noite de loucura entre os princípios da criação. Talvez um ensaio do fim do mundo.
O criador dormia. Chamassem-lhe Tai-Ku ou Padre Eterno. Não entendia. Sumidos os
próprios astros. Só, desamparado, diante do caos, o homem era o único observador
consciente de um espetáculo de deuses.” 123
Os orientais entendem as coisas de outra maneira. Eles conhecem a necessidade da
comunicação contemplativa, mas como a contemplação é, antes de tudo, para o
Oriental, a comunicação com a beleza e como esta é essencialmente gratuita, por
isso não se impõe.
Há vários elementos simbólicos ao longo dos contos, alguns tradicionais da cultura
chinesa, como a cabaia que é o traje tradicional macaense (feminino ou masculino),
normalmente feito de cetim, bordado a fios de ouro e prata e que podia ter vários
motivos, um dos mais usados era o da Fénix com duas flores no bico, símbolo do
princípio feminino e das vestimentas imperiais usadas pelas senhoras macaenses em
épocas festivas.
Este traje é referido em vários contos: em “Os Espelhos”, Miss Carol vestiu uma
cabaia preta para a inauguração da nova sede da congregação Protestante. Em “Ódio
de Raça”, Tai-Ku apesar de ser monja budista vestia a cabaia de seda, símbolo da sua
condição social, imposição ditada pelo pai que não lhe permitia vestir o burel. Em
“Fong-Song” a velha centenária delirava na hora da morte relembrando "a sua
cabaia doirada como o chá da primeira colheita e de seda mais fina que a polpa do
limão”. Símbolo da época áurea da sua vida em “Os Lázaros”, a leprosa A-Mou
preferia as cabaias garridas que davam vida e cor à sua existência de doente. Em
Magia o traje surge novamente envergado pelo adivinho Vong Kei que vestia cabaia
preta e pela freira budista que usava uma cabaia cinzenta caindo solta até aos pés.
Em “A Morta”, a avó de Mei-Lai, não teve mais do que duas cabaias de pano
grosseiro, que demonstram a vida modesta e despojada daquela mulher abnegada
101
que trabalhava no cultivo do arroz e o vendia para dar uma vida melhor aos filhos.
Finalmente, na “Pousada da Amizade” Miss Jane usava cabaia fendida até à coxa,
denotando a sua vertente de mulher sensual e o Sr. Choi, bibliotecário, andava
sempre com a mesma cabaia.
Este vestido tradicional chinês era apertado, o que restringia a liberdade de
movimentos (As mulheres vestidas com cabaia não podiam andar com rapidez, nem
se movimentarem muito). Era uma forma da sociedade controlar as mulheres. A
cabaia era, por isso, um símbolo de uma sociedade dominada pelo homem.
Outro elemento simbólico eram os espelhos que refletiam a verdade, a sinceridade,
e o conteúdo do coração e da consciência. Já Mallarmé afirmara num seu poema:
"Ó espelho! água fria pelo tédio no teu quadro gelado, quantas vezes durante horas,
desolada, dos sonhos e procurando as minhas recordações que são, como folhas sob
o teu vidro no poço profundo, apareci-me em ti como uma sombra longínqua, mas
horror! Certas noites, na tua severa fonte, do meu sonhar disperso conheci a
nudez!”124
Miss Carol tinha o seu quarto revestido de espelhos, sem que alguém, no conto,
percebesse porquê. A autora deixa entender que esta mulher de aspeto amargo e
irritado, se servia deles, como se fossem um escudo, para se proteger.
Ela só se sentia à vontade, na quietude do seu quarto, e só se revelava defronte dos
seus espelhos, devido à sua fragilidade e sensibilidade.
Notas de Rodapé de 5
118. Maria ondina Braga, a China Fica ao Lado, livraria bertrand,S.A.R.L. LISBOA. P15
119. Maria ondina Braga, a China Fica ao Lado, livraria bertrand,S.A.R.L. LISBOA. P19
120. Don Juan,Dom Juan ou le Festin de pierre (1665)
121. Culomar de Grammont, Don Juan ,Fausto E o JuDen ERANTE
102
122. Culomar de Grammont, Don Juan ,Fausto E o JuDen ERANTE
123. Maria ondina Braga, a China Fica ao Lado, livraria bertrand,S.A.R.L. LISBOA. P57
124. Maria ondina Braga, a China Fica ao Lado, livraria bertrand,S.A.R.L. LISBOA. P57
8. CONCLUSÃO
O objetivo deste trabalho é o estudo da imagem da China desde a época dos
descobrimentos até ao século XX.
103
Podemos dizer que antes da época dos descobrimentos a imagem da China era um
mistério para a Europa, de acordo a literatura portuguesa. Depois dos
descobrimentos, a imagem da China tornou-se na de um país de utopia.
Portugal tinha uma opinião diferente ao contrario dos outros países, tinha uma
imagem negativa da China.
Chegados ao século XX, quando a porta da China foi aberta pelas armadas ocidentais,
esta imagem de utopia desmoronou, e tornou-se negativa, situação que se mantém
até aos dias de hoje, uma imagem fraca como aliás a da própria mulher chinesa.
Este é um conceito que transparece na obra de Maria Ondina Braga, intitulada A
China Fica ao Lado. Um livro escrito em 1968, com vários contos, e com muitos tipos
de personagens de mulheres chinesas.
Por um lado, podemos dizer que este tipo de personagens de mulheres chinesas
corresponde à mesma imagem que a China tem ainda hoje em muitos textos da
literatura portuguesa. Por outro lado, a autora Maria Ondina Braga utilizou a
imagem da China, o misticismo, a religião e outros elementos característicos dos
chineses, para ilustrar a sua visão do estatuto universal da mulher.
Ela foi uma autora, não apenas com muitos anos de experiência no Oriente, mas
também com uma forte consciência feminista, queria despertar a atenção da mulher
portuguesa, de maneira a possibilitar a elevação da sua posição na sociedade.
Maria Ondina Braga foi uma escritora portuguesa que também deu uma grande
contribuição nas relações entre Portugal e China, com consequências benéficas para
os dois países, que não devem ser subvalorizadas. A imagem atual da China, que é
negativa, vai evoluir e, quiçá dentro de alguns anos tornar-se positiva, dado que a
maior característica da imagem é a sua natureza dinâmica.
E é esta característica dinâmica da imagem que é fundamental para conhecer o
outro. Quando alguém observa a imagem do outro poderá conhecer-se melhor a si
104
próprio. Através deste estudo tentei conhecer as bases sobre o estudo da imagem e
da literatura comparada.
Há muito tempo que tenho interesse por esta área de estudo, nomeadamente, pelos
métodos dos estudos de imagem, da literatura comparada e especificamente do
orientalismo.
Empregar os métodos citados acima, nesta tese, foi uma tarefa exigente, pois a sua
conciliação revelou-se bastante complexa.
Apesar do meu empenho e do esforço despendido estou consciente que uma tese,
desta natureza, não pode almejar a perfeição. E, assim espero, o primeiro passo para
o aperfeiçoamento do meu conhecimento literário – a aprendizagem só deve acabar,
quando a própria vida findar.
9.Biboliografia
OBRAS De MARIA ONDINA BRAGA
105
BRAGA, Maria Ondina. O Meu Sentir. Braga: Oficinas Gráficas da Livararia Cruz,1949
Almas e Rima. Braga: Oficinas Gráficas PAX, 1952
Eu vim para ver a terra, Lisboa : Agência-Geral do Ultramar,1965
A China fica ao lado. Lisboa, 1967
Estátua de sal. Lisboa, Ulmeiro, 1983
Amor e Morte, Lisboa: Sociedade de Expansão Cultural,1970
Os rostos de Jano, Amadora: Livraria Bertrand,1975
A revolta das palavras, Amadora, Livraria bertrand,1975
A personagem, Amadora, Livraria bertrand,1978
Mulheres Escritoras. Lisboa: Livraria bertrand,1980
Estação Morta. Lisboa: Livraria bertrand,1981
A casa suspensa. Lisboa: Relógio D água, 1982
O homem da ilha e outros contos. Lisboa: Edições ática,1982
Angústia em Pequim. Lisboa: Ulmeiro,1984
Lua de sangue. Lisboa: Edições Rolim,1986
Memórias e mais dizeres. Braga: Biblioteca Pública de Braga,1988
Nocturno emMacau. Lisboa, Editorial Caminho,1991
A Rosa de Jericó, Lisboa, Editorial Caminho,1991
Passagem do Cabo, Lisboa, Editorial Caminho,1994
A filha do juramento. Braga. Autores de Braga,1995 Edição.
TRADUÇÕES DE MARIA ONDINA BRAGA
106
ARTHUR,Ruth,O Retrato de Margarida, Lisboa, Editorial Verbo,1973
BALDWIN,Faith. Todas as Coisas Têm o Seu Tempo. Lisboa.
BERNARD,Raymond. A Terra Oca. Lisboa. Ed.Minerva,s/d
BLACKBURN,Jonh. Um Anel de Rosa. Lisboa. Ed.Minerva,1967
BRAND,Millen. A Esperança dos Vivos,Europa-América,1969
BUCK,Pearl S. A Mãe. Lisboa. Ed.Minerva, sd
CALDWELL, Erskine. Medora. Amadora. Liv. Bertrand,sd
CHAMBERS.Peta. Pode Entrar Sem Bater.Lisboa. ed.Minerva,1969
CHARLES. Teresa. Doente Apaixonada. Lisboa.Ed, Minerva.s
CHARZART, Michel. Georges Sorel e a Revolução dos Sec.XX
CRICHTON. Robert. O Segredo de Santo Vitória. Lisboa Ed. Minerva,1967
DOSTOIEVSKI. Fiodor. O ETERNOMARIDO. Editores Associados.1975
OUTROS TEXTOS CONSULTADOS
Álvaro Manuel Machado, Daniel-Henri Pageaux, Literatura portuguesa ,literatura
comparada e teoria da literatura, Lisboa, Edições 70, 1981
Álvaro Manuel Machado, Daniel-Henri Pageaux, Da literatura comparada à teoria da
literatura, Lisboa, Ed. Presença, lisboa, 2001.
BRAGA, Maria Ondina, Lição de Inglês. Revista de Literaturas Estrangeiras,(em chinês)
107
El gato in Calandrajas, Tradução de Jesus Lobo, 17. Toledo. Diciembre,1987
Cas Engleskog in Dalie. Sarajevo. 1989
A China Fica ao Lado (em chinês). Macau. Instituto Cultural de Macau,1992
«A mulher em Macau e na China: condições, vozes e figuras”. In: Revista de Cultura.
Macau. N.º24 (II Série) Julho/Setembro 1995.
ADAMS, Sandra – “O lugar da mulher no ocidente e no oriente espartilhos versus pés
enfaixados”. In: Revista de Cultura. Macau. N.º 24 (II Série) Julho/Setembro 1995.
BONHEIM,Helmut - The narrative modes : techniques of the short story. Suffolk, UK :
D. S. Brewer, 1982.
MENDES, M.C.; TOUSSAINT, Michel - Macau : cidade memória no estuário do rio das
pérolas. Macau : Governo de Macau, 1985.
CHAVES, José António Garcia de - As vozes das mulheres : uma escrita acerca das
mulheres e das viagens interiores de Maria Ondina Braga.. - [S.l.] : Labirinto, D.L.
2008.
Enciclopédia Verbo Luso-brasileira de cultura. Edição XXI. São Paulo: Editorial Verbo,
1990 KUNDERA, Milan - A arte do romance. Trad. de Luísa Feijó e Maria João
Delgado. - Lisboa : Publ. Dom Quixote, 1988. 96 97
MALLARME, Stéphane -A tarde dum fauno e Um lance de dados/Trad. e pref. de
Armando Silva Carvalho. - Lisboa : Relógio d'Água, 2001.
MARTINS, Lourdes Lãncio; LABORINHO, A. Paula(Org.s) - Colóquio “Macau na Escrita,
escritas de Macau”. Lisboa: Faculdade de Letras, 2008.
Memoriam Maria Ondina Braga. In: DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 2006.
PEREIRA, Luís da Silva; VIEIRA, M. A.; BRAGA, Maria Ondina - Contos de riso e siso :
antologia de contos . Braga: Autores de Braga, 2000.
108
PONTO FINAL. Blog consultado em 15-07-2009, na página:
http://pontofinalmacau1.blogspot.com/2008/11/os-livros-e-os-autores-de-
macau.html. PORTUGAL. ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA – Voto de pesar pela morte da
escritora Maria Ondina Braga (1932-2003). Lisboa: Assembleia da República, 2003.
REIS, Carlos - Dicionário de narratologia. 4.ª ed. rev. e aumentada. - Coimbra : Liv.
Almedina, 1994.
REVISTA DE CULTURA. Macau: Instituto Cultural de Macau. N.º 15
Julho/Agosto/Setembro 1991.
REVISTA DE CULTURA. Macau: Instituto Cultural de Macau. N.º 20 (II Série)
Julho/Setembro 1994.
REVISTA DE CULTURA. Macau: Instituto Cultural de Macau. N.º 24 (II Série)
Julho/Setembro 1995.
REVISTA LUSÓFONA DE EDUCAÇÃO. Consultada no site:
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rleducaca. WIKIPÉDIA: A enciclopédia livre.
Consultada a biografia da autora no site:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Ondina_Braga
109
10. Anexos
110
111
112
UM ENTREVISTA EM SÃO PAULO, BRASIL, 1987
113
O JORNAL DE SÁBADO THINA ESCRITO SOBRE MARIA ONDIA BRAGA EM 1981
114
O JORNAL DE SÁBADO THINA ESCRITO SOBRE MARIA ONDIA BRAGA EM 1981
115
O JORNAL DE SÁBADO THINA ESCRITO SOBRE MARIA ONDIA BRAGA EM 1981
116
O JORNAL DE SÁBADO THINA ESCRITO SOBRE MARIA ONDIA BRAGA EM 1981
top related