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ANATÓLIO MEDEIROS ARCE
O BOLIVARIANISMO NA VENEZUELA DA ERA CHÁVEZ (1999-2013)
DOURADOS (MS) – 2017
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ANATÓLIO MEDEIROS ARCE
O BOLIVARIANISMO NA VENEZUELA DA ERA CHÁVEZ (1999-2013)
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em História
(PPGH), da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD),
como requisito parcial para a obtenção do Título de Doutor em
História.
Área de concentração: Fronteiras, Identidades e
Representações.
Orientador: Professor-doutor Losandro Antônio Tedeschi.
DOURADOS (MS) – 2017
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ANATÓLIO MEDEIROS ARCE
O BOLIVARIANISMO NA VENEZUELA DA ERA CHÁVEZ (1999-2013)
TESE PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – PPGH/UFGD
Aprovada em ______ de dezembro de 2017
BANCA EXAMINADORA
Presidente e Orientador:
Losandro Antônio Tedeschi (Dr., UFGD)_____________________________________
2a Examinadora:
Gabriela Pellegrino Soares (Dra., USP)_______________________________________
3o Examinador:
Marcos Antonio da Silva (Dr., UFGD)_______________________________________
4o Examinador:
Protasio Paulo Langer (Dr., UFGD)__________________________________________
5o Examinador:
Fernando Perli (Dr., UFGD)________________________________________________
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Mirla Alcibíades, a quem dedico esta tese. Mulher, mãe, feminista e
venezuelana. Um gesto de carinho deste jovem a genuína representante da força
de todos aqueles/aquelas que enfrentam as batalhas diárias, sonham com um país
melhor e, muitas vezes, contestam a dura realidade dos países da América
Latina.
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Agradecimentos
A formação espírita não me permite deixar de agradecer a Deus. Portanto, assim
o faço!
Uma tese não surge por acaso. Somente uma pessoa a escreve, mas um número
incontável participa deste processo. Por isso, dividi os agradecimentos em três partes: à
família, aos amigos e, o mais penoso, a todos aqueles que participaram de minha
formação desde fevereiro de 1994, quando entrei na escola, com 5 anos, para ser mais
um aluno “chorão” do pré-escolar na Escola Municipal Clarisse Bastos Rosa.
Meu pai Elecir Ribeiro Arce e minha mãe Euzanete Medeiros da Costa
encabeçam esta lista. Foram meus primeiros professores. Minhas irmãs, Domitilla
Medeiros Arce e Ticiana Medeiros Arce, as colegas de jornada. Meu sobrinho Leonardo
Arce um valoroso aprendizado. A partir deles, agradeço aos meus avós paternos,
Elpídio Ribeiro e Eva Arce, e aos meus avós maternos, Lourdes de Medeiros e Paulino
Costa (in memoriam). Também menciono meus cunhados, Aparecido Montora e Nuno
Bexiga. A partir destas pessoas especiais, estendo meus agradecimentos a toda família,
a do Brasil e a de Portugal, composta por tios, tias, primos e primas.
O que seria de nós sem os amigos! Busco valorizá-los, pois cada um deles
participou desta trajetória. Não há como mencionar a todos, peço perdão aos que por
ventura me esqueci. Começo por Valdinei de Lima, Ênio Ribeiro, Elizeu Cristaldo,
Oslon Carlos, Marcelo Matos, Vinícius Matos e sua família. Ariane Saraiva, Erica
Manari, Regiane Pucker, Kátia Aline, Hávila Borges, Kellen Oliveira, Rubens Rosa,
Francieli Meira, Kezia Pereira, Silvana Nascimento, Rosangela Farias, Vinícius Farah,
Eliane Cristina...
Sem dúvida, as maiores dívidas em que contraí foram as acadêmicas. Muitos
deles podem ser considerados amigos. Mas, começo pela professora Nilza Coimbra, que
me ensinou a ler e escrever em 1994, tarefa nada fácil em se tratando de um aluno
introvertido, gago e canhoto. Pela senhora Coimbra, reverencio a todos os homens e
mulheres que foram meus professores até 2005, quando concluí o Ensino Médio. Em
nome de Alzira Menegat e André Faisting, agradeço a todos os docentes do curso de
Ciências Sociais. Uma saudação especial ao professor Marcos Antonio da Silva,
primeiro que me incentivou no estudo das questões políticas da América Latina.
No mestrado em História adquiri aprendizado e experiência. Agradeço aos
docentes e colegas da turma de 2011, em especial aos professores Paulo Cimó,
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Linderval Monteiro, Guillermo Johnson e Ceres Moraes. Aos colegas Maurício Lemes e
Mathiel da Silva. No doutorado agradeço aos colegas da turma de 2014, Ana Paula
Dias, Fernando Castro Além, Fernando Anjos e Jocimar Lomba. Também aos
professores Ana Maria Colling, Thiago Cavalcante e Anibal Herib Caballero Campos.
Poderia escrever várias páginas falando da honra de ser orientado pelo professor
Losandro Tedeschi. Porém, me limito a dizer um Muito Obrigado e expressar minha
eterna gratidão por este período de imenso aprendizado, com críticas e sugestões no
tocante a tese. Coloco o senhor Tedeschi no patamar de um autêntico educador e figura
comprometida com o desenvolvimento de uma historiografia dotada de capacidade
transformadora na América Latina. Tratou-se de alguém que exerceu o papel além de
orientador, é uma figura a se inspirar nas batalhas futuras.
Menciono os amigos e contatos que fiz em Caracas. Eles foram importantes. Por
meio deles, dispus de amplo acesso à Biblioteca Nacional (BN). Em nome de Orlando
Soto, estendo meus agradecimentos a todos os funcionários da instituição. O êxito com
as fontes venezuelanas foi possível graças a Mirla Alcibíades, a quem expresso
profundo agradecimento. Literata, mulher e mãe de Francisco Javier e tia de Sophia
Morales, señora Alcibíades me auxiliou e me hospedou em sua casa. Por seu
intermédio, conheci o historiador venezuelano Germán Carrera Damas que me recebeu
em seu apartamento, em 15 de abril de 2015. Em entrevista foi possível conhecer
melhor a amplitude do culto a Bolívar na Venezuela. Sem dúvida um aprendizado ao
ouvir alguém que estuda o tema há mais de 40 anos.
Agradeço aos professores que fizeram parte das bancas de qualificação e defesa.
Começo pela professora Gabriela Pellegrino, que encontrou um espaço em sua agenda e
gentilmente aceitou participar. Em seu nome, agradeço aos demais docentes: Fernando
Perli, Protasio Paulo Langer, Marcos Antonio da Silva e Losandro Tedeschi e o suplente
Leandro Baller. Por fim, expresso minha gratidão a duas instituições: Universidade
Federal da Grande Dourados (UFGD) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Ensino Superior (CAPES). Essa última forneceu uma bolsa que me proporcionou,
por meio de R$ 2.200 mensais, dedicar-me a tese com mais tranquilidade.
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Resumo
O bolivarianismo pode ser caracterizado como o culto a Simón Bolívar, figura histórico-política
elevada à categoria de Libertador e herói nacional pela historiografia da Venezuela. Desde
1842, o culto a este personagem da Independência vem sendo um instrumento, utilizado por
grupos políticos, para ascender e se manter no poder. Todos os presidentes venezuelanos, em
distintos graus de intensidade, prestaram homenagens e reverências ao prócer. A partir desta
premissa, a tese possui o objetivo de analisar o culto ao Libertador durante o governo do
presidente Hugo Chávez, no poder de 1999 a 2013. Com base nas fontes, a tese sustenta que no
governo de Chávez houve a construção de um bolivarianismo ressignificado, demonstrado pela
retórica do presidente e influenciada pela ação do tempo histórico. Tratou-se de uma ruptura,
pois Chávez se posicionava no cenário político como alguém ‘distinto’ de seus antecessores.
Porém, esta ruptura não atingiu os propósitos pelos quais o culto tem sido usado ao longo da
história, ou seja, Chávez manteve o bolivarianismo com os mesmos propósitos de seus
antecessores: ascender e se manter no poder. Esta tese se ancorou em diversas fontes, recolhidas
online e in loco na Venezuela. As principais foram os discursos do presidente Chávez, forma
mais usual de perceber como o regime construiu sua retórica bolivariana e matérias publicadas
nos jornais Correo del Orinoco (porta-voz do regime) e Folha de S. Paulo (crítico). A maneira
como o presidente utilizou o culto foi um dos principais instrumentos de mobilização social em
torno do presidente. Isso o permitiu vencer praticamente todas as eleições, plebiscitos e demais
consultas populares realizadas ao longo de 14 anos. Submeter-se ao crivo de sufrágios foi uma
das estratégias adotada por Chávez para se relegitimar na presidência e aprovar suas políticas.
Por isso, o culto a Bolívar desempenhou importante função na manutenção de Chávez e seu
grupo político no poder.
Palavras-chave: Bolivarianismo; Culto; Hugo Chávez; Simón Bolívar; Venezuela;
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Abstract
The Bolivarianism is the cult of Bolívar, a political-historic symbol raised to Liberator and
national hero level by Venezuelan historiography. Since 1842, the cult for this Independence
process figure has been a tool, used by political groups, to ascend and keep the position into the
power. All the Venezuelans president, too many acuteness, honored and reverenced Bolívar.
From this point, the thesis has the aims to analyze the cult of Bolívar during Hugo Chávez
administration, on office between 1999 and 2013. By the sources the thesis supports that
Chávez’s administration had built a meaningless Bolivarianism. It was demonstrated by
presidential rhetoric and influenced for historic action. There was a rupture because Chávez
took place on political arena like someone ‘different’ in relation to predecessors. Meanwhile,
this rupture was incapable to change the intension to which the Bolivarianism has been used
throughout history. Chávez kept the cult of Bolívar function like the predecessors: ascend and
keep into the power. This thesis is based on many sources gathered online and in loco in
Venezuela. The main of them was President Chávez speeches, the easiest way to perceive how
Chávez’s regime built the Bolivarian rhetoric and articles published on newspapers like Correo
del Orinoco (government supporter) and Folha de S. Paulo (opposition). The way how the
president used the cult was one of the means tools of social mobilization around the Chávez.
This permitted him to win almost all elections and popular referendums realized over 14 years.
Submitting to suffrages was a strategy adopted by Chávez to remain on the presidential office
and indorsed the regime’s politics. Thus, the cult of Bolívar played an important role to keep
Chávez and him political group into the power.
Keywords: Bolivarianism; Cult; Hugo Chávez; Simón Bolívar; Venezuela;
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Resumen
El bolivarianismo es caracterizado como el culto a Simón Bolívar, personaje histórico-político
alzado al rango de Libertador y héroe nacional por la historiografía de Venezuela. Desde 1842,
el culto a este personaje de la Independencia ha sido un instrumento, utilizado por grupos
políticos, para ascenderse y mantenerse en el poder. Todos los presidentes venezolanos, en
distintos grados de intensidad, rindieron homenajes y reverencias al prócer. Bajo esta premisa,
la tesis posee el objetivo de analizar el culto al Libertador durante el gobierno del presidente
Hugo Chávez, en el poder entre 1999 e 2013. Fundamentado en las fuentes, la tesis sostiene que
en el gobierno de Chávez hubo la construcción de un bolivarianismo resignificado, demostrado
por la retórica del presidente e influenciada por la acción del tiempo histórico. Hubo una
ruptura, pues Chávez se posicionaba en el escenario político como alguien ‘distinto’ de sus
antecesores. Sin embargo, la ruptura tuvo sus límites, pues no logró cambiar la finalidad por la
cual el culto ha sido utilizado en la historia, es decir, Chávez mantuvo el bolivarianismo con los
mismos propósitos de sus antecesores: ascenderse y mantenerse en el poder. Esta tesis se
fundamentó en distintas fuentes, buscadas online e in loco en Venezuela. Las principales fueron
los discursos del presidente Chávez, forma más aclarada de percibir como el régimen construyó
su retórica bolivariana, y artículos publicados en periódicos como Correo del Orinoco
(oficialista) y Folha de S. Paulo (crítico). La manera como el presidente utilizó el culto fue una
de las principales herramientas de movilización social alrededor del presidente. Eso lo permitió
vencer casi todas las elecciones, plebiscitos, referendos y otras consultas populares realizadas a
lo largo de 14 años. Someterse al sufragio fue una de las estrategias adoptadas por Chávez para
relegitimarse en la presidencia y aprobar sus políticas. Por eso, el culto a Bolívar desempeñó
importante rol en la manutención de Chávez y su grupo político en el poder.
Palabras-clave: Bolivarianismo; Culto; Hugo Chávez; Simón Bolívar; Venezuela;
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Résumé
Le bolivarianisme peut être défini comme le culte a Simon Bolivar, une figure historique et
politique qui a été augmenté au catégorie de Libérateur et héros nationale pour la
historiographie vénézuélienne. Depuis 1842, le culte a cette personnage de l'Indépendance s'est
devenu un instrument, utilisé par les groupes politiques, pour accéder et continuer au pouvoir.
Tous les présidents vénézuéliennes, en différents intensités, ont rendu l'hommage et la révérence
au Bolivar. Après cette prémisse, la thèse a l'objective d'expliquer le culte au Libérateur pendent
le gouvernement du président Hugo Chávez, dans le pouvoir de 1999 a 2013. Désormais les
sources historiques, la thèse soutient que dans le gouvernement de Chávez a eu la construction
d'un bolivarianisme signifié. Il l'a démontré a travers de la rhétorique du président et influencé
par l'action du temps historique. C'était une rupture parce que Chávez s'est positionné dans le
scène politique comme l'homme 'différent' devant leurs prédécesseurs. Cependant, cette rupture
s'est limitée aux mêmes but qu'ils avaient utilisé tout au long de l'histoire. Chávez a maintenu le
bolivarianisme avec les mêmes but de leurs prédécesseurs : accéder et continuer au pouvoir.
Cette thèse se fondement aux discours du président Chávez, la forme plus commun de percevoir
comment le régime a construit la rhétorique bolivarienne et les articles publiés par les journal
Correo del Orinoco (la porte-parole du régime) et Folha de S. Paulo (critiqué). La forme
comme le président a utilisé le culte l'a été des instruments aux mobilisations sociales autour du
président. Ceci lui a permit vaincre presque tous les élections et référendum réalisé pendent 14
ans du domaine. Aussitôt, le culte au Bolivar a joué l'importante rôle au Chávez et lui groupe
politique a la présidence.
Mots-clef : Bolivarianisme ; Culte ; Hugo Chávez ; Simon Bolivar ; Venezuela ;
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Lista de Ilustrações
IMAGEM 1 – Mapa da Capitania Geral da Venezuela de 1805............................................p.277
IMAGEM 2 – Mapa atual da Venezuela................................................................................p.277
IMAGEM 3 – Simón Bolívar.................................................................................................p.278
IMAGEM 4 – La Muerte del Libertador…………………………………………………....p.278
IMAGEM 5 – Tenente-coronel Hugo Chávez.......................................................................p.279
IMAGEM 6 – Chávez mostra o rosto de Simón Bolívar.......................................................p.279
IMAGEM 7 – Chávez ‘entrega’ a espada a Simón Bolívar e ambos são ‘amparados’ por Jesus
Cristo no ‘céu’.........................................................................................................................p.280
IMAGEM 8 – Panteão Nacional da República Bolivariana da Venezuela............................p.280
IMAGEM 9 – Entrevista com o historiador venezuelano Germán Carrera Damas...............p.281
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Lista de Tabelas
Tabela 1 – Preço do Barril de Petróleo no mercado internacional (1998-2013)....................p.276
Tabela 2 – Resultados de Eleições Presidenciais (1998/2000/2006/2012)............................p.276
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Lista de Abreviaturas e Siglas
3D – Terceira Dimensão
AD – Ação Democrática (partido político)
AGN – Arquivo Geral da Nação
ANC – Assembleia Nacional Constituinte
ANH – Academia Nacional de História
BCV – Banco Central da Venezuela
BN – Biblioteca Nacional
CD – Coordenadora Democrática (coalizão opositora a Chávez)
CNE – Conselho Nacional Eleitoral
COMACATE – Coronéis, Majores, Capitães e Tenentes (abreviações)
Copei – Comitê de Organização Político-Eleitoral Independente (partido político)
CTV – Confederação dos Trabalhadores da Venezuela
DNA – Deoxyribonucleic Acid
EBR-200 – Exército Bolivariano Revolucionário 200
Fedecámaras – Federação de Câmaras (sindicato patronal)
Globovision – Emissora de TV da Venezuela
LIT-CI – Liga Internacional de los Trabajadores-Cuarta Internacional
MBR-200 – Movimento Bolivariano Revolucionário 200
Mercal – Mercados y Alimentos (Missão Social implantada na era Chávez)
MTB – Mycobacterium Tuberculosis
MUD – Mesa de Unidade Democrática (coalizão de partidos opositores a Chávez)
MVaR – Movimento Quinta República (coalizão de partidos apoiadores a Chávez)
Oficialista – Aliado do governo
PCV – Partido Comunista da Venezuela
PDVSA – Petróleos de Venezuela Sociedad Anónima (estatal petrolífera)
PJ – Primero Justicia (partido político)
PODEMOS – Por la Democracia Social (partido político)
PPT – Partido Pátria para Todos
PSUV – Partido Socialista Unido de Venezuela
RCTV – Radio Caracas de Televisão
TSJ – Tribunal Supremo de Justiça
Tves – Televisora Venezolana Social
UCV – Universidade Central da Venezuela
UNESCO – United Nations Education, Scientific and Cultural Organization
UPV – União Popular Venezuelana (partido político fundido ao PSUV)
URD – União Republicana Democrática (partido político)
US$ – Dólares Norte-americanos
VTV – Venezolana de Televisión (canal estatal)
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Sumário
Lista de Ilustrações..................................................................................................................p.12
Lista de Tabelas.......................................................................................................................p.13
Lista de Abreviaturas e Siglas................................................................................................p.14
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................p.17
CAPÍTULO 1 – Bolívar e o bolivarianismo na história e na historiografia da
Venezuela.................................................................................................................................p.29
Introdução..................................................................................................................................p.29
1.1 – Simón Bolívar e a Independência da Venezuela..............................................................p.29
1.2 – De um culto de um povo a um culto para o povo: o bolivarianismo na historiografia
venezuelana...............................................................................................................................p.45
Considerações finais do capítulo...............................................................................................p.59
CAPÍTULO 2 – As bases do culto a Bolívar na Venezuela da era Chávez........................p.61
Introdução..................................................................................................................................p.61
2.1 – O comandante-presidente e o bolivarianismo militar.......................................................p.62
2.2 – Entre o ‘letrado’ e o ‘popular’: a confluência bolivariana de Chávez..............................p.76
2.3 – Dramaticidade e historiografia: o ‘assassinato’ de Simón Bolívar..................................p.89
2.4 – Um mestiço de nariz ancha: o Simón Bolívar do presidente Hugo Chávez..................p.106
Considerações finais do capítulo.............................................................................................p.119
CAPÍTULO 3 – Hugo Chávez como o continuador da obra de Simón Bolívar..............p.121
Introdução................................................................................................................................p.121
3.1 – A tentativa de golpe de Estado em 1992: um por ahora a Bolívar e uma vitória a
Chávez.....................................................................................................................................p.122
3.2 – O Poder Constituinte: a institucionalização da República Bolivariana na Venezuela...p.138
3.3 – O golpe de 2002: a reação contra o projeto atribuído a Simón Bolívar.........................p.149
Considerações finais do capítulo.............................................................................................p.161
CAPÍTULO 4 – A exploração do culto a Bolívar como vantagem eleitoral a Chávez:
eleições e referendos na Venezuela bolivariana..................................................................p.163
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Introdução................................................................................................................................p.163
4.1 – O Referendo Revocatório de agosto de 2004: o triunfo de Bolívar e a vitória de
Chávez.....................................................................................................................................p.164
4.2 – A Reforma Constitucional de dezembro de 2007: nem sempre “Bolívar vence”..........p.181
4.3 – A reeleição sem limites: um referendo para manter o ‘segundo Libertador’ na presidência
da República............................................................................................................................p.205
4.4 – Eleições e comoção social: Bolívar e Chávez nas presidenciais de 2012......................p.226
Considerações finais do capítulo.............................................................................................p.247
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................p.249
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................p.256
ANEXOS................................................................................................................................p.276
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INTRODUÇÃO
Hugo Rafael Chávez Frías foi presidente da Venezuela de 2 de fevereiro de 1999
a 5 de março de 2013. Tratou-se de um período extremamente longo, se comparado com
outros presidentes de nações latino-americanas da mesma época, pois foram 14 anos,
um mês e três dias na presidência da República.
Este período histórico pode apresentar duas denominações: era Chávez e
Revolução Bolivariana. O primeiro se limita a definir os 14 anos em que Hugo Chávez
esteve no poder; o segundo denomina o processo político desencadeado após sua
ascensão à presidência, ou seja, se refere às políticas implantadas pelo regime, sua
Constituição, regras e demais ordenamentos, dinâmica social e relação Estado-
sociedade civil. Em certa medida, a Revolução Bolivariana continua (com revezes) até o
presente momento (2017) por meio do presidente Nicolás Maduro, escolhido por
Chávez para sucedê-lo alguns meses antes de morrer1.
Entre 1999 e 2013, a Venezuela passou por transformações estruturais que
refletiram em distintos âmbitos desta sociedade. De certa maneira, tais mudanças foram
viabilizadas pela capacidade do presidente em agregar apoio político e popular em torno
delas, como uma forma de conter a crise econômica, política e social, vivida pelo país
desde a década de 1980. A ampliação dos mecanismos de participação popular,
estabelecidos pela Constituição promulgada em 1999, possibilitou a grande maioria
destas mudanças. Por meio dos inúmeros referendos, plebiscitos e demais consultas
populares, realizados entre 1999 e 2013, Chávez construiu uma maioria capaz de
relegitimá-lo no poder e de respaldar a maioria das políticas implantadas pelo regime.
No entanto, estas vitórias também foram viabilizadas devido a um estilo próprio
de condução presidencial, perceptível em três estratégias adotadas por este presidente:
reforçar a tese de que a Venezuela era a pátria de Simón Bolívar, ao conferir
notoriedade e ressignificar o culto à figura do herói da Independência venezuelana;
vislumbrar no petróleo e na diplomacia petroleira uma estratégia para aumentar o poder
de influência da Venezuela no âmbito regional, bem como construir a retórica da
unidade nacional em torno de seu nome; e, por fim, chamar atenção da mídia
internacional, ao ser informal para com autoridades estrangeiras, utilizar frases
1. Em razão da abrangência cronológica proposta por esta tese, isto é, restringe-se a analisar o período em
que Chávez esteve no poder, ambos os termos serão tratados como sinônimos.
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polêmicas, ao cantar, dançar e contar piadas e, por fim, ao desferir bravatas contra
líderes das potências mundiais, sobretudo aos presidentes norte-americanos.
Contudo, a ascensão de Chávez ao poder não se limitou a instituir uma nova
postura de condução presidencial ou a alterar a realidade estrutural da Venezuela,
embora estes pontos devam ser considerados em qualquer análise que abarque este
período. Houve uma mudança no tocante a visibilidade do país no âmbito internacional.
Com a chegada do ex-militar ao Palácio de Miraflores2, a imprensa em nível mundial
passou a conferir visibilidade maior à Venezuela e a seus acontecimentos políticos. Isso
já caracteriza uma importante mudança. Embora a abordagem feita pela grande maioria
dos meios de comunicações ao redor do mundo fosse superficial, pois enfatizava o lado
‘excêntrico’ de Chávez, sua enorme devoção a Bolívar, a maneira pouco protocolar de
se dirigir às autoridades estrangeiras e sua rispidez em relação aos Estados Unidos; tudo
isso contribuiu para tornar a Revolução Bolivariana conhecida em nível internacional e
mais discutida no âmbito acadêmico.
Entretanto, ainda assim haviam poucas pesquisas acadêmicas sobre a Venezuela,
sentidas na dificuldade de entender e/ou explicar dois acontecimentos cruciais à
reflexão de sua história recente: a tentativa de golpe de Estado de fevereiro de 1992,
comandada pelo então tenente-coronel Chávez; e no golpe de Estado contra o já
presidente Hugo Chávez em abril de 2002. No primeiro caso, a dificuldade estava em
explicar como um militar golpista pôde angariar tanto apoio popular após uma tentativa
violenta de chegar ao poder. No segundo, a barreira estava em explicar como conseguiu
retornar à presidência, pois a forma em que foi descrito este acontecimento indicava que
não mais voltaria ao cargo, pois havia perdido o respaldo das Forças Armadas.
Ao considerar estes questionamentos, os acontecimentos ocorridos durante a
Revolução Bolivariana despertaram um maior interesse em estudar a realidade deste
país. Isso porque, nas pesquisas sobre a América Latina, a Venezuela vem sendo pouco
estudada, se for comparado com o volume de pesquisas realizadas sobre outras nações
latino-americanas, a exemplo de Brasil, Argentina, México, Chile e, principalmente,
Cuba. A maioria das análises econômica, política, histórica, sociológica, etc. sobre a
Venezuela são realizadas por pesquisadores deste país e norte-americanos, a maioria
deles situados em centros de pesquisas dos Estados Unidos e voltados à análise da
exploração e comercialização do petróleo.
2. Sede do governo da Venezuela desde 1900.
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No caso do Brasil, a escassez de pesquisas sobre este país vizinho pode ser
explicada pelo histórico de relativo distanciamento político-diplomático alimentado por
ambas as partes; pelo desinteresse brasileiro em adquirir petróleo venezuelano, uma
realidade que somente começou a ser superada na década de 1990; e, principalmente,
em razão das poucas traduções de livros de autores venezuelanos para a língua
portuguesa. É muito difícil encontrar uma obra de algum historiador, sociólogo,
economista, filósofo ou literata venezuelano traduzida ao português, sendo inevitável
que o pesquisador brasileiro interessado neste tema domine os idiomas espanhol e
inglês para ter acesso às fontes e demais referências bibliográficas.
Esta situação refletiu de igual maneira para que houvesse poucas pesquisas sobre
a Venezuela escritas neste idioma. Intelectuais venezuelanos, como Germán Carrera
Damas, Elías Pino Iturrieta, Manuel Caballero, Margarita Lopez Maya, Edgardo
Lander, Inés Quintero, dentre outros, são raramente conhecidos e estudados no Brasil, o
que dificulta o entendimento dos fenômenos sociais particulares à Venezuela. Por isso,
ao desconhecer a historiografia venezuelana, torna-se complicado compreender o
porquê do presidente Hugo Chávez ter sustentado determinada postura enquanto figura
pública, sobretudo no tocante ao culto a Simón Bolívar, tema estudado por esta tese e,
conforme pontua Carrera Damas, ‘o assunto mais fecundo da historiografia nacional’.
No Brasil, a Venezuela permaneceu durante muito tempo um país pouco
estudado no meio acadêmico, que priorizava as pesquisas sobre os vizinhos da Bacia do
Prata (Argentina, Paraguai e Uruguai) e de Cuba. O superficial conhecimento da história
e da historiografia fez com que Simón Bolívar fosse visto como uma figura distante. O
fato do legado histórico de Bolívar ser receptível a variadas interpretações também
contribui para este processo, mas a escassez de estudos legitima um pensamento que
não trata o culto ao Libertador no patamar de um fenômeno histórico-político essencial
ao entendimento da dinâmica social da Venezuela. Sendo assim, minimiza-se a
significativa capacidade que o bolivarianismo possui de influenciar no debate político-
eleitoral em favor de determinada figura, no caso analisado o presidente Chávez.
Ao considerar os argumentos expostos acima, justifica-se a necessidade desta
tese, pois o referido tema contribui para preencher uma lacuna nas pesquisas sobre a
América Latina produzidas em universidades do Brasil. Ademais, objetiva-se contribuir
com o debate sobre este país, tornando a Venezuela um pouco menos desconhecida no
meio acadêmico brasileiro.
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Por outro lado, o fato de ser uma tese produzida em uma universidade não
venezuelana, escrita por um pesquisador não nascido neste país e que tampouco estudou
em seu sistema educacional, traz implicações à maneira como o objeto e suas
problemáticas são abordadas. Isso é potencializado em razão desta tese tratar sobre o
culto ao Libertador Simón Bolívar, fenômeno portador de um considerável poder de
mobilização sócio-política na Venezuela.
Provavelmente, uma análise de alguém que nasceu, cresceu e estudou fora da
Venezuela, ou seja, afastado da influência do culto desde tenra idade, não vislumbrará
este fenômeno da mesma maneira que um pesquisador venezuelano, ainda que ambos
utilizassem os mesmos referenciais teórico-metodológicos. Isso porque, para um
estrangeiro, produzir estranhamento e distanciamento do culto ao Libertador constitui
uma tarefa menos penosa. Portanto, sem hierarquizar as inúmeras leituras possíveis de
serem feitas sobre a Venezuela bolivariana, trata-se de um ponto de vista de um
pesquisador de um determinado país (no caso, Brasil) sobre outro país ‘estrangeiro’.
Pesquisar a Venezuela durante a Revolução Bolivariana também é lidar com um
tema controverso. Enquanto figura histórico-política, Chávez costuma despertar
extremos em muitos daqueles que o analisa, pois possibilita tanto críticas vorazes
quanto defesas efusivas. Isso se tornou mais evidente após denominar como ‘de
esquerda’ a Revolução que comandava e se aproximar de Fidel Castro. Se por um lado
manter intensas relações com Cuba provocaram desconfianças, críticas e o rechaço das
forças políticas hegemônicas em nível mundial, por outro, ganhou defensores entre
líderes políticos, intelectuais e artistas identificados com o regime cubano. Ou seja,
tornou-se difícil se posicionar de forma indiferente ante o processo bolivariano.
Todos estes pontos atingem maior notoriedade quando a tese também se ocupa
do um assunto extremamente sensível à sociedade venezuelana: o culto aos heróis da
Independência, no caso a Simón Bolívar. Elevado à categoria de herói nacional e objeto
de um culto construído desde o período de formação da República no século XIX, o
Libertador constitui o assunto mais fecundo da historiografia nacional. Ao ser analisado
sob a perspectiva da abordagem do presidente Hugo Chávez, ou seja, do papel ocupado
pelo culto a Bolívar em sua Revolução, isto tende a se potencializar. A sensibilidade e
complexidade do tema tratado nesta tese pôde ser sentida em visita à Venezuela.
Qualquer estrangeiro que chegue ao país, ao desembarcar no Aeroporto de Maiquetía e
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tomar um ônibus para subir rumo à Caracas3, rapidamente percebe a enorme presença
dos símbolos nacionais. No caso analisado, trata-se de pinturas, estátuas, fotos, gravuras
e pichações de Chávez, Bolívar, artistas populares e heróis da Independência. Eles
influenciam no cotidiano do país, pois estão localizados em locais visivelmente
estratégicos como praças, viadutos, ônibus, vans, metrô, dentre outros espaços públicos.
Todas estas impressões foram reforçadas ao entrevistar o historiador Germán
Carrera Damas. Ao receber este pesquisador e a escritora Mirla Alcibíades em sua casa
em Caracas, na manhã de 15 de abril de 20154, sustentou a ideia de que a consciência
histórica da nação havia sido ‘substituída’, no processo de formação do Estado Nacional
no século XIX, pelo culto aos ‘heróis libertadores’, algo mantido ao longo do tempo.
Portanto, o país foi incapaz de romper com a exploração da figura de Bolívar e dos
demais próceres da Independência com o propósito de sustentar grupos políticos no
poder5.
É preciso enfatizar que o culto e a exploração de ‘heróis’ não são fenômenos
exclusivos da Venezuela. Contudo, para fins desta tese, durante a Revolução
Bolivariana, os cultos e os símbolos pátrios ocuparam um papel estratégico na
manutenção do regime. Ou seja, foi utilizado de forma eficaz pelo grupo no poder
naquele momento para manter sua posição no comando do Estado. Portanto, o culto a
Bolívar é um fenômeno histórico-político de raízes antigas na Venezuela e sua
exploração vem sendo legitimada pela historiografia nacional e relegitimada pelos
sucessivos governos ao longo da história. Praticamente todos os presidentes, sobretudo
aqueles que mais tempo permaneceram no poder e que possuíam identificação com as
Forças Armadas, prestaram homenagens e reverências ao Libertador da Venezuela, com
o propósito de se ‘parecer’ com Bolívar, ou o mais próximo de imitá-lo.
É possível constatar que a exploração do culto a Bolívar é utilizada para
legitimar interesses políticos de grupos no poder na Venezuela desde 1842, conforme
será exposto nos capítulos abaixo. Porém, uma tese de doutorado precisa trazer
discussões inovadoras, ainda que se proponha a discutir a era Chávez sob o aspecto do
culto a Bolívar, fenômeno de raízes antigas no país. Por isso, a problemática desta tese
3. A cidade de Caracas se localiza em um vale rodeado pelo Monte Ávila. Trata-se de uma barreira
natural à cidade fundada em 1557 com o nome de Santiago de León de Caracas. Mas, esta especificidade
dificulta a existência de um aeroporto de grande porte dentro da cidade, por isso ele está localizado em
Maiquetía, no estado Vargas, há cerca de 35 quilômetros do centro de Caracas. Para chegar e sair da
capital rumo ao Aeroporto, passa-se por vários túneis que ‘cortam’ as montanhas.
4. Ver: Anexo, Imagem 9.
5. CARRERA DAMAS, Germán. Entrevista concedida ao autor. Caracas, 15 de abril de 2015. Ver:
Anexo, Imagem 9.
22
se fundamenta em duas questões que orientarão as discussões ao longo do texto: em que
se legitima as bases do culto a Bolívar na era Chávez? Durante a Revolução houve a
emersão de um novo bolivarianismo na Venezuela?
Conforme será possível vislumbrar ao longo do texto, Hugo Chávez
fundamentou as bases de sua versão do culto em quatro pontos: o bolivarianismo
militar, por meio do papel estratégico ocupado pelas Forças Armadas no cenário
político e na manutenção de Chávez no poder; a confluência entre as versões letrada e
popular do culto, com a qual moldou a retórica do regime ao popularizar alguns
aspectos do culto e institucionalizar outros; o aprofundamento da dramatização da
figura de Bolívar através do esforço em comprovar que o prócer havia sido assassinado,
não morrido de tuberculose; e a reconstrução facial do que supostamente havia sido o
rosto do Libertador, com o propósito de torná-lo fisicamente parecido com Chávez.
Estes quatro pontos, por sua vez, refletiram na postura do presidente. Ele se
posicionou no cenário político como um continuador da obra de Simón Bolívar, que
havia sido iniciada no século XIX, mas retomada a partir da insurreição militar de 1992
e confirmada por meio da promulgação de uma Constituição (1999), que em seus
dispositivos reivindicava o legado de Bolívar. Como resultado, uma versão do culto
favorável e ‘própria’ do regime foi um importante instrumento na formação de uma
ampla vantagem eleitoral a Chávez. Isso viabilizou a vitória em 4 eleições presidenciais
e em praticamente todos os referendos, plebiscitos e demais consultas populares
realizadas entre 1999 e 2013.
No tocante a segunda questão, ou seja, se houve ou não a emersão de um ‘novo’
bolivarianismo na Venezuela da era Chávez, a resposta é afirmativa. Conforme será
possível perceber ao longo da tese, houve a emersão de uma nova forma de representar
o herói da Independência. No entanto, isso não significou uma ruptura nos objetivos em
que o Libertador havia sido utilizado ao longo da história. Embora o Bolívar de Chávez
não fosse o mesmo Bolívar de seus antecessores, pois a ação do tempo histórico não o
permitiu se apropriar da mesma leitura de Bolívar feita pelos antecessores, em sua
gestão o culto ao Libertador foi utilizado com a mesma finalidade que vinha sendo
usada desde 1842: ascender e se perpetuar no poder e dominar o cenário político.
A finalidade deste fenômeno histórico-político se tornou ainda mais nítida ao
pesquisador após viagem à Venezuela em abril de 2015, ocasião em que adquiriu fontes
na Biblioteca Nacional da Venezuela e conversou com vários cidadãos do país, tanto
defensores quanto críticos do regime.
23
Em qualquer pesquisa séria de história, ainda mais em uma tese de doutorado, é
imprescindível uma discussão no tocante as fontes utilizadas para fundamentar os
argumentos levantados ao longo do texto. Faz-se necessário salientar quais foram, como
elas foram produzidas, em qual contexto e a partir de qual ator político-social. Ou seja,
de onde ‘fala’ determinada fonte. Estes questionamentos influenciam na natureza da
fonte e no que ela pretende demonstrar.
Esta tese de doutorado se fundamenta em fontes produzidas no Brasil e na
Venezuela, sendo três delas as mais frequentemente utilizadas: discursos,
pronunciamentos e demais intervenções públicas do presidente Hugo Chávez; discursos,
cartas e proclamas de Simón Bolívar; e matérias publicadas em dois jornais de grande
circulação no Brasil e na Venezuela: o Folha de S. Paulo e o Correo del Orinoco.
Os discursos do presidente Chávez estão disponíveis online6 e exigem paciência
e perspicácia para analisá-los. Paciência porque são extensos, não sendo possível lê-los
em sua totalidade, pois abarcam um período de 14 anos. Perspicácia para selecionar
aqueles que se referem ao tema estudado para possibilitar a reflexão e a fundamentação
dos argumentos expostos nesta tese. Isso porque este tipo de fontes, ou seja, discursos,
pronunciamentos e intervenções públicas, apresentam particularidades e devem ser
analisadas com o rigor historiográfico exigido a qualquer tipo de fonte, ainda mais por
se tratar de líderes políticos que se destacaram como exímios oradores.
De acordo com Albuquerque Junior (2012), no campo da história os discursos e
pronunciamentos objetivam materializar na narrativa do passado os personagens que
dela fizeram parte, com o propósito de beneficiar quem está os utilizando no momento.
Os discursos e pronunciamentos tem [...] a função de tornar o passado
e seus personagens vivos [...] aparecem, então, como forma de
intervenção, de participação nas decisões que levaram a história a um
dado desfecho7.
Parte-se deste princípio ao analisar os discursos de Chávez em relação a Bolívar.
Cada um de seus discursos e pronunciamentos tiveram um objetivo específico e, ao se
fundamentarem no passado, visavam atingir algo para aquele exato momento em que foi
proferido.
Na perspectiva lançada por Albuquerque Junior, os discursos e pronunciamentos
de Chávez, Simón Bolívar e de outros líderes políticos devem ser analisados levando
6. Por meio do site: www.todochavez.gob.ve.
7. ALBUQUERQUE JUNIOR., Durval Muniz. A dimensão retórica da historiografia, p.223-249.
24
em consideração a época em que foram produzidos, as motivações e as circunstâncias
políticas, econômicas e sociais que os viabilizaram8. Os discursos, cartas e proclamas de
Simón Bolívar também se encontram disponíveis online9, pois trata-se de um
personagem histórico-político bem documentado. Mas, para fins desta análise, foram
selecionados os principais documentos referentes ao Libertador, como o Discurso de
Angostura (1819), a Carta da Jamaica (1815) e os documentos de Bolívar utilizados
pelo presidente Chávez no intuito de fundamentar seu bolivarianismo.
Esta não é uma tese sobre Simón Bolívar, mas sobre o bolivarianismo na era
Chávez. Sendo assim, os discursos, cartas e proclamas do Libertador utilizados são
aqueles referenciados por Chávez. Na maioria das vezes, problematizados com o
propósito de ‘descontruir’ o discurso de Chávez com base nas fontes históricas,
conforme será possível perceber ao longo do texto.
No tocante à fonte jornalística, ou seja, as matérias publicadas nos periódicos
Folha de S. Paulo e Correo del Orinoco, elas foram analisadas seguindo o máximo
rigor historiográfico, pois, trata-se de um tipo de fonte com perfil inexato e totalmente
“tendenciosa”. Portanto, os especialistas apontam que, na maioria dos casos,
As ambiguidades e hesitações que marcaram os órgãos da grande
imprensa, suas ligações cotidianas com diferentes poderes, a
venalidade sempre denunciada, o peso dos interesses publicitários e
dos poderosos do momento também podem ser apreendidos a partir de
determinadas conjunturas [...]10.
Apesar destas especificidades, a imprensa como fonte historiográfica vem sendo
cada vez mais indispensável ao estudo da chamada História Política11. Esse fato é
extremamente pertinente à esta tese que trata de um período histórico considerado
recente, ou seja, é uma história do presente. Segundo Eric Hobsbawm, a medida que o
historiador se aproxima do ‘tempo presente’ fica cada vez mais ‘dependente’ da
imprensa diária como fonte de fundamentação historiográfica12. Em outro texto e sem
desconsiderar os desafios de se escrever uma “história de seu próprio tempo”, este
historiador sustenta que toda história é do presente. O momento em que o historiador
escreve influencia no olhar através do qual analisa o fenômeno13.
8. Idem.
9. Por meio do site: www.bibliotecayacucho.gob.ve.
10. DE LUCA, Tania Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos, p.130.
11. Idem, p.128.
12. HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991, p.9.
13. HOBSBAWM, Eric. O presente como História: escrever a História de seu próprio tempo, p.1.
25
Portanto, esta tese pode ser enquadrada como ‘do presente’ não apenas porque
utiliza a imprensa diária como uma de suas fontes. Seu caráter recente se fundamenta no
período histórico que se propõe a analisar, ou seja, os anos de 1999 a 2013, considerado
historicamente recente.
O jornal brasileiro Folha de S. Paulo foi escolhido em razão de possuir fácil
acesso a seu acervo (via Internet14) e por dedicar um espaço considerável em suas
páginas para relatar os acontecimentos políticos dos países da América Latina, algo não
usual a jornais e revistas de grande circulação nacional do Brasil. Durante a maior parte
do período analisado (1999-2013), possuiu correspondente em Caracas. É indispensável
enfatizar que sua linha editorial no tocante ao governo de Chávez era de rechaço ao
regime. Essa abordagem crítica foi potencializada em razão do jornal possuir o
propósito de influenciar no debate político no Brasil. Chávez governou a Venezuela
durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999-2002), os 2 mandatos
de Lula (2003-2010) e o primeiro de Dilma Rousseff (2011-2014). Dos dois últimos foi
um aliado, pois, a grosso modo, ambos compartilhavam com o líder venezuelano o
esforço pela integração dos países latino-americanos para diminuir a hegemonia dos
Estados Unidos na região.
Por outro lado, o jornal venezuelano escolhido foi o Correo del Orinoco. Com
linha editorial oficialista, ou seja, amplamente favorável ao regime, este jornal foi
considerado um porta-voz do governo Chávez, quase um instrumento de propaganda.
Sua abrangência não abarca todo o governo, apenas entre os anos de 2009 a 2013.
Porém, sua escolha ocorreu em razão de ser o periódico ‘oficial’ da Revolução e
fundado pelo governo. Isso permite ao historiador perceber a forma como são
difundidos os argumentos e o pensamento do regime, ao perceber as estratégias
utilizadas no convencimento da opinião pública, no intuito de galvanizar apoio às
medidas tomadas por Chávez e seu grupo político. Além disso, o papel desempenhado
pelo Correo del Orinoco nos últimos anos da era Chávez teve muita importância.
Durante o procedimento de exumação dos ossos de Simón Bolívar, ajudou a difundir a
ideia especulativa de que o Libertador havia sido assassinado. Quando Chávez foi
diagnosticado com câncer, o periódico publicou inúmeras matérias negando a gravidade
da doença, muitas vezes afirmava que o presidente já havia se curado da enfermidade.
14. Por meio do site: http://acervo.folha.uol.com.br/
26
Também foram utilizadas outras fontes adquiridas em viagem à Venezuela,
realizada no mês de abril de 2015. Além da compra de livros que não se encontram no
Brasil, foram feitas pesquisas na Biblioteca Nacional (BN) da República Bolivariana da
Venezuela, localizada em Caracas, onde foram recolhidos inúmeros arquivos
digitalizados, porém não publicados na Internet, com destaque a panfletos e matérias do
jornal El universal de 1992, logo após Chávez tentar um golpe de Estado. Nesta mesma
ocasião, conforme destacado acima, foi realizada uma entrevista com o historiador
Carrera Damas, utilizada nesta tese para melhor compreender o pensamento de Bolívar
e o culto formado em torno de sua figura.
Por fim, cabe ressaltar que a tese foi escrita com base em ampla revisão
bibliográfica de autores que pesquisaram sobre o governo Chávez, a história da
Venezuela nos séculos XIX, XX e XXI, o culto a Bolívar e aos demais heróis nacionais,
e teoria e história da América Latina; todos eles publicados em livros e artigos
científicos nos idiomas português, espanhol, inglês e francês.
Estrutura da tese...
Optou-se em dividir esta tese em 4 capítulos, cada um deles com um propósito
específico, mas todos abarcam a problemática que orienta o trabalho.
O Capítulo 1 – “Bolívar e o bolivarianismo na história e na historiografia da
Venezuela” – está dividido em dois itens. No primeiro, analisa-se o papel ocupado pelo
general Simón Bolívar no processo de Independência. Não se objetiva explicar os
desdobramentos que culminaram na emancipação política do território onde atualmente
se localiza a Venezuela. Focaliza-se apenas no papel ocupado por aquele a quem a
historiografia nacional conferiu o protagonismo, ao elevá-lo à categoria de Libertador.
No segundo item, analisa-se o culto formado em torno da figura de Bolívar ao longo da
história venezuelana, com ênfase nos momentos em que exerceu maior influência no
cenário político, ou seja, nos governos dos presidentes que se posicionaram de forma
mais explícita como ‘herdeiros das proezas’ do Libertador.
No Capítulo 2 – “As bases do culto a Bolívar na Venezuela da era Chávez” –
pretende-se analisar os sustentáculos que estruturaram a versão do culto no governo de
Chávez. Para tanto, defende-se que o bolivarianismo deste período se fundamentou sob
quatro bases, constituindo os 4 itens do capítulo. No primeiro, destaca-se o
bolivarianismo militar, com base no crucial papel exercido pelas Forças Armadas na
27
ressignificação do culto ao Libertador. No segundo, a confluência entre as versões
letrada e popular do culto é analisada. Ao longo da história, foram sendo construídas
estas duas versões do culto a Bolívar, mas, na era Chávez ambas se confluíram na
retórica do regime. No terceiro, destaca-se a exumação dos ossos do Libertador, evento
realizado em julho de 2010 com o propósito de sustentar o argumento pouco confiável
de que Bolívar havia sido assassinado. No quarto item, com a impossibilidade de provar
o assassinato do prócer e ancorado no laudo pós-exumação, o regime optou em fazer a
reconstrução facial do que teoricamente havia sido o rosto de Bolívar, conferindo-lhe
características mestiças, assim como o mestiço presidente Chávez.
O Capítulo 3 – “Hugo Chávez como o continuador da obra de Simón
Bolívar” – se propõe a analisar a postura de Chávez enquanto presidente da República.
Desde a fracassada tentativa de golpe de Estado em 4 de fevereiro de 1992, ele se
posicionou como alguém imbuído da missão de continuar a obra de Simón Bolívar,
interrompida pela oligarquia dirigente no século XIX. Esta imagem de continuador
tornou-se perceptível em três momentos, cada um deles constitui um item do capítulo.
No primeiro, analisa-se o papel ocupado pelo 4 de fevereiro na retórica do regime. A
data foi elevada à categoria de “Dia da Dignidade Nacional” e motivo de comemoração
com desfiles militares e eventos oficiais. No segundo, o foco é a Constituição de 1999,
promulgada no primeiro ano de governo e que, para Chávez e seus colaboradores,
constituía uma versão revisada da Carta Magna proposta por Bolívar no século XIX e
refutada pelo Congresso de Angostura (1819). Por fim, o terceiro item se ocupa do
golpe de Estado sofrido por Chávez em abril de 2002. O retorno à presidência o
permitiu legitimar o argumento de que aquela frustrada estratégia da oposição havia
sido uma tentativa de retirar o ‘segundo Libertador’ da presidência.
Por fim, o Capítulo 4 – “A exploração do culto a Bolívar como vantagem
eleitoral a Chávez: eleições e referendos na Venezuela bolivariana” – pretende
destacar como a exploração do culto foi importante a Chávez nas eleições e referendos
realizados em 14 anos no poder. A exploração do culto em pleitos eleitorais foi
estratégica em 4 momentos, analisados nos 4 itens. No primeiro, destaca-se a vitória no
Referendo Revocatório de agosto de 2004 que permitiu a Chávez terminar o mandato e
ampliar seu domínio no cenário político. No segundo, analisa-se o Referendo da
Reforma Constitucional de dezembro 2007. Embora o governo tenha saído derrotado
deste pleito por margem mínima de votos, oportunizou ao regime ressignificar o culto
ao Libertador e atenuar os desgastes políticos sofrido por Chávez ao longo do ano de
28
2007. No terceiro item, destaca-se a vitória no Referendo à Reeleição de fevereiro de
2009, que o permitiu se candidatar sem limites de vezes à presidência. Por fim, o quarto
item se ocupa em analisar o processo eleitoral de outubro de 2012, vencido por Chávez
e que contou, além da exploração do culto, com a adição da comoção social em razão do
diagnóstico de câncer no presidente em junho de 2011.
Além dos 4 capítulos, esta tese possui Introdução, Considerações Finais,
Referências Bibliográficas e Anexo, onde estão localizadas 2 tabelas e algumas imagens
referentes ao objeto analisado.
29
CAPÍTULO 1
Bolívar e o bolivarianismo na história e na historiografia da Venezuela
Introdução
Este capítulo foi escrito com dois propósitos. Primeiro, analisar o papel ocupado
por Simón Bolívar na Independência da Venezuela, ao explicar como seu protagonismo
naquele processo foi capaz de alçá-lo à categoria de Libertador, pai da pátria, herói
nacional, mito, dentre outras denominações. Segundo, explicar como a formação de um
culto em torno de sua figura, gestado historicamente, influenciou na realidade política
do país e em todos aqueles que ocuparam o cargo de presidente da República antes de
Hugo Chávez.
Isto não significa que as ‘proezas’ político-militares do Libertador tenham sido
viabilizadas somente em razão de suas virtudes pessoais. Foi a historiografia
venezuelana, por meio do culto, que se encarregou de formar e reforçar esta imagem.
Portanto, explorar o culto a Bolívar é uma constante na história da Venezuela desde
1842 e foi utilizada por todos aqueles que ocuparam o cargo de presidente da República,
em distintos graus de intensidade.
O capítulo se divide em dois itens. No primeiro, analisa-se o papel ocupado por
Bolívar – membro de uma das famílias mais proeminentes da aristocracia criolla de
Caracas – no processo de Independência e de formação da República. No segundo,
analisa-se o culto ao Libertador. O início, por meio do translado de seu corpo da
Colômbia à Venezuela em 1842, e seu uso em alguns períodos históricos, sobretudo
durante os governos daqueles presidentes que mais se colocaram como ‘substitutos’ do
herói da Independência, a exemplo de José Páez (1830-1835/1839-1844/1861-1863),
Guzmán Blanco (1870-1888) e Juan Vicente Gómez (1908-1935).
1.1 – Simón Bolívar e a Independência da Venezuela
Nascido em 24 de julho de 1783, no seio de uma família aristocrática de
Caracas15, Simón Bolívar16 reunia as características suficientes para colocá-lo no
patamar de membro da elite criolla, na época o grupo social economicamente
15. Cidade elevada à categoria de sede da Capitania Geral da Venezuela em 1777.
16. Batizado com o nome de: Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar y Palacios Ponte-
Andrade y Blanco.
30
dominante nas colônias espanholas da América. De acordo com John Lynch, a
aristocracia da América Hispânica era constituída pelos donos das terras e dos escravos,
além de serem os comandantes das milícias coloniais em suas respectivas localidades17.
Eles estavam no topo da estrutura social daquele período.
A família Bolívar era uma das mais ricas e proeminentes de Caracas há algumas
gerações. Conforme destacam alguns autores, ao ficar órfão de pai e mãe aos nove anos
de idade, o menino Simón herdou muitas propriedades. Estima-se que ele e seu irmão,
Juan Vicente, herdaram dos pais o equivalente a US$ 40 milhões18 em patrimônio
líquido19. Simón também foi incluído como herdeiro de seu tio, José Félix Aristigueta,
que era padre e o havia batizado20.
Assim como a maioria dos jovens do sexo masculino da elite criolla, recebeu
formação intelectual por meio de tutores (Simón Rodríguez e Andrés Bello).
Posteriormente, mais precisamente em 1799, foi enviado à Metrópole, acompanhado
pelos tios Esteban e Pedro Palácios, a fim de ‘aprimorar os conhecimentos’. Para Lynch
(2006), no velho mundo, Bolívar pôde adquirir os referenciais e a experiência
necessárias ao papel político que desempenharia após 181021.
É fato que estes requisitos não fariam de Simón alguém dotado inevitavelmente
da missão de comandar as batalhas durante o processo de Independência dos territórios
que atualmente correspondem à Colômbia, Venezuela, Equador, Peru, Bolívia e
Panamá. Todavia, as possibilidades oferecidas em razão de ter nascido na proeminente
família Bolívar, lhe forneceria as bases, em seu sentido político, econômico e social,
para se tornar uma figura de destaque naquele processo.
Além disso, o momento político vivido pelas colônias americanas era propício a
figuras com posturas e perfis iguais a de Simón Bolívar. O questionamento em relação à
Metrópole, no tocante às medidas econômicas consideradas arbitrárias pela elite criolla,
vinha crescendo ao longo do século XVIII e se acentuou no começo do XIX. O cenário
de descontentamento se somou à invasão da península ibérica pelas tropas de Napoleão
em 1808 e a consequente deposição do Rei Carlos IV e de seu herdeiro Fernando VII.
De 1809 a 1811, foram instituídas as Juntas governamentais em praticamente
todos os domínios espanhóis na América, ao abarcar desde o México até Buenos
17. LYNCH, John. As origens da Independência da América Espanhola, p.50.
18. Esta estimativa foi calculada por Arana (2015, p.481) com base no Índice de Preços ao Consumidor
Norte-americano de 2010.
19. ARANA, Marie. Bolívar: o Libertador da América, p.37.
20. VAYSSIÈRE, Pierre. Simón Bolívar, p.41.
21. LYNCH, John. Simon Bolívar: a life, p.21.
31
Aires22. Todavia, a primeira ruptura ocorreu em Caracas, em razão da Venezuela ser,
das colônias continentais, a que se localizava mais perto da Espanha e, portanto, recebia
primeiro as notícias do que estava acontecendo na Metrópole23. Após a invasão da
península, a elite criolla da Capitania da Venezuela se reuniu no intuito de avaliar o
cenário pós-destituição monárquica. Como resultado, decidiu-se depor o capitão-geral,
Vicente Emparan, e formar a Junta Suprema de Caracas em 19 de abril de 1810. É
importante destacar que as sucessões de eventos acontecidos na Venezuela também
eram consequências de outros processos revolucionários do mundo ocidental, a exemplo
das Revoluções Americana de 1776 e Francesa de 178924.
Todavia, diferente dos exemplos americano e francês que visavam uma ruptura
com a ordem vigente, no caso da Venezuela, a Junta de Caracas havia sido formada com
o propósito de governar a Capitania em nome do Rei Fernando VII. Seu caráter
conservador e transitório era notável e nem todas as províncias da Capitania aceitaram
submeter-se à Caracas, pois haviam rivalidades entre as oligarquias locais, a exemplo de
Coro, Valência e Maracaibo. Para dirimir as resistências e buscar apoio internacional, a
Junta enviou missões diplomáticas à Curaçao, Nova Granada, Estados Unidos e
Inglaterra. A missão enviada à Londres foi chefiada pelo recém-promovido coronel
Simón Bolívar25.
A ordem emanada ao jovem coronel era clara: conseguir o apoio inglês à causa
revolucionária. Porém, os objetivos não foram alcançados. Naquele momento, Londres
decidiu não apoiar as revoluções nas colônias espanholas, não lhes forneceu
armamentos, nem ajuda financeira, pois não era interessante se indispor com os
espanhóis, ‘aliados’ na guerra contra Napoleão. O Conselho de Regência, órgão que
deliberava para Fernando VII na Espanha, havia declarado as Juntas constituídas na
América como rebeldes. Isso repercutiu nos meios políticos ingleses, conforme Bolívar
informou em carta dirigida ao Secretário de Relações Exteriores do Governo Supremo
da Venezuela, datada de 8 de setembro de 181026.
Contudo, a hipótese de uma ruptura política com a Metrópole estava ficando
cada vez mais perceptível, não apenas em razão da ausência do Rei. Havia a
incapacidade espanhola em reformar o sistema colonial. A própria Junta, inicialmente
22. SALCEDO-BASTARDO, José Luis. Historia fundamental de Venezuela, p.228-236.
23. BUSHNELL, David. A Independência da América do Sul Espanhola, p.128.
24. Idem, p.132.
25. SALCEDO-BASTARDO, José Luis. Historia fundamental de Venezuela, p.234.
26. BOLÍVAR, Simón. Carta al Señor Secretario de Estado y Relaciones Exteriores del Gobierno
Supremo de Venezuela. Londres, 8 de septiembre de 1810.
32
formada para garantir os direitos monárquicos, produziu um órgão com postura mais
receptiva à Independência: a Sociedade Patriótica de Caracas, formada pela burguesia
comercial e agrária e por representantes de outros segmentos sociais, a exemplo dos
pardos27. Rapidamente a Sociedade Patriótica foi agregando uma característica de órgão
dissidente em relação à Junta e ao Congresso instalado em março de 1811. Isto é, “[...]
logo se transformou num fórum para aqueles que, como o jovem Simón Bolívar [...] não
acreditavam na capacidade da Espanha de realizar as mudanças em seu sistema colonial
[...]”28.
O papel exercido pela Sociedade ganhou cada vez mais relevância em razão das
indefinições políticas na Metrópole e, sobretudo, do esgotamento do sistema colonial.
Foi justamente na Sociedade que Simón Bolívar começou a exercer um papel de
destaque naquele processo, por meio de seus discursos, oportunidade em que defendia
suas ideias. Ao se pronunciar à Sociedade Patriótica em 4 de julho de 1811, ou seja, um
dia antes de promulgada a Ata da Independência, Bolívar defendeu a emancipação
política, tratada naquele momento como o desejo de ser livre.
¿Qué nos importa que España venda a Bonaparte sus esclavos o que
los conserve, si estamos resueltos a ser libres? Esas dudas son tristes
efectos de las antiguas cadenas. ¡Que los grandes proyectos deben
prepararse con calma! Trescientos años de calma ¿no bastan? La
Junta [Sociedad] Patriótica respecta, como debe, al Congreso de la
nación, pero el Congreso debe oír a la Junta [Sociedad] Patriótica,
centro de luces y de todos los intereses revolucionarios29.
A postura dos membros da Sociedade Patriótica era considerada subversiva e
extremamente radical por aqueles que defendiam a pronta restauração monárquica após
a expulsão dos franceses da península ibérica. Isso indicava que não havia um consenso
no interior da elite dirigente acerca de pôr fim ao sistema colonial e monárquico. O
caráter considerado subversivo de Bolívar e de seus colaboradores da Sociedade
Patriótica tornou-se nítido quando eles apoiaram o retorno de Francisco de Miranda30 à
Venezuela.
27. BUSHNELL, David. A Independência da América do Sul Espanhola, p.135.
28. Idem.
29. BOLÍVAR, Simón. Discurso ante la Sociedad Patriótica de Caracas. Caracas, 4 de julio de 1811.
30. Nascido em Caracas em 28 de março de 1750, filho de um comerciante canário com uma caraqueña,
Francisco de Miranda começou sua trajetória militar em 1772, como capitão no Regimento de Infantaria
da Princesa. Logo, foi enviado a batalhas no norte da África e se destacou como combatente. Em 1780 foi
enviado à Havana e lutou na Revolução Americana ao lado dos Estados Unidos, aliado da Espanha contra
os ingleses. Em 1782, recebeu uma carta de alguns ‘notáveis’ venezuelanos, dentre os quais Juan Vicente
Bolívar (pai do que viria a ser o Libertador) para comandar uma insurreição contra os espanhóis em
Caracas. Porém, Miranda não os atendeu, pois havia sido acusado pela Corte de Madri de revelar a
33
Quando esteve em Londres em busca de apoio diplomático em 1810, Bolívar
conheceu Miranda e o convenceu a retornar à Caracas para se juntar aos partidários da
Independência. Naquele momento, o jovem coronel enxergava em Miranda o perfil
mais adequado, em razão de seu prestígio e de sua larga experiência em guerras,
batalhas e revoluções, para formar um exército capaz de enfrentar à resistência do
‘inimigo’ metropolitano.
Entretanto, o velho combatente tinha um histórico de sérias desavenças com a
justiça espanhola, que o considerava um foragido, além de ser um crítico do sistema
monárquico-colonial. A presença de Miranda na Venezuela estava longe de ser
unanimidade, por isso alguns membros da Junta tentaram impedir seu desembarque.
Este temor era explicado pela influência que sua figura exercia em parte da elite
dirigente que se mostrava favorável a causa revolucionária. O sistema colonial estava
em crise, ‘acéfalo’ na península e o cenário possibilitava à elite criolla desempenhar um
papel dominante no Estado e na hierarquia eclesiástica, postos até aquele momento
monopolizados pelos espanhóis peninsulares31.
A Independência, promulgada oficialmente pelo Congresso em 5 de julho de
1811, e a Constituição de dezembro do mesmo ano foram capazes de conferir bases
jurídicas à recém-proclamada República. Entretanto, a Venezuela não foi pacificada. A
Independência foi seguida por revezes, restaurações e longas e sangrentas batalhas, pois
teve que enfrentar resistências vindas da Espanha e de parte das oligarquias locais que
vislumbravam a emancipação política como desfavorável a seus interesses, por isso
lutavam em favor da restauração colonial-monárquica.
A Constituição de 1811 foi duramente criticada por duas figuras proeminentes
daquele processo: Simón Bolívar e Francisco de Miranda. Ambos rechaçavam a
estrutura federalista, inspirada nos Estados Unidos, ao considerá-la inadequada à
Venezuela por apresentar riscos de cisão territorial. Outra questão que desencadeava a
localização de uma fortaleza militar a um general inglês. Em razão disso, foi condenado a dez anos de
prisão. Contudo, antes da sentença fugiu para os Estados Unidos em 1783. Em solo norte-americano,
torna-se amigo de George Washington, Thomas Pine, John Adams, dentre outros combatentes da
Revolução. Em 1785 retorna à Europa, iniciando uma série de viagens pelo continente. Junta-se aos
revolucionários franceses em 1792 para comandar o exército do norte, sendo determinante na tomada da
cidade de Ambres. Miranda se tornava uma figura com posturas cada vez mais críticas em relação a
monarquia espanhola e seu sistema colonial. Publicou alguns textos críticos em jornais franceses. Nos
primeiros anos do século XIX, tentou em diversas ocasiões formar uma armada capaz de desembarcar
soldados nos domínios espanhóis na América. Quando houve a formação das Juntas após a deposição do
Rei espanhol em 1808, o combatente enxergou a possibilidade de realizar o que almejava há alguns anos,
razão pela qual aceitou o convite feito por Simón Bolívar para retornar à Caracas, ao desembarcar em
dezembro de 1810 (GONZÁLEZ. Alfonso Rumazo. Francisco de Miranda, p.343-348).
31. SALCEDO-BASTARDO, José Luis. Historia fundamental de Venezuela, p.235.
34
resistência da elite criolla era a pretensa igualdade, conferida pela Carta Magna, aos
pardos e mestiços32.
A reação espanhola não demorou. Em 1812, foram enviadas de Porto Rico
tropas à Venezuela, comandadas por Domingo Monteverde, destinadas a ajudar os
combates de Coro, Maracaibo e Valencia, províncias que haviam se rebelado contra as
disposições vindas de Caracas. O pretenso apoio, que os partidários da Independência
julgavam possuir, ruiu rapidamente com o terremoto que atingiu Caracas no mesmo ano
da chegada de Monteverde. Em uma sociedade predominantemente católica como a
Venezuela daquele período, não demorou para uma parte considerável da população
vislumbrar aquele abalo sísmico como um ‘castigo dos céus’ aos que estavam se
insurgindo contra a monarquia-divina33.
Como resposta em meio ao caos, os partidários da Independência conferiram a
Francisco de Miranda o comando supremo com poderes ditatoriais. Nos primeiros
meses de batalhas, Miranda e Bolívar ‘dividiram’ o protagonismo. Entretanto, a elite
criolla não demonstrava confiança em Miranda, muitos consideravam o velho general
arrogante, egoísta, pedante e insuportável. Sentiam indiferença por parte dele34.
O insucesso em pacificar as províncias rebeldes acentuou o descontentamento. O
episódio derradeiro foi a perda de Puerto Cabello, uma fortaleza estratégica aos
revolucionários na resistência contra as tropas metropolitanas. Na ocasião, soldados que
vigiavam o forte, comandados por Simón Bolívar, foram dominados de uma maneira
considerada fácil. Como resposta, Miranda resolveu capitular e preparou sua saída da
Venezuela em 25 de julho de 1812. A capitulação de Miranda foi considerada um ato de
traição e covardia, não condizente com o prestígio que possuía na época, entendida
como abandono da luta revolucionária e não como uma estratégia para voltar com mais
força em momento oportuno. Conforme pontua Sherwell (2005), “All the patriots
denounced Miranda for the capitulation, which meant the dissolution of the army and
the abandonment of all the elements which had so raised their hopes”35.
Sendo assim, um grupo de militares, liderados por Simón Bolívar, se rebelaram
contra Miranda e o impediram de fugir. O general foi entregue a Monteverde alguns
32. BUSHNELL, David. A Independência da América do Sul Espanhola, p.136.
33. DONGHI, Túlio Halperin. História da América Latina, p.73.
34. ARANA, Marie. Bolívar: o Libertador da América, p.110.
35. “Todos os patriotas acusaram Miranda pela capitulação, o que significou a dissolução do exército e o
abandono de todos os ideais em que suas esperanças se apoiavam”. (SHERWELL, Guillermo. Simon
Bolivar: the Liberator, Patriot, Warrior, Statesman Father of five nations, p.39).
35
dias após a capitulação e enviado à prisão em Cádiz, onde morreria no ‘ostracismo’ em
181636.
Salcedo-Bastardo sintetiza esta ‘troca de comando’ da seguinte forma: “Mientras
Miranda declina, se eleva Bolívar”37. A deposição do velho general e seu envio à prisão
na Espanha permitiu a Bolívar exercer o protagonismo daquele processo, por meio do
comando das batalhas e do recrutamento de soldados entre os escravos negros, mestiços
e indígenas. Para tanto, Bolívar apelava a um sentimento de ‘invencibilidade’ e de
resistência àqueles que lutam em uma batalha, instando-os a serem capazes de resistir
aos primeiros insucessos de uma campanha. Começava-se, portanto, a construir em
torno de Bolívar uma ‘aura’ revolucionária e a imagem do homem a cavalo destinado a
propagar a liberdade aos povos outrora oprimidos pela tirania colonial-monárquica,
conforme expressou no Discurso de Cartagena:
[…] sólo ejércitos aguerridos son capaces de sobreponerse a los
primeros infaustos sucesos de una campaña. El soldado bisoño lo
cree todo perdido, desde que es derrotado una vez, porque la
experiencia no le ha probado que el valor, la habilidad y la
constancia corrigen la mala fortuna38.
A prisão de Miranda tornou Bolívar o comandante mais notável, alguém por
quem a elite criolla venezuelana transferiria a responsabilidade pelos logros e malogros
do processo. O avanço das tropas e o fascínio exercido pela forma como discursava
após as batalhas contribuíram para robustecer seu protagonismo e ofereceria bases à
formação do culto, construído após 1842.
Contudo, entre 1812 e 1814, o protagonismo de Bolívar também foi viabilizado
pelo suporte militar vindo de Nova Granada, oferecido pelo general Francisco de Paula
Santander. Isso permitiu a retomada da luta pela Independência após os malogros
sofridos nas batalhas travadas sob o comando de Miranda.
Sendo assim, a imagem de que realmente Bolívar era o Libertador crescia e se
tornou conhecida na Venezuela após publicar o Decreto da Guerra de Morte, de 15 de
junho de 1813. Nesse documento, Bolívar foi enfático: “Nosotros somos enviados a
destruir a los españoles, a proteger a los americanos y a establecer los gobiernos
36. A escritora Marie Arana sustenta a versão de que havia um ressentimento muito forte de Bolívar em
relação a Miranda, alimentado durante a primeira República. Isso pesou em desfavor do velho general
(ARANA, Marie. Simón Bolívar: o Libertador da América, p.132).
37. SALCEDO-BASTARDO, José Luis. Historia fundamental de Venezuela, p.245.
38. BOLÍVAR, Simón. Manifiesto de Cartagena. Cartagena de las Indias, 15 de diciembre de 1812, p.13.
36
republicanos que formaban la Confederación de Venezuela”39. Bolívar foi
extremamente duro e condenou a fuzilamento todo espanhol que se recusasse a lutar em
favor da Revolução.
Em razão de vitórias obtidas nas batalhas para expulsar as tropas de Monteverde
de parte da Venezuela, em 18 de outubro de 1813, Simón Bolívar foi condecorado pela
municipalidade de Caracas com o título de El Libertador da Venezuela40. Esta honraria
o acompanharia pelo resto de sua vida e seria o título por ele mais valorizado, conforme
escreveu em vários de seus escritos, em detrimento de todos os outros existentes na
época. A partir desse momento, passaria a ser conhecido ‘oficialmente’ como o
Libertador. Nesta mesma ocasião, Bolívar foi proclamado general de todos os exércitos
revolucionários.
Em janeiro de 1814, uma Assembleia, formada às pressas em Caracas, outorgou
plenos poderes ao Libertador para se contrapor a situação política do país,
extremamente incerta e ainda vulnerável à resistência da ex-Metrópole41. Em discurso
proferido após receber o comando supremo, Bolívar enfatizou qual seria o propósito de
todas aquelas sangrentas batalhas que estariam por vir: a liberdade. Reforçava-se,
portanto, a imagem de Libertador ao prometer não embainhar a espada enquanto a
liberdade de sua pátria não fosse conquistada. Embora estivesse recebendo o comando
supremo com o título de ditador, descartou haver opressão, por mais que fosse
improvável não haver. Por fim, Bolívar se colocou como um cidadão disposto a lutar
em favor da liberdade42.
Começava-se, portanto, a segunda República, uma ditadura personalista e
centralizada comandada por Bolívar. Contudo, o Libertador não governaria apenas por
meio da força militar, também utilizaria a estratégia e o cálculo. Nos momentos
complicados, recorria à falsas renúncias para que a elite criolla lhe devolvesse o
comando imbuído com mais poderes. Assim construiria a ‘aura’ de ser indispensável
naquele processo43. Esta característica o acompanhou até o final de sua vida em
dezembro de 1830.
Bolívar criticava a estrutura federalista, sob a qual havia sido estruturada a
República anterior, e atribuiu sua ruína a este fato. Portanto, a segunda República
39. BOLÍVAR, Simón. “Decreto de la Guerra de Muerte”. Ciudad Trujillo, 15 de junio de 1813, p.24.
40. BOLÍVAR, Simón. Gratitud a la Municipalidad de Caracas. Caracas, 18 de octubre de 1813, p.35.
41. SALCEDO-BASTARDO, José Luis. Historia fundamental de Venezuela, p.246.
42. BOLÍVAR, Simón. Discurso pronunciado por el Libertador en la Asamblea Popular. Caracas, 2 de
Enero de 1814, p.40-46.
43. ARANA, Marie. Bolívar: o Libertador da América, p.166.
37
deveria ser estruturada sob bases distintas, ou seja, seria uma ditadura suprema,
centralizada e personalista. Contudo, a almejada pacificação do país não foi atingida
com a outorga do comando supremo ao Libertador. As tropas de Monteverde haviam
sido afugentadas, mas outra figura surgiu no cenário portando ódio em relação à elite
criolla e simpatias monárquicas: José Tomás Boves. Conhecido como el león de los
llanos, Boves era popular entre os lleneros, tinha inserção nos estratos sociais mais
pobres e sabia galvanizar o ódio à elite como uma forma de se insurgir contra a
República e em favor da restauração monárquica.
As ações de Boves eram marcadas pela crueldade, pilhagem, astúcia, carisma
entre os llaneiros e valentia. A historiografia venezuelana assim o constrói, sob aspectos
negativos para não suplantar o culto a Bolívar, apesar de que atrocidades também eram
comedidas em semelhante intensidade pelo exército do Libertador. Ou seja, não havia
superioridade ‘moral’ em nenhum dos lados. Contudo, o interessante para esta análise
foi que Boves e seu exército ‘popular’ impuseram resistências ao exército de Bolívar.
Isso porque a questão racial pendia a favor dos monarquistas. Eles, por sua vez,
conseguiam recrutar soldados a uma velocidade maior do que as tropas do Libertador,
pois havia um evidente ódio racial que Bolívar precisava dirimir, caso quisesse recrutar
mais soldados a fim de derrotar Boves. Conforme destaca Arana (2015) “as massas
compreendiam que o mundo era injusto, que os criollos que estavam acima deles eram
ricos e brancos [...]”44.
A segunda República teve curtíssima duração. Em pouco mais de um ano foi à
ruína e Simón Bolívar atribuiu sua queda à incapacidade de homens que não desejavam
ser livres e preferiam a tirania e o colonialismo45.
Contudo, a situação chegou a este ponto não apenas em virtude das ações de
Boves com seu exército truculento e devastador. Em 1814, houve uma redefinição na
balança de poder na Europa, em razão da derrota de Napoleão, que provocou uma onda
restauradora nas monarquias do continente. Sendo assim, Fernando VII foi
reintroduzido ao trono espanhol. O absolutismo foi gradualmente reinstalado e o Rei,
fortalecido politicamente e dispondo de apoio das principais potências europeias,
conferiu a Pablo Morillo, seu general mais prestigiado nas guerras napoleônicas, a
missão de retomar o controle metropolitano nas rebeldes colônias americanas. O general
44. Idem, p.165.
45. BOLÍVAR, Simón. Manifiesto de Curúpano. Curúpano, 7 de septiembre de 1814, p.50-54.
38
e suas tropas foram enviados à América em fevereiro de 1815 com um efetivo de 10 mil
homens veteranos das batalhas contra Napoleão, para retomar o domínio colonial46.
As tropas de Pablo Morillo eram numericamente superiores. O general chegou a
Venezuela em abril de 1815 e encontrou cidades dominadas pelas tropas de Boves, com
o exército republicano praticamente aniquilado. Partiu para Nova Granada via Santa
Marta e ocupou Bogotá em maio de 1816. As tropas pró-Independência foram
derrotadas e uma parte de seus comandantes fuzilados. Outros conseguiram penas
brandas em razão de lealdades antigas, ou dúbias relações com a Coroa. Um terceiro
grupo, incluindo Bolívar, já havia deixado Nova Granada para reunir forças em outras
localidades e retomar a luta pela Independência. No final de 1816, praticamente todo o
território que compreendia o vice-reinado de Nova Granada (que abrangia Colômbia,
Venezuela e Equador) estavam novamente sob o domínio da Coroa Espanhola47.
Embora tenha retomado o território dos insurgentes, Morillo esteve diante da
mesma encruzilhada dos partidários da República: não conseguiu pacificar o território
aparentemente dominado. Permanecia o sentimento de insatisfação com a Coroa,
acentuado em razão de medidas drásticas (fuzilamentos e julgamentos apressados) que
Morillo teve que tomar para restabelecer a ‘ordem monárquica’ naquela parte da
América Hispânica. Contudo, a situação era instável para ambos os lados. A elite criolla
parecia vislumbrar a Independência como um caminho favorável a seus interesses,
porém, não estavam seguros se deveriam pagar o preço para conquistá-la.
A retomada metropolitana convenceu Bolívar de que sem o apoio de alguma
potência estrangeira, de preferência a Inglaterra, não haveria como lutar em favor da
Independência. A derrota de seu exército, a guerra civil travada contra as províncias que
se recusavam a acatar as ordens de Caracas, o melancólico término da segunda
República e a indiferença de potências estrangeiras levaram o Libertador a se refugiar
na Jamaica, ilha de domínio inglês. A escolha não foi uma coincidência. Bolívar
mantinha laços de amizades com cidadãos britânicos. Por meio deles, esperava obter
apoio à sua empreitada independentista. Em março de 1815, partiu à Jamaica como um
exilado. Entretanto, seu propósito era retornar brevemente à Nova Granada ou à
Venezuela com o apoio militar suficiente a fim de retomar as batalhas pela
Independência e expulsar as tropas de Morillo.
46. SALCEDO-BASTARDO, José Luis. Historia fundamental de Venezuela, p.247.
47. BUSHNELL, David. A Independência da América do Sul Espanhola, p.143.
39
Porém, Bolívar encontrou dificuldades em convencer cidadãos e membros da
coroa britânica a apoiarem seus propósitos. Contudo, esforçou-se para obtê-lo. Em 6 de
setembro de 1815, escreveu uma carta à Henry Cullen, um comerciante de origem
britânica, com quem mantinha correspondência. Este escrito se tornaria posteriormente
conhecido como a Carta da Jamaica e nela Bolívar analisou a situação política das
colônias espanholas na América. Para o Libertador, o rompimento com a Metrópole era
irreversível, pois o mar que separava geograficamente a Espanha de suas colônias era
menor do que o ódio existente nos americanos em relação a Metrópole. No caso
específico da Venezuela, Bolívar a chamou de desgraçada, pois estava reduzida a mais
completa indigência, com a população praticamente dizimada e vulnerável às
atrocidades do exército de Boves48.
A intenção de Bolívar com a carta seria convencer autoridades inglesas a ajudá-
lo neste processo de libertação das colônias americanas. Todavia, rapidamente concluiu
que, mesmo com a carta e o exílio em domínios ingleses, sua tentativa de obter o apoio
de Londres seria infrutífera. Hostilidades vindas de partidários da Coroa Espanhola e
uma pouca esclarecida tentativa de assassinato por meio de uma facada, desferida de
madrugada na rede de Bolívar (ele não se encontrava dormindo no local, portanto,
escapou do ataque), apressaram sua saída da ilha.
Conforme destaca Pierre Vayssière, Bolívar tinha um plano caso malograsse a
empreitada na Jamaica: embarcaria ao Haiti. O Libertador possuía um contato que
permitiria sua inserção na República de ex-escravos: o comerciante de armas Luis
Brión, um mestiço nascido em Curaçao. Em dezembro de 1815, Bolívar embarcou à
Porto Príncipe e, na companhia de Brión, foi recebido pelo presidente Alexandre Pétion.
O Haiti havia sido a primeira colônia americana a se livrar do domínio metropolitano
por meio da Revolução Haitiana, liderada por Toussaint L’ouverture, que durou de 1791
a 1804. Tratou-se de uma colônia de escravos que se revoltou contra o domínio
metropolitano e derrotou as tropas de Napoleão que tentaram retomar o território à
França. Diferente de líderes de outros países, Pétion se mostrou simpático as intenções
de Bolívar que se traduziu em ajuda material à causa revolucionária: buques, canhões,
fuzis, pólvora, dinheiro e uma imprensa móvel49. Em troca, Pétion exigiu que Bolívar
extinguisse a escravidão assim que retomasse o comando do processo.
48. BOLÍVAR, Simón. Carta de Jamaica. Kingston, 6 de septiembre de 1815, p.66-87.
49. VAYSSIÈRE, Pierre. Simón Bolívar, p.85-86.
40
O suporte de Pétion e a ajuda financeira de Luiz Brión foram suficientes para
Bolívar restabelecer a confiança em reiniciar a luta em favor da Independência. Sendo
assim, partiu rumo à ilha de Margarita onde desembarcaria em maio de 1816. A chegada
do Libertador em solo venezuelano, com o suporte militar adquirido no Haiti, provocou
uma redefinição no cenário político e militar em favor da Independência. A
historiografia venezuelana considera este fato, talvez em razão dos desdobramentos
posteriores, como o início da terceira República.
Na visão de Salcedo-Bastardo (1982, p.248), Bolívar havia aprendido com as
derrotas anteriores e sabia que consolidaria seu comando se tomasse medidas que
provocassem impactos na estrutura social da época. Conforme prometeu a Pétion,
decretou a libertação dos escravos. Em seguida, emitiu leis sobre a distribuição de
terras, destinando-as aos combatentes da Revolução, e elaborou grande parte de sua
‘teoria política’. Todavia, as medidas tomadas pelo Libertador naquele momento
ocorreram em virtude da necessidade em obter o máximo de apoio possível à
Independência. Não estava movido por um sentimento de ‘sensibilidade’ em razão da
desigualdade existente naquela sociedade. Conforme pontua Bushnell (2009),
Bolívar tomou medidas para aumentar sua base de apoio de outras
maneiras, incorporando a emancipação dos escravos a seus objetivos
declarados [...] e se certificando de que os soldados pardos fossem
incluídos nas promoções. Seu empenho na abolição da escravidão teve
resultado imediato apenas para os escravos incorporados ao serviço
militar, mas ajustava-se muito bem ao tipo de populismo militar que
Bolívar esposava no momento50.
Ao retornar à Venezuela, o Libertador recebeu a notícia de que as tropas de
Boves haviam sido vencidas pela ação de outro comandante llanero: José Antonio Páez.
Diferente de Boves, Páez era partidário da Independência. Isso foi determinante para
que as batalhas pendessem a favor de Bolívar na Venezuela. Além disso, houve uma
importante redefinição política na Europa. Com o término das guerras napoleónicas e a
formação da Santa Aliança, as pretensões de Londres em relação à América foram
alteradas. Se em anos anteriores permaneciam em compasso de espera para não
desagradar a ‘aliada’ Espanha, “ahora interesa más la perspectiva americana para la
expansión del comercio, que las buenas relaciones con la disminuida España”51.
Com a reorganização de seu exército para lutar contra as tropas de Pablo
Morillo, Bolívar partiu rumo ao sul do rio Orinoco onde, junto com seu exército, obteve
50. BUSHNELL, David. A Independência da América do Sul Espanhola, p.166.
51. SALCEDO-BASTARDO, José Luis. Historia fundamental de Venezuela, p.248.
41
uma vitória determinante ao processo de Independência: a tomada da cidade de
Angostura em julho de 1817. O controle da rota da bacia do Orinoco era estratégico,
pois serviria de ligação com o mundo exterior, por onde chegaria alimentos, soldados e
armamentos, por isso aquela havia sido uma derrota considerável ao exército
monarquista. A rota do Orinoco permitiu às tropas de Bolívar alcançar às tropas do
llanero Páez, que havia derrotado Boves. A aliança entre Páez e Bolívar foi selada em
janeiro de 1818 quando ambos se encontraram. Tratou-se de um fato essencial ao êxito
da empreitada independentista na Venezuela52. Em seu livro de memórias, publicado em
1867 em Nova Iorque, Páez descreveu Bolívar como alguém obstinado em tomar a
capital Caracas, por entender o controle da cidade como essencial à retomada da
Independência53.
O papel de José Antonio Páez neste processo nem sempre é reconhecido em
virtude da supremacia ocupada pelo culto a Bolívar na historiografia venezuelana.
Entretanto, o apoio de Páez permitiu ao Libertador obter o reconhecimento dos llaneros.
Isso não era algo desprezível. Naquele momento, havia um aflorado sentimento de
rechaço à elite criolla entre pardos e negros, praticamente todos eles analfabetos ou
semianalfabetos, que combatiam sob o comando de Páez. Simón Bolívar pertencia a
uma posição social diferente de todos aqueles homens, havia recebido uma formação
militar e intelectual típica de um membro da aristocracia criolla. Portanto, o controle
exercido por Páez sobre aqueles homens foi importante à vitória das tropas
independentistas na Venezuela.
Entretanto, Morillo ainda não estava derrotado. Havia um equilíbrio maior nas
batalhas, pois, assim como as tropas pró-Independência encontravam dificuldades em
tomar a parte andina do território venezuelano, Morillo e seus veteranos não
conseguiram retomar as planícies, sobretudo a faixa do rio Orinoco. O propósito do
Libertador seria, por meio do domínio do Orinoco, conseguir voluntários europeus com
experiência em batalhas, muitos deles desempregados desde o fim das guerras contra
Napoleão. Eles começaram a chegar lentamente e mais uma vez demonstrou-se o quão
estratégico havia sido o domínio do porto de Angostura54.
Se do ponto de vista militar havia prognósticos otimistas, o mesmo não poderia
ser dito em relação ao arcabouço jurídico da República. Não havia um ordenamento e
52. BUSHNELL, David. A Independência da América do Sul Espanhola, p.165.
53. PÁEZ, José Antonio. Memorias del general José Antonio Páez (autobiografía). Madrid: Editorial
América, 1961, p.185.
54. BUSHNELL, David. A Independência da América do Sul Espanhola, p.166-167.
42
Bolívar precisava fazê-lo rapidamente. A República não poderia prescindir de um
sustentáculo ‘racional-legal’, ainda que a guerra parecesse estar longe de terminar. Na
mesma Angostura, convocou-se um Congresso, por meio do qual instituiria a República
da Colômbia, que seria formada da união do que havia sido o território do antigo vice-
reinado de Nova Granada, que abarca Venezuela, Colômbia, Equador e Panamá sob um
único comando político, militar e administrativo. Por meio de um arcabouço jurídico, o
Libertador esperava pôr fim à guerra civil que tanto dano causava à República. O
Congresso também consagrou Bolívar como presidente da Colômbia e o permitiu
utilizar o título de Libertador antes de presidente.
Em 15 de fevereiro de 1819, pronunciou o Discurso de Angostura, um dos
documentos mais importantes ao pensamento bolivariano. Nele, sintetizou suas ideias e
propôs formas de estruturar o Estado em uma República. Tratava-se de um desafio, pois
visava-se introduzir uma forma ‘estranha’ de governo em um ambiente marcado por
mais de 300 anos de domínio monárquico-colonial. Por isso, o conteúdo do Discurso era
uma proposta ousada e visionária e seu impacto em reforçar a aura revolucionária e de
Libertador que rondava Bolívar aumentou. Por outro lado, o prócer demonstrava ter
consciência da difícil situação vivida pela República, tendo em vista que apostava em
instituições sólidas como a única forma de manter a unidade e a estabilidade da pátria55,
algo que Caracas, Bogotá e Quito estavam longe de possuir.
Entretanto, a instabilidade não era uma realidade exclusiva dos domínios
americanos. Da Espanha veio um revés que atingiu o exército monarquista. Em janeiro
de 1820, uma revolta, comandada por recrutas que seriam enviados à América,
provocou uma onda de violência no Reino. Os revoltosos exigiam que Fernando VII se
submetesse à Constituição de 1812 que limitava seus poderes e havia sido abolida pelo
monarca. Como parte do acordo, ao invés de enviar mais soldados à Morillo, o Rei
instruiu o general a negociar com os rebeldes para pôr fim a guerra. Como reação,
Bolívar instou seus contatos em Londres e Washington à pressionar (por meio da
imprensa) a opinião pública europeia e norte-americana de que a única saída para a paz
seria o reconhecimento da Independência dos territórios que a Espanha não mais
controlava na América56.
55. BOLÍVAR, Simón. Discurso pronunciado ante el Congreso. Angostura, 15 de febrero de 1819,
p.120-147.
56. VAYSSIÈRE, Pierre. Simón Bolívar, p.87-88.
43
Alguns meses depois, a ordem surtiu resultado. Além do armistício, “the Spanish
government initiated peace negotiations with the patriots, and Morillo was made
president of a commissions which went to talk this matter over with the heads of the
Colombian revolution in July, 1820”57.
Em novembro de 1820, Simón Bolívar se encontrou com Pablo Morillo aos
arredores de Santa Ana. O encontro foi cordial e respeito. Beberam vinho, cada um
elogiou as ‘façanhas’ militares do outro e, por fim, Morillo propôs construir um
monumento no local. No dia seguinte, o espanhol partiu e algumas semanas mais tarde
embarcou para a Espanha. Foi substituído pelo general Miguel de La Torre58. Não há
fontes capazes de afirmar se houve algum entendimento entre os comandantes. Porém,
como resultado do encontro, Bolívar enviou dois representantes à Madri e uma carta à
sua majestade católica Fernando VII. O tom da carta era relativamente cordial e o
Libertador instou o monarca a reconhecer a Independência da Colômbia/Venezuela,
oferecendo aos espanhóis uma segunda pátria59.
Contudo, Fernando VII não se sensibilizou com a carta de Bolívar, a quem havia
conhecido em 1800 quando o jovem venezuelano visitou à Corte. O fato do monarca ter
sido forçado a se submeter à Constituição de 1812 apenas faria com que a Espanha
oferecesse à suas colônias revoltosas a mesma submissão. Ademais, o general La Torre
havia sido enviado à Venezuela com o propósito de retomar a colônia.
Em abril de 1821, o armistício assinado com Morillo foi rompido e ainda seriam
necessárias algumas batalhas para expulsar de vez o exército monarquista da Venezuela.
Uma delas ocorreria no campo de Carabobo em junho de 1821. No que se tornou
conhecida como Batalha de Carabobo, uma tropa de 5 mil soldados pró-Espanha foi
derrotada por 6 mil soldados comandados por Simón Bolívar. Tratou-se de uma batalha
breve, porém sangrenta. Em 29 de junho do mesmo ano, o Libertador entrou em
Caracas aparentemente triunfante.
O general La Torre continuava controlando Puerto Cabello e em dezembro de
1821 refugiou-se em Coro, bastião monarquista desde 1810. Contudo, as tropas
independentistas controlaram a cidade em maio de 1823. O poder do exército
57. “O governo espanhol iniciou as negociações de paz com os patriotas e Morillo tornou-se o presidente
da comissão e foi discutir exaustivamente este assunto com os líderes da Revolução Colombiana em julho
de 1820” (SHERWELL, Guillermo. Simon Bolivar: the Liberator, Patriot, Warrior, Statesman Father of
five nations, p.128).
58. VAYSSIÈRE, Pierre. Simón Bolívar, p.88-89.
59. BOLÍVAR, Simón. Carta a Su Majestad Católica el Señor Don Fernando VII. Bogotá, 24 de enero
de 1821, p.181-182.
44
monárquico estava cada vez menor e meses depois foi a vez de Maracaibo ser dominada
pelas tropas de Bolívar. A retomada derradeira foi a de Puerto Cabello em novembro de
1823, sob o comando do general Páez. Ele ofereceu uma capitulação aos comandantes
das tropas monarquistas e os permitiu evacuar as cidades60. Desde 1810, muito sangue
havia sido derramado, porém, em 1823 a Venezuela estava definitivamente ‘livre’ do
domínio espanhol, por meio da ação de um heterogêneo exército liderado por José
Antonio Páez. No entanto, a glória vinda daquelas batalhas foi toda a Simón Bolívar, o
Libertador.
A partir destas batalhas, pôde se colocar como alguém capaz de ‘libertar povos
oprimidos’, ao reluzir a liberdade onde existia tirania e monarquia, palavras sinônimas
naquele contexto. Conforme pontua Bushnell (2009), Bolívar não se sentaria em uma
escrivaninha para despachar burocraticamente enquanto houvesse exércitos espanhóis
em campo61. Não o faria em nenhum momento. Assim sendo, foi-se construindo uma
imagem capaz de convencer as aristocracias de outras localidades (Bogotá, Quito, Lima,
La Paz) de que era alguém dotado de uma capacidade ‘diferenciada’. Bolívar seguiu seu
caminho e a Venezuela, independente da Espanha, ficou sob o comando de José
Antonio Páez.
A partir de Carabobo, Bolívar iniciou uma campanha de libertação de outros
territórios, pois extrapolou os limites territoriais do antigo vice-reinado de Nova
Granada. Libertou Bogotá em 1822, o Peru e o Alto-Peru (atual Bolívia) em 1826 com a
ajuda das tropas de San Martín, general argentino. Foram anos de glória a Bolívar sendo
que, por meio das tropas comandadas pelo general Sucre, o exército patriota se sagrou
vencedor na derradeira Batalha de Ayacucho (1824). A América estava definitivamente
‘livre’ do exército espanhol e já não era mais uma colônia.
Conforme vislumbrou-se ao longo deste item, os desdobramentos do processo
que culminou na Independência da Venezuela levaram Simón Bolívar a se tornar o
principal ator político e militar daquelas batalhas. A capitulação de Francisco de
Miranda e seu posterior envio às autoridades espanholas, fez com que o processo se
concentrasse cada vez mais na figura de Bolívar.
Entretanto, o Libertador se tornou um personagem histórico-político controverso
e de apropriação diversa ao longo da história venezuelana, americana e até mesmo na
Europa e nos Estados Unidos. Para Pierre Vayssière, cada historiador, biógrafo ou
60. SALCEDO-BASTARDO, José Luis. Historia fundamental de Venezuela, p.250.
61. BUSHNELL, David. A Independência da América do Sul Espanhola, p.171.
45
escritor que se ocupou da controversa vida do prócer, possui ‘seu Bolívar’. A gama
variada de análises vai desde aquelas mais vexatórias, a exemplo do espanhol Salvador
de Madariaga que o representa como alguém que preencheu sua vida com mulheres para
amenizar seu ‘vazio existencial’, até aquelas análises mais ‘dramáticas’, que o
vislumbra por meio da “pura imaginação de um novelista” 62. John Lynch o descreve de
uma forma que sintetiza toda a polêmica, contradição e controversa inerente a sua
figura, ao formular uma das mais perspicazes sínteses de definições do Libertador:
“Bolívar was an exceptionally complex man, a liberator who scorned liberalism, a
soldier who disparaged militarism, a republican who admired monarchy”63.
Em seu sentido político, a Independência da Venezuela estava concluída,
tornando-a uma ex-colônia da Espanha. Entretanto, enquanto um processo social e
estrutural ainda permanecia inconclusa. A maior prova histórica de que isto era uma
realidade foi a construção de um culto em torno da figura do principal ator daquele
processo: Simón Bolívar. Este assunto é tratado no próximo item.
1.2 – De um culto de um povo a um culto para o povo: o bolivarianismo na
historiografia venezuelana
Conforme demonstrou-se no item anterior, Simón Bolívar foi alçado, em razão
das circunstâncias e da posição em que ocupava naquela sociedade, à categoria de
principal ator político-militar do processo histórico denominado de Independência da
Venezuela. Membro inegável da elite criolla, tornou-se o Libertador em vários países e
autor ‘genuíno’ de uma teoria política da Independência, construída e influenciada por
longas e sangrentas batalhas. Sob o comando de Bolívar, inúmeros indivíduos lutaram
contra o exército monarquista, sejam eles comandantes conhecidos ou soldados não
mencionados pelos documentos da época.
No entanto, a ‘glória’ foi transferida a Bolívar e ao longo de décadas foi
construído um culto em torno de sua figura histórica denominado bolivarianismo, ao
torna-lo um herói romântico por excelência64. O culto a Bolívar está imerso em uma
ampla e complexa gama de significados. Conforme define Carrera Damas (2013), “[...]
por culto a Bolívar entendemos la compleja formación histórico-ideológica que ha
62. VAYSSIÈRE, Pierre. Simón Bolívar, p.14-17.
63. “Bolívar foi um homem complexo e excepcional, um libertador que desprezava o liberalismo, um
soldado que rechaçava o militarismo, um republicano que admirava a monarquia” (LYNCH, John. Simón
Bolívar: a life, p.xi).
64. HARWICH, Nikita. Un héroe para todas las causas: Bolívar en la historiografía, p.7.
46
permitido proyectar los valores derivados de la figura del Héroe sobre todos los
aspectos de la vida de un pueblo”65.
Portanto, o culto ao Libertador deve ser analisado como um fenômeno histórico
de fundamental impacto na sociedade venezuelana. Não há como visualizá-lo descolado
desta perspectiva sem correr o risco de agregar prejuízos à análise do fenômeno. Na
realidade política do país, o bolivarianismo pode se manifestar concretamente de
diversas formas. Por exemplo, a reverência com que os presidentes venezuelanos se
referiram ao prócer ao longo da história e assim o fazem atualmente, as praças e demais
espaços públicos batizados de Simón Bolívar, o município com o nome de Libertador, o
estado chamado Bolívar, sua espada, estátuas espalhadas pelo país, pinturas e demais
representações. Todas elas podem ser consideradas a materialização do culto ao prócer,
fenômeno atrelado à cultura política venezuelana.
Sob uma perspectiva historiográfica, o bolivarianismo venezuelano pode ser
considerado uma ‘tradição inventada’, categoria desenvolvida pelo historiador britânico
Eric Hobsbawm. Para esse autor, uma tradição inventada seria um conjunto de práticas,
reguladas e aceitas, que visam estabelecer normas, valores e rituais simbólicos ao
espaço público. Normalmente se ancora em uma continuidade do passado66, pois “[...]
toda a tradição inventada na medida do possível utiliza a história como legitimadora das
ações e como cimento de coesão grupal”67. Para Octavio Ianni, este fenômeno é uma
constante no cenário político da América Latina, não se restringindo a esta realidade.
As heranças políticas do passado recente e antigo, envolvendo práticas
e ideais, heróis e mitos, monumentos e ruínas, entram na construção
da vida política do presente, na imaginação do futuro. [...] É ampla e
complexa a trama dos ideais, valores, padrões e estilos de pensar e
atuar na política que compõem o que se pode denominar cultura
política68.
Para além de análises generalizantes, definir quando começou e qual é o papel
ocupado pelo culto a figura de Bolívar na historiografia venezuelana não têm sido uma
tarefa consensual. Até mesmo os especialistas apresentam visões divergentes e, muitas
vezes, as datas atribuídas ao começo do culto não coincidem.
Apesar disso, é perceptível que após a morte de Bolívar, em 17 de dezembro de
1830, o processo de santificação de sua figura se intensificou, como uma consequência
65. CARRERA DAMAS, Germán. El culto a Bolívar, p.29.
66. HOBSBAWM, Eric. A invenção das tradições, p.8.
67. Idem, p.21.
68. IANNI, Octavio. O labirinto Latino-americano, p.83.
47
de seus feitos – considerados heroicos – durante as batalhas pela Independência. Além
disso, a forma dramática como a historiografia venezuelana narrou seus últimos dias
contribuiu neste processo de dramatização, santificação e martirização pelo qual a figura
do Libertador passou em quase dois séculos de construção histórica do culto.
Para John Lynch, “the tragedy of his [Bolívar] premature death was his final
glory, a glory undimmed by longevity and the fate of an unsuccessful administrator”69.
Um Simón Bolívar isolado, doente (tísico), traído e abandonado por seus principais
aliados (Francisco de Paula Santander e José Páez) contribuiu para formar um culto
santificado a Bolívar, como se isto houvesse sido sua ‘última glória’.
De acordo com Carrera Damas, a construção do que foi denominado culto a
Bolívar teve origem ainda durante o processo de Independência70. Conforme
demonstrou-se no item anterior, a emancipação política da Venezuela foi consolidada
após treze anos de longas e sangrentas batalhas e o prócer liderou um exército também
formado por mestiços, pardos, escravos negros e indígenas. Na visão deste historiador,
as pessoas nutriam uma grande admiração pelo general e presidente Simón Bolívar.
Dessa forma, o círculo de pessoas que o rodeavam, ao perceberem que a Independência
não estava fazendo com que a República proporcionasse os benefícios que muitos
esperavam, isto é, a felicidade destacada pelo Libertador no Discurso de Angostura
(1819), fez com que fosse transferida toda aquela responsabilidade a Bolívar71.
Esta transferência de responsabilidade era tão forte naquela época que José Páez
chegou a propor que Bolívar se coroasse Rei, como uma forma de manter a unidade das
jovens Repúblicas e conseguir a felicidade prometida. Esta sugestão foi rechaçada pelo
Libertador em diversas oportunidades, dentre as quais em uma carta de 1829 destinada
ao jornalista Antonio Leocadio Guzmán72.
Desta forma, Carrera Damas destaca que Bolívar se tornou o ator único daquele
processo. Com base nesta admiração e na transferência de responsabilidades pelos
logros e malogros das jovens Repúblicas, após a morte de Bolívar se consolidou a
construção de um culto em torno de sua figura visando manipular o povo, apelando a
seus sentimentos genuínos, porém com propósitos nada genuínos, tais como alcançar o
69. “A tragédia de sua [Bolívar] morte prematura foi sua última glória, uma glória não ofuscada pela
longevidade e pelo fato de não ter sido um exitoso administrador” (LYNCH, John. Simon Bolívar: a life,
p.300).
70. CARRERA DAMAS, Germán. Entrevista concedida ao autor. Caracas, 15 de abril de 2015.
71. Idem.
72. BOLÍVAR, Simón. Carta dirigida a Antonio Leocadio Guzmán. Popayán, 6 de diciembre de 1829.
48
poder, exercer o poder e beneficiar-se do poder73. Por isso, Lynch (2006) destaca que,
embora Bolívar não possa ser considerado Deus, ele pode ser considerado um santo,
pois o culto a sua figura é paralelo a uma religião74.
O historiador Manuel Caballero é mais enfático ao afirmar: “[…] el
bolivarianismo es además una religión mesiánica. El héroe ha de regresar al final de
los tiempos, encarnado en un hijo suyo. Que por casualidad es siempre el hombre en el
poder […]”75. É exatamente desta forma que determinada sociedade constrói o que
Baczko (1985) chama de fato religioso que seria uma construção simbólica do fato
social.
Através dos Deuses que os homens criam, estes dão corpo a
consciência de pertencerem a um todo comunitário, enquanto as
representações coletivas reconstituem e perpetuam as crenças
necessárias ao consenso social. Qualquer sociedade é capaz de se
erigir em Deus ou de criar deuses, isto é, produzir representações
carregadas de sagrado76.
No caso específico do culto a Bolívar na Venezuela, todo este arcabouço teórico-
simbólico de ressignificação do Libertador no cenário político é possível de ser
visualizado com base no livro El culto a Bolívar, publicado em 1970. Nele, Carrera
Damas defende a tese de que a elite dirigente, ou seja, muitos daqueles que haviam
lutado ao lado de Bolívar e ficaram no comando da Venezuela após a cisão da Colômbia
em novembro de 1831, converteram um culto de um povo em um culto para o povo77.
La conversión del culto de un pueblo en un culto para el pueblo, con
la relegación primero al ámbito de lo folclórico como expresión
típicamente popular, ha significado mucho más que un cambio en la
estructura del culto, al volverlo parte de las funciones del Estado y
por lo mismo objeto de reglamentación y de administración78.
É possível afirmar que, ao agregar este culto às próprias funções do Estado, foi
proporcionado longevidade, melhor inserção na sociedade venezuelana e, sobretudo,
legitimidade à presença de uma elite ou governante no poder. O papel do Estado na
transformação do culto de um povo em um culto para o povo foi essencial e realizado
pelo próprio Estado venezuelano durante seu processo de consolidação, a partir da
morte de Bolívar em dezembro de 1830. Com base neste raciocínio, o culto foi
73. CARRERA DAMAS, Germán. Entrevista concedida ao autor. Caracas, 15 de abril de 2015.
74. LYNCH, John. Simon Bolívar: a life, p.301.
75. CABALLERO, Manuel. ¿Por qué no soy bolivariano? Una reflexión antipatriótica, p.156-157.
76. BACZKO, Bronislaw. A imaginação social, p.306-307.
77. CARRERA DAMAS, Germán. El culto a Bolívar, p.278-279.
78. Idem.
49
construído antes de 1842, ano em que os restos mortais do Libertador foram repatriados
à Caracas com honras fúnebres e todo tipo de reverência feita pelo Estado79.
Embora Carrera Damas sustente o caráter anterior a repatriação dos restos
mortais como início do culto, ele não desconsidera a importância simbólica que a
repatriação dos ossos de Bolívar teve naquele momento (1842), sobretudo para a elite
dirigente. Isso porque tratou-se de um feito reivindicado tanto por José Páez, presidente
da República e aliado da elite agrária, quanto pelo opositor e fundador do Partido
Liberal (Los Amarillos) Antonio Leocadio Guzmán. Dessa forma, compreende-se que a
repatriação dos restos mortais de Bolívar era uma vontade da nação, por isso havia sido
convertida em lei.
Cuando el 17 de diciembre de 1842 Caracas y toda Venezuela
acogieron solemnemente los restos repatriados de Bolívar, no solo
afirmó su presencia de derecho en la vida política nacional su más
fecundo tema, sino que se dio nuevo impulso a una admiración
popular apenas mellada por la reacción antibolivariana de 183080.
Este processo de repatriação dos restos mortais do Libertador é essencial para
compreender a inserção do culto na sociedade venezuelana, sendo determinante para se
medir o nível de receptividade daquela sociedade em relação ao Libertador. Devido a
sua relevância histórica, este acontecimento é narrado de forma detalhada pelo
historiador britânico John Lynch (2006):
In November 1842 the body of Bolívar was exhumed from the
Cathedral of Santa Marta, escorted in a small fleet to La Guaira and
from there transported to Caracas, where it arrived on 16 December.
Amidst exuberant funeral honours the body was followed in
procession by leaders of the government, the Church, the military, the
administration, the foreign envoys and ‘an elegant body of citizens’
[...]81.
José Páez, presidente da Venezuela em 1842 e que dominou a política
venezuelana até 1870, havia sido um dos principais combatentes nas guerras pela
Independência. Conforme já destacado, lutou ao lado de Simón Bolívar e foi nomeado
pelo Libertador o chefe superior da Venezuela. Porém, Páez atuou como um dos
principais articuladores do isolamento político sofrido pelo prócer em seus últimos anos
79. Idem, p.276-279.
80. Idem, p.268.
81. “Em novembro de 1842, o corpo de Bolívar foi exumado da Catedral de Santa Marta, escoltado por
uma pequena frota até La Guaira e transportado para Caracas, onde chegou em 16 de dezembro. Em meio
a um exuberante e honroso funeral, o corpo foi seguido em procissão por líderes do governo, da Igreja,
militares, funcionários públicos, enviados estrangeiros e ‘um elegante corpo de cidadãos’” (LYNCH,
John. Simon Bolívar: a life, p.300).
50
de vida. Portanto, o ato de transladar os restos mortais de Bolívar à Caracas com honras
fúnebres simbolizou a reconciliação entre o Libertador e Páez, sob o propósito de que
passasse a ser visto, a partir daquele momento, como o ‘segundo Libertador’82.
Em 1842, Páez estava em seu segundo período constitucional como presidente
da Venezuela. Diferente do primeiro (de 1830 a 1835), governou sob forte oposição
feita pelo partido Liberal, liderado pelo jornalista Leocadio Guzmán. Os preços do café
e do cacau no mercado internacional haviam baixado sistematicamente. Portanto,
‘reconciliar-se’ com Bolívar era algo extremamente importante a Páez.
Na visão de Lynch,
Homage to the Father and Liberator was homage to the fatherland;
the voice of the people had broken through and twelve years of error,
envy and calumny now ended in a supreme national celebration. […]
He who bequeathed to Venezuelans and to the masas populares the
liberty won in battle and left them the means to defend it83.
Para Manuel Caballero, foi somente em 1883 que o culto ao Libertador se tornou
algo oficial, ao ser de fato apropriado pelo Estado. Neste ano, comemorava-se o
centenário do nascimento de Bolívar e a Venezuela era comanda pelo general Antonio
Guzmán Blanco84, no poder de 1870 a 1888. Portanto, as comemorações do centenário
de nascimento do Libertador podem ser consideradas o ‘batismo institucional’ da
religião bolivariana, com o propósito de exaltar Guzmán Blanco e colocá-lo com as
mesmas qualidades de Simón Bolívar. Embora também reconheça a importância
histórica da repatriação dos restos mortais do Libertador em 1842, Caballero (2007)
estabelece 1883 como o marco de início oficial do culto.
De acordo com Vayssière (2008), o primeiro centenário foi uma oportunidade
para os venezuelanos ressignificarem a imagem do Libertador. A República seguia
sendo um projeto inconcluso, vulnerável aos interesses dos caudilhos locais e as guerras
civis sacudiam o país. A paz e a prosperidade continuavam inacessíveis à maioria da
população85. Neste cenário, explorar a imagem de Bolívar serviria como uma forma de
atenuar todos aqueles problemas, pois um morto tão glorioso era um pretexto para
reforçar o sentimento de identidade coletiva. Ou seja, “se desarrolló un complicado 82. CABALLERO, Manuel. Revolución, reacción y falsificación, p.23.
83. “Homenagear o pai e Libertador era homenagear a pátria; a voz do povo havia sido quebrada por doze
anos de erro, inveja e calúnia que foi encerrada com uma grande celebração nacional. [...] Aquele que
legou aos venezuelanos e às massas populares a liberdade conquistada no campo de batalha, deixou meios
para defendê-la” (LYNCH, John. Simon Bolívar: a life, p.300).
84. Filho do jornalista Antonio Leocadio Guzmán, a quem Bolívar havia escrito uma carta em 1829
recusando a proclamar-se Rei.
85. VAYSSIÈRE, Pierre. Simón Bolívar, p.347.
51
proceso de invención y reproducción de un simbolismo nacional, alimentado por
discursos, himnos, ceremonias publicas, retratos y estatuas” 86.
Guzmán Blanco instalou um regime autocrático, porém, foi modernizador em
alguns aspectos, sobretudo na educação e nas finanças públicas. Instituiu a gratuidade
da educação primária e o registro civil de casamento, nascimento e óbito. Seu governo,
portanto, possuía uma orientação considerada receptível ao laicismo, até certo ponto
anticlerical e agressiva na visão da Igreja Católica. Sob o pontificado de Pio IX que
transformou a ‘infalibilidade papal’ em dogma de fé, o presidente da Venezuela não
aceitou nenhum tipo de oposição vinda da Igreja87 e chegou a ameaçar a Santa Sé com a
cisma, caso não aceitasse as diretrizes do Estado. Conforme aponta Harwich (2003),
[…] el conflicto que, a partir de 1872 opuso el poder civil a las
autoridades eclesiásticas, favoreció la promoción de la versión
tropicalizada de una kulturkampf en que la figura del Libertador
serviría de referencia central. Además de favorecer un sentido de
cohesión nacional, esta nueva religión cívica podía valerse de un
conjunto de circunstancias que contribuían a su justificación88.
Portanto, Guzmán Blanco enxergou no Libertador e, principalmente, na
formação de uma ‘religião bolivariana’ e cívica à Venezuela, uma forma de viabilizar
suas medidas modernizadoras e diminuir o impacto da oposição feita por uma
instituição poderosa (Igreja Católica). Conforme destaca Salvador González (2009),
La mitificación de Simón Bolívar […] es utilizada por Antonio
Guzmán Blanco como instrumento ideológico-propagandístico para
indoctrinar a los ciudadanos en la consciencia de su identidad
nacional, de su pertenencia a una misma comunidad identitaria,
basada en los mismos símbolos e idearios provenientes del imaginario
colectivo de Patria y Nación89.
Durante a longa ditadura de Juan Vicente Gómez (1908-1935), o culto a Bolívar
continuou seu processo de propagação e constante reforço por meio do Estado.
Entretanto, o bolivarianismo da era Gómez não pode ser vislumbrado como algo
desprovido de uma revisão histórica para aquele momento. Ao contrário, pode-se
considerar que o processo de construção do culto a Bolívar se tornou mais complexo
neste período. Isso porque o regime havia conferido ao escritor, historiador e sociólogo
Laureano Vallenilla Lanz, com quem o ditador mantinha próximas relações, o papel de
86. Idem, p.341-342.
87. DEAS, Malcon. Venezuela, Colômbia e Equador (1870-1930), p.276.
88. HARWICH, Nikita. Un héroe para todas las causas: Bolívar en la historiografía, p.11.
89. SALVADOR GONZÁLEZ. José María. La mitificación verbal de Simón Bolívar en Venezuela bajo
el régimen de Antonio Guzmán Blanco, p.319.
52
apologista do regime ao desempenhar a estratégica função de construtor da
interpretação considerada a mais adequada do legado de Bolívar. Em seu livro
Cesarismo Democratico (1919)90, Vallenilla Lanz fundamenta sua interpretação no que
denominou de “princípios constitucionais do Libertador”.
Na visão do apologista de Gómez, Bolívar havia sido o único estadista original e
genial que a América Espanhola havia produzido. Para o ideólogo gomezcista, o
‘brilhantismo’ do Libertador estava na defesa de uma Constituição com estrutura
político-administrativa centralizada, em detrimento de um federalismo com base no
adotado pelos Estados Unidos. A estrutura federalista era defendida por vários
legisladores que acompanhavam o Libertador, porém, Bolívar a considerava
incompatível e inadaptável à realidade política da Venezuela. Para Vallenilla Lanz
(1999),
Los hombres que como el Libertador poseyeron toda la amplitud de
criterio para romper con los dogmas y solicitar no la mejor
constitución, sino la que más convenía a pueblos inorgánicos recién
emancipados de la larga tutela monárquica, tenían que chocar con
los que contrariamente creían que bastaba decretar para crear, y,
tomando demasiado en serio el papel de representantes de pueblos
que ni siquiera sospechaban la existencia de sus legisladores […]91.
É fato que no Manifesto de Cartagena, de 15 de dezembro de 1812, Simón
Bolívar reconheceu que o denominado “sistema federal” seria o mais perfeito e mais
capaz de proporcionar felicidade ao povo. Porém, o reputou como inadequado à
realidade política dos recém-criados Estados Nacionais. Para o Libertador, os cidadãos
daquela época (1812) não estavam aptos a exercerem amplamente seus direitos, pois
careciam das “virtudes políticas” que um verdadeiro republicano deveria possuir. Tais
virtudes não poderiam ser adquiridas sob a égide de regimes absolutistas92, a exemplo
do que havia vigorado durante a era colonial em relação à Coroa Espanhola.
Com base na interpretação construída por Vallenilla Lanz no tocante ao
pensamento de Bolívar, legitimava-se a tese de que somente uma ditadura personalista,
forte e centralizadora poderia ser capaz de garantir paz, estabilidade e crescimento
90. Embora tenha sido escrita em 1919, a edição utilizada para fundamentar a tese é de 1999, ano da
ascensão de Chávez à presidência. Foi uma publicação comemorativa dos 80 anos, com o propósito de
oferecer bases para pensar a realidade venezuelana do momento (1999), demonstrando sua atualidade 8
décadas depois. Conforme a introdução feita por Jesús Sanoja Hernández, trata-se de uma obra pertinente
para repensar o passado da Venezuela e entrar no século XXI ‘livre’ do ‘mito’ dos ‘bons tiranos’.
91. VALLENILLA LANZ, Laureano. Cesarismo democrático, p.156.
92. BOLÍVAR, Simón. Manifiesto de Cartagena. Cartagena de las Indias, 15 de diciembre de 1812, p.14.
53
econômico à Venezuela93. Esta ditadura, considerada a mais adequada e não
necessariamente a melhor, era justamente a de Juan Vicente Gómez que representava
exatamente o tipo de líder e a representação de um sistema político e de governo
considerados o mais adequado à realidade venezuelana.
O presidente Juan Vicente Gómez exerceu o poder de uma forma através da qual
dominava o cenário político do país em praticamente todos os âmbitos. Era um ditador-
autocrata e “nenhum outro governo latino-americano reprimiu de maneira tão
implacável seus inimigos no plano interno e vigiou-os tão de perto no exterior94. Talvez
seja esta a razão pela qual ocupou a presidência da República de 1908 a 1935 quando
faleceu, em 17 de dezembro, coincidentemente no mesmo dia de falecimento de
Bolívar. As bases formadas durante o longo regime ditatorial eram tão fortes e tão
arraigadas elas estavam na sociedade venezuelana que a sucessão do general Gómez foi
um complicado processo político que durou 10 anos, conduzido pelos governos dos
generais Eleazar Lopez Contreras e Isaías Medina Angarita (1935-1945).
O bolivarianismo da era Gómez também foi difundido em âmbito internacional,
por meio de uma interpretação ‘cesarista’ do Libertador, alimentada com o apoio do
regime fascista italiano.
En 1928, Mussolini organizó una misión de propaganda en la
Venezuela del dictador Juan Vicente Gómez, que estaba en el poder
desde 1908. Este último había llenado el país de estatuas del
Libertador. Además, le encantaba ver en los diarios su proprio retrato
junto al de Bolívar, con la leyenda “los padres de la patria”95.
Na visão de ambos os regimes ditatoriais, Bolívar era representado como um
precursor incompreendido de um modelo de República que seria a ‘síntese perfeita’
entre dois extremos: a absoluta liberdade e a ditadura cega96, por meio de um governo
forte e centralizado, cuja representação do momento seria Benito Mussolini na Itália e
Juan Vicente Gómez na Venezuela.
Gómez ainda estava no poder quando foram realizados os atos oficiais com o
propósito de relembrar os 100 anos da morte de Simón Bolívar. Nessa ocasião, todo o
arquétipo bolivariano e do culto ao Libertador na era Gómez pôde ser mais uma vez
visualizado. Segundo Caballero (2007), neste momento o governo do general utilizou a
data a fim de consolidar o que chamou de “religião patriótica”. Para este historiador, em
93. VALLENILLA LANZ, Laureano. Cesarismo democrático, p.141-146.
94. DEAS, Malcon. Venezuela, Colômbia e Equador (1870-1930), p.285.
95. VAYSSIÈRE, Pierre. Simón Bolívar, p.364.
96. Idem.
54
1930, “[…] muchas de las ideas del Libertador expresadas en Angostura, en la
Constitución boliviana y al final de su vida, casaban estrechamente con la justificación
de la dictadura: sobre todo la idea de la presidencia vitalicia”97.
A crítica feita por Caballero (2007) era percebida pela forma autocrática e
autoritária como Gómez conduzia suas políticas, emanava ordens e, sobretudo, na forma
patrimonialista com que enxergava o bem público, pois alguns autores afirmavam que o
ditador tratava o país como uma fazenda. “Gómez se foi, deixando uma confusão; havia
tratado a Venezuela como uma propriedade exclusiva, uma fazenda particular,
administrada para seu próprio enriquecimento”98.
Neste sentido, a ideia de uma presidência vitalícia, exercida por Gómez de forma
plena já que ele morreu presidente da República, era legitimada pela apropriação da
mensagem feita pelo Libertador ao analisar o Projeto de Constituição da Bolívia em
1826. Nesta Mensagem, Bolívar havia exaltado o papel exercido pelo presidente da
República em caráter vitalício, sendo ele o ator único e centro do universo político de
um país, ao se expressar de maneira enfática.
El presidente de la República viene a ser en nuestra Constitución,
como el sol, firme en su centro, da vida al universo. Esta suprema
autoridad debe ser perpetua; porque en los sistemas sin jerarquías se
necesita más que en otros un punto fijo alrededor del cual los
magistrados y los ciudadanos: los hombres y las cosas99.
Isto significava que uma presidência vitalícia como a de Gómez estava
plenamente legitimada pelas palavras do próprio Bolívar, ao desconsiderar o momento e
a realidade política em que elas haviam sido proferidas. A legitimação de Gómez, com
base no entendimento de Vallenilla Lanz, também agiu no intuito de fundamentar as
mudanças estruturais que estavam ocorrendo na Venezuela daquele período. Entre 1908
e 1935 o país fomentou um processo de abertura ao capital internacional por intermédio
da exploração de seus poços de petróleo pelas grandes petrolíferas transnacionais. Com
base no raciocínio de Vallenilla Lanz, o processo de crescimento econômico somente
seria viável com um líder do perfil do general Gómez. O ideólogo do gomezcismo,
portanto, nada mais fazia com seu raciocínio do que legitimar a elite no poder, pois
interpretava os escritos de Bolívar como um conjunto de pensamento teórico, político e
ideológico legitimador daquela ditadura.
97. CABALLERO, Manuel. Revolución, reacción y falsificación, p.24.
98. YERGIN, Daniel. O petróleo, p.487-488.
99. BOLÍVAR, Simón. Mensaje al Congreso de Bolivia. Lima, 25 de mayo de 1826, p.280.
55
A morte de Gómez, em 17 de dezembro de 1935, acirrou em seu séquito a
disputa pela sucessão, iniciada no final da década de 1920. O ditador faleceu sem
indicar um substituto e, ainda em vida, rechaçou a hipótese de delegar o comando da
República a um de seus filhos ou irmãos. Não haviam regras objetivas que apontasse
um sucessor no marco das leis do momento, mas as Forças Armadas exerciam grande
influência na indicação e o escolhido foi Eleazar López Contreras, o general mais
antigo, aliado de primeira-ordem de Gómez e seu ministro da guerra de marinha.
Contudo, ao ocupar a presidência, o indicado teve que dissipar as incertezas,
conter a população e isolar os descontentes entre os militares. O governo de López
Contreras (1936-1941) usou de todos os recursos disponíveis para continuar no
comando da República, dentre os quais o culto a Bolívar. Em sua gestão, o
bolivarianismo foi aproveitado de forma hábil e singular pelo presidente, por isso,
incentivou a formação, em várias localidades do país, dos denominados Agrupamentos
Cívicos Bolivarianos, grupos de pessoas apoiadoras do regime que buscavam interpretar
o Libertador de forma favorável ao homem no poder naquele momento100. Estes
agrupamentos possuíam considerável capacidade de inserção na sociedade venezuelana
e serviram para diminuir as desconfianças em relação ao ‘novo’ presidente.
Com base nos argumentos expostos e fundamentados acima, o constante uso do
culto à figura de Simón Bolívar com o propósito de chegar ao poder, se manter e se
legitimar nele, tem sido uma regra na história política da Venezuela. Neste sentido,
durante muito tempo a discussão historiográfica acerca do bolivarianismo se
fundamentava em autores que exaltavam líderes com o propósito de colocá-los
próximos ou em patamares semelhantes ao pai e fundador da pátria. Ou seja, utilizavam
o culto para o povo como uma forma de chegar e se manter no poder para dominar o
cenário político.
Todavia, nas últimas quatro décadas a discussão começou a tomar um rumo
diferente. A partir de 1970, o livro El culto a Bolívar, de Germán Carrera Damas,
marcou um ponto de inflexão nas discussões no sentido de criticar o uso do culto ao
prócer, isto é, um culto do povo, com a finalidade de chegar ao poder, se perpetuar nele
e controlar o sistema político, ou seja, utilizá-lo como um culto para o povo. Para
melhor compreensão do tema, em entrevista, Carrera Damas pontua que os
100. MAZA ZAVALA, Domingo. História de meio século na Venezuela: 1926-1975, p.284.
56
acontecimentos políticos ocorridos em 1958 o fizeram escrever esta obra, movido pelo
que denominou de “dever social do historiador”101.
Em janeiro de 1958, a Venezuela viveu um momento crucial em seu sistema
político. Havia chegado ao fim a corrupta e autoritária ditadura de Marcos Pérez
Jiménez (1952-1958) e as forças partidárias desarticuladas pelo ditador estavam se
reorganizando com o propósito de construir instituições democráticas na Venezuela,
país sem histórico de amplas liberdades individuais, políticas e econômicas até aquele
momento.
Os líderes dos maiores partidos articularam o que a historiografia venezuelana
denominou de Pacto de Punto Fijo, acordo estabelecido entre os líderes das três maiores
agremiações do momento: Rómulo Betancourt da Ação Democrática (AD), Rafael
Caldera do Comitê de Organização Política Eleitoral Independente (Copei) e Jóvito
Villalba da União Republicana Democrática (URD). Esse Pacto foi realizado com o
propósito de que fossem respeitados os resultados das eleições de 1958 pelos partidos
derrotados no pleito. Contudo, na prática, este acordo consolidou o domínio dos
partidos AD e Copei no cenário político, se estendendo até a ascensão de Hugo Chávez
à presidência em 1998.
O Pacto de Punto Fijo é considerado pela historiografia venezuelana como o
nascimento da democracia no país, pois desde 1958 a Venezuela vem realizando
periodicamente eleições para presidente da República. O principal articulador do Pacto
foi Rómulo Betancourt, que se tornaria presidente ao ser eleito pelo voto popular em
eleições diretas em 1958. Por isso, ele é considerado o ‘pai’ da democracia venezuelana.
No entanto, de acordo com Ewell (2002), Betancourt acreditava que para
consolidar a democracia haveria de se tomar medidas consideradas duras, tais como
encarcerar ou exilar os conspiradores. Para Betancourt, em alguns casos, governos
democráticos devem lançar mão de meios não democráticos para se consolidar. “Al
hacer uso del patronazgo, el personalismo y la cooperación con partidos no
comunistas, Betancourt aprovechó diestramente las condiciones nacionales y consiguió
proporcionar estabilidad”102.
Ao citar o uso constante do patrimonialismo, do personalismo e dos conchavos
entre elites partidárias, Ewell (2002) deixava nítido que a Venezuela construía sua
democracia sob as mesmas bases estratégicas que haviam sustentado os regimes
101. CARRERA DAMAS, Germán. Entrevista concedida ao autor. Caracas, 15 de abril de 2015.
102. EWELL, Judith. Venezuela, 1930-1990, p.326.
57
ditatoriais. Sob uma perspectiva semelhante, Carrera Damas elabora seu raciocínio no
tocante ao bolivarianismo, ao afirmar que observou, ao regressar do exílio em 1958, que
os líderes partidários responsáveis pela construção da democracia usavam as mesmas
ideias que as ditaduras passadas haviam utilizado. Ou seja, estes líderes continuaram
reforçando o culto à figura de Bolívar com os mesmos propósitos de seus antecessores:
legitimar grupos políticos no poder, dominar e controlar a sociedade.
Sendo assim, o historiador venezuelano afirmou ter escrito a obra El culto a
Bolívar com o propósito de “alertar” aos dirigentes da Venezuela no tocante aos
“perigos” e ao “erro” de continuar explorando a figura histórica de Bolívar para
permanecer no poder. Porém, reconhece que os líderes políticos daquele momento não
levaram em consideração suas críticas103.
[…] veía que íbamos por un camino malo, en el sentido de que esas
ideas de Bolívar corresponden a otro tiempo y fueran pervertidas y
utilizadas para justamente dominar y controlar a la sociedad, no para
un desarrollo democrático. Y yo escribí este libro para alertarlo, o
mejo dicho, con la emoción de que yo iba a alertar a estos dirigentes
políticos. Por supuesto nadie lo leyó. ¡Olvídate! E hicieron
exactamente lo mismo104.
As palavras colocadas acima evidenciam o fato de que as elites dirigentes da
Venezuela não abandonam a prática de sempre abordar o Libertador com os propósitos
considerados pouco genuínos por este autor, ainda mais em um cenário com eleições
competitivas à presidência da República105. Neste sentido, explorar a figura de Bolívar e
sua memória histórica se tornam eficazes instrumentos de mobilização das massas em
favor de grupos no poder, trata-se de uma eficiente estratégia para conseguir votos e
atenuar efeitos de crises momentâneas.
Por isso, o primeiro governo da ‘era democrática’ de Punto Fijo evidenciou tais
contradições. Rómulo Betancourt foi presidente de 1959 a 1964, tratou-se de um
momento político extremamente conturbado na Venezuela, bem como em toda a
América Latina, e mais uma vez encontrava-se diante do desafio de pacificar o país. A
Guerra Fria, a influência cubana sobre a guerrilha e o atentado sofrido por Betancourt
em 1961 a mando do ditador dominicano Rafael Trujillo, acirraram ainda mais os
103. CARRERA DAMAS, Germán. Entrevista concedida ao autor. Caracas, 15 de abril de 2015.
104. Idem.
105. É importante frisar que na Venezuela de 1958 a 1989 o voto direto em eleições era somente para
presidente da República. Os governadores eram nomeados pelo presidente e os prefeitos escolhidos pelas
câmaras municipais por meio de eleições indiretas. Somente com a minirreforma política de 1989, feita
pelo presidente Carlos Andrés Pérez com o propósito de amenizar a crise instalada, foi estabelecida
eleições diretas aos cargos do Poder Executivo em todos os níveis.
58
ânimos. Por meio da chamada Doutrina Betancourt, o presidente marcou posição de
rechaço ao comunismo, as ditaduras, aos governos instalados mediante golpes de Estado
e, principalmente, se empenhou em eliminar qualquer foco de influência comunista nas
Forças Armadas.
O Libertador foi útil ao presidente para reforçar a importância desta tarefa. Em
seu discurso de despedida do cargo, disse ter sido fiel ao mandato deixado a ele como
herança por Bolívar: lutar contra a tirania em favor da liberdade, tanto na Venezuela
quanto além das fronteiras do país. Betancourt se colocava como um herdeiro da
geração de 1810 (que lutou nas batalhas pela Independência, em suma Simón Bolívar) e
que comandava um ‘segundo’ Carabobo106, se referindo a batalha travada em 1821,
considerada a que consolidou a Independência da República.
Assim como fizeram os antecessores e viriam a fazer os sucessores, o Libertador
aparecia nos discursos de Betancourt em momentos extremamente conturbados, a
exemplo de quando o presidente foi vítima de um atentado a bomba em julho de 1961 e
na condução do processo de ‘expurgo’ realizado nas Forças Armadas. Ou seja, os
presidentes puntofijistas não se abstiveram em usar o culto a Bolívar na forma criticada
acima por Carrera Damas. Em 1983, ano do bicentenário do nascimento de Bolívar, o
culto foi utilizado pelo governo de Luis Herrera Campins (1979-1984) para atenuar os
efeitos de uma crise bancária, responsável por provocar um caos nas contas públicas e
aumentar o déficit fiscal do país.
Era o começo da ‘década perdida’ na Venezuela. Ainda assim, em dezembro de
1983, governadores, líderes partidários, ministros, militares, acadêmicos, artistas e uma
parcela da população, renderam amplas homenagens ao Libertador. Conforme destaca
Lynch (2006), enquanto a economia nacional e mundial entrava em colapso, a
Venezuela continuava gastando na construção de seu metrô, sediando congressos
internacionais e encenava as pomposas comemorações do bicentenário de nascimento
de Simón Bolívar107.
Com base no destacado ao longo deste item, o culto a Bolívar é uma constante
na história e na historiografia da Venezuela. Portanto, parte-se da premissa de que seu
uso durante a era Chávez (1999-2013) não pode ser considerado uma inovação. Todos
os presidentes venezuelanos, desde José Páez, cada um à sua maneira e possibilidade, se
106. BETANCOURT, Rómulo. Despedida: “El precio de la libertad es la eterna vigilancia”. Caracas, 9
de abril de 1964, p.436.
107. LYNCH, John. Simon Bolívar: a life, p.304.
59
apropriaram do culto ao Libertador, assunto mais fecundo da historiografia venezuelana.
Portanto, o herói da Independência nunca ‘desapareceu’ do cenário político, sempre
esteve presente por meio do culto a sua figura. O culto a Bolívar é definitivamente uma
constante e domina o debate histórico-político nacional.
Considerações finais do capítulo
Com base no discutido ao longo deste capítulo, é possível perceber que na
Venezuela há uma mistura entre a historiografia nacional e o culto aos heróis
libertadores, com especial ênfase a Simón Bolívar. Muitas vezes, estas categorias e estas
figuras históricas são abordadas como se tivessem o mesmo significado. Um debate que
em outros países seria distinto, na Venezuela torna-se uma fusão, transplantada do
campo acadêmico para influenciar no debate político nacional.
Não há como deixar de reconhecer que Bolívar desempenhou um papel
fundamental no processo de Independência da Venezuela e de outros países
(Colômbia/Panamá, Peru, Equador e Bolívia). Foi um hábil comandante militar e
possuía uma bagagem intelectual diferenciada em vista das pessoas que o rodeava.
Entretanto, ele não ‘fez a Independência’ sozinho, tampouco enfrentou o exército
monarquista apenas na companhia de sua espada e de seu cavalo. Bolívar liderou
batalhas, recrutou soldados, convenceu comandantes de milícias locais e proporcionou
uma determinada unidade às tropas revolucionárias. Elaborou uma ‘teoria política’ da
Independência capaz de legitimar suas ações naquele momento e, posteriormente, de
oferecer bases históricas ao culto forjado em torno de sua figura após 1842. Todavia, o
Libertador contou com o apoio de figuras como José Páez, Francisco de Paula
Santander, Antonio José de Sucre, Juan José Flores, dentre tantos outros, sejam eles
documentados ou não pela história.
Entretanto, no tocante ao culto a Bolívar, é preciso ponderar que sua construção
ocorreu em razão da necessidade em impedir a cisão do jovem país. Após a morte do
Libertador, a Colômbia, formada em Angostura em 1819 e que agregava os territórios
do vice-reinado de Nova Granada com capital em Bogotá, foi dissolvida e dividida em
três países: Colômbia, Equador e Venezuela. Essa última formada a partir da dimensão
territorial da antiga Capitania Geral da Venezuela que possuía vínculos frágeis entre as
províncias.
60
Sendo assim, para evitar a dissolução do país, a elite dirigente das décadas de
1830 e 1840 decidiu construir um ‘mito de criação’ à República. Ou seja, a pátria
precisava de um ‘pai-fundador’ e aquele que melhor preenchia os requisitos para ser o
eleito à função era Simón Bolívar, o Libertador. O isolamento político que Páez e a elite
dirigente impuseram a Bolívar em seus últimos anos de vida foram amainados pela
‘reconciliação’ feita através da repatriação do corpo de Bolívar à Caracas em 1842 e,
mais tarde, na construção do Panteão Nacional em 1872, onde atualmente encontram-se
os ossos do Libertador e de outros heróis nacionais.
Ao longo da história venezuelana, os presidentes da República somente se
apropriaram de um culto que vinha sendo construído historicamente por muitos autores,
fomentado pelo Estado e entranhado no senso comum do venezuelano. Neste sentido,
Hugo Chávez repetiu seus antecessores ao fazer uso de uma intensa exploração do culto
ao Libertador durante seu governo.
Desta premissa, surge a necessidade de contextualizar e explicar os antecedentes
bolivarianos da era Chávez, sobretudo o papel ocupado pela abordagem do Libertador
feita durante este regime. Portanto, o bolivarianismo da era Chávez possuiu
características próprias, calcadas em uma revisão histórica exagerada do culto, ao ponto
de denominar de Revolução Bolivariana o processo político responsável por sua
ascensão ao poder. Partindo deste princípio, faz-se necessário explicar sob quais bases
está estruturado o culto a Bolívar da era Chávez, assunto do próximo capítulo.
61
CAPÍTULO 2
As bases do culto a Bolívar na Venezuela da era Chávez
Introdução
Este capítulo analisa as bases do culto a Simón Bolívar durante o governo do
presidente Hugo Rafael Chávez Frías (1999-2013). É sabido que o culto à figura do
herói da Independência da Venezuela é uma constante na realidade político-social do
país desde 1842. Portanto, trata-se de uma apropriação realizada por Chávez de
características comuns aos políticos venezuelanos, ainda mais para alguém que obteve
formação histórico-política nas Forças Armadas.
Porém, a forma como foi construída as bases teóricas e empíricas do culto ao
Libertador na era Chávez não pode ser compreendida sob a mesma lógica de seus
antecessores. Com base no difundido pelo historiador Marc Bloch, a história seria uma
ciência “dos homens no tempo”108. Portanto, Chávez não esteve submetido as mesmas
condições – nos âmbitos histórico, político, econômico, geopolítico e social – dos
presidentes que o antecederam. A partir desta premissa, a trajetória histórica de um
determinado país obedeceria a uma lógica (não linear) influenciada pela ação do tempo
histórico, ainda que se tratasse de fenômenos sociais com raízes antigas, a exemplo do
culto a Bolívar na Venezuela.
Chávez construiu seu bolivarianismo sob quatro bases. Primeiramente, sua
gestão se apoiou no militarismo que pode ser denominado, no caso venezuelano, de
bolivarianismo militar. O fato de ter sido tenente-coronel do Exército e ter conferido um
papel estratégico às Forças Armadas fez com que houvesse um significativo aumento da
influência dos militares na política, ao lhes conferir o direito a votar e serem votados.
Segundo, Chávez elaborou uma retórica presidencial com a confluência entre duas
formas de culto a Bolívar historicamente construídas na Venezuela: o letrado e o
popular.
Terceiro, o esforço de revisão historiográfica sobre as causas da morte de Simón
Bolívar, com o propósito de provar que ele havia sido assassinado, fato que viabilizou o
processo de exumação dos ossos do Libertador em julho de 2010. Por fim, o último
ponto a caracterizar o bolivarianismo de Chávez foi a reconstrução facial do que
108. BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador, p.55.
62
supostamente teria sido o rosto do Libertador, com o propósito de formar um Bolívar a
‘imagem de semelhança’ do homem no poder daquele momento.
Ou seja, os quatro aspectos destacados acima constituem as bases sob as quais o
presidente Hugo Chávez construiu o bolivarianismo no período em que esteve no poder.
2.1 – O comandante-presidente e o bolivarianismo militar
Assim como Simón Bolívar, Hugo Chávez também foi um militar, formou as
bases de seu pensamento nas Forças Armadas e costumava enxergar a política pelo viés
da estratégia, do confronto e dos riscos. Em muitas ocasiões afirmou estar em ‘guerra’,
seja contra a fome e a miséria que grassava grande parte da população venezuelana em
1999, ou contra seus adversários. Essa característica esteve marcadamente presente em
seus discursos e nas decisões que tomou na presidência da República. Ao ser
questionado sobre a situação política da Venezuela em maio de 2010, ocasião em que
concedeu uma longa entrevista a um jornalista brasileiro, Chávez comparou o embate
no campo político com uma interminável batalha militar, ao afirmar que as dissidências
ocorridas em seu governo eram normais e citou como exemplo um piloto que se ejeta de
um avião109.
Vislumbrar a política como uma batalha militarmente disputada é fundamental
na compreensão da Revolução Bolivariana. O bolivarianismo da era Chávez pode ser
caracterizado como um bolivarianismo militar, em razão da origem militar do presidente
e, sobretudo, do preponderante papel ocupado pelas Forças Armadas nos
desdobramentos políticos e nas mudanças de ordem estrutural ocorridas no país entre
1999 e 2013. Esse fenômeno também foi perceptível nas frequentes paradas e demais
eventos militares para comemorar dias específicos que simbolizassem a instituição
armada, que neste período passou a se chamar Forças Armadas Bolivarianas.
Na era Chávez, um dos principais eventos no calendário militar venezuelano
acontecia todo 4 de fevereiro, quando se comemorava com desfiles, acrobacias aéreas e
longos discursos, o aniversário da tentativa de golpe de Estado comandada por Chávez
em 1992. Tratava-se de uma eficiente forma do regime se relegitimar e demonstrar sua
preponderância no espaço público. O evento realizado em 2012 foi o último a contar
109. CHÁVEZ, Hugo. Entrevista do Excelentíssimo Senhor Presidente da República Bolivariana da
Venezuela, Hugo Rafael Chávez Frías, ao Jornalista Kennedy Alencar. Programa É Notícia, Rede TV.
Embaixada da Venezuela no Brasil. Brasília, 3 de maio de 2010. Transcrição do autor, p.12-13.
63
com a participação física de Chávez e, naquela ocasião, o governo promoveu um
grande, longo e pomposo desfile em Caracas para celebrar os 20 anos do
acontecimento110. Esse evento foi ainda mais estratégico para o presidente, pois em
outubro do mesmo ano (2012) haveriam eleições e ele se candidataria a um quarto
mandato. Além disso, já havia sido diagnosticado com câncer e fazia tratamento em
Cuba, o que o obrigava a passar um tempo considerável fora do país.
Contudo, conforme noticiou o Correo del Orinoco, um dos principais meios de
divulgação do regime, Chávez desfilou em carro aberto com uma de suas filhas (figura
frequente ao seu lado desde quando se divorciou em 2003) e em discurso afirmou que as
Forças Armadas eram bolivarianas e chavistas, pois ele e o Libertador estavam
presentes no coração da instituição, doa a quem doesse. Por fim, se eximiu, ao afirmar
que o povo dizia isso, não ele111. Para tanto, não havia sentido deixar de reverenciar as
Forças Armadas e seus símbolos. Isso era parte essencial do culto à figura do
Libertador, encarado como o fundador e principal símbolo desta instituição. Enquanto
presidente da República, muitos partidários e colaboradores de Chávez o chamavam de
comandante-presidente, uma denominação que remete automaticamente às instituições
militares e suas divisões hierárquicas.
Conforme demonstrou-se no capítulo anterior, a Venezuela tem sido
historicamente marcada pela cultura do militarismo. As Forças Armadas e seus
presidentes-militares foram fundamentais na formação da nacionalidade venezuelana,
que se confluiu com o culto a Bolívar. Ademais, 30 dos 55 presidentes que o país teve
saíram das fileiras castrenses e foram aqueles que exerceram o cargo pelos períodos
mais longos. Três destes presidentes-militares (cada um deles ao seu modo) instalaram
regimes que se prolongaram por mais de uma década: Guzmán Blanco governou de
1870 a 1888 (18 anos); Juan Vicente Gómez comandou a Venezuela com mãos de ferro
entre 1908 e 1935 (27 anos) e Hugo Chávez liderou a Revolução Bolivariana entre 1999
e 2013 (14 anos).
Este imaginário da ‘proeminência militar’ é marcante na historiografia
venezuelana e reporta-se ao período das guerras pela Independência. Segundo Elias
110. O evento de 2013 não teve a participação de Chávez, pois ele encontrava-se em Cuba para
tratamento do câncer. Na ocasião, Nicolás Maduro leu uma carta enviada pelo presidente que exaltava o 4
de fevereiro e a Revolução Bolivariana, segundo ele a responsável por ter ‘novamente libertado’ a
Venezuela (DAVIDES, Vanessa. Presidente Chávez: necesitamos estar cada vez más unidos como
pueblo. Correo del Orinoco. Caracas, 5 de febrero de 2013, p.3, No 1.225). O 4 de fevereiro e o papel
ocupado por esta data durante a era Chávez é discutido no próximo capítulo.
111. DAVIES, Vanessa & LOSANO, Hector. Chávez reiteró que la Fuerza Armada “es chavista, duélale
a quien duela”. Coreo del Orinoco. Caracas, 5 de febrero de 2012, p.2, No 872.
64
Pino Ituriera, os militares fazem a leitura de que foi o Exército que conquistou a
Independência e a liberdade da pátria, ou seja, a emancipação da colônia foi um
‘presente’ dos militares ao povo112. Não por acaso a principal figura daquele processo,
Simón Bolívar, foi general e em seus discursos sempre exaltou a instituição armada. Por
isso, este imaginário é constantemente recuperado pelos presidentes venezuelanos,
sobretudo os presidentes-militares, razão pela qual a cultura do militarismo tem sido
extremamente forte no país.
Contudo, esta maciça presença de militares na história política da Venezuela é
criticada por alguns historiadores. Para Manuel Caballero, o militarismo é perigoso
devido a sua ‘condição intrínseca de enfermidade mortal à pátria’, pois o fim de todo
processo de militarização da sociedade seria a guerra113. Essa tese, defendida por
Caballero, pode ser confirmada com base na história venezuelana, marcada pelas
insurgências militares e saídas forçadas de presidentes. Durante a maior parte do século
XIX, a Venezuela viveu momentos de grande turbulência política, período denominado
pela historiografia nacional de la violência. Nesse período, o domínio dos caudilhos no
cenário político foi a principal forma de exercício do poder, situação agravada após a
morte de Bolívar em 1830. De acordo com Salcedo-Bastardo (1982), isso ocorreu
porque, nesse momento,
El caudillo es el nuevo dirigente; es una potencia incuestionable,
síntesis humana de poder material – físico, económico y social –
aureolado con la magia del ‘prestigio’ y de su inefable proyección
carismática. Autoritario, elemental y arbitrario, de cualidades
positivas y negativas es capaz de obrar prodigios en la vida social114.
Inevitavelmente, Chávez e seu regime estiveram imersos nas contradições e
heranças existentes na estrutura social do país, visto que a noção de militarismo é
crucial no entendimento dos desdobramentos políticos, econômicos e sociais ocorridos
na Venezuela entre 1999 e 2013. Para Norberto Bobbio, a categoria de militarismo é
complexa, pois agrega um conjunto de hábitos, interesses, ações e pensamentos. Ela
visa objetivos ilimitados, dentre os quais penetrar em amplos setores da sociedade,
conferir às Forças Armadas uma condição de superioridade em relação ao governo e
ostentar atitudes de casta, culto, autoridade e fé115. Ou seja, na prática, o militarismo
112. PINO ITURIETA, Elías. Nada sino un hombre, p.224-237.
113. CABALLERO, Manuel. La peste militar: escritos polémicos (1992-2007), p.40.
114. SALCEDO-BASTARDO, José Luis. Historia fundamental de Venezuela, p.328.
115. BOBBIO, Norberto. Dicionário de política, p.748.
65
significa “[...] o controle dos militares sobre os civis e a sistemática vitória das
instâncias dos primeiros sobre os segundos”116.
Na América Latina, o conceito de militarismo é importante no entendimento da
história, dos desdobramentos e da cultura política117 da maioria destes países. De acordo
com Alain Rouquié, este conceito passa a fazer sentido somente no século XX, quando
se inicia o processo de profissionalização das instituições militares, pois, “as Forças
Armadas de um país são símbolos de sua soberania nacional”118. No entanto, na maioria
dos países latino-americanos, a história demonstra que o militarismo tem sido usado
como principal sustentáculo do que Ianni denominou de “predomínio da cultura política
não democrática”. Ela pode até se mesclar com ideais aparentemente democráticos,
porém suas práticas estão longe de serem democráticas119.
Na visão de Rômulo Neves, o conceito de militarismo reúne diferentes
categorias, as quais podem ser utilizadas para caracterizar desde os militares
‘profissionais’ até aqueles ‘não profissionais’, que seriam os políticos-militares, ou
caudilhos, personagem histórico importante ao se analisar a formação da estrutura social
venezuelana.
A equação militarismo-democracia é compreendida normalmente pelo
pensamento político do venezuelano, pois sintetiza a modernidade do
discurso da democracia com estruturas de significação profundas e,
por vezes, atávicas [...] no campo político120.
Tal como o destacado acima, Neves (2010) sintetiza a equação militarismo e
democracia como sendo perceptível e normalizada pelo senso comum do eleitor
venezuelano. Contudo, ele vislumbra o militarismo e o bolivarianismo sob a perspectiva
de duas categorias distintas, algo do qual essa tese discorda, pois parte-se do princípio
de que na Venezuela existe um bolivarianismo militar. Nesse caso específico, o
116. Idem, p.749.
117. Em razão de abarcar uma ampla e complexa gama de fatores (comportamento individual ou coletivo,
valores religiosos, tradições, etc.), o conceito de cultura política possui definição problemática para
cientistas políticos, historiadores e sociólogos. É inegável seu caráter multidisciplinar. Segundo Serge
Berstein (1992), o termo cultura política foi apropriado pelos historiadores, vindo da antropologia, que
identifica a cultura como uma gama de comportamentos coletivos, sistemas de representação e de valores
de uma determinada sociedade. A cultura política é, portanto, a junção destes significados culturais
aplicados ao cenário político, que podem variar de um período histórico a outro, de um sistema político a
outro (BERSTEIN, Serge. L'historien et la culture politique, p.68). Nesta tese, o conceito de cultura
política será entendido como a influência de traços da cultura venezuelana – o militarismo e o culto a
Bolívar – em sua realidade política.
118. ROUQUIÉ, Alain & SUFFERN, Stephen. Os militares na política Latino-americana após 1930,
p.201.
119. IANNI, Octavio. O labirinto Latino-americano, p.84.
120. NEVES, Rômulo Figueira. Cultura política e elementos de análise da política venezuelana, p.116.
66
militarismo atinge uma conotação mais complexa devido a sua junção com o culto a
Bolívar. Entre 1999 e 2013, foi gestada uma sistemática tentativa de reforçar esse culto
através da estratégia de aliar a imagem de Chávez com a de Bolívar, sobretudo quando
determinado assunto envolvia as Forças Armadas. Desta forma, o militarismo e o culto
a Bolívar são categorias indissociáveis na realidade política venezuelana.
Outro termo indissociável ao de bolivarianismo é o nacionalismo. Trata-se de
um conceito complexo e de definição difusa nos países latino-americanos. Para
Hobsbawm (2010), esta categoria tem origens na Europa do século XIX, sede do
nacionalismo e considerado um ‘filho’ das Revoluções Industrial e Francesa, além de
ter sido elemento norteador das lutas pelos direitos sociais e, em alguns casos, de
unificação de Estados Nacionais121.
Contudo, na América Hispânica recém-independente do século XIX não havia
um nacionalismo. Tratava-se de um protonacionalismo, entendido como “[...]
movimentos nacionais [que] podem mobilizar certas variantes do sentido de vínculo
coletivo já existente” 122. Sendo assim, os ideais que haviam sido defendidos por homens
como Bolívar e San Martín não se realizaram, pois “[...] as revoluções latino-americanas
foram obra de pequenos grupos de aristocratas, soldados e elites afrancesadas
“evoluídas”, deixando a massa da passiva população branca, católica e pobre, e dos
índios indiferentes ou hostis” 123.
Na visão de Bobbio (1998), a ideia de nacionalismo está atrelada a uma
ideologia nacional, restrita ou não a determinado grupo, que na prática tem por objetivo
se sobrepor as ideologias partidárias. Esse significado se tornou mais evidente no século
XX. Aliado a isso, há outra designação mais restrita atrelada à radicalização das ideias
de unidade e de independência da nação, aplicado a um grupo que se comporta como o
único interprete capaz de gerir os interesses nacionais124. Historicamente, os militares
têm desempenhado este papel na Venezuela.
Portanto, o nacionalismo venezuelano é materializado, ou até mesmo fundido,
no culto a Bolívar, não havendo como separar ambas as categorias. Neste sentido, o
bolivarianismo militar também pode ser considerado um ‘nacionalismo-militar’. O
militarismo, portanto, age como uma expressão praticamente ‘inevitável’ de um
nacionalismo permeado pelo culto exacerbado aos heróis da Independência, com larga
121. HOBSBAWN, Eric. A era das revoluções (1789-1848), p.217-233.
122. Idem. Nações de nacionalismos desde 1780, p.63.
123. Idem. A era das revoluções (1789-1848), p.232.
124. BOBBIO, Norberto. Dicionário de política, p.799-806.
67
ênfase em Simón Bolívar. Isso é perceptível na maneira como Chávez construiu a
retórica bolivariana do regime e é fundamental para se compreender a Revolução
Bolivariana.
Em discurso proferido no dia em que se celebra o nascimento de Bolívar,
Chávez fez questão de fazer referência ao que pode ser considerado o principal objeto
simbólico do culto ao prócer: a espada do Libertador125. Neste evento, quando também
se comemora o dia da Armada Venezuelana, Chávez afirmou ser uma contradição o fato
da espada de Bolívar encontrar-se guardada em um cofre no Banco Central da
Venezuela (BCV). O presidente da República disse abertamente que desejaria tê-la em
suas mãos, com o propósito de defender a pátria contra a pobreza e a antiga oligarquia
dirigente, a mesma que, em sua visão, havia traído e expulsado o Libertador da
Venezuela126.
Chávez não combateria a pobreza utilizando uma espada, mas com
investimentos em políticas que pudessem prover alimento, saúde, educação,
infraestrutura e, sobretudo, a recuperação do setor agrário-produtivo do país, após
décadas de sucateamento e excessiva dependência das rendas do petróleo. Até certo
ponto Chávez as fez, exceto no tocante a dependência petrolífera. Porém, tais políticas,
aliadas ao uso simbólico da espada, poderiam ser utilizadas para reforçar a imagem de
que Bolívar governava a Venezuela e libertava o povo venezuelano por meio de Chávez
que, por sua vez, buscava reforçar, diante dos militares venezuelanos, sua imagem de
figura legítima na função de continuador da obra iniciada por Bolívar no século XIX.
No entanto, Chávez insistia em reforçar o que Baczko (1985) denominava de
‘o peso dos símbolos no exercício do poder carismático’. Na visão deste autor, “os
atores políticos, em especial os “chefes”, são julgados não só pelas suas competências,
mas também pela imaginação política e social que lhes é atribuída ou recusada”127.
Havia uma associação entre a imaginação criada a partir dos símbolos, ou seja, a espada
do Libertador, com o exercício do poder presidencial. Portanto, neste caso, a espada de
Simón Bolívar ganhava peso simbólico no momento do presidente dizer que com ela
combateria a pobreza que grassava a maioria dos venezuelanos naquele momento, ainda
125. Essa honraria foi oferecida a Bolívar, em 1825, pela municipalidade de Lima, como um presente em
reconhecimento pelas vitórias obtidas nas batalhas de Junin e Ayacucho (1824), motivo pelo qual também
é conhecida como “la espada del Perú”.
126. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de la celebración del 216o aniversario del natalicio del libertador Simón Bolívar, en
176o aniversario de la Batalla Naval del Lago de Maracaibo y día de la Armada Venezolana. Panteón
Nacional. Caracas, 24 de julio de 1999, p.253-260.
127. BACZKO, Bronislaw. A imaginação social, p.296.
68
que fosse de uma maneira figurada. Por isso, ter em mãos um dos maiores símbolos
referentes ao prócer era útil no intuito de reforçar sua identificação com Bolívar e,
consequentemente, com os militares.
Portanto, é possível dizer que o bolivarianismo militar da era Chávez outorgou
às Forças Armadas um papel considerado estratégico no processo político desencadeado
em fevereiro de 1999. Tal como havia prometido na campanha eleitoral, Chávez
expediu um decreto, em abril de 1999, com o qual convocou uma Assembleia Nacional
Constituinte, instalada em agosto do mesmo ano. Dentre os inúmeros propósitos
estabelecidos no intuito de justificar o processo de elaboração de uma nova
Constituição, estava a possibilidade de atribuir aos militares ativos o direito de votarem
e de serem votados nas eleições realizadas no país128.
Em dezembro de 1999, a nova Carta Magna foi promulgada, por meio da qual
os militares adquiriram esse direito, diferente do estabelecido na Constituição de 1961
que os proibia de votar. Conforme o estipulado em seu Artigo 330: “los o las
integrantes de la Fuerza Armada Nacional en situación de actividad tiene derecho al
sufragio de conformidad con la ley […]”129.
Ao discursar durante a apresentação do projeto de Constituição em novembro
de 1999, Chávez fez questão de ler na íntegra o Artigo 330 da nova Carta Magna, se
referindo aos militares como “meus irmãos”. Para o presidente, o fato dos militares
passarem a ter direito a voto enquanto estivessem na ativa seria uma forma de
reivindicar o restabelecimento do que chamou de “a essência dos militares
venezuelanos”130, isto é, a participação e a influência na política, algo considerado, em
sua visão, fundamental à recuperação da unidade das Forças Armadas.
Na realidade, o sufrágio aos militares, consagrado na Constituição Bolivariana
de 1999, pode ser considerado o ‘retorno oficial’ das Forças Armadas à política na
Venezuela, bem como de sua capacidade de intervenção, ao ocupar um papel de
protagonistas e se tornar uma instituição ainda mais estratégica nas decisões tomadas
pelo regime. Ou seja, esse fato representou o término da subordinação dos militares à
autoridade civil, principal característica da Constituição promulgada em 1961.
128. O processo Constituinte de 1999 é analisado mais profundamente no capítulo 3.
129. VENEZUELA. Constitución de la República Bolivariana de Venezuela (1999). Artigo 330, p.571.
130. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de presentar al país el proyecto de Constitución. Palacio de Miraflores. Caracas, 25 de
noviembre de 1999, p.477-478.
69
Contudo, esta ‘volta’ dos militares ao protagonismo no cenário político
venezuelano expôs a resistência e a desconfiança de parte da base de apoio do
presidente em relação aos militares. Segundo Richard Gott, os descontentes
costumavam dizer a seguinte frase: “os militares estão em toda parte”. Logo, é possível
afirmar: “Senior military officers had in fact been placed in all the principal ministries
[…]”131. Porém, tal ‘desconforto’ não foi capaz de conter o avanço no processo de
consolidação do bolivarianismo militar na Venezuela entre 1999 e 2013.
Em entrevista à socióloga Marta Harnecker, Chávez viu-se obrigado a defender
os militares ao dizer que as críticas feitas a eles, de que seriam pouco propensos a
participação, eram injustas. Harnecker insistiu no fato de ser uma contradição um
processo revolucionário que se denomina de esquerda possuir militares como os
“principais executores práticos das tarefas mais importantes”. No entanto, o presidente
da Venezuela afirmou de maneira categórica: “Eu sou o primeiro militar desse
grupo”132. Chávez concedeu essa entrevista entre junho e julho de 2002, pouco tempo
após debelar um golpe de Estado que o havia retirado do poder por mais de 48 horas em
abril de 2002, acontecimento que contou com a participação de vários oficiais das
Forças Armadas133.
Contudo, o golpe não prosperou e Chávez foi resgatado por um grupo de
paraquedistas comandado pelo general Raúl Isaías Baduel. Em discurso pronunciado
poucos minutos após retornar ao cargo, Chávez fez questão de enfatizar que, embora
tenha havido ‘traições’ entre os oficiais, as Forças Armadas eram a instituição mais
poderosa na Venezuela daquele momento, somente estando abaixo de Deus, pois os
militares e o povo constituíam uma só força. O presidente também chamou os militares
dissidentes de “grupo virtual” e fez questão de dizer que, enquanto esteve preso, não foi
torturado134. Chávez defendeu os militares em seu sentido estratégico, pois demonstrava
possuir a consciência de que governar o país sem o respaldo irrestrito das Forças
Armadas seria inviável. A eclosão da tentativa de golpe em abril de 2002 confirmou a
viabilidade desta estratégia.
131. “Foram colocados oficiais militares de alta-patente em todos os principais ministérios” (GOTT,
Richard. Hugo Chávez and the Bolivarian Revolution, p.177).
132. CHÁVEZ, Hugo. Entrevista concedida por Hugo Chávez Frías a Marta Harnecker. In:
HARNECKER, Marta. Um homem, um povo, p.83-84.
133. Os desdobramentos e as consequências relativas ao golpe de Estado, sofrido por Chávez em abril de
2002, é discutido no capítulo 3.
134. CHÁVEZ, Hugo. Palabras del presidente Hugo Chávez Frías, al retornar al Palacio de Miraflores.
Caracas, 14 de abril de 2002. In: RODRÍGUEZ, Julián Isaías. Palabras de abril, p.85-98.
70
Harnecker entrevistou Chávez em um momento extremamente delicado, pois
estava em andamento um sensível processo de reestruturação nos quadros das Forças
Armadas, para isolar os militares não comprometidos com a Revolução Bolivariana. Por
isso, a insistência em defender a instituição armada, mesmo com os fatos não
condizentes com a realidade.
O presidente da Venezuela possuía o pensamento de que as Forças Armadas
deveriam agir na vanguarda dos acontecimentos, munidos por um sentimento de
consciência social, com o propósito de combater a pobreza e a miséria na Venezuela.
Mesmo antes de chegar à presidência da República, tais características eram
marcadamente perceptíveis em suas reflexões.
Na prisão, Chávez concedeu algumas entrevistas à jornalistas venezuelanos. O
principal deles foi José Vicente Rangel, que mais tarde ocuparia cargos estratégicos em
seu governo. Em uma delas, realizada no Centro Penitenciário de Yare, em 30 de agosto
de 1992, Rangel perguntou a Chávez o que as Forças Armadas significavam para ele. O
futuro presidente afirmou que essa instituição poderia ser considerada como um grande
“terreno, pronto e semeado” para colher os frutos com os quais, em tese, permitiriam
aos militares exercerem um papel de protagonismo no desenvolvimento do país. Em sua
visão, era justamente isso que a sociedade venezuelana esperava dos militares, como
parte da nova relação que se formaria entre a política e as Forças Armadas135.
O entendimento de que as Forças Armadas eram uma instituição portadora de
protagonismo no cenário político tornou-se nítida nessa resposta, proferida por alguém
que seria eleito presidente da República alguns anos depois (1998) e implantaria
mudanças significativas na estrutura social do país, com os militares a ocupar os
principais postos de comando. Ademais, Chávez demonstrava conhecer as heranças
históricas da nação, marcadamente militarizada, somado à tácita aceitação de grande
parte da população venezuelana para com um eventual governo comandado por um
militar. Em linhas gerais, percebia que contar com o maciço respaldo das Forças
Armadas seria estratégico para continuar no poder.
Para Chávez, outro ponto fundamental na Revolução Bolivariana era o fato do
presidente da República também ser um militar, visão reforçada ao longo do processo.
Em entrevista concedida em 2009, foi enfático ao afirmar que o fato de ser militar
exercia influência nos soldados, algo fundamental ao êxito de seu governo.
135. CHÁVEZ, Hugo. Nos duele la patria. Penitenciaria de Yare, 30 de agosto de 1992. In: RANGEL,
José Vicente. De Yare a Miraflores, el mismo subversivo, p.48.
71
[…] a lo largo de estos últimos veinte años, ahora, en este momento
[2009], si yo no fuera militar, si yo fuera un presidente civil,
difícilmente ese presidente civil pudiera tener la influencia que yo
tengo sobre ellos [militares]. Esa particularidad ha sido muy
importante y además le ha dado al pueblo mayor fortaleza a la hora
de las definiciones, porque sabe que cuenta con unos soldados
dispuestos a todo, en caso de crisis como la que hemos pasado… y las
que puedan pasar136.
Desta forma, enquanto esteve na presidência da República, sempre deixou
visível que governaria com os militares, pois os considerava os protagonistas no
processo de restituição da gloria e da liberdade à Venezuela. Chávez se colocava no
cenário político como o líder capaz de restituir a liberdade ao povo venezuelano,
destituída após a morte de Bolívar (1830), quando o poder foi ‘sequestrado’ pela
oligarquia que governou a Venezuela até 1998. Esse traço de continuidade histórica está
presente no discurso que fez sobre a nova Doutrina Militar, formulada com base no que
chamou de luta anti-imperialista: “Los principios de la guerra revolucionaria en
Venezuela son los mismos, desde la época de la independencia para acá”137.
Todavia, conforme discutiu-se no capítulo anterior, durante as batalhas pela
Independência, o conceito de liberdade significava livrar-se do domínio espanhol, a
exemplo do que propagava Bolívar ao justificar as sangrentas batalhas que lutou. Já na
era Chávez, liberdade correspondia a livrar-se da dominação imposta pela antiga
oligarquia dirigente, representada pelos grupos políticos que o precederam, além de
retomar o ideário defendido por Bolívar no século XIX.
Já no discurso proferido durante a posse em fevereiro de 1999, Chávez
enfatizou o potencial logístico das Forças Armadas ao ponderar o número de militares-
engenheiros presentes no quadro da instituição. O presidente havia pedido ao seu
ministro da defesa, general Salazar, uma lista com o número de militares que possuíam
formação em engenharia. Chávez fez questão de se mostrar publicamente surpreso pela
quantidade de militares engenheiros138.
Por meio de tais palavras, sinalizava mais uma vez o importante papel que as
Forças Armadas ocupariam em seu governo, ao enfatizar a capacidade logística da
instituição no processo de ‘reconstrução’ do país. Chávez chegou à presidência da
136. CHÁVEZ, Hugo. In: RAMONET, Ignacio. Hugo Chávez, mi primera vida, p.269-270.
137. CHÁVEZ, Hugo. La doctrina militar bolivariana y el poder nacional. Alô Presidente Teórico 5.
Fuerte Tiuna. Caracas, 23 de julio de 2009, p.5.
138. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de la toma de posesión. Palacio Federal Legislativo. Caracas, 2 de febrero de 1999,
p.28-29.
72
República no bojo da crise estrutural que atingiu o sistema erigido em 1958,
denominado pela historiografia de Pacto de Punto Fijo (1958-1998). Neste período, as
Forças Armadas tiveram seu papel político reduzido, subordinadas ao controle civil139.
Os militares ativos não podiam votar e ser votados, embora neste período, ao contrário
do que o regime de Chávez difunde, eles intervieram no debate político. Manteve-se
como uma instituição importante, porém, desprovida do protagonismo que retomaria na
era Chávez. Para Rouquié & Suffern (2009),
Durante o governo de Betancourt até o começo dos anos 1990, as
forças armadas venezuelanas permaneceram caladas no tocante à
política. No entanto, não careciam de poder e os meios que
empregaram para garantir o controle dos civis não se limitavam
estritamente aos estipulados pela Constituição do país. [...] Os oficiais
cumpriram numerosas funções extramilitares no setor nacionalizado
da economia e na gestão dos programas de desenvolvimento. Cabe
perguntar se a atribuição dessas tarefas às forças armadas foi
meramente uma utilização sensata dos conhecimentos dos militares ou
se foi, primordialmente, um meio ambíguo – e talvez, a longo prazo,
ineficaz ou mesmo contraproducente – de controlar os civis140.
Ao contrário do descrito acima, segundo a análise difundida pelo regime e
favorável a Chávez, a crise do regime anterior ocorreu devido ao fato das Forças
Armadas terem sofrido um processo de desmobilização e desmoralização entre 1958 e
1998. Esse raciocínio é perceptível no discurso proferido a fim de apresentar o projeto
de Constituição ao país em novembro de 1999, quando Chávez chegou a dizer que o
regime anterior (representado na figura de Rómulo Betancourt) havia dividido as Forças
Armadas em pedaços141. Era perceptível que o presidente entendia as Forças Armadas
como um poder militar, provido de protagonismo e os militares como os componentes
desse poder, sob o ponto de vista de um conjunto de soldados subordinados a
perspectiva de retomada e manutenção da liberdade142.
Desta forma, construía a imagem do líder de um processo revolucionário capaz
de ‘devolver’ a glória à pátria de Bolívar através do ‘retorno’ das Forças Armadas a um
papel de protagonismo no cenário político, ao trazê-las para o cotidiano do país e a
139. EWELL, Judith. Venezuela, 1930-1990, p.327.
140. ROUQUIÉ, Alain & SUFFERN, Stephen. Os militares na política latino-americana após 1930,
p.240-241.
141. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de presentar al país el proyecto de Constitución. Palacio de Miraflores. Caracas, 25 de
noviembre de 1999, p.477.
142. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo del inicio de un nuevo curso de la Fuerza Aérea Venezolana. Base Aérea “Francisco de
Miranda”, La Carlota-Caracas, 14 de septiembre de 2000, p.281-282.
73
população as visse ‘trabalhando’ em prol da nação. Conforme pronunciou ao refletir
sobre o tema em 2009: “Yo quiero que la Fuerza Armada participe cada día más en el
desarrollo económico del país de muchas maneras. Aquí hay mucho potencial creativo,
investigativo, técnico”143.
Ao considerar tais argumentos, é compreensível que o presidente Chávez tenha
dado início ao chamado Plano Bolívar 2000 poucos dias após tomar posse na
presidência. Para aproveitar a estrutura das Forças Armadas no intuito de realizar
mutirões de serviços nas áreas de saúde e infraestrutura, esse Plano envolveu mais de 40
mil pessoas, dentre soldados e voluntários144. No dia de seu lançamento, refutou a tese
de que militarizava a sociedade venezuelana. Preferia utilizar o termo “união cívico-
militar” que, a seu modo de ver, representaria a junção entre o povo e o Exército145. Por
um lado, o Plano Bolívar 2000 era um movimento cívico-militar, pois agregava um
contingente de voluntários e líderes comunitários locais. Mas, por outro, apresentava
uma nítida prevalência dos militares, sobretudo devido a melhor coesão na atuação
logística. Isso se tornou evidente no decorrer das três fases pelas quais o Plano passou,
antes de ser substituído pelas Missões Sociais em 2003146.
Contudo, o contingente empregado na iniciativa foi insuficiente, se comparado
com a carência venezuelana daquele momento. O Plano Bolívar 2000 também
apresentou problemas e expôs suas limitações devido a excessiva improvisação, falta de
transparência com acusações de corrupção e ausência de garantias institucionais mais
sólidas147. De acordo com o destacado ao longo deste item, as Forças Armadas
desempenharam os papéis mais estratégicos na manutenção do governo Chávez e no
respaldo a sua interpretação do culto a figura de Simón Bolívar. Utilizava-se das Forças
Armadas como uma instituição ‘verdadeiramente’ bolivariana e do bolivarianismo
militar como uma das bases do culto ao Libertador difundido na era Chávez. Além de
ter debelado a tentativa de golpe em abril de 2002, o apoio a Chávez vindo dos militares
e de sua logística foi determinante para superar uma das maiores crises enfrentadas por
sua administração: a greve dos altos funcionários da estatal Petróleos de Venezuela
Sociedad Anónima (PDVSA).
143. CHÁVEZ, Hugo. La doctrina militar bolivariana y el poder nacional. Alô Presidente Teórico 5.
Fuerte Tiuna, Caracas, 23 de julio de 2009, p.6.
144. GOTT, Richard. Hugo Chávez and the Bolivarian Revolution, p.178.
145. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Chávez cita Mao e cria ‘exército’ de 140 mil para ‘salvar’
Venezuela. Folha de S. Paulo. São Paulo, 23 de fevereiro de 1999, p. 10, No 25.528.
146. GOTT, Richard. Hugo Chávez and the Bolivarian Revolution, p.178.
147. LANDER, Edgardo. Venezuela: a busca de um projeto contra hegemônico, p.208.
74
Esse ‘paro’ ocorreu de dezembro de 2002 a fevereiro de 2003 e paralisou de
forma quase total o setor produtivo do país, provocou desabastecimento de
combustíveis, prejudicou a logística e paralisou os transportes. Como consequência, a
Venezuela enfrentou uma grave situação de desabastecimento, fazendo com que a
economia venezuelana, ainda em crise, praticamente entrasse em colapso. Essa situação
afetava a população mais pobre, justamente onde se encontravam a maior parte dos
eleitores do presidente. Apesar disso, o governo conseguiu vencer os grevistas e demitiu
quase toda a diretoria da PDVSA em fevereiro de 2003. Contudo, esse sucesso para o
governo foi obtido devido ao apoio das Forças Armadas que interceptaram barcos da
estatal, invadiram as salas da diretoria e começaram a operar o sistema de informática
que havia sido hackeado.
Visando colocar os grevistas na defensiva, Chávez fez vários discursos
inflamados e condenava duramente a greve, a chamando de golpe econômico. O
presidente não economizou nos ataques aos grevistas e em dezembro de 2002 discursou
na Avenida Urdaneta, ocasião em que disse diretamente aos militares:
Compañeros de armas, desde aquí les hablo como soldado y como
hombre de esta tierra. Yo a ustedes les juro una vez más […] que este
soldado que está aquí no cederá al chantaje, ni a la presión de ningún
grupo, y que estaré con ustedes toda mi vida. Estoy seguro que aquí
estaremos siempre unidos aguantando cualquier ataque de cualquier
signo que sea148.
Este apelo à unidade e ao fato do presidente ser um soldado era extremamente
útil, pois durante os dias mais difíceis da paralisação os militares tiveram que agir de
forma autoritária, estratégia que não cessaria até o fim da greve. O fato dos militares
serem obrigados a pilotar barcos interceptados, arrombar as portas para entrar nas salas
de comando da PDVSA, dentre outras atitudes, estava desgastando a imagem da
instituição perante a mídia nacional e internacional.
Além disso, os militares também foram enviados para tomar indústrias
alimentícias e cervejarias, acusadas pelo governo de estocarem seus produtos no intuito
de agravar o desabastecimento. Em janeiro de 2003 houve um momento de grande
tensão quando soldados tomaram uma fábrica da Coca-Cola, evento amplamente
destacado pela imprensa local e internacional. Após dominar as instalações, o
148. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de la marcha por la paz, la democracia y defensa de la constitución. Avenida
Urdaneta. Caracas, 7 de diciembre de 2002, p.513.
75
comandante da operação, general Luis Acosta Carlez, tomou uma cerveja diante das
câmeras e arrotou149, atitude descrita como um abuso pela imprensa oposicionista150.
Todavia, como parte da estratégia, Chávez insistia em reverenciar o papel dos
militares até mesmo neste episódio, sempre enfatizava este fato sob uma perspectiva
positiva para atenuar os possíveis desgastes sofridos pela instituição. Neste mesmo
discurso da Avenida Urdaneta, afirmou que as Forças Armadas estavam de fato
assumindo seu papel junto ao povo, pois seriam invencíveis no processo de resgatar a
dignidade que havia sido estabelecida pelos libertadores do continente, em especial por
Simón Bolívar151. Quando deu posse à nova diretoria da empresa após demitir a
anterior, Chávez novamente agradeceu aos militares pelo apoio durante a greve152.
Dessa forma, entende-se que o papel desempenhado pelas Forças Armadas no
processo político desencadeado em fevereiro de 1999 foi extremamente reforçado ao
ponto de viabilizar a construção de um sistema político fortemente militarizado.
Ademais, o fato da presidência da República ser ocupada por alguém identificado com
essa instituição e que havia formado as bases de seu pensamento nela, serviu para
reforçar o bolivarianismo militar na Venezuela.
Entre 1999 e 2013, houve uma prevalência dos militares no sistema político,
sobretudo entre aqueles que ocupavam cargos eletivos, aumentou-se o número de
militares exercendo mandatos neste período. Nas eleições regionais de dezembro de
2012, último pleito realizado na era Chávez, 20 dos 23 estados elegeram governadores
alinhados ao presidente. Desses 20, 11 eram militares ou possuíam algum vínculo com a
instituição armada, dentre eles se destacam o general Jorge Luis García Carneiro (eleito
governador do estado Vargas) e Francisco Árias Cárdenas. Cárdenas não somente era
militar como havia participado da tentativa de golpe de Estado comandada por Chávez
em 1992. Ele se elegeu para governador do estado de Zúlia, o mais rico do país devido a
produção de petróleo. Segundo o publicado no Folha de S. Paulo,
A vitória do governo Hugo Chávez nas eleições estaduais de
anteontem na Venezuela revelam que, além de quase todo vermelho, o
149. VÍDEO. El eructo de Luis Felipe Acosta Carlez. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=pLGwSA_ou6s> (acesso em 15 de setembro de 2016).
150. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Soldados tomam fábrica da Coca-Cola. Folha de S. Paulo. São
Paulo, 18 de janeiro de 2003, p.11, No 26.953.
151. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de la marcha por la paz, la democracia y defensa de la constitución. Avenida
Urdaneta. Caracas, 7 de diciembre de 2002, p.517-518.
152. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo del nombramiento de la nueva junta directiva de Petróleo de Venezuela (PDVSA).
Palacio de Miraflores. Caracas, 6 de marzo de 2003, p.217-218.
76
país se tornou mais verde-oliva: 11 dos 20 governadores eleitos do
chavismo têm origem militar153.
A expressão verde-oliva fazia referência a cor do uniforme-militar, em especial
do Exército, instituição da qual Chávez fez parte durante muitos anos. Tal matéria,
vinda de um periódico crítico do regime, enfatiza a considerável força política dos
militares com a qual refletem o protagonismo militar, potencializado durante toda a era
Chávez. Portanto, a indicação de Nicolás Maduro (um civil) como sucessor, feita por
Chávez pouco antes de morrer, não significou uma ‘derrota’ da ‘ala militar’ dentro da
base de apoio do presidente.
Com base no descrito ao longo deste item, o bolivarianismo militar, ou seja, o
culto a Bolívar permeado pela retórica da devolução do protagonismo político aos
militares e da exaltação de seus símbolos e eventos, foi um elemento importante na
caracterização de uma das bases sob a qual o bolivarianismo se sustentou entre 1999 e
2013. Porém, o culto a Bolívar deste período não se apoiou apenas nos militares.
Houveram outros elementos que o ajudaram a construir ‘seu’ Simón Bolívar. O
bolivarianismo de Chávez também se apoiou na confluência entre duas abordagens
historicamente construídas do culto ao Libertador: a letrada e a popular. Chávez optou
pela estratégia de confluir estas duas formas de cultuar o prócer, assunto discutido no
próximo item.
2.2 – Entre o ‘letrado’ e o ‘popular’: a confluência bolivariana de Chávez
Conforme demonstrou-se no item anterior, a versão do culto exaltando o papel
das Forças Armadas ao longo da história serviu para Chávez assegurar o respaldo dos
militares à Revolução Bolivariana. Por meio deste raciocínio, o presidente havia
‘devolvido’ aos militares o protagonismo para ‘salvar’ o país da crise estrutural
provocada pelos presidentes civis. Tratava-se, portanto, de uma eficaz forma de
legitimação do regime.
Porém, esta estratégia era insuficiente, pois se restringia a construção de apoio
entre os militares. Por isso, havia a necessidade de construir uma versão do culto que
também agregasse a parcela civil do eleitorado, sobretudo aqueles vindos dos setores
sociais mais pobres, os quais majoritariamente apoiaram a subida do ex-militar ao poder
153. MARREIRO, Flávia. Vitória em pleito fortalece a ala militar do chavismo. Folha de S. Paulo. São
Paulo, 18 de dezembro de 2012, p. 18, No 30.575.
77
em 1998 – bem como nas reeleições – e votaram em suas propostas nos 14 anos em que
ocupou a presidência.
Em razão disto, a retórica presidencial se apropriou de pressupostos inerentes à
duas versões do culto ao Libertador historicamente construídas na Venezuela: a letrada
e a popular. A existência de duas versões do culto a Bolívar denota haver uma estrutura
social de amplas disparidades. Essa característica reporta-se ao período colonial,
mantida durante os processos de Independência e de construção da República após
1830. Nestes períodos, os estratos sociais eram bem definidos e quase intransponíveis.
O início da exploração petrolífera a partir da década de 1920 pouco alterou este cenário,
salvo nos tempos de altos preços do petróleo, quando a distribuição clientelista das
rendas petrolíferas ajudava a equilibrar as distorções, a exemplo do ocorrido nas
décadas de 1920, 1970 e entre 1999 e 2013 na era Chávez.
Portanto, estas duas versões do culto possuem uma razão de existência e uma
função na sociedade venezuelana, refletida no cenário político, seja nos governos
ditatoriais ou nos democraticamente eleitos. Conforme destaca Carrera Damas, a
formação de um culto de um povo, ou seja, a versão popular do culto ao prócer, foi
gestada ainda durante as batalhas pela Independência, como o resultado de uma
admiração das pessoas em relação aquele general chamado Simón Bolívar, o
Libertador154. Portanto, o bolivarianismo popular estava atrelado ao culto no sentido de
colocar Bolívar como um santo, razão de luta para os mais pobres, aquele que havia
libertado os escravos e a garantia de uma República com justiça, liberdade e igualdade.
Conforme o mencionado no capítulo anterior, a partir da repatriação dos restos
mortais de Simón Bolívar, em 1842, o Estado venezuelano se apropriou deste culto e o
transformou de um culto de um povo em um culto para o povo. Desse processo surgiu o
chamado bolivarianismo letrado, o qual atrelou o culto a Bolívar à identidade nacional,
transformou o Libertador em base da consciência nacional, da cultura, da liberdade e,
sobretudo, do desenvolvimento econômico.
Portanto, o bolivarianismo letrado está atrelado ao Estado como se fosse a
institucionalização da versão popular, sistematizado em uma estrutura de pensamento
minimamente coerente através de proclamas, cartas, discursos e demais escritos do
Libertador. Neste sentido, o bolivarianismo letrado se localiza na forma de uma
‘ideologia oficial’ dos governos venezuelanos155. Conforme pontua Yolanda Salas, “las
154. CARRERA DAMAS, Germán. Entrevista concedida ao autor. Caracas, 15 de abril de 2015.
155. Idem.
78
construcciones y representaciones elaboradas por esta conciencia mitológica formulan
un culto bolivariano de raíz popular, gestado paralelamente al culto bolivariano oficial
letrado”156.
Porém, com base nas fontes, é possível afirmar que, entre 1999 e 2013, a
Venezuela passou por um processo de “mumificação” do culto ao Libertador, por meio
de uma interpretação considerada exagerada do herói da Independência. Essa versão foi
construída e propagada por Hugo Chávez, líder popular, carismático e personalista, e
absorvida pela sociedade venezuelana de uma forma cada vez mais acrítica.
Paradoxalmente, Chávez ascendeu ao poder em um momento em que o debate
acadêmico-crítico em relação ao tema já havia avançado consideravelmente, sobretudo
em virtude da publicação, em 1970, do livro El culto a Bolívar, de Carrera Damas. No
entanto, a crítica a exploração do culto para fins de obtenção de vantagens políticas (no
caso, votos), teve impacto restrito ao âmbito acadêmico. Na arena político-eleitoral,
explorar a figura de Bolívar continuou sendo a melhor forma dos políticos venezuelanos
ascenderem e se manterem no poder, principalmente se estiver em jogo o cobiçado
cargo de presidente da República. A versão do culto mais utilizada para esta finalidade
tem sido a popular.
A exemplo disto, na campanha eleitoral de 1998, quando Hugo Chávez venceu
pela primeira vez a eleição à presidência, os dois candidatos mais bem colocados nas
pesquisas (Chávez e Henrique Salas Römer) exploraram o culto a Bolívar em vários de
seus discursos, pois ambos se posicionavam como fidedignos herdeiros das glórias do
Libertador. Naquele momento, a Venezuela vivia uma situação econômica, política e
social extremamente delicada, o que, ironicamente, fazia com que o culto ao Libertador
se tornasse ainda mais o protagonista daquela disputa, ao suplantar a apresentação de
propostas para eventuais saídas ante a grave crise instalada157.
Todavia, os dois candidatos adotaram abordagens distintas no tocante ao
Libertador, embora a finalidade de ambos fosse a mesma: obter o maior número
possível de votos para vencer as eleições ao utilizar como instrumento o culto a Bolívar.
Chávez preferiu abordar o Libertador como um herói e apelou explicitamente ao
bolivarianismo popular com forte teor mitológico. Embasou seu raciocínio na
mistificação, junto ao imaginário popular, de sua tentativa de golpe de 4 de fevereiro de
156. SALAS, Yolanda. La dramatización social y política del imaginario popular, p.205.
157. MALBERGIER, Sérgio. Candidatos miram-se no “herói” Bolívar. Folha de S. Paulo. São Paulo, 5
de dezembro de 1998, p.8, No 25.446.
79
1992, colocando-a no patamar de um marco de ‘retorno’ simbólico do prócer ao cenário
político. Por outro lado, Salas Römer abordava o Libertador como um exímio cavaleiro,
inclusive aparecendo nos comícios montado a cavalo158, ou promovendo cavalgadas em
Caracas e seus arredores.
Cada um dos candidatos esforçava-se, a sua maneira, para se posicionar como o
herdeiro mais legítimo do Libertador, pois “a predileção pela imagem de Bolívar parece
coincidir com o gosto do venezuelano”159. Os resultados demonstraram que o vencedor
daquele pleito foi quem melhor conseguiu se posicionar perante o eleitorado como o
continuador, ou intérprete mais fidedigno, da obra de Simón Bolívar: o ex-tenente-
coronel Hugo Chávez.
Contudo, a abordagem feita por Chávez, aparentemente diferente de Bolívar em
relação a seus adversários, pode ser explicada no fato do ex-militar ter se colocado
como o candidato da mudança. Portanto, as transformações políticas, econômicas e
sociais promovidas em sua gestão não seriam adequadas sob a perspectiva da mesma
leitura de Bolívar feita pela elite que tanto criticava. Porém, esta diferença era
meramente discursiva, pois o bolivarianismo do governo Chávez se destacou como uma
confluência entre o bolivarianismo letrado e o popular. Isso pôde ser demonstrado na
abordagem do culto durante os 14 anos em que esteve na presidência da República,
aproveitando-se do fato de que ambas as formas de culto ao prócer foram
historicamente gestadas de maneira paralela160.
Ambas as versões do culto ao Libertador foram apropriadas pelo presidente
Chávez na construção da retórica presidencial. Seguindo essa premissa, é possível
afirmar que o período de 1999 a 2013 pode ser entendido como um ponto de inflexão no
culto através da confluência entre o bolivarianismo letrado e o popular. Em muitas
ocasiões, sobretudo nos discursos do presidente, por meio dos quais foram propagadas
as principais manifestações da interpretação do culto ao Libertador na era Chávez, não
há como diferenciar ambas as formas de culto a Bolívar. Diferente de governos
anteriores, na era Chávez as duas formas de bolivarianismo se confluíram a tal ponto
que houve a emersão de um ‘novo’ bolivarianismo, isto é, um culto ressignificado, com
base na própria ressignificação da figura do Libertador, tendo em Chávez a
158. Idem.
159. Idem.
160. SALAS, Yolanda. La dramatización social y política del imaginario popular, p.205.
80
representação física de Bolívar, ou sua reencarnação, tal como muitos de seus
partidários o vislumbrava.
Com base nas fontes, é possível perceber que o bolivarianismo da era Chávez se
tornou portador de uma capacidade ainda mais eficiente de mobilização das massas.
Este fenômeno foi sentido nas vitórias eleitorais obtidas pelo regime, pois das 17
eleições, referendos, plebiscitos e demais consultas populares submetidas, em 16 delas o
presidente saiu vitorioso. Em 2012, Chávez venceu a eleição presidencial com 55,07%
dos votos161, embora já estivesse com a saúde visivelmente debilitada em razão do
tratamento contra o câncer, o que havia limitado uma de suas principais características
enquanto figura política: o intenso ativismo presidencial através de viagens por toda a
Venezuela. Isto revelou um evidente e elevado grau de personalismo do mito em relação
ao governante no poder naquele momento, o que certamente ajudou Chávez a se eleger
presidente da República em 4 oportunidades, além de submeter frequentemente à
consulta popular os temas considerados pouco consensuais entre os políticos
venezuelanos. Tratou-se, portanto, de uma incrível capacidade de persuasão, atingida
por meio do culto a Bolívar sob a confluência entre o letrado e o popular.
Tudo isso pode ser agregado a uma marcante postura messiânica, potencializada
devido a origem militar de Chávez, por meio da qual a retórica inflamada do presidente
da República se legitimava perante setores da sociedade venezuelana e, ao mesmo
tempo, servia para enfrentar seus adversários. Como exemplo deste marcante
messianismo estava uma frase frequentemente pronunciada por Chávez em que
afirmava: yo no soy yo, yo soy el pueblo.
Com tais palavras, o presidente da Venezuela personalizava ainda mais o
processo político em andamento ao outorgar para si a representação da imagem e
semelhança do povo de Simón Bolívar. Na visão de Salas (2001), não há como se
desvencilhar do messianismo inerente ao culto popular a Bolívar.
Los mesianismos, y en nuestro caso podríamos hablar de un
mesianismo originado en el mito bolivariano popular dramatizado
políticamente por el verbo persuasivo de un líder carismático, surgen
a raíz de situaciones de crisis, descomposición o desorganización
social y amenaza162.
Contudo, para além de um inegável messianismo potencializado pela visão
militar-estratégica do presidente, defende-se que o processo de ‘mumificação’ do culto
161. Os resultados das eleições presidenciais entre 1998 e 2012 encontram-se na Tabela 2 no Anexo.
162. SALAS, Yolanda. La dramatización social y política del imaginario popular, p.210.
81
ao prócer, conforme denominado por Carrera Damas, foi viabilizado em razão do
constante reforço do bolivarianismo realizado por um líder extremamente carismático e
que ascendeu à presidência da República em um período em que a Venezuela passava
por uma profunda crise estrutural.
No entanto, o importante para a análise deste item seria que, entre 1999 e 2013,
o fenômeno da confluência dos dois bolivarianismos pôde ser vislumbrado na
dificuldade de diferenciar de qual forma de bolivarianismo Chávez utilizava em várias
de suas intervenções públicas, ou mesmo nas publicações feitas por meio dos
mecanismos oficiais do regime. Esta confluência de bolivarianismos pôde ser percebida
até mesmo antes de Chávez assumir a presidência da República, em especial quando o
tenente-coronel se tornou um personagem político de considerável popularidade após a
tentativa de golpe de 4 de fevereiro de 1992, ou mesmo quando já estava em evidência
no cenário político após deixar a prisão em 26 de março de 1994.
Esta confluência pode ser explicada pela trajetória e pela origem do presidente.
Ele forjou seu pensamento nas Forças Armadas, adquiriu o que chamou de ‘consciência
política’ nesta instituição historicamente responsável em ‘zelar’ pelo bolivarianismo
letrado. Quando era cadete na Academia Militar entre 1971 e 1974, Chávez admitiu:
“Yo me iba a esa biblioteca de la Academia y leía sobre todo a Bolívar, sus textos, su
correspondencia, análisis de su pensamiento, biografías de él”163. Por outro lado, Hugo
Chávez tem origens populares, pois nasceu em Sabaneta, povoado situado em Barinas
no interior da Venezuela, onde tudo indica que desde a infância tomou contato com a
versão popular do culto a Bolívar164.
Em entrevista a Agustín Blanco Muñoz em 1995, Chávez expôs o que seria em
sua visão uma defesa do pensamento bolivariano, sendo possível abstrair uma noção de
como construiria as bases ideológicas de um eventual governo. Por exemplo, em vários
de seus escritos, Bolívar salientava que a natureza havia feito os homens desiguais, por
isso as leis deveriam igualar as pessoas a fim de corrigir uma disparidade vinda da
natureza e das circunstâncias naturais. Com base neste raciocínio, Chávez insistiu que
tal desigualdade se restringiria ao âmbito físico, ou natural, o que não invalidaria o fato
do Libertador continuar sendo o grande defensor da igualdade entre os povos, tese a
qual Chávez se apegou e fazia questão de reforçar. O presidente complementava o
raciocínio ao enfatizar um possível ‘desprendimento’ de Bolívar, em razão de ter
163. CHÁVEZ, Hugo. In. RAMONET, Ignacio. Hugo Chávez: mi primera vida, p.301.
164. Idem, p.211-255.
82
nascido em uma das famílias mais ricas de Caracas naquela época (1783) e, ainda assim,
havia ‘entregado’ sua riqueza em nome da luta pela Independência dos povos da
América165.
Pero cuando Bolívar habla de esto no creo que esté apoyando o
reconociendo la necesidad de la desigualdad, está tratando más bien
de justificar la eliminación de las desigualdades naturales de los
hombres. Entonces tiene que venir un tiempo en que las leyes eliminen
esas diferencias […] así lo veo yo166.
Ao defender o Libertador, tal como fez durante toda sua trajetória na vida
pública, Chávez reforça a tese contida no bolivarianismo popular de que Bolívar lutava
pela igualdade, pois ao reconhecer a existência de uma desigualdade natural, proporia
mecanismos inerentes ao próprio Estado a fim de igualar as pessoas já naquela época.
Todavia, o ex-militar também enfatizou a necessidade de se elaborar leis com base no
proposto por Simón Bolívar em relação a obtenção de uma igualdade, algo inerente ao
bolivarianismo letrado, do Estado e, portanto, responsável por elaborar as leis à pátria.
Esta característica ‘desprendida’ do Libertador era uma representação
constantemente reforçada por Chávez. Em dezembro de 2000, pronunciou um discurso
no Panteão Nacional167 com o propósito de relembrar os 170 anos da morte do prócer.
Nessa ocasião, descreveu o Libertador como um personagem ‘desprendido’, ainda que
tenha nascido em uma das famílias mais ricas da Venezuela daquela época. Em sua
visão, a oligarquia jamais perdoou Bolívar por esta ‘traição’.
Nunca le perdonarán las oligarquías de América un rico de cuna,
haberlos traicionado y haberse ido con el pueblo desdentado, haberse
ido con los indios miserables, haberse ido a soñar y a convertir
esclavos en libertadores; porque Bolívar no sólo convirtió los
esclavos libres, sino que los hizo además libertadores168.
Tais palavras de Chávez são essenciais para se compreender não apenas o papel
extremamente estratégico ocupado pelo culto no regime, mas sobretudo para vislumbrar
o tipo de representação utilizada. Reforçava-se, portanto, o perfil popular do Libertador,
não se preocupava em representar Bolívar como um homem daquele tempo, mas como
alguém que se insurgiu contra o próprio estrato social a que pertencia com o propósito
165. CHÁVEZ, Hugo. In. BLANCO MUÑOZ. Agustín. Venezuela del 04F-92 al 06D-98, p.96.
166. Idem.
167. Ver: Imagem 8, no Anexo.
168. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de la conmemoración del 170o aniversario de la muerte del Libertador y Padre de la
Patria, Simón Bolívar. Panteón Nacional. Caracas, 17 de diciembre de 2000, p.584.
83
de lutar ao lado dos ditos mais pobres ou ‘desdentados’. Ignorava-se, portanto, que
Bolívar formou um Exército com índios, mestiços e negros devido a escassez de
soldados para lutar nas guerras pela Independência.
Ainda no discurso do Panteão de dezembro de 2000, Chávez enfatizou que o
povo venezuelano, a partir daquele momento, não renderia tributos ao Libertador apenas
com o propósito de recordá-lo. Mais do que as flores colocadas no túmulo ou dos hinos
cantados, havia um povo vibrante que retomou o nome do Libertador para construir a
República Bolivariana169. Tais características eram marcantes na versão popular do
bolivarianismo, porém, haviam sido ditas e difundidas por um chefe de Estado, alguém
que em tese seria o responsável pela versão letrada do culto ao prócer, por representar o
Estado naquela ocasião. Este fato é potencializado em se tratando de Chávez, um líder
político de estilo personalista no exercício do poder.
Em seu primeiro discurso como presidente da Venezuela no dia em que se
celebra o nascimento do prócer (24 de julho de 1999), Chávez reafirmou a
‘imortalidade’ do Libertador devido ao fato dele ter sido feito povo. Na verdade, o que
Chávez dizia ter sido feito povo seria a representação do culto a Bolívar defendida pelo
regime. Nesta mesma ocasião, o recém-eleito presidente destacou a bipolaridade entre
as armas e as letras no pensamento bolivariano, segundo o qual o povo estaria presente
em ambas170.
Para fins desta análise, as armas representariam o bolivarianismo popular,
representação que a figura da espada de Simón Bolívar assume o papel de legitimador
da defesa da justiça e da liberdade. Por outro lado, as letras significavam o legado
escrito, suas propostas para a organização do Estado e a educação do povo, algo
atrelado ao bolivarianismo letrado. Com base nos argumentos de Chávez no tocante à
bipolaridade armas-letras, há uma confluência de ambos os bolivarianismos, pois o
presidente havia atribuído tanto às armas quanto às letras ao povo da Venezuela.
Ao mencionar as Forças Armadas, instituição rebatizada pelo regime de Forças
Armadas Bolivarianas, a confluência entre o bolivarianismo letrado e o popular estava
presente de uma forma perceptível. Em discurso pronunciado na Academia Militar da
Venezuela aos novos cadetes, em outubro de 2004, o presidente Chávez insistiu em
169. Idem, p.584-585.
170. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de la celebración del 216o aniversario del natalicio del Libertador Simón Bolívar, en
176o aniversario de la Batalla Naval del Lago de Maracaibo y día de la Armada Venezolana. Panteón
Nacional. Caracas, 24 de julio de 1999, p.253-260.
84
outra bipolaridade: povo-Exército. Segundo ele, o povo seria o Exército que pode e o
Exército o povo com poder171.
Neste sentido, o presidente da Venezuela, no momento com excelentes índices
de popularidade e relegitimado no poder em agosto do mesmo ano, enfatizava a junção
do povo com as armas no intuito de confluir ambas as formas de bolivarianismos.
Utilizava, portanto, como pano de fundo uma das instituições responsáveis em ‘guardar’
o culto letrado a Simón Bolívar (Exército), que Chávez, um ex-militar, conhecia
profundamente. Não há como dissociar as Forças Armadas, ou no caso o Exército, do
bolivarianismo letrado. Além disso, uma versão muito difundida na era Chávez de que
as Forças Armadas seriam o povo de Bolívar em armas, tornava esta confluência de
bolivarianismos ainda mais perceptível.
Na era Chávez, a confluência entre as versões letrada e popular do culto pôde ser
observada até mesmo nos rituais marcadamente atrelados ao bolivarianismo popular.
Refletiu-se, portanto, na mumificação e no culto exagerado ao Libertador. Um exemplo
deste fenômeno foi um ritual praticado na Venezuela em que as pessoas podem venerar
Simón Bolívar na Montanha de Sorte, situada em Chivacoa, aproximadamente há 300
quilômetros de Caracas. Não se trata de um ritual específico a fim de adorar ao
Libertador, pois muitos vão até a montanha, considerada mágica, com o propósito de
adorar aos mais diferentes tipos de deuses (personalidades históricas, políticas e até
criminosos), dentre eles o Libertador.
As pessoas dançam sobre brasas a fim de provar a valentia e a lealdade perante a
fé que professam. Todos estes rituais contaram com o apoio incondicional do
presidente, em especial a adoração a Bolívar. Neles, soavam-se tambores e os fiéis
fumavam charutos. Os devotos deitam em círculo, ladeado por bandeiras da Venezuela
e no meio do círculo havia uma pessoa vestida com trajes parecidos ao utilizado pelo
Libertador. Tratou-se de um sincretismo vindo de várias crenças autóctones com rituais
trazidos pelos escravos.
Enquanto o devoto se prepara para atravessar mais uma fogueira, o
locutor pede palmas à plateia. O espetáculo, antes improvisado,
ganhou apoio estatal: há bombeiros, policiais. Quem quer participar,
avisa o cartaz, tem que trazer duas fotos 3x4. A institucionalização
não incomoda os fiéis172.
171. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo del inicio de clases de los nuevos cadetes del año lectivo 2004-2005. Teatro de la
Academia Militar de Venezuela. Caracas, 8 de octubre de 2004, p.555.
172. MARREIRO, Flávia. Fiéis veneram Simón Bolívar em “montanha mágica” venezuelana. Folha de S.
Paulo. São Paulo, 16 de outubro de 2011, p.23, No 30.146.
85
Como se pode observar, o ritual ganhou apoio do Estado e passou a gozar de
segurança (polícia) e suporte (bombeiros). Esta institucionalização, destacada acima,
significava a apropriação pelo Estado de um culto (do povo) atrelado ao bolivarianismo
popular. A confluência entre os bolivarianismos popular e letrado é marcante neste
fenômeno, sobretudo quando o Estado começou a não apenas permitir o ritual como
também a apoiá-lo e divulgá-lo por meio do presidente da República. Este tipo de culto
a Bolívar passou a ser ainda mais incentivado quando Chávez iniciou seu tratamento
contra o câncer e seu estado de saúde se tornou delicado. Entretanto, a emersão deste
fenômeno é viabilizada em razão da existência de uma prática com a qual se trata heróis
da Independência como divindades, uma ‘simbiose’ entre religião e nacionalismo173.
Conforme destaca Ernest Gellner, fenômeno como este (mistura entre religião e
nacionalismo) tem sido frequente na história dos países. É caracterizado pela fusão do
sagrado com o nacional. Trata-se de uma das formas possíveis de nacionalismo174.
Ao contrário do exemplo apontado em relação a Montanha da Sorte, na era
Chávez também houve a confluência entre o bolivarianismo letrado e o popular em
fatos marcadamente atrelados a versão letrada do culto ao prócer. Como exemplo pode-
se destacar a medida adotada pelo presidente em relação ao Arquivo de Simón Bolívar,
algo inegavelmente ligado a versão letrada do culto. Composto por documentos
militares, cartas pessoais, proclamas, decretos, etc., somado corresponde a 246 tomos.
Além de ser o Arquivo com os escritos do principal personagem histórico-político da
Venezuela, ele havia sido incluído no Programa Memória do Mundo da UNESCO em
1977.
Em abril de 2010, ou seja, quando se iniciou as comemorações pelo bicentenário
da Independência da Venezuela, Chávez expediu um decreto transferindo os Arquivos
do Libertador da Academia Nacional de História (ANH) para o Arquivo Geral da Nação
(AGN). Historiadores ligados à Academia protestaram, alegaram que o governo possuía
uma visão providencialista, heroica, épica e militarista175 da Independência e de seus
heróis, em especial de Simón Bolívar. Algo considerado negativo na visão dos
historiadores pertencentes à ANH.
173. Ver: Imagem 7 no Anexo.
174. GELLNER, Ernest. Dos nacionalismos, p.77-92.
175. MARREIRO, Flávia. Bicentenário alimenta embate na Venezuela. Folha de S. Paulo. São Paulo, 18
de abril de 2010, p.18, No 29.600.
86
Por outro lado, funcionários ligados a Chávez justificaram a transferência por se
tratar de um ato popular, pois o AGN proporcionaria ao povo o acesso pleno aos
documentos do pai da pátria. De acordo com o historiador responsável pelo Arquivo
Geral da Nação, Luis Pellicer, a decisão de transferir foi tomada com base no ‘espírito
antibolivariano’ apresentado pela Academia Nacional de História. Acusou vários de
seus membros de suprimirem o verdadeiro espírito revolucionário e transformador de
Bolívar176. Contudo, este não era o motivo. A transferência ocorreu porque a maioria
dos historiadores pertencentes à ANH fazia oposição ao regime. Isso explica a decisão
de transferir os Arquivos do personagem mais fecundo da historiografia venezuelana.
Embora tenha protestado contra a transferência por meio do diretor da Academia, o
historiador Elías Pino Iturrieta (um ácido crítico do governo Chávez), a instituição não
conseguiu impedir a transferência dos Arquivos do Libertador177.
As disputas envolvendo os arquivos do principal personagem histórico-político
da nação demonstra uma confluência entre o bolivarianismo letrado e o popular na era
Chávez. Isso porque nesta disputa, o presidente utilizou sua força política, bem como
todos os recursos disponíveis pelo Estado, com o argumento de que restituiria os
escritos do Libertador ao povo da Venezuela, com o propósito de facilitar o acesso aos
Arquivos de Simón Bolívar. Entretanto, os Arquivos do Libertador são símbolos do
bolivarianismo letrado que foram transferidos para ficarem mais acessíveis ao povo,
conforme justificava o governo. Dessa forma, tem-se uma nítida confluência de
bolivarianismos, pois ao mesmo tempo em que se trata dos Arquivos, um símbolo do
bolivarianismo letrado, os transferiram com o argumento de que os popularizaria.
Também é possível perceber esta confluência de bolivarianismos nos artigos
publicados pelo presidente Chávez semanalmente entre os anos de 2009 e 2010 no
jornal Correo del Orinoco. Em um destes artigos, escritos com o propósito de celebrar o
dia de nascimento de Simón Bolívar (24 de julho de 2010), Chávez enfatizou a
impossibilidade de não se lembrar do Libertador naquela data e atribuiu a Bolívar a
glória do povo venezuelano. Bolívar havia se destacado indiscutivelmente como a
principal figura simbólica do regime, o que certamente exigia reverências, sobretudo em
datas específicas de nascimento ou morte. Ao mesmo tempo, o presidente da Venezuela
176. GÓMEZ, Florángel. Mudanza física del Archivo de Bolívar será un acto popular. Correo del
Orinoco. Caracas, 20 de abril de 2010, p.21, No 228.
177. GÓMEZ, Florángel. La Academia acepta bajo protesta la transferencia. Correo del Orinoco.
Caracas, 20 de abril de 2010, p.21, No 228.
87
também exaltava o Libertador no patamar de representação coletiva de sua ‘alma’ junto
ao povo.
Hoy 24 de julio al celebrar su natalicio […] no he dejado de pensar
en el Padre Libertador y en esa llamarada que se ha desprendido y
disparado de sus huesos gloriosos: cuántas pasiones se han
desbordado en todos estos días. […] cuánto amor desatado, cuánta
alegría, cuántos rostros iluminados de todas esas mujeres y niñas,
hombres y muchachos, quienes al compás de las puntadas de sus
corazones fueron zurciendo el pabellón patrio, el tricolor que hoy va
a cubrir sus huesos como expresión de lo que él siempre quiso
merecer y merece: las bendiciones de nuestro pueblo y de todos los
pueblos que lo siguen amando. […] Nunca, como en este 24 de julio
de 2010, el Panteón se ha iluminado con tal fervor patrio y tal
devoción popular. Así lo sentí con el mayor de los estremecimientos.
Bolívar ha regresado definitivamente en el amor del pueblo y vive,
como fuego sagrado, en él178.
Neste artigo, Chávez citou o nascimento do prócer, falou dos ‘ossos do
Libertador’ depositados no Panteão Nacional e também das bênçãos do povo. Tratou-se
de uma combinação que demonstra a confluência entre ambos os bolivarianismos. Por
um lado, citou o Panteão Nacional, um dos símbolos máximos do culto letrado a
Bolívar, patrimônio do Estado e que havia acabado de ser reformado pelo governo com
maciço investimento do erário público. Por outro, o artigo, escrito por um presidente da
República, estava permeado por componentes do bolivarianismo popular, atrelado às
bênçãos do povo ao Libertador e, sobretudo, ao pretenso ‘regresso’ simbólico de
Bolívar através do amor do povo conduzido pelo presidente Chávez. Houve, portanto,
uma demonstração desta confluência e separá-la tornou-se um exercício difícil, pois o
presidente da Venezuela enfatizava características presentes tanto no bolivarianismo
letrado quanto no popular.
Novamente em artigo publicado no Correo del Orinoco, o presidente Chávez
havia feito um texto com o propósito de relembrar os 180 anos da morte de Simón
Bolívar e escreveu que o exemplo luminoso do Libertador havia servido de base para
uma aula magna proferida por ele a deputados de seu partido (PSUV), com o propósito
de mostrar os sacrifícios que Bolívar havia passado em sua vida. Reforçava a tese do
Libertador como o ‘homem das dificuldades’, assim como o próprio presidente Chávez.
[…] hice énfasis en su luminoso ejemplo, poniendo de relieve la
condición sacrificial de su vida, que no tiene parangón en la historia
patria. En Bolívar se concentra el sacrificio mayor que nos otorga
178. CHÁVEZ, Hugo. ¡Grande Bolívar!. Artículo publicado en el periódico Correo del Orinoco. Caracas,
25 de julio de 2010. In. Desde la primera línea (2009-2010). Caracas: Ediciones del Correo del Orinoco,
2011, p.528-529.
88
rostro para poder reconocernos. Seguir sus pasos es desprenderse:
abandonarlo todo por la felicidad de la patria. […] No olvidemos que
Bolívar es también una profunda pasión por la justicia y la igualdad
[…]179.
Com tais palavras, Chávez visava justificar a nova política de distribuição de
terras, ao levar em consideração o bolivarianismo popular, que visa representar o
Libertador como a base da justiça e da liberdade da pátria. Neste caso, a justiça vinha da
distribuição mais equitativa de terras e a liberdade estava fundamentada no combate ao
latifúndio, considerada uma política libertadora aos campesinos. O presidente da
Venezuela explorava com destreza o bolivarianismo popular como poucos presidentes
venezuelanos conseguiram fazer.
Com base no descrito ao longo deste item, percebe-se a emersão de um
bolivarianismo ressignificado que apresentava uma confluência tanto da versão letrada
quanto da popular. Tratou-se de um fenômeno histórico produzido durante a era Chávez
e sistematizado pela releitura que o presidente fez do culto a figura de Bolívar, embora
ele não tenha modificado os propósitos para os quais o bolivarianismo vem sendo
utilizado ao longo da história venezuelana: ascender, se manter e se perpetuar no poder,
além de controlar a sociedade.
Por meio de tais aspectos, o presidente Hugo Chávez conseguiu com esta versão
do mito angariar apoio popular para suas políticas, dentre as quais se destacam as
alterações constitucionais que permitiram a reeleição sem limites, todas elas submetidas
à consulta popular. Além disso, através de tal representação, obteve êxito em se
posicionar como a personificação do próprio prócer reencarnado.
Entretanto, as bases sob as quais construiu-se o bolivarianismo da era Chávez
não se restringem à confluência de duas versões do culto. Tratava-se de mais uma delas,
junto com o bolivarianismo militar, destacado no item anterior. Chávez conseguiu
superar as aparentes amarras históricas, por meio das quais o mito de Simón Bolívar
girou em torno de todos aqueles que ocuparam o Palácio de Miraflores. Entre 1999 e
2013 houve uma tentativa de se reescrever a historiografia da Venezuela com o
propósito de colocar a figura do Libertador como algo ainda mais carregado de
dramaticidade. Para tanto, o presidente levantou a hipótese de que Simón Bolívar havia
179. CHÁVEZ, Hugo. !Viva Bolívar! ¡Bolívar vive!. Artículo publicado en el periódico Correo del
Orinoco. Caracas, 19 de diciembre de 2010. In. Desde la primera línea (2009-2010). Caracas: Ediciones
del Correo del Orinoco, 2011, p.647-648.
89
sido assassinado e não morrido de tuberculose como demonstram os relatos históricos.
Esse assunto é discutido no próximo item.
2.3 – Dramaticidade e historiografia: o ‘assassinato’ de Simón Bolívar
Como se pôde perceber ao longo deste capítulo, foram construídas novas bases
ao culto a Bolívar durante a Revolução Bolivariana. Porém, manteve-se sua finalidade,
ou seja, permitir à figuras e grupos políticos alcançarem e se manterem no poder. De
certa forma, a historiografia venezuelana tem sido receptível a representação do
bolivarianismo utilizado entre 1999 e 2013. A narrativa construída ao longo da história
conferiu grande dramaticidade à figura do Libertador. Seus discursos, proclamas e
cartas, as batalhas que comandou em mais de 13 anos de guerras intermitentes e,
sobretudo, seus últimos dias convalescentes tentando deixar a República, serviram de
base neste processo histórico de dramatização da figura de Bolívar, até chegar à
representação que se conhece atualmente, apropriada e incrementada pelo presidente
Hugo Chávez.
Robert Webb deixa nítido em sua análise o caráter perene do legado histórico e
da presença de Bolívar na realidade político-social venezuelana, entendido como o
único responsável por libertar os povos de um continente subjugado pelo Império
Espanhol. Em seu ‘batismo oficial’ como religião patriótica (1842), a figura de Bolívar
foi alçada à categoria de pai da pátria, ao ganhar um sentido profético.
Simón Bolívar was gone but his historic presence remained. South
America was free from the cruel and arrogant hand of Spain. The one
title he valued above all others – […] El Libertador – has remained
forever linked with the prophetic name given him at his christening180.
Com o passar dos anos incrementou-se o aspecto de dramaticidade da figura do
Libertador, sendo que grande parte dos autores que refletiram sobre o prócer
enfatizaram suas melancólicas palavras ditas no leito de morte, seu ceticismo no tocante
ao futuro das Repúblicas recém-emancipadas do Império Espanhol e a traição vinda de
seus principais colaboradores. Um deles, Francisco de Paula Santander, havia
comandado uma emboscada com o propósito de assassinar Bolívar em 1828. Conforme
o próprio Libertador se intitulava, ele era o homem das dificuldades, pois, “dealing
180. “Simón Bolívar se foi, mas sua presença histórica permaneceu. A América do Sul estava livre do
cruel e arrogante domínio espanhol. O único título que ele valorizava acima de todos os outros – [...] El
Libertador – permaneceu para sempre aliado ao nome profético dado em seu batismo” (WEBB, Robert.
Simon Bolivar: the Liberator, p.121).
90
effectively with difficulties was essential to leadership and that usually meant dealing
with people”181. Com base no apontado por Lynch (2006), é inegável a existência de um
processo de dramatização da figura de Bolívar ao longo de quase dois séculos de culto a
sua personalidade.
Não se pode desconsiderar que o culto à personalidade de determinada figura
histórica está ligado ao fenômeno do personalismo, altamente arraigado à cultura
política venezuelana. De acordo com Elías Pino Iturrieta, esta categoria pode ser
entendida como uma adesão política das massas a uma pessoa ou à tendência política
que ela representa182. Na maioria das vezes, isso ocorre de uma forma acrítica,
carregada de emoção e faz com que determinada personalidade política se torne
insubstituível. Segundo este historiador, o personalismo é um fenômeno constante na
história venezuelana. Portanto, não pode ser entendido como um fenômeno exclusivo da
era Chávez, pois ocorre
[…] a partir del momento en que se dan los primeros pasos hacia la
arquitectura de una nación independiente. Es una recurrencia de los
negocios públicos, hasta el extremo de que casi no existía período en
la evolución de los asuntos relativos al poder que no lo encuentre
como resorte en alguno de sus costados183.
O poder exercido pelo Libertador foi a representação máxima deste
personalismo, sendo que seus sucessores no cargo de presidente da Venezuela e,
consequentemente, de chefes das Forças Armadas, são ‘herdeiros’ desta forma de
exercício do poder. Em linhas gerais, desde seu nascimento enquanto nação, a
Venezuela sofre a influência do personalismo, incrustado nas instituições do país, como
uma cadeira de reyzuelos, conforme pontua Pino Iturrieta (2013).
Para além deste personalismo inerente a sua realidade política desde o período
de formação da República, é importante enfatizar que, no caso de Simón Bolívar, há
fundamento histórico suficientemente capaz de comprovar as dificuldades com as quais
teve que lidar ao longo de sua vida, em especial nos difíceis anos de guerras contra a
Metrópole. De acordo com Carrera Damas, “él [Bolívar] vivió situaciones muy difíciles,
[…] cometió graves errores que incluso llegó a ser, él mismo, agente involuntario de
descrédito de otras personas. […] Es decir, era un hombre que estaba inmerso en una
181. “Lidar eficazmente com dificuldades foi essencial à liderança, o que normalmente significa lidar
com as pessoas” (LYNCH, John. Simon Bolívar: a life, p.298).
182. PINO ITURRIETA, Elías. Nada sino un hombre, p.14.
183. Idem, p.9.
91
gran polémica, en una gran discusión”184. Com base nisso, compreende-se o porquê do
processo de dramatização da figura do Libertador ter ganhando tanta relevância e
visibilidade ao longo da história. A própria trajetória política e pessoal de Bolívar
comprova a tese de ter sido o ‘homem das dificuldades’, as quais nunca cessaram. Além
de enfrentar as sangrentas batalhas durante a Independência, teve que lidar com os
interesses dissonantes de grupos políticos no interior das Repúblicas libertadas por ele,
o que não constituía uma tarefa fácil, ainda que fosse para o Libertador. No final de sua
vida, foram justamente estas divergências, provocadas pela disputa de poder entre a elite
dirigente das Repúblicas, as responsáveis pelo seu isolamento político, que foi morrer
melancólico em Santa Marta em 1830.
A trajetória pessoal do Libertador também ajuda a fundamentar esta tese. Órfão
de pai e mãe aos 8 anos de idade, Vayssière (2008) atribui a este fato como um trauma
de infância capaz de explicar as feridas narcisistas do Libertador, seus momentos de
depressão, renúncias brutais e sem explicação aparente, saltos de humor e melancolia185.
A viuvez aos 19 anos (poucos meses após o enlace) fez de Bolívar uma figura histórica
marcada por traumas pessoais, o que reforça a tese de ter sido o homem das
dificuldades. Em alguns momentos de sua vida, Bolívar lidou até mesmo com
dificuldades financeiras, embora tivesse nascido na família mais rica de Caracas daquela
época. Quando estava exilado na Jamaica em 1815, ocasião em que escreveu a
conhecida Carta da Jamaica (1815), além dos escassos recursos sofreu uma tentativa de
assassinato por meio de uma traiçoeira facada desferida por um escravo. Em uma das
biografias mais recentes do Libertador, relata-se:
El expatriado voluntario [Bolívar] residió en Kingston desde 14 de
mayo hasta el 18 de diciembre de 1815, en una pensión modesta,
solitario y sin recursos, como un exiliado político sin prestigio. Para
pagar el alquiler y asegurarse la subsistencia cotidiana, se vio
obligado a empeñar su reloj y vender su último objeto de plata. […]
Su situación era miserable, hasta humillante, y en los momentos más
sombríos, llegó a pensar en quitarse la vida186.
Este processo de dramatização da figura de Simón Bolívar foi incrementado ao
longo dos anos, pois nem o distanciamento histórico-cronológico entre o período vivido
por Bolívar (final do século XVIII e começo do XIX) e a visão de mundo estabelecida
(e globalizada) do século XXI foram capazes de atenuar o caráter considerado
184. CARRERA DAMAS, Germán. Entrevista concedida ao autor. Caracas, 15 de abril de 2015.
185. VAYSSIÈRE, Pierre. Simón Bolívar, p.41.
186. Idem, p.83-84.
92
extraordinário à época no tocante aos ‘feitos’ do Libertador. Neste sentido, explica-se a
eficiência histórica do culto na consolidação de uma visão coletiva calcada no culto a
um personagem cronologicamente distante, mas que na Venezuela nunca deixou de ser
um fenômeno do tempo presente.
A consequência ao longo de quase dois séculos de construção do culto foi
conferir um patamar cada vez mais dramático à figura de Simón Bolívar. Por meio dos
escritos finais do Libertador, pode-se ter a sensação de que o definhamento físico do
prócer combinava de forma perfeita com o definhamento das Repúblicas libertadas por
ele, devido a crise de legitimidade e da dificuldade em construir um sólido processo de
independência e de unidade. Em mensagem dirigida ao Congresso, reunido em Bogotá
em 20 de janeiro de 1830, Bolívar foi enfático: “horrible era la situación de la patria, y
más horrible la mía, porque me puso a discreción de los juicios y de las sospechas”187.
Neste momento, o Libertador já possuía claramente a sensação de estar
politicamente isolado diante daqueles que, em tese, comporiam seu entourage de
colabores políticos e companheiros de batalha. Com base em seus últimos escritos, tem-
se a impressão de alguém em um estado emocional profundamente abalado, cético e
pessimista no tocante à situação política e econômica das Repúblicas recém-
emancipadas, além de acometido por sérias enfermidades para a época. Em carta ao
general Daniel Florencio O’Leary, Bolívar queixa-se de sua doença na bílis, desabafa ao
dizer se sentir cansado e manifesta o desejo de retirar-se da presidência das Repúblicas,
funções as quais acumulava durante algum tempo.
No es creíble el estado en que estoy, según lo que he sido toda mi
vida, y bien sea que mi robustez espiritual ha sufrido mucha
decadencia o que mi constitución se ha arruinado en gran manera, lo
que no deja duda es que me siento sin fuerzas para nada y que ningún
estímulo puede reanudarlas […]. Estoy tan penetrado de mi
incapacidad para continuar más tiempo en el servicio público, que me
he creído obligado a descubrir a mis más íntimos amigos la necesidad
que veo de separarme del mando supremo para siempre, a fin de que
se adopten por su parte aquellas resoluciones que les sean más
convenientes […]. Considérese la vida de un hombre que ha servido
veinte años, después de haber pasado la mayor parte de su juventud, y
se verá que poco o nada le queda por ofrecer en el orden natural de
las cosas […]. Yo conozco que la actual República no se puede
gobernar sin una espada, y, al mismo tiempo, no puedo dejar de
convenir que es insoportable el espíritu militar en el mando civil188.
187. BOLÍVAR, Simón. Mensaje ante el Congreso. Bogotá, 20 de enero de 1830, p.379.
188. BOLÍVAR, Simón. Carta al Señor general Daniel Florencio O’Leary. Guayaquil, 13 de septiembre
de 1829, p.360-366.
93
Este pessimismo, longamente expressado pelo Libertador em seus últimos anos,
era provocado pelas dificuldades em unir as Repúblicas a que havia libertado, em um
cenário quase anárquico, devido a divisão entre os diferentes setores da sociedade da
época com interesses divergentes. O fato é que muitas das ideias aparentemente
defendidas por Bolívar eram consideradas ‘avançadas’ para aquele momento, a exemplo
da República e da libertação dos escravos, sendo que o prócer até mesmo chegava a
reconhecer o enorme esforço que seria implantar a liberdade onde reinava a tirania. Isso
foi dito em sua última proclama, destinada aos povos da Colômbia (Nova Granada,
Venezuela, Equador e Panamá), escrita sete dias antes morrer. Finalizou ao afirmar,
dramaticamente, baixar tranquilamente ao sepulcro, caso isso fosse cessar todos os
conflitos e as divisões no interior das Repúblicas189.
Um Simón Bolívar melancólico relegava prognósticos sombrios aos povos
libertados por sua espada. Porém, estas reflexões serviram de base à dramatização de
sua figura em seu sentido histórico. A conhecida carta destinada ao general Juan José
Flores (chefe do Equador) vem servindo de base a fim de justificar uma pretensa
‘maldição’ vaticinada pelo Libertador aos países americanos. Nesta carta, Bolívar
antecipou o fato de que, cedo ou tarde, todos começariam a matar uns aos outros, as
Repúblicas se dividiriam, caindo aos pés de governantes com mãos fortes e ferozes,
únicos capazes de pôr fim ao cenário de anarquia, do qual sempre estavam imersos e/ou
vulneráveis. Por isso, a historiografia venezuelana problematizou e dramatizou as seis
conclusões feitas pelo Libertador em mais de 20 anos de batalhas em solo americano:
1o) La América es ingobernable para nosotros. 2o) El que sirve una
revolución ara en el mar. 3o) La única cosa que se puede hacer en
América es emigrar. 4o) Este país caerá infaliblemente en manos de la
multitud desenfrenada, para después pasar a tiranuelos casi
imperceptibles, de todos los colores y razas. 5o) Devorados por todos
los crímenes y extinguidos por la ferocidad, los europeos no se
dignarán conquistarnos. 6o) Si fuera posible que una parte del mundo
volviera al caos primitivo, éste sería el último período de la
América190.
Com base nas fontes fornecidas por ou através dos escritos de Bolívar,
personagem histórico relativamente bem documentado, o processo de dramatização da
figura do Libertador serviu como um dos pontos estabelecidos no próprio culto a
189. BOLÍVAR, Simón. Ultima proclama: el legado de Bolívar para sus compatriotas de Colombia la
Grande – venezolanos, colombianos, ecuatorianos, panameños – y para los pueblos todos de América.
Hacienda San Pedro. Santa Marta, 10 de diciembre de 1830, p.391.
190. BOLÍVAR, Simón. Carta al general Juan José Flores, jefe de Ecuador. Barranquilla, 9 de
noviembre de 1830, p.387.
94
Bolívar. Em um artigo publicado na década de 1980 à Hispanic American Historical
Review, Carrera Damas destaca a ‘confusão’ feita pela sociedade e pela historiografia
venezuelana no que tange às categorias de consciência nacional com o culto aos heróis.
Em sua visão, houve um processo equivocado de fusão de ambos os conceitos, em que a
categoria de consciência nacional se tornou sinônimo de culto aos heróis libertadores,
em especial a Bolívar.
Neste sentido, dramatizar a vida e a obra do prócer sempre foi uma estratégia
importante a fim de reforçar o culto ao Libertador, bem como dramatizá-lo cada vez
mais, a ponto de até mesmo a Igreja Católica da Venezuela se tornar parte deste
processo. Por ocasião do sesquicentenário da morte de Bolívar em 1980, o cardeal José
Humberto Quintero chegou a ponderar que as injustiças cometidas contra o Libertador
impuseram uma grande sanção divina à Venezuela e este seria o grande pecado do país.
Neste ponto, o desterro imposto a Bolívar pouco antes de morrer, bem como a reação
antibolivariana que vigorou entre 1830 e 1842 por ordem de José Páez, foram
provocadas pelo grande desconhecimento do caráter de ‘eleito pela divindade’ que
Bolívar possuía191. Carrera Damas critica este raciocínio, vindo de um líder do mais alto
escalão da religião historicamente majoritária da Venezuela: “si esto ocurriera en una
sociedad teocrática, al modo de las que injustamente se ha dado en llamar islámicas,
seguramente luciría más comprensible”192, do que na Venezuela daquele momento.
Entretanto, as palavras do cardeal Quintero somente reforçaram o culto a Bolívar
por meio de um processo de dramatização, ao colocar o Libertador como alguém eleito
pela divindade, mas injustiçado pelo povo. Por isso a sanção de Deus para com aqueles
que haviam sido injustos com Bolívar ao expulsá-lo da pátria. Embora tenha tido uma
conotação religiosa, as palavras do cardeal Quintero serviram para reforçar o culto a
Bolívar, assunto mais fecundo da historiografia e da realidade social da Venezuela.
Conforme destacado acima, o nacionalismo e o culto a Bolívar são sinônimos na
Venezuela, reforçando a tese defendida por Hobsbawm, segundo a qual a religião serve
como um cimento ao nacionalismo193.
Em razão disso, na Venezuela se incita a estudar, produzir, lutar e até mesmo a
morrer por Bolívar, o que se caracteriza como sinônimo de morrer pela pátria. De
acordo com Benedict Anderson, o ato de morrer pela pátria assume uma conotação de
191. CARRERA DAMAS, Germán. Simón Bolívar, el culto heroico y la nación, p.107-108.
192. Idem, p.108.
193. HOBSBAWN, Eric. Nações e nacionalismos desde 1780, p.83.
95
grandeza moral que não pode ser comparada a morrer por uma instituição qualquer, a
exemplo de um partido político ou uma Organização de expressão internacional. Isso
também vale para o ato de morrer por uma revolução que carrega uma carga simbólica
de ideários considerados ‘puros’194. No caso venezuelano, todos estes incentivos se
tornam ainda mais reluzentes quando o mais alto hierarca da Igreja Católica do país se
apropria do discurso bolivariano a fim de reforçar este pensamento.
Como se pode observar, o culto a Bolívar e a dramatização de sua figura foram
historicamente construídos. Eles já estavam presentes na realidade político-social
venezuelana quando Chávez chega à presidência da República. Ou melhor, o ex-militar
ascende ao cargo devido ao cenário de crise e ajudado pela forma considerada eficiente
com a qual abordou o culto a Bolívar, em favor de sua permanência na presidência da
República e das medidas em que tomou no exercício dos mandatos. Compreende-se,
portanto, que a abordagem do culto a Bolívar entre 1999 e 2013 não inovou na
estratégia da dramatização. No entanto, a intensidade dessa dramatização do culto
chegou a patamares exagerados, servindo de base ao bolivarianismo da era Chávez, a
ponto do próprio presidente se empenhar em redefinir a controversa e polêmica história
do prócer, por meio do questionamento das causas que levaram a sua morte.
Conforme pontuou Carrera Damas, Bolívar esteve imerso em grandes polêmicas,
por isso seu legado histórico abre margem à distintas interpretações e nem as
circunstâncias que o levaram à morte são consensuais. Todavia, a tese de que o
Libertador não morreu de tuberculose, mas foi assassinado, não havia tido relevância ao
ponto de um presidente da República se ocupar da dúvida, ou assumi-la publicamente.
Todavia, Chávez não se importou com isso.
Logo após ser derrotado no Referendo da Reforma Constitucional de 2007195, o
presidente da Venezuela ‘reapareceu’ em público justamente no Panteão Nacional
colocando flores no túmulo de Bolívar. Isso não foi por acaso. Tratava-se de uma
estratégia para anunciar a abertura de investigação sobre as causas da morte do
Libertador, ao utilizar todos os recursos do Estado, da ciência forense e do que chamou
de ‘história verdadeira’. Para o presidente, nenhum bolivariano poderia ficar indiferente
194. ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas, p.202.
195. O Referendo de 2007 é discutido detalhadamente no Capítulo 4.
96
ante aquela dúvida196. É importante frisar que naquele momento Chávez utilizava o
Libertador como uma forma de desviar o foco da derrota eleitoral amargada dias antes.
Contudo, havia fatos já longamente destacados pela história que ajudavam a
aumentar as especulações. Sabe-se que ao longo da vida Bolívar acumulou muitos
inimigos. Em duas ocasiões havia escapado de ser realmente assassinado: na Jamaica
em 1815 e em Bogotá em 1828, a mando de seu ex-aliado Francisco de Paula
Santander.
Durante seu mandato, o presidente Chávez soube utilizar o culto a Bolívar como
um instrumento político de mobilização das massas em favor de suas políticas. Ao
longo da história venezuelana, poucos presidentes haviam obtido tanto êxito neste
aspecto como Chávez. Não raras vezes ele fazia longas explanações à imprensa sobre os
escritos do Libertador e enfatizava os aspectos poucos esclarecidos no tocante a sua
morte. Nos momentos em que a liderança de Chávez era fortemente questionada, como
ocorreu durante o golpe de Estado em 2002, o paro petroleiro de 2003, a derrota no
Referendo da Reforma Constitucional de 2007 e no diagnóstico de câncer em 2011,
Bolívar aflorava em seus discursos ao ponto de se tornar praticamente o único assunto.
Chávez se colocava como uma ‘vítima’ da mesma elite que no século XIX havia
sido a responsável pelo isolamento político do Libertador. Em termos superficiais, o
presidente ressignificava o culto a Bolívar, tal como outros presidentes fizeram ao longo
da história venezuelana. Entretanto, Chávez foi mais longe. Não se contentou em
somente cultuar o Libertador, quis dramatizá-lo ainda mais ao lançar dúvidas sobre os
aspectos considerados ‘turvos’ na vida do controverso prócer. Daí surge a ideia de
questionar as causas que levaram a sua morte.
Hugo Chávez cumpriu a promessa feita em dezembro de 2007 e, com o
propósito de provar a hipótese de que o Libertador foi assassinado, ordenou a exumação
dos restos mortais de Simón Bolívar em julho de 2010. Ignorou as críticas dos
adversários que consideravam a exumação um grave ato de profanação ao pai da pátria.
Por outro lado, os partidários de Chávez vislumbravam a abertura do túmulo como uma
196. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto con motivo
de la conmemoración del 177º aniversario del fallecimiento del Libertador y Padre de la Patria Simón
Bolívar. Panteón Nacional. Caracas, 17 de diciembre de 2007. In. Discursos y Alocuciones. Disponível
em: http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2147-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-
chavez-durante-acto-con-motivo-de-la-conmemoracion-del-177-aniversario-del-fallecimiento-del-
libertador-y-padre-de-la-patria-simon-bolivar (acesso em 26 de fevereiro de 2016).
97
homenagem ao Libertador. Na visão da procuradora-geral da República, Luisa Díaz
Ortega, a exumação quitaria uma dívida histórica da República com Bolívar197.
Entretanto, a ideia de abrir os restos mortais do herói da Independência também
não era uma novidade. Em vários momentos da história venezuelana cogitou-se abrir o
túmulo do Libertador, com o propósito de dirimir as dúvidas e polêmicas existentes em
torno de sua controversa história. Porém, como tudo em se tratando de Bolívar é um
assunto sensível na Venezuela, antes de 2010 não havia sido construído um consenso
mínimo em torno do assunto capaz de realmente viabilizar a exumação.
Em 1947, durante a Assembleia que redigiu a Constituição após a era Juan
Vicente Gómez (1908-1935), o presidente da Constituinte, deputado Andrés Eloy
Blanco, chegou a defender a tese da abertura do sarcófago, mas não obteve suficiente
apoio político. Ademais, havia rumores de que um médico venezuelano (doutor José
‘pepe’ Izquierdo) possuía em seu poder o que seria o crânio do Libertador. Em meio a
todas estas especulações, também historicamente construídas, somadas às teorias
conspiratórias difundidas pelo governo de Chávez, a exemplo do pretenso assassinato
do Libertador, finalmente obteve-se apoio à abertura do sarcófago.
Sendo assim, o governo da Venezuela instituiu uma Comissão Presidencial198,
comandada pelo vice-presidente Elias Jaua, com o propósito de verificar as causas
‘verdadeiras’ da morte de Bolívar e utilizou-se de toda a tecnologia disponível nos anos
de 2010, 2011 e 2012, que não havia no século XIX. A exumação da ossada foi um
evento acompanhado por muita visibilidade dos órgãos oficias que realizaram uma
ampla e repetitiva cobertura do evento. Quando o sarcófago finalmente foi aberto, em
15 de julho de 2010, por soldados da Guarda Presidencial com a supervisão de
especialistas venezuelanos e estrangeiros, o trabalho foi transmitido ao vivo pela estatal
Venezolana de Televisión (VTV) e com direito a narração de Chávez. Para dramatizar
ainda mais a imagem de Bolívar, o presidente da Venezuela enfatizou os aspectos
dramáticos da vida do prócer e narrou com o propósito de pôr emoção ao momento:
Ahí están entrando los equipos iniciales, todos dentro del Panteón,
todo se hizo dentro del Panteón… Donde está el sarcófago… Ahí
están oficiales, tropas de la Guardia Presidencial, liberalizados por el
vice-presidente Elías [Jaua] y el ministro del interior Tarek [Willian
Saab], el Fiscal General, científicos de España, de Venezuela que
197. ARRIA, Oscar. Pruebas de ADN certificarán autenticidad de restos del Libertador Simón Bolívar.
Correo del Orinoco. Caracas, 17 de julio de 2010, p.5, No 316.
198. Nome oficial: Comisión Presidencial para la Planificación y Activación del Proceso de
Investigación Científica e Histórica, sobre los acontecimientos relacionados con el fallecimiento de El
Libertador Simón Bolívar y el traslado a la Nación de sus restos mortales.
98
tienen meses trabajando en este proyecto y están adoptando
dispositivos para abrir el sarcófago… Todo se hizo con un respecto
venerable, infinito, es el padre de la patria… Es el padre, Bolívar.
Traicionado, vilipendiado, expulsado de la patria, murió llorando,
murió solitario. Una de sus últimas frases: “Qué puede un pobre
hombre contra el mundo”. Bueno, ahora no está sólo padre, aquí
estamos nosotros, aquí estamos tus hijos y tus hijas… El vice-
presidente Elías, abriendo el sarcófago, momento de mucha emoción,
muchísima emoción199…
A forma como Chávez representou Bolívar no momento da exumação dos ossos
do Libertador não poderia ser menos dramática. As palavras enfatizadas pelo presidente
da Venezuela demonstravam de forma nítida esta dramatização. Segundo Chávez,
Bolívar havia sido traído, vilipendiado, expulso da pátria, morreu sozinho e chorando.
Não há fontes capazes de confirmar que o Libertador estava chorando ao mesmo tempo
em que agonizava em seu momento derradeiro. Nem sua solidão pode ser confirmada.
Em uma tela a óleo de E. Yépez chamada La muerte del Libertador200, Bolívar é
pintado deitado em uma cama em seus últimos minutos de vida. Ao redor estava uma
autoridade eclesiástica, um médico, um secretário (mordomo), um sobrinho chorando e
três generais. Não há como confirmar se Bolívar estava exatamente com estas pessoas
no momento de sua morte. Porém, a hipótese de que estivesse sozinho, sem ao menos
uma pessoa para ajudá-lo a carregar os pertences pessoais, não parece condizente com a
realidade da época.
O historiador Jonh Lynch também contesta a tese de solidão do Libertador.
Segundo o autor, Bolívar chegou a Santa Marta em 1o de dezembro de 1830. O médico
francês Alexandre Prospère Révérend e o cirurgião da Marinha dos Estados Unidos
George MacNight examinaram o Libertador. Ambos o identificaram com uma séria
doença pulmonar que mais tarde seria diagnosticada como tuberculose201.
On 6 December José Palacios, his [Bolívar] long-serving
mayordomo, carried him to a carriage that took him to Mier’s villa,
San Pedro Alejandrino. Close to him in this retreat were Belford
Hinton Wilson, his nephew Fernando, and Jose Palacios, while
General Montilla was his liaison with the outside world, and his
French doctor remained in constant attendance202.
199. CHÁVEZ, Hugo. Venezuela muestra al mundo la apertura del sarcófago del Libertador. Vídeo.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2HMq1FKxW68 (acesso em 8 de setembro de 2015).
200. Esta tela a óleo pode ser vista em VAYSSIÈRE, 2008. A imagem foi cedida ao historiador francês
pela Academia Nacional de la Historia, Buenos Aires, Argentina. Ver: Imagem 4, no Anexo.
201. LYNCH, John. Simon Bolívar: a life, p.276-277.
202. “Em 6 de dezembro, José Palacios, seu [Bolívar] mordomo desde muito tempo, o levou de
carruagem à fazenda do senhor Joaquín Mier, em San Pedro Alejandrino. Acompanhavam-no Belford
Hinton Wilson, o sobrinho Fernando e José Palacios, enquanto o general Montilla informava a Bolívar o
99
Todavia, dizer que Bolívar estava sozinho seria uma forma de melhor colocar
emoção naquele momento tão estratégico ao regime, quando seriam exumados os ossos
do personagem mais notável e controverso da historiografia venezuelana. Um Bolívar
solitário que chorava seria uma representação mais eficiente no intuito de colocá-lo
como um herói incompreendido e expulso das Repúblicas que libertou, tal como o culto
a sua figura o representa, ainda que esta interpretação tenha sido realizada contrariando
fontes capazes de contestá-la. Além disso, afirmar que o pai da pátria havia
convalescido naquelas circunstâncias poderia ser uma justificativa a mais no intuito de
demonstrar o real propósito daquela exumação midiática: legitimar a tese defendida
pelo regime de que o Libertador foi assassinado. Portanto, a cobertura da exumação,
feita pelo Correo del Orinoco, traz em suas páginas uma afirmação de Chávez, segundo
a qual, ao olhar o esqueleto de Bolívar, ele ainda via o Libertador chorando203.
Enfatizar a solidão servia como uma justificativa para afirmar que no momento
da exumação Bolívar não mais estava sozinho. Estaria rodeado e protegido por seus
filhos e filhas, que nada mais seriam do que todos aqueles que apoiavam a Revolução
Bolivariana, liderada por Chávez, que terminou sua narração, pouco antes do sarcófago
ser aberto, dizendo ser aquele um momento de grande emoção. Ou seja, tratou-se da
mais nítida demonstração de dramaticidade. A partir daquele momento, a figura
histórica do Libertador ganharia mais um motivo para ser cultuado: o pretenso fato de
ter sido assassinado por seus inimigos.
Na era Chávez, o intenso esforço de dramatizar ainda mais o culto a Bolívar
utilizava, na maioria das vezes, fatos e justificativas consideradas pouco confiáveis com
base nas fontes históricas. Por exemplo, em seu último pronunciamento diante da
Assembleia Nacional da Venezuela, Chávez chegou a afirmar que a oligarquia
venezuelana não se satisfez em apenas expulsar Bolívar do país em seus últimos anos de
vida, ela também havia ameaçado fuzilá-lo, caso regressasse à Venezuela204.
que acontecia do lado de fora, seu médico francês lhe prestou assistência o tempo todo” (LYNCH, John.
Simon Bolívar: a life, p.277).
203. ARRIA, Oscar. Pruebas de ADN certificarán autenticidad de restos del Libertador Simón Bolívar.
Correo del Orinoco. Caracas, 17 de julio de 2010, p.5, No 316.
204. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del Presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Comandante
Hugo Chávez en la Asamblea Nacional. Caracas, 13 de Enero de 2012. Disponível em:
http://aristobulo.psuv.org.ve/2012/01/13/canpana/discurso-del-presidente-de-la-republica-bolivariana-de-
venezuela-comandante-hugo-chavez-en-la-asamblea-nacional/#.VPNe0vnF-1w (acesso em 1o de abril de
2015).
100
Entretanto, isso não se resumiu as situações mencionadas pelo presidente da
República durante a transmissão ao vivo da exumação (traições, vilipendio, solidão).
Em algumas ocasiões, Chávez chegou até mesmo a afirmar que o Libertador havia
morrido na miséria, com base nas dificuldades financeiras que enfrentou em algumas
fases de sua vida, a exemplo do exílio forçado na Jamaica e no Haiti (1815). Em um
discurso proferido em fevereiro de 2001 diante do sarcófago do general Ezequiel
Zamora, Chávez afirmou categoricamente: “Bolívar nació aquí mismo en cuna rica,
pero murió entre los pobres y en la miseria”205.
Embora o presidente não tenha citado a pobreza do Libertador em sua narração
de julho de 2010, quando houve a exumação dos ossos de Bolívar, enfatizava esta tese
com o mesmo propósito com o qual justificava a solidão e a ameaça de fuzilamento
sofrida pelo prócer, ou seja, dramatizá-lo ainda mais e provar a tese de assassinato.
Entretanto, assim como o fato de que Bolívar morreu solitário é pouco provável, a tese
de que morreu pobre é falsa, segundo asseguram as fontes históricas sustentadas pela
maioria de seus biógrafos. De acordo com o historiador francês Pierre Vayssière, com
base no inventário do Libertador, na ocasião de sua morte não lhe faltava recursos206.
[…] el Libertador había conservado algunos bienes de valor, sobre
todo, su vajilla de patino, fuentes y cubiertos de plata o de oro
macizo, una silla de montar, un antiguo par de pistolas, el retrato de
Washington, un cofrecillo de oro y diamantes que le había regalado el
clero de Bolivia, libros y una decena de cajas de documentos privados
[…] De modo que la leyenda de un Bolívar indigente es falsa. Es
cierto que había perdido su mayorazgo y todos sus bienes de raíces e
inmobiliarios, pero hubiera podido vivir decorosamente con lo que
quedaba207.
Após a exumação do Libertador, acontecimento midiático e dramaticamente
narrado pelo presidente Chávez, o governo da Venezuela ordenou a realização de
estudos com amostras de DNA nos ossos com três propósitos admitidos pelo regime:
provar que Simón Bolívar havia sido assassinado; derrubar a tese de que ele morreu de
205. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, frente al sarcófago del general Ezequiel Zamora. Panteón Nacional. Caracas, 1o de febrero de
2001, p.96.
206. É importante frisar que sempre houve rumores relacionados a Bolívar. Um deles dizia que no ato de
sua morte não possuía nem ao menos uma camisa, mas isso nunca foi confirmado. Entretanto, ao ler
adiantadamente o relatório produzido após a exumação de Bolívar, Chávez voltou a reafirmar a falsa tese
da ‘pobreza’ do Libertador ao dizer que, dentro do túmulo, os peritos haviam encontrado restos de couro
de botas de campanha, de cabelo e de uma camisa que havia sido emprestada na época para vestirem o
cadáver do Libertador.
207. VAYSSIÈRE, Pierre. Simón Bolívar, p.154.
101
tuberculose; e por fim, descobrir se o conteúdo narrado pela historiografia venezuelana
sobre o Libertador era realmente ‘verdadeiro’208.
O processo de análise durou aproximadamente 2 anos e contaram com a
participação de peritos forenses e médicos especialistas venezuelanos e estrangeiros,
contratados pelo regime e da confiança do presidente Chávez. Amostras dos restos de
Bolívar foram enviadas à Inglaterra, onde havia tecnologia e estudos mais avançados no
que tange a encontrar indícios de tuberculose em ossos antigos.
Ao contrário do que poderia superficialmente parecer, não se tratava de uma
tarefa simples, pois envolvia os ossos do personagem histórico mais importante da
Venezuela e fonte de um culto que é considerado o tema mais fecundo da política e da
historiografia venezuelanas. Por isso, um dos médicos que comandou as análises nos
ossos do Libertador e assinou o relatório, o norte-americano Howard Takiff, reconheceu
o caráter inovador e pouco preciso dos estudos. Disse ter consultado artigos de outros
pesquisadores que haviam conseguido encontrar evidências de tuberculose em ossos
antigos. Todavia, o próprio Informe salienta tratar-se de uma técnica recente e
imprecisa209. Apesar das dificuldades, das imprecisões, dos riscos e, principalmente, da
sensibilidade do tema, em julho de 2012 os resultados dos exames começaram a ser
divulgados por meio de um Informe relativamente detalhado no tocante ao
procedimento e as condições a que se encontrava o esqueleto. O Informe inicia com esta
descrição:
En el interior del sarcófago se aprecia un esqueleto humano de sexo
masculino articulado y envuelto en una tela de Damasco de color
pardo oscuro con flecos negros, los cuales se desprenden fácilmente.
[…] El tejido óseo se encuentra barnizado y en buen estado de
conservación; dicho barniz se desprendió parcialmente con la
manipulación210.
Também havia, na lateral direita do sarcófago, uma caixa que continha em seu
interior um papel dobrado igualmente descrito no Informe.
Ésta [a caixa] fue entregada al ciudadano Vicepresidente de la
República Bolivariana de Venezuela Elías Jaua. Posteriormente nos
informaron que el escrito es el acta de la preparación del cadáver de
S.E. El Libertador Simón Bolívar que realizó el sabio Doctor José
Maria Vargas en el año 1843211. 208. ARRIA, Oscar. Pruebas de ADN certificarán autenticidad de restos del Libertador Simón Bolívar.
Correo del Orinoco. Caracas, 17 de julio de 2010, p.5, No 316.
209.VENEZUELA. Informe preliminar sobre las causas de la muerte de “El Libertador Simón Bolívar”.
República Bolivariana de Venezuela. Caracas, Julio de 2012, p.14.
210. Idem, p.1.
211. Idem, p.2.
102
O Informe, produzido a partir da exumação dos ossos do Libertador, teve seu
valor histórico e impacto político para aquele momento. Sem contar com o fato de
midiatizar e dramatizar ainda mais a figura e o culto ao Libertador em anos cruciais para
o governo de Chávez, quando houve eleições legislativas (2010) e presidenciais (2012),
além do diagnóstico de câncer do presidente, admitido em junho de 2011, que serviu
para tumultuar o cenário político do momento. Ademais, por meio dos estudos
realizados após a exumação, provou-se que a ossada depositada no sarcófago era
realmente de Bolívar através da comparação de exames de DNA realizados com os
ossos de uma de suas irmãs. Com base no Informe dos médicos e peritos forenses,
provou-se que se tratava da ossada de um indivíduo do sexo masculino e com esclerose
nas vértebras lombar, provavelmente provocada por montaria a cavalo212, características
condizentes com Bolívar.
Apesar dos detalhes descritos acima, os estudos feitos nos ossos do Libertador
não serviram para provar com riqueza de detalhes e absoluta certeza as teses defendidas
pelo regime. Isso significa que o trabalho de exumar e enviar à Inglaterra a ossada do
prócer para análise de DNA não foi capaz de confirmar que ele foi assassinado e, para
deixar o assunto ainda mais controverso, pôs em dúvida a tese ‘oficial’ de que o
Libertador havia morrido de tuberculose. Por mais que o presidente Chávez se
empenhasse em reforçar a tese do assassinato de Bolívar por seus inimigos, não foi
possível confirmá-la por intermédio das análises feitas após a exumação midiática de
julho de 2010. Ao invés de provar a hipótese de assassinato, os estudos realizados sob
as ordens do governo Chávez tornaram ainda mais turvas as causas da morte de Bolívar.
O Informe é categórico a este respeito:
No se encontró evidencia de tuberculosis, y tampoco evidencia de
malaria, ni evidencia de Paracoccidiosis brasiliensis, el hongo
sugerido por el Dr. Paul Auwaerter como la posible causa de la
afección pulmonar y la muerte de El Libertador213.
Embora em nenhum momento os médicos e peritos que analisaram os ossos de
Bolívar tenham cogitado a hipótese de que o prócer houvesse sido assassinado, este era
o principal motivo pelo qual a exumação havia sido feita. Provar o assassinato do
212. Idem, p.3-5.
213. Idem, p.14.
103
Libertador, ou mesmo estabelecer dúvidas sobre as causas de sua morte, era estratégico
a Chávez no intuito de reforçar a dramaticidade inerente a figura de Simón Bolívar.
Se não bastasse o fato do prócer ter sido traído, expulso do país e, na visão de
Chávez, morrido ‘sozinho’ e na ‘miséria’, legitimar a tese do assassinato serviria como
uma espécie de último capítulo triunfante da vida de Bolívar, o que certamente
outorgaria ao Libertador e a seu culto um caráter ainda mais dramático e legitimador.
Isto é, caso tivesse sido assassinado, o Libertador teria terminado sua vida de uma
forma ainda mais heroica. Ademais, o fato dos relatos históricos comprovarem as duas
tentativas de assassinato sofridas pelo prócer (na Jamaica em 1815 e em Bogotá em
1828) ajudou a aumentar as suspeitas e as ‘teorias da conspiração’ difundidas pelo
governo de Chávez. Com isso, o presidente da Venezuela reforçava o culto com o
propósito de explorá-lo a seu favor, algo que fez com muita habilidade ao longo dos 14
anos em que esteve na presidência da República.
Todavia, com base no Informe divulgado, é possível perceber que os
especialistas responsáveis em analisar os ossos não quiseram ser taxativos, ou até
mesmo pode-se afirmar que eles optaram em não se comprometer diante de um assunto
tão estratégico e delicado ao governo da Venezuela. Por isso, fizeram uma ressalva:
“dentro de la ciencia, la ausencia de evidencia no es un criterio 100% confiable de que
la causa de la muerte no haya sido tuberculosis, pero son los mejores resultados que
hemos podido obtener hasta ahora”214. Ou seja, a antiguidade dos ossos de Bolívar
(desde 1843 eles estão depositados em um sarcófago) poderia provocar o
desaparecimento dos sinais de tuberculose. Sendo assim, este assunto se tornou algo
ainda mais controverso. Seria, portanto, mais uma polêmica para envolver a figura do
Libertador.
O Informe pouco esclarecedor em alguns aspectos trouxe evidências que
provocaram mais divergências e interpretações disformes do que contribuições no
intuito de formar um consenso sobre as causas da morte de Simón Bolívar. Menos ainda
provou a tese de Chávez segundo a qual o prócer havia sido assassinado. Contudo, os
especialistas contratados pelo governo venezuelano tiveram a ‘precaução’ de fornecer
uma explicação provável ao fato de não ter encontrado resquícios de tuberculose nos
ossos do Libertador, mas sem fazer uma afirmação taxativa.
No se encontró ninguna evidencia de la presencia de ADN del
complejo MTB en el material disponible para estudio. Se pudiera
214. Idem, p.14.
104
argumentar que los fragmentos óseos tomados del húmero e ileo no
son los más apropiados para proveer evidencia de la tuberculosis
pulmonar. Esto constituye una posible explicación para los hallazgos
negativos. […] Aunque no se puede excluir la tuberculosis como
causa de muerte, parece ahora una causa menos probable que lo que
se había concluido previamente en los informes del examen pots
mortem realizado en 1830215.
Ou seja, diante da impossibilidade de provar a tese defendida pelo regime, os
estudos feitos por ordem de Chávez lançaram ainda mais dúvidas e incertezas sobre o
assunto. Os estudos realizados nos ossos de Bolívar duraram aproximadamente 2 anos.
Mas, neste ínterim, o cenário político venezuelano mudou. Chávez foi diagnosticado
com câncer e começou a permanecer por longos períodos em Havana para tratamento. O
presidente da Venezuela chegou a ficar semanas sem aparecer em público ou emitir
algum sinal de que estivesse vivo. Em várias ocasiões anunciou-se adiantadamente a
morte do presidente. A doença impactou o ativismo em viagens internacionais e pelo
interior da Venezuela, por meio do qual Chávez havia se caracterizado ao longo de seus
mandatos, ao exercer, em alguns momentos, praticamente uma ‘presidência itinerante’.
Porém, a dramaticidade inerente ao Libertador e igualmente transferida a figura
de Hugo Chávez permaneceu. A doença do presidente foi utilizada pelo regime como
uma forma de reforçar sua própria liderança, por meio de um clima de ‘comoção social’
ante a fisionomia convalescente de Chávez, ainda que durante a campanha eleitoral de
2012 ele evitasse mencionar a enfermidade. Seguindo este raciocínio, os colaboradores
do presidente argumentaram que o câncer havia sido inoculado por seus inimigos: os
Estados Unidos e a oligarquia venezuelana. O próprio presidente, em diversas ocasiões,
chegou a levantar esta tese, embora em nenhum momento tenha afirmado
categoricamente que os norte-americanos tivessem feito isso. Apenas levantou esta
hipótese segundo a qual seria muito suspeito que vários presidentes ou ex-presidentes
latino-americanos tenham sido diagnosticados com câncer no mesmo período216.
Esta tese era tão desprovida de fundamento, ou fontes que ao menos
proporcionasse uma pista a respeito, que nem Chávez parecia crer nela, somente a
utilizava como uma forma de insuflar seus partidários e justificar sua enfermidade. Na
215. Idem, p.25.
216. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del Presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Comandante
Hugo Chávez en la Asamblea Nacional. Caracas, 13 de enero de 2012. Disponivel em:
http://aristobulo.psuv.org.ve/2012/01/13/canpana/discurso-del-presidente-de-la-republica-bolivariana-de-
venezuela-comandante-hugo-chavez-en-la-asamblea-nacional/#.VPNe0vnF-1w (acesso em 1o de março
de 2015).
105
realidade, lançar dúvidas sobre a própria doença, ou mesmo dizer que seria muito
estranho Chávez morrer de câncer aos 58 anos, tal como grande parte de seus
partidários acredita, combinava com o ponto de vista do governo da Venezuela segundo
o qual o Libertador também havia morrido em circunstâncias consideradas ‘duvidosas’.
É indispensável frisar que para o regime quanto mais aproximar a imagem de
Chávez com a de Bolívar mais estratégico era. Dessa forma, buscava-se legitimar a tese
de continuidade da obra de um (Bolívar) pelo outro (Chávez). Durante 14 anos, este
esforço em ‘igualar’ Chávez com Bolívar foi fundamental para que o culto ao prócer
proporcionasse resultados em favor de quem estivesse no poder no momento. Tudo isto
foi fundamental para que ganhasse 4 eleições presidenciais, utilizando-se da imagem de
um ‘Bolívar reencarnado’, ou o ‘segundo libertador’ da Venezuela, pensamento
compartilhado por uma parcela da sociedade venezuelana.
Este fenômeno tornou-se evidente durante a cobertura oficialista do velório de
Chávez e do cortejo pelas ruas de Caracas. Sob sol escaldante, uma multidão de
partidários seguiu o caixão do presidente e haviam aqueles que desejavam colocá-lo no
Panteão Nacional ao lado de Simón Bolívar. Alguns deles diziam abertamente: Chávez
foi o ‘segundo libertador’ que a Venezuela teve217. A forma como Bolívar morreu, seja
assassinado ou não, combinava com a imagem de um Chávez convalescente em virtude
de uma enfermidade de tratamento complicado e responsável por levar muitos
indivíduos à morte. Ou seja, na visão dos partidários do regime, a dramaticidade da
morte do Libertador combinava com a dramaticidade da morte de Chávez.
Entretanto, Bolívar não morreu assassinado e tampouco é possível provar que
Chávez também faleceu desta maneira. Mas, a convalescência de ambos, provada pela
historiografia, ajuda a reforçar a dramaticidade em torno da figura destes dois líderes.
Este ‘apelo a dramaticidade’ já vinha sendo feito pelo regime quando o
presidente foi diagnosticado com câncer. Ademais, é possível afirmar que com a
impossibilidade de provar a hipótese de assassinato de Bolívar, o regime se aproveitou
das incertezas incrementadas pelo documento forense (descrito acima) a fim de
enfatizar a ‘inverdade’ no tocante ao fato do Libertador ter morrido tuberculoso. Na
visão dos partidários do governo, isso legitimaria a tese calcada na hipótese de
assassinato. Sem contar com a importância da divulgação dos resultados em 2012, pois
217. VALENCIA. Valencianos se concentraron para recordar al presidente. Correo del Orinoco. Caracas,
7 de marzo de 2013, p.13, No 1.253.
106
se tratava de um momento eminentemente estratégico. Em outubro haveria eleições
presidenciais e Chávez concorreria pela quarta vez à presidência.
Neste sentido, utilizar os resultados das análises nos ossos de Bolívar, ainda que
não fosse o desejado pelo regime, fazia com que explorar o culto ao Libertador se
tornasse algo ainda mais estratégico, sobretudo ante os novos fatos surgidos a partir dos
resultados feitos nos exames de DNA. Portanto, a dramaticidades envolvendo a figura
de Simón Bolívar, somado a comoção em meio ao câncer do presidente Chávez, foi
utilizado como um fator aglutinador para que ele saísse mais uma vez vitorioso de uma
eleição em outubro de 2012.
Contudo, os resultados obtidos pelo governo Chávez através da exumação dos
ossos de Bolívar não se restringiram a pôr mais dúvidas no que tange as causas que
levaram à morte do prócer, ao torna-lo um personagem histórico-político ainda mais
imerso em polêmicas. Com a impossibilidade de provar categoricamente o assassinato,
o regime encontrou um caminho alternativo. Aproveitando-se das tecnologias
disponíveis no momento (a tecnologia em 3D), encampou um projeto chamado de
‘reconstrução facial’ do que em tese teria sido o rosto de Simón Bolívar.
Além das Forças Armadas, da confluência entre as versões letrada e popular do
culto e da crescente dramatização da figura de Bolívar – por meio da tese de assassinato
–, o regime também tinha como propósito tornar Chávez ainda mais próximo do
Libertador, ou seja, fisicamente parecido a ele. Este assunto é tratado no próximo item.
2.4 – Um mestiço de nariz ancha: o Simón Bolívar do presidente Hugo Chávez
Mesmo com a impossibilidade de provar categoricamente que Bolívar havia sido
assassinado por seus inimigos, os ossos do Libertador, exumados do Panteão Nacional
em julho de 2010, foram analisados por especialistas contratados pelo governo
venezuelano. Para além das especulações e incertezas provocadas e incrementadas por
meio do Informe divulgado pelos médicos e peritos forenses com base nos resultados
dos exames, o governo do presidente Hugo Chávez viu-se obrigado a abandonar a
estratégia de provar o assassinato do pai da pátria. Porém, as intenções não haviam sido
deixadas de lado. Ou seja, reforçar o culto a figura de Simón Bolívar continuou sendo o
objetivo do regime, para lhe outorgar mais dramaticidade e, consequentemente,
aproximar a figura do Libertador com a do presidente no poder, sobretudo após Chávez
ser diagnosticado com câncer.
107
A doença fez com que reduzisse o ativismo em viagens pelo interior da
Venezuela, justamente quando a campanha eleitoral de 2012 se aproximava. Neste
cenário, explorar o culto a Bolívar, ao atrelar cada vez mais a imagem de Chávez com a
do prócer, como se o presidente fosse o ‘segundo Libertador’ ou até mesmo a sua
reencarnação, tornou-se uma alternativa ainda mais estratégica.
Dessa forma, o governo venezuelano decidiu se concentrar na tarefa de
reconstruir o rosto de Bolívar através do uso de tecnologias em terceira dimensão (3D),
tendo como modelo o crânio que havia sido exumado junto com o esqueleto do
Libertador em julho de 2010. Com as tecnologias disponíveis entre os anos de 2010 e
2012, o governo de Chávez se propôs a revisar as imagens de retratos pintadas do
Libertador no século XIX, com o propósito de provar se realmente condiziam ou não
com seu rosto. Além disso, é importante frisar que o governo Chávez possuía
praticamente uma ‘obsessão’ em provar a ‘verdade’, sobretudo se esta versão dos fatos
fosse condizente com o pensamento ou com os propósitos estabelecidos pelo regime.
No tocante ao rosto do Libertador, o governo elaborou suas hipóteses com base
no questionamento da autenticidade dos retratos de Bolívar feitos no século XIX, se ele
realmente possuía o nariz e o cabelo condizentes com os retratos pintados na época218.
Para tanto, Chávez lançou a tese de que a historiografia oficial havia branqueado o
Libertador, personagem histórico-político pertencente a elite criolla. Esta tese era
legitimada pelo fato de Bolívar possuir mestiçagem, constatada por meio de
investigações feitas em sua árvore genealógica. Na visão do historiador John Lynch,
The [Bolívar] family linage has been scoured for sings of race mixture
in a society of whites, Indians and blacks, where neighbors were
sensitive to the slightest variant, but, in spite of dubious evidence
dating from 1673, the Bolívars were always whites219.
Na atualidade, há um relativo consenso entre os historiadores de que Simón
Bolívar realmente possuía mestiçagem com sangue indígena e negro. Todavia, com base
na reflexão acima feita por Lynch (2006), naquela época, qualquer traço que pudesse
demonstrar mestiçagem na família seria plenamente escondido. Isso explica a escassez
de documentos capazes de comprovar a mistura com sangue indígena e negro, exceto
nas minuciosas análises da árvore genealógica do Libertador. Por isso, nos documentos
218. DAVIES, Vanessa. Chávez mostrará hoy la cara del Libertador. Correo del Orinoco. Caracas, 24 de
julio de 2012, p.3, No 1.035.
219. “A linhagem da família [Bolívar] tem sido marcada pela mistura racial em uma sociedade de
brancos, indígenas e negros, onde vizinhos eram sensíveis às mínimas diferenças, mas, apesar das
suspeitas datadas de 1673, os Bolívar sempre foram brancos” (LYNCH, John. Simon Bolívar: a life, p.xi).
108
e cartas produzidos pela família Bolívar não há qualquer menção sobre raça ou cor de
seus membros.
Em uma sociedade altamente estratificada e racista como a venezuelana entre os
séculos XVI e XIX, onde mestiços, índios e negros eram considerados indivíduos não
pertencentes a sociedade, é perfeitamente compreensível qualquer esforço para esconder
algum tipo de mestiçagem que comprometesse a ‘pureza’ de sangue de uma
determinada família ilustre, ainda que esta ‘mistura’ fosse mínima e genealogicamente
distante. Tal como destacam as fontes históricas, o pai de Simón Bolívar, Juan Vicente
Bolívar y Ponte (1726-1786), possuía mestiçagem. Porém, seus traços físicos
‘escondiam’ qualquer miscigenação, pois seu fenótipo era descrito como um indivíduo
branco, com cabelos claros e olhos azuis.
Durante grande parte da construção teórica do culto a Bolívar, ou seja, de 1842
até 1970 quando foi publicado o livro El culto a Bolívar de Carrera Damas, o assunto
mestiçagem foi deixado de lado pelos autores, em razão da escassez de fontes
documentais (cartas, principalmente) que fizessem referência a qualquer tipo de mistura
com sangue negro e/ou indígena. Durante esse período, não era interessante representar
um rico de nascimento, pertencente a elite criolla e personagem mais fecundo da
historiografia venezuelana, como um indivíduo mestiço. Por isso, durante um longo
período a historiografia contribuiu no processo de santificação, dramatização e
branqueamento do Libertador.
Seguindo este raciocínio, a crítica feita por Hugo Chávez na maneira como
descreviam o Libertador, ou seja, ignorando seus traços mestiços, era justificável.
Todavia, entre 1999 e 2013 esta forma através da qual representavam o Libertador havia
sido relativamente superada e os traços de mestiçagem de Bolívar já eram admitidos
pelos autores que refletiram sobre a complexa vida e obra do prócer. Apesar disso, as
críticas de Chávez não cessaram e, até a sua morte em 2013, ele continuou sendo um
crítico voraz da grande maioria dos autores que haviam escrito sobre o herói da
Independência desde 1842.
Porém, esta insistência em desqualificar a historiografia venezuelana pode ser
explicada no fato de Chávez ter difundido a tese de que ela havia sido um instrumento,
utilizado pela elite que o precedeu, para dominar a população e mascarar as disparidades
sociais do país. Na verdade, entre 1999 e 2013 havia uma disputa, travada no campo
histórico-político, que envolvia o presidente Chávez contra inúmeros historiadores
venezuelanos, pois eles se posicionavam como críticos do presidente e de seu
109
bolivarianismo, representados pela Academia Nacional de História. Esta disputa teve
como fastígio a retirada dos arquivos do Libertador dos domínios da Academia, tal
como destacado no item anterior.
Apesar de toda a polêmica alimentada durante a era Chávez, na visão de um
historiador que estudou a vida e a obra do prócer, o francês Pierre Vayssière, as origens
familiares do Libertador são capazes de colocá-lo como alguém da elite de Caracas, por
mais que houvesse dúvidas sobre a ‘pureza’ de sangue. Os Bolívar eram poderosos,
possuíam muitas terras, minas e escravos. Ainda que qualquer ‘mistura’ houvesse sido
admitida, o Libertador e sua família não poderiam ser considerados ‘mestiços comuns’.
Embora pouco demonstrada documentalmente, Vayssière (2008) confirma: “[…] Simón
Bolívar era, como todo buen criollo, de sangre americana, es decir, café con leche: un
blanco con mestizaje indio por parte de su abuelo, y mulato por parte de su abuela
Petronila” 220.
Porém, as raízes genealógicas do Libertador são extremamente complexas. Ele
descende de uma família de espanhóis vindos do país Vasco, uma região da Espanha
anexada ao Reino de Castilla por volta de 1379. Em 1587, Simón Bolíbar221 (o mais
antigo descendente do Libertador a constar nos documentos) foi nomeado procurador do
então cabildo de Caracas por ordem do famoso Rei Felipe II. A partir daí, os Bolíbar se
instituíram na região de Caracas e se enriqueceram ao mesmo tempo em que a elite
criolla negociava melhores condições comerciais à colônia, frente ao rígido pacto
colonial estabelecido pela Metrópole. Após três gerações, tem-se registro de Juan de
Bolíbar y Villegas, avô daquele que se tornaria o Libertador e a quem se atribuía já
possuir sangue indígena. Bolíbar y Villegas contraiu matrimônio com Maria Petronila
de Ponte y Martín, a quem se atribui possuir sangue negro. Apesar disso, Bolívar y
Villegas chegou ao posto de capitão-geral da Venezuela.
Com base no descrito acima, observa-se a complexidade em analisar as origens
genealógicas do Libertador, sem contar com a rígida, preconceituosa e excludente
sociedade colonial em relação as ‘pessoas de cor’. Segundo Vayssière (2008),
220. VAYSSIÈRE, Pierre. Simón Bolívar, p.39.
221. Com base nos documentos escritos na época em que os primeiros antepassados do Libertador
chegaram à América, por volta de 1587, o sobrenome Bolívar se escrevia com ‘b’ (Bolíbar). Era sua
forma considerada ‘original’ vinda da região Vasca (ou Basca) da península Ibérica e anexada ao Reino
da Espanha. Esta grafia permaneceu por três gerações da família Bolíbar e não foram encontradas fontes
capazes de explicar a razão pela qual a mudança foi feita. Entretanto, ao que consta nos documentos, a
grafia foi alterada a partir do pai do Libertador, Juan Vicente Bolívar, quando o ‘b’ foi substituído pelo
‘v’. Porém, na pronúncia em língua espanhola, a diferença de som entre ambas as letras é praticamente
nula e se restringe a uma alteração de ordem gráfica.
110
No hacemos esta referencia al árbol genealógico de Simón Bolívar
para exaltar su linaje, sino para señalar la complejidad de sus raíces.
Era español y vasco por la sangre de sus antepasados, y también por
sus profesiones: procurador, capitán general de Venezuela,
administrador de finanzas. Pero Simón también era “americano” por
la sangre indígena y negra de sus abuelos, por sus actividades de
labradores y empresarios, y sin duda, también por esa frustración
original de los criollos, que siempre buscaban el reconocimiento de
su condición de ciudadanos americanos por parte de la madre
patria222.
Embora sejam escassas as fontes documentais que tratam de questões raciais na
família Bolívar, há um fato histórico que ajuda a evidenciar e comprovar de uma forma
mais exata a existência de mestiçagem: a negação do título de marquês justamente em
razão de dúvidas no tocante à ‘pureza racial’ dos Bolívar. Tudo começou com o mestiço
avô do Libertador, Juan de Bolíbar y Villegas. Em 1737, ele comprou dos frades do
monastério catalão de Montserrat o título de Marquês de San Luis por 22.000 dobrões
de ouro. No entanto, o processo de concessão do título ficou embargado na Espanha por
haver suspeitas no tocante a ‘pureza de sangue’ do comprador, algo inaceitável na visão
da nobreza espanhola, porém, muito comum nas colônias americanas223.
Juan Bolíbar y Villegas morreu sem obter a honraria e seus descendentes
decidiram não reaver o título de marquês, talvez para evitar que se investigasse mais
profundamente a árvore genealógica da família e descobrisse algo que pudesse ser
prejudicial à imagem da ilustre e rica família de Caracas. Após a morte de Juan Vicente
Bolívar, pai do Libertador, a viúva Maria Teresa Concepción Palácios tentou novamente
reaver aos filhos o título comprado pelo sogro, mas sem sucesso. Poucos anos depois
ela também faleceu vítima de tuberculose e a ideia do marquesado foi abandonada.
Segundo a biógrafa Marie Arana:
Juan Vicente de Bolívar [...] tinha todo o direito de usar aquele título e
denominar-se marquês de San Luis, mas não o fez. Para ele era o
bastante ser um Bolívar, o descendente de tantos Bolívar ricos e
ilustres antes dele; era o bastante ter domínio sobre amplas posses que
herdara. No entanto, quando Juan Vicente morreu e dona Concepción
resolveu tentar oficializar o marquesado para seus filhos, soube afinal
que a árvore genealógica dos Bolívar não era tão pura224.
A história do Libertador é controversa, sua origem genealógica é complexa e
toda a polêmica em que sua figura esteve historicamente envolvida foi potencializada
222. VAYSSIÈRE, Pierre. Simón Bolívar, p.41.
223. Idem, p.39.
224. ARANA, Marie. Bolívar: o Libertador da América, p.26.
111
por se tratar do assunto mais fecundo da historiografia do país. Além disso, a
abordagem do culto ao Libertador envolve interesses de grupos que se encontram no
poder em determinado momento histórico, no caso analisado a gestão do presidente
Hugo Chávez. Por isso, ela atinge uma função estratégica que transcende a mera
divergência de interpretação do passado de uma determinada figura histórica ou mesmo
de um país.
Com base em toda esta polêmica, o presidente Chávez se apropriou desta
discussão com a finalidade de reforçar o culto ao Libertador e se manter no poder. Neste
aspecto, a estratégia utilizada por este presidente não pode ser considerada inovadora.
No entanto, ao longo de seus 14 anos na presidência, Chávez se destacou como uma
figura carismática e que contava com massivo apoio popular, o que lhe foi estratégico
em conseguir suficiente suporte institucional para exumar os restos mortais do
Libertador, algo que alguns políticos venezuelanos já haviam tentado, porém não
tinham obtido apoio político suficiente. É justamente na exumação e no que pôde ser
feito a partir das análises nos ossos de Simón Bolívar que se encontra o caráter
considerado ‘inédito’ no bolivarianismo de Chávez: a reconstrução facial do que teria
sido o rosto de Simón Bolívar.
Ao mesmo tempo em que o procedimento estava sendo realizado, o cenário
político venezuelano não permaneceu estático. A polarização, sob a qual o país esteve
submetido desde a década de 1980 e intensificada a partir de 1999, fazia com que o
cenário político venezuelano fosse extremamente volátil. Após ser diagnosticado com
câncer, somado a aproximação das eleições presidenciais de outubro de 2012, Chávez e
seus colaboradores rapidamente se encontraram diante de uma situação complicada.
A oposição, por sua vez, estava se organizando em torno da Mesa de Unidade
Democrática (MUD), coalizão de partidos políticos oposicionistas que visava lançar
candidatura única à presidência da República. Ela acabou se consolidando em torno de
Henrique Capriles Radonski. Chávez estava com sua capacidade física limitada devido
ao tratamento contra o câncer e, por fim, a Revolução Bolivariana há algum tempo
havia se transformado em um processo político viável apenas sob o comando de um só
homem. Há alguns anos que a Revolução vinha se legitimando com base na ideia de um
‘presidente vitalício’, algo que havia sido defendido por Simón Bolívar no projeto de
Constituição da Bolívia de 1825225.
225. A Emenda à reeleição sem limites de 2009 e as eleições presidências de 2012 será discutida com
mais profundidade no Capítulo 4.
112
Em um cenário político de imensa disputa e eleições cada vez mais próximas,
qualquer notícia relativa ao Libertador poderia ser algo a favor de um determinado
candidato. Foi neste momento que começou a se espalhar pelas mídias oposicionistas a
hipótese de que o candidato adversário de Chávez, Henrique Capriles, poderia ser um
descendente longínquo do Libertador, um sobrinho oitavo de Bolívar, notícia não
coincidentemente difundida com mais intensidade após ser indicado o candidato da
coalizão MUD. Em matéria publicada no jornal colombiano El Tiempo (crítico do
governo Chávez), o historiador venezuelano Antonio Herrera-Vaillant, concluiu, por
meio de estudos genealógicos, que Henrique Capriles seria sobrinho oitavo do prócer,
descendente de Juan Agustín Bolívar, um meio-irmão bastardo do Libertador que havia
sido ‘reconhecido’ como filho de Juan Vicente Bolívar226. Segundo o artigo, “[…] es
una ironía, sin duda, que justo la descendencia de la familia Bolívar sea la que está
tratando de cambiar al gobierno ‘bolivariano’ del presidente Chávez”227.
Este fato foi o suficiente para ascender uma acalorada discussão, provocada em
razão da existência e da construção histórica do culto em torno de Simón Bolívar. Isso
outorgou imensa repercussão ao assunto, o que não aconteceria se estivesse sido
atribuído parentesco de Capriles com qualquer outro personagem histórico venezuelano.
Embora nos bastidores o burburinho fosse notável, Chávez tratou o assunto inicialmente
com cautela e a família de Capriles não se pronunciou publicamente no tocante ao
trabalho do historiador Antonio Herrera-Vaillant. Este ‘compasso de espera’ do
presidente da República tinha uma explicação. Não havia como negar que Chávez era
um político habilidoso, por isso esperou a ocasião considerada a mais adequada a fim de
se pronunciar publicamente sobre o pretenso parentesco do adversário com Bolívar.
Este momento era 24 de julho de 2012, justamente quando expôs publicamente o
quadro em 3D com o rosto do Libertador228. Ou seja, a notícia, considerada
‘bombástica’ na visão de muitos meios de comunicação e de adversários do presidente,
foi neutralizada pelo evento promovido pelo governo da Venezuela a fim de reforçar o
culto a Bolívar em favor da pessoa que estava no poder naquele momento. A estratégia
utilizada pelo presidente foi ironizar a situação e optou por não questionar o parentesco.
Preferiu se fundamentar em fatos históricos que enfatizam a falta de ‘virtudes’ dos
226. O pai do Libertador teve filhos bastardos. Isso pode ser provado com base na pequena quantia em
dinheiro que deixou em seu testamento aos filhos que teve fora do matrimônio com a mãe de Simón.
227. LARES MARTIZ, Valentina. Henrique Capriles sería sobrino octavo de Simón Bolívar. El Tiempo.
Bogotá, 23 de Julio de 2012. Disponível em: http://www.eltiempo.com/archivo/documento/CMS-
12056383 (acesso em 14 de outubro de 2015).
228. Ver: Imagem 6, no Anexo.
113
sobrinhos de Bolívar em comparação com as ‘proezas’ históricas atribuídas ao tio.
Ademais, havia uma carta escrita pelo Libertador repreendendo o comportamento de um
de seus sobrinhos. Sem nomear o candidato oposicionista, Chávez ironizou a situação:
Hace pocas horas se está hablando de un sobrino octavo de Bolívar
[risos] [...] Había que decir que el sobrino primero de Bolívar, fíjense
la línea de los sobrinos de Bolívar, se llamaba Fernando Bolívar, y
sería bueno leer la carta que Simón Bolívar le escribe a su sobrino
primero, no al octavo porque no lo conoció [risos], conoció al
primero. El sobrino primero de Bolívar era un, era un joven de muy
mala conducta y Bolívar lo reprime […]. En Bogotá le gustaba mucho
jugar, el dinero, el licor, etcétera. Estudió varios años en los Estados
Unidos y regresó a Bogotá, pero no ha hecho nada […]229.
Entende-se, portanto, o motivo pelo qual Chávez ironizou o fato e, sobretudo,
criticou a suposta má conduta de Fernando Bolívar, o sobrinho mais próximo do
Libertador e considerado pouco ‘glorioso’ pelo presidente. Neste caso, era mais
estratégico a Chávez não questionar o suposto parentesco, mas reforçá-lo em certa
medida a fim de atribuir os defeitos deste sobrinho ao candidato da oposição. Ou seja,
Bolívar seria representado pelo presidente, enquanto Capriles Radonski seria mais um
de seus sobrinhos com má conduta. Nesta mesma ocasião, Chávez foi ainda mais longe.
Questionou a conduta do sobrinho primeiro de Bolívar durante a tentativa de
assassinato, sofrida pelo prócer em Bogotá, em setembro de 1828. Chávez pontuou o
fato de Fernando ter se escondido enquanto Bolívar e Manuela Sáenz (amante do
Libertador) fugiam (ou enfrentavam seus algozes), o caracterizando como alguém de
postura covarde e traidora.
[…] la actitud del sobrino primero quedó muy cuestionada, su
conducta pues, la noche esta de septiembre. Lo menos que fue, dice
algún historiador, fue un cobarde, porque se metió en un cuarto, y
salió fue después que pasó todo. Y acompañó a Bolívar hasta Santa
Marta. Pero al poquito tiempo estaba aquí en Caracas, y escribió una
biografía, no de su tío, el gigante, sino escribió una biografía muy
complaciente de José Antonio Páez, a quien […] terminó hundiéndose
en la ciénaga de la traición […]230.
Todavia, há de se fazer uma ressalva. É sabido que ao longo de seu mandato o
presidente Chávez nem sempre construía seu raciocínio com base em uma exatidão
229. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez en actividad por 229º
Aniversario del Natalicio del Libertador Simón Bolívar. Caracas, 24 de julio de 2012. In. Discursos y
Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/235-intervencion-del-comandante-
presidente-hugo-chavez-en-actividad-por-229-aniversario-del-natalicio-del-libertador-simon-bolivar
(acesso em 26 de fevereiro de 2016).
230. Idem.
114
historiográfica, pois estava desprovido de uma consistente consciência histórica e
muitas vezes apresentava uma visão generalizante destes fatos. Porém, a historiografia
venezuelana demonstra a relação Bolívar-sobrinhos de uma forma menos tendenciosa.
Conforme relatam as fontes, vários sobrinhos e parentes do Libertador serviram no
exército republicano durante as batalhas pela Independência. Juana Bolívar, uma de
suas irmãs, havia perdido o marido e o filho de nome Guillermo231 em batalhas travadas
em favor da liberdade da América e da glória de seu irmão mais novo.
Contudo, na descrição acima que fez do sobrinho do Libertador, Chávez nomeou
o sobrinho errado. De fato, Fernando Bolívar, filho de Juan Vicente Bolívar Palácios,
irmão mais velho do Libertador, acompanhou o tio em várias ocasiões e ao que tudo
indica estava com ele no leito de morte em 17 de dezembro de 1830, em Santa Marta, e
durante o atentado de setembro de 1828 em Bogotá. Porém, não há documentos em que
Bolívar repreende o sobrinho Fernando, com quem o Libertador possuía grande
proximidade, sobretudo após a morte do irmão Juan Vicente em um acidente náutico em
agosto de 1811232.
Apesar da ‘confusão’, Chávez tinha razão ao dizer que o Libertador havia
repreendido publicamente um de seus sobrinhos, mas não era Fernando. Tratava-se de
Anacleto Clemente Bolívar e, ao contrário do que Chávez havia dito, ele era filho da
irmã de Bolívar, María Antonia Bolívar. Em Lima, na data de 29 de maio de 1826,
Simón Bolívar realmente escreveu uma carta a Anacleto pedindo que ele retornasse à
Caracas, pois sua conduta considerada dissoluta (o vício do jogo) estava sendo
prejudicial à imagem da ilustre família. O Libertador chegou a ameaçar deserdá-lo, caso
não mudasse o seu comportamento e voltasse à Caracas para junto de sua esposa233.
Esta pretensa ‘confusão’, ou mesmo a menção aos sobrinhos do Libertador era
nitidamente um pano de fundo. O objetivo de Chávez não era atingi-los, mas
desqualificá-los com o propósito de desacreditar o provável sobrinho oitavo de Bolívar:
o candidato oposicionista Henrique Capriles. Ademais, a proximidade com as eleições
presidenciais de outubro de 2012 esquentava ainda mais o acirrado cenário político
venezuelano. A má conduta dos sobrinhos de Bolívar deveria ser transferida ao
candidato da oposição, para provocar desconfianças no tocante a sua postura enquanto
figura pública.
231. ARANA, Marie. Bolívar: o Libertador da América, p.262.
232. Idem, p.112-113.
233. BOLÍVAR, Simón. Carta de El Libertador al sobrino Anacleto Clemente Bolívar. Lima, 29 de mayo
de 1826, p.290.
115
Esta ofensiva não cessou. Durante uma caravana do candidato Chávez em
Caracas, no dia 26 de julho de 2012, presidente foi questionado por uma jornalista sobre
o suposto parentesco do candidato Capriles com o Libertador. Visivelmente irritado
com a pergunta, Hugo Chávez foi enfático:
[…] el sobrino octavo debe ser peor, pero el primero se llamaba
Fernando Bolívar ¡que terrible ese Bolívar! Terrible, algunos incluso
dicen que pudo haber participado en el atentado septembrino del 25
de septiembre de 1828 y después estuvo hasta el final con su tío, pero
su tío siempre lo reprendió porque era borracho, era jugador, le
gustaba la plata, era un corrupto en verdad lamentablemente. Ahora
vamos a suponer que sea cierto que el candidato burgués pudiera
serlo […] Entonces qué es lo que quiere el sobrino octavo, el sobrino
octavo debe ser peor que el primero, 8 veces peor234.
Este suposto parentesco com Bolívar poderia beneficiar Capriles eleitoralmente.
Mas isso não aconteceu. Chávez possuía uma extraordinária habilidade política em
reverter situações desvantajosas para vantajosamente aproveitável, inclusive já havia
lidado com situações semelhantes durante seu mandato e, na maioria das vezes,
conseguia o almejado. Por isso, o presidente enfatizou que, caso fosse verídico o
parentesco, o provável sobrinho deveria ser oito vezes pior do que o primeiro.
O suposto parentesco do candidato oposicionista com Bolívar, somado ao
conturbado e tenso cenário político venezuelano, servia como mais uma justificativa
para a reação do presidente Chávez em uma situação de enfrentamento com a oposição.
Portanto, é fato que Chávez ainda possuía um ‘trunfo’: a reconstrução facial do suposto
rosto de Bolívar. Foram utilizadas todas as ferramentas disponíveis no Estado (mídia
estatal, recursos para financiar as análises forenses de peritos na reconstrução de
imagens em ossos humanos, funcionários do Estado, etc.) a fim de reforçar o culto a
Bolívar em favor do presidente Hugo Chávez.
O propósito seria desqualificar a oposição e se inserir com robustez nas eleições
de outubro de 2012, em vista de um presidente fisicamente enfraquecido. As limitações
físicas faziam com que quanto mais próximo Chávez estivesse de Simón Bolívar,
poderia diminuir o ritmo intenso de comícios e caminhadas pelos bairros populares das
cidades venezuelanas. Portanto, na reconstrução facial computadorizada, realizada em
julho de 2012, os traços de mestiçagem presentes em Bolívar foram bastante enfatizados
234. CHÁVEZ, Hugo. Declaraciones, caravana y concentración del Candidato de la Patria Hugo
Chávez en el Distrito Capital. Caracas, 26 de julio de 2012. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://todochavez.gob.ve/todochavez/258-declaraciones-caravana-y-concentracion-del-candidato-de-la-
patria-hugo-chavez-en-el-distrito-capital (acesso em 9 de maio de 2016).
116
ao ponto de tornar o Libertador mais mestiço do que provavelmente ele tivesse sido. Na
imagem exposta ao público durante o evento, o Libertador aparece com a pele
levemente escura. Ou seja, Bolívar foi representado como um indivíduo
afrodescendente e de nariz ancha. Um Libertador mestiço, de nariz ancha e com pele
morena era igualmente compatível com o presidente Chávez, um indivíduo
declaradamente mestiço, cabelo afrodescendente, cor de pele morena e nariz ancha.
Esta semelhança física entre o presidente Chávez e o Libertador estava longe de
ser uma coincidência. Em matéria da Folha de S. Paulo, a análise foi enfática neste
sentido: “Chávez reivindica que seu projeto político vai completar o sonho de
Independência de Bolívar e o governo não perde a oportunidade de promover ligação
entre os dois”235. Ademais, Chávez também reivindicava para sua liderança o papel de
representar os povos autóctones venezuelanos, historicamente marginalizados na
estrutura social do país. Portanto, justificou-se toda aparelhagem institucional envolvida
na reconstrução facial, devido a relevância estratégica do acontecimento ao regime.
Por isso, o governo do presidente Chávez fez o anúncio do rosto do Libertador
em 24 de julho de 2012, exatamente no dia em que se comemorava o 229o (ducentésimo
vigésimo nono) nascimento do prócer. O evento era tratado como um assunto de Estado
e com a preponderância exigida. Um dia antes da exposição, Chávez fez questão de se
dirigir à população, através dos meios de comunicações oficiais, para anunciar que
mostraria o rosto ‘verdadeiro’ do Libertador no dia seguinte. Preparava o cenário,
principalmente a opinião pública, no intuito de prestarem atenção em sua imagem e o
Libertador seria um instrumento com o qual atingiria este propósito. Em matéria
publicada no Correo del Orinoco, um cenário de expectativa foi criado ao afirmar que o
presidente estava prestes a mostrar algo impressionante: o mais próximo do que poderia
ter sido uma foto do rosto do Libertador236.
Além disso, por meio dos partidários de Chávez, atos públicos foram realizados
em várias partes do país em honra ao prócer. Pessoas se aglomeraram na casa onde
viveu o Libertador com sua família, tiravam fotos e circulavam pelo histórico imóvel.
Conforme noticiou-se: “todos los espacios de la residencia que alguna vez acogió a la
235. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Chávez faz cerimônia na TV para apresentar “Bolívar 3D”.
Folha de S. Paulo. São Paulo, 25 de julho de 2012, p.14, No 30.429.
236. DAVIES, Vanessa. Chávez divulgará resultados preliminares de investigación sobre muerte de
Bolívar. Correo del Orinoco. Caracas, 23 de julio de 2012, p.3, No 1.034.
117
familia Bolívar estaban colmados de gente que se tomaba fotos para el recuerdo o
registraba en sus celulares los objetos, los frisos y las pinturas del lugar”237.
O evento que mostrou o rosto do Libertador contou com a presença de quase
todas as autoridades da Venezuela ligadas ao presidente e havia link ao vivo com o
Panteão Nacional. Alguns peritos que participaram do processo de reconstrução fizeram
uma exposição para explicar algumas etapas do processo. Mas, de acordo com o
Informe divulgado pelo próprio governo venezuelano no tocante a reconstrução facial
em 3D do resto do Libertador, a técnica era inovadora. Sendo assim, poderia ser
imprecisa. Cientistas espanhóis utilizaram como base de dados uma tecnologia chamada
de “full HD”, segundo a qual permite obter uma imagem em alta qualidade de uma
escultura real de determinado rosto, por meio de modelos físicos, no caso o crânio de
Bolívar exumado em julho de 2010.
O procedimento computadorizado era chamado de software generalista, mas
respeitaria a imagem da pessoa de quem se desejasse reconstruir. No entanto, não foi
somente o crânio do Libertador que foi utilizado como modelo. Foram recolhidas fotos
de homens venezuelanos, com idades entre 40 e 45 anos, para aferir o tom de pele de
Bolívar. Também foi utilizado como base indivíduos do sexo masculino da mesma faixa
etária que possuíam problemas respiratórios. Por fim, os cientistas utilizaram imagens
de Simón Bolívar pintadas em telas no século XIX238, as mesmas que Chávez tanto
criticou, acusando-as de representarem o prócer de uma forma mentirosa, isto é, de
pintá-lo branco e de olhos azuis. Mas, o ápice de um evento oficial na Venezuela deste
período era o discurso de Chávez. Em sua longa intervenção, afirmou categoricamente
que o Libertador era um mestiço:
Y Bolívar tenía rasgos también negroides, afro-descendientes, para
ser más exactos ¿ves? Y está en su genética pues; […] Bolívar era así,
era mestizo, pues, era mestizo […] Y en otros cuadros lo pintan casi
que catire, ojos azules […]. Esa es la manera como las burguesías y
sus intelectuales, y hasta sus pintores, se prestaron para
transformarlos a muchos de nuestros héroes, hasta transformarlo
físicamente en la memoria histórica, pues239.
237. ORTIZ, Carlos. Bolívar volvió a movilizar a multitudes en el centro de Caracas. Correo del Orinoco.
Caracas, 25 de julio de 2012, p.5, No 1.036.
238. VENEZUELA. Informe sobre la reconstrucción facial 3D de El Libertador Simón Bolívar.
República Bolivariana de Venezuela. Caracas, julio de 2012.
239. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez en actividad por 229º
Aniversario del Natalicio del Libertador Simón Bolívar. Caracas, 24 de julio de 2012. In. Discursos y
Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/235-intervencion-del-comandante-
presidente-hugo-chavez-en-actividad-por-229-aniversario-del-natalicio-del-libertador-simon-bolivar
(acesso em 26 de fevereiro de 2016).
118
Chávez fazia o inverso do que havia sido feito pela elite que ele tanto criticava e
atribuía a ela todos os males do país: ao invés de branqueá-lo, Chávez mestiçou ainda
mais o Libertador. Contudo, tanto na era Chávez quanto nos governos que o
precederam, o objetivo continuou sendo exatamente o mesmo: se apropriar da imagem
de Simón Bolívar e do culto a fim de manter no poder determinada figura política. Se a
elite racista branqueava o Libertador, o presidente Chávez o mestiçou ainda mais, se
apropriou do culto e legitimou este processo com base em fatos históricos que realmente
comprovam sua mestiçagem. Conforme trouxe em reportagem especial, o Correo del
Orinoco descreveu, ainda que subliminarmente, as intenções do regime e a forma como
visualizariam o Libertador a partir daquela data.
Era un hombre de nariz ancha; más ancha de lo que muestran los
retratos del siglo XIX. Tenía una generosa cabellera, labios delgados
y ojos oscuros. Así era el Libertador Simón Bolívar, de acuerdo con la
reconstrucción de su rostro en 3D presentada ayer por el mandatario
Hugo Chávez en transmisión conjunta de radio y televisión desde el
salón Ayacucho del Palacio de Miraflores240.
Esta ‘manobra histórica’ realizada pelo presidente Chávez era mais eficiente do
que a estratégia utilizada pela elite que o precedeu. Conforme atestam os autores
problematizados ao longo deste item, o Libertador realmente possuía mestiçagem em
sua árvore genealógica, porém suas características físicas não eram semelhantes as do
presidente Hugo Chávez. É precipitado afirmar que Bolívar possuía um nariz ancha.
Apesar disso, o objetivo da reconstrução facial estava nítido na abordagem realizada
pelo regime: provar que o Libertador era mais mestiço do que demonstravam as pinturas
e os documentos históricos. Isso colocaria o presidente Chávez no patamar de alguém
ainda mais próximo do Libertador e, portanto, mais digno de continuar sua obra, libertar
o povo da Venezuela em nome de Bolívar e, principalmente, de seguir na presidência.
Do ponto de visa histórico, a reconstrução do rosto de Bolívar foi um evento
com o propósito de mostrar o Bolívar do presidente Chávez e, consequentemente,
legitimá-lo no poder a cada aparição. Embora Chávez não tivesse dito em seu discurso
que Bolívar era um mestiço igual a ele, a mensagem subliminar estava nitidamente
colocada, ainda mais no ano de 2012 em que ocorreriam eleições a presidente e a
governadores.
240. DAVIES, Vanessa. Chávez presentó el rostro de Bolívar: era un hombre mestizo y de nariz ancha.
Correo del Orinoco. Caracas, 25 de julio de 2012, p.2, No 1.036.
119
A finalidade da reconstrução facial do Libertador esteve imersa na forma como
ela foi apresentada pelo próprio presidente. Aliá-lo com a figura de Bolívar vinha sendo
estratégico desde quando surgiu no cenário político em fevereiro de 1992. Um Bolívar
mestiço e de nariz ancha era justamente a melhor maneira de representá-lo. O nariz, a
cor de pele e o tipo físico eram justamente as características físicas do presidente Hugo
Chávez. Se Bolívar possuía ou não esta face apresentada pelo governo é algo que ainda
necessita de uma avaliação mais precisa. Entretanto, com base no analisado ao longo
deste item, o Bolívar do presidente Hugo Chávez deveria ser ‘sua imagem e
semelhança’, para assim continuar como a figura política essencial, senão indispensável,
à Revolução Bolivariana.
Considerações finais do capítulo
O culto a Bolívar não é um fenômeno histórico-político simples, pois a
complexidade inerente a este personagem foi transferida de igual maneira ao culto
formado em torno de sua figura. Desde 1842, todos os presidentes venezuelanos
prestaram uma acrítica homenagem ao herói da Independência, cada um deles em
distintos graus de intensidade. Mas, na era Chávez, há de se considerar as bases sob as
quais se fundamentaram a sua versão, distintas em relação a seus antecessores em razão
da inevitável ação do tempo histórico nos fenômenos sócio-políticos.
A história da Venezuela é militarizada e marcada por tensões, saídas apressadas
de presidentes, golpes e contragolpes de Estado. Um militar ocupando o poder não era
algo inédito no país. Entretanto, um membro das Forças Armadas eleito presidente,
ancorado em um movimento popular que pôs fim a um período de quarenta anos de
governos civis, era algo considerado ‘inédito’ na história da Venezuela. Chávez
ascendeu ao poder com o maciço apoio dos militares de baixa-patente e, na presidência,
restituiu-lhes o direito ao voto por meio da Constituição promulgada em 1999. Portanto,
o bolivarianismo de Chávez foi um bolivarianismo militar, em razão da crescente
influência das Forças Armadas nas decisões políticas. A era Chávez demonstrou que a
ação do militarismo na cultura política da Venezuela não havia sido anulada, embora
houvesse sido despendido um esforço em amainá-la durante os quarenta anos de
domínio civil.
Apesar da maciça influência dos militares, a Revolução Bolivariana não pode ser
considerada como um processo exclusivamente militar. A parcela civil de seu
120
eleitorado, bem como de seus apoiadores, foi importantíssima no êxito das políticas
implantadas pelo regime. Com vistas a agregar também a parcela não militar, o
presidente Chávez apostou na confluência entre as versões popular e a letrada do culto
ao prócer. Historicamente construídas, ambas as formas de bolivarianismos eram
fenômenos recorrentes na realidade social venezuelana. Entretanto, Chávez as trouxe
para a esfera do poder, institucionalizando práticas inerentes ao bolivarianismo popular,
a exemplo do culto praticado ao herói da Independência na Montanha da Sorte.
Por outro lado, o governo de Chávez esforçou-se em popularizar certos assuntos
inerentes ao bolivarianismo letrado, ao retirar os arquivos que haviam pertencido a
Bolívar dos domínios da ANH. Embora esta atitude tenha provocado tensões políticas e
o desagrado de historiadores críticos do regime, serviu para popularizar um tipo de culto
ao Libertador outrora restrito à sua versão letrada e, consequentemente, a uma elite
letrada. Ademais, o governo também investiu maciçamente na publicação de livros,
revistas e jornais que difundissem o pensamento bolivariano, seja ele em análises feitas
por ‘especialistas’, ou a publicação de textos originais escritos por Bolívar.
Outro ponto importante na análise das bases do bolivarianismo da era Chávez foi
a exumação dos ossos do Libertador. Tratou-se de uma iniciativa estratégica ao
presidente, sobretudo após ser diagnosticado com câncer. O questionamento das causas
da morte do herói da Independência, justificativa legitimadora da exumação, teve um
grande valor simbólico. Embora o objetivo inicial não foi atingido, ou seja, não se
comprovou que o Libertador havia sido assassinado, a exumação pode ser considerada
um ato exitoso do governo, em razão de ter posto em dúvida as causas que levaram à
morte de Simon Bolívar, por mais que não tenham embasado a versão do grupo político
no poder naquele momento.
A exumação pode não ter comprovado o assassinato, porém, permitiu a
reconstrução facial. A elite que precedeu Chávez havia feito um esforço para negar a
mestiçagem do Libertador. Ela se mantinha no poder através da representação de um
Simón Bolívar branco. Chávez fez o movimento contrário, passou a representá-lo como
um mestiço, moreno e de nariz ancha, características consideradas as mais estratégicas
ao regime, pois combinava com o Chávez mestiço, moreno e de nariz ancha.
Após a problematização das bases que orientaram o culto a Bolívar na era
Chávez, faz-se necessário destacar como o bolivarianismo influenciou na postura de
Hugo Chávez enquanto figura política e presidente da República, assunto discutido no
próximo capítulo.
121
CAPÍTULO 3
Hugo Chávez como o continuador da obra de Simón Bolívar
Introdução
Este capítulo objetiva analisar como o culto ao Libertador influenciou na postura
de Hugo Chávez enquanto presidente da República, com base na seguinte perspectiva:
Chávez se posicionou no cenário político como o continuador da obra de Simón
Bolívar, iniciada no século XIX, e retomada por meio de sua tentativa de golpe de 4 de
fevereiro de 1992 e consolidada com sua chegada ao poder em 1999.
Esta postura foi essencial a Chávez nos primeiros anos de governo, quando
houve o delicado processo da Constituinte e o golpe de Estado que o retirou
temporariamente da presidência em abril de 2002. Hugo Chávez era uma figura política
carismática241, capaz de mobilizar grande parte da sociedade venezuelana. Portanto,
construiu a imagem de que continuava a obra de Bolívar, pois a junção de carisma com
o culto ao personagem histórico-político mais notório da Venezuela o permitiu
mobilizar a maioria dos venezuelanos em favor de sua permanência no poder,
imaginário extremamente forte nos setores sociais mais pobres.
Todavia, em três momentos esta postura de continuador da obra de Simón
Bolívar foi essencial à chegada e à permanência de Chávez no poder. Primeiro, a
rebelião militar de 4 de fevereiro de 1992. Chávez conseguiu construir a imagem de que
a fracassada tentativa de golpe havia sido realizada em nome de Simón Bolívar,
acontecimento essencial para viabilizá-lo eleitoralmente em 1998. Segundo, a
Constituição promulgada em dezembro de 1999. A nova Carta Magna, com a qual o
regime dizia formar um Estado bolivariano, consolidou o projeto de poder de Chávez,
ao argumentar que instituía uma Constituição revisada daquela apresentada pelo
Libertador ao Congresso de Angostura de 1819 e que havia sido ‘desvirtuada’ pelos
congressistas instalados naquela cidade.
241. A categoria de carisma é fundamentada na perspectiva weberiana, como um ‘tipo puro’ de
dominação construído em virtude da devoção à pessoa em razão de heroísmo, poder intelectual e de
oratória (WEBER, Max. Os três tipos puros de dominação legítima, p.134-135).
122
Terceiro, a retomada do poder após sofrer um golpe de Estado em abril de 2002.
Na visão construída pelo regime, a reação que culminou na saída temporária do
presidente foi um ato contra Bolívar e o continuador de sua obra.
3.1 – A tentativa de golpe de Estado em 1992: um por ahora a Bolívar e uma vitória
a Chávez
A Revolução Bolivariana pode ser entendida como o processo político
desencadeado na Venezuela após a ascensão de Hugo Chávez à presidência em
fevereiro de 1999. Porém, os desdobramentos que proporcionaram sua viabilização no
cenário político reportam a fatos anteriores a esta data. A subida do ex-tenente-coronel à
presidência outorgou um status diferenciado ao processo, pois ascendia aquele líder ao
comando do Estado Nacional, o mais alto cargo eletivo da República, com expressiva
votação. Os acontecimentos que viabilizaram sua ascensão não podem ser desprezados,
pois influenciaram em sua postura enquanto líder e presidente da República, ou seja, se
colocou como um continuador da obra de Simón Bolívar, interrompida no século XIX
com a morte do Libertador. Neste cenário, o culto a Bolívar conferiu legitimidade a esta
postura em razão da forma considerada exitosa como Chávez transformava a retórica
bolivariana em vantagem no cenário político.
Tudo isto começou a ganhar uma forma mais nítida em 4 de fevereiro de 1992,
quando Chávez tentou chegar ao poder através de um golpe de Estado. Na época
tenente-coronel paraquedista do Exército, comandou um movimento de militares
insurgentes que se autodenominava bolivariano. O propósito era destituir o presidente
Carlos Andrés Pérez, prender o alto-comando das Forças Armadas, enviar ordens ao
país de que haveria um novo governo de transição242 e, por fim, elaborar uma nova
Constituição.
Todavia, o movimento fracassou e Chávez foi enviado à prisão junto com alguns
de seus colaboradores. Ao contrário do que poderia ser interpretado naquela época,
Chávez foi o grande vitorioso com os desdobramentos ocorridos a partir do 4 de
fevereiro, acontecimento crucial na compreensão da história recente da Venezuela. De
acordo com os insurgentes, a rebelião teria sido realizada em nome de Simón Bolívar,
por meio da interpretação que possuíam acerca do legado deixado pelo Libertador, o
242. CHAVEZ, Hugo. In. BLANCO MUÑOZ, Agustín. Venezuela del 04F-92 al 06D-98, p.136-139.
123
qual colocaria as Forças Armadas e, em especial os militares bolivarianos, como
guardiães da liberdade da pátria.
Ao liderar as guerras pela Independência no século XIX, Bolívar entendia o
papel do soldado como estratégico à manutenção da Independência, conforme
explicitou ao ser proclamado Libertador pela Assembleia Popular de Caracas em 2 de
janeiro de 1814: “los oficiales, los soldados del ejército, ved ahí los libertadores; ved
ahí los que reclaman la gratitud nacional. Vosotros conocéis bien los autores de
vuestra restauración: esos valerosos soldados; esos jefes impertérritos”243. Em sua
última proclama escrita em Santa Marta em 10 de dezembro de 1830, o prócer insistiu:
“los militares empleando su espada en defender las garantias sociales”244.
Este conjunto de pensamento, desde então, foi difundido nas Forças Armadas
venezuelanas, pois o culto a Bolívar e suas palavras são essenciais na identidade das
instituições militares do país. Sendo assim, durante toda a era Chávez, em várias
oportunidades o presidente relembrou estas palavras ditas em 1830 a fim de justificar a
rebelião de 1992245. Essa atitude do presidente, vislumbrada como uma estratégia a fim
de ‘justificar’ uma ação violenta, pode ser entendida com base na observação feita por
Hobsbawm: “a história como inspiração e ideologia tem uma tendência embutida a se
tornar mito de auto justificação. Não existe venda para os olhos mais perigosa que esta,
como o demonstra a história das nações e nacionalismo modernos” 246.
Embora o historiador inglês, ao fazer esta análise, estivesse pensando a Europa e
suas relações com os países asiáticos, sua observação também serve para pensar a forma
com o presidente Chávez utilizou a história do personagem mais fecundo da
historiografia venezuelana com o propósito de justificar sua fracassada tentativa de
tomar o poder por meio de um golpe de Estado.
No entanto, este movimento militar não pode ser entendido como um evento
isolado e não planejado, tampouco se limitou a expressar um repentino
descontentamento de alguns militares com a crise estrutural vivida pela Venezuela
naquele momento. Antes de tentarem tomar violentamente o poder, os militares
243. BOLÍVAR, Simón. Discurso pronunciado por el Libertador en la Asamblea Popular. Caracas, 2 de
Enero de 1814, p.44.
244. BOLÍVAR, Simón. Ultima proclama: el legado de Bolívar para sus compatriotas de Colombia la
Grande – venezolanos, colombianos, ecuatorianos, panameños – y para los pueblos todos de América.
Hacienda San Pedro. Santa Marta, 10 de diciembre de 1830, p.391.
245. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo del desfile militar en conmemoración del 4 de febrero. Paseo Los Próceres. Caracas, 4
de febrero de 1999, p.41.
246. HOBSBAWM, Eric. Sobre história, p.60.
124
autointitulados bolivarianos desenvolveram suas atividades e as planejaram por meio de
um organizado grupo existente no interior das Forças Armadas, chamado de Movimento
Bolivariano Revolucionário 200 (MBR-200). Criado em dezembro de 1982, ou seja, 10
anos antes da rebelião, o MBR-200 foi fundado e liderado por Hugo Chávez. Dessa
forma, sua trajetória nas Forças Armadas está intimamente ligada as atividades neste
movimento que apresenta uma história de surgimento controversa, sendo narrada sob
uma perspectiva romântica e saudosista por seus partícipes.
Em 1982, este grupo possuía o nome de Exército Bolivariano Revolucionário
200 (EBR 200) e não se inspirava somente em Bolívar. O E representava Ezequiel
Zamora (1817-1860), líder campesino do século XIX que lutou na Guerra Federal
(1858-1863). O B fazia referência a Bolívar, considerado o pai da pátria e o R
representava Simón Rodriguez (1769-1854), professor de Bolívar e conhecido
pedagogo da época que adotava o pseudônimo de Samuel Robinson. Estas seriam as
‘três raízes’ do movimento liderado por Chávez, mais tarde chamado de projeto
robinsoniano.
Conforme difundiu-se em seu Libro Azul, elaborado pelo MBR-200 pouco antes
de tentar a intervenção militar, tratava-se de um projeto com o propósito de formar um
‘Estado bolivariano’. Segundo Chávez, esse era o projeto de nação que havia sido
derrotado pela oligarquia em 1830 com a morte do Libertador e seria ressignificado por
intermédio daquele movimento. Conforme o destacado, a função de colocar as
propostas defendidas pelo movimento como o ressurgimento dos ideais defendidos pelo
Libertador é explicita:
Este proyecto ha renacido entre los escombros y se levanta ahora, a
finales del silgo XX, apoyado en un modelo teórico-político que
condensa los elementos conceptuales determinantes del pensamiento
de aquellos tres preclaros venezolanos, el cual se conocerá en delante
como sistema EBR, el árbol de las Tres Raíces: la E, de Ezequiel
Zamora; la B, de Bolívar y la R, de Robinson. Tal proyecto siempre
derrotado hasta ahora, tiene un encuentro pendiente con la
victoria247.
A formação do MBR-200 pode ser entendida como uma ‘resposta’ de um
segmento politicamente relevante na sociedade venezuelana (os militares) a uma crise
estrutural instalada nas instituições do país. Este cenário se agravaria ao longo das
décadas de 1980 e 1990, o que culminou na tentativa de golpe de 1992 e na ascensão de
Chávez à presidência em 1998.
247. CHÁVEZ, Hugo. El libro azul, p.13.
125
Com base em Baczko (1985), este movimento dos militares venezuelanos pode
ser entendido como uma ‘resposta’, fornecida por determinada sociedade, aos
desequilíbrios sociais, pois, “no domínio social, as produções imaginárias, em particular
os mitos, constituem outras tantas respostas dadas pelas sociedades aos seus
desequilíbrios, as tensões no interior das estruturas sociais e as eventuais ameaças de
violência”248. Em razão da crise estrutural vivida pela Venezuela nas décadas de 1980 e
1990, é compreensível que o MBR-200 fosse ganhando adesão de vários militares, em
especial os de baixa patente. Discretamente, seus dirigentes também estabeleceram
ligações com militantes dos partidos de esquerda e com ex-guerrilheiros, a exemplo de
Douglas Bravo.
Contudo, enquanto ideia, este movimento começou a ser gestado alguns anos
antes. Em 1974, um grupo de alunos da Academia Militar Venezuelana (dentre eles o
cadete Chávez) foi enviado ao Peru em um evento com o propósito de comemorar os
150 anos da Batalha de Ayacucho (1824). Entre 1968 e 1975, o Peru foi governado pelo
general Juan Velasco Alvarado, um regime pouco democrático instalado através de um
golpe de Estado. No entanto, a gestão Alvarado era ao mesmo tempo nacionalista e
possuía medidas consideradas progressistas para a época, como expropriação de
empresas norte-americanas, política de valorização da cultura indígena e a uma tímida
reforma agrária249.
De acordo com Rénique (2009), a liderança cívico-militar de Alvarado
proporcionou à sociedade peruana experimentações sem precedentes. Foram instituídas
algumas formas alternativas de propriedade como a cogestão e a autogestão territorial.
Restabeleceu-se as comunidades indígenas e formou-se uma imprensa socializada. O
objetivo seria formar o ‘homem novo’ e a ‘nova sociedade’, por meio do incentivo ao
quéchua e a extinção de símbolos imperialistas como o Papai Noel e o Pato Donald250.
Alguns anos mais tarde, Hugo Chávez chamou de ‘grande revelação’ a
experiência de conhecer o processo político em andamento no Peru em 1974, também
chamado de Revolução Nacional Peruana. Vários assuntos, abertamente tratados pelos
militares peruanos, a exemplo de rebelião, revolução nacional e anti-imperialismo, não
eram discutidos entre os cadetes venezuelanos251. Esta experiência se tornou ainda mais
marcante aos cadetes venezuelanos (e a Chávez em especial) quando o próprio
248. BACZKO, Bronislaw. A imaginação social, p.308.
249. UCHOA, Pablo. Venezuela: a encruzilhada de Hugo Chávez, p.129.
250. RÉNIQUE, José Luis. A Revolução Peruana, p.127-128.
251. CHÁVEZ, Hugo. In. BLANCO MUÑOZ, Agustín. Venezuela del 04F-92 al 06D-98, p.43.
126
presidente Alvarado se reuniu com eles e os presenteou com o livro oficial do regime,
intitulado A revolução nacional peruana252.
Na mesma ocasião, Chávez e seus colegas conheceram o presidente do Panamá,
general Omar Torrijos, responsável por articular o acordo com os norte-americanos para
devolver o Canal do Panamá ao Estado panamenho. Do encontro com Torrijos e seus
soldados, aliado a toda difusão das políticas nacionalistas de devolução do Canal
contidas na chamada Revolução Panamenha, houve um ‘impacto tremendo’ no cadete
Chávez253. Ademais, Alvarado e Torrijos eram militares e com posturas nacionalista,
mas também se posicionavam como anti-imperialistas no cenário internacional. Para
vários oficiais peruanos e panamenhos que apoiaram a subida de ambos ao poder, havia
chegado a hora da revolução ser feita a partir do Estado-maior254.
Na visão de Ochoa (2003), “o encontro com os dois generais [Alvarado e
Torrijos] foi determinante para Chávez começar a definir o tipo de atuação que
acreditava ser a mais correta para o Exército”255. Ou seja, uma intervenção militar e uma
revolução nacionalista, mas no caso venezuelano elas deveriam ser bolivarianas.
Ao que tudo indica, este pensamento foi reforçado em Chávez, pois ao voltar à
Venezuela e se tornar tenente, ele foi designado para comandar um batalhão no interior
do país onde havia atividades da guerrilha e um cenário de imensa pobreza. Anos mais
tarde, toda aquela situação foi utilizada por Chávez a fim de justificar a tentativa de
golpe de fevereiro de 1992 e legitimar o poder de intervenção exercido pelos militares
na política em momentos de grave crise estrutural.
Imerso naquele pensamento e com a influência do culto a figura de Bolívar
inerente ao pensamento militar venezuelano, Chávez se tornou um líder em potencial de
um movimento capaz de agregar apoio considerável entre os militares. Segundo Jones
(2008), este cenário tornou-se perceptível em dezembro de 1982. Na ocasião, militares
se reuniram em fila no pátio e Chávez se prontificou a fazer um discurso. Iniciavam-se
as atividades em comemoração aos 200 anos de nascimento de Simón Bolívar (1783),
razão pela qual acrescentou-se o número 200 ao Movimento Bolivariano
Revolucionário. No pátio do quartel,
252. O Libro Azul, mencionado acima, tem inspiração no livro oficial do regime de Alvarado, porém,
adaptado a realidade venezuelana, fortemente marcada pelo culto a figura de Simón Bolívar. Durante
muito tempo Chávez carregou o livro presenteado pelo presidente peruano, até perdê-lo quando foi
enviado à prisão em 1992.
253. CHÁVEZ, Hugo. In. BLANCO MUÑOZ, Agustín. Venezuela del 04F-92 al 06D-98, p.44.
254. RÉNIQUE, José Luis. A Revolução Peruana, p.211.
255. UCHOA, Pablo. Venezuela: a encruzilhada de Hugo Chávez, p.130.
127
Chávez fez um pronunciamento inflamado e de teor rebelde,
responsável por chamar a atenção de seus superiores e de seus colegas
soldados. Bolívar continuava vivo, disse, e indignado com a bagunça
que os venezuelanos disseminaram na Venezuela e que os demais
latino-americanos, por sua vez, disseminaram no restante da região256.
Esta ocasião pode ser entendida como a primeira vez que Chávez se colocou
publicamente como o continuador da obra de Simón Bolívar, mas ainda sem se
posicionar explicitamente enquanto tal. No entanto, a primeira impressão provocada
pelo discurso do capitão Chávez não foi positiva para grande parte de seus superiores.
Nem todos haviam gostado do teor do discurso e alguns o acusaram de ter feito um
discurso ‘político’. Nesse momento, entre os militares venezuelanos, o termo ‘político’
era considerado algo pejorativo, pois a política (representada pela figura dos partidos)
estava mal avaliada e atrelada às práticas corruptas. Conforme descreve quase 3 décadas
depois a Ignacio Ramonet, em razão do impacto provocado por seu discurso inflamado
a favor do Libertador e contra os ‘políticos’, Felipe Acosta Carlez, seu colega militar
mais próximo, sugeriu que eles saíssem para correr.
Llamamos también a Jesús Urdaneta y a Raúl Isaías Baudel […]. Nos
fuimos los cuatro a trotar hasta La Placera donde están unas granjas
de pollos y de cochinos. Después, al regresar, nos dirigimos hacia el
monumento a Bolívar del Samán de Güere, que estaba como a dos
kilómetros, y allá, bajo el árbol, hicimos el juramento257.
O monumento ao Libertador existente próximo a árvore Samán de Güere havia
sido construído em razão da historiografia venezuelana apontar que Bolívar havia
dormido com sua tropa naquele local durante a Batalha de Carabobo (1821). De acordo
com Chávez, foi neste dia e ‘diante de Bolívar’ que o MBR-200 foi fundado. Até
mesmo um juramento foi feito pelos quatro jovens oficiais com base no Juramento ao
Monte Sacro, feito por Bolívar em 1805258. A partir deste momento, surgia um
movimento militar que poderia atingir desdobramentos incertos naquele momento.
Militares do alto-comando chegaram a suspeitar que Chávez liderasse um grupo
de oficiais cuja atividade tivesse ligações com ex-guerrilheiros e militantes da esquerda
clandestina. Porém, ao que tudo indica, os superiores desdenharam da capacidade de
inserção do MBR-200 entre os militares e tampouco acreditavam que eles pudessem
chegar ao ponto de promover um golpe de Estado. No entanto, a estratégia da rebelião
256. JONES, Bart. Hugo Chávez: da origem simples ao ideário da revolução permanente, p.82.
257. CHÁVEZ, Hugo. In: RAMONET, Ignacio. Hugo Chávez: mi primera vida, p.453.
258. BOLÍVAR, Simón. Juramento de Roma. Roma, 15 de agosto de 1805, p.3-4.
128
armada foi determinante ao êxito do movimento. Caso o MBR-200 não tivesse tentado
tomar o poder em 1992, seria mais difícil a Chávez atingir a notoriedade suficiente para
vencer as eleições em 1998. Sendo assim, todo o esforço despendido enquanto um
movimento militar clandestino teria mais dificuldades para atingir seu principal
objetivo: chegar ao poder. Em entrevista à Marta Harnecker, Chávez admitiu:
Depois da rebelião de 4 de fevereiro de 1992, o Movimento
Bolivariano Revolucionário deu um salto; até aquele dia, éramos um
movimento militar pequeno, clandestino, um grupo principalmente de
jovens militares, alguns civis, algumas correntes de esquerda que
estavam incorporadas no movimento. Mas, a partir desta data, aquilo
foi, mais do que tudo, uma explosão de sentimentos259.
Ao considerar a formação do MBR-200, somado ao culto a Bolívar, é possível
perceber o porquê dos militares insurgentes justificarem a tentativa de golpe de Estado
de fevereiro de 1992 como sendo uma ‘missão’ realizada em nome de Simón Bolívar.
Esta ‘missão’, pretensamente outorgada pelo Libertador aos militares e parte essencial
de seu culto e legado, costuma aflorar historicamente em momentos de crise no sistema
político da Venezuela. Era exatamente o que acontecia durante o segundo governo de
Carlos Andrés Pérez (1989-1993), quando o país vivia um cenário de crise estrutural e o
presidente havia sido obrigado a implantar austeras medidas de ajuste econômico.
Poucos anos antes da tentativa de golpe, em 27 de fevereiro de 1989, houve uma onda
de protestos em Caracas devido ao aumento nos preços da gasolina em 100%, o que
encareceu as tarifas dos ônibus. Estes distúrbios ficaram conhecidos como Caracazo260.
A população promoveu saques a supermercados e enfrentou a polícia e o Exército nas
ruas da capital.
De acordo com Maringoni (2009), houve aproximadamente 396 mortes, as
forças policiais agiram com truculência e, a partir do Caracazo, a instabilidade política
do país aumentou ao ponto de desencadear na rebelião em 4 de fevereiro de 1992. Ou
seja, o movimento liderado por Chávez aliou o descontentamento popular com esta
implícita missão atribuída aos militares a fim de justificar uma intervenção armada. Sob
tais argumentos, Chávez conseguiu agregar apoio suficiente entre militares de baixa
259. CHÁVEZ, Hugo. Entrevista concedida por Hugo Chávez Frías a Marta Harnecker. In:
HARNECKER, Marta. Um homem, um povo, p.37.
260. GOTT, Richard. À sombra do Libertador, p.74.
129
patente261 para desencadear uma tentativa de golpe de Estado, que na prática seria o
intento de derrubar um governo impopular, produto de um combalido sistema político.
Porém, em um dos momentos cruciais da rebelião, Chávez comandou uma tropa
destinada a tomar o Museu Histórico Militar, onde formaria uma base de comando das
operações. Eles entraram sem resistência no local, pois Chávez convenceu o coronel
responsável de que sua tropa seria um reforço à segurança. No entanto, foram cercados
por unidades do Exército leais ao presidente Pérez e os aparelhos de comunicação, com
os quais Chávez emanaria ordens a outros rebeldes espalhados pelo país, foram
retirados do Museu.
Horas depois, o tenente-coronel já admitia que sua tentativa de golpe houvesse
fracassado, mas ainda não tinha se rendido de fato. Como persistiam alguns focos de
resistência no interior do país, Chávez concordou em se render oficialmente desde que
pudesse se pronunciar ao vivo na TV, ao se dirigir a seus subordinados que ainda
resistiam para que se rendessem, sob o argumento de evitar mais ‘derramamento de
sangue’. Altos funcionários do governo Pérez, ainda atordoados com a rebelião militar,
concordaram com a exigência e Chávez pronunciou, ao vivo em rede nacional, as
seguintes palavras:
Antes de mais nada quero dar um bom dia a todo o povo da
Venezuela, mas esta mensagem bolivariana é dirigida aos valentes
soldados que se encontram no regimento de paraquedistas de Aragua e
na brigada de blindados de Valência. Companheiros:
lamentavelmente, por enquanto, os objetivos que nos colocamos não
foram atingidos na capital. Ou seja, nós, aqui em Caracas, não
conseguimos controlar o poder. Vocês o fizeram muito bem por aí,
mas agora é tempo de refletir. Novas situações aparecerão, e o país
deve orientar-se definitivamente rumo a um destino melhor. Assim,
escutem minha palavra. Escutem o comandante Chávez, que lhes
lança esta mensagem para que, por favor, reflitam e deponham as
armas, porque já, na verdade, os objetivos que traçamos em nível
nacional são impossíveis de alcançar. Companheiros: ouçam esta
mensagem solidária. Agradeço-lhes a lealdade, valentia, o
desprendimento. Eu, ante o país e ante vocês, assumo a
responsabilidade deste movimento militar bolivariano. Muito
Obrigado262.
Quando os altos funcionários do governo Pérez autorizaram Chávez a falar ao
vivo na televisão, não tinham noção do impacto que suas breves palavras provocariam
261. O chamado COMACATE, sigla que junta o começo das palavras coronéis, majores, capitães e
tenentes.
262. CHÁVEZ, Hugo. Pronunciamento do tenente-coronel Hugo Chávez em cadeia nacional. In:
UCHOA, Pablo. A encruzilhada de Hugo Chávez, p.165. Grifo do autor.
130
no sistema político. Tampouco sabiam que estavam em vias de abrir espaço a um
potencial líder carismático, antipartidário e com incrível capacidade de comunicação
com as massas. Menos ainda previram que o levante militar disporia de considerável
aceitabilidade por parte do eleitorado venezuelano, descontente com o sistema político.
Na verdade, não há fontes capazes de indicar que Chávez também tivesse a exata noção
da amplitude provocada por suas breves palavras, menos ainda da projeção que lograria
a partir daquele acontecimento.
Em 1992 havia uma crise instalada nas instituições venezuelanas, terreno
favorável ao surgimento de líderes políticos deste perfil e desfavorável ao presidente
Andrés Pérez, que acabou sendo deposto pelo Congresso Nacional sob a acusação de
corrupção e evasão de divisas em 1993. Na esteira do levante militar, o ex-presidente
Rafael Caldera, destacada figura na política venezuelana e um dos articuladores
políticos do Pacto de Punto Fijo em 1958, apresentou uma visão considerada
condescendente para com os militares insurgentes.
Conforme demonstra o publicado no jornal venezuelano El Nacional, as
divergências do ex-presidente e senador vitalício Rafael Caldera em relação a seus
colegas eram perceptíveis. O Senado havia aprovado (em comissão interna, sem debate
em plenário) um documento que condenava o levante militar e apoiava as medidas de
suspensão das garantias constitucionais tomadas pelo governo Pérez. Contudo, Caldera
se ausentou das discussões na comissão e tomou a palavra para pedir que o governo
exercesse com ponderação as faculdades jurídicas que suspendiam as garantiras
constitucionais. Além disso, o líder do Copei surpreendeu quando disse não haver
provas suficientes para afirmar que os insurgentes tinham o propósito de assassinar o
presidente Pérez. Preferiu, portanto, considerar aquele movimento militar um produto
das debilidades da democracia venezuelana263.
Líderes estrangeiros, que haviam se solidarizado com o presidente Pérez, foram
criticados por Caldera: “[Caldera] dijo que esos presidentes de países avanzados deben
saber que la democracia no puede existir si el pueblo no come. Habló entonces de la
deuda externa, los problemas de corrupción y de los servicios públicos que no
funcionan” 264.
263. SUBERO, Carlos. Objeciones de Caldera provocaron el debate. El Universal. Caracas, 5 de febrero
de 1992, p.18. Depositado en: Hemeroteca Nacional de la Biblioteca Nacional de Venezuela. Caracas
– República Bolivariana de Venezuela.
264. Idem.
131
Caldera começou a se auto intitular como a ‘verdadeira’ oposição diante da crise
vigente e do governo de transição comandado por Ramon Velásquez, investido no cargo
após a destituição de Carlos Andrés Pérez265. A postura do ex-presidente foi rechaçada
por grande parte da elite dirigente do momento. Até membros de seu partido (Copei)
demonstravam ressalvas no tocante a este raciocínio. Estas divergências forçaram a
saída de Caldera da legenda, que formou outra agremiação, denominada de
convergéncia266. Além disso, ao falar da fome, da corrupção e dos serviços públicos que
não funcionavam, usava os mesmos argumentos que os insurgentes haviam utilizado
para tentar derrubar o governo. Tais palavras, ditas por alguém com considerável peso
histórico-político na Venezuela do momento, foram entendidas como uma absolvição
pública aos rebelados. Este fato se concretizou quando, alguns meses após retornar à
presidência, Caldera libertou da prisão Chávez e seus colaboradores.
Na visão de Rafael Villa, Caldera foi o único dirigente da elite tradicional
venezuelana a compreender que, tanto o Caracazo de 1989 quanto a tentativa de golpe
de 1992, não haviam sido eventos circunstanciais, ou insuflados por figuras
aventureiras. Refletiam o descontentamento político e social dos venezuelanos para com
a ineficácia das instituições democráticas267. Mas, para Hugo Chávez, o segundo
governo Caldera (1994-1998) seria um “filho indesejado do 4 de fevereiro”268. De certa
forma o ex-tenente-coronel tinha razão, pois o experiente político havia se aproveitado
da aceitabilidade que o levante militar possuía em parte do eleitorado para vencer as
eleições presidenciais de 1993.
Contudo, a situação política não se acalmou no segundo governo Caldera.
Embora tenha libertado Chávez e seus colaboradores em março de 1994, os insurgentes
se posicionaram de forma incisivamente crítica em relação ao governo de Caldera. Em
entrevista a Blanco Muñoz, realizada pouco tempo depois de ter deixado a prisão,
Chávez afirmou que o presidente não terminaria seu mandato, pois havia cometido
265. VINCENZO, Teresa de. Soy visto como la verdadera oposición. El Universal. Caracas, 11 de marzo
de 1992, p.1. Depositado en: Hemeroteca Nacional de la Biblioteca Nacional de Venezuela. Caracas –
República Bolivariana de Venezuela.
266. A saída de Caldera não pode ser explicada apenas pelo fato de membros do partido discordarem de
sua posição em relação aos militares golpistas de 1992. Havia um desgaste no sistema partidário
venezuelano daquele momento que prejudicava eleitoralmente os candidatos das agremiações que vinham
dominando o sistema político desde 1958. Para não se prejudicar no pleito de 1993, Caldera decidiu
abandonar o Copei e fundar outro partido para se viabilizar eleitoralmente.
267. VILLA, Rafael. Venezuela: mudanças políticas na era Chávez, p158.
268. CHÁVEZ, Hugo. El 4 de febrero sigue más vivo que nunca. Caracas, 4 de febrero de 1996. In:
RANGEL, José Vicente. De Yare a Miraflores, p.150.
132
vários delitos de “ordem econômica”, que entregaram os recursos do Estado, levaram o
país à fome e à miséria, o que caracterizava um crime de “traição à pátria”269.
Nesse momento, Chávez optava pela postura abstencionista e uma visão
negativa da estratégia de chegar ao poder através de eleições. Seus partidários haviam
feito campanha para que os eleitores não fossem votar no pleito de 1993. Em 1995,
afirmou de forma categórica: “[…] Si mañana yo ando de candidato para cualquier
cargo político y no se han dado los cambios suficientes, que me fusilen”270.
Embora fracassado militarmente, o 4 de fevereiro beneficiou Chávez e seu
movimento. As tentativas dos governos venezuelanos de neutralizá-los os enviando à
prisão fracassou, pois provocou um efeito totalmente contrário ao desejado pelo
governo venezuelano do momento. Ou seja, colocou os militares insurgentes ainda mais
em evidência no cenário político. Eles passaram a ser vistos como uma viável
alternativa frente à crise estrutural instalada nas instituições do país. Conforme pontuou
Gott (2004), Chávez era até então um desconhecido e depois do discurso em cadeia
nacional se tornou um “salvador da pátria em potencial”, paradoxalmente em um nítido
momento de derrota pessoal271. Isso significa que uma derrota sob o aspecto militar se
transformou em uma grande vitória em seu sentido político.
Este pronunciamento em rede nacional pode ser entendido como a ‘entrada’ –
posteriormente descrita como triunfal – de Chávez no cenário político da Venezuela.
Mais do que isso, este evento foi marcado pela inclusão de Chávez no imaginário
popular do venezuelano e da nação venezuelana, entendida como uma comunidade
política imaginada, limitada e ao mesmo tempo soberana, conforme define Benedict
Anderson. Embora grande parte da população de um país não se conheça, todos se
reúnem por uma comunhão formada a partir de uma comunidade imaginada em seu
sentido político272. Com base nesse raciocínio, é compreensível que, mesmo sem se
conhecerem, ou ao menos conhecerem o militar insurgente que repentinamente
apareceu ao vivo na TV, muitos venezuelanos se identificaram com aquele personagem
de farda, boina vermelha e de rosto mestiço. Tratou-se da associação do imaginário,
construído em torno do tenente-coronel, com o poder de mobilização que o próprio
havia conseguido, sem uma sólida explicação aparente, a partir daquela ‘rendição
midiática’ em 4 de fevereiro de 1992.
269. CHÁVEZ, Hugo. In: BLANCO MUÑOZ, Agustín. Venezuela del 04F-92 al 08D-98, p.285-286.
270. Idem, p.291.
271. GOTT, Richard. À sombra do Libertador, p.102.
272. ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas, p.32.
133
Isto pôde ser percebido por meio das palavras ditas pelo tenente-coronel rendido,
a exemplo do por enquanto (por ahora), interpretado como uma pausa nas pretensões de
êxito do movimento, mas que voltaria, tanto que se tornou uma das principais frases de
efeito na campanha à presidência de 1998. Além disso, Chávez começou seu
pronunciamento dizendo ser uma “mensagem bolivariana” e concluiu assumindo a
responsabilidade pela liderança de um “movimento militar bolivariano”.
A partir das consequências provocadas pelo levante, Chávez chegou ao poder, o
sistema político erigido em 1958 foi desmantelado pela Carta Magna de 1999 e uma
nova abordagem acerca da figura de Simón Bolívar (a realizada por Chávez) se tornou a
oficial do regime. Tratou-se, portanto, de um acontecimento crucial ao entendimento da
realidade venezuelana, pois seus desdobramentos apresentam consequências à realidade
atual do país.
O 4 de fevereiro permitiu a Chávez atingir uma notoriedade política capaz de
viabilizá-lo à presidência da República. Por isso, durante os 14 anos na presidência, a
data sempre foi comemorada e tratada como oficial pelo regime. Em 2004, com o
propósito de celebrar seus 12 anos, Chávez reconheceu a importância do movimento
para o processo político chamado de Revolução Bolivariana e, em especial, à sua
trajetória política.
Com o propósito de outorgar ainda mais importância à data, construiu o seguinte
raciocínio: sem este acontecimento todas as conquistas do regime ficariam
inviabilizadas, citando como exemplos a Constituição de 1999, que fundou a República
Bolivariana, e os programas sociais implantados em sua gestão, as Missões Sociais.
Ademais, aquele evento foi estratégico a Chávez ao enfatizar as conquistas sociais
obtidas pelo regime até o momento, pois em agosto de 2004 ele enfrentaria um
Referendo Revocatório de seu mandato, o qual poderia retirá-lo da presidência caso não
conseguisse vencer273. Aos seus ministros e colaboradores militares, foi ainda mais
apelativo, pois afirmou que sem o 4 de fevereiro eles não estariam ocupando os cargos
em que estavam naquele momento274. Ou seja, o processo político comandado por
Chávez, junto a toda abordagem do culto a figura de Bolívar, ficaria inviabilizado sem
aquela tentativa de golpe de Estado.
273. O referendo revocatório vencido por Chávez em agosto de 2004 é discutido no Capítulo 4.
274. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de la conmemoración del XII aniversario del 4 de febrero de 1992. Hipódromo La
Rinconada. Caracas, 4 de febrero de 2004, p.99-100.
134
A posição estratégica ocupada pela data na Revolução Bolivariana tornou-se
perceptível desde o princípio. O presidente não apenas exaltava e defendia a rebelião
militar, como também conseguiu lhe outorgar legitimidade perante grande parte da
opinião pública. Esta legitimidade atendia pelo nome de Simón Bolívar. A retórica
presidencial construiu o raciocínio de que o 4 de fevereiro significou o renascimento ou
o ressurgimento do Libertador, através de um movimento comandado por alguém
(Chávez) que iria continuar sua obra, iniciada no século XIX e que havia sido
interrompida pela elite no poder de 1830 a 1998. Tratava-se de uma eficaz leitura,
realizada pelo regime, e propagada pelos discursos de Chávez e pelos órgãos
oficialistas. Em pronunciamento para celebrar os 11 anos da rebelião, foi enfático:
El verdadero Bolívar, el Bolívar del pueblo, el Bolívar revolucionario,
renació el 4 de febrero de 1992, salió de la oscuridad, salió de la
tumba y está aquí con nosotros, hecho pueblo […] La madrugada del
4 de febrero volvió Bolívar el verdadero275.
A “volta do Bolívar verdadeiro” seria o Bolívar de Chávez ou a leitura que o
presidente fazia dos ideais pregados pelo Libertador no século XIX e que tinha no
próprio Chávez o responsável por continuá-la. Além disso, ao se referir ao ‘Bolívar
revolucionário’, Chávez enfatizava a abordagem do Libertador feita pelo regime atual,
com o propósito de se diferenciar daquelas interpretações do legado do prócer feitas
pelos presidentes que o antecederam. Segundo Chávez, Bolívar havia sido interpretado
historicamente de maneira ‘mentirosa’ pela oligarquia que tomou o poder após 1830.
Durante a era Chávez, o 4 de fevereiro foi denominado o Dia da Dignidade
Nacional. Tratava-se, portanto, de uma data oficial de comemorações do regime com
desfiles e paradas militares. Sempre quando discursava para relembrar o acontecimento,
Chávez fazia questão de ler o nome de vários militares mortos durante aquela ação, os
colocando no patamar de heróis nacionais. Minimizava o impacto das mortes perante as
famílias, ao afirmar que suas vidas haviam sido interrompidas bruscamente em nome de
uma causa maior. Tal atitude não se limitava a defender os militares que se insurgiram
contra um governo impopular e corrupto, pois esta era uma tarefa relativamente fácil, ao
considerar a enorme crise enfrentada e a impopularidade do governo Pérez em 1992.
Tratava-se, portanto, de legitimar uma ação violenta e que provocou mortes, tarefa de
certa forma delicada, mas que Chávez conseguia fazer como poucos.
275. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de la conmemoración del 4 de febrero de 1992. Poliedro de Caracas. Caracas, 4 de
febrero de 2003, p.142.
135
Na visão do presidente, as Forças Armadas intervieram em nome de Simón
Bolívar e em uma situação de crise. Com este raciocínio, conseguiu convencer grande
parte do eleitorado venezuelano de que esta tese era a verdadeira, motivo pelo qual
mudou a estratégia de chegar ao poder, pois aceitou disputar eleições presidenciais e as
venceu em 4 oportunidades. Da crucial ‘intervenção bolivariana’ de 1992 surgiu um
líder capaz de continuar a obra do pai da pátria. Foi por meio desta interpretação que o
culto a Bolívar na era Chávez influenciou na maneira como o presidente se posicionou
no cenário político, ou seja, a forma mais eficaz de continuar no poder e manter as
políticas redistributivas do regime.
Ao longo de seu mandato, o presidente da Venezuela começou a difundir que o 4
de fevereiro havia dividido em dois a história do país. Além de ter marcado o
‘renascimento’ do Libertador (conforme repetia incessantemente), também se esforçou
em fazer uma releitura histórica do perfil do movimento. O propósito seria fazer com
que a rebelião passasse a ser vista como algo não restrito aos militares, ao contrário do
que o próprio Chávez havia dito em sua rendição de 1992, quando assumiu a
responsabilidade pelo movimento militar bolivariano. Para tanto, começou a denominar
o 4 de fevereiro de rebelião cívico-militar e a palavra cívico, que remete à participação
civil na ação, poderia ser considerada uma tentativa de outorgar um perfil popular a uma
rebelião que havia sido exclusivamente militar. Com isso, visava legitimar a tese de que
o Movimento Bolivariano Revolucionário 200 contava com a colaboração de civis,
principalmente de ex-guerrilheiros e militantes de partidos de esquerda. É certo que eles
participavam, mas eram minoria. O MBR-200 era dominado pelos militares
pertencentes às Forças Armadas da Venezuela e estrategicamente comando por Chávez.
A ideia de que a rebelião havia sido um movimento também civil e popular é
pouco consensual na Venezuela e apresenta inúmeros críticos que continuam a
interpretar aquela tentativa de golpe como um movimento exclusivamente militar,
desprovido de participação popular, razão pela qual explicam seu fracasso.
Este raciocínio é reforçado por Douglas Bravo, ex-guerrilheiro que chegou a se
reunir com Chávez na década de 1980 quando os militares bolivarianos desenvolviam
suas atividades no MBR-200. Na visão de Bravo, ao conceder uma entrevista 20 anos
depois do ocorrido, o 4 de fevereiro foi uma ação militarista, sem apoio popular e as
armas não foram entregues ao povo, contrariando o que havia sido planejado durante
aproximadamente 10 anos pelo MBR-200. Na mesma oportunidade, Bravo ainda disse
136
que o governo de Chávez era uma continuação dos governos anteriores (de Punto Fijo),
mas em seu sentido militarista276.
Embora haja críticas, o esforço de revisar o perfil do movimento a fim de
colocá-lo no patamar de algo civil, popular e bolivariano, era parte do esforço contínuo
de legitimar e justificar esta ação violenta, que visava tomar o poder através de um
golpe de Estado. Ademais, sendo Bolívar e o culto ao Libertador algo atrelado à
identidade e à cultura popular da Venezuela, colocar o estratégico acontecimento no
patamar de um movimento também popular o tornaria ainda mais bolivariano, o que
beneficiaria Chávez e seu regime.
Em matéria publicada em 2010 no Correo del Orinoco, ao comemorar os 18
anos da rebelião, o presidente da Venezuela difundiu a tese de que esta intervenção
militar havia evitado um golpe de Estado de direita, que segundo ele, estava sendo
orquestrado no interior das Forças Armadas. Não há fontes que legitimam tal tese,
porém Chávez a difundiu com o propósito de encontrar mais um motivo no intuito de
justificar o 4 de fevereiro. Além disso, neste ano a Venezuela passaria por eleições
legislativas em setembro e a oposição lançaria seus candidatos, diferente da errônea
estratégia adotada em 2005 quando retirou suas candidaturas e o parlamento foi
composto por 100% de partidários do presidente Chávez. Nessa mesma ocasião, o líder
venezuelano aproveitou para atrelar à oposição a estratégia da violência, que seria
segundo ele neutralizada pelas ‘armas de Bolívar’, restituídas ao povo pelo presidente
venezuelano277.
O fato é que frequentemente Chávez se defrontava com a questão da
legitimidade do 4 de fevereiro. Porém, ele parecia se sentir confortável em responder
sobre aquele evento, pois se tratava de uma excelente oportunidade para construir
longas explicações, sempre seguindo o raciocínio de que o movimento era justificável,
pois havia marcado a ‘volta’ de Bolívar ao cenário político. Em agosto de 2011, ao ser
novamente perguntado sobre a pertinência da insurreição militar de 1992, afirmou:
[…] Era absolutamente necesario. Y yo creo que la historia lo ha
confirmado, y ojalá lo termine de confirmar de manera definitiva. El 4
de febrero era un hecho necesario, y además, inevitable […]278.
276. BRAVO, Douglas. El 4-F fue una acción militarista sin participación popular. Correo del Orinoco.
Caracas, 4 de febrero de 2012, p.25, No 871.
277. PRENSA PRESIDENCIAL. Después de 18 años resucitó el socialismo con el pueblo y los soldados
de Bolívar. Correo del Orinoco. Caracas, 5 de febrero de 2010, p.2, No 158.
278. CHÁVEZ, Hugo. Yo soy así. Caracas, 7 de agosto de 2011. In: RANGEL, José Vicente. De Yare a
Miraflores, p.371.
137
Nesse período, o governo de Chávez passava por um momento delicado em
razão do diagnóstico de câncer do presidente, anunciado em junho, o que o obrigou a se
submeter a um árduo tratamento em Cuba e passar longos períodos fora da Venezuela.
A partir deste momento, começou a outorgar explicitamente um caráter vanguardista e
messiânico à rebelião de 1992. Considerou este acontecimento uma ‘vanguarda
mundial’, responsável por impedir o crescimento das políticas neoliberais, que segundo
Chávez colocaria a Venezuela em posição de colônia das grandes potências279. A partir
disso, era possível identificar o caráter messiânico de seu raciocínio, pois afirmava que
ele e seus comandados haviam ‘salvado’ o país deste infortúnio (neoliberalismo)
quando promoveram a insurreição militar de 1992.
Na última vez em que se pronunciou em cadeira nacional ante ao Conselho de
Ministros, Chávez afirmou: “[…] llegamos al 4 de febrero como de milagro”280. Ao
comemorar os 20 anos da ação em 4 de fevereiro de 2012, Chávez disse que a história
não somente havia dado como sempre daria razão a eles, mais uma vez legitimando a
rebelião281. Com todo este raciocínio, o presidente parecia compor os últimos
argumentos de seu legado, ou talvez, seria a forma pela qual gostaria de ser lembrado na
história da Venezuela e do mundo. Por mais que Chávez insistisse em negar, seu estado
de saúde era delicado e a doença afetava sua disposição física e mental.
Mesmo assim, em 2012, se candidatou pela quarta vez à presidência da
República e a necessidade de enfatizar os feitos e a legitimidade da Revolução
Bolivariana tornava-se cada vez mais necessária. Chávez acabou sendo reeleito em
outubro de 2012, porém não chegou a tomar posse. Em 4 de fevereiro de 2013, ele se
encontrava em Havana, supostamente submetido a tratamento médico. Dessa forma,
sobrou a seus partidários a incumbência de celebrar a data. Os desfiles ocorreram,
porém desprovido de toda a visibilidade que haviam tido desde 1999 e pela primeira vez
não contaram com sua presença física. Sendo assim, não foi possível dissipar o clima de
incerteza que pairava no sistema político da Venezuela, em virtude das escassas
informações no tocante ao estado de saúde do presidente.
279. PRENSA PRESIDENCIAL. Chávez llamó de nuevo al pueblo bolivariano a la reunificación para la
victoria en 2012. Correo del Orinoco. Caracas, 5 de febrero de 2011, p.2, No 515.
280. CHÁVEZ, Hugo. Consejo de Ministros (Cadena Nacional). Despacho uno, Palacio de Miraflores.
Caracas, 8 de diciembre de 2012. In: Unidad, Lucha, Batalla y Victoria. Ediciones de la Presidencia de
la República. Caracas, 2012, p.37.
281. DAVIES, Vanessa & LOSANO, Hector. Chávez reiteró que la Fuerza Armada “es chavista, duélale
a quien duela”. Coreo del Orinoco. Caracas, 5 de febrero de 2012, p.2, No 872.
138
Como se pôde perceber ao longo deste item, o 4 de fevereiro ocupou o patamar
de uma das datas mais importantes da era Chávez. Entre 1999 e 2012, celebrar o
aniversário da rebelião foi uma excelente oportunidade ao presidente discursar e
reforçar a tese de que continuava uma obra de Bolívar, ao colocar este evento no
patamar de ‘marco histórico’ no ressurgimento do Libertador.
Entretanto, Chávez não instituiu seu regime bolivariano apenas com datas
comemorativas, embora elas houvessem sido essenciais para propagar a ideia de que o
presidente continuava a obra de Bolívar, interrompida em 1830 e reiniciada em seu
governo. Chávez conseguiu erigir uma estrutura capaz de conferir base legal ao regime
e instituir o que se tornou conhecida como a República Bolivariana da Venezuela, com
base em todo o arcabouço jurídico-administrativo instituído através da Constituição
promulgada em dezembro de 1999, assunto discutido no próximo item.
3.2 – O Poder Constituinte: a institucionalização da República Bolivariana na
Venezuela
Conforme o discutido acima, um dos propósitos utilizado pelos militares
insurgentes para justificar a tentativa de intervenção em 1992 seria instalar uma
Assembleia Nacional Constituinte (ANC) ‘soberana’, através da qual redigiria uma
nova Carta Magna à Venezuela. Nesse momento, a crise estrutural, tanto do sistema
político quanto da democracia bipartidário-oligárquica, contribuía para que esta
proposta defendida pelos militares insurgentes encontrasse respaldo na sociedade
venezuelana. A conturbada situação política vivida pelo país tornava a necessidade de
se fazer uma profunda reforma no sistema político algo viável.
Logo após ser libertado da prisão em 26 de março de 1994, Hugo Chávez
começou a percorrer a Venezuela com o seguinte propósito: defender a convocação de
uma Assembleia Nacional Constituinte. Para Chávez e seus colaboradores, uma nova
Constituição restituiria a dignidade nacional e ampliaria a participação popular.
Contudo, isto não poderia ser realizado por qualquer Constituição. Deveria ser feita por
uma Carta Magna elaborada com base nos princípios defendidos pelo Movimento
Bolivariano Revolucionário 200. Tratar-se-ia, portanto, de uma Constituição
Bolivariana, elaborada sob os princípios julgados como os defendidos pelo Libertador
no século XIX, os quais haviam sido rejeitados durante quase 2 séculos na Venezuela.
139
A importância do tema Constituinte no debate político-eleitoral de 1998 era
perceptível. Ademais, o governo de Rafael Caldera (1994-1998) estava terminando com
baixa popularidade e a tentativa de recuperar a capacidade institucional da Constituição
promulgada em 1961 não havia surtido o efeito esperado. A impopularidade do sistema
político-partidário era transferida à Constituição vigente, por isso a formação de uma
ANC era apontada como um remédio contra a crise instalada nas instituições do país.
Enquanto candidato, Chávez se referia ao processo de elaboração da uma nova
Carta Magna como o Poder Constituinte (Poder Constituyente), segundo o qual sua
candidatura se fundamentava. Para o ex-militar, ascender ao Miraflores somente teria
viabilidade se pudesse ‘ativar’ este poder. Em sua visão, exposta em uma entrevista
concedida em 1997, o povo seria o único capaz de ativar e mover o Poder Constituinte,
com o propósito de realizar uma ampla reforma que abrangeria os poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário282.
No entanto, isso somente aconteceria por intermédio de uma liderança capaz de
conduzir aquele movimento – no caso, o próprio Chávez – que publicamente sempre fez
questão de enfatizar a importância do bom andamento dos poderes da República. Nesta
entrevista, Chávez aproveitou para se colocar novamente como um continuador da obra
de Bolívar, por meio do anúncio de que proporia a criação de um novo Poder à
República: o Poder Moral, com base no que Bolívar havia sugerido ao Congresso de
Angostura em 1819283, quando apresentou um projeto de Constituição para a jovem
República, por meio da qual manteria a unidade e a Independência da pátria.
Chávez defendia a necessidade de uma Constituinte e ao mesmo tempo
aproveitava o ensejo para propor a inclusão do Poder Moral. O fato desta proposta ter
sido considerada inadequada à realidade política da jovem República em 1819 fazia
com que a instalação deste Poder em 1999 possibilitasse a Chávez ‘corrigir’ uma
‘injustiça’ feita com o Libertador há quase 2 séculos. Além disso, reforçava a ideia de
que a solução para os problemas venezuelanos estava em recorrer às propostas feitas
pelo Libertador no século XIX e que haviam sido barradas pela oligarquia que governou
o país de 1830 a 1998. Ou seja, utilizando-se de apenas uma estratégia de ação, o
presidente ressignificava a figura de Bolívar, aliava o seu projeto de poder a uma
continuação da obra do Libertador e desqualificava seus opositores.
282. CHÁVEZ, Hugo. La activación del poder constituyente. Caracas, 22 de mayo de 1997. In:
RANGEL, José Vicente. De Yare a Miraflores, p.170-171.
283. Idem.
140
É importante frisar que o Discurso de Angostura de 1819 (realizado diante do
Congresso instalado naquela cidade) é um dos documentos mais conhecidos do
Libertador. Nele, expôs as bases sobre a qual uma República deveria se estruturar a fim
de não cair diante da dominação estrangeira, para se manter unida por uma estrutura de
governo centralizada. Porém, naquela época, entendia-se a dominação estrangeira como
o retorno ao patamar de colônia espanhola, em um momento em que a Independência
ainda estava em processo de conquista. Na visão do Libertador, um sistema político
considerado ‘perfeito’ seria aquele capaz de prover felicidade, segurança e estabilidade
política284. Chávez repetiu tais palavras no dia em que nova Constituição foi
oficialmente aprovada por referendo popular em 15 de dezembro de 1999285.
Embora os conceitos de felicidade, segurança e estabilidade sejam muito
subjetivos, pois podem abrir margem à distintas interpretações, Chávez conseguiu com
esta comparação reforçar a ideia de que a nova Carta Magna proveria felicidade,
segurança e estabilidade política à República, tal como recomendava o Libertador e
desde a década de 1980 a Venezuela não possuía. Portanto, na visão do presidente, o
caminho a ser seguido pelo povo se encontrava no que havia sido defendido por Bolívar
em seus escritos. Segundo o líder venezuelano, com aquele novo conjunto de leis, o país
e seu governo se tornariam cada vez mais bolivarianos286.
Por meio de tal raciocínio, é perceptível que, ao afirmar a incapacidade dos
governos anteriores em garantir segurança, felicidade e estabilidade política à nação,
Chávez os colocava no patamar de antibolivarianos e recorria à história a fim de
legitimar tal argumento. Na realidade, o presidente da Venezuela precisava, com certa
urgência, oferecer bases institucionais ao processo em andamento. Sendo assim, era
pertinente promulgar uma nova Constituição, redigida com base na interpretação que
possuía acerca dos princípios defendidos pelo Libertador no século XIX.
O Discurso de Angostura, por sua vez, também serviu de base para compreender
a maneira como Chávez construía seus discursos durante aquele processo. Nos
pronunciamentos realizados entre abril e dezembro de 1999 (quando ocorreram as
etapas da Constituinte) era possível perceber várias citações e referências ao discurso
feito por Bolívar em 1819. Chávez deixava visível que seu regime se fundamentaria na
284. SIMÓN, Bolívar. Discurso pronunciado ante el Congreso. Angostura, 15 de febrero de 1819, p.120-
147.
285. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del Presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de la aprobación de la nueva Constitución Nacional. Palacio de Miraflores. Caracas,
15 de diciembre de 1999, p.499-500.
286. Idem.
141
revisão histórica daquilo que já havia sido defendido pelo Libertador no século XIX,
pois a estrutura em que gostaria de refundar a República (expressão por ele muito
utilizada no momento) seria aquela proposta pelo Libertador no século XIX, ao formar,
assim, uma República Bolivariana. Ou seja, Chávez havia tomado para si a missão de
implantar uma Constituição revisada daquela que Bolívar teria elaborado, porém havia
sido impedido de promulgar. Neste sentido, a Carta Magna era utilizada para reforçar a
ideia de continuidade da obra do Libertador.
Para que isso fosse possível, optou desde o início pela estratégia de desqualificar
a Constituição elaborada em 1961, se aproveitou do fato de que ela já vinha sendo
questionada desde a década de 1980. Quando ainda estava na prisão, membros do
MBR-200 soltaram panfletos em Caracas pedindo a dissolução do governo de
convergência (comandado por Ramón Velásquez após a destituição de Carlos Andrés
Pérez) e a instalação de uma Assembleia Nacional Constituinte. O panfleto trazia a
imagem de Chávez na capa com o propósito de deixar explícito quem fazia tal exigência
(Chávez) e em nome de quem (Simón Bolívar) isso era realizado287.
Na cerimônia de posse em 2 de fevereiro de 1999, o tradicional juramento à
Constituição (feito pela grande maioria dos presidentes ao assumir o cargo) não ocorreu
de forma tradicional. Chávez até aceitou juramentar sob a Constituição de 1961, a
mesma que rapidamente anularia e a chamava de ‘a moribunda’. Contudo, a insatisfação
era visível. Ao juramentar perante Deus, ao povo e aquela Constituição moribunda sob a
qual pôs a mão esquerda, acrescentou ao juramento as palavras de que impulsionaria as
mudanças necessárias para que a República tivesse uma Constituição adequada ao que
chamou de ‘novos tempos’288.
Esta atitude poderia ser interpretada como um ato de intransigência do recém-
empossado. Contudo, em se tratando de uma liderança política que surgiu a partir de um
golpe de Estado e que se posicionava no cenário político como uma figura
antipartidária, isso não passou de uma demonstração de que cumpriria sua principal
promessa de campanha: instalar uma Assembleia Nacional Constituinte. Na visão de
Chávez, esta estratégia caracterizava uma via de revolução pacífica, pois estava em
conformidade com as leis do país. Ao defender a tese de que o poder emana do povo, o
Poder Constituinte era entendido como a máxima expressão deste poder por intermédio
287. MBR-200. Somos bolivarianos y por eso... (Panfleto). 1993. Depositado en: Hemeroteca Nacional
de la Biblioteca Nacional de Venezuela. Caracas – República Bolivariana de Venezuela. Ver: Imagem
5, no Anexo.
288. UCHOA, Pablo. A encruzilhada de Hugo Chávez, p.178.
142
do povo e, por sua vez, do pai da pátria Simón Bolívar, para que houvesse uma
transformação radical nos rumos do país.
Com este raciocínio, Chávez conseguiu convencer a maioria dos eleitores
venezuelanos a eleger uma Assembleia Nacional Constituinte com 131 membros em 25
de julho de 1999, dos quais 123 (mais de 90%) pertenciam a sua base de apoio289. O
presidente se empenhou maciçamente na campanha em favor de seus candidatos,
motivo pelo qual os elegeu. Devido a tal vitória eleitoral, as chances de elaborar uma
Carta Magna condizente com suas propostas e, portanto, bolivariana, aumentaram. Na
visão de Lander (2005), a ampla maioria na ANC, somado ao enorme peso político-
eleitoral que a liderança pessoal do presidente possuía naquele momento, colocaria
Chávez em plenas condições de influenciar nos rumos daquela Constituição, sobretudo
no tocante aos temas mais controversos290.
O presidente Chávez indicava possuir uma noção ampla da vantagem eleitoral
obtida através da eleição dos Constituintes, pois, ao discursar no Balcão do Povo do
Palácio de Miraflores logo depois de divulgado os resultados, voltou a insistir que os
desdobramentos daquele processo eram inevitáveis, pois aliava o povo, a pátria e Simón
Bolívar, ao colocar o povo da Venezuela no patamar de dignos herdeiros das ‘glórias do
Libertador’.
Hay un parto anunciado, se oyen ya los primeros cantos de la
Venezuela que viene, se levanta ya la Patria Bolivariana que nosotros
reconstruiremos con nuestro amor y con nuestro coraje. [...] Lo
hemos demostrado al mundo que somos dignos herederos de las
glorias de Simón Bolívar, el libertador de América y le vamos a
seguir demostrando al mundo de lo que somos capaces los
venezolanos291.
Chávez dedicou a vitória a Simón Bolívar, pois tinha a consciência de que ele e
aquela Constituição deveriam se tornar uma só representação no que tange à formação
de um Estado bolivariano, ou a Quinta República, como também se referia àquela ‘nova
era’ pela qual a Venezuela passaria a partir de então.
Mas, explorar a figura de Simón Bolívar ajudaria Chávez a mobilizar apoio
político em torno de suas propostas na Constituinte. Uma Carta Magna condizente com
289. Até mesmo a esposa do presidente Chávez naquela época, Marisabel Rodriguez de Chávez, foi eleita
àquela Assembleia, demonstrando a força exercida pela figura do presidente na eleição dos constituintes.
290. LANDER, Edgardo. Venezuela: a busca de um projeto contra hegemônico, p.195.
291. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del Presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de la elección de los miembros de la Asamblea Nacional Constituyente. Palacio de
Miraflores. Caracas, 25 de julio de 1999, p.266-270.
143
a interpretação que possuía acerca do legado do Libertador lhe conferiria sólidas bases
sob o ponto de vista político e jurídico, algo essencial e estratégico a sua permanência
no poder. Sendo assim, aumentaria as chances de sobrevivência de seu projeto político,
sobretudo nos momentos de forte questionamento de sua liderança. Para tanto, ao abrir
os trabalhos da ANC em agosto de 1999, Chávez foi taxativo ao dizer que sua missão
era instituir uma República Bolivariana, por isso admitiu que o discurso feito pelo
Libertador quase 2 séculos antes seria a inspiração daquele processo Constituinte.
Es Bolívar de nuevo, que vuela, ya lo decía él en Angostura “volando
por entre las próximas edades”. Volemos con él, llegó el tiempo de
volar de nuevo […] Pero nosotros, los patriotas, estamos obligados a
volar con Bolívar en esta edad, que es nueva edad republicana, una
nueva edad bolivariana. […] Es el Bolívar de 1830 el que vuelve
volando entre las edades de hoy […]292.
No entanto, o processo Constituinte não transcorreu desprovido de resistências.
Alguns setores da sociedade venezuelana defendiam uma reforma no sistema político,
mas se posicionavam contra a ideia de elaborá-la por intermédio de uma nova
Constituição. Vislumbravam a Constituinte uma atitude desnecessária, radical e
suscetível a retrocessos sob o ponto de vista democrático. O maciço controle exercido
por Chávez na ANC era utilizado como principal justificativa para tal rechaço. Por isso,
o próprio presidente afirmou, em diversas ocasiões, que o nascimento do que chamou de
Quinta República seria um parto muito doloroso. Neste cenário, recorrer ao culto a
Bolívar se tornaria ainda mais estratégico a fim de obter apoio político suficiente e
neutralizar aqueles que se posicionavam contra a elaboração de uma nova Constituição.
Entretanto, tratou-se de um debate complicado e o governo de Chávez não ficou
imune aos desgastes provocados pela ríspida disputa de poder envolvendo a ANC e o
Congresso Nacional. Se dentre os Constituintes havia mais de 90% dos partidários de
Chávez, o Congresso era de maioria oposicionista. Neste cenário, o uso da máquina
administrativa e sua popularidade seriam um diferencial a favor do presidente. Havia
despendido sistematicamente seu capital político e carismático em favor de seus
apoiadores àquela Assembleia, considerada estratégica para viabilizar suas promessas
de campanha, ou seja, refundar a República e reduzir a pobreza. Ao invés de agir como
um conciliador naquela contenda, Chávez insuflou um conflito de poderes entre a ANC
292. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del Presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de la instalación de la Asamblea Nacional Constituyente. Palacio Federal Legislativo.
Caracas, 5 de agosto de 1999, p.279-283.
144
e o Congresso. O presidente defendeu, em tom intransigente e em nome do povo, o
fechamento imediato do Poder Legislativo293.
A Assembleia Nacional Constituinte também chegou a cogitar a hipótese de
fechar o Congresso e em diversas ocasiões impediu os parlamentares de se reunir
através de força policial, ao decretar emergência legislativa ou a assumir parte das
atribuições do Congresso294. Os atritos entre a ANC e o Congresso duraram
aproximadamente 3 meses. Por fim, a Igreja Católica mediou um acordo com o qual se
estabeleceu a permissão ao Legislativo se reunir, porém não poderia discutir as medidas
tomadas pela Constituinte295.
Insuflar uma contenda entre a Assembleia Nacional Constituinte e o Congresso
de maioria oposicionista foi uma estratégia utilizada por Chávez a fim de acelerar o
processo de elaboração da nova Constituição. Para o presidente, a reação dos opositores
por intermédio daquele ‘velho poder’ somente demonstrava a necessidade de se redigir
uma nova Carta Magna o mais rápido possível. Dessa forma, as chances de Chávez
incluir suas propostas no texto Constituinte aumentavam significativamente. Ao
perceber a enorme tensão existente entre o Poder Legislativo e a ANC, Chávez poderia
pressionar os constituintes para que elaborassem o mais rápido possível a nova Carta
Magna, através da qual dissolveria os poderes e convocaria eleições gerais, o que
acabou sendo feito em julho de 2000.
Chávez jamais admitiu que o processo da Constituinte pudesse ter sido
permeado por uma discussão fechada, devido a rapidez entre a escolha dos membros da
ANC e a promulgação da Carta Magna (de julho a dezembro de 1999). Ao contrário,
não apenas defendia a tese de um processo imensamente aberto, como também afirmou
que um debate longo seria contraditório, tendo em vista a velocidade exigida pelo
processo. Também lembrou que a Constituição de 1961 havia sido elaborada por um
Congresso eleito sem esta finalidade e não passou por um referendo popular, tal como
foi feito com a Constituição de 1999296.
Embora Chávez não admitisse, o processo Constituinte foi algo fechado, pois se
afunilou ao longo das discussões, razão pela qual foi viabilizada a conclusão em um
293. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Hugo Chávez pede a dissolução do Congresso na Venezuela.
Folha de S. Paulo. São Paulo, 2 de julho de 1999, p.11, No 25.657.
294. JONES, Bart. Hugo Chávez: da origem simples ao ideário da revolução permanente, p.254-257.
295. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Igreja anuncia acordo na Venezuela. Folha de S. Paulo. São
Paulo, 7 de setembro de 1999, p. 14, No 25.724.
296. CHÁVEZ, Hugo. Entrevista à socióloga Marta Harnecker. In: HARNECKER, Marta. Um homem,
um povo, p.51.
145
tempo considerado hábil pela presidência da República. Na visão de Lander (2005), a
rapidez com a qual se elaborou a nova Carta Magna prejudicou a Venezuela. A pressão
exercida por um presidente da República com excelente popularidade fez com que se
perdesse a oportunidade de ampliar e aprofundar o debate acerca de temas estratégicos,
a exemplo das questões relativas a própria representação política, devido a rapidez com
que ocorreu o processo de discussão, elaboração e promulgação daquela Carta Magna.
Os altíssimos níveis de popularidade do governo Chávez e o apoio
generalizado à convocação de uma Assembleia Constituinte ofereciam
uma extraordinária oportunidade para convertê-la num amplo
processo participativo de reflexão e aprendizagem coletiva sobre o
país, o poder, a propriedade, o mercado, o Estado, a igualdade, a
justiça e a democracia. Esta possibilidade ficou limitada quando se
estabeleceu um curto período de seis meses (posteriormente reduzido
a três por exigência expressa do presidente) para a discussão e
elaboração do novo texto constitucional297.
A influência de Chávez na ANC era notável, o que lhe permitiu, em grande
medida, personalizar o debate devido ao fato de se posicionar no cenário político como
a representação daquele processo, ao atribuir a sua chegada à presidência justamente a
necessidade do povo de Bolívar em retomar o poder. Por isso, em pronunciamento
proferido durante a apresentação do projeto de Constituição em novembro de 1999,
Chávez pouco falou do assunto. Preferiu focalizar seu discurso nos fins que aquele
processo teria à Venezuela, ou seja, salvaria o país. Ao dizer que Bolívar era um
símbolo nacional e uma referência para o mundo, afirmou que não havia povo mais
capacitado do que o venezuelano para reivindicar o legado de Bolívar, ou ressignificá-
lo, pois a Venezuela era considerada a pátria do Libertador 298.
Com base no discutido ao longo deste item, explorar o culto à figura de Simón
Bolívar foi um dos elementos que permitiu a Chávez galvanizar apoio popular para
aprovar uma Constituição condizente com as propostas defendidas por ele e seu grupo
político. Essa possibilidade se tornou viável quando elegeu uma maioria esmagadora à
ANC. Além disso, a popularidade de Chávez foi extremamente útil a fim de enfrentar as
dificuldades impostas pelos membros do Congresso Nacional durante o conflito de
poderes com a Constituinte. Tudo isso foi essencial para Chávez conseguir o
297. LANDER, Edgardo. Venezuela: a busca de um projeto contra hegemônico, p.196.
298. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de presentar al país el proyecto de Constitución. Palacio de Miraflores. Caracas, 25 de
noviembre de 1999, p.441-479.
146
estabelecido, isto é, elaborar a nova Carta Magna em tempo hábil para submetê-la à
aprovação popular em 15 de dezembro de 1999.
A Constituição Bolivariana foi aprovada com 62,35% dos votos, em referendo, e
entrou em vigor no dia 1o de janeiro de 2000. O presidente da Venezuela fez questão de
enfatizar que esta Constituição havia sido a única na história do país a ser submetida a
aprovação popular, depois de ter sido discutida, elaborada e aprovada por uma
Assembleia eleita para tal finalidade. Entretanto, a votação popular para referendá-la
teve uma taxa de abstenção de mais de 54% em virtude das fortes chuvas que
castigaram a Venezuela naquela ocasião. Apesar das intempéries, a Constituição
aprovada em dezembro de 1999 institucionalizou a maioria das propostas defendidas
por Chávez e seu Movimento Bolivariano Revolucionário 200. Em seu Preâmbulo, a
nova Carta Magna explicita sua inspiração em Bolívar:
El pueblo de Venezuela, en ejercicio de sus poderes creadores e
invocando la protección de Dios, el ejemplo histórico de nuestro
Libertador Simón Bolívar y el heroísmo y sacrificio de nuestros
antepasados aborígenes y de los precursores y forjadores de una
patria libre y soberana […]299.
A principal referência estabelecida pelo regime de Chávez em relação a nova
Constituição era o fato dela ser bolivariana, descrita como uma Constituição revisada de
uma versão que Bolívar queria instituir no século XIX e não pôde. Seguindo este
raciocínio, a partir deste momento o legado do Libertador ressurgiria no cenário
político, reforçado por uma institucionalização viabilizada através de uma Carta Magna.
Contudo, para fins desta análise, dentre as inovações atribuídas à Constituição de 1999,
quatro pontos podem ser enfatizados, os quais demonstram tanto uma revisão daquilo
que havia sido proposto por Simón Bolívar no século XIX, quanto uma contradição
destoante do defendido pelo Libertador.
Primeiro, o nome oficial do país foi alterado de República da Venezuela – tal
como havia sido historicamente – para República Bolivariana da Venezuela. O
Libertador se tornou, em termos constitucionais, a principal figura histórica da nação.
Tratou-se de uma mudança importante tendo em vista que, em um primeiro momento,
mudar o nome oficial do país, ao acrescentar a palavra bolivariana, não era consensual
dentro do grupo político de Chávez. Muitos deles acreditavam que houvesse assuntos
299. VENEZUELA. Constitución de la República Bolivariana de Venezuela (1999). Preámbulo, p.467.
147
mais importantes a serem colocados300. Porém, o presidente despendeu seu capital
político para que o nome oficial fosse República Bolivariana da Venezuela301.
Segundo, o período constitucional de mandato do presidente da República foi
estendido de cinco para seis anos com a possibilidade de reeleição imediata302. Tratava-
se de uma grande diferença em relação a Constituição anterior (1961) que não apenas
previa um mandato menor (cinco anos), como também vedava a reeleição imediata.
Contudo, no tocante ao pensamento de Bolívar, base da Revolução comandada por
Chávez, há uma dubiedade que coloca esta mudança tanto contrária quanto favorável ao
pensamento do Libertador.
Bolívar criticou a permanência de um único indivíduo no poder por um longo
período. Conforme alertou no Discurso de Angostura (1819), uma pessoa exercendo um
papel de autoridade por muito tempo seria prejudicial a qualquer governo que se
julgasse democrático. Ou seja, seria perigoso alguém ocupar o poder de forma
indefinida, pois o povo se acostumaria a obedecê-lo e ele a mandar, o que poderia ser o
início de uma usurpação ou tirania303. Todavia, na Constituição da Bolívia, elaborada
em 1825, havia o instituto da presidência vitalícia. Em mensagem ao Congresso da
Bolívia (1826), o Libertador escreveu que o presidente seria à República o que o sol é
ao universo, por isso sua autoridade deve ser perpétua304. É nessa parte do pensamento
bolivariano que o governo Chávez se apoiou a fim de legitimar a instituição da
reeleição, igual a maioria dos presidentes venezuelanos fez ao longo da história305.
Terceiro, a Venezuela se tornou um país com Poder Legislativo unicameral,
composto somente pela Assembleia Nacional. O Senado foi abolido e as funções
legislativas reunidas em apenas uma Casa306. Este terceiro ponto destoa das propostas
feitas pelo Libertador no século XIX, pois a abolição do Senado se contradiz com o
discurso de que a Constituição de 1999 seria uma Carta Magna puramente bolivariana,
algo considerado uma contradição, tendo em vista ter sido promulgada por um regime
cujo líder se posicionava no cenário político como um continuador da obra de Bolívar.
300. JONES, Bart. Hugo Chávez: da origem simples ao ideário da revolução permanente, p.268.
301. GOTT, Richard. À sombra do Libertador, p.206.
302. VENEZUELA. Constitución de la República Bolivariana de Venezuela (1999). Artigo 230, p.537.
303. BOLÍVAR, Simón. Discurso pronunciado ante el Congreso. Angostura, 15 de febrero de 1819,
p.122.
304. BOLÍVAR, Simón. Mensaje al Congreso de Bolivia. Lima, 25 de mayo de 1826, p.280.
305. Esta questão é tratada com mais profundidade no Capítulo 4, quando se analisa o processo que levou
o presidente Chávez a realizar um Referendo para aprovar a reeleição sem limites ao cargo de presidente
da República em 2009.
306. VENEZUELA. Constitución de la República Bolivariana de Venezuela (1999). Artigo 186, p.525.
148
Contraditoriamente, a Constituição de 1999 aboliu uma das instituições mais
exaltadas pelo Libertador em seus discursos, cartas e demais reflexões, pois defendia
um Senado com estrutura hereditária. Em sua visão, isso não caracterizava uma violação
da igualdade política, ao contrário, considerava o Senado a base fundamental do Poder
Legislativo e baluarte da liberdade da República307. Chávez jamais tocou diretamente
neste assunto, somente em algumas oportunidades lembrava que a Venezuela não tinha
mais Senado308. Também não atrelava o nome de Bolívar a ideia de um Senado,
tampouco com estrutura hereditária e aristocrática309. Uma reflexão com este teor não
era interessante ao regime, tampouco representar o Libertador desta forma. Ao
contrário, era melhor enfatizar a ideia de que Bolívar estivesse representado e,
principalmente, inserido na Constituição, no povo, na pátria e no presidente Chávez.
Por fim, a Constituição de 1999 instituiu cinco poderes na Venezuela. Além dos
tradicionais Legislativo, Executivo e Judiciário, foram criados mais dois poderes, o
Poder Eleitoral e o Poder Cidadão. O Poder Eleitoral era representado pelo Conselho
Nacional Eleitoral, com a finalidade de organizar as eleições dos representantes dos
Poderes Executivo e Legislativo e, principalmente, realizar os plebiscitos, referendos e
demais consultas populares, os quais durante a era Chávez ocorreram de forma
praticamente anual.
Já o Poder Cidadão tinha como base o chamado Poder Moral, proposto por
Simón Bolívar no século XIX. Na proposta original apresentada por Chávez, o nome
Poder Moral seria mantido. Todavia, os constituintes resolveram alterá-lo para Poder
Cidadão, mas a ideia permaneceu semelhante: instituir aquele poder pensado pelo
Libertador e refutado pelos legisladores reunidos em Angostura. Porém, ao contrário do
Poder Moral de Bolívar, o Poder Cidadão de Chávez foi institucionalizado e robustecido
em torno de órgãos como o Ministério Público e a Controladoria Geral da República.
Houve nitidamente uma revisão, pois, na realidade política da Venezuela no final do
século XX início do XXI estava fora de contexto eleger um Areópago310, conforme o
próprio Libertador havia pensado311. Entretanto, o viés moral deste poder, ou seja, sua
essência em zelar por fatos que atendem a ‘fé’ e a ‘moral’ da República, foi mantida.
307. BOLÍVAR, Simón. Discurso pronunciado ante el Congreso. Angostura, 15 de febrero de 1819, p.
135.
308. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de la conmemoración del 4 de febrero de 1992. Plaza Caracas. Caracas, 4 de febrero de
2000, p.123.
309. VENEZUELA. Constitución de la República Bolivariana de Venezuela (1999). Artigo 186, p.525.
310. Na Antiguidade, uma espécie de tribunal ateniense onde ser reuniam os ‘sábios’.
311. BOLÍVAR, Simón. El Poder Moral. Angostura, 15 de febrero de 1819, p.148-155.
149
Esse poder tem como principal órgão o Conselho Moral Republicano, composto por
funcionários pertencentes a administração pública e nomeados pelo presidente da
República312.
Com base no descrito acima, a Constituição de 1999 era menos bolivariana do
que o regime de Chávez enfatizava, ainda que ela tenha se ancorado no culto a Bolívar e
legitimado a ideia de que Chávez era alguém imbuído da missão de continuar a obra do
herói da Independência. Portanto, a Constituição Bolivariana, viabilizada já no primeiro
ano de mandato, forneceu bases jurídicas ao regime. Neste ponto, Chávez robustecia sua
liderança, sobretudo ancorado no argumento de que reiniciava algo começado por
Bolívar no século XIX e interrompido por quase 200 anos de ‘traição’ aos princípios
constitucionais defendidos pelo Libertador. Desta forma, Hugo Chávez também
legitimou, na retórica do regime, o argumento de que a reação, vinda de setores sociais
após a promulgação da nova Constituição, teria sido um rechaço a Bolívar e ao
continuador de sua obra, fato legitimado na tentativa de golpe de Estado que o destituiu
temporariamente da presidência em abril 2002. Esse assunto é tratado no próximo item.
3.3 – O golpe de 2002: a reação contra o projeto atribuído à Simón Bolívar
A nova Carta Magna, referendada por votação popular em dezembro de 1999,
conferiu base institucional à Revolução Bolivariana. Tratava-se, na visão do regime, de
uma ‘correção histórica’ para com o Libertador, pois sua proposta havia sido
‘desfigurada’ em 1819. No entanto, a partir deste momento, perdia força o argumento de
Chávez de que as combalidas instituições erigidas durante o Pacto de Punto Pijo (1958-
1998) impediam o desenvolvimento do processo bolivariano. O regime precisaria
apresentar resultados na recuperação econômica e no cumprimento de duas promessas
de campanha: reduzir a pobreza e recuperar a capacidade produtiva do país, na
agricultura e na indústria, desmantelada em virtude da dependência do petróleo.
Setores da oposição não arrefeceram o tom das críticas à Constituição, sobretudo
no tocante aos ‘novos’ poderes da República, instituídos de forma gradual, e da
ampliação das competências e do mandato do presidente da República. Havia a
necessidade de realizar eleições gerais seguindo as novas disposições constitucionais.
Elas foram marcadas para abril de 2000 e posteriormente transferidas para maio. Porém,
312. VENEZUELA. Constitución de la República Bolivariana de Venezuela (1999). Artigo 276-279,
p.553-554.
150
a eleição presidencial ocorreu apenas em 31 de julho. O adiamento das eleições foi
justificado com base no argumento de que elas exigiam certo nível de planejamento,
pois se tratava de um processo complexo. Além disso, o Conselho Nacional Eleitoral
(CNE), órgão responsável por organizar as eleições a partir daquela data, ainda estava
se estruturando.
O presidente Chávez e seu grupo político seguiam favoritos para vencer as
eleições que relegitimariam os ocupantes dos cargos eletivos em todos os níveis. O
presidente se tornou o principal ‘cabo-eleitoral’ da Venezuela, o que colocava seus
partidários em vantagem nas eleições aos governos estaduais e prefeituras. Por outro
lado, apesar de certa notoriedade obtida pelo rechaço à Carta Magna, a oposição estava
desarticulada e incapaz de fornecer um nome para fazer frente a um presidente que
mantinha bons índices de popularidade e havia saído fortalecido durante o processo
Constituinte. Ademais, Chávez ainda conseguia atrelar a imagem de seus opositores
com o regime anterior.
Sendo assim, seu principal adversário naquelas eleições foi um dissidente:
Francisco Árias Cárdenas, ex-governador de Zúlia e ex-militar que havia sido aliado de
Chávez. Devido a divergências pouco esclarecidas, Cárdenas rompeu com o governo e
lançou sua candidatura, tornando-se o principal presidenciável contra Chávez. Porém, a
campanha de Cárdenas não empolgou, sendo incapaz de agregar a oposição que se
recusava a confiar em alguém que meses antes era frequentemente visto no gabinete
presidencial e também havia participado da tentativa de golpe de 1992313.
Durante a campanha eleitoral, os discursos de Chávez giravam em torno de
aprofundar as políticas através das quais caracterizaria a Revolução Bolivariana,
sobretudo no âmbito social. Isso significava que, ao menos retoricamente, a prioridade
seria trabalhar em prol dos mais pobres, para os quais destinaria a maior parte dos
recursos e das políticas estatais. Tratava-se praticamente das mesmas promessas que
haviam sido feitas na campanha eleitoral de 1998, exceto a Constituinte.
Chávez continuava a fazer longos pronunciamentos, com os quais descrevia seu
plano de governo para um mandato que terminaria em fevereiro de 2007. A exploração
do culto a figura de Simón Bolívar se manteve e, ao apresentar seu plano de governo em
um hotel em Caracas em maio de 2000, pouco falou de como governaria a Venezuela a
313. Não estavam equivocados. Em 2006, Árias Cárdenas se reaproximou de Chávez e retornou ao seu
grupo político, ao ser nomeado embaixador venezuelano na Organização das Nações Unidas (ONU). Isso
provou que nem de longe seria uma ameaça ao domínio exercido pela figura do presidente no cenário
político venezuelano daquele momento.
151
partir daquele momento. Preferia enfatizar as inovações inerentes a nova Carta Magna e
fazer referência a Bolívar, pois lhe traria mais votos do que apresentar um plano
consistente e objetivo de governo. Por isso, ao finalizar sua longa intervenção, fez
referência ao Libertador dizendo sê-lo ‘eterno’ e guia daquele processo.
Y con esto termino, voy a terminar con Simón Bolívar. Bolívar
forever. Bolívar para siempre. Bolívar, el timón y el guía de esta
Revolución. No es capricho llamarla Bolivariana, no, es que es
Bolívar quién guía, quién orienta, quién ilumina el camino314.
Isso significaria que o processo político conhecido como Revolução Bolivariana
poderia ser entendido como a construção da pátria sonhada por Simón Bolívar. A
realização deste sonho, portanto, não terminaria com a promulgação da nova
Constituição. Ela dependeria, estrategicamente, da permanência de Chávez no poder e
era justamente desta maneira que o presidente se ‘relegitimava’ no cargo a cada
oportunidade, bem como reforçava a ideia de ser um continuador da obra de Bolívar.
Em razão desta permanente exploração do culto, Chávez possuía autoconfiança
suficiente para afirmar que venceria aquelas eleições por nocaute. Em 31 de julho de
2000, se sagrou vitorioso do pleito com 59,05% dos votos. Tratou-se de uma vitória
mais ampla que esteve além da presidência da República. Dos 23 estados em 14 foram
eleitos governadores do grupo político de Hugo Chávez que também conseguiu 99 dos
167 assentos na Assembleia Nacional315.
Embora o presidente tenha obtido uma considerável maioria no parlamento, ela
não seria suficiente para viabilizar as alterações nas leis que versavam sobre o setor
mais estratégico no país: o petrolífero. Chávez desejava reestruturar a política petroleira
da Venezuela, assunto extremamente sensível devido ao papel estratégico ocupado por
este produto na economia do país desde a década de 1920. Ademais, atingiria interesses
de vários grupos econômicos venezuelanos e internacionais. Contudo, o propósito do
presidente era retomar o controle majoritário estatal no setor, visando reverter o
processo de abertura ao capital privado que havia sido feita pelas administrações
anteriores. Chávez havia sido um crítico do processo de abertura promovida no setor do
petróleo e, desde quando tomou posse, prometeu revertê-las.
314. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de la presentación de su plan de gobierno. Hotel Caracas Hilton. Caracas, 22 de mayo
de 2000, p.317.
315. CANTANHÊDE, Elaine. Vitória deve ir além da Presidência. Folha de S. Paulo. São Paulo, 30 de
julho de 2000, p. 21, No 26.051.
152
Todavia, fazer estas mudanças pelas vias institucionais ‘convencionais’, ou seja,
submetendo-as à discussão e aprovação no Legislativo, poderia demorar ou até mesmo
inviabilizá-las, pois tais matérias exigiriam a anuência de dois terços da Assembleia
Nacional, o que equivaleria a, no mínimo, 110 deputados. A base de apoio do presidente
possuía 99 e a polarização política praticamente impossibilitava a construção de um
consenso mínimo no intuito de aprovar tais matérias. Sendo assim, o presidente da
Venezuela optou em promulgar estas leis por intermédio de Leis Habilitantes. Na
prática, a Lei Habilitante era um recurso que concentrava poderes nas mãos do
presidente da República, pois o permitiria promulgar leis sobre matérias específicas
(economia, sistema político, segurança, etc.) sem qualquer obrigação de submetê-la à
discussão na Assembleia Nacional pelo prazo de um ano.
A principal justificativa para autorizá-la era garantir celeridade à promulgação
de leis consideradas estratégicas ao governo. Dessa forma, o presidente se esforçou
politicamente para que a Assembleia Nacional lhe permitisse o uso da Lei Habilitante a
fim de aprovar os decretos com os quais reordenaria a política petrolífera da Venezuela,
com o argumento de que seu uso aprofundaria a Revolução Bolivariana316.
Com o recurso da Lei Habilitante, o governo promulgou em novembro de 2001,
com o nome de Plano de Desenvolvimento Econômico e Social da Nação 2001-2007,
um pacote com 49 decretos-lei, dentre os quais a Lei de Hidrocarbonetos317, através da
qual o Estado se tornaria o acionista majoritário nas parcerias estabelecidas com as
petrolíferas estrangeiras, inclusive as norte-americanas, historicamente privilegiadas
pelos governos venezuelanos. Estipulou-se também o aumento gradual nos royalties
cobrados por cada barril extraído das jazidas venezuelanas, o que atingiria as
corporações responsáveis por explorar o setor que teriam margem de lucro diminuída
em longo prazo. Mas, executivos da PDVSA e empresários ligados ao setor se
posicionaram contra esta Lei e acusaram o governo de politizar a empresa318.
Chávez queria diminuir a força dos executivos e empresários no setor petrolífero
venezuelano para que assim pudesse restabelecer o controle da PDVSA pelo Estado.
Com isso, obteria acesso aos recursos suficientes para investir em políticas de combate
316. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de la aprobación de la Ley Habilitante. Palacio de Miraflores. Caracas, 13 de
noviembre de 2001, p.606.
317. VENEZUELA. Ley Orgánica de Hidrocarburos. República Bolivariana de Venezuela. Ministerio
del Poder Popular de Petróleo y Minería. Caracas. Decreto No 1.510. Gaceta Oficial, No 37,323 – 13 de
Noviembre de 2001.
318. KOZLOFF, Nikolas. Hugo Chávez: oil, politics, and the challenge to the United States, p.26.
153
a pobreza, uma de suas promessas de campanha. Dessa forma, continuaria a manter o
apoio popular às mudanças institucionais que havia promovido. Por isso, Chávez ficou
irredutível em relação as pressões para que revogasse a Lei de Hidrocarbonetos vindas
de empresários, executivos da PDVSA e até de alguns de seus ministros319.
Como consequência, o processo de radicalização dos discursos e das ações por
parte do governo e da oposição se acentuou, sendo que ambos os lados passaram a
adotar estratégias de enfrentamento, ao polarizar ainda mais o já tenso cenário político.
Entre dezembro de 2001 e abril de 2002 a oposição convocou inúmeros protestos e
greves em âmbito nacional, para exigir a renúncia do presidente. O movimento contra
Chávez era apoiado pela maioria dos empresários ligados as comunicações e promovida
pelos sindicatos patronais, em especial a Confederação dos Trabalhadores da Venezuela
(CTV) e a Federação de Câmaras da Venezuela (Fedecámaras). Também contava com
o apoio do alto-clero da Igreja Católica da Venezuela, de alguns oficiais das Forças
Armadas e ex-aliados do presidente, como o ex-ministro Luis Miquilena e o prefeito de
Caracas Alfredo Peña320.
Devido ao apoio recebido, este momento se tornou um dos mais tensos desde a
chegada do ex-militar ao poder em 1999. Até então sua liderança não havia sido tão
fortemente questionada. Como reação a onda de protestos, Chávez convocou seus
partidários a fim de defender as medidas tomadas em novembro de 2001 e,
principalmente, sua permanência no poder. A partir daí, havia se formado um cenário
político altamente propício ao enfrentamento.
Em janeiro de 2002, Chávez convocou seus partidários no que chamou de
comando político da Revolução e, ao fazer um juramento por aclamação, novamente
utilizou a figura de Simón Bolívar como uma forma de agregar apoio popular. Neste
momento de tensão, nada mais eficaz do que invocar Bolívar com o propósito de
justificar o pacote de leis que havia promulgado. Dessa forma, o juramento que o
Libertador havia feito diante do Monte Sacro em 1805 serviu de modelo ao juramento
de aclamação feito por Chávez e seus partidários, através do qual se comprometiam a
defender o processo revolucionário em andamento ‘a todo custo’321.
319. Idem, p.27.
320. JONES, Bart. Hugo Chávez: da origem simples ao ideário da revolução permanente, p.331-332.
321. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de la juramentación del comando político de la revolución. Caracas, 10 de Enero de
2002, p.33-49.
154
Em mensagem anual à Assembleia Nacional em 15 de janeiro de 2002, o
presidente defendeu a tese de que o Estado fosse capaz de construir leis sob as quais
formasse uma República sólida, ao contrário do que chamou de ‘Repúblicas virtuais’322.
Chávez utilizou o termo República virtual com base no que Bolívar havia dito em 1812
sobre as dificuldades que as jovens Repúblicas americanas tinham naquela época em se
consolidar. Ou seja, importavam da Europa ‘sistemas estranhos de governo’. De acordo
com o Libertador, o erro cometido pela Venezuela daquele momento seria a elaboração
de leis incompatíveis com sua realidade. Isso havia levado a primeira República (1810-
1812) à ruína323.
Naquele momento, Bolívar se referia a adoção pela Venezuela do sistema
federativo com base no que havia sido instituído nos Estados Unidos da América a
partir de 1776. No entanto, o propósito de Chávez não era exatamente aquele, embora
citasse Bolívar como pano de fundo. O presidente da Venezuela utilizava as palavras do
Libertador a fim de legitimar o seu raciocínio no tocante a necessidade de promulgar
leis compatíveis com a realidade do povo venezuelano. Era justamente isso que ele
afirmava ter feito ao promulgar aquele pacote de 49 leis, com as quais aumentou a
participação do Estado no setor petrolífero e reverteu o processo de abertura feito por
seus antecessores.
Chávez reagia ao enorme questionamento feito por inúmeros setores sociais
venezuelanos em relação ao pacote de leis de novembro de 2001. Com isso, enfatizava a
tese da importância das leis editadas naquela ocasião. Queria legitimar o pensamento de
que a sobrevivência da República estava na promulgação daquelas leis, as quais
deveriam ser aplicadas de forma inexorável. Ele utilizava o exemplo da queda do que
chamou de ‘Repúblicas que precederam’ para afirmar que o êxito na construção de uma
República ‘sólida’ seria fazer justamente o contrário do que havia sido feito na
Venezuela entre 1830 e 1998. Utilizava palavras do Libertador a fim de legitimar todo
aquele pacote de medidas que alteravam a estrutura do principal setor na economia
venezuelana, ou seja, o petróleo.
Chávez preferiu adotar a estratégia do enfrentamento com o propósito de reagir
aos frequentes questionamentos feitos pela oposição com relação às medidas adotadas
322. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo del Mensaje Anual ante la Asamblea Nacional. Palacio Legislativo. Caracas, 15 de
enero de 2002, p.67-68.
323. BOLÍVAR, Simón. Manifiesto de Cartagena. Cartagena de las Indias, 15 de diciembre de 1812,
p.10-19.
155
no tocante à política petrolífera da nação. Em 4 de março de 2002, nomeou uma nova
junta de diretores à PDVSA, o que desagradou grande parte da gerência da empresa. A
partir disso, teve início a paralisação de várias atividades. Logo, o presidente da
República subiu o tom e adotou uma postura ainda mais inflexível.
Em 17 de março de 2002, no programa dominical Aló Presidente, Chávez
ameaçou militarizar todo o setor petrolífero do país, o que acabou fazendo dois dias
depois quando interveio militarmente na Refinaria de Puerto La Cruz, em Anzoátegui.
Em 4 de abril, Chávez demitiu ao vivo, no mesmo programa dominical, quase toda a
gerencia da empresa e apitava após anunciar o nome de cada um dos demitidos, tal
como em um jogo de beisebol324. Como consequência destas atitudes, que de fato eram
extremamente autoritárias, houve um incentivo aos protestos e ao aumento do
questionamento da liderança de Chávez.
No entanto, publicamente, o presidente da Venezuela desdenhava dos protestos
realizados pela oposição. Desqualificava a instabilidade política, provocada pelas
disputas com a oposição pelo controle da PDVSA, e desprezava os rumores que
percorriam quase toda a Venezuela de que militares orquestravam um golpe de Estado
para derrubá-lo, assim como fazia com a hipótese de que houvesse no país a
possibilidade de um enfrentamento típico de uma guerra civil325. Ao ser perguntado por
um jornalista do por que não mencionar o nome dos militares que haviam se rebelado
meses antes com o propósito de exigir sua renúncia, Chávez foi enfático ao afirmar que
eles não tinham nenhuma importância326.
Mas, para Marcano & Barrera (2006), Chávez e seus colaboradores
subestimaram a crise existente nas Forças Armadas327. Embora não admitisse, a situação
do país era tensa. Até mesmo dentro de seu gabinete havia pressões para que revogasse
algumas leis do pacote editadas em novembro de 2001, sobretudo as que versavam
sobre o petróleo e o reordenamento da política agrária do país. Tais divergências
culminaram com a saída de um dos principais colaboradores de Chávez, o ministro do
interior Luis Miquilena, a quem havia confiado a presidência da ANC em 1999.
Como consequência, as disputas envolvendo o governo Chávez e a oposição se
intensificaram a ponto de desencadear na destituição temporária do presidente, ocorrida
324. GARCÍA CARNEIRO, Jorge Luis. La consciencia de la lealtad, p.35-37.
325. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Chávez não vê ameaça de golpe. Folha de S. Paulo. São Paulo,
13 de fevereiro de 2002, p.9. No 26.614.
326. KRAUSE, Jean. ‘Risco de golpe militar é zero’, diz Chávez. Folha de S. Paulo. São Paulo, 27 de
fevereiro de 2002, p.12, No 26.628.
327. MARCANO, Cristina & BARRERA, Alberto. Hugo Chávez sem uniforme, p.207.
156
entre 11 e 13 de abril de 2002. Nos dias que antecederam sua deposição, Chávez apelou
de maneira constante a Bolívar, citou suas frases, relembrou o fato da Venezuela ser a
‘pátria’ do Libertador e insistiu na lógica de que continuava sua obra.
Dois dias antes de ser deposto, discursou para seus partidários na Avenida
Urdaneta, nos arredores do Palácio de Miraflores328. Reforçou a ideia de que o processo
político que comandava significava a devolução do poder ao povo. Disse, também, que
as cúpulas políticas, na visão de Chávez representadas por uma oligarquia que naquele
momento questionava sua liderança, havia quase destruído a pátria de Simón Bolívar.
Chávez parafraseou o Libertador ao afirmar que unidos todos seriam ‘invencíveis’ e
capazes de superar o plano da oposição de retirá-lo da presidência. Para finalizar, mais
uma vez outorgou um patamar de continuidade histórica à Revolução Bolivariana:
Esta revolución de nosotros hoy, es la misma que comenzó Bolívar
por allá por el siglo XIX y fue truncada por los traidores, por los que
mataron a Antonio José de Sucre y mandaron a echar Simón Bolívar
de aquí329.
O presidente visava difundir a seguinte ideia: aqueles que questionavam sua
permanência no poder seriam os ‘mesmos’ que haviam ‘traído’ Bolívar e matado Sucre.
Por outro lado, ele e seu grupo político eram os continuadores da obra do Libertador.
O dia 11 de abril de 2002 ficou marcado na história da Venezuela pela violência
e mortes, provocadas pelo enfrentamento de partidários do presidente com
oposicionistas que se dirigiam ao Palácio de Miraflores. Líderes da oposição desviaram
a marcha rumo ao Miraflores enquanto partidários de Chávez, convocados por Freddy
Bernal, prefeito do município de Libertador, saíram às ruas para defender o governo.
Conforme destaca Marcano & Barrera (2006): “Oficiais da Guarda Nacional impedem a
chegada dos manifestantes a Miraflores. Em meio a uma desordem geral, começam a
cair no chão pessoas feridas. As balas parecem vir de todos os lados”330.
Como consequência, os grandes meios de comunicações privados, notórios
críticos do regime, culparam Chávez pelas mortes, devido a sua política de
enfrentamento entendidas como incitação à violência. Também acusaram o presidente
de ordenar atirar em civis desarmados. Isso impactou Chávez visivelmente. Ao
discursar na tarde do dia 11 de abril de 2002, ou seja, poucas horas antes de ser deposto,
328. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo del paro nacional de la oposición. Adyacencias del Palacio de Miraflores. Caracas, 9
de abril de 2002, p.245.
329. Idem.
330. MARCANO, Cristina & BARRERA, Alberto. Hugo Chávez sem uniforme, p.209.
157
o presidente parecia acuado. Ao que tudo indica, não sabia ao certo o que acontecia e
parecia ter sido ‘pego de surpresa’ com os confrontos entre seus partidários e opositores
ocorridos nas ruas de Caracas. Em discurso um tanto descoordenado e provavelmente
improvisado pronunciado a tarde, Chávez citou frases bíblicas, relembrou os feitos de
sua gestão, dentre os quais a nova Constituição, e recorreu a Simón Bolívar.
Decía Bolívar, el padre libertador, a quien invoco también en este
momento tan importante para la vida del país. Invoco a Bolívar,
entonces, cuando decía “trabajo y más trabajo, paciencia y más
paciencia, constancia y más constancia para tener patria”; ese es el
mensaje que yo quiero hoy lanzar a todos los venezolanos331.
Os apelos de Chávez não surtiram o efeito esperado. Um grupo de oficiais
generais do Exército, da Armada e da Aeronáutica, que constituía parte do alto-
comando militar, foi à impressa e anunciou estar em “rebelião” contra o presidente da
República. Eles exigiam a renúncia de Hugo Chávez. Em seguida, o comandante-geral
do Exército, general Efraín Vásquez Velazco, falou em nome das Forças Armadas. O
cenário para a deposição de Chávez estava montado, enquanto em vão ele se esforçava
para reunir os comandantes militares a fim de acionar o Plano Ávila332. O presidente
havia perdido o controle de parte de seus subordinados militares.
Às duas horas da madrugada de 12 de abril de 2002 um grupo de oficiais-
generais chegou ao Palácio de Miraflores com a carta de renúncia para que Chávez a
assinasse. O presidente se recusou a assiná-la e como consequência os militares
ameaçaram bombardear o Palácio333. Desta forma, Chávez decidiu agir com outra
estratégia. Ao invés de renunciar, se entregou aos militares com o propósito de evitar a
invasão ao Miraflores. O presidente foi escoltado em meio a um tumulto de ministros e
militares que o rodeavam até um carro e levado em custódia ao Forte Tiuna.
Posteriormente, ele foi transferido de helicóptero para a Ilha de la Orilla. A partir deste
fato, grande parte dos meios de comunicação passaram a divulgar a notícia de que
Chávez havia renunciado e estava pronto para seguir ao exílio em Cuba.
331. CHÁVEZ, Hugo. Palabras del presidente Hugo Chávez Frías en cadena nacional de radio y TV.
Caracas, 11 de abril de 2002. In: RODRÍGUEZ, Isaías. Palabras de abril, p.47.
332. Nome dado por militares venezuelanos ao Plano de restabelecimento da ordem no país em
momentos de desordem civil ou grandes distúrbios motivados por ações violentas.
333. Optou-se, nesta tese, por não especular se Chávez chegou ou não a assinar uma carta de renúncia
trazida pelos militares golpistas, pois as fontes são pouco confiáveis. ‘Oficialmente’, ele não renunciou ao
mandato em abril de 2002 e não há nenhum documento disponível aos pesquisadores que indicam a
renúncia. A suposta carta (assinada ou em branco) desapareceu e na Venezuela o provável paradeiro deste
documento é motivo de muitas especulações que fogem do propósito deste texto.
158
Poucas horas mais tarde, ou seja, na tarde de 12 de abril de 2002, Pedro
Carmona Estanga334, um dos líderes das manifestações dos dias anteriores e presidente
do sindicato patronal Fedecámaras, tomou posse como presidente da Venezuela. Ele foi
investido no cargo com base no argumento do ‘vazio de poder’. Carmona e os militares
que o apoiaram alegaram que Chávez havia renunciado, por isso, teria assumido o poder
com o propósito de formar um governo de unidade nacional. Todavia, a carta de
renúncia, segundo a qual se baseavam, jamais apareceu e Chávez sempre negou que
tivesse assinado qualquer documento a respeito. Mesmo assim, Carmona se
autojuramentou presidente da República e vestiu a faixa presidencial em uma cerimônia
restrita, realizada às pressas no Palácio de Miraflores.
Na visão do general Jorge Luis García Carneiro, uns dos comandantes da
operação que restituiu Chávez no poder, o ato de se autojuramentar na presidência pode
ser considerado uma das maiores violações aos Direitos Humanos praticados na
Venezuela nas últimas décadas335.
Em seguida, Carmona e seus colaboradores emitiram um decreto com o qual
anularam as demissões feitas por Chávez na PDVSA dias antes em seu programa na
televisão. Porém, o mais impactante foi que neste mesmo decreto, lido pelo porta-voz
Daniel Romero, Carmona aboliu a Constituição de 1999 e passou a governar por
decretos em Estado de Sítio. Destituiu os membros da Assembleia Nacional, do
Tribunal Supremo de Justiça, o Procurador Geral da República e prefeitos e
governadores ligados a Hugo Chávez. Em suma, o breve governo de Pedro Carmona
não passou de uma ditadura. Devido a intensidade das medidas tomadas, as Forças
Armadas retiraram seu respaldo ao novo governo. Para Marcano & Barrera (2006), os
mesmos que haviam aceitado a destituição de Chávez, ou seja, os militares, foram os
que rapidamente disseram: “mandem buscá-lo”.
A impositiva investidura de Pedro Carmona na presidência foi uma ação
desastrosa, refletida na forma rápida como se isolou politicamente. As medidas radicais
tomadas por um governo que teoricamente havia sido instalado para ser de ‘transição
democrática e unidade-nacional’ não foram respaldadas pelas Forças Armadas. Abolir
todo o ordenamento jurídico-político do país e governar por decretos não seria capaz de
legitimar, ao menos razoavelmente, um governo já instalado a partir da derrubada de um
334. Pedro Carmona Estanga é economista e tinha 60 anos de idade quando ascendeu ao cargo. Havia
militado no Copei, com experiência em vários órgãos de comércio e participação em conselhos
petroquímicos ligados à exploração petrolífera.
335. GARCÍA CARNEIRO, Jorge Luis. La consciencia de la lealtad, p.111.
159
presidente que havia sido escolhido através de eleições. Assim como ocorreu com
Chávez dez anos antes, o golpe de Estado de abril de 2002 teve curtíssima duração.
Impor um governo como o de Carmona não apenas pode ser considerado uma
ação político-militar desastrosa, também proporcionou uma imensa quantidade de
argumentos a Chávez no intuito de desqualificar a oposição no decorrer de seu mandato.
A partir de então, Chávez conseguiu durante um tempo atrelar a imagem da oposição
com a dos civis e militares que haviam apoiado o golpe contra ele em 2002. A
consequência imediata de tais atitudes foi um cenário político tão polarizado que, a
partir deste momento, praticamente se encerraram os poucos canais de diálogo existente
entre os dois lados. Outro grande equívoco de Carmona na presidência foi retirar o
quadro de Simón Bolívar do palácio presidencial e voltar o nome do país para
República da Venezuela. Segundo narra o general García Carneiro:
[…] está demostrado, que cuando el señor Carmona le correspondió
dar el manifiesto que disolvía los poderes, lo primero que hizo fue
quitar el cuadro de Simón Bolívar del Salón Ayacucho del Palacio de
Miraflores. Así, pasaron tantas cosas, que uno se da cuenta que
parecía que hablares de Bolívar les daba escalofríos336.
Embora tenham sido atitudes no campo simbólico, a partir deste acontecimento
atribuir aos golpistas a imagem de antibolivarianos tornou-se uma tarefa extremamente
fácil para um líder como Hugo Chávez. A visão exposta acima pelo livro do general
García Carneiro – figura influente durante a era Chávez – demonstrou a eficácia deste
raciocínio. Legitimou-se, portanto, a tese de que o golpe de abril de 2002 foi uma
agressão a Simón Bolívar, representado pela saída forçada do continuador de sua obra
do poder para a instalação de um governo ‘antibolivariano’. O Libertador, portanto,
havia se transformado no símbolo do presidente temporariamente destituído337. Esta
imagem se tornava ainda mais visível quando Chávez defendia a tese de que Bolívar
havia sido traído por vários de seus colaboradores (José Páez, principalmente), assim
como ele foi ‘traído’ por alguns ‘irmãos militares’ que apoiaram a sua destituição.
Ao ser reempossado no cargo, na madrugada de 14 de abril de 2002, Chávez
passou a adotar um discurso um pouco mais moderado devido a delicada situação
política vivida pelo país. Em pronunciamento feito após o retorno, enfatizou que os
bolivarianos eram humanistas e não usariam de qualquer tática revanchista. Mais uma
vez Bolívar entrou em cena através das palavras do presidente da República.
336. GARCÍA CARNEIRO, Jorge Luis. La consciencia de la lealtad, p.11-112.
337. JONES, Bart. Hugo Chávez: da origem simples ao ideário da revolução permanente, p.372.
160
Ha quedado demostrado, una vez más, que este pueblo, el glorioso
pueblo, el pueblo de Bolívar, que ciertamente durante muchos años
engañaron, manipularon y a veces llevaron como borregos, despertó
con la consciencia de su propia fuerza y se ha convertido en actor
histórico que construye un nuevo camino338.
No entanto, o aparente tom moderado de Chávez não o impediu de criticar a
oposição. Para ele, os oposicionistas deveriam repensar as próprias atitudes e,
sobretudo, respeitar as leis do país com as quais os bolivarianos continuariam a
construir a pátria sonhada por Simón Bolívar. Nesse momento, Chávez surpreendeu ao
abrir possibilidade de reconhecer possíveis erros ou exageros cometidos no exercício da
presidência, principalmente na condução da crise provocada após promulgar as leis em
novembro de 2001.
Vengo dispuesto a rectificar donde tenga que rectificar. Pero no solo
debo ser yo el rectificador, todos tenemos que rectificar muchas cosas
para que volvamos a la calma, al trabajo, al empuje y a la
construcción de la Venezuela Bolivariana, para que sigamos
construyéndoles la patria a nuestros hijos, a nuestros nietos, para que
sigamos haciendo realidad el sueño de Bolívar339.
Os acontecimentos que culminaram na destituição de Chávez são um dos
momentos mais controversos na história recente da Venezuela. Destes dias ficaram mais
perguntas do que respostas no tocante ao que realmente teria acontecido naquelas tensas
horas. Ademais, as fontes confiáveis ainda são escassas e algumas perguntas
permanecem sem respostas ou com turvas justificativas. Chávez teria renunciado? Por
que se entregou aos militares? Os militares insurgentes o torturaram? Havia um plano
para matá-lo? Depende da origem da fonte tais perguntas podem apresentar diferentes
respostas e versões. O presidente nunca falou em tortura por parte dos militares, negou a
renuncia, disse que havia se entregado a fim de evitar derramamento de sangue e que de
fato havia um plano para matá-lo, porém, começou a explicitar isso somente alguns
anos após o ocorrido.
No entanto, o mais relevante para esta análise é que os dias 11, 12 e 13 de abril
se tornaram datas de comemoração do regime, no sentido de celebrar o dia em que se
venceu o ‘golpe fascista’ contra a Venezuela, o Libertador e o presidente Hugo Chávez,
para que este pudesse continuar a obra de Simón Bolívar.
338. CHÁVEZ, Hugo. Palabras del presidente Hugo Chávez Frías, al retornar al Palacio de Miraflores.
Caracas, 14 de abril de 2002. In: RODRÍGUEZ, Julian Isaías. Palabras de Abril, p.91.
339. Idem, p.100.
161
Considerações finais do capítulo
Hugo Chávez obteve êxito em se colocar no cenário político como o continuador
da obra de Simón Bolívar, iniciada no século XIX. Por meio desta postura, conseguiu
construir uma maioria eleitoral capaz de respaldá-lo no poder e de aprovar as medidas
que institucionalizaram o regime bolivariano, a exemplo da Constituição de 1999.
Entretanto, isso não significou que sua liderança deixasse de ser fortemente
questionada. As mudanças implantadas nos âmbitos político, econômico e social foram
viabilizadas pelo maciço apoio popular angariado desde o fracassado golpe de 1992.
Porém, parte desta popularidade ocorreu pelo êxito obtido em se colocar no cenário
político como uma alternativa ante a crise instalada, mas também em razão de se
posicionar como alguém capaz de continuar a obra de Bolívar interrompida em 1830.
Esta imagem foi sendo reforçada desde o aparecimento do tenente-coronel em rede
nacional quando assumiu a ‘responsabilidade pelo movimento militar bolivariano’.
A capacidade de Chávez em se inserir nas massas estava intimamente ligada ao
uso que fazia do culto à figura de Simón Bolívar, ao se posicionar no cenário político
como a personificação do prócer do século XIX, ou sendo considerado por muitos de
seus partidários o ‘segundo Libertador’ da Venezuela. Contudo, o bolivarianismo da era
Chávez, no sentido de um presidente ‘continuador da obra’ do herói da Independência,
apontou algumas questões essenciais a seu entendimento.
Primeiramente, o regime proporcionou uma relevância estratégica à abordagem
histórica da tentativa de golpe de Estado, comandada pelo então tenente-coronel Chávez
em fevereiro de 1992. O líder daquele movimento, iniciado em 1982 no interior das
Forças Armadas, se tornou uma das principais alternativas ante um sistema imerso em
uma grave crise estrutural. Chávez conseguiu elevar a imagem dos militares insurgentes
ao patamar de heróis que haviam se rebelado com o propósito de restituir o poder
político a Bolívar. Com esta interpretação, Chávez e seus apoiadores conseguiram
convencer grande parte da população venezuelana de que aquela tentativa de tomar o
poder através das armas havia simbolizado a volta de Bolívar no cenário político.
Outro ponto relevante foi a Constituição de 1999. Ela reordenou o sistema
político e conteve a crise de legitimidade das instituições instalada desde a década de
1980 e alterou o nome do país para República Bolivariana da Venezuela. Também
permitiu a formação de cinco poderes à República, dentre os quais o Poder Cidadão,
162
inspirado no Poder Moral proposto por Bolívar em 1819. Reforçou-se, portanto, o
bolivarianismo ao oferecer bases institucionais ao projeto de poder do presidente
Chávez, ao lhe possibilitar que continuasse na presidência da República.
Este ponto também marcou a resistência, vinda de opositores e setores ligados a
antiga oligarquia dirigente, contra as medidas tomadas por Chávez, sobretudo após
implantar políticas que aumentavam a presença do Estado no setor petrolífero. Sendo
assim, alguns grupos sociais, outrora dominantes, perderam espaço no cenário político
para uma nova liderança que optou pela estratégia de se manter no poder por intermédio
do incentivo à polarização.
Deste raciocínio, Chávez conseguiu legitimar o argumento de que as críticas de
seus adversários no tocante as medidas que tomava, tanto na reforma político-
administrativa quanto nos assuntos relativos ao petróleo, eram feitas pelos adversários
por eles estarem contra o Libertador. De forma hábil, conseguiu construir o argumento e
a imagem de que as críticas, bem como a desastrada tentativa de retirá-lo do poder
mediante um golpe de Estado em abril de 2002, seria um ato também contra o
Libertador. Por isso, a restituição de Chávez no poder pelos ‘braços do povo’ ganhou
tanta notoriedade e importância para aquele momento. Ou seja, mais do que um retorno
ao poder, marcou o início de um amplo domínio de Chávez no cenário político e de
alijamento de seus adversários que contribuíram para se anularem politicamente.
As posturas sustentadas pelo presidente Chávez ao longo de seus 14 anos na
presidência foram responsáveis por sua manutenção no poder, pois se colocar como um
continuador da obra de Simón Bolívar foi-lhe útil neste processo. Entretanto, há de se
enfatizar que o presidente conseguiu transformar esta popularidade em votos, ao vencer
eleições e referendos realizados durante seu mandato, os quais foram responsáveis não
apenas por manterem Chávez no poder, como também por viabilizarem suas políticas.
Este assunto é analisado no próximo capítulo.
163
CAPÍTULO 4
A exploração do culto a Bolívar como vantagem eleitoral a Chávez: eleições e
referendos na Venezuela bolivariana
Introdução
Este capítulo objetiva demonstrar como o culto a Bolívar beneficiou
eleitoralmente o presidente Hugo Chávez. Parte-se do princípio de que após superar o
golpe de abril de 2002 e retornar ao poder sob forte apoio popular e de setores das
Forças Armadas, o presidente conseguiu ‘materializar’ o culto ao Libertador em
vantagem eleitoral, ao construir uma imagem de ser imbatível nas urnas, embora tenha
sofrido revezes. Como consequência, ampliou seu domínio no cenário político e, em
alguns momentos, esta predominância foi tão ampla que a oposição esteve praticamente
anulada, em razão da força eleitoral de Chávez e de equívocos cometidos no rechaço ao
popular presidente.
Contudo, para melhor compreender como Hugo Chávez transformou a
exploração do culto a Bolívar em vantagem eleitoral é preciso analisar quatro momentos
cruciais à Revolução Bolivariana.
Primeiro, a vitória no Referendo Revocatório de agosto de 2004. Após debelar o
golpe, Chávez vislumbra na realização do Referendo uma saída eleitoral à crise política.
A vitória nessa disputa não apenas o permitiu terminar o mandato, também consolidou
seu domínio no cenário político, ao se tornar um fenômeno eleitoral. Segundo, apesar de
encontrar-se no ‘auge’, ou seja, dispor de uma Assembleia Nacional unânime após o
boicote às eleições legislativas de 2005 e de ter sido reeleito presidente da República em
dezembro de 2006, foi justamente neste momento que Chávez sofreu sua primeira e
única derrota nas urnas. Ela ocorreu por margem diminuta de votos e foi no Referendo à
Reforma Constitucional de 2007.
O terceiro ponto advém justamente da derrota de 2007. Com o rechaço à
Reforma Constitucional e, consequentemente à reeleição sem limites, Chávez insta seus
apoiadores a solicitarem a realização de um referendo, realizado em fevereiro de 2009,
específico para derrubar tais empecilhos constitucionais. Dessa vez obtém êxito. O
quarto momento foi uma consequência da aprovação da reeleição sem limites, pois
Chávez se tornou candidato natural às eleições presidenciais de 2012. Entretanto, o
164
diagnóstico de câncer e as idas e vindas de Cuba para tratamento adicionaram o fator
comoção social no cenário político. Uma mescla de culto a Bolívar com comoção social
em relação a um presidente-candidato-enfermo levaram-no a vencer aquelas eleições,
porém, a enfermidade o impediu de tomar posse.
Em todos estes quatro momentos cruciais para compreender este período, o culto
a Bolívar foi determinante na vantagem eleitoral obtida em relação a seus adversários.
4.1 – O Referendo Revocatório de agosto de 2004: o triunfo de Bolívar e a vitória
de Chávez
Entre os anos de 2002 e 2004, o governo de Chávez passou por um período
estratégico quando ocorreu a consolidação de sua liderança pessoal na presidência da
República. Como consequência, reafirmou seu amplo domínio no cenário político. Foi
justamente neste ínterim que o presidente ancorou as bases para se tornar um ‘fenômeno
eleitoral’ de proporções extraordinárias, adversário duro de ser vencido nas urnas e
valioso cabo-eleitoral a seus aliados, características que o acompanhariam até sua
morte. No tocante ao culto a Bolívar, foi um momento em que Chávez saiu nitidamente
vencedor das disputas travadas no âmbito político, ancorado no ‘triunfo’ do legado do
Libertador, por meio da intensa exploração do culto.
Em mensagem à Assembleia Nacional em janeiro de 2002, o presidente
concentrou suas críticas ao que chamou de instabilidade e divisionismo, com o
propósito de criticar os setores sociais que questionavam sua liderança e se
posicionavam contra a política de nacionalização do setor petroleiro, iniciada por meio
dos decretos expedidos em novembro de 2001. Portanto, as causas que haviam levado
historicamente a Venezuela à instabilidade e à ruína eram provocadas pela incapacidade
dos governantes em prover ‘felicidade’ ao povo, atribuindo este raciocínio a Bolívar340.
Em resumo, o propósito de Chávez continuava o mesmo: aglutinar apoio político-
popular em torno de sua figura ao utilizar o legado histórico do Libertador.
Outra marcante característica da Venezuela deste período foi a crescente
radicalização, por meio da polarização político-social que o país vinha sofrendo desde a
década de 1980 e intensificada com a ascensão do ex-militar ao poder em 1999.
Segundo Andrés Serbin, Chávez exercia o papel de ‘polarizador’ no cenário político
340. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo del Mensaje Anual ante la Asamblea Nacional. Palacio Legislativo. Caracas, 15 de
enero de 2002, p.67-68.
165
venezuelano que se estendia aos âmbitos político e social. Esta polarização era
estratégica ao presidente, pois mantinham importantes atores identificados com o
regime, tais como os movimentos sociais e as Forças Armadas341.
De acordo com Rafael Villa, na Venezuela de 2001 a 2004 fortalecer a
democracia, tanto no âmbito político quanto nas instituições do país, não pareceu ser
uma prioridade dos atores político-sociais venezuelanos. Eles não demonstraram
disposição em superar as diferenças e tolerar os distintos pontos de vista daqueles que
sustentavam no momento342.
Desde a deposição temporária de Chávez em abril de 2002 até sua vitória no
Referendo Revocatório de agosto de 2004 (que o relegitimou no poder), houve um
período de frenéticas disputas em que a oposição saiu derrotada e o presidente Chávez
obteve uma ampla vantagem no cenário político-eleitoral. Rumores de golpe, agitação
nos quartéis, dissidência de oficiais, todos estes fatores combinaram com a rispidez
entre políticos (manifestada por meio de seus discursos) e acusações corriqueiras. A
Venezuela estava politicamente dividida e era quase impossível permanecer indiferente
perante o processo. Ou apoiava Chávez ou seria partidário da oposição, o que
expressava um grau máximo de polarização político-social. Ao ser restituído no poder,
Chávez até ensaiou uma conciliação com os setores sociais que o rechaçavam. Porém,
esta iniciativa foi inviabilizada. A Venezuela havia chegado a um grau excessivo de
polarização político-social, se tornando incapaz de oferecer ao presidente da República
margem de manobra suficiente para tal propósito. “Exigia-se a saída do presidente a
qualquer custo, mesmo que tal alternativa implicasse latente risco de golpe de
Estado”343.
No entanto, com base nas fontes analisadas, Chávez nunca deixou de adotar uma
postura considerada dura em relação aos setores oposicionistas. Essa estratégia,
moldada pela intransigência, ficou ainda mais explícita após debelar o movimento
golpista e voltar ao poder em abril de 2002. Para o presidente, não havia uma “oposição
séria” na Venezuela, tampouco alguém entre os oposicionistas com quem pudesse
dialogar de maneira profunda e com honestidade344.
341. SERBIN, Andrés. Hugo Chávez: liderança e polarização, p.126.
342. VILLA, Rafael. Venezuela: mudanças políticas na era Chávez, p.170.
343. Idem, p.164.
344. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Chávez diz que não há “oposição séria” para dialogar. Folha de
S. Paulo. São Paulo, 4 de maio de 2002, p.17, No 26.694.
166
Além disso, a opção pelo golpe, assumida pela oposição para destituir Chávez,
foi extremamente negativa, acabou se voltando contra qualquer forma de oposição na
Venezuela, pois serviu ao governo como uma maneira eficaz de justificar seus ataques à
oposição em seus discursos. A equivocada estratégia adotada pela oposição para
destituir Chávez não apenas revelava a instabilidade do cenário político, ela legitimava
a tese defendida pelo presidente segundo a qual seus adversários não eram sérios e não
estavam comprometidos com a democracia e o povo venezuelano. A antiga oligarquia
dirigente, tão incrustada durante décadas no poder, encontrava dificuldades em superar,
por vias eleitorais, uma liderança tão carismática e popular como o presidente Chávez,
portador de um discurso classista e com votos entre a população mais pobre do país.
Chávez lidava com as dificuldades provocadas por setores que questionavam sua
liderança, pediam sua saída imediata do poder e promoviam protestos quase diários nas
ruas, praças e demais espaços públicos de Caracas e de outras cidades venezuelanas. Em
outubro de 2002, o general Enrique Medina Gómez e mais 13 oficiais iniciaram atos de
desobediência com o propósito de forçar a renúncia do presidente. Eles fizeram vigília
na Praça França, localizada em um bairro de classe média de Caracas. Em entrevista,
Medina Gómez afirmou que ficaria em vigília até que este “assassino [o presidente
Chávez] tivesse vergonha e renunciasse”345.
Antes de sair vitorioso no Referendo Revocatório de agosto de 2004, o governo
de Chávez teve que percorrer um longo caminho, durante o qual lidou com problemas
que se avolumavam no tocante a situação política e econômica do país. O conturbado
ano de 2002 parecia interminável ao presidente e havia vários analistas a fazerem a
seguinte avaliação: cedo ou tarde Chávez abandonaria a presidência em decorrência das
pressões vindas de militares dissidentes, a exemplo do destacado no parágrafo anterior.
Outra aposta era de que a greve da diretoria da PDVSA (que durou de novembro de
2002 a fevereiro de 2003) e o desabastecimento provocado a partir dela, desgastariam a
imagem de Chávez perante seu eleitorado. Assim sendo, ele não encontraria alternativa
senão renunciar a presidência.
No entanto, este prognóstico demonstrou-se equivocado. Chávez superou a
greve da estatal petroleira, demitiu praticamente toda a diretoria da empresa e
consolidou seu domínio sobre ela346.
345. GÓMEZ, Enrique Medina (Entrevista). “Protestaremos até que este assassino renuncie”. Folha de S.
Paulo. São Paulo, 24 de outubro de 2002, p.12, No 26.867.
346. KOZLOFF, Nikolas. Hugo Chavez: oil, politics, and the challenge to the United States, p.34.
167
Estes revezes forçaram a oposição a adotar uma nova estratégia para vencê-lo:
tentar antecipar as eleições por meio da convocação de um Referendo Revocatório do
mandato presidencial. Isso gerou um impasse. Chávez havia se posicionado durante a
campanha eleitoral de 1998 e no processo da Constituinte como um voraz defensor da
ampliação dos canais de participação popular, com os quais supostamente aumentaria a
influência da população no poder decisório. Publicamente, chegou a se posicionar de
forma receptível a convocação de um Referendo Revocatório, como parte de sugestões
feitas por alguns de seus aliados para evitar a continuidade dos atos de violência pelo
país347.
Todavia, na prática a realidade foi inversa. Chávez resistiu o quanto pôde à
convocação de qualquer consulta popular que abreviasse seu mandato, tampouco
cogitava a hipótese de antecipar às eleições presidenciais. Em discurso proferido na
abertura do ano legislativo de 2003, ele deixou bem nítido seu posicionamento no
tocante ao assunto: “Nadie en Venezuela puede convocar a elecciones adelantadas
porque eso no está en la Constitución, sería darle un golpe de estado en la
Constitución”348.
O presidente Chávez agia no cenário político como um enxadrista, pois esperava
o momento propício para atacar, recuar e não desperdiçava as oportunidades para
neutralizar seus adversários, ainda que fosse de uma forma traiçoeira e autoritária. Neste
aspecto, a exploração do culto a Bolívar servia para desvirtuar as propostas da oposição
que exigia a antecipação das eleições para abreviar o mandato do presidente.
Ao discursar para uma multidão de partidários na Avenida Bolívar, uma das
principais de Caracas, aproveitou o ensejo e lançou outra proposta: convocar um
Referendo para revogar os mandatos dos prefeitos, governadores e deputados que, em
sua visão, haviam traído a Revolução Bolivariana e, consequentemente, eles estavam
contra o povo da Venezuela. “Esas sí son las elecciones que pudiéramos hacer desde
ahora mismo para revocar mandato a gobernadores, alcaldes y después a diputados o
diputadas”349. Por fim, ao falar em nome do Libertador, pregou a união entre todos
347. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Chávez diz que poderá convocar referendo. Folha de S. Paulo.
São Paulo, 24 de junho de 2002, p.11, No 26.745.
348. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo del mensaje anual a la Asamblea Nacional. Palacio Legislativo. Caracas, 17 de enero
de 2003, p.40.
349. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de la gran marcha de respaldo a su gobierno al cumplirse 6 meses de la restitución del
hilo constitucional. Avenida Bolívar. Caracas, 13 de octubre de 2002, p.465-466.
168
aqueles que o apoiava com o propósito de superar a oposição. Segundo o presidente,
para Bolívar somente a união os faria livres350.
Era perceptível que a campanha para convocar um Referendo Revocatório que
abreviasse o mandato do presidente havia sido uma iniciativa da oposição. Para além da
‘guerra de versões’ travada entre governo e oposição, a Constituição de 1999
possibilitava a revogação de mandatos dos funcionários públicos eleitos pelo voto
popular nos poderes Executivo e Legislativo, desde que fosse realizada depois de
cumprido mais da metade do mandato e requisitada por uma porcentagem dos eleitores
venezuelanos. Em seu Artigo 72, a Constituição da Venezuela é explicitamente direta:
Todos los cargos y magistraturas de elección popular son revocables.
Transcurrida la mitad del período para el cual fue elegido el
funcionario o funcionaria, un número no menor de veinte por ciento
de los electores o electoras inscriptos en la correspondiente
circunscripción podrá solicitar la convocatoria de un referendo para
revocar su mandato351.
Chávez teria que lidar com este impasse, ancorado no argumento de que a
Constituição de 1999 havia sido elaborada com base nos pressupostos teórico-
filosóficos defendidos por Simón Bolívar. Sobre eles embasavam o mecanismo do
Referendo Revocatório para abreviar ou não o mandato do presidente da República e
dos demais detentores de cargos eletivos. Apesar de toda esta voraz defesa da
democracia ‘direta’ e ‘bolivariana’, Chávez não aceitou facilmente a ideia de convocar
um Referendo Revocatório. Utilizou de todos os mecanismos ao seu alcance para
impedir ou postergar a realização de qualquer consulta popular que pudesse encurtar sua
permanência na presidência da República. Toda esta batalha política chegou ao campo
jurídico e a Suprema Corte de Justiça foi obrigada a nomear cinco membros para
compor um Conselho Nacional Eleitoral (CNE) que comandaria o processo. Para que
fosse convocado o Referendo Revocatório, a oposição precisaria recolher a assinatura
de 20% dos eleitores venezuelanos, isto é, 2,4 milhões de pessoas na época (JONES,
2008, p.426). Conforme demonstrou Jones (2008), esta disputa estava longe de ser
tranquila e fácil para ambos os lados.
A primeira decisão do conselho desfavoreceu a oposição. O órgão
decidiu que as petições entregues pelos opositores em agosto e que,
supostamente, conteriam 3 milhões de assinaturas requeridas, não
eram válidas. O órgão afirmou que as assinaturas haviam sido
colhidas a partir de fevereiro de 2003 – antes da metade do mandato
350. Idem, p.472-473.
351. VENEZUELA. Constitución de la República Bolivariana de Venezuela (1999). Artículo 72, p.487.
169
de Chávez – e sem a supervisão das autoridades. A oposição alegou
que o governo tentava evitar a votação e que buscava dissuadir a
população de assinar as petições, ao divulgar na Internet uma lista
com os que tinham aderido ao movimento e ao negar-lhes empregos,
passaportes, carteiras de identidade e bolsas estudantis. O governo,
por seu lado, respondeu afirmando que empresas obrigavam seus
funcionários a assinarem as petições, sob pena de serem demitidos. No
final, os líderes da oposição aceitaram colher novamente as
assinaturas352.
Paralelamente, o presidente Chávez atuava em outra ‘frente de batalha’: as
Forças Armadas. Havia uma necessidade urgente de pôr fim as dissidências de oficiais.
Isso foi atingido ao concluir o processo de ‘expurgo’ dos militares não comprometidos
com a Revolução Bolivariana. Chávez tinha a consciência de que, após o visível ato de
insubordinação demonstrado por vários altos-oficiais durante e após o golpe de abril de
2002, deveria restituir o comando da instituição e compô-la somente com militares
explicitamente afinados à suas convicções político-ideológicas.
A Assembleia Nacional da Venezuela, na época de maioria oficialista, chegou a
instalar uma Comissão da Verdade com o propósito de apurar o que realmente havia
acontecido entre os dias 11 e 13 de abril de 2002. Apesar da comissão do Legislativo ter
recomendado processar os oficiais comprometidos com o golpe, o Tribunal Supremo de
Justiça (TSJ) declarou que os acontecimentos de abril de 2002 haviam caracterizado um
vazio de poder, não um golpe de Estado. Isso impossibilitou que se levasse adiante o
processo contra os militares comprometidos com aquele episódio e irritou
profundamente o presidente. Poucos dias antes da decisão, “Chávez fez declaração
pressionando pelo indiciamento e acusou juízes da corte de corrupção”353. O clima
estava extremamente tenso na Venezuela e um dos generais absolvidos, Efraín Vásquez,
teve a casa atacada por uma bomba.
Como reação, o presidente Hugo Chávez começou a atacar o Judiciário devido
as absolvições realizadas por este poder. Em março de 2003, desafiou o TSJ a instaurar
qualquer processo contra ele e/ou a prendê-lo, com o propósito de desmoralizar este
poder perante sua plateia354. O presidente não perdeu a oportunidade de insuflar ainda
mais o confronto no já tenso cenário político ao dizer que lhe agradava as batalhas.
352. JONES, Bart. Hugo Chávez: da origem simples ao ideário da revolução permanente, p.427.
353. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Corte livra militares que derrubaram Chávez. Folha de S. Paulo.
São Paulo, 15 de agosto de 2002, p.17, No 26.797.
354. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo del encuentro “Pensar la Revolución”. Casa Andrés Bello. Caracas, 22 de marzo de
2003, p.227-257.
170
Para além desse radicalismo presente nas palavras de Chávez, o fato era que os
discursos incisivos e eloquentes feitos a seus apoiadores faziam parte de uma estratégia
para angariar apoio popular, sendo que logo em seguida o presidente recorria a Bolívar
para legitimar seu raciocínio. Segundo Chávez, para o Libertador a justiça seria a rainha
das virtudes355. Por meio de tais palavras, desejava utilizar a figura do prócer para
atingir o Tribunal Supremo de Justiça, como resposta à absolvição dos militares que
tentaram derrubá-lo em abril de 2002. O presidente Chávez também insistiu na tese de
que a impunidade provocava um mal à República, a exemplo de um câncer, e recorreu
novamente a Bolívar para legitimar este raciocínio. Ao discursar em uma marcha em
fevereiro de 2004, o presidente afirmou:
Bolívar ya lo alertaba en muchas ocasiones; la impunidad es un
cáncer y aquí se está cumpliendo eso, porque hay un grupo de
golpistas que deberían estar en prisión y continúan por allí, continúan
conspirando contra la paz de Venezuela diciendo hasta payasadas356.
Como se pode observar, na visão de Chávez o poder Judiciário da Venezuela
estava dando um péssimo exemplo à sociedade, pois havia criado um clima de
impunidade em relação aos militares golpistas. Por isso, ele insistia no tema da
impunidade a fim de atacar o Judiciário e a oposição que o questionava e estava
recolhendo assinaturas com o propósito de convocar um Referendo Revocatório. O
Libertador aparecia em seus discursos como uma forma de legitimar este raciocínio. Na
verdade, Chávez jamais se conformou com a absolvição dos oficiais que haviam
conspirado contra seu governo e tentou anular a decisão por vias legais. Porém, não
obteve o sucesso almejado.
O cenário político-social cada vez mais polarizado abria margem a um
sentimento de revanchismo. Em várias oportunidades, altos-funcionários do governo
defenderam publicamente penas duríssimas aos conspiradores. Profundamente
descontente com a absolvição e não obtendo sucesso em anular esta decisão por vias
legais, Chávez permitiu que seus oficiais de confiança utilizassem de métodos ‘não
institucionais’ com o propósito de forçar os militares golpistas a deixarem as Forças
Armadas, a exemplo de exigir identificação ao entrar nos quartéis e/ou abrir as malas
perante soldados rasos na portaria. Colocou-se uma britadeira para fazer barulho a noite
355. Idem.
356. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de la marcha-concentración “Venezuela se respeta”. Autopista Francisco Fajardo a la
altura del Jardín Botánico. Caracas, 29 de febrero de 2004, p.143.
171
ao lado da casa destes oficiais, conforme o general García Carneiro descreve em seu
livro, ao assumir ter sido o autor das ordens com as quais forçaram os militares
golpistas a pedir baixa das Forças Armadas. No caso do general Manuel Rosendo, todos
os seus pertences pessoais, que se encontravam na casa ocupada pelo militar no quartel,
foram transferidos para um depósito no Forte Tiuna357. Ou seja, o presidente Chávez
reagiu rápido ao cerco oposicionista e utilizou de todos os mecanismos que julgou
serem eficazes para atingir o almejado: a expulsão dos militares que orquestraram o
golpe de abril de 2002.
Desta forma, Bolívar surgia nos discursos do presidente como um meio através
do qual não se restringia a somente agregar apoio político. O Libertador também deveria
ser capaz de aliviar as tensões e desviar o foco nos momentos mais difíceis. Isso ficou
nítido na mensagem de ‘despedida’ do conturbado ano de 2002, proferida em 31 de
dezembro. Não faltaram alusões ao Libertador e Chávez aliou o legado escrito de
Bolívar com o que chamou de exemplo histórico que o prócer ofereceu aos
venezuelanos358, embora isso tenha sido realizado por meio de uma historiografia
permeada pelo culto a Bolívar, o que se assemelhava mais a uma interpretação do que a
uma análise propriamente historiográfica.
Hoy vamos a traer su palabra, no sólo su palabra también como su
ejemplo histórico, padre Libertador como tú hoy decimos tus hijos:
somos el pueblo de las dificultades, dificultad que se atraviese en
nuestro camino será vencida por nuestra grandeza como pueblo359.
Nesta ocasião, Chávez havia recorrido a Bolívar com o propósito de aglutinar as
palavras do Libertador com o que chamou de ‘exemplo histórico’ proporcionado pelo
prócer, munido dos seguintes propósitos: reafirmar sua liderança para reagir ante quem
a questionasse. Além disso, é necessário ponderar que o fato do presidente ter ‘aceitado’
a realização do Referendo Revocatório que acabou sendo realizado em 2004 não pode
ser vislumbrado como um sinal de debilidade perante a insistência dos setores
oposicionistas. As razões que levaram Hugo Chávez a se submeter ao Referendo
Revocatório se localizavam fora de seu alcance. Se pudesse impedir a consulta,
provavelmente assim teria feito. Porém, era inegável que havia uma parcela da
sociedade venezuelana que não o queria como presidente da República. Esta oposição
357. GARCÍA CARNEIRO, Jorge Luis. La consciencia de la lealtad, p.154-158.
358. CHÁVEZ, Hugo. Mensaje del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo del fin de año. Palacio de Miraflores. Caracas, 31 de diciembre de 2002, p.540.
359. Idem.
172
se expressava de forma permanente no espaço público. Era fato que ela carecia de
massivo apoio popular, porém, os opositores ao regime possuíam relativo apoio
político, notoriedade econômica e espaço na mídia.
Ao contrário do que Chávez insistia em afirmar, aqueles que queriam destituí-lo
da presidência não eram somente políticos que haviam pertencido a antiga oligarquia
dirigente. O grupo também era composto por militares e ex-membros de seu governo
que haviam passado às fileiras da oposição e começaram a insuflar a população contra o
presidente. Um destes exemplos foi Guaicaipurao Lameda, general que participou dos
três primeiros anos da administração Chávez. Lameda, que ocupou os cargos de diretor
de orçamento e presidente da poderosa estatal PDVSA, se afastou do governo em
meados de 2002 após embates com Chávez no tocante a política de não desvalorização
da moeda e a recusa de Lameda em enviar US$ 1 milhão à oposição na Bolívia360.
Na realidade, havia uma situação política tensa que poderia ser considerada uma
crise com proporções consideráveis. Nem Chávez poderia deixar de admitir isto. Havia
a necessidade de uma mediação a ser realizada de preferência por um ator político de
fora da Venezuela. Esse papel coube ao ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy
Carter, por meio do Centro Carter. Sob a mediação deste, representantes do governo e
da oposição realizaram conversas de fevereiro a maio de 2003. Como resultado, foi
assinado o documento intitulado ‘declaração contra a violência’ que estabeleceu como
propósito encontrar uma saída constitucional e eleitoral à crise361.
Ainda que tenha sido estabelecida com bases extremamente frágeis, devido a
intensa polarização, para Jones (2008) havia um clima um tanto promissor no sentido de
que a oposição acreditava que poderia facilmente vencer o presidente em um Referendo
Revocatório do mandato presidencial. Haviam sido encomendadas pesquisas de opinião
para embasar esta tese, legitimadas por muitos artigos jornalísticos escritos na época362.
“O senso comum entre analistas, diplomatas e os grandes meios de comunicação, rezava
que Chávez se encontrava em sérios apuros e que, provavelmente, seria derrotado, ou
pelo menos a corrida terminaria empatada” 363.
Poucos haviam se atentado à hipótese de que Chávez pudesse sair fortalecido de
toda esta batalha travada no campo político em um cenário de crescente radicalização,
360. CARROL, Roy. Comandante: a Venezuela de Hugo Chávez, p.71-78.
361. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Chávez e oposição fazem pacto antiviolência. Folha de S. Paulo.
São Paulo, 19 de fevereiro de 2003, p.19, No 26.985.
362. JONES, Bart. Hugo Chávez: da origem simples ao ideário da revolução permanente, p.427.
363. Idem, p.432.
173
mesmo sem recuperar a combalida economia venezuelana. Por isso, a análise feita pelo
jornalista Ginger Thompson, do The New York Times (longe de ser simpática ao regime)
era contrária ao que pensava a grande maioria dos opositores do presidente. “Chávez
pode não apenas sobreviver a este [...] desafio à sua presidência [...], ele também pode
emergir como uma nova força, se seu país ficar mais polarizado e economicamente mais
deteriorado que antes”364.
A exemplo do que fez ao longo de sua trajetória política, Chávez se defendia
atacando. A intensa exploração do culto a Bolívar, somada a polarização no cenário
político, permitiu a Chávez adotar a estratégia de gradativamente construir um ‘inimigo’
ao Libertador na consciência coletiva de muitos venezuelanos. Estes inimigos seriam
dois: a oposição, representada, na visão de Chávez e seus partidários, pela antiga
oligarquia dirigente que havia tentado pôr fim a Revolução Bolivariana por meio do
golpe de abril de 2002; e os Estados Unidos, o principal destino do petróleo
venezuelano desde meados do século XX.
Entre 1999 e 2013, as relações no âmbito político-diplomático com Washington
foram marcadas pela hostilidade com distanciamento. Tratava-se de uma relação
também contraditória, ou esquizofrênica, conforme pontua Romero (2006), de um
governo que satanizava os Estados Unidos, mas enviava mais de um 1 milhão de barris
de petróleo e derivados a este país diariamente365.
Contudo, nem sempre foi assim. Durante a ditadura de Marcos Pérez Jimenez
(1952-1958) as relações eram extremamente próximas. Conforme pontua Ewell (2002),
neste período houve um processo de ‘norte-americanização’ da sociedade venezuelana,
por meio da introdução do American Way of Life. Este fenômeno era sentido
intensamente pela classe média que assistia partidas de beisebol e filmes produzidos nos
Estados Unidos, comia hamburguês e estudava inglês no Centro Venezolano-
Americano. Cerca de 90% do petróleo extraído das jazidas venezuelanas tinham como
destino à América366 e o presidente Dwight Eisenhower conferiu ao ditador Marcos
Pérez Jimenez a honraria Legião do Mérito, uma das maiores condecorações dos
Estados Unidos367.
364. THOMPSON, Ginger. Presidente pode sobreviver à crise e sair fortalecido. Folha de S. Paulo. São
Paulo, 4 de janeiro de 2003, p.6, No 26.939.
365. ROMERO, Carlos. Venezuela y Estado Unidos: ¿una relación esquizofrénica?, p.84.
366. EWELL, Judith. Venezuela, 1930-1990, p.427.
367. JONES, Bart. Hugo Chávez: da origem simples ao ideário da revolução permanente, p.34.
174
Por outro lado, todo este processo não esteve desprovido de resistência. Havia
uma parcela da sociedade venezuelana que nutria grande rechaço em relação aos
Estados Unidos em razão de seu apoio ao governo ditatorial. Em visita à Caracas em
maio de 1958, o então vice-presidente Richard Nixon foi hostilizado e seu carro
apedrejado, fato que o obrigou a encurtar sua passagem pelo país368.
[...] o protesto contra a visita de Nixon (maio de 1958), que era o
repúdio à política de poder dos Estados Unidos, tão hipócrita que
aplaudia pouco tempo antes a ditadura e logo depois, em 1958, a volta
à democracia. Esse repúdio, tão viva e justamente manifestado, esteve
a ponto de provocar uma agressão armada norte-americana contra a
Venezuela369.
Hugo Chávez insuflou este sentimento ‘antiamericano’ em sua base de apoio,
ancorado no respaldo dos norte-americanos aos golpistas de abril de 2002 e no discurso
de que Simón Bolívar rechaçava os Estados Unidos. Em Carta escrita em 1829, o
Libertador afirmou que os norte-americanos estavam destinados pela providência a
propagar a miséria na América em nome da liberdade370. Porém, tratava-se de um
raciocínio construído por Bolívar em um momento específico, ou seja, considerada uma
‘resposta’ do Libertador à Doutrina Monroe de 1823, mas Chávez o utilizou para
fundamentar a tese de que Bolívar também ‘respaldava’ suas críticas aos governos
norte-americanos.
Porém, o grande incentivo às hostilidades veio do apoio norte-americano ao
golpe de abril de 2002. Por meio de documentos produzidos no Departamento de
Estado, confirmou-se a participação de Washington no planejamento e no
financiamento do golpe, ao destinar milhares de Dólares em doações a grupos de
cidadãos venezuelanos adversários do regime, inclusive aos sindicatos patronais
responsáveis por organizar os protestos que culminaram na temporária destituição de
Chávez e ascensão de Pedro Carmona371. Com o vazamento dos documentos que
confirmaram a ingerência norte-americana, as hostilidades entre Caracas e Washington
368. VÍDEO. Richard Nixon em Caracas, 1958. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=xNsp8B1qlI8 (acesso em 6 de dezembro de 2016).
369. MAZA ZAVALA, Domingo. História de meio século na Venezuela: 1926-1975, p.317.
370. BOLÍVAR, Simón. Carta al señor coronel Patric Campbell, Encargado de Negocios de Su
Majestad Británica. Guayaquil, 5 de agosto de 1829, p.355.
371. MARQUIS, Christopher. EUA custearam grupos de oposição a Chávez. Folha de S. Paulo. São
Paulo, 26 de abril de 2002, p.11, No 26.686.
175
cresceram, ao deteriorar a relação entre os dois países, situação que se perduraria até o
final do governo Chávez em 2013372.
Desta forma, ficou fácil construir o argumento de que havia uma conspiração,
orquestrada pelos setores privilegiados e pelos Estados Unidos, para se apoderar das
riquezas naturais do país373.
Na visão do presidente, não se poderia esquecer o que havia acontecido na
Venezuela em abril de 2002, como uma forma de justificar o incentivo à polarização do
cenário político. Ou seja, o raciocínio de Chávez poderia ser resumido na seguinte
perspectiva: “o presidente descreveu a campanha do referendo como um plano de Bush
e dos Estados Unidos para derrubá-lo” 374. Hugo Chávez tinha a consciência de que suas
políticas para o setor petrolífero seriam contrárias aos interesses das grandes
transnacionais e dos Estados Unidos, o maior consumidor de petróleo do mundo. Este
era um dos motivos pelo qual o governo norte-americano pressionava Caracas para que
antecipasse as eleições, como uma saída pacífica ante a crise instalada. O inimigo no
âmbito internacional estava criado e a justificativa era feita com base no financiamento
dos grupos envolvidos no golpe de abril de 2002.
Em discurso proferido na abertura dos trabalhos legislativos em janeiro de 2004,
Chávez foi enfático ao criticar duramente os presidentes dos Estados Unidos, George
Bush, e do México, Vicente Fox. Para Chávez, o mexicano era um ‘filhote do Império’.
O presidente da Venezuela os acusou de trabalharem na viabilização do Referendo
Revocatório para abreviar seu mandato. Chávez se esforçou para colar a imagem dos
Estados Unidos com a dos setores da oposição. Segundo ele, Bush, Fox e a oposição
eram fascistas e há anos conspiravam para retirá-lo da presidência375. Seguindo este
raciocínio, eles eram inimigos de Simón Bolívar e, consequentemente, antibolivarianos.
Todavia, a vitória no Referendo Revocatório de agosto de 2004 não pode ser
atribuída exclusivamente a exploração do culto, embora explorar a figura do Libertador
372. As relações da Venezuela com os Estados Unidos durante a Revolução Bolivariana é um assunto que
mereceria um estudo mais aprofundado. Portanto, localiza-se fora do escopo desta tese. Mesmo assim, é
necessário pontuar que as hostilidades entre Caracas e Washington influenciaram na postura de Chávez
enquanto presidente e legitimaram sua retórica de que havia um rechaço do Libertador ao ‘imperialismo’
norte-americano.
373. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, en la primera sesión de trabajo de la II reunión de jefes de Estado de América del Sur. Guayaquil,
Ecuador, 27 de julio de 2002, p.347-356.
374. JONES, Bart. Hugo Chávez: da origem simples ao ideário da revolução permanente, p.431.
375. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo del mensaje anual a la Asamblea Nacional. Palacio Legislativo. Caracas, 14 de enero
de 2004, p.31.
176
tenha sido a principal estratégia de Chávez para vencer as eleições, plebiscitos e demais
consultas populares realizadas entre 1999 e 2013. Havia a necessidade urgente de
melhorar os indicadores sociais venezuelanos, há décadas deteriorados devido as
fracassadas políticas de recuperação dos preços do petróleo e a lancinante dívida pública
venezuelana. O presidente percebia a necessidade de melhorar os indicadores sociais,
caso quisesse vencer com segurança um Referendo Revocatório acerca de seu mandato
presidencial, além de que reduzir a pobreza havia sido sua principal bandeira de
campanha em 1998 e 2000.
Como parte desta estratégia e ajudado pela recuperação dos preços do petróleo
no mercado internacional após a invasão do Iraque em março de 2003376, o presidente
da Venezuela apostou na criação de políticas públicas compensatórias que visavam
agilizar o atendimento a saúde, educação, distribuição de alimentos e a organização
popular. Estas iniciativas tornaram-se conhecidas pelo nome de Missões Sociais,
também batizadas de Missões Bolivarianas, em alusão a Bolívar. Entre 2003 e 2011
foram lançadas 37 missões que abrangiam as principais carências venezuelanas: saúde,
educação e infraestrutura. As Missões ligadas à saúde e educação contaram com o
suporte do governo cubano que enviou profissionais (médicos e pedagogos) para
trabalharem na Venezuela, em troca do fornecimento de petróleo à Ilha a preços
subsidiados.
Apesar das críticas e debilidades, as Missões Sociais se tornaram uma alternativa
viável a Chávez para enfrentar um Referendo Revocatório com chances de vitória.
Portanto, um dos motivos pelo qual o presidente acabou ‘aceitando’ a realização do
Referendo foi o êxito que estas políticas compensatórias haviam obtido em um espaço
de tempo relativamente curto. Mas, este aparente êxito das Missões provocou críticas da
oposição que as acusava de serem assistencialistas, eleitoreiras, não transparentes e
corruptas. Porém, elas foram eleitoralmente exitosas para Chávez, sobretudo aquelas
que impactavam diretamente a vida dos cidadãos comuns377. As Missões da era Chávez
desempenharam um papel social relevante na permanência do presidente.
Bolívar também estava ‘presente’ nas Missões Sociais. No dia em que inaugurou
a Missão Mercal (Mercados y Alimentos), Chávez foi categórico ao afirmar que, para
376. Ver: Tabela 1, no Anexo.
377. NEVES, Rômulo Figueira. Cultura política e elementos de análise da política venezuelana, p.74-75.
177
além dos alimentos subsidiados distribuídos naquele mercado, o país superaria as
dificuldades tomando como exemplo a palavra e a orientação do Libertador378.
O êxito obtido com as Missões fez com que Chávez decidisse abandonar a
estratégia de combater o Referendo e passou a apoiá-lo. Em discurso proferido na
ocasião em que ‘aceitou’ publicamente a realização do pleito, se posicionou como o
maior entusiasta da possibilidade da população poder decidir se determinado ocupante
de cargo público eletivo devesse ou não seguir no cargo. Embasou seu raciocínio
dizendo que a democracia deveria ser participativa e protagónica. Não satisfeito,
chegou a afirmar que sempre foi favorável a realização do Referendo, ao se posicionar
como um vanguardista em relação a ideia379. Tratava-se de uma ‘nova’ estratégia,
inspirada em Bolívar, segundo Chávez o mestre da estratégia político-militar e grande
timoneiro das ações, batalhas e, sobretudo, das vitórias angariadas pelo regime380.
Ironicamente, diante de seus partidários e em nome desta ‘nova’ estratégia mais
uma vez apregoada a Bolívar, o presidente da Venezuela simplesmente se ‘esqueceu’
das inúmeras tentativas que havia feito para impedir a realização do Referendo por meio
de mecanismos legais. A percepção de que ganharia o pleito, ajudado pelos índices de
popularidade incrementados após os resultados das Missões Sociais, explica a repentina
mudança de posição. Devido a esta autoconfiança, Chávez passou a encarar o Referendo
Revocatório como uma excelente oportunidade para demonstrar à oposição, bem como
aos governos estrangeiros pouco afeitos as suas políticas, que possuía uma maioria
capaz de respaldá-lo no poder381.
Como uma forma de reafirmar este raciocínio, Chávez citou Simón Bolívar, ao
relembrar uma frase pronunciada pelo Libertador durante o Congresso de Angostura
(1819), segundo a qual bendito seria o cidadão que convocasse a ‘soberania popular’
para exercer sua absoluta vontade: “Tomo la expresión de Bolívar para ratificar el
infinito amor y la infinita voluntad que tengo de defender con esta espada, con esta mi
378. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de la inauguración de Mercados Y Alimentos. Parroquia Caricuao. Caracas, 22 de abril
de 2003, p.293.
379. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, en el cual acepta la realización del referéndum presidencial y convoca a la Campaña de Santa
Inés. Despacho Presidencial, Palacio de Miraflores. Caracas, 3 de junio de 2004, p.297-302.
380. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo del acto de juramentación del comando de Campaña Nacional Maisanta para el
referéndum presidencial. Teatro Municipal. Caracas, 9 de junio de 2004, p.346.
381. Idem.
178
mente y con esta mi alma, los intereses del sagrado pueblo venezolano”382. Nessa
ocasião, o presidente da Venezuela também recorreu ao principal símbolo do culto a
Bolívar: a espada que havia pertencido ao prócer, com toda a carga simbólica inerente a
este objeto. De acordo com Chávez, seus partidários deveriam entender que ele e o
Libertador estavam prontos para a batalha. Tratava-se de uma forma de estimulá-los a
fazerem campanha pelo NÃO383 até os últimos instantes permitidos pelo CNE.
Para Hugo Chávez, o Referendo Revocatório seria realizado com a finalidade de
que o povo decidisse se revogaria ou não o mandato de presidente da República
ocupado por ele e por Simón Bolívar. Logo, todos aqueles que estavam contra sua
permanência também estavam contra o Libertador, isso ficou bem nítido ao ponderar:
“Bolívar pensaba de nosotros su pueblo que es lo que yo pienso de usted mi pueblo y de
la democracia popular, que hoy si canta vitoria, que hoy si se fortalece […]”384.
Durante a reta final da campanha, Chávez ironizou seus adversários ao lhes dar
boas-vindas à democracia. Em sua visão, a oposição utilizava táticas consideradas
pouco ‘leais’ no cenário político, a exemplo do golpismo, do jogo considerado rasteiro e
da chamada velha política. Era nítido que havia na Venezuela uma ‘guerra psicológica’
pelo controle das versões consideradas ‘verdadeiras’, com o propósito de dominar o
cenário político. Em discurso proferido diante de seus partidários na Avenida Bolívar
em julho de 2004, o presidente afirmou que, caso os oposicionistas saíssem vitoriosos
no Referendo Revocatório, poriam fim imediato nas Missões Sociais, pois o projeto
político da oposição seria o mesmo do presidente efêmero Pedro Carmona. Por outro
lado, Chávez afirmou representar o projeto bolivariano de igualdade e justiça, o mesmo
defendido pelo Libertador no século XIX e ‘sabotado’ pela oligarquia dirigente que o
precedeu e pretendia destituí-lo da presidência385. Chávez apostava no medo como uma
382. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, en el cual acepta la realización del referéndum presidencial y convoca a la Campaña de Santa
Inés. Despacho Presidencial, Palacio de Miraflores. Caracas, 3 de junio de 2004, p.297-302.
383. A pergunta submetida foi a seguinte: ¿Está usted de acuerdo con dejar sin efecto el mandato
popular, otorgado mediante elecciones democráticas legítimas al ciudadano Hugo Rafael Chávez Frías,
como presidente de la República Bolivariana de Venezuela para el actual periodo presidencial?
Disponível em: <http://www.cne.gob.ve/referendum_presidencial2004/> (acesso em 22 de fevereiro de
2016).
384. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, en el cual acepta la realización del referéndum presidencial y convoca a la Campaña de Santa
Inés. Despacho Presidencial, Palacio de Miraflores. Caracas, 3 de junio de 2004, p.308.
385. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de la marcha-concentración por la soberanía, inicio de la Campaña de Santa Inés y de
la Misión Florentino. Avenida Bolívar. Caracas, 6 de junio de 2004, p.311-331.
179
estratégia para desqualificar a oposição e lograr a maior soma possível de apoio político
para vencer o Referendo Revocatório.
No entanto, havia um clima de grande incerteza política na Venezuela durante a
campanha de agosto de 2004. Ambos os lados sustentavam versões bem diferentes no
tocante a receptividade do eleitor as suas propostas386. Enquanto o governo se mostrava
seguro por meio de seu presidente e a oposição sustentava que Chávez encontrava-se
em apuros, analistas percebiam as grandes incertezas do cenário político venezuelano:
Apenas uma semana antes da votação, marcada para 15 de agosto,
dois dos principais especialistas venezuelanos em pesquisas, Luis
Vicente León e Alfredo Keller, que criticavam Chávez
costumeiramente, descreveram essa como uma corrida apertada387.
O presidente da Venezuela dirimia as incertezas provocadas pela realização do
Referendo Revocatório ao se apoiar ainda mais no culto ao Libertador, com o propósito
de angariar a unidade tão propalada a seus partidários e, principalmente, os votos
suficientes para vencer o pleito no dia 15 agosto de 2004. Conforme apontam grande
parte das fontes, Chávez argumentaria no sentido de que apenas com sua permanência
no poder seria possível continuar a obra iniciada por Bolívar no século XIX de libertar o
povo da Venezuela. Por meio deste raciocínio, visava ultrapassar mais este obstáculo
rumo à consolidação de seu domínio no cenário político venezuelano.
Ao discursar na simbólica Avenida Bolívar, afirmou que a opção pelo NÃO no
Referendo, ou seja, para ele não deixar a presidência, seria uma negativa dada pelo
próprio Libertador à oligarquia venezuelana que o havia destituído do poder no século
XIX e naquele momento ameaçava retirar Chávez da presidência. Com a aproximação
do pleito, o líder bolivariano foi ainda mais longe. Ao relembrar que Bolívar havia
recusado a coroar-se Rei, segundo Chávez uma proposta feita ao prócer pela oligarquia
venezuelana, o Libertador havia optado por terminar sua vida como Jesus Cristo, sendo
‘crucificado’.
Si Bolívar hubiese aceptado la corona y hubiese dicho sí, nómbreme
rey, lo hubieran nombrado rey y le hubiesen aplaudido, pero hubiese
perdido la digna condición de Libertador de su pueblo y hubiese
terminado de otra manera, como un rey, él prefirió terminar como
Jesús crucificado en Santa Marta […]388.
386. MAISONNAVE, Fabiano. Chávez e oposição cantam vitória no final. Folha de S. Paulo. São Paulo,
13 de agosto de 2004, p.12, No 27.526.
387. JONES, Bart. Hugo Chávez: da origem simples ao ideário da revolução permanente, p.432.
388. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de la Marcha por la Victoria. Avenida Bolívar. Caracas, 8 de agosto de 2004, p.454.
180
Para o presidente da Venezuela, mais uma vez havia chegado o momento do
povo de Simón Bolívar mostrar sua força, por meio do despertar da capacidade de
influenciar na política do país389. Na verdade, o momento era de mais uma vez legitimar
o presidente Chávez no poder perante as urnas e, consequentemente, consolidar seu
predomínio no cenário político venezuelano. Sendo assim, a exploração do culto a
Bolívar, o considerável carisma do presidente e os resultados obtidos a partir das
Missões Sociais fizeram de Chávez o vencedor do Referendo Revocatório em 15 de
agosto de 2004, ou seja, o NÃO venceu com 59,09% dos votos390.
Tratou-se, sem dúvida, de um triunfo atribuído ao Libertador, porém,
nitidamente a vitória pertencia ao presidente Chávez, pois ele pôde concluir seu
mandato (que terminaria em 2007) e candidatar-se a um novo período presidencial em
dezembro de 2006. Em discurso pronunciado no Balcão do Povo, logo após conhecer os
resultados na madrugada de 16 de agosto de 2004, Chávez salientou que se iniciava uma
nova etapa da Revolução Bolivariana a partir daquele momento, pois afirmou
categoricamente que o país havia mudado sua realidade político-social ‘para sempre’391.
Por outro lado, a oposição, que no dia do Referendo havia acusado o governo de
fraudá-lo, foi colocada ainda mais na defensiva após mais esta derrota. A suposta fraude
nunca foi comprovada, mas, em livro escrito em exílio na Colômbia, Pedro Carmona
Estanga reforçou a tese oposicionista de que os resultados não estavam compatíveis
com as sondagens eleitorais feitas antes da votação. Além disso, Carmona acusou o
governo de fazer pressão nos eleitores, ao ameaçá-los de retirar seus empregos e negar
serviços prestados pelo Estado, além de manipular a auditoria feita nas urnas392.
Apesar disso, apostava-se que a vitória no Referendo Revocatório fizesse com
que o recém-confirmado presidente iniciasse uma etapa de diálogo com a oposição
derrotada. Contudo, isso não aconteceu. Conforme já foi salientado, ao longo de seus 14
anos na presidência, Chávez nunca buscou de fato um diálogo com os setores
oposicionistas. Ao contrário, já no discurso realizado no Balcão do Povo os ironizou ao
389. Idem, p.464.
390. VENEZUELA. Boletín Electoral del Referendum 15 de agosto de 2004. In. Consejo Nacional
Electoral. República Bolivariana de Venezuela. Disponível:
http://www.cne.gob.ve/referendum_presidencial2004/ (acesso em 22 de fevereiro de 2016).
391. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo del triunfo del NO en el referéndum presidencial. Balcón del Pueblo, Palacio de
Miraflores. Caracas, 16 de agosto de 2004, p.500.
392. CARMONA ESTANGA, Pedro. Mi testimonio ante la historia, p.236.
181
afirmar que eles teriam até o final da manhã para se recobrarem da derrota e aceitá-la.
Para o presidente, seus opositores se recusavam a aprenderem a perder393.
Chávez mencionou Bolívar no discurso realizado logo após a divulgação dos
resultados, pois o uso da figura do Libertador havia sido determinante para os resultados
eleitorais a seu favor, ainda mais em um momento crucial à sobrevivência do regime.
“Los felicito, felicito al pueblo de Bolívar, han demostrado ustedes venezolanas y
venezolanos este día, que son verdaderamente merecedores de llevar la semilla de
Simón Bolívar […]394”. O presidente concluiu afirmando que eram invictos e que
eleitoralmente nada poderia conter o avanço da Revolução Bolivariana. Tratou-se de
uma noite em que triunfou Bolívar, porém a vitória foi de Hugo Chávez que,
relegitimado no cargo, ampliou seu domínio no cenário político venezuelano.
Como se pôde observar ao longo deste item, os desdobramentos políticos,
ocorrido a partir do retorno de Chávez ao poder após o falido golpe de Estado em abril
de 2002, foram determinantes para sua vitória no Referendo Revocatório de agosto de
2004, responsável por consolidar o predomínio de sua figura no cenário político.
Naquele momento, a vitória nas urnas passava a sensação a Chávez e seus
partidários de que eles eram eleitoralmente invencíveis. De fato, o uso do culto a
Bolívar pelo carismático presidente o tornaria eleitoralmente forte nas eleições regionais
de 2004, legislativas de 2005 e presidenciais de 2006. No entanto, os desdobramentos
políticos de um determinado país nem sempre obedecem a lógica mais favorável às
pretensões políticas de seus líderes, ainda que eles estejam em momentos de grande
popularidade, tal como o próximo item demonstra.
4.2 – A Reforma Constitucional de dezembro de 2007: nem sempre “Bolívar
vence”
A exploração do culto a Simón Bolívar vinha sendo um ponto crucial na
vantagem eleitoral obtida pelo presidente Hugo Chávez em relação a seus adversários.
As consequências deste momento político eram sentidas nas urnas, pois as vitórias
eleitorais acumuladas pelo governo consolidaram o domínio da figura do presidente da
República no cenário político venezuelano. Entre 1999 e 2006, ou seja, no tempo em
393. MAISONNAVE, Fabiano. Vitorioso, Chávez festeja e ironiza oposição. Folha de S. Paulo. São
Paulo, 17 de agosto de 2004, p.9, No 27.530.
394. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo del triunfo del NO en el referéndum presidencial. Balcón del Pueblo, Palacio de
Miraflores. Caracas, 16 de agosto de 2004, p.509.
182
que durou a Constituinte (1999) mais o primeiro período presidencial (2000-2006),
Chávez saiu vitorioso de todas as eleições, plebiscitos, referendos e demais consultas
populares a que se submeteu. Os plebiscitos Constitucionais de 1999; as eleições de
relegitimação dos poderes em 2000; o Referendo Revocatório e as eleições regionais
(governadores e prefeitos) de 2004; as eleições legislativas de 2005; e a corrida
presidencial de 2006: em todos estes pleitos Chávez e seus partidários se sobressaíram
em relação aos adversários.
Em um regime com eleições relativamente competitivas, somado a um cenário
político instável e polarizado, o acumulado de todas estas vitórias fazia com que fosse
inevitável que a sensação de invencibilidade nas urnas rondasse o presidente e seus
apoiadores. Por isso, a excessiva autoconfiança dificultou a absorção da derrota no
Referendo para a Reforma da Constituição, realizado em 2 de dezembro de 2007. Por
meio deste Referendo, Chávez visava alterar vários artigos da Carta Magna, promulgada
em 1999, com os quais dizia aprofundar o processo de construção da República sonhada
por Simón Bolívar.
O rechaço à Reforma da Constituição foi capaz de fazer com que este apelo do
culto ao Libertador não fosse suficiente para mobilizar a maioria dos eleitores
venezuelanos em favor da proposta, algo que acontecia pela primeira vez na era Chávez.
É indispensável frisar que este pacote de alterações constitucionais foi submetido à
aprovação popular 1 ano após Chávez ser reeleito presidente da República com uma
vantagem considerável em relação a seus adversários.
Com base nas fontes analisadas, é notável que esta derrota não havia sido
prevista pelo presidente. Pode-se considerá-la surpreendente e inesperada, tendo em
vista a popularidade de Chávez naquele momento e o auge de seu domínio no cenário
político. A exploração do culto, manifestada ao colocar a Reforma na Carta Magna
como uma forma de acelerar o processo de construção da pátria sonhada pelo
Libertador, não foi capaz de mobilizar a maioria dos eleitores venezuelanos em favor de
uma proposta que, na prática, pertencia mais a Chávez do que a Bolívar.
No entanto, as razões que levaram o governo a sair derrotado no Referendo
sobre a Reforma Constitucional de 2007 foram construídas após a vitória do presidente
no Referendo Revocatório de agosto de 2004. Neste momento, tornou-se ainda mais
evidente que a combinação entre carisma, recursos vindos do petróleo e o fato de se
posicionar como uma espécie de ‘segundo Libertador da Venezuela’, se tornou a base
de sustentação de Chávez no poder.
183
Entretanto, a trajetória histórica dos países não se desenrola por meio de
parâmetros lineares. Chávez era um líder popular, porém, não foram em todas as
oportunidades que conseguiu transferir esta popularidade às propostas a que submeteu à
aprovação pelos venezuelanos, muitos deles fervorosos eleitores do presidente.
Apesar de ter saído vitorioso no Referendo Revocatório e estar gozando de bons
índices de popularidade, Chávez não pôde desfrutar de um cenário político mais calmo
após ser confirmado no cargo em agosto de 2004. A oposição não levou a sério o
chamado do presidente ao diálogo, pois ele veio acompanhado pelo regozijo do triunfo
(bolivariano e popular) sobre a ‘oligarquia’ venezuelana.
Hugo Chávez fazia questão de enfatizar o caráter ‘eterno’ da Revolução
Bolivariana, ao mesmo tempo em que culpava a oposição pelos acontecimentos
considerados negativos na política. Paradoxalmente, pode-se afirmar que o fato do
governo utilizar excessivamente as várias formas de consulta popular previstas na
Constituição de 1999 (por meio das quais legitimava as políticas lançadas pelo regime)
tornava o cenário político ainda mais agitado. Na Venezuela da era Chávez, em
praticamente todos os anos ocorreram alguma forma de pleito eleitoral que levava, tanto
o governo quanto a oposição, a concentrarem suas energias em campanhas ao invés de
encontrarem uma minimamente solução consensual aos reais problemas do país.
Seguindo esta perspectiva, o término da campanha do Referendo Revocatório de
2004 marcou o início da corrida eleitoral para a escolha de prefeitos e governadores (as
conhecidas eleições regionais) em outubro, na qual Chávez e seus partidários se
esforçariam substancialmente para eleger o maior número de aliados. Nas eleições
regionais de 2004, a influência da popularidade do presidente e, consequentemente, o
uso da máquina administrativa foram notáveis.
Ao trabalhar com a tese de que Chávez não é um fenômeno isolado e apartado
da cultura política nacional, Rômulo Neves aponta ser uma prática usual na Venezuela o
uso dos recursos por quem detém a presidência da República em favor de seus
candidatos, assim como a existência de nepotismo e de patrimonialismo395. Ou seja,
Chávez não inovou neste aspecto. Todavia, durante seu governo tais fenômenos
apontados por Neves (2010) atingiram patamares superlativos devido ao carisma do
presidente e seu domínio quase completo do cenário político. Por isso, é compreensível
que ainda durante a cobertura da vitória do governo em agosto de 2004, as câmeras das
395. NEVES, Rômulo Figueira. Cultura política e elementos de análise da política venezuelana, p.131.
184
TVs estatais tenham frisado alguns candidatos governistas nas eleições regionais de
outubro daquele ano.
Não havia razão para perder tempo, pois o presidente não demonstrava
disposição em proporcionar qualquer chance a seus adversários. Se por um lado a meta
seria manter as prefeituras e os 15 governos estaduais controlados por seus partidários,
por outro havia a necessidade, expressamente exigida pelo presidente, de ‘recuperar’ as
prefeituras e os governos estaduais considerados estratégicos à Revolução que, por um
motivo ou outro, haviam sido perdidas para os oposicionistas ou nunca haviam sido
controladas pelos aliados de Chávez.
De fato, um dia antes de ocorrerem as eleições regionais, era possível perceber
que havia a sensação de que os partidários do presidente ganhariam a maioria das
prefeituras e dos governos estaduais, devido a preponderância da figura presidencial no
cenário político, uma consequência do fato de Chávez ter se tornado um fenômeno
eleitoral após agosto de 2004. Conforme expressou o correspondente do jornal Folha de
S. Paulo em Caracas, “[...] Hugo Chávez deve terminar o domingo comemorando uma
histórica vitória sobre a oposição nas eleições para governador, prefeito e deputado
estadual”396. Entretanto, as sondagens eleitorais, realizadas dias antes do pleito,
apontavam que os índices de abstenção seriam altos. Isso poderia retirar legitimidade do
lado vencedor e empolgar quem saísse derrotado.
No discurso proferido logo após saírem os resultados das eleições regionais,
Chávez não abandonou a lógica de insuflar ainda mais o confronto. Segundo o
presidente, a campanha negativa e contra as instituições estatais realizada pela oposição
havia sido a responsável pelo alto índice de abstenção, que chegou a quase 50%. Sendo
assim, havia uma diminuição inevitável do significado deste pretenso triunfo
revolucionário em mais esta contenda eleitoral. Como não poderia fugir do script,
Chávez recorreu a Bolívar, dedicando aquela vitória ao Libertador, segundo ele, o único
capaz de combater a pobreza, o burocratismo e a corrupção. Ademais, o presidente fez
uma afirmação categórica com o propósito de provocar seus adversários: a Revolução
Bolivariana havia fincado bases para sempre397.
396. MAISONNAVE, Fabiano. Chávez deve prevalecer em pleito eleitoral. Folha de S. Paulo. São Paulo,
31 de outubro de 2004, p.15, No 27.605.
397. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de los resultados electorales regionales de gobernadores y alcaldes. Adyacencias del
Palacio de Miraflores. Caracas, 31 de octubre de 2004, p.565-570.
185
Portanto, percebe-se que o presidente da Venezuela utilizava o culto ao
Libertador com o propósito de atenuar os efeitos provocados pelo alto índice de
abstenção. Chávez percebia que uma abstenção elevada poderia ser utilizada como
argumento pela oposição no intuito de deslegitimar os candidatos oficialistas que
haviam sido eleitos governadores, prefeitos e deputados estaduais. Porém, esta alta
abstenção não pôde ser atribuída somente a ‘guerra’ existente entre governo e oposição,
desencadeada desde a ascensão de Chávez em fevereiro de 1999. Talvez a tendência
seria que este enfrentamento agisse em favor da diminuição de abstenção, não ao seu
incremento.
No entanto, é importante destacar que a Venezuela não apresenta uma longa
trajetória histórica de eleições regionais. A Carta Magna antecessora a de 1999 –
promulgada em 1961 durante o governo de Rómulo Betancourt (1959-1964) – não
estabelecia eleições direitas no âmbito regional. Os governadores eram nomeados e os
prefeitos eleitos de forma indireta. Os venezuelanos começaram a escolher seus
governadores e prefeitos somente após a minirreforma eleitoral-constitucional de 1989.
Ela foi realizada às pressas pelo presidente Carlos Andrés Pérez, com o propósito de
arrefecer os ânimos diante da crise política instalada no momento.
Frequentemente derrotada por Chávez e seus partidários nas urnas, a oposição,
reunida em uma incipiente coalizão chamada de Coordenadora Democrática, formada
pelos adversários do regime durante o recolhimento das assinaturas para convocar o
Referendo Revocatório de 2004, resolveu adotar a estratégia de não participar de
eleições a partir daquela data. Esta postura, assumida pela totalidade de seus membros,
foi considerada a médio prazo um grave equívoco político, pois contribuiu para uma
anulação ainda maior da oposição ante um líder popular, carismático e personalista.
Ademais, Chávez gozava de excelente popularidade. Uma pesquisa divulgada em maio
de 2005 pelo instituto venezuelano Datanálisis, mostrava o presidente com 75,5% de
aprovação398.
Sob um ponto de vista político, as estratégias utilizadas pela oposição no intuito
de resistir ao domínio do presidente Chávez no cenário político eram consideradas tão
equivocadas que a escritora venezuelana Yolanda Salas chegou a afirmar que as atitudes
da oposição vinham sendo as melhores aliadas de Chávez. Para Salas, a oposição se
autoexclui, age em favor da antipolítica e não tem sensibilidade social. Permite ao
398. VILA-NOVA, Carolina. 70,5% dos venezuelanos aprovam Chávez. Folha de S. Paulo. São Paulo, 3
de maio de 2005, p.13, No 27.788.
186
governo impor uma verdade única, com base em um comportamento autoritário399.
Apesar das críticas dirigidas à postura da oposição venezuelana, o boicote às eleições
legislativas, que ocorreriam em dezembro de 2005 para renovar as 167 cadeiras da
Assembleia Nacional da Venezuela, era uma possibilidade cada vez mais próxima.
Alguns dias antes das eleições legislativas, os candidatos pertencentes aos
partidos de oposição decidiram oficialmente boicotar o pleito, com o argumento de que
não havia garantia de lisura do processo, pois exigiam mudanças nas regras eleitorais.
Sem abandonar a tradicional retórica, Chávez reagiu com hostilidade, declarou
‘morte’ aos partidos políticos de oposição e disse que eles resistiam a se entregar.
Ameaçou coloca-los na ilegalidade, caso insistissem na tese do boicote eleitoral. O que
o presidente temia era que a retirada dos candidatos da oposição pudesse deslegitimar as
eleições legislativas. Era perceptível que o governo faria amplíssima maioria no
parlamento, sendo assim, não era interessante ao presidente participar sozinho da
corrida à Assembleia. Ou seja, eleger seus partidários nas 167 cadeiras do Legislativo
poderia ser vista com restrição pelos observadores internacionais.
Por isso, em discurso proferido no Palácio de Miraflores em dezembro de 2005,
Chávez afirmou que o boicote às eleições legislativas feito pela oposição era um ‘golpe
eleitoral’, realizado em conluio dos partidos políticos com as empresas de comunicação
privadas e a Casa Branca. Os venezuelanos, segundo o presidente, não seriam iludidos
pelo “show midiático” que havia sido a retirada gradual dos candidatos oposicionistas.
Para Chávez, devia-se pensar como Bolívar, a quem atribuiu preferir o conselho do
povo ao dos ‘sábios’. O presidente dizia acreditar que a população detinha um grau
máximo de consciência e, por isso, não seria iludida pelos argumentos oposicionistas,
pois não havia meios para suspender o jogo democrático400. O propósito seria incutir no
consciente dos venezuelanos que a oposição era uma ameaça ao Libertador e à maioria
dos venezuelanos, os quais julgava representar. Portanto, o uso do culto a Bolívar, por
meio da ênfase dada pelo presidente ao pensamento do Libertador, mais uma vez atingia
relevância naquela disputa.
Yo agregaría a este pensamiento luminoso del Padre Libertador,
cuando él dice: “…por eso es que siempre he preferido sus opiniones
a las de los sabios”. Diría también: Gracias a esa consciencia del
399. SALAS, Yolanda (Entrevista). Oposição beneficia Chávez, diz escritora. Folha de S. Paulo. São
Paulo, 26 de junho de 2005, p.31, No 27.843.
400. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, para denunciar a la nación el golpe electoral e invitar al pueblo de Venezuela a que ejerza su
derecho al voto en las próximas elecciones parlamentarias. Palacio de Miraflores. Caracas, 3 de
diciembre de 2005, p.669-673.
187
pueblo, gracias a ese espíritu incorruptible del pueblo, a ese pueblo
que nadie puede intimidar, es que hoy tenemos patria. Y por eso es
que yo cada día amo más al pueblo venezolano, admiro más al pueblo
venezolano, a la Nación venezolana401.
Enquanto o presidente utilizava explicitamente o capital político em favor de
seus candidatos, a oposição apostava na abstenção como uma forma de diminuir a
legitimidade do processo e, posteriormente, apelar aos observadores internacionais.
Apesar desse esforço, aquilo que muitos já previam acabou ocorrendo: em 4 de
dezembro de 2005 foi confirmado que as 167 cadeiras do Legislativo passariam a ser
ocupadas pelos partidários do presidente.
Ao contrário do que desejava a oposição, a maioria dos Organismos
Internacionais reconheceram a legitimidade do pleito. A partir daquela data, Chávez
aumentava seu domínio no cenário político venezuelano e, consequentemente, acirrava
ainda mais as tensões políticas, o que não deixou de impressionar alguns observadores.
“O resultado estava anunciado, mas não deixa de ser impressionante: a partir do dia 5 de
janeiro [2006], todos os 167 membros da Assembleia Nacional da Venezuela eleitos
anteontem pertencerão à bancada do presidente Hugo Chávez”402.
A preponderância de Chávez no cenário político era incontestável. Ele gozava de
excelentes índices de popularidade, manejava com destreza o culto a Bolívar, possuía
recursos vindos do petróleo e, a partir de 5 de janeiro de 2006, contaria com uma
Assembleia Nacional unânime. Ou seja, não teria uma bancada majoritária no
Legislativo, teria todo o parlamento a seu favor. Com todo este cenário, o presidente da
República não apenas se tornava um potencial vencedor das eleições presidenciais de
2006 (quando buscaria um terceiro mandato), ele chegaria à corrida praticamente eleito.
Sua habilidade lhe permitia se beneficiar da quase completa desmobilização
oposicionista, por isso reforçava a presença do regime no espaço público por meio de
símbolos. Em janeiro de 2006, alguns dias após o início da nova legislatura unânime,
Chávez submeteu à Assembleia a proposta de fazer 2 alterações substanciais na
bandeira venezuelana, para agregar símbolos considerados bolivarianos. Na primeira
delas, incluiu uma oitava estrela na bandeira do país, somando-a às sete já existentes,
que simbolizavam as províncias que haviam se rebelado contra o domínio espanhol em
meados do século XIX. Para o presidente, esta oitava estrela, representando a província
401. Idem, p.670.
402. MAISONNAVE, Fabiano. Chavistas levam 100% do Parlamento. Folha de S. Paulo. São Paulo, 6
de novembro de 2005, p.14, No 25.006.
188
de Guayana que pouco tempo depois se rebelaria contra a Metrópole, havia sido
sugerida pelo Libertador, mas rechaçada pela oligarquia na época. Chávez alegava estar
corrigindo mais esta ‘injustiça’ cometida contra Bolívar403.
A segunda mudança seria a posição do cavalo presente no brasão da República.
Na visão de Chávez, não havia sentido o animal cavalgar à direita, deveria ser à
esquerda, com o propósito de simbolizar até mesmo na bandeira que sua Revolução era
de esquerda. Na visão dos críticos, tratava-se de meros caprichos de um líder que não
respeitava os limites constitucionais de suas funções, visava falsificar a história para
dominar a mente das pessoas404. Entretanto, ao considerar o culto a Bolívar e o peso que
a figura do prócer sempre teve na política venezuelana, esta alteração na bandeira
poderia ser considerada estratégica ao domínio de Chávez no cenário político do país.
A alta popularidade, as rendas do petróleo e a combinação de carisma com o
culto ao Libertador fizeram com que a Revolução Bolivariana se tornasse um processo
político cada vez mais centralizado na figura de seu líder, insubstituível e com uma
postura messiânica em relação ao papel ocupado por ele próprio em determinado
período histórico. Isso foi se tornando cada vez mais nítido, sobretudo quando a
oposição optou por se ausentar das eleições, perdendo espaço nos âmbitos público e
político. Como consequência, a realização do essencial contraponto se tornou cada vez
mais complicada.
Ao celebrar os 7 anos no poder, Chávez insistiu na tese de que havia um
segundo processo de Independência em andamento. Desta forma, começou a outorgar a
si próprio um papel de ser insubstituível, assim como vinha sendo o Libertador ao longo
da história venezuelana. Chávez insistia na lógica entre os favoráveis a Bolívar (o povo)
e os ‘inimigos’ do Libertador (a oligarquia). Enfatizar que ‘o povo de Bolívar’ havia
sido ‘mil vezes traído’ ao longo da história, servia para reafirmar a tese de que seu
governo havia devolvido à pátria ao povo, ‘vingando-o’ pela perfídia de outrora.
Segundo o presidente, seu governo foi capaz de resgatar a ‘verdadeira’ memória
histórica do Libertador, desvirtuada por seus inimigos.
Nosotros nascimos bolivarianos, nosotros nascimos junto al pueblo
[…] y estamos aquí para cumplir el mandato de Simón Bolívar; para
empuñar nuestra espada cuando tengamos que empuñarla, para
defender las garantías del pueblo, la felicidad de un pueblo, la
403. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Chávez quer símbolos nacionais “bolivarianos”. Folha de S.
Paulo. São Paulo, 21 de janeiro de 2006, No 28.052.
404. Idem.
189
libertad de un pueblo, no para dominarlo, ni para ultrajarlo, ni para
atropellarlo405.
Aliar o discurso bolivariano com o apelo ao popular (por conta das origens
humildes de Chávez e da maioria de seus pares das Forças Armadas) surtia o efeito
esperado pelo presidente: permanecer no poder e ampliar seu domínio no cenário
político. Em um momento em que as eleições presidenciais se aproximavam, tratava-se
de uma combinação extremamente favorável.
Ao proferir o discurso de abertura da campanha eleitoral à presidência em agosto
de 2006, Chávez deixou evidente a seus partidários que aquele pleito significaria mais
do que uma eleição: tratava-se de uma batalha, perene e sem previsão de término. A
visão militarista de Chávez, vislumbrada ao aliar disputas no âmbito político com uma
guerra revolucionária, levava seus partidários a um grau de mobilização que o permitia
personalizar ainda mais aquele processo. Um gigante chamado ‘povo de Bolívar’ havia
despertado e reconduziria Chávez à presidência da República em dezembro. A meta
estipulada seria ultrapassar os 10 milhões de votos, com o propósito de desferir um
nockout nos adversários e no imperialismo norte-americano406.
O presidente defendia a tese de que a Venezuela vivia uma revolução popular e
bolivariana, cuja continuidade dependia de sua permanência no poder. Com base nesse
raciocínio, Chávez começou a difundir que seria essencial à Revolução Bolivariana que
ele ficasse na presidência até 2030, quando completaria 200 anos da morte de Simón
Bolívar. Segundo Chávez, até esta data, os venezuelanos mostrariam ao Libertador que
ele não havia ‘arado no mar’, conforme Bolívar escreveu em suas últimas cartas407.
Chávez pavimentava o caminho para lançar uma proposta de reforma
constitucional com a qual estabeleceria a reeleição sem limites ao cargo de presidente
da República, pois naquele momento a Constituição permitia apenas uma recondução.
Chávez demonstrava vislumbrar o cenário político mais adiante. Ou seja, com a fatura
da eleição presidencial de 2006 praticamente liquidada (o que já caracterizava uma
reeleição e, teoricamente, a última), preparava uma maneira que lhe permitisse se
candidatar à presidência quantas vezes desejasse. Não havia sido a primeira vez que
405. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo del acto de los 7 años de la Revolución Bolivariana. Sala Ríos Reyna, Teatro Teresa
Carreño. Caracas, 2 de febrero de 2006, p.163.
406. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, durante el acto comando nacional de “Campanha Miranda”. Teatro Municipal de Caracas.
Caracas, 17 de agosto de 2006, p.447-453.
407. Idem, p.464-465.
190
levantava a hipótese de alterar a Carta Magna (1999) para permitir a reeleição sem
limites ao cargo de presidente da República. Em setembro de 2004, logo após ser
confirmado na presidência, chegou a difundir esta ideia com o propósito de sentir sua
receptividade. Para a oposição, tratava-se de uma provocação capaz de complicar ainda
mais o ambiente político do país408.
Na visão de críticos do regime como Enrique Krauze, este desejo de se perpetuar
no poder poderia ser somado aos seguintes fatores: culto a personalidade (a própria e a
de Bolívar); apelo à violência e ao popular; manipulação da história; discursos
agressivos; e a lógica amigo-inimigo409.
O cenário político após o boicote eleitoral de 2005, somado a ampla vantagem
durante a eleição presidencial de 2006, fizeram com que esta provocação de Chávez se
tornasse algo viável, pois ele estava realmente disposto a submeter a proposta à
aprovação popular. O fato da oposição ter se anulado eleitoralmente contribuía
significativamente para alimentar as pretensões do dirigente de se perpetuar no poder.
Como resultado desta debilidade, a oposição continuava sem apresentar uma
estratégia consistente para enfrentar Chávez. Na corrida presidencial de 2006, o
governador do estado Zulia (o mais rico do país), Manuel Rosales, era o candidato que
mais agregava entre os setores oposicionistas. Porém, sua candidatura estava longe de
emplacar, pois argumentar no sentido de que havia uma democracia doente e
militarizada na Venezuela era incapaz de diminuir as chances de Chávez ser
reconduzido à presidência da República. Além disso, o governador havia sido uma das
figuras políticas que assinaram o decreto de abolição dos poderes da República em abril
de 2002 no curto período de Pedro Carmona na presidência. Esse episódio se tornou um
forte argumento para Chávez colar no adversário o rótulo de golpista.
Por meio do culto a Bolívar, Chávez visava reforçar a lógica de que continuava a
obra do Libertador. Em discurso proferido na Avenida Bolívar em novembro de 2006, o
presidente insistiu que sua permanência significava a continuidade do processo
responsável por construir a pátria sonhada por Simón Bolívar, pois ainda persistiam
408. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Oposição diz que proposta é uma “provocação”. Folha de S.
Paulo. São Paulo, 16 de setembro de 2004, p.12, No 27.560.
409. KRAUZE, Enrique. O poder e o delírio, p.212-214.
191
empecilhos capazes de travar a consolidação deste ‘sonho’, a exemplo da corrupção, da
ineficiência e da burocratização410.
Através dessa ‘confissão’, Hugo Chávez admitia a persistência de entraves ao
desenvolvimento econômico, a exemplo da dependência das rendas vindas do petróleo.
Com base neste raciocínio, lançou a tese de um socialismo venezuelano, o chamado
Socialismo do Século XXI, não mais embasado na malograda experiência soviética, ou
tampouco no modelo cubano (apesar das próximas relações político-diplomáticas entre
Caracas e Havana), mas ancorada no legado histórico de Simón Bolívar. O Socialismo
do Século XXI seria o culto ao Libertador com uma ‘roupagem’ ou ‘retórica’
‘socialista’, algo extremamente complicado de conciliar sob um ponto de vista histórico
e epistemológico.
Era fato que Chávez contava com o apoio de um espectro considerado amplo de
movimentos pertencentes à esquerda venezuelana, até mesmo daqueles que defendiam
posições consideradas ‘antissistêmicas’411. Além disso, várias agremiações, dentre as
quais o Partido Comunista da Venezuela (PCV), eram conhecidas por terem apresentado
posições legalistas em muitas situações, embora durante um período na década de 1960
o PCV tenha apoiado a guerrilha412. Apesar das visíveis desconfianças devido a origem
militar do presidente e de suas posições consideradas conciliatórias em relação ao
capital, provavelmente estes grupos insistiam em apoiar Chávez por vislumbrarem em
seu governo uma oportunidade de aprofundar as contradições do capitalismo, com as
quais levaria mais rapidamente à uma sociedade diferente (e melhor) daquela possível
pela via capitalista. Mas, a relação de Chávez com os setores da esquerda venezuelana
não havia iniciado durante o processo que levou o ex-tenente-coronel à presidência. Em
entrevista a Ignácio Ramonet, percebe-se que esta aproximação teve início na década de
1980, quando Chávez e seus colaboradores conspiravam no interior das Forças
Armadas, ao articular, por meio de Douglas Bravo, o apoio ao movimento bolivariano
de ex-membros da guerrilha venezuelana413.
Mas, na visão de muitos setores vinculados à esquerda venezuelana e mundial,
não havia nenhuma garantia de que Chávez estivesse disposto a construir uma sociedade
‘socialista’ na Venezuela, com base no argumento da ‘transferência de poder ao povo’.
410. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, con motivo de cierre de campaña a la reelección. Avenida Bolívar. Caracas, 26 de noviembre de
2006, p.663-667.
411. SERBIN, Andrés. Hugo Chávez: liderança e polarização, p.122.
412. DONGHI, Túlio Halperin. História da América Latina, p.334.
413. CHÁVEZ, Hugo. In. RAMONET, Ignacio. Hugo Chávez: mi primera vida, p.413-442.
192
O apoio de setores ligados à esquerda era uma realidade, porém, esse respaldo não
deixava o governo imune as severas críticas feitas por aqueles que adotavam posições
marxistas e rechaçavam a mistura de socialismo com Bolívar e elementos ligados ao
cristianismo. A posição defendida por autores ligados a LIT-CI414 é extremamente
crítica em relação a Chávez, seu governo e, principalmente, as atitudes tomadas pelo
líder bolivariano no exercício do poder, embora reconheça que Chávez goze de simpatia
das massas populares. Segundo Alejandro Iturbe, autor ligado à LIT-CI, Chávez erigiu
um novo regime, mas seus governos nunca foram socialistas.
Sus gobiernos fueron burgueses, es decir, al servicio de mantener y
defender el sistema y el Estado capitalistas en el país. En este sentido,
su movimiento político puede ser definido como “nacionalista
burgués”, similar a los que construyeron el general Perón en la
Argentina, a partir de 1945, y el general Nasser en Egipto, desde
1952415.
Joseph Weil, autor igualmente ligado à LIT-CI, é categórico ao afirmar o caráter
transitório do apoio que a esquerda deve proporcionar a Chávez.
[…] durante esa unidad temporaria de acción entre el movimiento
obrero y el gobierno de Chávez, no se debe olvidar en ningún
momento que ese gobierno es burgués, por lo tanto, enemigo de los
trabajadores, y que no se puede depositar ninguna confianza en él. El
movimiento obrero necesita tener claridad de que esa alianza es
episódica y de cortísimo plazo […]416.
Com uma visão um pouco mais simpática à Revolução comandada por Chávez,
Maringoni (2009) também lança dúvidas no tocante ao tipo de socialismo defendido
pelo venezuelano e qual o caminho a ser adotado para construir uma sociedade com este
modelo.
Chávez e seus apoiadores não vão muito além de enunciados vagos,
como “solidariedade”, “justiça” e “vida digna”. Apesar da
generalidade dos conceitos, há um louvável esforço do presidente em
tornar palpáveis as características de um novo modelo de sociedade,
em vez de enveredar por discussões abstratas417.
Entretanto, Maringoni apresenta uma visão mais ampla da problemática, ao
enfatizar que as indefinições no tocante a construção de um modelo ‘socialista’ também
414. Liga Internacional de los Trabajadores – Cuarta Internacional, sigla em Espanhol. Em linhas
gerais, trata-se de uma organização internacional que agrega partidos comunistas seguidores das ideias de
Leon Trotsky. Foi estabelecida em Paris em 1938.
415. ITURBE, Alejandro. Venezuela después de Chávez, p.25.
416. WEIL, Joseph. ¿Cuál es la estrategia revolucionaria en Venezuela?, p.73.
417. MARINGONI, Gilberto. A Revolução Venezuelana, p.174.
193
constituía uma preocupação de toda a esquerda e daqueles que pretendiam mudar as
sociedades em que estavam inseridos418.
Manuel Caballero, crítico voraz de Chávez, ironizou o modelo ‘socialista’
defendido pelo presidente, a quem considerava incapaz de explicá-lo. Para Caballero,
Chávez se apegaria a qualquer coisa que lhe permitisse seguir no poder. “Si [Chávez]
fuese capaz de explicar en un lenguaje […] inteligible qué diablos quiere decir con esto
[socialismo], juro por todos los dioses que me meto a chavista con boina y todo” 419.
Socialista ou não, o presidente da Venezuela argumentava no sentido de que o
surgimento deste ‘novo modelo’ de Estado e de organização sócio-política (Socialismo
do Século XXI/Bolivariano) aceleraria o processo de transferência do poder ao povo,
ainda que fosse em um cenário político que caminhasse, na prática, para uma
concentração cada vez maior de poder nas mãos do presidente da República.
Apesar de toda a controvérsia causada pelo fato de Chávez ter anunciado a
construção de um ‘socialismo’ venezuelano, havia um cenário político extremamente
vantajoso ao presidente. Sendo assim, ele acabou sendo reconduzido ao cargo em 3 de
dezembro de 2006 com 62,8% dos votos, correspondendo a 7,3 milhões de votos420.
Os 10 milhões ‘pedidos’ pelo líder a seus partidários não vieram, porém,
estavam garantidos mais 6 anos no poder. Ao serem divulgados os primeiros boletins
que indicavam a vitória de Chávez, ele mais uma vez fez uso do culto a Bolívar, como
uma forma de dizer que aquela havia sido mais uma vitória do Libertador. Entretanto, a
partir daquele momento, o presidente começou a outorgar um caráter ainda mais
transcendental aquele suposto triunfo eleitoral. Além de Simón Bolívar, Chávez incluiu
Jesus Cristo (um socialista na visão do presidente) como um dos responsáveis pela
vitória nas urnas obtida naquele dia.
Cuando recuerdo a Cristo y digo: “Padre nuestro que estás en los
cielos y en la Tierra, venga a nosotros tu reino”, y el reino de cristo
es el reino del amor, el reino de la paz, el reino de la justicia, de la
solidaridad, de la hermandad, es decir, el reino del socialismo, ése es
el reino del futuro venezolano […]421.
418. Idem, p.175.
419. CABALLERO, Manuel. La peste militar, p.169.
420. VENEZUELA. Boletín Electoral de la Elección Presidencial de 2006. In. Consejo Nacional
Electoral. República Bolivariana de Venezuela. Disponível em:
http://www.cne.gob.ve/divulgacionPresidencial/resultado_nacional.php (acesso em 9 de março de 2016).
421. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez
Frías, luego de conocido el primer boletín del Consejo Nacional Electoral con resultados de las
elecciones presidenciales. Balcón del Pueblo, Palacio de Miraflores. Caracas, 3 de diciembre de 2006,
p.685-686.
194
Representar Jesus Cristo como um socialista foi visto com imenso desagrado
pelo alto-clero da Igreja Católica da Venezuela422. Durante o pontificado de João Paulo
II (1978-2005), a Cúria Romana havia adotado posições extremamente críticas em
relação aos regimes socialistas do leste europeu. Em alguns casos, a exemplo da Polônia
(terra natal do Papa), a Igreja desempenhou um papel de protagonista na derrubada do
regime e, sobretudo, no abandono do modelo de economia planificada com partido
único. Com Chávez, um líder latino-americano, o tratamento não seria diferente.
A crítica a este tipo de representação do Cristo, feita pelo alto-clero da Igreja
Católica venezuelana, provocou duras reações do presidente. Para Chávez, a Igreja
deveria respeitar o Estado e acusou vários bispos venezuelanos de carregarem o diabo
embaixo de suas batinas. Entretanto, Chávez justificava esta rispidez para com os bispos
com base no apoio dado pela Igreja ao golpe de Estado que o destituiu temporariamente
da presidência em abril de 2002. O cardeal Ignacio Velasco, na época maior autoridade
eclesiástica do país, respaldou os golpistas e compareceu à cerimônia de posse de
Carmona.
Apesar das reações, a combinação entre Cristo e Bolívar tornava Chávez uma
figura messiânica, dotado de uma missão ‘divina’ na visão de muitos de seus
partidários. Por meio de toda esta carga simbólico-messiânica, Chávez já preparava uma
forma de se manter no poder por mais tempo do que permitiam as regras constitucionais
daquele momento. A vitória nas eleições de 2006, a unanimidade na Assembleia
Nacional e a popularidade do presidente indicavam que a Venezuela passaria por mais
uma consulta popular em breve. Naquele momento, tinha-se a sensação de que o
presidente era eleitoralmente imbatível e qualquer proposta lançada por ele seria
aprovada pela maioria dos eleitores. Entretanto, os desdobramentos posteriores
demonstravam que esta não poderia ser uma certeza.
Ignorando as críticas, Chávez parecia determinado a colocar o termo socialismo
na retórica do regime. Ao ser juramentado presidente da República em janeiro de 2007,
incluiu a frase “pátria, socialismo ou morte” no final do juramento diante de uma plateia
atônita. Nessa mesma ocasião, reforçou que o pensamento de Simón Bolívar era
422. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Referências vão da Bíblia a Marx e Gramsci. Folha de S. Paulo.
São Paulo, 11 de janeiro de 2007, p.8, No 28.407.
195
socialista e o Libertador estaria sentado em um trono, pois ele era uma majestade da
justiça e da igualdade423.
Bolívar, o socialismo com Cristo, a busca por justiça e igualdade e até mesmo as
estatizações no setor energético, anunciadas durante a posse, eram apenas instrumentos
com os quais o presidente da Venezuela desejava atingir sua principal meta neste início
de terceiro mandado: reformar a Constituição de 1999 para possibilitar a instituição da
reeleição sem limites ao cargo de presidente da República. Chávez não escondia o
desejo de se manter no poder e as condições políticas favoráveis faziam com que
enxergasse viabilidade nesta ideia. “Ao receber a faixa presidencial, Chávez disse que
gostaria de recebê-la mais uma vez, em 2013, para um quarto mandato [...]”424.
Para atingir este objetivo, Chávez não perdeu tempo. Poucos dias após tomar
posse, criou um conselho presidencial incumbido de elaborar um projeto de Reforma
Constitucional. Em sua visão, a necessidade de reformar a Carta Magna elaborada em
1999 seria feita com base no defendido por Simón Bolívar no tocante a Constituição da
Bolívia de 1826. Segundo o Libertador, a Carta Magna de um país deve sofrer
alterações ao longo dos anos para se adequar às exigências do momento histórico. Com
base neste argumento, Chávez elencava a possibilidade da existência de ‘fissuras’ na
Constituição que o impediriam de acelerar o processo de construção do socialismo
democrático e bolivariano na Venezuela425.
Era perceptível que Chávez estava rodeado por um séquito com visão pouco
crítica da Revolução Bolivariana, estava cada vez mais suscetível aos elogios e
inflexível com as críticas. No entanto, isso não permitia ao presidente ignorar que havia
considerável resistência a seu projeto de Reforma Constitucional. Mas, o que
incomodava Chávez era que as críticas as alterações na Constituição não vinham
somente dos oposicionistas. Alguns partidos pertencentes à coalizão que respaldava
politicamente a Revolução Bolivariana não se mostravam simpáticos ao projeto,
423. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto de
juramentación como Presidente de la República Bolivariana de Venezuela para el período 2007-2013.
Palacio Federal Legislativo. Caracas, 10 de Enero de 2007. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2705-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-
durante-acto-de-juramentacion-como-presidente-de-la-republica-bolivariana-de-venezuela-para-el-
periodo-2007-2013 (acesso em 26 de fevereiro de 2016).
424. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Chávez promete “socialismo ou morte”. Folha de S. Paulo. São
Paulo, 11 de janeiro de 2007, p.8, No 28.407.
425. CHÁVEZ, Hugo. Juramentación del Consejo Presidencial para la Reforma Constitucional y del
Consejo Presidencial del Poder Comunal. Salas Ríos Reyna, Teatro Teresa Carreño. Caracas, 17 de
Enero de 2007. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2688-juramentacion-del-consejo-presidencial-para-la-reforma-
constitucional-y-del-consejo-presidencial-del-poder-comunal (acesso em 26 de fevereiro de 2016).
196
sobretudo em dois pontos: a ideia de que a Venezuela caminharia ao socialismo com a
aprovação da Reforma; e a permissão à reeleição sem limites apenas ao cargo de
presidente da República.
Sem fugir de seu conhecido estilo de condução político-presidencial, Chávez
decidiu enfrentar as resistências no interior de sua base ao adotar uma estratégia
considerada arriscada devido a possibilidade de provocar dissidências, justamente em
um regime cujo líder constantemente apelava à unidade bolivariana para vencer os
desafios: resolveu fundar um partido político, por meio do qual buscaria controlar sua
base de apoio, ao impor uma disciplina partidária e, consequentemente, evitar que
qualquer descontentamento pudesse inviabilizar suas diretrizes.
Em 24 de março de 2007, ou seja, dois meses após instituir o Conselho
Presidencial de Reforma Constitucional e se incomodar com as resistências, Chávez
mobilizou seus partidários e fundou o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).
Em palestra no ato de fundação da legenda, intitulada “Acerca da grandíssima
importância de um partido”, chamou de fisiológica a postura de algumas lideranças
partidárias que enxergavam o partido como um fim e não como um meio através do
qual se desenrolaria a luta revolucionária. Tratava-se de uma crítica aos líderes das
legendas que resistiam a aderir ao PSUV. Chávez os desafiou a dar uma demonstração
de desprendimento em favor da Revolução Bolivariana, considerada mais importante do
que qualquer projeto pessoal426.
As críticas de Chávez eram dirigidas a três partidos que formavam o Movimento
Quinta República (MVaR)427 que se mostravam resistentes à ideia de aderir ao partido
único: o Partido Comunista da Venezuela (PCV), o Partido Pátria para Todos (PPT) e a
coalizão partidária PODEMOS (Por la Democracia Social). Embora todas estas
legendas tenham mantido o ‘apoio incondicional’ ao governo, o presidente não ficou
satisfeito. Desejava a dissolução de todas para ingresso no PSUV, a partir daquela data,
único partido do governo e da Revolução Bolivariana. Chávez acusou os líderes dos
partidos resistentes de traidores e os ameaçou com a revogação de mandatos. O líder do
PODEMOS, Ismael García, chegou a denunciar ameaças vindas de membros do
426. CHÁVEZ, Hugo. Acerca de la grandísima importancia de un partido. Venezuela, 24 de marzo de
2007. In. Revista DEP – Diplomacia, Estrategia y Política (no 6 abril/junio de 2007). Brasilia: Proyecto
Raúl Prebisch, p.205-233.
427. Coalizão agregada ao redor de Chávez durante a campanha presidencial de 1998.
197
governo, sem contar com a acusação de ser contrarrevolucionário428. O presidente
pressionava os partidos dissidentes por meio da estratégia de provocar cisões em seus
quadros, cooptava suas lideranças com mandato eletivo, ou os instava a contrariar as
orientações das direções nacionais destas legendas. Essa tática surtiu rápido efeito, pois
em poucas semanas de ofensiva governamental, o PODEMOS teve que conviver com a
saída de governadores, prefeitos e deputados de seus quadros429.
Com a fundação do PSUV, Chávez objetivava aglutinar de uma forma mais
disciplinada as forças políticas que o apoiavam. Sendo assim, poderia fortalecer sua
proposta de Reforma Constitucional, bem como dissipar as resistências ao projeto
dentro de sua base de apoio. Como parte desta estratégia, atacou o que considerava uma
visão reformista do processo bolivariano. Chávez deixou evidente que o reformismo era
uma atitude contrarrevolucionária, pois seu projeto de Reforma Constitucional seria
uma revolução dentro da Revolução Bolivariana. O presidente da República justificou
toda a coação exercida sobre os descontentes como o argumento de que um partido
centralizado seria capaz de melhor detectar os desvios de seus membros.
Chávez tentava convencer seus partidários com o argumento de que o PSUV
aproximaria ainda mais o governo do povo e poderia, de uma forma mais célere,
compartilhar as decisões tomadas no âmbito da Revolução. Para tanto, apelou a Bolívar
ao dizer que a fundação do PSUV aprofundaria a unidade entre os revolucionários,
destacada pelo Libertador como essencial em tempos de luta revolucionária. Por
intermédio do culto ao prócer, Chávez instava a militância a convencer aqueles que
ainda estavam reticentes a aderirem ao seu partido.
[…] tiene que ser ustedes pregoneros de estas ideas, convencer a los
que puedan estar confundidos acerca de la necesidad de este proyecto
unitario, y este pensamiento de Bolívar es muy bueno para aquellos
que tengan dudas, que se guíen y lo utilicen como brújula […]430.
No entanto, na prática, o partido fundado por Chávez serviria para atender aos
interesses do próprio presidente e da Reforma que tentava viabilizar. “[...] o PSUV foi
428. MAISONNAVE, Fabiano. Chavista denuncia ameaças por resistir a partido único. Folha de S.
Paulo. São Paulo, 17 de março de 2007, p.17, No 28.472.
429. Idem. Pressão de Chávez implode partido aliado. Folha de S. Paulo. São Paulo, 22 de março de
2007, p.18, No 28.477.
430. CHÁVEZ, Hugo. Acerca de la grandísima importancia de un partido. Venezuela, 24 de marzo de
2007. In: Revista DEP – Diplomacia, Estrategia y Política (no 6 abril/junio de 2007). Brasilia: Proyecto
Raúl Prebisch, p.205-233.
198
montado sob o comando dos auxiliares mais próximos do presidente, de cima para
baixo, e valendo-se de apoiadores governistas bem localizados na máquina pública” 431.
Contudo, surgiu uma voz discordante com a Reforma Constitucional no próprio
ministério de Chávez. O general Raúl Isaías Baduel, ministro da defesa, criticou
duramente a alteração da Carta Magna. Baduel era uma figura próxima. Chávez era
padrinho de uma de suas filhas e a relação entre ambos se reportava desde a Academia
Militar. Em 1982, Baduel havia sido um dos fundadores (ao lado de Chávez) do MBR-
200. Embora as fontes não apontem sua participação na insurreição de 1992, o general
desempenhou a função de secretário particular do presidente recém-eleito em 1999.
Durante o golpe de 2002, a ofensiva contra os golpistas, liderada pelo batalhão de
paraquedistas de Maracay, comandado pelo general Baduel, foi determinante ao retorno
de Chávez à presidência.
Baduel defendia uma reforma na Carta Magna, mas não nos termos que estava
propondo Chávez. Para o general, em 1999 a população venezuelana havia dado um
“cheque em branco” ao presidente, ao lhe delegar excessivo poder. Em sua visão, isso
deveria ser corrigido. Por isso, se posicionou contra a Reforma Constitucional por
considera-la um “golpe de Estado”, pois outorgaria poderes absolutos e presidência
vitalícia a Chávez432. Em entrevista, Baduel insistiu na tese do golpe de Estado em razão
do projeto de Reforma não se restringir a revisar algumas normas, mas a transformar o
Estado, pois mudaria 20% da Constituição e não seria realizada através de uma
Assembleia Constituinte433. De acordo com o general, outro motivo que o levou a se
afastar de Chávez foi o fato do presidente incluir o termo socialismo na retórica do
regime e forçar os militares a gritar “pátria, socialismo ou morte”434.
O rechaço de Baduel provocou imensa irritação em Chávez. A reação não
demorou e foi dura. Além da demissão do ministério em julho de 2007, passou a ser
alvo da hostilidade do regime e de seus partidários, ao considera-lo um traidor. O clima
de vingança tornou-se visível quando foram publicadas diversas fotos de Baduel nu ao
escovar os dentes, em poses eróticas e até mesmo deitado em uma cama com um
cobertor rosa ao lado de uma boneca inflável. As fotos haviam sido supostamente
431. MARINGONI, Gilberto. A Revolução Venezuelana, p.35.
432. KRAUZE, Enrique. O poder e o delírio, p.137-138.
433. BADUEL, Raul Isaías (Entrevista). Reforma de Hugo Chávez é “fraude constituinte”. Folha de S.
Paulo. São Paulo, 19 de novembro de 2007, p.20, No 28.719.
434. CARROL, Rory. Comandante: a Venezuela de Hugo Chávez, p. 150-151.
199
tiradas por uma das amantes do general. Em novembro de 2007, poucos dias antes do
Referendo, Baduel conclamou os venezuelanos a votarem contra o projeto de Chávez435.
Se não bastassem as resistências dentro da coalizão que sustentava Chávez e o
rechaço de uma pessoa próxima, a oposição se viu empolgada a reiniciar a luta contra o
presidente quando o governo anunciou o fim da concessão do canal de televisão RCTV
(Radio Caracas Televisão), uma das mais antigas da Venezuela. A relação do governo
Chávez com os grandes canais de TVs privados era marcada pela mútua hostilidade
“[...] no sentido da impressão de uma perseguição recíproca, em que Chávez se sentia
perseguido por essas emissoras, bem como essas emissoras se sentiam perseguidas por
Chávez”436.
Nos primeiros anos de governo, os proprietários das TVs até ensaiaram uma
aproximação. Mas, o distanciamento foi sentido quando empresários venezuelanos
iniciaram um confronto aberto contra Chávez devido ao processo de estatização do setor
petrolífero, realizado por decreto em novembro de 2001. Porém, a hostilidade de
Chávez em relação às TVs privadas se tornou mais explícita em razão do apoio
oferecido pelos proprietários destas emissoras aos golpistas em abril de 2002. O suporte
das empresas de comunicação foi determinante ao efêmero êxito da empreitada, tanto
que muitos denominam aquele episódio de golpe midiático-militar437.
Conforme destacado anteriormente, entre dezembro de 2002 e fevereiro de 2003
a Venezuela conviveu com a greve dos diretores da PDVSA, que exigiam a renúncia de
Chávez. Os grevistas também foram apoiados pelos proprietários dos canais de TVs
privados, dentre os quais a RCTV. A ofensiva de Chávez durou alguns anos, porém,
quando chegou o momento de renovar a concessão do canal, ela foi negada e em maio
de 2007 a emissora foi proibida de operar na TV aberta venezuelana438. Seu prédio foi
ocupado por militares e ela ficou restrita ao espaço dos canais fechados (pagos). Em seu
lugar, o governo instituiu uma emissora estatal, a Tves (Televisora Venezolana Social).
435. Ao que tudo indica, Chávez culpou Baduel pela derrota no Referendo de 2007. Em novembro de
2008, a justiça venezuelana o acusou de corrupção por supostamente desviar US$ 14 milhões do
orçamento militar. Em 2009, ele foi condenado a 8 anos de reclusão a serem cumpridos em Ramo Verde,
prisão militar próxima a Caracas (CARROL, Rory. Comandante: a Venezuela de Hugo Chávez, p.154).
Em agosto de 2015, mais de 2 anos após a morte de Chávez, Baduel foi colocado em liberdade
condicional.
436. NOGUEIRA, Silvia Garcia & RIBEIRO, Alana Maria. A Telesur e a construção simbólica da
integração latino-americana durante e depois da era Chávez, p.126.
437. ROVAI, Renato. Midiático poder: o caso Venezuela e a guerrilha informativa, p.17-79.
438. KRAUZE, Enrique. O poder e o delírio, p.88.
200
Chávez se ancorava na tese de que o espaço radioelétrico venezuelano pertencia
ao Estado e deveria ser utilizado para seu interesse, não a serviço de grupos ou
corporações privadas. Três anos após o fechamento do canal, o presidente concedeu
entrevista a um jornalista brasileiro e, ao ser questionado se teria renovado a concessão
caso se tratasse de uma emissora favorável ao regime, Chávez se restringiu a responder
firmemente a quem pertencia o espaço radioelétrico venezuelano.
Era una televisora que tenía no menos de 20 procedimientos de
investigaciones, violación de las leyes y seguía se negando a cumplir
las leyes. Y luego seguirán violando las leyes abiertamente. […] en el
marco de la constitución de las leyes no se renovó la concesión.
Bueno, es la libertad del Estado, el derecho del Estado439.
Entretanto, a retirada da permissão da RCTV operar no espaço radioelétrico
venezuelano foi vista pela oposição como uma atitude ditatorial de Chávez, pensamento
compartilhado por vários meios de comunicações ao redor do mundo. Por se tratar de
uma emissora com posições críticas ao regime, não havia como o governo esconder que
se tratava de uma retaliação. Não renovar a concessão do canal privado influenciou nas
críticas ao projeto de Reforma Constitucional que estava sendo elaborado pelo poder
Executivo e seria enviado à Assembleia Nacional em agosto de 2007.
O presidente utilizou a imprensa para dizer que o socialismo pela via
venezuelana não excluiria a propriedade privada e respeitaria as demais liberdades
individuais440, dentre as quais a de pensamento e divergência de opinião. Mas foi
inevitável que seus adversários utilizassem a retórica socialista do regime, a formação
de um partido único do governo (PSUV) e o controle dos meios de comunicação, para
afirmar que a Venezuela caminhava a passos largos rumo à ditadura totalitária. Ou seja,
a mobilização contra a Reforma Constitucional crescia mais rápido do que o governo
havia previsto.
As dissidências na base de apoio e a mobilização da oposição devido ao
cancelamento da concessão da RCTV, se somaram ao esforço de estudantes
universitários que iniciaram uma onda de protestos contra Chávez. Um dos motivos
pelo qual eles se mobilizavam contra o governo seria o fato do projeto de Reforma
Constitucional prever o controle do Estado no orçamento e na política pedagógica das
439. CHÁVEZ, Hugo. Entrevista do Excelentíssimo Senhor Presidente da República Bolivariana da
Venezuela, Hugo Rafael Chávez Frías, ao Jornalista Kennedy Alencar. Programa É Notícia, Rede TV.
Embaixada da Venezuela no Brasil. Brasília, 3 de maio de 2010. Transcrição do autor, p.12-13.
440. CHÁVEZ, Hugo. En las fronteras de un tiempo. Caracas, 4 de marzo de 2007. In: RANGEL, José
Vicente. De Yare a Miraflores, p.243-268.
201
universidades venezuelanas. Porém, o estilo de Chávez ao encarar situações de
contestação de sua liderança não havia mudado, pois não ficou inerte diante do
crescente descontentamento na sociedade venezuelana.
Visando dirimir as resistências, o presidente apelava ao Libertador com seu
discurso da unidade em torno da pátria. Em marcha realizada na Avenida Bolívar em
junho de 2007, criticou os estudantes universitários que protestavam contra sua proposta
de Reforma Constitucional e rechaçavam o fechamento do canal RCTV. O presidente
considerou o ‘cúmulo dos cúmulos’ estudantes universitários, ou qualquer outro jovem
venezuelano, se posicionar contra seu governo, pois tratava-se de uma postura favorável
aos interesses do imperialismo que vinha ‘atropelando’ a pátria de Simón Bolívar há
muito tempo. Em sua visão, os jovens deveriam ser ‘revolucionários’, portanto, não
havia outra atitude aceitável senão respaldar a Revolução Bolivariana. Por fim, recorreu
ao Libertador para conclamar a unidade entre os partidos políticos, o povo, a classe
operária, os campesinos e as Forças Armadas na consolidação da República441 e,
principalmente, na aprovação da Reforma Constitucional.
Ainda que lidasse com resistências vindas de várias frentes, em agosto de 2007
Chávez entregou à Assembleia Nacional o projeto elaborado pelo Conselho Presidencial
para a Reforma Constitucional. Assim como havia ocorrido durante o processo de
discussão da Constituição em 1999, o presidente da República tinha pressa, ofereceu
pouco tempo às discussões, apesar de se tratar de um tema extremamente complexo.
Como o Referendo ocorreria em dezembro do mesmo ano, a Assembleia
Nacional teria menos de 4 meses para finalizar as discussões. Embora Chávez refutasse
as críticas, o debate acerca de alterações em Artigos importantes da Constituição havia
sido fechado e realizado sem o aprofundamento que a complexidade do tema exigia.
Outro ponto a enfatizar seria que, apesar da Assembleia Nacional ter sido eleita em
2005 somente com partidários do presidente, as discussões no tocante ao PSUV fizeram
com que essa unanimidade se tornasse uma amplíssima maioria.
Em discurso proferido aos legisladores, Chávez recorreu a Bolívar. Ao relembrar
o 202o (ducentésimo segundo) aniversário do famoso Juramento do Monte Sacro
(1805), o presidente buscou convencer os deputados da necessidade de aprovação
441. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del Comandante Presidente de la República Bolivariana de Venezuela,
Hugo Chávez con motivo de la concentración Bolivariana Antiimperialista. Avenida Bolívar. Caracas, 2
de junio de 2007. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2424-discurso-del-comandante-presidente-de-la-republica-
bolivariana-de-venezuela-hugo-chavez-con-motivo-de-la-concentracion-bolivariana-antiimperialista
(acesso em 26 de fevereiro de 2016).
202
daquelas alterações na Carta Magna, segundo o qual combinavam perfeitamente com os
princípios considerados socialistas e bolivarianos. Como uma forma de outorgar
extrema necessidade ao projeto de Reforma, Chávez destacou que seu governo já tinha
feito bastante para ‘romper as cadeias’ do povo venezuelano. Porém, havia muito a ser
feito e justificou a reforma com o argumento de que ela aceleraria este processo.
[…] el proceso debe continuar rompiendo las cadenas, transformando
la sociedad civil oligárquica, alienada, en una nueva sociedad, una
nueva sociedad; con un nuevo Estado como correlato, porque debe
ser la sociedad civil nueva, o la sociedad nueva, la base fundamental
de la sociedad política nueva442.
Eram notáveis as pressões vindas da presidência para que a Assembleia Nacional
concluísse a discussão e a votação da proposta de Reforma Constitucional o mais rápido
possível. Mesmo assim, houve tempo hábil para o Legislativo venezuelano ampliar o
número de Artigos a serem incluídos na Reforma Constitucional e submetido à
aprovação dos eleitores venezuelanos em 2 de dezembro de 2007. Os legisladores
estabeleceram que a Reforma seria submetida em dois pacotes, o A e o B, e eles teriam
que decidir se aprovavam (SIM) ou recusavam as alterações (NÃO).
No pacote A, decidir-se-ia sobre a alteração de 46 Artigos constitucionais, sendo
que seriam três as alterações mais polêmicas: a que esticava o mandato presidencial de 6
para 7 anos, com permissão à reeleição sem limites; a que retirava a autonomia do
Banco Central; e a que permitia ao presidente da República modificar a divisão político-
administrativa do país, ao criar ‘cidades federais’, ou dissolver estados. No pacote B,
seriam alterados 23 artigos da Constituição, dentre os mais controversos seriam: o que
criminalizava a homofobia; diminuía a autonomia orçamentária e pedagógica das
Universidades; e permitia a deputados acumular outros cargos públicos de nomeação
(ministros de Estado, por exemplo) durante o exercício do mandato443.
Esforçando-se para dissipar as resistências no tocante à Reforma, o presidente
optou pela estratégia de radicalizar ainda mais o discurso e apelar em favor da proposta.
Essa atitude tornou-se notória em comício realizado em novembro de 2007 em um
estádio localizado no estado natal de Chávez (Barinas), quando foi enfático ao afirmar:
os que votavam a favor das alterações constitucionais estavam votando por Chávez e os
442. CHÁVEZ, Hugo. Presentación del Proyecto de Reforma Constitucional ante la Asamblea Nacional,
por parte del Comandante Presidente Hugo Chávez. Palacio Federal Legislativo. Caracas, 15 de agosto
de 2007. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2263-
presentacion-del-proyecto-de-reforma-constitucional-ante-la-asamblea-nacional-por-parte-del-
comandante-presidente-hugo-chavez (acesso em 26 de fevereiro de 2016).
443. VENEZUELA. Constitución de la República Bolivariana de Venezuela (1999).
203
contrários estavam votando contra Chávez444. O cenário político de forte apelação e
radicalismo estava montado. Dois dias depois em Maracaibo, o presidente apelou ainda
mais ao afirmar: ao votar no SIM estava votando por Simón Bolívar, no NÃO estava
contra o Libertador, contra Chávez e contra a pátria. Na visão do presidente, aqueles
que criticavam a Reforma se posicionavam automaticamente contra o projeto de nação
que tinha como principal propósito acabar com a pobreza na Venezuela. Chávez
aproveitou a ocasião para reforçar a ideia de que, se o povo desejasse, ele ficaria até
2020 na presidência da República, ou por mais tempo se essa fosse a expressão da
vontade popular445.
Por meio dessas palavras, deixava nítido que o principal objetivo daquele
Referendo seria instituir a reeleição sem limites ao cargo de presidente da República.
Conforme o dia do Referendo se aproximava, fazia discursos cada vez mais eloquentes
e apelativos, com o propósito de mobilizar seus partidários, assim como fez na
simbólica Avenida Bolívar.
El domingo vamos todos a votar por el SÍ, a aprobar la Reforma
Constitucional, a abrir las puertas de la patria grande y futura, a
abrir las puertas del camino hacia el socialismo bolivariano, aquel
triunfo histórico del sueño de Bolívar, aquí nos tendrán dispuestos a
defender nuestro triunfo; el pueblo venezolano ya lo ha demostrado,
el pueblo venezolano lo seguirá demostrando446.
A forma apelativa como Chávez conduzia a campanha em favor da Reforma
Constitucional era explicada pela grande quantidade de sondagens eleitorais que
apontavam a provável derrota do governo. Mas, as incertezas do cenário político do país
tornavam qualquer pesquisa de intenções de voto pouco confiáveis. Enquanto o governo
afirmava dispor de ampla vantagem, a oposição considerava que a proposta seria
rejeitada pela maioria dos eleitores. Entretanto, quando se abriu as urnas, a polarização
444. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del Comandante Presidente Hugo Chávez en concentración por el Sí.
Estadio “Agustín Tovar”. Las Carolinas, Estado Barinas, 23 de noviembre de 2007. In. Discursos y
Alocuciones. Disponível: http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2079-discurso-del-comandante-
presidente-hugo-chavez-en-concentracion-por-el-si (acesso em 26 de fevereiro de 2016).
445. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez en la concentración y
apoyo a la Reforma Constitucional. Estadio Pachencho Romero. Maracaibo, 25 de noviembre de 2007.
In. Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2077-
intervencion-del-comandante-presidene-hugo-chavez-en-la-concentracion-y-apoyo-a-la-reforma-
constitucional-estadio-pachencho-romero-maracaibo (acesso em 26 de fevereiro de 2016).
446. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del Comandante Presidente Hugo Chávez en el cierre de campaña en
apoyo al Sí-Sí de la Reforma Constitucional. Avenida Bolívar. Caracas, 30 de noviembre de 2007. In.
Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2053-discurso-del-
comandante-presidente-hugo-chavez-en-el-cierre-de-campana-en-apoyo-al-si-si-de-la-reforma-
constitucional (acesso em 26 de fevereiro de 2016).
204
não era apenas uma dedução teórica. A Venezuela estava dividida e qualquer vitória,
seja em favor de um lado ou de outro, seria por margem diminuta de votos.
Em 2 de dezembro de 2007, os 2 pacotes com alterações na Constituição foram
recusados. O pacote A foi rejeitado por 50,7% dos votos e o B por 51% dos votos447.
Pela primeira vez Chávez perdia uma disputa no âmbito eleitoral, justamente 1
ano após ter sido reeleito presidente da República com ampla vantagem, contar com
uma Assembleia Nacional extremamente favorável e uma oposição até então
desmotivada e na defensiva. Mas, as causas que levaram o governo a ser derrotado
poderiam ir desde a má estruturação das reformas (pacotes A e B) até o desgaste da
fundação do PSUV, a dissidência de Baduel, os protestos estudantis e o cancelamento
da RCTV. Mas, algo não poderia ser ignorado: Chávez havia recebido 7,1 milhões de
votos em dezembro de 2006 e, 1 ano mais tarde, somente 4,3 milhões apoiaram a
Reforma.
O que levou mais de um milhão de chavistas a ficarem em casa
naquele domingo, 2 de dezembro? Porque não se animaram a apoiar
as 34 propostas de emendas editadas pela presidência da República,
mais as 35 adicionadas por sua base de apoio na Assembleia
Nacional? 448
Os questionamentos feitos acima pelo autor são pertinentes, mas as fontes
analisadas indicaram que Chávez se desgastou politicamente ao longo de 2007 devido a
atitudes tomadas pelo governo e apontadas acima, responsáveis por viabilizar, senão
uma vitória da oposição, o desestímulo de parte de seus partidários em apoiá-lo.
O presidente da Venezuela reagiu com desgosto à derrota. Em discurso
visivelmente consternado, recomendou a seus adversários que soubessem administrar a
vitória. Chávez estava contrariado, não queria ter perdido, pois já havia se acostumado
com a fama de ‘imbatível’ conquistada ao longo dos anos de vida pública. Ainda mais
se tratando de uma figura política que havia enfrentado diversas dificuldades para se
manter no cargo. Chávez considerou o resultado do Referendo uma ‘victoria de mierda’
dos setores oposicionistas, pífia, disse preferir a derrota do que uma vitória por números
tão risíveis. O presidente afirmou que este tropeço eleitoral não abalaria a Revolução
Bolivariana e insistiu em seu projeto de implantar o socialismo na Venezuela, ao apelar
para o argumento da igualdade entre as pessoas.
447. VENEZUELA. Resultado del Referendo de la Reforma Constitucional de diciembre de 2007. In.
Consejo Nacional Electoral (CNE). República Bolivariana de Venezuela. Disponível em:
http://www.cne.gob.ve/divulgacion_referendo_reforma/ (acesso em 24 de março de 2016).
448. MARINGONI, Gilberto. A Revolução Venezuelana, p.29.
205
La igualdad social que debe ser, el decir de Bolívar lo digo yo hoy,
bueno, el principio fundamental de nuestro sistema, la igualdad. A
usted trabajadores por cuenta propia ya buscaremos la manera de
irlos incluyendo, seguramente más lento, seguramente con más
dificultades, pero ya buscaremos la manera de que ustedes tengan su
sistema de seguridad social que es una de las propuestas
extraordinarias de la Reforma Constitucional449.
O presidente criticava indiretamente aquela parcela do eleitorado que não havia
ido votar, mas influenciou na derrota do governo. Por isso, afirmou que as conquistas
aos trabalhadores viriam de uma forma mais lenta em razão da não aprovação da
Reforma Constitucional.
Na realidade, não há como negar que o governo lidava mal com a derrota no
Referendo. Porém, a principal meta daquele pleito, ou seja, obter a possibilidade de
reeleição sem limites ao cargo de presidente da República, não havia sido abandonada
por Chávez. Era perceptível em 2007 que obter uma possibilidade de concorrer
novamente à presidência seria uma das principais alterações a fazer na Constituição. No
próximo item, é possível perceber que Chávez estava obstinado a abolir da Carta Magna
qualquer instrumento que limitasse a reeleição sem limites ao cargo de presidente da
República, pois não cometeria os mesmos equívocos do projeto submetido à votação em
2007.
4.3 – A reeleição sem limites: um referendo para manter o ‘segundo Libertador’
na presidência da República
A Revolução Bolivariana se transformava cada vez mais em um processo
político centralizado na figura do presidente Chávez e, sobretudo, dependente de sua
continuidade no poder. Desde a ascensão à presidência em 1999, o ex-militar vinha
conduzindo o processo de uma forma centralizadora e justificava esta postura no clima
de elevada tensão existente entre o governo e a oposição, que desencadeou
desdobramentos como o golpe de Estado de 2002, a greve dos diretores da PDVSA em
2003 e o boicote às eleições legislativas de 2005.
É marcante na história venezuelana a presença de instituições centralizadoras e
autoritárias, comandadas por líderes personalistas e ‘insubstituíveis’, a exemplo de
449. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez (cadena nacional). Salón
Ayacucho, Palacio de Miraflores. Caracas, 3 de diciembre de 2007. In. Discursos y Alocuciones.
Disponível em: http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2151-intervencion-del-comandante-
presidente-hugo-chavez-cadena-nacional (acesso em 26 de fevereiro de 2016).
206
Simón Bolívar, José Páez, Gregório e Toledo Monagas, Guzmán Blanco, Juan Vicente
Gómez, entre outros. Como resultado, a viabilidade da Revolução Bolivariana e das
conquistas obtidas a partir dela estariam asseguradas somente com a continuação de
Chávez no poder. Com base neste raciocínio, o impedimento constitucional à sua
candidatura para outro mandato deveria ser derrubado, pois colocava-o diante de um
impasse, solucionável apenas com a aprovação de uma Emenda Constitucional, com o
propósito específico de permitir a reeleição sem limites ao cargo de presidente.
Conforme já foi destacado, no Referendo para a Reforma Constitucional de
dezembro de 2007 uma das principais alterações seria possibilitar a reeleição sem
limites ao cargo de presidente da República, além de estender o mandato presidencial de
6 para 7 anos. Contudo, a proposta foi rechaçada por uma margem diminuta de votos.
Naquele momento, de acordo com o estabelecido na Constituição da Venezuela, Chávez
estava em seu segundo mandato, não podendo disputar um terceiro. Sendo assim, em 2
de fevereiro de 2013 teria que deixar a presidência da República.
Ao que tudo indica, Chávez tinha a consciência de que a derrota no Referendo
de 2007 o colocaria em uma situação que o obrigaria a recorrer a outros mecanismos
para impedir sua saída da presidência em 2013, ou mesmo postergar a delicada
discussão dentro de sua base no tocante a um provável sucessor. Esta situação parecia
perceptível a Chávez logo após a derrota no Referendo de 2007. Ele aceitou
publicamente o revés por não haver outra atitude a ser tomada naquele momento, mas
fez questão de enfatizar que ‘por enquanto’ não havia conseguido aprovar as alterações
sugeridas. Em sua visão, o país caminharia inevitavelmente rumo ao Socialismo do
Século XXI. O presidente foi firme ao dizer que não alteraria nenhuma vírgula da
proposta submetida a Referendo e rejeitada por uma pequena margem de votos450.
Apesar de derrotado no Referendo de 2007, a força política e eleitoral do
presidente não poderia ser subestimada, principalmente por se tratar de um líder capaz
de utilizar eficazmente o culto a Bolívar a seu favor, o que na Venezuela caracteriza
uma considerável vantagem política. Com base neste ponto, sempre quando ocorria algo
desfavorável ao regime, evocava o histórico herói da Independência com o propósito de
desviar o foco da derrota, ou mesmo reforçar sua presença por meio da tese de que
continuava a obra do Libertador. Poucos dias após ser derrotado, Chávez reapareceu em
público colocando flores no túmulo de Bolívar em data e local estratégicos: era 17 de
450. MAISONNAVE, Fabiano. Chávez aceita derrota, mas não desiste. Folha de S. Paulo. São Paulo, 4
de dezembro de 2007, p.13, No 28.734.
207
dezembro e o presidente estava no Panteão Nacional onde se encontravam os ossos de
Bolívar. Chávez homenageava o Libertador no 177o (centésimo septuagésimo sétimo)
aniversário de sua morte.
Em seu discurso, tornou-se evidente que a derrota ocorrida dez dias antes
deveria ser desconsiderada, embora ainda não tenha mencionado qual seria a estratégia
a ser adotada para continuar no poder. Além disso, o presidente empenhava-se na
construção do Socialismo do Século XXI, o que outorgava a retórica do regime mais
contradições e maior complexidade. No Panteão, Chávez insistiu na tese de que Bolívar
era como Che Guevara e ambos estavam inspirados no exemplo socialista de Jesus
Cristo. Também aproveitou a oportunidade para insistir na tese de que a oligarquia
venezuelana, representada por seus opositores, sempre odiou o Libertador451.
O presidente ainda não havia anunciado publicamente qual seria a estratégia a
ser adotada para se manter no poder. Por enquanto, a possibilidade de obter a reeleição
sem limites havia sido rejeitada dentro do pacote de alterações constitucionais
submetido a Referendo em dezembro de 2007. Mas, seus críticos já estavam totalmente
céticos no tocante a ideia de um diálogo com a oposição, igual postura adotada em
relação a hipótese de Chávez não disputar a eleição presidencial de 2012. Era
relativamente grande o número de jornalistas, acadêmicos, líderes partidários e demais
observadores a apostar que Chávez encontraria uma maneira de disputar novamente o
cargo. Para Manuel Caballero, a intenção de Chávez nunca foi a reeleição, mas a
presidência vitalícia: “[…] lo que el teniente coronel busca es la presidencia vitalicia.
Es con este nombre que se debe designar su intención, y con este nombre
combatirla”452.
Antes de anunciar publicamente qual seria a estratégia a ser adotada, Chávez
começou a sondar sua base de apoio e lançou diversas propostas, dentre as quais
convocar um referendo revocatório ao próprio mandato, ou aproveitar o ensejo para que
a população decidisse sobre alterar ou não o Artigo 230 da Constituição, visando
instituir a reeleição sem limites ao cargo de presidente da República. Chávez
fundamentava estas propostas com base no argumento de que só o povo devesse colocar
451. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto con motivo
de la conmemoración del 177º aniversario del fallecimiento del Libertador y Padre de la Patria Simón
Bolívar. Panteón Nacional. Caracas, 17 de diciembre de 2007. In. Discursos y Alocuciones. Disponível
em: http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2147-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-
chavez-durante-acto-con-motivo-de-la-conmemoracion-del-177-aniversario-del-fallecimiento-del-
libertador-y-padre-de-la-patria-simon-bolivar (acesso em 26 de fevereiro de 2016).
452. CABALLERO, Manuel. La peste militar, p.207.
208
e retirar governos na Venezuela, para ele, o único capaz de decidir por quanto tempo um
governante deve permanecer ou não em seu cargo.
Esta estratégia foi se tornando mais evidente em discurso proferido em janeiro
de 2008 diante do Conselho de Ministros. Na ocasião, o presidente anunciou não ter
desistido da ideia de aprovar, por meio de outras formas, vários pontos contidos no
Referendo rejeitado em 2007, porém não especificou quais seriam. Ao fazer uma
analogia, explicou que a proposta não havia sido aprovada por não ter chegado ao ponto
de ebulição, pois a batalha não havia terminado453. Era a primeira vez que discursava
publicamente em 2008, ano importante à Revolução, pois haveriam eleições regionais
(governadores e prefeitos). Caso Chávez conseguisse eleger a maioria dos governadores
e prefeitos, estaria ainda mais fortalecido politicamente para convocar um referendo
com o propósito de alterar o Artigo 230 da Constituição, permitindo-o se candidatar a
um novo mandato presidencial.
Porém, Chávez era um hábil estrategista político e seus discursos eram utilizados
como uma forma de sentir a receptividade política em favor de suas propostas. Ao
proferir o tradicional discurso à Assembleia Nacional, na abertura do ano legislativo de
2008, instou sua enorme base de apoio no parlamento a encontrar alguém para sucedê-lo
que fosse capaz de proporcionar continuidade à Revolução. Se assim o povo quisesse,
afirmou que poderia tranquilamente deixar o poder em fevereiro de 2013 e se
reintegraria às Forças Armadas como tenente-coronel. Também cogitou a hipótese de
retornar à savana para plantar milho454.
Chávez utilizava a estratégia de sentir a receptividade às suas propostas lançando
sugestões à sua base de apoio, por mais que nos bastidores já articulasse em favor de
determinada proposta. Com base nesta postura, era evidente que o líder venezuelano
encontraria uma maneira de derrubar o impedimento, presente na Constituição naquele
momento, que previa somente uma reeleição. Ele apenas não havia demonstrado qual
estratégia utilizaria para atingir o objetivo. Por outro lado, Chávez ainda possuía 5 anos
453. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante primera reunión
del Consejo de Ministros del año 2008. Salón del Consejo de Ministros, Palacio de Miraflores. Caracas, 8
de enero de 2008. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://todochavez.gob.ve/todochavez/1564-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-
durante-primera-reunion-del-consejo-de-ministros-del-ano-2008 (acesso em 7 de abril de 2016).
454. CHÁVEZ, Hugo. Presentación de memoria y cuenta ante la Asamblea Nacional por parte del
Comandante Presidente Hugo Chávez. Palacio Federal Legislativo. Caracas, 11 de enero de 2008. In.
Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/1573-presentacion-de-
memoria-y-cuenta-ante-la-asamblea-nacional-por-parte-del-comandante-presidente-hugo-chavez (acesso
em 7 de abril de 2016).
209
de mandato, tempo considerável principalmente em se tratando do tenso e volátil
cenário político venezuelano.
Ao contrário do que cogitava, em uma eventual saída da presidência em
fevereiro 2013, não teria credibilidade a tese de que uma figura tão influente, política e
eleitoralmente, fosse plantar milho na savana. Também não havia a possibilidade de ser
reincorporado às Forças Armadas. Além da idade, em 1992 ele havia sido demitido do
Exército em razão da tentativa de tomar o poder através de um golpe de Estado.
Não havia dúvidas que Chávez queria continuar na presidência da República,
mas para isso necessitava retirar o impedimento constitucional. Ainda no mesmo
discurso proferido aos deputados em janeiro de 2008, Chávez ‘mudou de ideia’ e
cogitou a hipótese de convocar um Referendo Revocatório no tocante a seu mandato, a
exemplo do que havia ocorrido em 2004. Com base nisso, aproveitou para dizer que
também poderia acompanhar, neste provável referendo, uma proposta de caráter
vinculante para consultar a população no tocante a instituição da reeleição sem limites.
[…] yo incluso tengo la potestad de convocar referéndum revocatorio
contra mí mismo, pero dos preguntas, haría yo, primero: ¿Está usted
de acuerdo en que Hugo Chávez siga siendo presidente de Venezuela
Sí o NO? La segunda pregunta con carácter vinculante. ¿Está usted
de acuerdo en hacer una pequeña enmienda en la Constitución
Bolivariana para permitir la reelección indefinida? 455
Logo após mencionar a provável reeleição sem limites a ser obtida em um
eventual referendo, Chávez recorreu a Simón Bolívar. Na visão do presidente, o
Libertador defendia a revolução como o único caminho para se chegar ao triunfo. O que
Chávez buscava era que somente a Revolução Bolivariana poderia levar à Venezuela ao
triunfo mencionado pelo Libertador. Porém, como este processo se mostrava viável
apenas com a permanência de Chávez no poder, haveria legitimidade suficiente para
emendar a Constituição e permitir a reeleição sem limites ao cargo de presidente da
República.
Por outro lado, os opositores estavam empolgados com a derrota do governo no
Referendo Constitucional de 2007. Sendo assim, eles não permaneceram estáticos e
articulavam uma estratégia a fim de diminuir o domínio do presidente no cenário
político. Logo nas primeiras semanas de 2008, vários partidos de oposição decidiram
fazer um pacto suprapartidário com o propósito de lançarem candidaturas únicas para
enfrentar os candidatos oficialistas nas eleições regionais de 2008. Este acordo se
455. Idem.
210
transformaria, anos depois, na Mesa de Unidade Democrática (MUD)456, que mais tarde
sustentaria a candidatura de Henrique Capriles à presidência em 2012. Entretanto, em
2008, a coalizão havia sido formada com o seguinte propósito: “o pacto consolida
dentro da oposição a tese da participação eleitoral mesmo em condições
desfavoráveis”457. Ademais, o acordo rechaçava o uso de táticas não legalistas para
destituir Chávez, a exemplo de recorrer a um golpe de Estado.
O fato da oposição optar pela mobilização eleitoral atenuava o impacto do
golpismo na retórica do regime. Embora eles continuassem a ser vistos como inimigos,
o golpe de 2002 estava se transformando em uma realidade mais distante, pois os
partidos da oposição demonstravam disposição em disputar eleições contra os fortes
candidatos do presidente, ainda que fosse em um cenário de provável derrota.
Contudo, a mobilização dos oposicionistas era utilizada como uma justificativa
para agregar apoio entre os partidários do presidente. Na visão de Chávez, os ‘inimigos’
do Libertador continuavam sendo ‘perigosos’, o que aumentava a necessidade do
governo estar preparado. Isso significava, portanto, o fortalecimento da liderança do
presidente, junto a sua imprescindível presença como líder da Revolução. Ou seja, por
mais que Chávez sugerisse nomes, ventilasse a hipótese de deixar a presidência em 2 de
fevereiro de 2013 quando terminaria seu mandato, ele não estava disposto a deixar isso
acontecer.
Em discurso proferido aos militantes jovens do PSUV, o presidente da
Venezuela afirmou que a proposta de reeleição sem limites não poderia vir dele. Como
já havia feito em 2007 e ela foi rejeitada, em sua visão esta iniciativa deveria vir do
povo da Venezuela. Se caso os eleitores fizessem a emenda e a aprovasse, ele sairia
candidato em 2012, pois seria uma iniciativa do povo, não dele458. Estava cada vez mais
nítido que a proposta não viria oficialmente do gabinete presidencial. Ela deveria ser de
‘iniciativa popular’. Chávez havia optado pela estratégia de insuflar sua militância para
que eles fizessem uma mobilização em favor da mudança na Carta Magna para permitir
456. Coalizão de partidos políticos que faziam oposição ‘formal’ ao regime comandado por Chávez.
457. MAISONNAVE, Fabiano. Oito partidos de oposição se unem para derrotar Chávez. Folha de S.
Paulo. São Paulo, 24 de janeiro de 2008, p.13, No 26.785.
458. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto de
instalación del Congreso Fundacional del Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV). Cuartel San
Carlos. Municipio Libertador, 12 de enero de 2008. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://todochavez.gob.ve/todochavez/1575-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-
durante-acto-de-instalacion-del-congreso-fundacional-del-partido-socialista-unido-de-venezuela-psuv
(acesso em 7 de abril de 2016).
211
a reeleição sem limites. Portanto, o presidente seria apenas um incentivador e se
posicionaria como mais um eleitor favorável a proposta.
Como parte da estratégia, o presidente colocou a ideia de retirar empecilhos a
sua recondução à presidência como algo de vanguarda. Segundo ele, isso diferenciaria a
Venezuela dos demais países da América Latina, pois, naquele momento praticamente
todos eles possuíam dispositivos em suas constituições que barravam a recondução
indefinida de presidentes. Porém, como a Venezuela era a terra do Libertador e,
segundo Chávez, os filhos de Bolívar eram ‘especiais’, eles não fugiriam de sua
reponsabilidade histórica e assumiriam seu papel de vanguarda no continente459.
No entanto, Chávez outorgava um caráter vanguardista a uma proposta que já
havia sido utilizada em outros períodos. Permitir a reeleição de líderes carismáticos e/ou
com capacidade de dominar praticamente todo o cenário político do país não era
inovadora. Havia sido utilizada na Venezuela, causou impactos negativos à sociedade e
exigiu um processo de transição delicada após a morte deste líder, a exemplo do que
ocorreu durante a presidência de Juan Vicente Gómez (1908-1935) nas primeiras 4
décadas do século XX.
Entretanto, a discussão sobre a Emenda Constitucional à reeleição sem limites
poderia esperar. Havia, portanto, uma outra prioridade: as eleições regionais de
novembro de 2008. Conforme discutido em itens anteriores, a Venezuela não
apresentava uma longa tradição de eleições regionais e elas vinham registrando baixa
participação. Todavia, em 2008 tais eleições atingiram maior notoriedade, pois seria
utilizada pelo governo como um ‘termômetro’ para sentir a receptividade no tocante a
proposta de reeleição sem limites. Tanto o governo quanto a oposição percebiam a
importância estratégica daquele pleito. Dependendo do resultado, sobretudo se os
candidatos do governo saíssem vitoriosos, ficaria mais fácil aprovar a Emenda da
reeleição sem limites. Ou seja, as eleições regionais de 2008 se tornariam um ‘pré-
referendo’.
Devido a esta intensa disputa, o governo utilizou várias estratégias para
enfraquecer os candidatos da oposição, ou barrar suas candidaturas. Alguns meses antes
das eleições para prefeitos, governadores e deputados estatuais, a justiça venezuelana
publicou uma lista com nomes de cidadãos inabilitados ao exercício de funções
públicas, em razão de diversos crimes ligados a malversação de recursos e outras
459. Idem.
212
práticas em desfavor da administração pública. Embora na lista também estivessem
pessoas ligadas ao presidente, o fato da maioria deles serem membros da oposição foi o
bastante para os adversários acusarem Chávez de perseguição política. Dentre os
inabilitados havia políticos capazes de vencer os candidatos oficialistas nas eleições
regionais de dezembro, dentre os quais Leopoldo Lopez460, prefeito de Chacao
(município metropolitano de Caracas) e forte candidato na disputa pelo governo da
região metropolitana da Caracas.
López é um dos cerca de 400 nomes da lista de inabilitados para
exercício de funções públicas preparada pelo controlador-geral da
República, Clodosbaldo Russián, e entregue ao Conselho Nacional
Eleitoral (CNE). Todos estão sendo processados por corrupção e
irregularidades administrativas461.
A importância das eleições regionais de 2008 se ancorava no fato do presidente
Chávez ter se empenhado pessoalmente na campanha em favor de seus candidatos462.
Como um eficiente cabo-eleitoral, percorreu o país pedindo votos aos seus indicados
com o argumento de que votar neles seria o mesmo que votar a favor do Libertador, da
Revolução, do socialismo e do presidente Chávez. Neste clima de constante campanha
eleitoral, as disputas entre Chávez e a oposição esquentavam ao ponto do presidente
ameaçar prender alguns membros da oposição. Sua ira era dirigida contra o governador
de Zulia, Manuel Rosales, a quem Chávez acusava de elaborar um plano para assassiná-
lo. Como a reeleição sem limites ainda não havia sido aprovada, Rosales se candidatou
à prefeito da capital do estado (Maracaibo) com enormes chances de se eleger e de fazer
seu sucessor no governo do estado. Portanto, as acusações contra Rosales e as ameaças
460. Líder do partido Voluntad Popular, Leopoldo Lopez foi prefeito de Chacao de 2000 a 2008. Mas,
sua candidatura à prefeitura de Caracas foi impedida pela justiça venezuelana, com base na lista de
inabilitados a cargos públicos, divulgada meses antes das eleições regionais de 2008. Contudo, isso não
impediu que López se tornasse um dos principais líderes da oposição. Nas prévias realizadas pelo MUD
às eleições presidenciais de 2012, Lopez postulou pré-candidatura, porém, desistiu nos primeiros debates.
Além da força política demonstrada por Henrique Capriles dentro da coalizão oposicionista, as acusações
que respondia na justiça provocavam temores na oposição de que, caso fosse o indicado, a justiça
inabilitaria sua candidatura. Devido a tal fato, também foi descartada sua inclusão de vice-presidente na
chapa de Capriles. Durante os protestos de fevereiro de 2014 contra o governo do presidente Nicolás
Maduro, fortemente reprimido pela Guarda Nacional Bolivariana, López foi acusado de insuflar os
protestos violentos e, consequentemente, responsabilizado pelas mortes ocorridas. Em 10 de setembro de
2015, Leopoldo López foi condenado a 13 anos de prisão a serem cumpridos no presídio Ramos Verde,
próximo à Caracas. Com a vitória da oposição nas eleições legislativas de dezembro de 2015, nos
primeiros meses de 2016 foi aprovada no parlamento uma anistia aos ‘presos políticos’, porém foi vetada
pelo presidente Nicolás Maduro. Em julho de 2017, López foi colocado em prisão domiciliar, revogada
um mês depois.
461. MAISONNAVE, Fabiano. Oposição teme proscrição na Venezuela. Folha de S. Paulo. São Paulo,
15 de junho de 2008, p.20, No 28.928.
462. MAISONNAVE, Fabiano. Chávez domina campanha eleitoral regional. Folha de S. Paulo. São
Paulo, 16 de novembro de 2008, p.19, No 29.082.
213
de prendê-lo eram provocadas pelo fato de Chávez querer evitar que a oposição
continuasse a controlar o estado mais rico do país.
Nas eleições regionais de 2008, Chávez e seus apoiadores não conseguiram
repetir a ampla vitória obtida 4 anos antes. O cenário político também não era o mesmo.
Nas eleições regionais de 2004, marcada pela vitória ‘abrumadora’ dos candidatos
governistas, Chávez tinha acabado de vencer um Referendo Revocatório realizado em
agosto. Por outro lado, na disputa de 2008, o presidente se esforçava para disciplinar sua
base após as dissidências, havia amargado uma derrota no Referendo Constitucional de
2007 e contava com uma oposição motivada e disposta a disputar eleições.
Apesar disso, o resultado das eleições realizadas em 23 de novembro de 2008
demonstrou que o presidente continuava popular e a maioria de seus candidatos
eleitoralmente viáveis. Dos 23 estados da federação, elegeu seus aliados em 17,
inclusive recuperou governadorias comandas por ex-aliados, a exemplo dos estados
Sucre, Trujillo, Guárico e Aragua. Estes governadores haviam se afastado da base de
apoio em razão de não concordarem com a dissolução de seus partidos para aderirem ao
PSUV. Era conhecida a rispidez de Chávez para com os políticos da oposição, mas com
ex-aliados costumava ser ainda mais implacável, ao elevá-los à categoria de traidores da
Revolução e a derrota era o preço a ser pago pela perfídia.
Contudo, a oposição elegeu governadores em estados importantes, a exemplo de
Zulia (produção de petróleo) e Miranda (onde se localiza a capital Caracas, centro
político do país). No tocante às prefeituras, Chávez elegeu 233 prefeitos e a oposição
56. Embora os números tenham demonstrado que o governo estivesse mais fraco nos
grandes centros urbanos, o presidente continuava forte entre os campesinos e nos
municípios e estados mais distantes de Caracas463.
Logo após o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) divulgar os resultados
indicando a vitória dos candidatos governistas na maioria dos estados e em mais que o
dobro das prefeituras, Chávez fez um pronunciamento no Hotel Alba. O presidente
afirmou ser aquela uma vitória da Constituição Bolivariana e alfinetou seus adversários
ao dizer esperar que grupos políticos nunca mais agissem à margem da lei. Aproveitou
também para questionar os críticos do regime que afirmavam não haver democracia na
463. MAISONNAVE, Fabiano. Chávez perde grandes centros urbanos. Folha de S. Paulo. São Paulo, 25
de novembro de 2008, p.12, No 29.091.
214
Venezuela, pois o reconhecimento da vitória dos governadores e prefeitos
oposicionistas indicavam estar tais críticas equivocadas464.
Chávez buscava reforçar a ideia de que, a frequência com que submetia à
aprovação popular decisões do governo e as constantes eleições pelas quais os
governantes estavam submetidos, indicava haver muita democracia no país. Na
realidade, o presidente percebia a vitória nas eleições regionais como o momento
apropriado para discutir a aprovação da reeleição sem limites ao cargo de presidente da
República. Essa era uma das razões pela qual insistia em enfatizar que não apenas havia
democracia na Venezuela, como também se respeitava as escolhas divergentes. Ao
mesmo tempo em que parabenizava os govenadores e prefeitos da oposição eleitos ao
derrotar seus candidatos, o presidente os recomendou que respeitasse uma autoridade
que estava acima das suas: o governo nacional465, bolivariano e comandado pelo
continuador da obra do Libertador.
A partir deste momento, Chávez pôde trabalhar exclusivamente na aprovação de
uma Emenda Constitucional que instituísse a reeleição sem limites ao cargo de
presidente da República. Sendo assim, o regime optaria pela estratégia de emendar a
Constituição e, em Referendo, aprovar esta alteração pela via popular. Após as eleições
regionais de novembro de 2008, este assunto se tornou a prioridade máxima do regime e
o principal ‘cabo-eleitoral’ desta medida seria o presidente.
Em 14 de dezembro de 2008, Chávez concedeu uma entrevista ao jornalista José
Vicente Rangel. Nessa oportunidade, rebateu as críticas de que o projeto de Emenda
Constitucional à reeleição sem limites fosse algo pessoal. Afirmou que até gostaria de
retornar a sua vida privada após 2 de fevereiro de 2013, porém, isso já não era mais
possível466. O presidente se considerava em plenas condições de garantir continuidade
ao projeto bolivariano e socialista na Venezuela, por isso deveria continuar comandando
o país após 2012. De acordo com Chávez, seus opositores eram reféns dos grupos
fascistas que controlavam grande parte da mídia e das corporações econômicas, por isso
deveriam ser mantidos afastados da presidência. No entanto, era perceptível naquele
464. CHÁVEZ, Hugo. Palabras del Comandante Presidente Hugo Chávez, tras conocerse el primer
boletín del CNE de las Elecciones regionales 2008. Hotel Alba. Caracas, 24 de noviembre de 2008. In.
Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/2661-palabras-del-
comandante-presidente-hugo-chavez-tras-conocerse-el-primer-boletin-del-cne-de-las-elecciones-
regionales-2008 (acesso em 7 de abril de 2016).
465. Idem.
466. CHÁVEZ, Hugo. El único camino para la victoria. Caracas, 14 de diciembre de 2008. In:
RANGEL, José Vicente. De Yare a Miraflores, p.282.
215
momento que a possibilidade de Chávez permanecer na presidência diminuiria as
chances da oposição vencer as eleições presidenciais de 2012.
No momento da entrevista a Rangel, Chávez estava em vias de completar 10
anos no poder e ainda restavam 4 anos de mandato. Se reeleito em 2012, governaria por
mais 6 anos e completaria, em tese, vinte anos na presidência. Chávez foi enfático no
tocante a isso: “Tengo aquí 10 años, ya serían diez años más para redondear, además
un redondeo de 20 años, 20 años no es nada dice la canción, 20 años es un silbido en el
tiempo y en verdad es absolutamente cierto […]”467. Embora refutasse publicamente as
críticas, o presidente não demonstrava disposição minimamente confiável de algum dia
deixar voluntariamente o poder.
Chávez aproveitou a entrevista para reconhecer que se equivocou ao não ter
submetido a Emenda Constitucional à reeleição sem limites no começo de 2007, logo
após ter sido empossado como presidente, momento em que tinha uma Assembleia
Nacional unânime, elevada popularidade e exercia um amplo domínio no sistema
político. Para Chávez, ele e seus apoiadores caíram nas ‘indefinições’, optaram em
propor uma reforma mais ampla ao ser apreciada pela Assembleia Nacional e, no final,
tudo acabou sendo desvantajoso para o governo. Com base nestas palavras, estava
evidente que Chávez não mais permitiria um debate prolongado no tocante ao tema.
Como havia acabado de testar sua força eleitoral nas eleições regionais de novembro, a
Emenda não poderia demorar muito para ser votada. Por fim, visando legitimar a
imprescindível necessidade daquela Emenda Constitucional, recorreu a Bolívar.
Hoy no tengo dudas […] este es el camino, no tengo dudas en repetir
a Bolívar, el impulso de esta revolución ya está dado, lo que tenemos
que hacer es darle buena dirección, […] y como Bolívar, el único
camino para la victoria de Venezuela es la revolución socialista,
democrática, y la enmienda va apuntando en esa dirección, es el
único camino para que no haya vuelta atrás468.
Por Bolívar e pela Revolução Bolivariana e socialista, o presidente já estava em
campanha em favor do Referendo da Emenda Constitucional à reeleição sem limites,
provavelmente a ser submetida à aprovação popular em fevereiro de 2009. Ao
comemorar os 10 anos de sua primeira eleição à presidência, Chávez instou seus
partidários a recolherem assinaturas a serem apresentadas à Assembleia Nacional e ao
467. Idem.
468. Idem, p.291.
216
Conselho Nacional Eleitoral solicitando alteração no Artigo 230 da Constituição469.
Tratava-se de uma estratégia diferente da utilizada pelo governo em outras ocasiões, a
exemplo do malogrado projeto de Reforma Constitucional de 2007.
Chávez argumentava no sentido de que o povo tinha o direito de decidir quanto
tempo ele deveria permanecer na presidência, para assim refutar a tese de perpetuação
no poder, crítica feita por adversários e ex-aliados. O presidente preferia ignorar as
críticas afirmando que todos deveriam respeitar a vontade do povo de Simón Bolívar
que o queria no comando da nação, pois sua Revolução havia sido a responsável por
retirar a Venezuela das ‘catacumbas’ e romper históricos entraves ao desenvolvimento
da nação. Chávez utilizou a crise econômica mundial, desencadeada no segundo
semestre de 2008 com o estouro da bolha imobiliária norte-americana, para legitimar a
tese de que, se a Revolução não houvesse ‘chegado’, a Venezuela estaria em pedaços.
Por fim, recorreu ao culto a Bolívar para afirmar que seria por meio da história
venezuelana e, sobretudo, de seu principal personagem que estariam contidas as
esperanças de futuro da pátria e a garantia de ser melhor que o passado470.
Es imprescindible para la Revolución, es imprescindible para el
pueblo la consciencia histórica, recordemos a Simón Bolívar cuando
decía que la historia es un inmenso vientre donde están contenidas
más esperanzas que sucesos pasados y apuntaba el Libertador
Bolívar, nuestro padre Bolívar, que este inmenso vientre que es la
historia apunta hacia el futuro, precisamente con esperanza para que
los acontecimientos futuros sean mejores que los del pasado471.
Apesar de Chávez ter citado Bolívar como uma referência ao futuro da
Venezuela, sua proposta ao futuro do país seria sua continuidade na presidência. A
mensagem que se passava no momento era: se o Libertador é insubstituível, o
presidente também o é, por mais que essa tese fosse negada. Portanto, na leitura feita
pelos partidários do presidente, não havia uma separação entre líder e processo
histórico-político. Em linhas gerais, para que isso se materializasse, a Revolução teria
que prosseguir, junto a indissociável figura de seu líder.
Não havia dúvidas, o presidente estava em plena campanha eleitoral. Por isso,
batizou seu comando de campanha de Comando Nacional Simón Bolívar e, ao discursar
469. CHÁVEZ, Hugo. Celebración del 10° Aniversario de la Revolución Bolivariana. Avenida Urdaneta.
Caracas 6 de diciembre de 2008. In: Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://todochavez.gob.ve/todochavez/2732-celebracion-del-10-aniversario-de-la-revolucion-bolivariana
(acesso em 7 de abril de 2016).
470. Idem.
471. Idem.
217
no evento em que juramentou seus partidários, se colocou a disposição para governar a
Venezuela até 2019. A partir deste evento, afirmou que obedeceria apenas ao povo de
Bolívar, único dono do mandato presidencial que exercia no momento. Em seguida, o
culto a Bolívar entrou em cena. Na visão do presidente, a grandeza do Libertador era
notória que até mesmo os inimigos de Bolívar, na ocasião representados pelos
adversários do presidente, haviam ‘voltado a falar do Libertador’, tendo em vista que
estavam utilizando frases do herói da Independência para se posicionarem contrários a
Emenda da reeleição sem limites472.
Chávez respondia a oposição que havia batizado seu comando de campanha com
o nome de Comando Angostura, em referência ao conhecido Discurso de Angostura,
proferido pelo Libertador em 1819. Nesse discurso, Bolívar havia sido direto no tocante
a seguinte questão: manter a autoridade em um único indivíduo por longo período é
prejudicial à República e havia sido o motivo do fim de governos democráticos e
ascensão de tiranias473.
Interpretada de forma objetiva e desprovida de uma consciência histórica mais
rígida, esta frase do Libertador expressaria um grande rechaço aos indivíduos que se
perpetuavam no poder. Ancorados neste raciocínio, os oposicionistas tentavam reforçar
a tese de que Bolívar era contrário a reeleição sem limites, iniciativa defendida por
Chávez e instituída por meio da Emenda Constitucional. Se o presidente Chávez passou
os seus 14 anos de mandato evocando o Libertador e reforçando a tese de que construía
a pátria sonhada pelo prócer, neste momento era a oposição que tentava galvanizar o
culto a Bolívar contra o presidente.
No entanto, Hugo Chávez reagiu rápido. Refutou esta tese levantada pela
oposição, que o irritava profundamente474. O líder bolivariano, que reivindicava para si
o papel de continuador da obra do prócer, não poderia permitir que a oposição
difundisse este raciocínio. Ao falar em terceira pessoa (cada vez mais Chávez vinha se
referindo a si mesmo em terceira pessoa), o presidente foi enfático ao dizer que Bolívar
havia dito, no famoso Discurso de Angostura, que o prejudicial à República era a
472. CHÁVEZ, Hugo. Juramentación del Comando Nacional de Campaña Simón Bolívar. Teatro
Municipal de Caracas. Caracas, 10 de diciembre de 2008. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://todochavez.gob.ve/todochavez/2742-juramentacion-del-comando-nacional-de-campana-simon-
bolivar (acesso em 7 de abril de 2016).
473. SIMÓN, Bolívar. Discurso pronunciado ante el Congreso. Angostura, 15 de febrero de 1819, p.122.
474. MAISONNAVE, Fabiano. Discurso de Bolívar vira mote para barrar Chávez. Folha de S. Paulo.
São Paulo, 21 de dezembro de 2008, p.17, No 29.117.
218
continuidade da autoridade em um indivíduo475. Com base na frase constantemente
pronunciada pelo presidente, “yo no soy yo, yo soy el pueblo”, e na visão de boa parte de
seus partidários, Chávez já não era mais um ‘indivíduo’, havia se tornado a
representação do poder e da vontade do povo da Venezuela, por isso também era
chamado de “El comandante”.
O legado do Libertador não estava imune as contradições inerentes a qualquer
personagem histórico, ainda mais em se tratando de Simón Bolívar. Embora tenha
rechaçado a “continuidade da autoridade em um mesmo indivíduo por longo período”,
em 1825, durante a discussão da Constituição da Bolívia, o prócer lançou a figura do
‘presidente vitalício’, líder personalista que reuniria todas as virtudes da pátria e seria
considerado o “sol da República”. Essa figura de presidente vitalício foi a que de fato
Bolívar exerceu nas Repúblicas a que libertou. Em se tratando de uma figura política
que manejava com destreza o culto, era mais interessante ao presidente Chávez se
apegar ao ‘Bolívar de 1825’ do que ao ‘Bolívar de 1819’.
[…] Bolívar en 1825, en el discurso que da ante el Congreso de
Bolivia propone la presidencia vitalicia y él explica por qué, él dice,
el presidente de la República en Bolivia y para Bolivia debe ser como
una roca en el medio del mar […] pero, él [está] allí para asegurar la
continuidad, la estabilidad de la República que está nasciendo
[…]476.
O presidente refutava a tese de que pretendia se perpetuar no poder, mas até
admitia a hipótese de exercer uma ‘presidência vitalícia’, desde que fosse submetida à
eleições a cada período estabelecido pela Constituição. Em artigo publicado no Correo
del Orinoco, Chávez instou aos homens e às mulheres venezuelanas a votarem em favor
da perpetuação do povo no poder para que a Revolução Bolivariana fosse vitalícia477.
Entende-se que perpetuar a Revolução era o mesmo que perpetuar Chávez, pois tratava-
se de um processo político não descolado da figura do líder. Neste sentido, a derrubada
de limites Constitucionais à reeleição permitiria a Chávez, em conformidade com a lei,
ser presidente até morrer. Isso acabou de fato ocorrendo, provavelmente muito antes do
que esperava.
475. CHÁVEZ, Hugo. Juramentación del Comando Nacional de Campaña Simón Bolívar. Teatro
Municipal de Caracas. Caracas, 10 de diciembre de 2008. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://todochavez.gob.ve/todochavez/2742-juramentacion-del-comando-nacional-de-campana-simon-
bolivar (acesso em 7 de abril de 2016).
476. Idem.
477. CHÁVEZ, Hugo. “La cuarta fase: “el despliegue”. Artículo publicado en el periódico Correo del
Orinoco. Caracas, 25 de enero de 2009. In. Desde la primera línea (2009-2010). Caracas: Ediciones del
Correo del Orinoco, 2011, p.16-17.
219
No tocante à polêmica com a oposição envolvendo de ‘qual lado’ o Libertador
estava, tudo isto ocorria em razão do legado de Simón Bolívar não estar imune à
distintas interpretações. Era fato que tanto o governo quanto a oposição encontravam
justificativas ‘em Bolívar’ para aceitar ou refutar a tese da reeleição sem limites. Porém,
esta questão, movida pela complexidade, estava longe de ser um assunto fechado ou
desprovido de polêmica no país.
Na visão de Carrera Damas, Simón Bolívar foi uma figura histórica imersa em
uma grande polêmica e que havia vivido situações muito difíceis478, do ponto de vista
político e militar. Por isso, seu legado histórico foi afetado pelas contradições a que
viveu, além do cenário de guerras que enfrentou. Ou seja, as situações vividas pelo
Libertador em 1819, quando ele ainda estava imerso nas batalhas pela Independência e
se esforçava em expulsar os espanhóis da América, não pode ser considerada a mesma
daquela de 1825, pós-batalhas de Carabobo (1821) e de Ayacucho (1824). A prioridade
de Bolívar em 1825 era manter a unidade das Repúblicas recém-emancipadas e lutar
contra o isolamento político que as elites dos países ensaiavam contra ele.
Ao passo que a campanha a favor da Emenda Constitucional à Reeleição sem
limites se aproximava, Chávez acirrava seu discurso, atacava cada vez mais seus
adversários e apelava ao culto a Bolívar, incrementado pela roupagem da retórica
socialista. Na visão de Chávez, a Venezuela seria socialista e bolivariana ao mesmo
tempo. Contrariando todas as fontes históricas, o presidente chegou a afirmar que Karl
Marx era bolivariano.
Aliar Karl Marx com Simón Bolívar era algo contraditório e impensável sob o
ponto de vista histórico-acadêmico. Marx foi um dos maiores pensadores da
humanidade. Ele demonstrou ser desde os Manuscritos Econômico-filosóficos de 1844,
passando pelo famoso Manifesto do Partido Comunista de 1848, até chegar ao
complexo e volumoso Capital de 1867. Suas ideias influenciaram correntes de
pensamento e de ação ao redor do mundo. Através de sua ideologia e em nome do
socialismo e do comunismo com visão marxista, vários governos foram destituídos e
erigidos ao logo do século XX. Esse mérito o filósofo alemão teve e continua tendo para
algumas correntes de pensamento nos dias atuais, apesar das dissidências ocorridas, pois
as interpretações obtidas a partir do pensamento de Marx nunca foram consensuais.
Entretanto, o conhecimento de Marx era superficial e pouco esclarecedor no tocante à
478. CARRERA DAMAS, Germán. Entrevista concedida ao autor. Caracas, 15 de abril de 2015.
220
realidade dos países da América recém-emancipada, sobretudo as ex-colônias ibéricas.
Suas análises sobre esta parte do mundo eram extremamente eurocêntricas e
preconceituosas.
O filosofo alemão chegou a escrever sobre Bolívar a contragosto, para atender a
uma solicitação do editor Charles Dana ao The New American Cycoplaedia. Marx sentia
“aversão racial pelos atrasados e bárbaros países hispano-americanos”479.
Que havia uma animosidade quase pessoal de Marx em relação a
Bolívar é quase obvio. Numa carta a Engels, Marx reitera suas
oposições, chamando Bolívar de “canalha, covarde, brutal e
miserável” e o comparando a Soulouque (sic), o extravagante caudilho
haitiano que em 1852 havia-se feito coroar imperador sob o nome de
Faustino I480.
Contra sua vontade, Marx escreveu um texto sobre o Libertador, chamado
Bolívar y ponte, com o qual o descreveu sob uma perspectiva extremamente negativa.
Para Marx, o “mantuano” prócer da Independência americana era: um aristocrata;
aproveitador apegado ao poder, pois em diversas ocasiões recorria a “simulacros de
renúncia”; cínico por se apresentar como vítima; cruel por permitir a seus soldados
saquearem cidades dominadas; suscetível a elogios, etc. Em todo o texto, Marx se
referiu entre aspas ao título de Libertador, conferido a Bolívar pela municipalidade de
Caracas, o ironizando ao chamá-lo de “Napoleão das retiradas”. Para o pensador
alemão, ao formar a Pátria Grande, Bolívar tinha a seguinte intenção:
La intención real de Bolívar era unificar a toda América del Sur en
una república federal, cuyo dictador quería ser él mismo. Mientras
daba así amplio vuelo a sus sueños de ligar medio mundo a su
nombre, el poder electivo se le escurría rápidamente de las manos481.
Com base na história, é perceptível que Karl Marx não se identificava com
Bolívar. Se alguém assim o fizesse, certamente o refutaria por meio da reconhecida
veemência com a qual estruturava seus escritos. Ao fazer uma análise comparativa entre
a obra de Marx e a historiografia da Venezuela permeada pelo culto a Bolívar, não havia
coerência uma Revolução Bolivariana também ser marxista.
Entretanto, afirmar que a Revolução Bolivariana havia se transformado em um
processo marxista não impedia o presidente Chávez de galvanizar apoio político em
favor de sua proposta à Emenda da Reeleição sem limites. Na verdade, os partidários de
479. KRAUZE, Enrique. O poder e o delirio, p.196.
480. Idem.
481. MARX, Karl. Bolívar y ponte, p.13.
221
Chávez, aqueles que realmente moviam o processo, não faziam uma leitura do cenário
político com base em uma consciência histórica crítica. Por isso, muitos deles não
enxergavam contradições e incompatibilidades entre Bolívar e Marx.
Aliar estas duas figuras dava resultados ao presidente, ou seja, apoio político em
favor de suas propostas. A postura adotada por Chávez em outros momentos também o
ajudava. Quando o ex-militar surgiu no cenário político em 1992, a Guerra Fria havia
recém terminado. Em razão da crise paradigmática que se formou no momento, era cada
vez menor o número de líderes políticos que se identificavam como marxistas, ou
processos políticos a reivindicar este legado histórico em crise. Na década de 1990,
Chávez preferia se esquivar e afirmava não ser marxista e nem antimarxista, conforme
disse em entrevista a Agustin Blanco Muñoz482.
O apelo do presidente em favor da proposta de reeleição sem limites e da
construção da pátria bolivariana e socialista não se restringiu à falsa adesão de Marx a
Bolívar. Tornou-se evidente uma questão: a não aprovação da Emenda Constitucional
poderia comprometer a continuidade de Chávez e de seu grupo político no poder. Além
do presidente ser eleitoralmente competitivo, a possibilidade de disputar mandatos
indefinidamente postergaria a complicada discussão no tocante a um sucessor. Embora
Chávez tenha fundado um partido (PSUV) com o propósito de disciplinar seus
apoiadores, esta discussão poderia provocar cisões em sua heterogênea base de apoio.
Devido a esta debilidade, é possível explicar o porquê de Chávez apelar a sua
retórica inflamável, a seu carisma com as massas e o uso muitas vezes sem critério do
culto a Bolívar em favor da Emenda Constitucional. Em discurso realizado a estudantes
favoráveis a Emenda e engajados na campanha em favor da reeleição, Chávez foi duro e
apelativo em favor do SIM à proposta. Na visão do presidente, o SIM à Emenda era o
SIM a Bolívar: “El Sí de Simón Bolívar el Sí es el de la patria, lo demás es la negación
de la patria. El Sí, muchachos, es la puerta para el futuro, el No es la negación del
futuro, es la negación de la patria”483.
O regime trataria os contrários a Emenda Constitucional como inimigos. Por
mais que em outras ocasiões Chávez tenha negado ser revanchista, diante dos jovens
apoiadores do regime admitiu que se tratava também de uma revanche pela derrota no
482. CHÁVEZ, Hugo. In. BLANCO MUÑOZ, Agustín. Venezuela del 04F-92 al 06D-98, p.116.
483. CHÁVEZ, Hugo. Juramentación del Frente de Jóvenes y Estudiantes por la Enmienda
Constitucional. Poliedro de Caracas. Caracas, 12 de diciembre de 2008. In. Discursos y Alocuciones.
Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/2749-juramentacion-del-frente-de-jovenes-y-
estudiantes-por-la-enmienda-constitucional (acesso em 7 de abril de 2016).
222
Referendo de 2007. Dessa forma, expressou autoconfiança ao afirmar que aquela
Emenda já estaria aprovada, pois cada assinatura em favor dela seria um gesto
revolucionário pela pátria de Simón Bolívar484.
A ofensiva de Chávez em favor da Emenda Constitucional não cessou. Em
discurso proferido na abertura do ano legislativo de 2009, afirmou que em 10 anos a
Revolução Bolivariana havia retirado mais de 196 mil venezuelanos da pobreza
extrema. Portanto, havia a necessidade do processo continuar e, consequentemente, de
seu líder. Por mais que Chávez tenha refutado a tese de ser insubstituível, enfatizou que
o momento não era de ‘trocar o piloto do barco da Revolução’. A exemplo do que vinha
fazendo com frequência nos últimos anos, optou pela estratégia do medo e da coação.
Em artigo publicado no Correo del Orinoco, atacou aqueles que estavam dispostos a
recursar a Emenda Constitucional: “aquí y ahora, lo esencial es que, de ganar el No, se
impondría la colonia, la contrapatria”485.
Chávez foi ainda mais enfático. Em discurso a seus partidários, afirmou possuir
provas da existência de planos, elaborados pelos ‘inimigos do regime’, para assassiná-
lo. Porém, estas provas jamais foram publicadas e ainda não há fontes capazes de
conferirem credibilidade às acusações. Por fim, recorreu ao culto a Bolívar como uma
forma de legitimar as palavras ditas ao longo do discurso. Para o presidente, Bolívar
seria o passado, o presente e o futuro venezuelano, pois concordava com a permanência
de Chávez na presidência486.
Após discursar aos deputados, Chávez entregou ‘oficialmente’ ao parlamento a
proposta de alteração do Artigo 230 da Constituição que havia sido supostamente
sugerida pelos eleitores venezuelanos, por meio do recolhimento de assinaturas em
apoio à Emenda. Se aprovada no Legislativo e posteriormente em referendo, Chávez
poderia se candidatar ao cargo de presidente da República indefinidamente. Entretanto,
havia retirado lições da derrota no Referendo de 2007 e demonstrava disposição em não
repetir os mesmos equívocos estratégicos, dentre os quais submeter a matéria a longas
484. Idem.
485. CHÁVEZ, Hugo. Primera entrega. Artículo publicado en el periódico Correo del Orinoco. Caracas,
22 de enero de 2009. In. Desde la primera línea (2009-2010). Caracas: Ediciones del Correo del
Orinoco, 2011, p.11.
486. CHÁVEZ, Hugo. Presentación de memoria y cuenta ante la Asamblea Nacional por parte del
Comandante Presidente Hugo Chávez. Palacio Federal Legislativo. Caracas, 13 de enero de 2009. In.
Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/889-presentacion-de-
memoria-y-cuenta-ante-la-asamblea-nacional-por-parte-del-comandante-presidente-hugo-chavez (acesso
em 8 de abril de 2016).
223
discussões. Entre a entrega da proposta à Assembleia Nacional e a votação em
Referendo transcorreriam pouco mais de um mês.
Diferente do texto de 2007, a Emenda de 2009 não se limitou a permitir
reeleição apenas ao cargo de presidente da República. Era fato que Chávez havia
entregado ao Poder Legislativo a proposta de alterar apenas o artigo constitucional que
versava sobre o mandato do presidente. Porém, instruiu sua base para que ampliasse a
Emenda no intuito de permitir a reeleição sem limites aos governadores, prefeitos e
deputados. Não se tratava de uma manobra qualquer, ao contrário, teve impacto direto.
Com a possibilidade de reeleição também aos demais cargos nos poderes Executivo e
Legislativo, Chávez ganhava ainda mais apoio à proposta de Emenda Constitucional.
Havia muitos governadores e prefeitos que também tinham dificuldades em indicar
possíveis sucessores e, sobretudo, nutriam pretensões de postular suas candidaturas
indefinidamente.
Ademais, esta ampliação neutralizava o movimento oposicionista. Governadores
e prefeitos dos partidos da oposição também não desejavam deixar seus cargos após 2
mandatos e não lhes agradava discutir prováveis sucessores, sem contar com o risco de
perder as eleições aos competitivos candidatos governistas. Ou seja, entre os apoiadores
da Emenda haviam os fervorosos (pertencentes a base do presidente) e aqueles que
demonstravam uma falsa indiferença perante a matéria: governadores, prefeitos e
deputados da oposição. Não lhes era interessante demonstrar apoio publicamente à uma
proposta do governo, mas eles seriam beneficiados com sua aprovação.
Por outro lado, haviam os críticos à proposta de instituir a reeleição sem limites,
em sua maioria pessoas que não disputavam eleições, a exemplo da historiadora
Margarita López Maya. Em sua visão, Chávez revertia os avanços obtidos no primeiro
mandato (1999-2006), pois “o presidente tem concentração de poderes impressionante,
e a maioria que o rodeia é medíocre. Essa ideia de que o Estado é o mesmo que o
governo, que o governo é o mesmo que o partido, isso é socialismo autoritário”487. Com
base nesta afirmação, López Maya criticou a reeleição sem limites, pois tratava-se de
um instituto perigoso, pois ao longo da história venezuelana havia provocado efeitos
negativos ao país devido a sua vasta cultura autoritária488.
487. LOPEZ MAYA, Margarita (Entrevista). “Chávez reverte os próprios avanços”. Folha de S. Paulo.
São Paulo, 2 de fevereiro de 2009, p.9, No 29.170.
488. Idem.
224
Apesar da periculosidade apontada por López Maya, a Emenda Constitucional à
reeleição sem limites possuía apoio político. Após rápida tramitação, pouca discussão e
aprovação pelo Legislativo, ficou estabelecido, junto ao Conselho Nacional Eleitoral
que a Emenda Constitucional seria votada em 15 de fevereiro de 2009. Os eleitores
venezuelanos deveriam dizer SIM (aprovam) ou NÃO (desaprovam) a seguinte
pergunta:
¿Aprueba usted la enmienda de los artículos 160, 162, 174, 192 y 230
de la Constitución de la República, tramitada por la Asamblea
Nacional, que amplía los derechos políticos del pueblo, con el fin de
permitir que cualquier ciudadano o ciudadana en ejercicio de un
cargo de elección popular, pueda ser sujeto de postulación como
candidato o candidata para el mismo cargo, por el tiempo establecido
constitucionalmente, dependiendo su posible elección exclusivamente
del voto popular? 489
A pergunta submetida ao eleitor era complexa, porém, capciosa. Não mencionou
reeleição e buscou enfatizar o termo “ampliação dos direitos políticos do povo”.
Politicamente, ampliar a abrangência da Emenda Constitucional aos cargos
eletivos dos poderes Legislativo e Executivo era favorável a Chávez. Entretanto, ele não
relaxava o ritmo da campanha em favor da aprovação da matéria e Bolívar era utilizado
como instrumento de legitimação. Por isso, recordou a épica Batalha de Carabobo
(1821), responsável por libertar a Venezuela do domínio Espanhol. Chávez defendeu a
tese de que naquela Batalha o Libertador havia fornecido a todos os venezuelanos um
exemplo supremo de unidade e de organização. Logo, eles deveriam ser repetidos na
‘batalha’ pela aprovação da Emenda Constitucional à reeleição sem limites. Diante de
seus partidários, se posicionou como alguém em ‘sacrifício’, pois preferiria deixar o
poder e cuidar de seus assuntos pessoais. Porém, disse ter um compromisso com o povo
venezuelano de continuar uma obra iniciada por Bolívar no século XIX e que ainda não
havia sido concluída. Sendo assim, ele não poderia ir embora490. Segundo Chávez, o
489. VENEZUELA. Referendo aprobatório de la Emmienda Constitucional. 15 de febrero de 2009. In.
Consejo Nacional Electoral (CNE). República Bolivariana de Venezuela. Diponível em:
http://www.cne.gob.ve/divulgacion_referendo_enmienda_2009/ (acesso em 14 de abril de 2016).
490. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez, Acto del Frente Nacional
de Mujeres por el Sí a la Enmienda Constitucional. Paseo Campo de Carabobo. Municipio Libertador,
estado de Carabobo, 17 de enero de 2009. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://todochavez.gob.ve/todochavez/892-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-acto-del-
frente-nacional-de-mujeres-por-el-si-a-la-enmienda-constitucional (acesso em 8 de abril de 2016).
225
‘bom governante’ deve ser ‘premiado’ pelo povo com a continuidade no cargo e o mau
castigado com sua imediata expulsão do posto ocupado491.
Ao passo que o Referendo se aproximava, Chávez falava com mais frequência
em terceira pessoa. Em uma concentração em favor do SIM realizada na Avenida
Bolívar, afirmou: enquanto houver Chávez no poder haverá progresso na Venezuela e, a
partir de domingo, somente o povo poderá colocar e retirar governos. O presidente
enfatizou que comandava uma Revolução responsável por retirar mais de 5 milhões de
venezuelanos da miséria. Com a reeleição sem limites e a possibilidade de permanecer
no cargo, prometeu que a Revolução Bolivariana acabaria com a miséria no país492.
No dia da votação, Chávez publicou um artigo com o propósito de reforçar o
voto no SIM. O Libertador mais uma vez foi destacado. Segundo Chávez, aprovar a
reeleição sem limites seria:
Avanzar en el sueño y el proyecto libertario de nuestro Padre
Libertador, encarnarlo y realizarlo, para por la cita que hoy nos
espera: lo que comenzó a fraguarse a principios del silgo XIX, entre
el filo del pensamiento y el filo de la espada, lo podemos consolidar
este domingo, con nuestra firme voluntad de darnos el derecho de ser
real y verdaderamente libres, real y verdaderamente soberanos493.
Em 15 de fevereiro de 2009, o SIM à Emenda Constitucional à reeleição sem
limites aos cargos eletivos nos poderes Executivo e Legislativo foi aprovada por
54,85% dos votos, embora tenha havido uma abstenção de 33%494. Minutos após o
Conselho Nacional Eleitoral oficializar o resultado, Chávez fez questão de dizer que
aquela teria sido uma vitória popular do povo de Simón Bolívar.
El pueblo venezolano hoy está irradiando sus luces y sus virtudes
democráticas, humanistas, bolivarianas y revolucionaria, al mundo
entero. Que vea el mundo, pues, como brilla la luz del pueblo de
Simón Bolívar […]. La espada de Bolívar y el pensamiento de Bolívar
491. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez, en Juramentación de
Frente de Misiones Sociales por el Sí. Cambimas. Estado Zulia, 20 de enero de 2009. In. Discursos y
Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/894-intervencion-del-comandante-
presidente-hugo-chavez-en-juramentacion-de-frente-de-misiones-sociales-por-el-si (acesso em 8 de abril
de 2016).
492. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante concentración en
apoyo al SÍ a la Enmienda Constitucional. Avenida Bolívar. Caracas, 12 de febrero de 2009. In.
Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/1019-intervencion-del-
comandante-presidente-hugo-chavez-durante-concentracion-en-apoyo-al-si-a-la-enmienda-constitucional
(acesso em 8 de abril de 2016).
493. CHÁVEZ, Hugo. ¡Hoy 15 de febrero! Ser o no ser. Artículo publicado en el periódico Correo del
Orinoco. Caracas, 15 de febrero de 2009. In. Desde la primera línea (2009-2010). Caracas: Ediciones
del Correo del Orinoco, 2011, p.56-57.
494. VENEZUELA. Referendo aprobatório de la Emmienda Constitucional. 15 de febrero de 2009. In.
Consejo Nacional Electoral (CNE). República Bolivariana de Venezuela. Diponível em:
http://www.cne.gob.ve/divulgacion_referendo_enmienda_2009/ (acesso em 14 de abril de 2016).
226
que también es una espada; el pensamiento revolucionario de Simón
Bolívar, pensamiento antiimperialista, pensamiento presocialista […]
Aquí estamos padre Bolívar, 200 años después mostrándole al mundo
Antiguo la majestad del hombre nuevo, la majestad de la sociedad
nueva, la majestad del hombre nuevo y de la patria nueva495.
De acordo com Chávez, a imposição de “mandatos acelerados” aos países da
América Latina prejudicava a formação de projetos de desenvolvimento a longo prazo
nestas nações, razão pela qual a Venezuela dava um exemplo positivo ao instituir a
reeleição sem limites. O culto a Bolívar, os recursos vindos do petróleo, o carisma, o
apoio popular e a reeleição sem limites: com todo este cenário favorável lançou, naquele
mesmo dia, sua candidatura à presidência da República em eleições que ocorreriam
somente em 2012. Chávez deu a largada eleitoral e utilizou a vitória no Referendo da
Emenda Constitucional de fevereiro de 2009 como uma justificativa para manter aceso
o clima de disputa eleitoral.
No entanto, muitas vezes o presidente tomava decisões precipitadas, visto que
ainda restavam 4 anos de mandato. Em se tratando de um cenário político instável como
o venezuelano, era impossível afirmar com segurança se a aceitação da reeleição sem
limites se transformaria em triunfo eleitoral em 2012. Como o próximo item
demonstrará, fatores imprevisíveis, a exemplo do câncer diagnosticado no presidente em
2011, não impediram Chávez de vencer as eleições presidenciais de 2012, porém não o
deixaram tomar posse.
4.4 – Eleições e comoção social: Bolívar e Chávez nas presidenciais de 2012
A vitória no Referendo à reeleição sem limites permitiu a Chávez demonstrar
com exatidão qual seria o rumo tomado pela Revolução Bolivariana a partir daquela
data. O processo trilharia a seguinte trajetória: o presidente seria candidato a um quarto
mandato em 2012 e o principal instrumento de reafirmação de sua popularidade seria o
culto a Bolívar. Por mais que Chávez criticasse a ‘burguesia’ venezuelana por ter
transformado Bolívar em um culto, naquele momento, na visão de muitos venezuelanos,
495. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez tras conocerse los
resultados del referendo aprobatorio de enmienda constitucional. Balcón del Pueblo, Palacio de
Miraflores. Caracas, 15 de febrero de 2009. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://todochavez.gob.ve/todochavez/1023-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-tras-
conocerse-los-resultados-del-referendo-aprobatorio-de-enmienda-constitucional (acesso em 8 de abril de
2016).
227
parecia irrefutável que o presidente exercia justamente a função de principal expressão
do culto ao Libertador.
Com base nas fontes, é possível afirmar que a chegada de Chávez à presidência,
bem como a popularidade angariada ao longo de 14 anos no poder, foi viabilizada pela
forma que utilizou o culto ao prócer com o propósito de obter apoio político-eleitoral.
Este fenômeno, caracterizado por uma ‘dependência da figura de Bolívar’, se tornou
ainda mais evidente e foi um fator de desestabilização do cenário político a partir de
junho de 2011, quando Chávez foi diagnosticado com câncer, o que desencadeou
especulações, comoção social e dúvidas no tocante à possibilidade de não sobrevier até
as eleições de 2012.
Logo após o Referendo de fevereiro de 2009, a situação política do regime se
caracterizava da seguinte forma: estava descartada qualquer possibilidade de se projetar
um sucessor, ou uma terceira via dentro do PSUV que pudesse fazer frente a liderança
política do presidente. Esta realidade não permitia a Chávez esconder a existência de um
forte desejo de perpetuação no poder, algo frequente entre os presidentes venezuelanos
ao longo da história. A vitória no Referendo não apenas colocava Chávez como um
candidato natural em 2012, o tornava a única alternativa dentro de seu grupo político.
Além disso, na visão de muitos venezuelanos identificados com o regime, somente
Chávez era capaz de manter as conquistas adquiridas pela Revolução Bolivariana. Este
era o pensamento majoritário entre a parcela mais pobre da sociedade.
Conforme já foi destacado, a possibilidade de se candidatar indefinidamente ao
cargo de presidente da República evitaria uma delicada discussão no tocante a um
provável sucessor, que teria de ser um nome com o potencial agregador semelhante ao
de Chávez, sobretudo entre os militares. Naquele momento não havia ninguém que
preenchesse tais requisitos, tampouco era interessante a Chávez que houvesse outra
figura política capaz de rivalizar com a sua. Isto é, a inexistência de um ‘substituto
natural’ favoreceria Chávez no domínio de sua máquina partidária e, consequentemente,
do cenário político venezuelano. Contudo, ao ser diagnosticado com câncer em junho de
2011, esta situação tornou-se desfavorável, pois a ausência de uma figura com potencial
semelhante trouxe incertezas e risco de cisão ao grupo político do presidente.
Assim que a Emenda à reeleição sem limites foi aprovada em fevereiro de 2009,
Chávez se lançou candidato à presidência, em eleições que ocorreriam apenas em 2012.
Como consequência, o clima de disputa eleitoral não se dissipou, pois, as hostilidades e
os atos de violência envolvendo ambos os lados persistiram. O regime agiu firmemente
228
contra seus adversários. Além de reprimir as passeatas da oposição, o governo retirou
poderes do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma496, e instalou um governo “biônico”.
Também realizou várias operações policiais em residência de opositores, a exemplo do
apartamento do ex-presidente Jaime Lusinchi (1984-1989)497.
Na visão de muitos partidários do presidente, a instabilidade política era
provocada pelos grupos e instituições oposicionistas, em especial a alta-hierarquia da
Igreja Católica (descontente com a abordagem ‘socialista’ de Cristo feita pelo regime) e,
sobretudo, as emissoras de TVs privadas, responsáveis por fazerem severas críticas a
Chávez e as políticas implantadas pela Revolução Bolivariana. Em agosto de 2009,
militantes favoráveis ao presidente, comandados por Lina Ron, líder da União Popular
Venezuelana (UPV), invadiram a sede da emissora GloboVisión, dominaram os
seguranças e jogaram bombas de gás lacrimogênio no prédio. Em virtude do exagero da
ação, a justiça venezuelana teve que oferecer denúncia contra Lina Ron por nove
delitos, dentre os quais terrorismo498. Um ano antes, a líder da UPV e seus apoiadores
haviam invadido e ocupado o Palácio Arcebispal de Caracas.
Em diversas ocasiões, Chávez reprovou publicamente atitudes da “camarada
Ron”, a quem chamou de “incontrolável”. Por vários momentos tentou descolar sua
imagem de algumas ações da líder da UPV. Segundo Chávez, estes exageros
beneficiavam seus adversários, pois ofereciam argumentos à oposição para chamá-lo de
ditador. Entretanto, Lina Ron jamais deixou de apoiar Chávez, até mesmo pode-se
afirmar que suas ações violentas eram utilizadas pelo regime como uma forma de fazer
pressão coercitiva nos adversários. Era notório que havia um compromisso político
entre Chávez e a líder da UPV, demonstrado em discurso proferido por Chávez no
velório de Lina Ron, que morreu de infarto em março de 2011. Diante do caixão
embaixo de uma tenda rodeado por partidários, o presidente a chamou de cristã
496. Férreo opositor do presidente Chávez e de seu sucessor Nicolás Maduro, Ledezma ocupou vários
cargos eletivos, dentre os quais deputado, prefeito do município Libertador e da Região Metropolitana de
Caracas. Em 2009, Chávez nomeou um ‘governo biônico’ à Caracas e retirou funções de Ledezma. Como
reação, o prefeito fez greve de fome para denunciar o ato considerado intervencionista e arbitrário. Nas
eleições regionais de 2012, Ledezma foi reeleito, mas em 2015 o presidente Nicolás Maduro o acusou de
tramar um golpe de Estado. O Serviço Bolivariano de Inteligência deteve o prefeito em seu gabinete e um
processo foi instaurado na justiça. Atualmente cumpre prisão domiciliar.
497. MAISONNAVE, Fabiano. Polícia venezuelana fecha cerco contra opositores de Chávez. Folha de S.
Paulo. São Paulo, 28 de agosto de 2009, p.16, No 29.327.
498. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Chavista será denunciada por 9 delitos. Folha de S. Paulo. São
Paulo, 7 de agosto de 2009, p.15, No 29.346.
229
verdadeira, pois havia entregado a própria vida em favor das mulheres humildes da
Venezuela, as quais Lina supostamente encarnaria499.
Episódios como os destacados acima foram somente alguns dos exemplos que
demonstravam, no âmbito da sociedade venezuelana, o nível de acirramento das
disputas provocadas pela polarização política envolvendo o governo e a oposição.
Entretanto, é importante frisar que já havia um cenário fortemente marcado pela tensão
política e social. Mas, as hostilidades foram incrementadas pela antecipação da corrida
eleitoral de 2012, feita logo após a aprovação da Emenda à reeleição sem limites. Em
razão desta antecipação da campanha, o presidente da Venezuela não baixou a
intensidade das críticas aos oposicionistas (ou embainhou a espada, conforme
costumava dizer), tampouco diminuiu o ritmo de compromissos. Isso caracterizava
notoriamente a existência de um constante clima de batalha eleitoral.
Por mais que Chávez evitasse admitir, a campanha presidencial já estava em
andamento e o presidente-candidato recorreu, mais uma vez, às datas históricas da
República como uma forma de manter a presença do regime no espaço público. Poucos
dias após sair vitorioso no Referendo à reeleição sem limites, Chávez compareceu a
celebração em homenagem aos 150 anos do início da Revolução Federalista.
Também chamada de Guerra Federal, a Revolução Federalista foi uma
devastadora guerra civil travada entre forças políticas que se autodenominavam de
conservadoras (los rojos) e liberais (federalistas, ou los amarillos) pelo controle do
Estado. O conflito durou de 1858 a 1863, porém, as hostilidades foram encerradas de
fato apenas em 1870 com a vitória definitiva das forças federalistas. Tratou-se de um
conflito sangrento que vitimou mais de 350 mil pessoas e destroçou a economia
nacional. Para Salcedo-Bastardo, a Guerra Federal chegou a estremecer a sociedade
venezuelana da época, mas não foi capaz de transformar sua estrutura econômica no
sentido de trazer desenvolvimento ao capitalismo, pois sua consequência mais notória
foi reforçar o poder dos “caudilhos federais”, figuras personalistas e centralizadoras 500.
É notório o caráter conservador e aristocrático deste evento. Porém, para o
governo de Chávez, recuperar o legado histórico e heroico desta Revolução era
499. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto velatorio de
la dirigente popular y fundadora del Partido Unión Popular Venezolana (UPV) Lina Ron. Avenida
Urdaneta, Caracas, 6 de marzo de 2011. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://todochavez.gob.ve/todochavez/320-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-durante-
acto-velatorio-de-la-dirigente-popular-y-fundadora-del-partido-union-popular-venezolana-upv-lina-ron
(acesso em 9 de maio de 2016).
500. SALCEDO-BASTARDO, José Luis. História fundamental de Venezuela, p.391.
230
estratégico por sua importância entre os militares, sobretudo no tocante às batalhas e aos
feitos realizados pelos heróis federalistas daquele momento, todos eles militares,
principalmente a figura do general Ezequiel Zamora, autor da seguinte frase: “terras e
homens livres, horror a oligarquia”. Durante o evento, Chávez descartou qualquer tipo
de pacto com a oposição, pois seus adversários eram a mesma oligarquia rechaçada por
Zamora. Isto é, uma aproximação com o intuito de promover um diálogo com a
oposição seria entendida como uma tentativa de pacto. Para o presidente, este havia sido
o erro comedido pela maioria dos heróis federalistas do século XIX que, a exceção de
Zamora, acabaram fazendo pactos com a oligarquia dominante e, consequentemente,
traíram o povo da Venezuela501.
O presidente também ironizava constantemente seus adversários. Dizia
publicamente não acreditar que eles pudessem ganhar uma eleição à presidência. Em
razão da mudança de discurso de alguns opositores no tocante as Missões Sociais
desenvolvidas pelo governo, passando a enxergá-las positivamente, Hugo Chávez foi
enfático: a missão da oposição (ganhar a presidência) era uma missão impossível, pois
nunca mais voltariam a ocupar o Palácio de Miraflores. A ofensiva do presidente não
cessava. Em entrevista a José Vicente Rangel, não poupou seus adversários e utilizou
Bolívar como uma forma de justificar suas críticas. Para ele, a oposição era golpista,
apátrida e traiçoeira. Emplacou o seguinte raciocínio: eles não atacavam diretamente a
Bolívar, mas ao modelo de nação que o prócer representava e que, naquele momento,
estava encarnado na figura do presidente Chávez. Também acusou seus adversários de
desfigurar a personalidade do Libertador, seus ideais e de minimizar o que Bolívar de
fato representava na história da Venezuela502.
Com tais palavras, buscava reforçar a imagem de antibolivarianos de seus
adversários para desqualificá-los. Abandonando a desacreditada retórica do esforço em
promover um diálogo sincero com a oposição, Chávez afirmou que somente um
501. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante desfile cívico
militar en conmemoración del 150º aniversario de la Revolución Federal. Avenida Ramón Antonio
Medina. Coro, estado Falcón, 20 febrero de 2009. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://todochavez.gob.ve/todochavez/1026-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-
durante-desfile-civico-militar-en-conmemoracion-del-150-aniversario-de-la-revolucion-federal (acesso
em 8 de abril de 2016).
502. CHÁVEZ, Hugo. Dialogante, pacifista y subversivo. Caracas, 17 de enero de 2010. In: RANGEL,
José Vicente. De Yare a Miraflores, p.297.
231
excelente psicólogo seria capaz de interpretar seus opositores em razão das inúmeras
mentiras que propagavam nos meios de comunicações, ao pregarem o ódio e o caos503.
O presidente Chávez também reforçava sua figura perante o regime através de
datas consideradas estratégias à nacionalidade venezuelana, permeada pelo culto a
Bolívar, de uma forma eleitoralmente vantajosa. No ano de 2010, este tipo de estratégia
ganharia uma dimensão ainda maior, pois haveria o início das comemorações do
bicentenário da Independência. Em artigo publicado no Correo del Orinoco, é possível
perceber que as comemorações do bicentenário seriam utilizadas para reforçar a própria
imagem até as eleições de 2012. O presidente evocava uma data histórica (1810) como
uma forma de destacar uma fase da Revolução Bolivariana que começaria 200 anos
depois (ou seja, em 2010) e seria finalizada teoricamente no longínquo ano de 2030,
quando se comemoraria o bicentenário da morte de Simón Bolívar, data prevista por
Chávez para deixar a presidência da República.
Pocos días faltan ya para la celebración del Bicentenario del 19 de
abril de 2010. Un día que tiene que ser de fiesta nacional y popular,
pero que también debe convertirse en el punto de partida de un gran
ejercicio de reflexión colectiva y permanente, durante toda esta era
bicentenaria que culminará el 17 de diciembre de 2030504.
Conforme discutiu-se no Capítulo 1, a Ata da Independência da Venezuela foi
assinada somente em 5 de julho de 1811 e o Primeiro Congresso Nacional havia
iniciado os trabalhos em 2 de março do mesmo ano. Ou seja, mais de um ano após o 19
de abril de 1810, data em que os venezuelanos historicamente comemoram o início do
processo que culminou com a Independência. Porém, o ocorrido em 19 de abril de 1810
não foi exatamente a Independência. Tratou-se de um evento extremamente
conservador, pois não visava a emancipação política em relação à Metrópole.
Esta data é marcada pela destituição do capitão-geral da Venezuela, Vicente
Emparan, pelo Cabildo de Caracas, formado por militares pertencentes a elite criolla.
Ao destituir o capitão-geral, o Cabildo formou uma Junta Suprema com a qual
503. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto con motivo
del XI aniversario del inicio del Gobierno Revolucionario y juramentación del vicepresidente ejecutivo
de la República Elías Jaua. Teatro Teresa Carreño, Caracas, 2 de febrero de 2010. In. Discursos y
Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/482-intervencion-del-comandante-
presidente-hugo-chavez-durante-acto-con-motivo-del-xi-aniversario-del-inicio-del-gobierno-
revolucionario-y-juramentacion-del-vicepresidente-ejecutivo-de-la-republica-elias-jaua (acesso em 8 de
maio de 2016).
504. CHÁVEZ, Hugo. ¡Independencia!. Artículo publicado en el periódico Correo del Orinoco. Caracas,
4 de abril de 2010. In. Desde la primera línea (2009-2010). Caracas: Ediciones del Correo del Orinoco,
2011, p.416.
232
resguardou os direitos do Rei Fernando VII. Esta atitude era considerada extrema para a
época, mas foi realizada em razão do monarca espanhol ter sido forçado a renunciar ao
trono após as tropas de Napoleão ocuparem a península Ibérica em 1808. Por mais que a
elite criolla estivesse descontente com várias medidas vindas da Coroa, os franceses
eram vistos com profunda hostilidade e considerados usurpadores pelos espanhóis
americanos.
El Ayuntamiento quedó transformado, por el acta del 19 de abril, en
gobierno, asumiendo luego el nombre de Junta Suprema de Caracas
para gobernar las provincias de Venezuela. Se dio el tratamiento de
Alteza y luego el nombre completo de Suprema Junta Conservadora
de los derechos de Fernando VII en las provincias de Venezuela505.
Ainda que houvesse um indiscutível ranço conservador e monarquista no 19 de
abril, o governo Chávez valorizava a data por se tratar de uma excelente oportunidade
para evocar a nacionalidade venezuelana e, consequentemente, o culto a Bolívar.
Ademais, recursos foram investidos na construção de monumentos em homenagem ao
bicentenário da Independência, a exemplo de um obelisco na praça El venezolano em
Caracas506. Por meio do Plano Caracas Bicentenária, o regime iniciou uma série de
restaurações em prédios, monumentos e construções históricas da capital, onde começou
o movimento independentista, sobretudo aqueles que reportavam ao período da
Independência507. O projeto de recuperação não estava concluído durante as celebrações
de 19 de abril de 2010.
Na visão do regime, este investimento era realmente necessário, ainda que o
momento econômico fosse desfavorável, pois Bolívar, a Independência e seus heróis
eram utilizados com o propósito de atenuar os problemas do país, sobretudo na
economia. Conforme destaca Fernando Coronil, “essa reiteração de heróis do passado
ocorre porque há uma crise no futuro. [...] A constante celebração revela a necessidade
de ter um fundamento sólido quando o horizonte de futuro parece falso”508.
Contudo, o que havia era uma crise econômica no presente, desencadeada após a
bolha imobiliária norte-americana de 2008. Por mais que Chávez e seus ministros
refutassem, a crise havia impactado a economia venezuelana, periférica e dependente
505. MORON, Guillermo. Historia de Venezuela, p.260.
506. BRITO, María Alejandra. Inaugurado el monumento conmemorativo del 19 de abril de 1810. Correo
del Orinoco. Caracas, 19 de abril de 2010, p.3, No 227.
507. MÉNDEZ, Raúl. Fiesta del bicentenario se celebró en una Caracas totalmente rejuvenecida. Correo
del Orinoco. Caracas, 20 de abril de 2010, p.10, No 228.
508. CORONIL, Fernando (Entrevista). ‘Reiteração de heróis do passado ocorre porque há crise no
futuro’. Folha de S. Paulo. São Paulo, 18 de abril de 2010, p.18, No 29.600.
233
das rendas do petróleo. Desta forma, atrelar a imagem do homem no poder (Chávez)
com Bolívar era estratégico em razão da existência de uma crise econômica mundial.
Ou seja, celebrar o bicentenário da Independência com um cronograma de eventos
pátrios e bolivarianos (desfiles, paradas militares, monumentos, restaurações, etc.) era
extremamente estratégico ao regime e relativamente eficaz em atenuar os efeitos da
crise e da vulnerabilidade da economia venezuelana na popularidade do presidente. No
dia em que se celebra o nascimento do Libertador (feriado no país e tradicionalmente
marcado por discursos presidenciais), Chávez não perdeu a oportunidade de exaltá-lo
como o ator principal, senão único, do processo de Independência.
Así que necesario es que hoy a 227 años del nacimiento del niño
Simón Bolívar, del hombre Bolívar, del padre Simón Bolívar, nos
coloquemos compatriotas de Venezuela toda en perspectiva histórica,
miremos el camino largo, ese camino nos trajo aquí 227 años
después, y miremos hacia adelante el camino por andar, el camino en
construcción lleno de grandes posibilidades, pero también lleno de
grandes amenazas509.
Segundo Chávez, a Independência ainda estava em construção 200 anos após a
destituição do capitão-geral de Caracas (1810), a exemplo da persistência das ameaças à
não consolidação da pátria. Os inimigos de Chávez e, consequentemente do Libertador,
teriam que continuar existindo, caso contrário retiraria a ‘razão de luta’ com a qual o
regime estimulava seus partidários. Como a Revolução Bolivariana de Chávez era
interpretada no sentido de uma ‘segunda Independência’, ou mesmo a continuação do
processo desencadeado no começo do século XIX, este tipo de interpretação deveria ser
constantemente difundido e reforçado pelo regime.
Além disso, já era inegável que há alguns anos a Revolução Bolivariana vinha
sendo marcada por posições extremamente radicais, vindas de seu líder e figura central.
Em diversas ocasiões, sobretudo diante de uma multidão de partidários e valendo-se da
visão militarista que tinha da política, Chávez pregava a lealdade e a unidade no campo
de batalha como fatores essenciais. O contrário de posturas como estas deveriam ser
consideradas uma traição aos ideais revolucionários e, principalmente, ao Libertador.
Isso porque, além das eleições presidenciais de 2012, disputa antecipada por Chávez,
509. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto de
conmemoración del 227º aniversario del natalicio del Libertador Simón Bolívar. Panteón Nacional,
Caracas, 24 de julio de 2010. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://todochavez.gob.ve/todochavez/1271-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-
durante-acto-de-conmemoracion-del-227-aniversario-del-natalicio-del-libertador-simon-bolivar (acesso
em 26 de fevereiro de 2016).
234
em 2010 haveria eleições legislativas na Venezuela. Era fato que o regime não mais
contaria com uma maioria esmagadora, ou uma unanimidade a exemplo do ocorrido em
2005 devido ao boicote da oposição às eleições legislativas daquele ano.
Com base nas diretrizes estabelecidas em janeiro de 2008 que consolidava a
posição de disputar eleições contra os candidatos oficialistas, a oposição participaria do
pleito de 2010, o que forçava o presidente Chávez a estipular uma nova meta: eleger
mais de dois terços dos deputados para garantir a aprovação de matérias estratégicas aos
interesses do poder Executivo. Publicamente, o presidente adotaria, novamente, a
estratégia de se engajar na campanha em favor de seus candidatos em todos os estados
venezuelanos. Se elegesse uma maioria significativa enfraqueceria as pretensões da
oposição de chegar fortalecida as eleições presidenciais de 2012. Tendo em vista este
fator e utilizando-se da estratégia de falar em terceira pessoa, estipulou como meta obter
70% dos votos a seus candidatos naquela eleição510. Na visão de Chávez e de seus
partidários, os votos depositados na eleição legislativa de 2010 não seriam
necessariamente votos ao PSUV ou aos candidatos inscritos na lista, seriam votos dados
ao presidente Chávez por meio de seus candidatos ao legislativo. Esta era a mensagem
subliminar do regime, por isso Chávez insistia em discursar em terceira pessoa.
Em discurso aos candidatos do PSUV à Assembleia Nacional, entrou em cena
para desqualificar os candidatos da oposição ao parlamento. Chávez os chamou de
burgueses e os acusou de estarem instruídos para deter o andamento da Revolução
Bolivariana e da construção da pátria sonhada pelo Libertador. Ao optar novamente pela
estratégia do medo, visava reforçar o raciocínio de que uma eventual vitória
oposicionista nas eleições legislativas poria em risco todas as conquistas sociais obtidas
por meio do regime. Portanto, o presidente dizia abertamente que os candidatos da
coalizão opositora eram uma ameaça511.
Ao desconsiderar a trivial retórica da ameaça inerente ao debate político
venezuelano, havia razão para o temor de Chávez e de seus aliados. Pela primeira vez
510. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto de
conmemoración del 52 aniversario del 23 de enero de 1958. Caracas, 23 de enero de 2010. In. Discursos
y Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/443-intervencion-del-comandante-
presidente-hugo-chavez-durante-acto-de-conmemoracion-del-52-aniversario-del-23-de-enero-de-1958
(acesso em 8 de maio de 2016).
511. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Presidente del Partido Socialista Unido de Venezuela durante
caravana de candidatos y candidatas del PSUV a la Asamblea Nacional en el estado Zulia. Estado Zulia,
17 de septiembre de 2010. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://todochavez.gob.ve/todochavez/1061-intervencion-del-presidente-del-partido-socialista-unido-de-
venezuela-durante-caravana-de-candidatos-y-candidatas-del-psuv-a-la-asamblea-nacional-en-el-estado-
zulia (acesso em 8 de maio de 2016).
235
desde 1999 os candidatos da oposição apresentavam chances de eleger, senão uma
maioria, uma quantidade significativa de deputados capaz de ameaçar o domínio do
presidente no cenário político. Provavelmente, o governo já havia percebido o
crescimento eleitoral dos candidatos da oposição, sobretudo nos setores sociais mais
pobres, parcela do eleitorado habituada a votar em Chávez e em seus candidatos.
Por isso, a presença de Chávez naquele pleito em favor de seus candidatos era
ainda mais necessária, não economizando em aparições públicas através de viagens por
toda a Venezuela, sobretudo nos estados em que as sondagens indicavam vantagem dos
candidatos oposicionistas. A estratégia a ser utilizada, com a qual moldaria a retórica
presidencial, foi apelar ao medo e ao emocional de seus partidários e demais eleitores,
por meio de uma massiva propaganda estatal. Chávez não media o teor apelativo em
seus discursos, chegou a afirmar estar disponível de “corpo e alma” à Revolução
Bolivariana. Disse que até varreria a Avenida Urdaneta, se assim o povo da Venezuela
desejasse.
É fato que Chávez se empenhou em favor de seus candidatos nas eleições
legislativas realizadas em 26 de setembro de 2010. Porém, isso não foi suficiente para
impedir que sua base de apoio na Casa encolhesse a um patamar que desagradou o
regime, pois não obtiveram os dois terços almejado. Outro ponto a destacar foi que
antes da campanha começar o governo havia feito alterações em vários distritos
eleitorais, redistribuiu vagas no Legislativo de distritos onde os candidatos do PSUV
tinham menos chances de serem eleitos para aqueles onde eram notavelmente mais
fortes, sobretudo nas áreas rurais onde se localizava o campesinato venezuelano,
marcadamente apoiadores do presidente512.
Dos 167 deputados eleitos, 98 pertenciam à coalizão PSUV/PCV contra 64 da
coalizão Mesa de Unidade Democrática (MUD). Outros 5 parlamentares foram eleitos
pelo dissidente PPT. Dos 23 estados, em 18 o PSUV fez a maior bancada.
Numericamente o governo de Chávez venceu aquelas eleições, pois continuou com
maioria no parlamento e nas bancadas por estado. Porém, o tamanho da vitória foi
menor do que se vislumbrava, pois, com 98 deputados era possível formar uma maioria,
mas estava longe de dois terços, ou seja, 112 deputados, almejado durante a campanha.
Logo após a divulgação dos resultados, Chávez foi a imprensa desqualificar os
votos e a comemoração oposicionista. Por mais que seus adversários estivessem
512. MARREIRO, Flávia. Chávez perde força para mudar Constituição. Folha de S. Paulo. São Paulo, 28
de setembro de 2010, p.9, No 29.763.
236
celebrando a volta ao parlamento após a equivocada estratégia do boicote de 2005, o
presidente os acusou de manipular os resultados por meio da imprensa. Ao ler os
números, Chávez acusou a MUD de usurpar votos de outras organizações políticas.
[El presidente] puntualizó las cifras: el PSUV conquistó 5.422.040
votos, y la MUD, 5.320.175 votos. Acusó a la MUD de sumar para sí
520.000 votos que no le pertenecen, sino que forman parte de otras
organizaciones políticas. Insistió, no obstante, en que prefiere a la
contrarrevolución en el Parlamento, por la vía democrática, y no en
el golpe de Estado513.
Para além das corriqueiras provocações, se somasse os votos obtidos pelo
partido dissidente PPT, a oposição teria obtido uma maioria de menos de 1% dos votos
em relação ao PSUV, por isso Chávez acusou a MUD de contar com votos que não
haviam sido dados a esta coalizão. Os números obtidos em virtude das eleições
legislativas em setembro de 2010 revelaram que havia um desgaste do governo perante
uma parcela considerável, quase a metade, dos eleitores venezuelanos. Um reflexo,
portanto, da polarização, com pouquíssimos canais de diálogo entre ambos os lados.
Cada vez mais o discurso de demonizar o inimigo/adversário permeava o cenário
político venezuelano. Tratava-se de uma hostilidade presente em ambos os lados
(governo e oposição). Contudo, o presidente Chávez enxergava a polarização e a
radicalização dos discursos como a melhor estratégia para neutralizar o crescimento
eleitoral da oposição nas eleições de setembro de 2010. Ademais, com o fim do pleito
legislativo as atenções se voltaram à sucessão presidencial de 2012, antecipada por
Chávez logo após aprovada a Emenda à reeleição sem limites em 2009. A meta seria
não permitir que o crescimento da oposição no Legislativo pudesse impedir a conquista
de um quarto mandato. A saída encontrada já era conhecida: radicalizar o discurso e
utilizar o culto a Bolívar. Diante do Conselho de Ministros, Chávez foi enfático:
Hemos hablado de la repolarización del país y yo insisto en esto, aquí
hay dos polos, la ultraderecha que está agrupada allí y el polo
patriótico, nosotros; los patriotas y los apátridas, y cada quien escoja
pues, el proyecto que está contenido aquí, el proyecto patrio, el
proyecto bolivariano […]514.
513. DAVIES, Vanessa. Chávez: “la Revolución conquistó 98 curules en la AN”. Correo del Orinoco.
Caracas, 28 de septiembre de 2010, p.2, No 388.
514. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez en Consejo de Ministros.
Palacio de Miraflores, Caracas 24 de noviembre de 2010. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://todochavez.gob.ve/todochavez/758-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-en-
consejo-de-ministros (acesso em 8 de maio de 2016).
237
Chávez queria enfatizar que a coalizão MUD representava a ultradireita
antibolivariana, apátrida e, portanto, inimiga do Libertador. A estratégia do regime seria
aliar os adversários daquele momento com os antecessores de Chávez, responsáveis pela
crise estrutural que abalou a Venezuela nas décadas de 1980 e 1990, mas que acabou
viabilizando sua chegada ao poder. Em discurso aos militares em dezembro de 2010, o
presidente fez questão de aliar a imagem de seus opositores com os dos ex-presidente
Rafael Caldera e Carlos Andrés Pérez que haviam falecido recentemente (dezembro de
2009 e dezembro de 2010, respectivamente). Para Chávez, a oposição e seus ex-
presidentes eram cadáveres insepultos da velha política. Com este argumento, refutou as
críticas vindas de líderes partidários dizendo que Caldera e Pérez eram democratas e
Chávez não. O presidente respondeu rispidamente, os acusou de serem corruptos, uma
vergonha à pátria e responsáveis por saquear o país515.
A hostilidade de Chávez para com seus antecessores era conhecida, sobretudo
em relação a Carlos Andrés Pérez, contra quem promoveu uma tentativa de golpe de
Estado em 1992. Este rechaço refletia nos meios de comunicação estatais. Ao noticiar o
falecimento de Pérez de infarto fulminante em Miami, o Correo del Orinoco publicou
longas matérias que relembravam às torturas, execuções e desaparecimento de
opositores ocorrido durante os distúrbios sociais de fevereiro e março de 1989,
conhecido como Caracazo, durante o segundo mandato de Pérez (1989-1993).
Através dos rechaços a oposição e a “seus ex-presidentes”, Chávez tentava
convencer seus partidários e demais eleitores venezuelanos que o povo da Venezuela
escolheria em 2012 entre seguir com um projeto libertário, ou voltar aos governos da
direita que oprimiam o povo e não construíam a pátria sonhada por Simón Bolívar. Em
discurso na abertura do ano legislativo de 2011, o primeiro após o retorno da oposição,
o presidente instou os parlamentares oposicionistas a não se deixarem levar pela
loucura. Em sua longa intervenção, afirmou haver muita mentira na política, se disse
vítima destas invenções, pois faziam com ele o mesmo que haviam feito com Bolívar no
século XIX: ou seja, assim como inventaram que Bolívar queria coroar-se rei, inventam
que Chávez desejaria implantar o comunismo na Venezuela516.
515. CHÁVEZ, Hugo. Salutación de fin de año del Comandante Presidente Hugo Chávez a los
integrantes de la Fuerza Armada Nacional Bolivariana. Maracay, estado Aragua, 28 de diciembre de
2010. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/712-salutacion-
de-fin-de-ano-del-comandante-presidente-hugo-chavez-a-los-integrantes-de-la-fuerza-armada-nacional-
bolivariana (acesso em 8 de maio de 2016).
516. CHÁVEZ, Hugo. Presentación de memoria y cuenta ante la Asamblea Nacional por parte del
Comandante Presidente Hugo Chávez. Palacio Legislativo, Caracas, 15 de enero de 2011. In. Discursos y
238
Para o presidente, seus adversários temiam a história, pois eram “herdeiros” dos
responsáveis pela traição ao Libertador no século XIX, ou seja, estar contra Chávez
seria o mesmo que estar contra a pátria e contra Bolívar517. O uso da história para
desqualificar a oposição sempre foi uma estratégia utilizada pelo regime, segundo o
qual a ultradireita venezuelana, representada pelos adversários do presidente, zombam
da história e queriam Bolívar “morto”.
[…] ustedes oyen con mucha frecuencia a dirigentes de la
ultraderecha venezolana burlarse de la historia y lo dicen de distintas
maneras: no que a Bolívar hay que dejarlo quieto porque está muerto.
Bueno en primer lugar habría que recordarles que Bolívar no está
muerto porque Bolívar vive en el pueblo518.
Com base no demonstrado ao longo deste item, Hugo Chávez não abandonaria a
postura de candidato a presidente, pois tratava-se da forma através da qual reforçava sua
presença no espaço público e exercia seu domínio no cenário político. Entretanto, além
desta postura radical com polarização, houve um acontecimento inesperado responsável
por provocar um misto de comoção social e instabilidade política na Venezuela: o
diagnóstico de câncer do presidente, oficialmente admitido em junho de 2011.
Poucos dias antes do anúncio oficial da doença, assessores próximos a Chávez
refutavam a existência de um câncer, dizendo que ele se recuperava em Cuba de uma
cirurgia de emergência, realizada para conter um abscesso pélvico. Os meios de
comunicações estatais ajudavam a difundir esta tese, dizendo que Chávez se recuperava
satisfatoriamente e voltaria ao país o mais rápido possível. Até estipularam uma data de
retorno: 5 de julho de 2011, quando se comemoraria o bicentenário de assinatura da Ata
de Independência da Venezuela.
Partidários de Chávez preparavam uma grande concentração para recebê-lo no
aeroporto. Na visão de muitos deles, a provável enfermidade seria um motivo a mais
Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/253-presentacion-de-memoria-y-
cuenta-ante-la-asamblea-nacional-por-parte-del-comandante-presidente-hugo-chavez (acesso em: 9 de
maio de 2016).
517. CHÁVEZ, Hugo. Pertenezco a ese tiempo de hace 200 años. Caracas, 13 de febrero de 2011. In:
RANGEL, José Vicente. De Yare a Miraflores, p.335-354.
518. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto de
conmemoración de los 22 años del Caracazo, Día de la Rebelión Popular. Avenida Francisco de
Miranda, Petare, Estado Miranda, 27 de febrero de 2011. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://todochavez.gob.ve/todochavez/298-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-durante-
acto-de-conmemoracion-de-los-22-anos-del-caracazo-dia-de-la-rebelion-popular (acesso em 9 de maio de
2016).
239
para receber o presidente com entusiasmo no desembarque em Maiquetía519. Na
verdade, o câncer que acabou levando Chávez à morte em março de 2013 nunca foi
esclarecido. O presidente, sua família e assessores próximos não especificaram nem o
órgão onde estava alojado. Publicamente sempre foi dito que tinha câncer na região
pélvica e o tratamento, realizado em Cuba, foi cercado de mistério.
Contudo, em junho de 2011 já havia pistas indicando que o quadro clínico de
Chávez era complicado. Não há dúvidas de que as informações eram imprecisas,
desconexas e havia um esforço de membros do governo em demonstrar eficácia no
tratamento e rápida melhora no quadro clínico. Entretanto, o presidente ficou
praticamente um mês sem aparecer em público e se comunicava esporadicamente por
meio de seu Twitter. Enquanto isso, sua mãe, Elena Frías, ordenou que fossem rezadas
inúmeras missas e cultos ecumênicos pedindo a Deus pela saúde de seu filho. O
governador do estado de Barinas e irmão do presidente, Adán Chávez, cogitou até
mesmo a hipótese de utilizar a luta armada para defender a Revolução Bolivariana520.
Todos estes fatores contribuíam para aumentar a instabilidade política do país e
a oposição cobrava notícias mais exatas no tocante ao estado de saúde do presidente.
Estava complicado esconder a doença, ainda mais quando Salvador Navarrete, que
havia sido médico de Chávez durante alguns anos, afirmou, em entrevista, que o
presidente estava com câncer avançado e teria, no máximo, 2 anos de vida. Isso foi o
suficiente para o regime pressionar Navarrete, enviar policiais a seu consultório em
Caracas e forçá-lo a se exilar na Espanha521.
A partir deste momento, era evidente que o regime teria de alterar a sua
estratégia, pois o ativismo presidencial, característico de Chávez ao longo de sua
trajetória política, seria restringido em virtude da enfermidade e das consequências do
tratamento quimioterápico. Isso abriu margem a uma nova estratégia: conciliar o culto a
Bolívar com um clima de comoção social em relação ao presidente-candidato-enfermo.
Dessa forma, Chávez poderia reforçar o senso ‘místico’ da Revolução Bolivariana, ao
apelar a Deus, a Cristo, aos espíritos da savana, etc. Ele já se comportava como alguém
imbuído de uma missão divina, com a doença poderia aumentar o grau de dramaticidade
da Revolução.
519. MARREIRO, Flávia. Simpatizantes de Chávez preparam megafesta para receber presidente de volta.
Folha de S. Paulo. São Paulo, 18 de junho de 2011, p.22, No 30.026.
520. MARREIRO, Flávia. Aliados de Chávez negam que ele esteja com câncer. Folha de S. Paulo. São
Paulo, 27 de junho de 2011, p.15, No 30.035.
521. CARROL, Rory. Comandante: a Venezuela de Hugo Chávez, p.277.
240
Em discurso proferido em 30 de junho de 2011 transmitido direto de Havana,
Chávez anunciou oficialmente ao país e ao mundo que possuía células cancerígenas em
seu corpo. Esta estratégia, de aliar comoção social com o culto ao Libertador, tornou-se
evidente. Em pronunciamento lido (algo não usual), começou com uma frase atribuída a
Simón Bolívar, segundo a qual o tempo seria um ‘ventre que contém mais esperanças
do que sucessos passados’. Apelando a Deus, santos e espíritos, anunciou:
[…] comencé a pedirle a mi señor Jesús, al Dios de mis padres como
diría Simón Bolívar, al manto de la virgen, diría mi madre Elena, a
los espíritus de la sabana, diría Florentino Coronado, para que me
concedieran la posibilidad de hablarles […] desde este camino
empinado por donde siento que voy saliendo ya de otro abismo, ahora
quería hablarles con el sol del amanecer que siento que ilumina […]
vamos con nuestro padre Bolívar en vanguardia a seguir subiendo la
cima del Chimborazo522.
Este discurso revelava mais do que uma enfermidade indisfarçável. Tornou-se
nítido que Chávez não lutaria apenas por sua vida, mas também para ser reeleito
presidente da República em 2012, sendo que a enfermidade seria tratada como mais um
desafio a ser superado por alguém – um soldado revolucionário – que estava em
permanente batalha. Por outro lado, seus adversários teriam que formar uma estratégia
que atenuasse o sentimento de comoção social que tomou conta de uma parte
significativa da Venezuela. A partir deste momento, a Revolução Bolivariana tornou-se
ainda mais messiânica em razão da postura adotada pelo presidente de transcendência
no tocante a obtenção de cura da grave doença. Enrique Krauze sintetiza, criticamente,
qual o papel ocupado pela enfermidade do presidente no cenário político venezuelano:
Chávez não é apenas um caudilho: é um redentor. Para alimentar esta
distorcida dimensão religiosa, ele abusou do púlpito da mídia. Para um
amplo setor da sociedade venezuelana, Chávez tem sido a
reencarnação de Bolívar e até um substituto de Cristo, ainda mais
agora que converteu sua penosa enfermidade num calvário público523.
É notável o rechaço de Krauze a líderes com o perfil de Chávez. Porém, suas
palavras indicam um fato: a partir daquele momento, em praticamente todos os eventos
públicos o presidente mencionaria Deus, Bolívar, o manto da virgem e os espíritos da
savana, ao pedir forças para continuar servindo a pátria como soldado no campo de
522. CHÁVEZ, Hugo. Mensaje a la Nación del Comandante Presidente Hugo Chávez. La Habana, Cuba,
30 de junio de 2011. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://todochavez.gob.ve/todochavez/416-mensaje-a-la-nacion-del-comandante-presidente-hugo-chavez
(acesso em 26 de fevereiro de 2016).
523. KRAUZE, Enrique. O poder e o delírio, p.362.
241
batalha. Neste sentido, tornava-se cada vez mais estratégico que as palavras socialismo,
cristianismo e bolivarianismo fossem tratadas como sinônimas, sem desconsiderar os
eventos em comemoração ao bicentenário da Independência, com os quais reforçaria a
presença de Chávez, para demonstrar que se recuperava em tempo hábil, rumo às
eleições presidenciais de 2012.
Em um ano de comemoração do bicentenário da Independência, o regime, por
meio de seu líder, legitimou a tese de que o processo histórico em curso completaria
200 anos, com o propósito de passar a seguinte mensagem: a enfermidade do presidente
era apenas um percalço a mais na continuidade deste processo, sendo que as eleições
presidenciais de 2012 seriam um ponto crucial no sucesso ou fracasso desta empreitada.
Por isso, em discurso proferido na abertura do ano legislativo de 2012, Chávez afirmou
que o Libertador e a Independência eram os bens mais valiosos da pátria. Com a cabelo
raspado em virtude das sessões de quimioterapia e tentando dissipar as incertezas no
tocante a sua saúde, o presidente garantiu a nação que sobreviveria até o ano de 2030
para comemorar, não mais a morte de Bolívar, mas a retomada de seu ideário
político524.
Entretanto, poucas semanas após afirmar que viveria até 2030 para celebrar mais
um ‘retorno’ de Bolívar, Chávez anunciou na Televisão que se submeteria a outra
cirurgia em Cuba para combater ‘lesões’ na região pélvica. O anúncio foi recebido com
apreensão e provocou ainda mais incertezas. O presidente apelou ao clima de comoção
social em virtude de sua convalescência, fez este anúncio ao lado de seus pais e em sua
terra natal, Barinas. Chorou copiosamente e, com a voz embargada, pediu desculpas a
seus eleitores. Afirmou ser um ser humano como qualquer outro e que estava com
câncer. Porém, refutou a tese de metástase e de morte iminente525. Após este fato, todo
tipo de especulações e rumores ganharam notoriedade no sentido de que Chávez
retiraria sua candidatura à presidência. A direção do PSUV foi imediatamente a público
reafirmar: Chávez é o nosso candidato526.
524. CHÁVEZ, Hugo. Presentación de memoria y cuenta ante la Asamblea Nacional por parte del
Comandante Presidente Hugo Chávez. Caracas, 13 de enero de 2012. In. Discursos y Alocuciones.
Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/12-presentacion-de-memoria-y-cuenta-ante-la-
asamblea-nacional-por-parte-del-comandante-presidente-hugo-chavez (acesso em 9 de maio de 2016).
525. COLOMBO, Sylvia. Chávez diz que passará por nova cirurgia. Folha de S. Paulo. São Paulo, 22 de
fevereiro de 2012, p.10, No 30.275.
526. DAVIES, Vanessa. PSUV: “Chávez es y seguirá siendo el candidato nuestro para las elecciones del
7 de octubre”. Correo del Orinoco. Caracas, 23 de febrero de 2012, p.3, No 888.
242
Por outro lado, a oposição estava pronta para enfrentar Chávez nas eleições de
2012. O candidato escolhido foi Henrique Capriles Radonski527, governador do estado
de Miranda e vencedor das prévias realizadas no âmbito da coalizão MUD. Ele oferecia
credenciais para o desafio: era jovem (40 anos), membro de uma das famílias mais ricas
da Venezuela e líder-fundador do partido Primero Justicia (PJ). Considerado o
‘governador-galã’, Capriles se destacou nos debates por ter um perfil mais moderado do
que seus concorrentes, portanto, receptivo à parcela indecisa do eleitorado, ou até
mesmo à potenciais eleitores de Chávez descontentes com a radicalização do regime.
Entretanto, Capriles não era casado e havia dúvidas no tocante a sua
heterossexualidade, embora fosse constantemente visto ao lado de mulheres bonitas e
namorava famosas. Em um país fortemente impactado pela cultura do machismo, isto
poderia oferecer argumentos aos adversários para desqualificá-lo. Apesar disso, o líder
do PJ era o único com chances de impedir o quarto mandado de Chávez. Chamado
pelos meios de comunicações estatais de “el abanderado de la derecha”, o governador
de Miranda parecia disposto a enfrentar um processo eleitoral com ataques pessoais e
hostilidade entre apoiadores.
Com o candidato oposicionista escolhido, Chávez continuou sua ofensiva contra
a oposição, ao dizer que eles seriam derrotados de qualquer maneira nas eleições de 7 de
outubro de 2012528. Também optou por desqualificá-los os chamando de burgueses,
imperialistas e apátridas. Para Chávez, seus adversários estavam contra Bolívar e seu
projeto de nação. Ao citar o filósofo Nietzsche, chegou a afirmar que os oposicionistas
eram o niilismo, enquanto ele era a pátria e Bolívar529.
Mais uma vez o Libertador seria o mote em uma campanha eleitoral. Em
discurso na Assembleia Nacional em comemoração dos 193o (centésimo-nonagésimo-
terceiro) aniversário do Discurso de Angostura (1819), o presidente deu o tom da
campanha presidencial de 2012. Segundo ele, o projeto originário de Bolívar havia sido
527. Capriles é advogado e tinha 40 anos quando disputou a presidência em 2012. Entretanto, já era um
político experiente. Aos 26 anos (1998) foi eleito deputado e presidente do legislativo. Em 2000, fundou o
partido Primero Justicia e tornou-se prefeito de Baruta, cargo ao qual foi reeleito em 2004. Em 2008 se
elegeu governador do estado de Miranda, que agrega da capital Caracas, cargo que ocupa atualmente
(2017).
528. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto de ascensos y
salutación de fin de año a la Fuerza Armada Nacional Bolivariana. Fuerte Tiuna, Caracas, 28 de
diciembre de 2011. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://todochavez.gob.ve/todochavez/6244-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-
durante-acto-de-ascensos-y-salutacion-de-fin-de-ano-a-la-fuerza-armada-nacional-bolivariana (acesso em
9 de maio de 2011).
529. CHÁVEZ, Hugo. Me expreso como lo que soy. Caracas, 22 de enero de 2012. In: RANGEL, José
Vicente. De Yare a Miraflores, p.399-436.
243
falsificado através de sua conversão em um culto. Por isso, havia a necessidade de
retomada dos ideais ‘puros’ do Libertador. Com a espada que havia pertencido ao
prócer em mãos, ironicamente o símbolo máximo do culto o Bolívar, jurou: “Y con la
espada de Bolívar, […] la espada libertadora, la espada heroica, uno la toca y la siente
la llama todavía […]!Y te juro Libertador con tu espada en mano que conduciré este
pueblo a una nueva victoria el próximo 7 de octubre!” 530.
Havia a necessidade de explicar aos eleitores que o futuro da pátria seria
decidido por meio daquela eleição. Este argumento não era novo, já havia sido utilizado
por Chávez em outras oportunidades, mas continuava sendo uma estratégia eficaz para
agregar apoio político e conseguir coesão em sua heterogênea base de apoio. Desta
forma, a retórica apelativa e ríspida para com os opositores continuou, incrementada
pela dualidade entre ricos e pobres.
Na visão do presidente, seus adversários eram ricos, por isso não possuíam a
mínima noção do que seria uma mãe com 6 filhos na pobreza. O objetivo era atacar
Henrique Capriles – a quem Chávez evitava pronunciar o nome – que pertencia a uma
família abastada de Caracas. Para Chávez, seu oponente havia nascido em berço de
ouro, recebeu de graça tudo do bom e do melhor sem se esforçar, portanto, seria incapaz
de sentir o que somente ele era capaz: as necessidades dos mais pobres, pois era um
campesino que havia nascido na pobreza531. De fato, Capriles pertencia a uma família
abastada e Chávez a uma que havia sido pobre. Segundo a maioria de seus biógrafos, o
presidente nasceu em uma casa de taipa com teto de barro e foi criado pela avó paterna.
Sem dúvida, este argumento favorecia ao candidato Chávez.
Porém, em uma campanha presidencial na Venezuela o mais eficaz era explorar
o culto a Bolívar. Neste ponto, Chávez também levava vantagem em relação a seu
adversário. Em evento realizado no dia 24 de julho de 2012, ou seja, no dia em que se
completava 229o ano de nascimento do prócer da Independência, Chávez mostrou o que
seria o rosto ‘verdadeiro’ de Simón Bolívar. Este evento não poderia ter sido realizado
530. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante sesión especial de
la Asamblea Nacional en conmemoración del 193º aniversario del II Congreso de Angostura de 1819.
Municipio Heres, estado Bolívar, 15 de febrero de 2012. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://todochavez.gob.ve/todochavez/84-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-durante-
sesion-especial-de-la-asamblea-nacional-en-conmemoracion-del-193-aniversario-del-ii-congreso-de-
angostura-de-1819 (acesso em 9 de maio de 2016).
531. CHÁVEZ, Hugo. Caravana y concentración en apoyo al Candidato de la Patria Hugo Chávez en el
estado Anzoátegui. Anzoátegui, 12 de julio de 2012. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://todochavez.gob.ve/todochavez/259-caravana-y-concentracion-en-apoyo-al-candidato-de-la-patria-
hugo-chavez-en-el-estado-anzoategui (acesso em 9 de maio de 2016).
244
em um momento mais pertinente: as eleições presidenciais de outubro se aproximavam
e Chávez não perderia a chance de aliar a sua imagem com a de Bolívar, como se ambos
fizessem parte de um mesmo processo histórico-político. Ao dizer que aquele evento
marcava outro renascimento do Libertador, Chávez atacou seus opositores, os quais
considerava antibolivarianos.
Hace poco decía un connotado dirigente de la oposición algo que a
uno le llama la atención, pero que no sorprende en verdad, decía en
algún discurso, uno de ellos decía: “Necesitamos de un presidente
que haga descansar en paz a Bolívar…” Bueno, eso es lo que ellos
quisieran en verdad, él está diciendo su verdad, porque es vocero de
la burguesía, es vocero histórico […]532.
Não deixar Bolívar ‘descansar’ era conveniente a Chávez. O prócer não
interessava ao presidente apenas como um símbolo histórico ou herói da Independência.
Deveria ser explorado enquanto culto, mentor de um processo liderado naquele
momento pelo presidente Chávez. Sendo assim, todos os ataques desferidos contra o
candidato opositor eram justificados como se fossem uma ‘defesa’ de Bolívar.
Como parte deste ataque, Chávez afirmou que a hipótese de vitória do candidato
opositor era impensável, pois o país mergulharia no caos e na violência. Em discurso
proferido em Caracas, Chávez apontou em direção ao retrato do Libertador, mostrado
dias antes em evento no Palácio de Miraflores. Segundo o presidente, aquela era a
verdadeira face de Bolívar, ao contrário de seu adversário que era um burguês e
explorador do povo da Venezuela. Para terminar, instou a multidão que o assistia a dar
‘vivas’ a Bolívar533.
Hugo Chávez estava em campanha, portanto, partiria ao ataque. Na última
entrevista concedida a José Vicente Rangel, há exatos um mês antes das eleições
presidenciais, reforçou a tese de que sua candidatura evitaria o retorno do projeto
neoliberal e burguês, representado pelo candidato adversário. Para Chávez, era
importante insistir que havia dois projetos de país: o representado por ele, respaldado
por Bolívar; e o de Capriles, contrário aos ideais historicamente defendidos pelo
532. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez en actividad por 229º
Aniversario del Natalicio del Libertador Simón Bolívar. Caracas, 24 de julio de 2012. In. Discursos y
Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/235-intervencion-del-comandante-
presidente-hugo-chavez-en-actividad-por-229-aniversario-del-natalicio-del-libertador-simon-bolivar
(acesso em 26 de fevereiro de 2016).
533. CHÁVEZ, Hugo. Declaraciones, caravana y concentración del Candidato de la Patria Hugo
Chávez en el Distrito Capital. Caracas, 27 de julio de 2012. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://todochavez.gob.ve/todochavez/258-declaraciones-caravana-y-concentracion-del-candidato-de-la-
patria-hugo-chavez-en-el-distrito-capital (acesso em 9 de maio de 2012).
245
Libertador534. Ao discursar na Avenida Bolívar em Caracas, sob forte chuva, no
fechamento da campanha, Chávez afirmou que graças a Deus e ao povo de Bolívar, ele
havia ressuscitado a pátria dos mortos, por isso estava autoconfiante na vitória de sua
candidatura, do povo e da pátria de Simón Bolívar535.
Apesar da divulgação de um vídeo, poucos dias antes das eleições, em que um
deputado aliado de Capriles recebia dinheiro de um empresário venezuelano536, era
perceptível que nas eleições presidências de 2012 a oposição estava fortalecida. Ela
possuía deputados na Assembleia Nacional, estava aglutinada em uma coalizão com
estratégia melhor definida e havia abandonado a via não constitucional de luta política.
Porém, isso não foi suficiente naquele momento. Hugo Chávez ainda era um fenômeno
eleitoral e em 7 de outubro de 2012 foi reeleito para um quarto mandato como
presidente da Venezuela com 55,7% dos votos, ou seja, o equivalente a 8,1 milhões de
votos. Henrique Capriles obteve 44,31%, o equivalente a 6,5 milhões537.
Ao pronunciar-se no Balcão do Povo logo após o CNE divulgar os resultados
indicando uma vitória de Chávez, o presidente não perdeu tempo e recorreu ao símbolo
máximo do culto a Bolívar: a espada do Libertador. Com ela em mãos, o novamente
reeleito presidente da República não deixava dúvidas, o Libertador havia proporcionado
outra vitória eleitoral.
¡Aquí está la espada de Bolívar! La espada libertadora de América, la
espada de los pueblos. Una espada que no se quedó en el pasado, sino
que está con nosotros hoy en el presente y estará en el futuro. Con
esta espada […] ¡rindo a Simón Bolívar, el padre de la patria! [...]
Rendimos tributo a Simón Bolívar, a su espada, a su ejemplo, a su
sacrificio, a su grandeza538.
534. CHÁVEZ, Hugo. Chávez somos todos. Caracas, 30 de septiembre de 2012. In: RANGEL, José
Vicente. De Yare a Miraflores, p.437-475.
535. CHÁVEZ, Hugo. Cierre de campaña: concentración y caravana en apoyo al Candidato de la Patria
Hugo Chávez. Caracas, 4 de octubre de 2012. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://todochavez.gob.ve/todochavez/28-cierre-de-campana-concentracion-y-caravana-en-apoyo-al-
candidato-de-la-patria-hugo-chavez (acesso em 9 de maio de 2016).
536. MARREIRO, Flávia. Rival de Chávez sofre revés com divulgação de vídeo de propina. Folha de S.
Paulo. São Paulo, 14 de setembro de 2012, p.22, No 30.480.
537. VENEZUELA. Boletín electoral de la elección presidencial de 2012. In. Consejo Nacional
Electoral (CNE). República Bolivariana de Venezuela. Disponível em:
http://www.cne.gob.ve/resultado_presidencial_2012/r/1/reg_000000.html (acesso em 16 de junho de
2016).
538. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez en concentración ¡Triunfo
del Pueblo!. Caracas, 7 de octubre de 2012. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:
http://todochavez.gob.ve/todochavez/26-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-en-
concentracion-triunfo-del-pueblo (acesso em 9 de maio de 2016).
246
A espada de Simón Bolívar não era um símbolo qualquer, tratava-se da principal
representação do culto ao Libertador, a forma mais próxima de ‘imitá-lo’. Por isso,
Chávez não economizava em aparições públicas empunhando a espada do Libertador,
conforme fez pela última vez durante a comemoração da vitória nas eleições de outubro
de 2012. Durante os 14 anos no poder, este objeto foi praticamente inseparável, tornou-
se marcante a imagem de Chávez em pé, apontando a espada ao céu diante de uma
multidão de apoiadores fervorosos. Em seus últimos dias, a espada também lhe foi útil,
servia de suporte no chão para manter a postura menos arqueada, pois já estava
visivelmente abatido em virtude do avanço da doença. Embora tenha sofrido revezes,
Hugo Chávez não encontrou adversário capaz de superá-lo nas urnas. Foi eleito quatro
vezes presidente da República e a última vitória, obtida em 7 de outubro de 2012, o
permitiria governar até 2019 e completar vinte anos no poder.
Entretanto, a história dos países é marcada por situações indesejadas. O câncer
na região pélvica, que tantas incertezas trouxe ao cenário político venezuelano, foi
capaz de vencer Chávez. Ele até conseguiu obter o quarto mandato, mas não teve forças
para tomar posse. Ao contrário do que dizia e seus assessores mais próximos repetiam,
o câncer não havia sido extirpado e restava pouco tempo de vida ao presidente. Em
dezembro de 2012, poucos dias antes de embarcar para Cuba e tentar pela última vez o
tratamento, Chávez teve que fazer algo do qual ninguém em sua base de apoio estava
preparado: indicou um sucessor as pressas. Sentado em uma mesa com o busto de
Bolívar atrás, em tom melancólico e evitando pronunciar a palavra morte, Chávez pediu
a seus eleitores que votassem em Nicolás Maduro, caso não pudesse desempenhar as
funções e fosse convocada novas eleições, conforme determinava a Constituição539.
O embarque de Chávez à Havana e seu ‘sumiço’ na Ilha provocou uma nova
incerteza: Chávez seria ou não empossado em 2 de fevereiro de 2013? Não foi.
Regressou à Venezuela em 18 fevereiro de 2013 e permaneceu internado no Hospital
Militar de São Carlos. Em 5 de março de 2013 coube a Nicolás Maduro fazer o anúncio
oficial: o comandante-presidente Hugo Rafael Chávez Frías faleceu. A era Chávez havia
acabado, morreu como presidente da República.
539. CHÁVEZ, Hugo. Consejo de Ministros (Cadena Nacional). Despacho uno, Palacio de Miraflores.
Caracas, 8 de diciembre de 2012. In. Unidad, Lucha, Batalla y Victoria. Ediciones de la Presidencia de
la República. Caracas, 2012, p.41-42.
247
Considerações finais do capítulo
Conforme explicou-se ao longo deste capítulo, as vitórias obtidas nas urnas pela
Revolução Bolivariana tiveram como principal causa a exploração do culto a Bolívar.
Ao longo de 14 anos, os eleitores venezuelanos foram votar 17 vezes em eleições,
plebiscitos, referendos e demais consultas populares. A exceção do Referendo à
Reforma Constitucional de 2007, o presidente Hugo Chávez saiu vitorioso em todos
estes pleitos e o bolivarianismo exerceu um papel fundamental em seu êxito. Ou seja, a
representação histórica do Libertador, construída pelo regime, foi eficaz aos propósitos
de um governo que se autodenominava bolivariano. Este fenômeno se potencializou por
se tratar de um líder que se posicionava no cenário político como um continuador da
obra do herói da Independência.
Além disso, o culto ao prócer foi primordial em momentos cruciais da
Revolução, quando as vitórias eleitorais serviram para consolidar Chávez no poder e
conter a ‘onda’ de questionamento no tocante a sua liderança. Dessa forma, manteve o
presidente e seus partidários no patamar de força hegemônica do cenário político, sendo
evidente o papel exercido pelo culto na vantagem eleitoral de Chávez em relação a seus
adversários.
Passado o processo Constituinte (1999) e derrotado o golpe (2002), o primeiro
desafio vencido pelo regime foi o Referendo Revocatório de agosto de 2004. A vitória
neste pleito permitiu a Chávez concluir seu mandato e chegar às eleições presidenciais
de 2006 em posição extremamente favorável, ao enfrentar uma oposição desmobilizada,
desmotivada e desacreditada em razão do apoio ao golpe de Estado de abril de 2002.
O presidente era um adversário difícil de ser vencido nas urnas e em alguns
momentos sustentou a imagem de invencível. Porém, isso se desfez rapidamente. No
Referendo da Reforma Constitucional de 2007, Chávez foi derrotado por ínfima
margem de votos. Isso demonstrou que nem sempre um líder popular, carismático e que
tinha acabado de vencer uma eleição presidencial (2006) com ampla vantagem, era
capaz de viabilizar todas as suas propostas por meio de votação popular. No entanto, é
importante frisar que a derrota no Referendo de 2007 foi um percalço, sendo incapaz de
comprometer a força eleitoral de Chávez e tampouco de diminuir a capacidade
mobilizadora de seus partidários. Isso significa que a derrota de 2007 foi um rechaço da
população às medidas propostas, não um rechaço a Chávez e tampouco a Bolívar.
248
Desta derrota surgiu a necessidade de aprovar um dos pontos submetido a
Referendo em 2007 que havia sido rejeitado no pacote: a possibilidade de reeleição sem
limites ao cargo de presidente da República. Isto fez com que houvesse a necessidade de
realizar um Referendo específico para derrubar os empecilhos constitucionais, presentes
na Carta Magna naquele momento, que impediam Chávez de se candidatar
indefinidamente. Era fato que a Revolução Bolivariana já havia se transformado em um
processo político personalista e viável somente por meio da condução de Chávez. O
Referendo da Emenda Constitucional à Reeleição sem limites foi aprovado em fevereiro
de 2009 e mais uma vez o culto a Bolívar foi utilizado para legitimar esta iniciativa.
Devido à aprovação da reeleição sem limites, Chávez pôde se candidatar
novamente à presidência em 2012. Nesse momento, o cenário político venezuelano
estava influenciado pelo clima de comoção social provocado pelo câncer diagnosticado
no presidente em junho de 2011. A partir desse momento, houve uma mescla inevitável
de culto a Bolívar com comoção social, combinação capaz de proporcionar outra vitória
a Chávez nas eleições presidenciais de 2012. O quarto mandato foi conquistado, mas
terminou antes mesmo de começar. A enfermidade não permitiu a Chávez receber a
faixa presidencial pela ‘última vez’ em 2 de fevereiro de 2013, pois ele se encontrava
debilitado e internado em Cuba. Em 5 de março de 2013 faleceu em virtude da doença,
pondo fim a era Chávez, mas não a exploração do culto a Bolívar na Venezuela.
249
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta tese demonstrou que o bolivarianismo desempenhou um papel fundamental
na manutenção de Hugo Chávez como presidente da República. Explorar a figura do
herói da Independência foi uma das estratégias utilizadas pelo regime a fim de obter as
vitórias eleitorais em 14 anos na presidência. Este foi um dos motivos pelo qual
conseguiu se manter no poder com massivo apoio popular por um período considerado
longo, caso for comparado com outros presidentes da América Latina do mesmo
período. Por meio do culto ao Libertador, conseguiu o almejado por grande parte dos
líderes políticos: ser presidente até morrer.
Chávez foi o primeiro a ser eleito na chamada ‘onda de presidentes alinhados à
esquerda’ na América Latina do pós-Guerra Fria. Eleitos nos últimos anos do século
XX e, em sua maioria, na primeira década do XXI, Lula (Brasil, 2002), Kirchner
(Argentina, 2003), Tabaré Vázquez (Uruguai, 2004), Michele Bachelet (Chile, 2005),
Evo Morales (Bolívia, 2006), Rafael Correa (Equador, 2007) e Fernando Lugo
(Paraguai, 2008) chegaram ao poder por meio da adoção de uma postura crítica em
relação às políticas de perfis neoliberais, implantadas na região nas décadas de 1980 e
1990. O caráter ‘vanguardista’ no questionamento das políticas liberalizantes era
constantemente recordado por Chávez e reconhecido por seus aliados no continente.
No entanto, este fenômeno era mais complexo do que demonstrava a retórica do
regime bolivariano. O governo de Chávez se caracterizou pela adoção de uma agenda
historicamente vinculada à algumas bandeiras defendidas pela esquerda latino-
americana, a exemplo do combate à pobreza e à desigualdade social, bem como a crítica
ao sistema capitalista. Mas, isso ocorreu sem ruptura estrutural com a ordem vigente.
Ou seja, não houve um governo essencialmente de esquerda na Venezuela, ou tampouco
a adoção de um modelo genuinamente anticapitalista. O livre mercado, o pagamento da
dívida externa, a autonomia do Banco Central, a propriedade privada e a injusta
estrutura fundiária venezuelana permaneceram quase intocáveis nos 14 anos de Chávez
na presidência. Por isso, seu governo era visto com desconfiança pelos setores
trotskistas ligados a LIT-CI, os quais o consideravam, ironicamente, burgueses, por
mais que reconheciam a identificação das massas com o presidente.
Em diversos momentos, os fortes vínculos com os militares e o culto exagerado
à personagens históricos da Independência venezuelana e de outros países da América
Latina eram criticados por figuras políticas alinhadas aos movimentos de esquerda
250
latino-americanos. Além de fornecerem argumentos para acusar Chávez de
autoritarismo ou de ser um ditador, os próceres exaltados pelo presidente venezuelano
eram vistos como figuras pertencentes às burguesias de suas épocas, não como
‘libertadores’, nem como líderes preocupados com os mais pobres. Tampouco estavam
comprometidos com as lutas sociais do momento em que viveram.
Simón Bolívar poderia ser enquadrado neste perfil, pois era uma figura
pertencente e vinculada à elite criolla. Não possuía identificação com as massas pardas,
nem com os índios e escravos em uma Venezuela colonial, racista e estratificada. O
vínculo de Bolívar com as massas foi uma construção realizada pelo culto a sua figura,
marcadamente o culto popular, construído desde a formação do Estado Nacional após
1830. Para criar uma identidade venezuelana, necessitou-se forjar um Bolívar atrelado
as massas e comprometido com as lutas sociais do momento, ao transformar o processo
de Independência em uma luta popular por liberdade, o que historicamente não foi.
Além disto, alguns alinhamentos diplomáticos de Chávez incomodavam setores
vinculados à esquerda latino-americana. Por exemplo, os movimentos ligados à luta
pelo direito das mulheres, contra o machismo e a visão androcêntrica da sociedade,
possuíam ressalvas no tocante aos estreitos vínculos diplomáticos de Caracas com
países que cerceavam os direitos das mulheres, tais como o Irã, de Mahmoud
Ahmadinejad, e a Líbia, de Mouammar Kadhafi. Também se incomodavam com frases
machistas frequentemente pronunciadas pelo presidente, embasadas em estereótipos do
senso comum venezuelano, a exemplo das proferidas contra a secretária de Estado da
administração Bush, Condoleezza Rice. Ao refutar as críticas de Rice, Chávez afirmou
que a ela faltava uma ‘figura masculina’ e a acusou de possuir fantasias sexuais em
relação a Chávez. Em tom irônico, afirmou que não faria isso nem por amor à pátria540.
Apesar de todas estas polêmicas a que se envolveu, o que se denominou
‘fenômeno Chávez’ não pode ser analisado por uma perspectiva simplista. Hugo Chávez
ascendeu ao poder em um cenário extremamente conturbado. Desde a década de 1980, a
Venezuela vinha sofrendo um processo de estagnação econômica, em razão da queda
nos preços do petróleo no mercado internacional. Dependente deste produto e incapaz
de diversificar sua matriz produtiva, o pacto entre as elites, firmado em 1958, foi se
enfraquecendo e se tornou insuficiente para manter o apoio popular a Punto Fijo. Como
resultado, aumentaram as turbulências políticas e as inquietações nos quartéis, em um
540. JONES, Bart. Hugo Chávez: da origem simples ao ideário da revolução permanente, p.445.
251
país historicamente marcado pelas intervenções dos militares em momentos de crise.
Este cenário teve como ápice a tentativa de golpe de Estado em 4 de fevereiro de 1992,
liderada pelo tenente-coronel Chávez.
Em um país com quase 70% de pobreza em 1998 e enfrentando anos seguidos de
recessão econômica, Chávez conseguiu convencer uma parcela do eleitorado de que era
portador da missão, outorgada por Bolívar, de restituir o poder e as riquezas do país aos
mais pobres. A partir deste raciocínio e da redistribuição dos recursos do petróleo,
conseguiu construir uma maioria eleitoral capaz de elegê-lo quatro vezes presidente da
República, de transferir votos a seus aliados nas eleições regionais e legislativas, bem
como para vencer praticamente todos os plebiscitos, referendos e demais consultas
populares realizadas em 14 anos de mandato.
Portanto, a ascensão do ex-militar à presidência pode ser considerada uma
‘resposta’ da sociedade venezuelana à crise, em razão do vácuo político deixado pelo
descrédito nos partidos e nas figuras atreladas ao Pacto de 1958. Uma análise possível
de todo este cenário seria que o período de 1999 a 2013 esteve marcado por uma
transição conflituosa entre o sistema bipartidário-oligárquico, erigido em 1958, e a
experiência de uma ‘democracia popular’, em razão do aumento dos canais de
participação inerentes à Constituição de 1999. Entretanto, há de se ressaltar que esta
‘democracia popular’, respaldada pela Carta Magna Bolivariana, possui um perfil
personalista e sua concretização vem demonstrando ser dependente da liderança do
presidente Chávez.
Esta característica pode ser percebida em razão do sucessor de Chávez, Nicolás
Maduro, não ter realizado nenhum referendo, plebiscito ou consulta popular desde
quando se elegeu presidente, em abril de 2013, após a morte de Chávez. Ao contrário,
utilizou de todos os mecanismos disponíveis a fim de impedir a realização de um
referendo revocatório de seu mandato e postergou para 2017 as eleições regionais que
deveriam ter sido realizadas até dezembro de 2016. Por fim, buscou a anulação do
principal legado de Chávez: a Constituição de 1999, pois em 2017 convocou uma nova
ANC que foi eleita de forma semidireta em julho do mesmo ano. Nas eleições
legislativas de dezembro de 2015 o governo saiu derrotado.
Além da crise econômica e o desabastecimento, a Venezuela passou a conviver
com uma crise política desencadeada pelo conflito de poderes envolvendo o Executivo e
o Judiciário, controlado pelas forças políticas lideradas pelos sucessores de Chávez,
contra o poder Legislativo de maioria oposicionista. Este conflito aumentou em abril de
252
2017 quando Maduro tentou uma ‘manobra’, ao transferir as competências da
Assembleia Nacional para o Tribunal Supremo de Justiça. Essa decisão foi
reconsiderada em seguida devido as críticas vindas até mesmo de aliados.
Ao longo dos capítulos, foi possível perceber que na Venezuela o culto a Bolívar
exerce um significativo poder de influência na política. Entretanto, isso não emana
exatamente de Bolívar, mas de sua representação historicamente construída, ou seja, do
culto a sua figura e no que a historiografia o vem transformando desde 1842. Por isso,
tornou-se um dos principais instrumentos na perpetuação de grupos políticos no poder.
Conforme esta tese demonstrou, Chávez não foi o presidente da ruptura com o culto e
sua exploração política. Foi o responsável pela ressignificação do bolivarianismo,
fenômeno percebido no estratégico papel ocupado pelo Libertador na retórica do regime
e, principalmente, na postura do presidente ao se colocar como um continuador da obra
do prócer, ou, até mesmo, como o ‘segundo libertador’ da Venezuela.
A ruptura que a Revolução Bolivariana possa ter provocado encontra-se nas
transformações viabilizadas a partir da popularidade angariada por Chávez através da
exploração do culto, as quais abarcaram os âmbitos político, econômico e social. A
ascensão do ex-militar ao poder também significou uma ruptura no perfil das figuras
que vinham se elegendo presidente desde 1958, ou seja, pôs fim ao ciclo de governantes
civis dos partidos AD e Copei e, consequentemente, da subordinação das Forças
Armadas à autoridade civil.
Conforme o destacado nesta tese, um militar na presidência da Venezuela estava
longe de ser um fato ‘historicamente inédito’. Porém, a mesma figura não haver obtido
êxito pela via armada, mas pelo massivo apoio popular conquistado em razão daquele
‘desafortunado’ evento, era um fenômeno relativamente ‘novo’ àquela sociedade e,
portanto, um desafio a quem se ocupa em analisá-lo. Ademais, o contexto em que
Chávez tornou-se uma figura em evidência no cenário político nacional e internacional
possuía suas particularidades. Era o momento do pós-Guerra Fria com a recente
dissolução da União Soviética. A América Latina havia acabado de se redemocratizar
com o fim dos regimes ditatoriais, instalados nas décadas de 1960 e 1970, que deixaram
“traumas históricos” em suas respectivas sociedades.
Neste cenário, figuras com o perfil de Chávez eram contestadas e vislumbradas
como líderes situados na ‘contramão da história’, por serem militaristas e utilizarem o
golpe de Estado como estratégia de ascensão ao poder, atitudes consideradas não
democráticas. Por isso, o 4 de fevereiro foi amplamente rechaçado pela comunidade
253
internacional. Até mesmo Cuba, que mais tarde se tornaria a principal aliada do regime
bolivariano na América Latina, se posicionou ao lado do presidente Carlos Andrés
Pérez em fevereiro de 1992.
Ao analisar uma das teses populares do pós-Guerra Fria, propalada por Francis
Fukuyama (1988), que defendia um pretenso ‘fim da história’ e a morte das ideologias
em razão do desmantelamento do socialismo real541, é possível afirmar que Chávez se
manteve no poder com base na antítese do defendido pelos liberais do momento: usou e
‘abusou’ da história e moldou suas palavras e ações com base em razões ideológicas. Na
Venezuela bolivariana, a história não parecia ter morrido e as ideologias exerciam
influência na política mais do que em outros momentos históricos.
A Venezuela é um país de presidencialismo forte, ou hiper-presiencialismo, uma
característica que tem sua base nas batalhas pela Independência, quando a elite criolla
apostou no exercício centralizador e personalista do poder – conferido a Miranda e
posteriormente a Bolívar – para vencer a guerra contra a Metrópole. Esta estrutura, de
certa forma autoritária, acabou sendo potencializada com Chávez, em razão de seu
carisma, identificação com as Forças Armadas, aumento das rendas do petróleo a partir
de 2003 e, principalmente, na exploração da figura dos heróis nacionais.
Este uso (e abuso) dos personagens históricos da Venezuela, elevados à
categoria de ‘heróis nacionais’, não se restringiu a Bolívar. Figuras que também
desempenharam papéis determinantes nas batalhas pela Independência, como Francisco
de Miranda e Antonio José de Sucre (el Mariscal de Ayacucho), além de Ezequiel
Zamora, um dos líderes na sangrenta Guerra Federal (1858-1863), também são tratados
com reverência e ocuparam um papel fundamental na retórica do regime.
Ao longo da Revolução, o que se tornou conhecido como fenômeno Chávez não
apresentava características facilmente explicáveis. A dificuldade estava em definir que
tipo de líder havia sido e quais as principais características do processo em que esteve
envolvido. Tratavam-se de indagações difíceis de serem respondidas, pois as
denominações conferidas a outros líderes latino-americanos como Perón (Argentina),
Velasco Alvarado (Peru), Omar Torrijos (Panamá) e Getúlio Vargas (Brasil), não eram
capazes de fornecer ferramentas para explicar o que acontecia na Venezuela entre 1999
e 2013.
541. FUKUYAMA, Francis. ¿El fin de la historia?
254
Além do distanciamento histórico de Chávez com estes líderes, o venezuelano
exerceu sua liderança em um mundo pós-Guerra Fria e em uma nação com economia
dependente do petróleo. Portanto, esteve submetido a um alinhamento internacional e
uma configuração geopolítica distinta de todos aqueles exemplos citados acima. A
identificação com as Forças Armadas que o aproximava de Perón, Alvarado e Torrijos
não era compensada pela semelhança com a popularidade de Vargas entre os mais
pobres. Portanto, termos como populista, neopopulista ou populista-militar não foram
capazes de explicar o tipo de liderança exercida por Chávez, tampouco as circunstâncias
que viabilizaram a ascensão e manutenção do líder bolivariano no poder. Logo, o que se
pode afirmar é que Hugo Chávez foi um líder popular-militarista, em razão de seu
carisma com inserção nos setores sociais mais pobres e, ao mesmo tempo, por possuir
estreitos vínculos com as Forças Armadas.
Com a morte de Hugo Chávez, o caráter personalista do processo em que esteve
envolvido desnudou-se, pois, seu desaparecimento físico prejudicou a inserção da
Revolução nas massas venezuelanas. Porém, isso não significou seu término. Nicolás
Maduro conseguiu se eleger presidente em abril de 2013 e se mantém no cargo
atualmente (2017), embora seja crescente o movimento que questiona sua liderança,
formado até mesmo por antigos aliados de Chávez.
A história da Venezuela demonstra que o término de longos períodos
presidenciais, comandados por líderes fortes, personalistas e identificados com as
Forças Armadas, costuma ser seguido por momentos de grande turbulência e violência
política. Na maioria das vezes, seus ‘herdeiros’ não possuem as mesmas ‘virtudes’. Os
sucessores de Guzmán Blanco e Juan Vicente Gómez não sustentaram por igual período
a influência política do grupo outrora comandado por estes líderes, além de terem
governado sob condições histórico-políticas inevitavelmente distintas.
Contudo, não se sustenta nesta tese que a história, ou mais especificamente a
história política da Venezuela, seja cíclica. Ao contrário, acredita-se que ela não se
repete, a não ser como uma farsa, conforme pontuou Karl Marx no Dezoito
Brumário542. Todavia, cada país apresenta momentos em sua história que se
assemelham, portanto, são capazes de indicar uma consequência do que poderá ocorrer,
pois a crise vivida pela Venezuela em 2017 é um reflexo de suas contradições
históricas, mas também de medidas, acertadas e equivocadas, tomadas na era Chávez.
542. MARX, Karl. O dezoito Brumário de Luis Bonaparte.
255
Simón Bolívar angariou popularidade em seu tempo, pois comandou as batalhas
pela Independência e deixou uma quantidade razoável de um legado escrito. Assim que
se tornou interessante à elite do memento, foi transformado em culto de legitimação de
grupos no poder, cuja função essencial predomina-se até os dias atuais. Conforme esta
tese expõe, Chávez se apropriou de Bolívar, porém, diferente de seus antecessores,
também deixou um legado por meio de seus discursos e da forte identificação da
Revolução para com sua figura. Pode-se afirmar que a identificação de Bolívar com a
Independência é, muitas vezes, menor do que a de Chávez com a Revolução
Bolivariana. Não há como afirmar se isto será o suficiente para se construir um culto a
Chávez na Venezuela. É muito cedo para fazer este tipo de afirmação.
No entanto, há um legado escrito de Chávez por meio de seus discursos,
descendentes e uma legião de apoiadores. Se será interessante a elite dirigente do
momento erigir um ‘culto a Chávez’ é uma questão de poder e de viabilidade deste
poder, mas isso não está perceptível no atual momento. O que se percebe é um forte
questionamento, por uma parte da sociedade venezuelana, do legado histórico de
Chávez, caracterizado nos recentes atos de destruição pública de várias estátuas suas
espalhadas pelo país. Atitudes como essas podem ser compreendidas com base em uma
reflexão, feita por Carrera Damas, em que sintetizou, de forma crítica, o impacto de
determinadas figuras na consciência histórica do povo. Ao utilizar-se do exemplo de
Bolívar, destacou que o Libertador “[...]hizo mucho para ser un hombre y muy poco
para ser un dios”543. É pertinente também enquadrar Chávez nesta denominação que, tal
como a principal figura de seu regime, fez muito pouco para ser considerado um Deus.
Por outro lado, em termos históricos, Chávez fez ‘muito para ser um homem’, pois suas
atitudes impactaram a estrutura da sociedade venezuelana, em razão da posição a que
ocupou em determinado momento, ou seja, foi um presidente da República em um
momento de expansão econômica. Além disso, pode ser considerado um líder mais
popular do que a maioria de seus antecessores.
543. CARRERA DAMAS, Germán. Entrevista concedida ao autor. Caracas, 15 de abril de 2015.
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http://www.opec.org/opec_web/en/ (Organização dos Países Exportadores de Petróleo)
www.cne.gob.ve (Consejo Nacional Electoral)
276
ANEXO
TABELAS
Tabela 1
Preço do Barril de Petróleo no mercado internacional (1998-2013).
Ano Preço (US$)
1998 10,00
1999 17,48
2000 27,60
2001 23,12
2002 24,36
2003 28,10
2004 36,05
2005 50,64
2006 61,08
2007 69,08
2008 94,45
2009 61,06
2010 77,45
2011 107,48
2012 109,45
2013 105,87
Fonte: Organization of the Petroleum Exporting Countries (OPEC)
Tabela 2
Resultados de Eleições Presidenciais (1998/2000/2006/2012)
1998
Hugo Chávez 56,20%
Salas Römer 39,97%
Outros 3,83%
2000
Hugo Chávez 59,76%
Árias Cárdenas 37,52%
Outros 2,72%
2006
Hugo Chávez 62,84%
Manuel Rosales 36,9%
Outros 2,72%
2012
Hugo Chávez 55,07%
H. Capriles 44,31%
Outros 0,62%
Fonte: Consejo Nacional Electoral (CNE).
277
FOTOS
IMAGEM 1
Mapa da Capitania Geral da Venezuela de 1805.
Descrição: Mapa desenhado na França, em 1805, pelo engenheiro e geógrafo F. De Pons,
agente do governo francês em Caracas. A expedição sob o território foi realizada entre os anos
1801 e 1804.
Fonte: Hemeroteca Nacional de la Biblioteca Nacional de Venezuela. Caracas – República
Bolivariana de Venezuela.
IMAGEM 2
Mapa atual da Venezuela
Descrição: Atualmente, a Venezuela possui dimensão territorial de 916,445 Km2, sendo o 32o
maior país do mundo. Faz fronteira Sul com Brasil, a Oeste com a Colômbia e a Leste com a
Guiana. Ao Norte é banhada pelo Mar do Caribe. Possui inúmeras ilhas e uma parte da floresta
amazônica está em seu território.
Fonte: Google Maps.
278
IMAGEM 3
Simón Bolívar
Descrição: Pintura de perfil de Simón Bolívar, o Libertador da Venezuela
Fonte: Hemeroteca Nacional de la Biblioteca Nacional de Venezuela. Caracas – República
Bolivariana de Venezuela.
IMAGEM 4
La Muerte del Libertador
Descrição: Tela pintada por E. Yépez. Bolívar é retratado em seu leito de morte ao tomar os
últimos sacramentos. A presença simbólica de um sacerdote, um altar com santos e velas, a
espada, o uniforme militar e o cobertor com as cores da bandeira da Venezuela são marcantes.
Há uma mistura de religiosidade católica, dramaticidade (em razão do agonizante momento) e
os símbolos da pátria.
Fonte: Academia Nacional de la Historia. Buenos Aires, Argentina.
279
IMAGEM 5
Tenente-coronel Hugo Chávez
Descrição: Panfleto distribuído nas ruas de Caracas e demais cidades venezuelanas pelo MBR-
200 em 1993. Nele, convoca-se a população a exigir a formação de uma Assembleia Nacional
Constituinte. Na capa está a foto do comandante daquele movimento, o tenente-coronel Hugo
Chávez que, em 1993, encontrava-se na prisão. A imagem colocada no panfleto remete-se ao
pronunciamento realizado em 4 de fevereiro de 1992, quando o militar se rendeu aparecendo ao
vivo na Televisão. Havia uma tentativa de fixar a imagem de Chávez como o rosto daquele
movimento.
Fonte: Hemeroteca Nacional de la Biblioteca Nacional de Venezuela. Caracas – República
Bolivariana de Venezuela.
IMAGEM 6
Chávez mostra o rosto de Simón Bolívar
Descrição: Durante a era Chávez, o presidente discursando com um retrato e/ou um busto de
Bolívar ao fundo era uma imagem constantemente vista. Em 24 de julho de 2012, no Salão
Ayacucho, Chávez apresentou em rede nacional o que supostamente havia sido o retrato
‘verdadeiro’ do rosto de Simón Bolívar. Realizado com base no crânio do Libertador (exumado
em julho 2010) e com o uso da tecnologia 3D, este foi o resultado. Nesta ocasião, o governo da
Venezuela realizou um longo e pomposo evento para mostrar oficialmente o retrato do herói da
Independência.
Fonte: Prensa Presidencial
280
IMAGEM 7
Chávez ‘entrega’ a espada a Simón Bolívar e ambos são ‘amparados’ por Jesus Cristo
no ‘céu’
Descrição: Esta imagem demonstra uma representação construída durante a Revolução
Bolivariana no senso comum de alguns venezuelanos. O elemento religioso do processo é
evidenciado na mistura de personalismo, culto a Bolívar e o cristianismo. Com base neste
raciocínio, Jesus Cristo, Simón Bolívar e Hugo Chávez são representados como 3 defensores do
socialismo, cada um em seu momento histórico.
Fonte: Antonio Marín Segovia.
IMAGEM 8
Panteão Nacional da República Bolivariana da Venezuela
Descrição: O Panteão Nacional foi construído em 1870 onde se localizava a Igreja da
Santíssima Trindade, na época precisando de reformas. O governo de Guzmán Blanco adquiriu
o espaço e o reformou com o propósito de depositar os ossos de Simón Bolívar. Porém, no
Panteão também se encontram outros ‘heróis’ da Venezuela. É preciso autorização judicial para
abrir qualquer um dos túmulos e há uma legislação específica que estipula critérios e o tempo
para transladá-los. No caso do Libertador, é uma tradição em todo o 17 de dezembro, quando se
recorda sua morte, o presidente da República pôr flores em seu túmulo.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
281
IMAGEM 9
Entrevista com o historiador venezuelano Germán Carrera Damas
Descrição: Germán Carrera Damas é um dos historiadores venezuelanos que estudaram o culto
a Bolívar e seu impacto na sociedade venezuelana. Sustenta posições críticas no tocante ao uso
do culto ao Libertador como uma forma de alcançar e se perpetuar no poder. Carrera Damas
concedeu entrevista ao autor desta tese na manhã de 15 de abril de 2015, em sua casa em
Caracas.
Fonte: Arquivo pessoal do autor. Créditos da foto: Mirla Alcibíades.
Autorizo a reprodução deste trabalho
Dourados – MS___ de dezembro de 2017
_______________________________________________
Anatólio Medeiros Arce
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