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6 Exemplos de aplicação
6.1. Considerações gerais
Neste capítulo, apresentam-se alguns problemas comumente encontrados na
Geotecnia e que certamente constituem exemplos de aplicação do GEOFLUX3D.
O primeiro exemplo refere-se a uma fundação apoiada num solo exposto a
ciclos de secagem e umedecimento. As principais características dos solos não
saturados são representadas através deste exemplo, que mostra o efeito que a
sucção ocasiona na capacidade de carga de um solo. O segundo exemplo refere-se
à extração d’águas subterrâneas de sistemas aquíferos através de poços de
bombeamento. As respostas obtidas através de análises acopladas e desacopladas
são comparadas e discutidas neste exemplo. Finalmente, o terceiro exemplo trata
da análise do comportamento de uma barragem de terra zonada submetida ao
primeiro enchimento do reservatório.
Em todos estes exemplos de aplicação, constatou-se que a nova formulação
do GEOFLUX3D gerou resultados bastante satisfatórios que demonstram a
capacidade de resolução do programa e sua potencial aplicação na modelagem de
diversos problemas geotécnicos.
6.2. Análise do problema de adensamento sobre um solo parcialmente saturado
Tradicionalmente, as análises de fundações são conduzidas na hipótese de
solo saturado, caso contrário, estas poderiam se tornar mais complexas em função
das relações constitutivas do solo parcialmente saturado.
No exemplo do ensaio triaxial do capítulo anterior, algumas características
dos solos parcialmente saturados foram observadas quando distintas amostras
tiveram um aumento de resistência pelos incrementos de sucção que foram
aplicados. Nos solos de fundação, o processo inverso, de umedecimento, constitui
a principal preocupação. Nestes casos, o comportamento do solo quando
Exemplos de aplicação
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umedecido dependerá do seu estado de tensão prévio ao umedecimento, podendo
sofrer pequenas expansões elásticas (exceto em argilas muito expansivas) ou
contrações elastoplásticas que podem ocasionar o colapso do solo da fundação. A
este respeito, Gens (2010) apresenta um caso real em que o solo de uma fundação
colapsa depois de ter sido saturado por águas provenientes de uma chuva
torrencial atípica. Problemas desta natureza constituem exemplos recentes da
aplicação de análises de problemas com acoplamento hidromecânico em solos
parcialmente saturados, como os investigados nos trabalhos de Sheng et al.
(2003b), Abed (2008) e Galavi (2010).
Para analisar este tipo de problema, neste exemplo simulou-se o
carregamento de uma fundação rasa e flexível apoiada sobre um solo que é
exposto a ciclos de secagem e umedecimento.
A geometria e a malha de 121 elementos BRICK20 com 960 nós estão
ilustrados na figura (6.1). O solo homogêneo e isotrópico desta fundação foi
submetido às seguintes fases: secagem, carregamento e umedecimento. A
sequência destas fases foi escolhida com o propósito de obter trajetórias de tensão
que levem ao colapso do solo.
Figura 6.1.- Geometria e malha de elementos finitos empregadas na análise de uma
sapata flexível sobre solo parcialmente saturado.
Na primeira fase, o solo foi exposto à secagem pela imposição de
incrementos de sucção na superfície em z=0m. Na segunda fase, aplicou-se um
carregamento uniformemente distribuído de 80kPa numa área de 0,25m2,
simulando o carregamento de uma sapata flexível. Finalmente, na terceira fase, o
Exemplos de aplicação
110
solo da fundação foi umedecido pela imposição de taxas de infiltração que
simulam um evento chuvoso.
O comportamento mecânico do solo foi representado pelo modelo de
Barcelona e o comportamento hidráulico pelo modelo de van Genuchten. Os
parâmetros utilizados encontram-se listados na tabela (6-1). Na figura (6.2) se
apresentam as curvas características do solo obtidas com os parâmetros de van
Genuchten.
Tabela 6-1.- Propriedades mecânicas e hidráulicas do solo da fundação analisado.
Parâmetros Valores Unidades Ângulo de atrito (ϕ’) 25,0 [º] Módulo de Poisson () 0,30 [-] Inclinação da LCN em condições saturadas (λ0) 0,20 [-] Inclinação da LCD ( ) 0,02 [-] Peso específico dos grãos sólidos (s) 22,1 [kN/m3] Porosidade na LCN com p’=1kPa (n) 0,63 [-] Parâmetro para determinar λs (r) 0,70 [-] Parâmetro para determinar λs ( s ) 0,012 [kPa] -1
Permeabilidade isotrópica saturada (ksat) 10-6 [m/s] Saturação máxima ( s
lS ) 1,00 [-]
Saturação residual ( rlS ) 0,20 [-]
Parâmetro de van Genuchten (vg) 1,0 [m-1] Parâmetro de van Genuchten (nvg) 0,5 [-] Parâmetro de van Genuchten (mvg) 1,0 [-]
0.001 0.01 0.1 1 10 100 1000 10000s (kPa)
0.2
0.3
0.4
0.5
0.6
0.7
0.8
0.9
1.0
Sl (
-)
1E-010 1E-009 1E-008 1E-007 1E-006kr ksat(m/s)
0.2
0.3
0.4
0.5
0.6
0.7
0.8
0.9
1.0
Sl (
-)
Figura 6.2.- Curvas características do solo da fundação.
O solo encontra-se inicialmente saturado e em equilíbrio hidrostático com a
superfície freática localizada em z=0m. Os deslocamentos em x foram restritos
nas superfícies em x=0m e x=5m; os deslocamentos em y, nas superfícies em
y=0m e y=0,5m; e todos os deslocamentos, na superfície em z=-5m.
O estado inicial de tensão foi estabelecido pela aplicação de forças de corpo
com K0=0,72 e PPS=50kPa. A superfície de escoamento no plano desviador foi
Exemplos de aplicação
111
representada através do hexágono de Mohr-Coulomb com o critério de
arredondamento proposto por Sheng et al. (2000).
Durante a primeira fase do problema, uma sucção uniforme de 20kPa foi
aplicada na superfície do solo durante 4x107s. Em seguida, aplicou-se um
carregamento de 80kPa numa área de 0,25m2 durante 4x107s, mantendo a sucção
de 20kPa constante na superfície do solo. Após este carregamento, a condição de
contorno de sucção foi liberada e sobre esta se aplicou uma taxa de infiltração de
5x10-9m/s durante 4x107s.
As tolerâncias utilizadas foram ITOL = 10-6 e DTOL = 10-3. Os incrementos
de tempo adotados foram t0 = 105s; tmin = 103s e tmax = 106s. O tempo total de
simulação foi Timetotal = 12x107s.
A figura (6.3) apresenta a distribuição dos deslocamentos verticais e das
poropressões no final de cada fase de simulação.
No final da fase de secagem, os deslocamentos verticais são uniformes e da
ordem de 4cm no topo do solo da fundação. Na base do modelo, as poropressões
positivas foram reduzidas, já que ocorre o rebaixamento da superfície freática para
uma profundidade em torno de z=-2,1m.
No final da fase de carregamento, observam-se deslocamentos verticais
diferenciais, principalmente nas regiões próximas à sapata, em que os
assentamentos atingem 20cm no plano de simetria. Por outro lado, a distribuição
das poropressões sofreu poucas alterações, já que a velocidade com que foi
aplicado o carregamento permitiu a dissipação de qualquer excesso de
poropressão que poderia ter sido gerado nesta fase.
No final da fase de umedecimento, observa-se uma redução nas sucções,
produto das infiltrações de água pelo topo do solo; no entanto, estas não são
suficientes para saturá-lo. Observa-se também que nas regiões próximas à sapata,
assentamentos do solo continuam a ocorrer, atingindo 23cm. No entanto, nas
regiões afastadas, ocorre o contrário, isto é, os assentamentos tendem a diminuir.
Isto coloca em evidência alguns comportamentos que são característicos dos solos
não saturados, com algumas regiões que experimentam deformações plásticas de
contração e outras que experimentam deformações elásticas de expansão.
Para um melhor entendimento dos comportamentos descritos acima,
também se apresenta na figura (6.4) a evolução temporal dos deslocamentos para
diversos pontos na superfície do solo em y=0m.
Exemplos de aplicação
112
Final da fase de secagem
Final da fase de carregamento
Final da fase de umedecimento
Figura 6.3.- Deslocamentos verticais e poropressões no final de cada fase da simulação.
Malha deformada sem exagero.
Na figura (6.4), verifica-se que durante a fase de secagem a superfície do
solo teve um assentamento uniforme de 3,7cm em todos os pontos analisados. Na
seguinte fase, os deslocamentos produzidos pelo carregamento da sapata foram
diferentes. Quando o carregamento é completamente aplicado, ocorrem os
seguintes assentamentos (valores aproximados): 20cm em x=0m (centro da
sapata); 12,5 cm em x=0,5m (eixo da sapata); e 4,7cm em x=1m. Em x=5,0m, os
assentamentos da fase anterior praticamente não sofreram alteração.
Exemplos de aplicação
113
0 20 40 60 80 100 120
Tempo (106 s)
-0.30
-0.25
-0.20
-0.15
-0.10
-0.05
0.00
Des
loca
me
nto
ve
rtic
al (
m)
x = 0.0m
x = 0.5m
x = 1.0m
x = 5.0m
Fase de secagem Fase de carregamento Fase de umedecimento
Figura 6.4.- Deslocamentos verticais em diversos pontos da superfície do solo
empregando o BBM.
Em seguida, na fase de umedecimento, observa-se que a superfície do solo
se eleva ou continua a se assentar, dependendo da posição analisada. No centro e
no eixo da sapata, em que deformações plásticas aconteceram na fase do
carregamento, se produzem assentamentos adicionais de 2,8cm e de 1,3cm,
respectivamente. No entanto, em x=1,0m e x=5,0m, a superfície do solo se eleva
em 1,0cm e 0,7cm, respectivamente.
Estes comportamentos distintos ocorrem em função das taxas de redução,
tanto da pressão de pré-adensamento do solo não saturado ( *0p ) como da tensão
octaédrica ( 'p ), quando o solo é umedecido. Observe que para o modelo de
Barcelona, *0p e 'p são utilizados para definir se o estado de tensão do solo se
encontra numa região elástica ou numa região plástica.
De acordo com Sheng et al. (2003b), se 'p diminui mais rapidamente que
*0p , pequenas deformações elásticas de dilatação ocorrerão, independentemente
do estado de tensão do solo. Este é o caso, por exemplo, das regiões do solo
afastadas da sapata em que a superfície do solo se eleva, reproduzindo o
comportamento de alguns solos expansivos.
Exemplos de aplicação
114
Por outro lado, se *0p diminui mais rapidamente que 'p e o estado de tensão
do solo estiver próximo ou sobre a superfície de escoamento, deformações
elastoplásticas de contração ocorrerão pelo umedecimento. Este é o caso das
regiões do solo que experimentaram deformações plásticas durante a fase de
carregamento, reproduzindo o comportamento dos solos denominados colapsíveis.
A capacidade de poder modelar este tipo de comportamento constitui uma
das principais características que distinguem o BBM dos modelos convencionais
para solos saturados. Com o objetivo de mostrar a influência da sucção no
comportamento elastoplástico do solo, simulou-se novamente o problema anterior
empregando o modelo Cam-Clay Modificado (MCC). A geometria, a malha de
elementos finitos, as condições de contorno e as propriedades são aquelas já
mencionadas.
0 20 40 60 80 100 120
Tempo (106 s)
-0.30
-0.25
-0.20
-0.15
-0.10
-0.05
0.00
Des
loca
men
to v
ert
ical
(m
)
x = 0.0m (BBM)
x = 0.5m (BBM)
x = 1.0m (BBM)
x = 5.0m (BBM)
x = 0.0m (MCC)
x = 0.5m (MCC)
x = 1.0m (MCC)
x = 5.0m (MCC)
Fase de secagem Fase de carregamento Fase de umedecimento
Figura 6.5.- Deslocamentos verticais em diversos pontos da superfície do solo
empregando o BBM e o MCC.
A figura (6.5) apresenta uma comparação dos deslocamentos obtidos
empregando o BBM e o MCC. Observa-se que na fase de secagem os
deslocamentos previstos com o MCC são iguais aos previstos pelo modelo BBM.
Exemplos de aplicação
115
Isto acontece porque o solo teve um comportamento elástico durante toda esta
fase, sem nenhuma interferência da superfície de escoamento, e desta forma,
ambos modelos fornecem os mesmos resultados.
Na fase de carregamento, já se observam diferenças significativas nos
deslocamentos entre ambos os modelos, principalmente nas regiões próximas do
centro da sapata (x=0m e x=0,5m). Nestas regiões, os assentamentos simulados
pelo MCC atingiram valores até 23% superiores daqueles simulados pelo BBM no
final da fase de carregamento. Este comportamento tem explicação na fase de
secagem. No BBM, a secagem fez com que a pressão de pré-adensamento do solo
incrementasse, aumentando o tamanho da superfície de escoamento e fazendo
com que o solo ficasse mais sobreadensado. Por outro lado, no modelo MCC, a
superfície de escoamento não sofreu alterações durante a fase de secagem, já que
a pressão de pré-adensamento deste modelo é independente da sucção,
experimentando apenas mudanças na tensão octaédrica. Por esta razão, o solo
modelado com o MCC sofre antecipadamente deformações plásticas, no instante
55x106 segundos; enquanto que o solo modelado com o modelo BBM sofre
deformações plásticas somente no instante 60x106 segundos.
Desta figura (6.5), observa-se também que os deslocamentos que ocorrem
nas regiões mais distantes do centro da sapata (x=1m e x=5m) são similares entre
ambos os modelos, pois ambos conseguem representar as deformações
volumétricas dilatantes do solo. Isto tem explicação no comportamento elástico
que se manteve nesta região, inclusive após a fase de carregamento.
6.3. Simulação da extração de águas subterrâneas de aquíferos por poços de bombeamento
A modelagem de sistemas aquíferos através de análises acopladas é
complexa e quase sempre inviável, sobretudo quando geometrias tridimensionais
são requeridas. Por essa razão, os sistemas aquíferos são geralmente modelados
através de análises de fluxo desacoplado, desconsiderando os fenômenos de
tensão-deformação envolvidos. Entretanto, existem situações nas quais o
comportamento hidráulico dos sistemas aquíferos não pode ser explicado a menos
que análises hidromecânicas sejam realizadas.
Exemplos de aplicação
116
Nos últimos anos, o uso d’água subterrânea tem aumentado constantemente
no mundo, principalmente pela demanda nas regiões com escassos recursos
hídricos, levando à extração d’água por poços de bombeamento. Ao se extrair esta
água, altera-se o equilíbrio hidromecânico do aquífero e as consequências
precisam ser avaliadas para garantir um uso sustentável. Um dos problemas que
compromete esta sustentabilidade é o risco de subsidência da superfície do solo
como consequência de uma redução das poropressões quando a água é extraída
por poços de bombeamento. Esta subsidência pode comprometer pavimentos de
vias publicas e edificações nas zonas urbanas próximas ao poço. Cabral et al.
(2006) apresentam resumidamente uma série de casos mundiais em que foram
observados problemas deste tipo. No Brasil, existem poucos casos registrados; no
entanto, essa falta de informação não indica necessariamente uma inexistência
deste fenômeno.
Para analisar o comportamento de sistemas aquíferos nestas condições,
foram idealizados dois modelos através dos quais se simula a extração d’água por
poços de bombeamento. Estes modelos são baseados em sistemas aquíferos
sedimentares de distintas configurações. No primeiro destes, se simula a extração
d’água de um aquífero semiconfinado por um aquitardo (Modelo I) e no segundo,
a extração d’água de um aquífero livre (Modelo II). O modelo geométrico e a
malha, composta por 4096 elementos BRICK8 e 4913 nós, são apresentados na
figura (6.6).
Figura 6.6.- Geometria e malha empregadas na análise do problema de poços de
bombeamento em sistemas aquíferos.
Exemplos de aplicação
117
O modelo I é composto por dois estratos: o superior, de 15m de espessura,
corresponde a um aquitardo de argila pré-adensada; o inferior, de 35m de
espessura, corresponde a um aquífero de areia semiconfinado pelo aquitardo. Um
poço de bombeamento foi introduzido no centro do modelo permitindo, através de
planos de simetria, que o sistema seja representado apenas por uma quarta parte
de sua geometria original, como mostra a figura (6.6). O poço, localizado em
x=0m e y=0m, tem um raio de 0,3m e 25m de profundidade, atravessa todo o
aquitardo e parte do aquífero. O filtro do poço, que permite a extração d’água,
encontra-se no aquífero entre as profundidades -25mz -15m. Inicialmente,
assume-se que o sistema aquífero se encontra em equilíbrio hidrostático com a
superfície freática localizada no aquitardo em z=-5m, permitindo a ocorrência
inicial de regiões não saturadas entre -5mz 0m.
A extração d’água pelo poço foi simulada pela redução instantânea da carga
hidráulica total em -10m naqueles nós da malha que conformam o filtro do poço.
Nas superfícies verticais correspondentes a x=250m e y=250m fixou-se uma carga
hidráulica total de -5m, enquanto que os deslocamentos foram restringidos na
direção horizontal. Na superfície vertical em x=0m foram restringidos os
deslocamentos e o fluxo na direção x. Na superfície vertical em y=0m foram
restringidos os deslocamentos e o fluxo na direção y. Na superfície horizontal da
base do modelo foram restringidos os movimentos e fluxos verticais, enquanto
que a superfície horizontal do topo do modelo, com exceção dos contornos
laterais, é livre para se movimentar nas três direções.
Tabela 6-2.- Propriedades mecânicas e hidráulicas empregadas na simulação do sistema
aquífero.
Parâmetros Aquífero Aquitardo Unidades Ângulo de atrito (ϕ’) - 30,0 [DEG] Módulo de Young (E) 8,33x103 - [kPa] Módulo de Poisson () 0,25 0.30 [-] Inclinação da LCN em condições saturadas (λ0) - 0.28 [-] Inclinação da LCD ( ) - 0.028 [-] Peso específico dos grãos sólidos (s) 26,0 26,5 [kN/m3] Porosidade na LCN com p’=1kPa (n) 0,44 0,66 [-] Parâmetro para determinar λs (r) - 0,70 [-] Parâmetro para determinar λs ( s ) - 0,012 [kPa-1]
Razão de pré-adensamento (RPA) - 2,0 [-] Permeabilidade isotrópica saturada (ksat) 3,26 8,24x10-3 [m/h] Saturação residual ( r
wS ) 0,152 7,58x10-5 [-]
Parâmetro de van Genuchten (vg) 0,913 1,352 [m-1] Parâmetro de van Genuchten (nvg) 4,27 1,20 [-]
Exemplos de aplicação
118
Para representar o comportamento mecânico do aquitardo empregou-se o
BBM e do aquífero empregou-se o modelo elástico linear. Os parâmetros
utilizados correspondem a materiais representativos para sistemas aquíferos
(Halford, 1997; Kim & Parizek, 1997; Chai et al., 2005) e estão listadas na tabela
(6-2). Na figura (6.7) apresentam-se as curvas características de cada uma destas
estratificações segundo o modelo de van Genuchten. A compressibilidade d’água
é de 4,40x 10-7(kPa)-1 e seu peso específico é de 9,81 kN/m3.
0.01 1 100 10000 1000000s (kPa)
0.0
0.1
0.2
0.3
0.4
0.5
0.6
0.7
0.8
0.9
1.0
Sl (
-)
aquíferoaquitardo
1E-010 1E-008 1E-006 0.0001 0.01 1kr ksat (m/hr)
0.0
0.1
0.2
0.3
0.4
0.5
0.6
0.7
0.8
0.9
1.0
Sl (
-)
aquíferoaquitardo
Figura 6.7.- Curvas características dos estratos que compõem o sistema aquífero.
As tolerâncias utilizadas foram ITOL = 10-5 e DTOL = 10-3. Os incrementos
de tempo adotados foram t0 = 10-4h; tmin = 10-5h e tmax = 200h. O tempo total
de simulação foi Timetotal = 1000h.
Inicialmente, simulou-se o modelo I empregando uma análise acoplada. A
figura (6.8) apresenta os resultados em regime permanente correspondentes às
distribuições de cargas de pressão, cargas totais, deslocamentos verticais e
velocidades. Pelas distribuições de cargas hidráulicas, verifica-se o rebaixamento
da superfície freática em torno da região do poço, produzindo assentamentos de
até 6cm na superfície do solo, sendo que a extração de água pelo poço se produz
com velocidades da ordem de 13m/h.
Em seguida simulou-se o mesmo problema através de uma análise de fluxo
desacoplada. Os resultados desta análise foram similares àqueles obtidos pela
análise acoplada na condição de regime permanente. No entanto, durante o regime
transiente, algumas diferenças foram observadas na evolução temporal das cargas
hidráulicas de dois pontos a 14m de distância do centro do poço e localizados nas
elevações z=-12,5m (aquitardo) e z=-17,5m (aquífero), como mostra a figura
(6.9).
Exemplos de aplicação
119
Figura 6.8.- Distribuição de cargas hidráulicas, deslocamentos verticais e velocidades na
condição de regime permanente para o Modelo I empregando uma análise acoplada.
0.0001 0.001 0.01 0.1 1 10 100 1000 10000Tempo (h)
-8.00
-7.50
-7.00
-6.50
-6.00
-5.50
-5.00
-4.50
Ca
rga
hid
rául
ica
tota
l (m
)
z=-17.5m - aquífero (acoplado)z=-17.5m - aquífero (desacoplado)z=-12.5m - aquitardo (acoplado)z=-12.5m - aquitardo (desacoplado)
Figura 6.9.- Evolução temporal das cargas hidráulicas em dois pontos distantes a 14m
do centro do poço no Modelo I.
Na figura (6.9) observa-se que as curvas resultantes do ponto localizado no
aquífero, obtidas pela análise acoplada e desacoplada, apresentam tendências
similares com quedas ao longo do tempo. Por outro lado, as curvas resultantes do
ponto localizado no aquitardo apresentam consideráveis diferenças,
principalmente durante a primeira hora de simulação. A carga hidráulica total
Exemplos de aplicação
120
obtida pela análise desacoplada apresenta um comportamento similar aos daqueles
pontos localizados no aquífero, com quedas. Já a carga hidráulica total obtida pela
análise acoplada apresenta incrementos durante aproximadamente os primeiros
dois minutos de simulação, atingindo um valor máximo de -4,60m.
Este comportamento, similar àquele observado na esfera de Cryer, ocorre
pelo desenvolvimento de excessos de poropressão nas regiões do aquitardo
próximas ao poço durante os primeiros instantes de bombeamento. Este fenômeno
tem sido observado através de testes de bombeamento realizados em campo e é
conhecido na literatura como “efeito de Noordbergum” (Andreansen & Brookhart,
1963; Verruijt, 1969; Rodrigues, 1983). Durante os primeiros instantes de
bombeamento, a água contida no aquífero flui em direção ao filtro do poço,
causando deformações de compressão e uma redução do volume do aquífero. Já a
água contida no aquitardo, de baixa permeabilidade, não tem tempo de fluir e
termina opondo-se à compressão, gerando os excessos de poropressão
identificados pela análise acoplada.
Estes excessos de poropressão ocorrem com mais intensidade nas regiões do
aquitardo próximas à interface com o aquífero. Em consequência, o sentido dos
gradientes hidráulicos destas regiões se inverte e ocorre a flutuação do nível
d’água, como mostrado na figura (6.10).
0.0001 0.001 0.01 0.1 1 10 100 1000 10000Tempo (h)
-9.00
-8.50
-8.00
-7.50
-7.00
-6.50
-6.00
-5.50
-5.00
-4.50
-4.00
z (m
)
Nível d´agua - acopladoNível d´agua - desacoplado
Figura 6.10.- Evolução temporal do nível d’água do centro do poço no Modelo I.
Exemplos de aplicação
121
Na figura (6.10) observa-se que após aproximadamente uma hora, os
excessos de poropressão são dissipados e ocorre o normal rebaixamento do nível
d’água, seguindo uma trajetória similar àquela da análise desacoplada. Também se
pode observar que ocorre uma mudança nas tendências das curvas de
rebaixamento de ambas as análises, acoplada e desacoplada, no intervalo de tempo
compreendido entre 3 e 20 horas de simulação. Esta mudança de tendência ocorre
pela contribuição d’água proveniente das regiões não saturadas acima do
aquitardo. A intensidade desta contribuição é suficiente para diminuir a taxa de
redução do rebaixamento durante o intervalo indicado, após o qual esta
contribuição se torna insignificante e o rebaixamento continua sua tendência de
queda até atingir a condição de regime permanente. Nesta condição, o nível
freático se estabelece em torno dos -8,9m de profundidade, produzindo
rebaixamentos máximos de 3,86m e 3,92m nas análises, acoplada e desacoplada,
respectivamente.
A evolução temporal dos deslocamentos verticais resultantes da análise
acoplada é apresentada para quatro pontos na superfície na figura (6.11). Estes
pontos estão localizados a r=0,3m, r=20m, r=50m e r=110m do centro do poço.
Observa-se que em todas as curvas os assentamentos se incrementam com
tendências similares até 10 horas de simulação.
0.0001 0.001 0.01 0.1 1 10 100 1000 10000Tempo (h)
-0.07
-0.06
-0.05
-0.04
-0.03
-0.02
-0.01
0.00
De
sloc
ame
ntos
(m
)
r = 0.3mr = 20mr = 50mr = 110m
Figura 6.11.- Evolução temporal dos deslocamentos de quatro pontos localizados na
superfície do Modelo I distantes a uma distância r do centro do poço.
Exemplos de aplicação
122
Após 10 horas de simulação, as taxas de assentamento se reduzem e a partir
de 200 horas de simulação, ocorre até uma elevação dos pontos mais próximos do
poço. Este comportamento tem explicação na redução das tensões totais
provocada pelo rebaixamento do nível d’água. Observando a figura (6.9), pode-se
constatar que após 200 horas de simulação, as poropressões no aquífero se
encontram praticamente equilibradas; no entanto, pela figura (6.10), verifica-se
que o rebaixamento d’água ainda continua. Isto provoca uma redução das cargas
geostáticas suportadas pelo aquífero, e em consequência, as tensões efetivas nesta
região se reduzem, provocando uma expansão elástica. Esta expansão é refletida
pelas curvas dos assentamentos, produzindo elevações de 6mm na superfície do
solo ao redor do centro do poço. Já nas regiões afastadas, em que o rebaixamento
do nível d’água é menor, estes incrementos são imperceptíveis. Contudo, no
regime permanente, a máxima subsidência determinada pela análise acoplada é de
5,4cm.
0.001 0.01 0.1 1 10 100 1000 10000Tempo (h)
120
140
160
180
200
220
240
260
Va
zão
(m
3 /h)
vazão acopladavazão desacoplada
Figura 6.12.- Evolução temporal da vazão de bombeamento no Modelo I nas análises
acoplada e desacoplada.
A figura (6.12) apresenta a evolução temporal da vazão de bombeamento
obtida nas análises acoplada e desacoplada. Inicialmente, observam-se valores
elevados de vazão de bombeamento provocados pela redução instantânea das
cargas hidráulicas; no entanto, à medida que as análises tendem ao equilíbrio
hidráulico, esta vazão se reduz em 50% para ambas as análises. Verifica-se que a
vazão determinada pela análise acoplada é inferior àquela determinada pela
Exemplos de aplicação
123
análise desacoplada. Esta diferença é explicada pela deformação volumétrica de
compressão que se produz na análise acoplada. Esta deformação provoca uma
redução dos espaços porosos pelos quais a água flui, causando uma redução das
permeabilidades saturadas. Já na análise desacoplada, esta permeabilidade
permanece inalterada. No regime permanente, verifica-se que a vazão obtida pela
análise acoplada é de 127,9m3/h, enquanto que a vazão obtida pela análise
desacoplada é de 132,1m3/h.
Para o segundo sistema aquífero (Modelo II), adotou-se a mesma geometria
do primeiro, mas foram empregadas as propriedades do aquífero em todo o
modelo, simulando desta forma um aquífero livre. Novamente, assume-se que o
sistema aquífero se encontra em equilíbrio hidrostático, mas desta vez com a
superfície freática localizada no topo do modelo em z=0m. Desta forma, o sistema
aquífero inicialmente é completamente saturado. As condições de contorno
utilizadas são as mesmas do Modelo I, com exceção da carga hidráulica total
imposta nas superfícies verticais em x=250m e y=250m, que agora é nula.
0.0001 0.001 0.01 0.1 1 10 100 1000 10000Tempo (h)
-3.50
-3.00
-2.50
-2.00
-1.50
-1.00
-0.50
0.00
0.50
Car
ga h
idrá
ulic
a to
tal (
m)
z=-17,5m - aquífero (acoplado)z=-17,5m - aquífero (desacoplado)z=-12,5m - aquífero (acoplado)z=-12,5m - aquífero (desacoplado)
Figura 6.13.- Evolução temporal da carga hidráulica em dois pontos distantes a 14m do
centro do poço no Modelo II.
Analogamente ao Modelo I, duas análises, uma acoplada e outra desacoplada,
foram realizadas. A figura (6.13) apresenta a evolução temporal da carga
hidráulica, obtida por ambas as análises, medida em dois pontos distantes a 14m
do centro do poço e localizados nas elevações z=-12,5m e z=-17,5m. Pelas curvas
da análise acoplada, verifica-se que há um incremento da carga hidráulica durante
Exemplos de aplicação
124
os primeiros instantes do bombeamento. No entanto, diferentemente do resultado
obtido para o Modelo I, este incremento é pequeno e se dissipa rapidamente
porque a permeabilidade do aquífero é muito superior àquela do aquitardo. Na
figura (6.13), também se verifica que, durante o regime transiente, a análise
acoplada fornece uma carga hidráulica ligeiramente inferior à obtida pela análise
desacoplada. Na condição de regime permanente, esta situação se inverte.
Este comportamento é devido à variação da porosidade em função das
deformações sofridas pelo sistema aquífero. Durante a análise transiente, as
porosidades nas regiões próximas ao poço são reduzidas pelas deformações
volumétricas de compressão. Em consequência, a capacidade de retenção destas
regiões é reduzida o processo de fluxo se desenvolve mais rapidamente nas
análises acopladas do que nas análises desacopladas. Por outro lado, em períodos
de tempo próximos da condição de regime permanente, a variação da capacidade
de retenção específica não influi nos resultados porque não há mais variação de
cargas hidráulicas ou de deslocamentos. Nesta condição, o parâmetro
preponderante é a permeabilidade saturada que foi reduzida pelas deformações
volumétricas. Isto provoca uma menor extração d’água e consequentemente, um
menor rebaixamento produzido pela análise acoplada, como apresentado na figura
(6.14).
0.0001 0.001 0.01 0.1 1 10 100 1000 10000Tempo (h)
-3.50
-3.00
-2.50
-2.00
-1.50
-1.00
-0.50
0.00
0.50
z (m
)
Nível d´agua (acoplado)Nível d´agua (desacoplado)
Figura 6.14.- Evolução temporal do nível d’água do centro do poço no Modelo II.
Exemplos de aplicação
125
Na figura (6.14) verifica-se que, no regime transiente, não ocorrem
destacadas oscilações no nível d’água. Em regime permanente, a análise acoplada
produz um rebaixamento de 3,31m, enquanto que a análise desacoplada produz
um rebaixamento de 3,42m. Estas diferenças também foram observadas nas
análises do Modelo I; no entanto, foram inferiores em função da menor
deformação volumétrica que experimentou esse sistema aquífero.
A evolução temporal dos deslocamentos verticais resultantes da análise
acoplada em quatro pontos é apresentada na figura (6.15). Estes pontos estão
localizados na superfície do Modelo II e estão localizados a r=0,3m, r=20m,
r=50m e r=110m do centro do poço. Pode-se observar que, diferentemente do
Modelo I, não ocorre a expansão elástica do aquífero nos períodos de tempo
próximos da condição de regime permanente. Neste caso, o rebaixamento do nível
d’água se produz de forma simultânea com a redução das poropressões; desta
forma, não há incrementos significativos nas tensões efetivas do aquífero que
possam produzir uma expansão elástica. Em regime permanente, a máxima
subsidência determinada pela análise acoplada é de 9cm nas regiões próximas ao
centro do poço.
0.0001 0.001 0.01 0.1 1 10 100 1000 10000Tempo (h)
-0.10
-0.08
-0.06
-0.04
-0.02
0.00
De
sloc
ame
ntos
(m
)
r = 0.3mr = 20mr = 50mr = 110m
Figura 6.15.- Evolução temporal dos deslocamentos de quatro pontos localizados na
superfície do Modelo II distantes a uma distância r do centro do poço.
Finalmente, a figura (6.16) apresenta a evolução temporal da vazão de
bombeamento no Modelo II obtida tanto pela análise acoplada como pela
desacoplada. Analogamente ao Modelo I, observa-se uma vazão elevada no início
Exemplos de aplicação
126
do bombeamento. Novamente, verifica-se que a vazão determinada pela análise
acoplada é inferior àquela determinada pela análise desacoplada. No regime
permanente, a vazão obtida pela análise acoplada é de 224,3m3/h, enquanto que a
vazão obtida pela análise desacoplada é de 234,7m3/h. Estes valores de vazão são
consideravelmente superiores àqueles obtidos para o Modelo I porque, sem a
presença do aquitardo de baixa permeabilidade, o poço pode extrair água com
maior facilidade.
0.001 0.01 0.1 1 10 100 1000 10000Tempo (h)
220
240
260
280
300
320
340
360
380
400
420
Va
zão
(m
3 /h)
vazão acopladavazão desacoplada
Figura 6.16.- Evolução temporal da vazão de bombeamento no Modelo II.
6.4. Simulação do primeiro enchimento do reservatório de uma barragem de terra zonada
As barragens de terra são estruturas geotécnicas que permitem o
armazenamento de grandes quantidades de água. De forma geral, estas barragens
podem ser classificadas em dois tipos, homogêneas ou zonadas, em função dos
materiais que as constituem. A escolha pelo tipo de barragem depende dos
materiais existentes nas zonas próximas do local em que são construídas. O corpo
das barragens homogêneas é constituído por solos com características similares; já
o corpo das barragens zonadas é constituído por solos com distintas características
mecânicas e hidráulicas. Desta forma, as barragens homogêneas podem ser
consideradas como um caso particular das zonadas.
Exemplos de aplicação
127
Basicamente, o corpo das barragens zonadas é formado por três zonas
identificadas na figura (6.17). As zonas dos espaldares geralmente são
constituídas por materiais granulares, sendo responsáveis pela estabilidade do
corpo da barragem. O núcleo, constituído por materiais finos, é responsável pela
impermeabilização que impede ou minimiza a percolação d’água pela barragem.
Finalmente, a zona de filtros e drenos é constituída por areias e britas que
garantem a expulsão da água que atravessa a barragem.
Figura 6.17.- Seção típica de uma barragem de terra zonada.
Durante o primeiro enchimento do reservatório se desenvolvem frentes de
saturação assim como carregamentos que podem originar a ocorrência de
movimentos complexos, observados em numerosas barragens.
De acordo com Nobari e Duncan (1972), quatro efeitos ocorrem devido ao
primeiro enchimento de uma barragem zonada: a) redução das tensões efetivas no
espaldar à montante, b) desenvolvimento de pressão hidráulica na face de
montante do núcleo, c) desenvolvimento de pressão hidráulica na fundação e sub-
pressão no núcleo central e, d) colapso dos materiais devido ao umedecimento.
Todos estes efeitos são ilustrados na figura (6.18).
a) b)
colapso
c) d) Figura 6.18.- Efeitos do primeiro enchimento do reservatório em uma barragem de terra
zonada (Novari e Duncan apud Parra, 1996).
Exemplos de aplicação
128
O efeito de redução das tensões efetivas na figura (6.18a) ocorre como
consequência do umedecimento do espaldar. À medida que as frentes de saturação
se desenvolvem pela infiltração d’água, esta zona apresenta uma redução nas
tensões efetivas, provocando sua expansão através de deslocamentos ascendentes
na direção de jusante.
O efeito do surgimento da pressão hidráulica na figura (6.18b) ocorre pela
baixa permeabilidade do núcleo em relação à permeabilidade do material do
espaldar de montante, desenvolvendo-se estas pressões na face de montante do
núcleo à medida que o nível do reservatório se incrementa. De acordo com Parra
(1996), esta pressão produzirá deslocamentos direcionados para jusante, chegando
a ser apreciáveis na fase final do enchimento do reservatório.
O efeito de surgimento de pressões hidráulicas na figura (6.18c) ocorre pelo
desenvolvimento de poropressões na fundação. Durante os instantes iniciais do
enchimento do reservatório, desenvolvem-se pressões hidráulicas na fundação a
montante do núcleo, provocando assentamentos e rotação da barragem para
montante. No entanto, à medida que o nível d’água do reservatório se eleva,
também se incrementam as poropressões da fundação, originando subpressões na
base do núcleo que provocam movimentos ascendentes e rotação da barragem
para jusante.
O colapso do material na figura (6.18d) ocorre pelo seu umedecimento.
Comportamentos deste tipo foram observados no primeiro exemplo de aplicação
apresentado neste capítulo. Este tipo de comportamento é característico de solos
finos; no entanto, também pode acontecer em materiais granulares devido à
redução de resistência que estes experimentam pelo umedecimento. Hunter & Fell
(2003); Alonso et al. (2005) e Divino (2010) apresentam alguns exemplos de
barragens que experimentaram este tipo de problemas.
Para analisar o comportamento de uma barragem de terra zonada submetida
ao primeiro enchimento, foram realizadas duas simulações numéricas com o
GEOFLUX3D, que contemplam uma análise acoplada (Modelo 1) e uma análise
de fluxo desacoplada (Modelo 2).
A seção transversal da barragem e a malha de elementos finitos utilizadas
nestas análises são apresentadas na figura (6.19). A malha é composta por 2759
elementos tipo QUAD4 e 2865 pontos nodais. Como se pode observar, a malha
Exemplos de aplicação
129
apresenta um maior refinamento na fase do talude à montante, já que esta região é
diretamente exposta aos efeitos do enchimento do reservatório.
Figura 6.19.- Geometria e malha de elementos finitos empregada na análise do
enchimento de uma barragem de terra.
Os modelos para representação do comportamento mecânico destes
materiais foram o modelo elastoplástico de Barcelona para o núcleo e o modelo
elástico linear para os espaldares, dreno e fundação. Para representação do
comportamento hidráulico destes materiais quando não saturados, empregou-se o
modelo de Van Genuchten (1980). Os parâmetros utilizados na modelagem são
representativos de diversos tipos de materiais utilizados em barragens de terra
zonada (Alonso et al., 2005; Quevedo, 2008; Alonso & Pinyol, 2009; Callari &
Abati, 2009; Dias, 2010; Divino, 2010) e estão apresentados nas tabelas (6-3) e
(6-4). As curvas características utilizadas são apresentadas na figura (6.20).
Tabela 6-3.- Propriedades mecânicas empregadas nas simulações.
Parâmetros Núcleo Espaldar Fundação Drenos Unid. Módulo de Young (E) - 150 400 100 [MPa] Módulo de Poisson () 0,40 0,30 0,30 0,30 [-] Ângulo de atrito (ϕ’) 35 - - - [º] Inclinação da LCN em cond. saturadas (λ0) 0,03 - - - [-] Inclinação da LCD ( ) 0,002 - - - [-] Peso específico dos grãos sólidos (s) 28,6 28 30 31 [kN/m3] Porosidade (n) 0,44 0,38 0,30 0,39 [-] Parâmetro para determinar λs (r) 0,7 - - - [-] Parâmetro para determinar λs ( s ) 0,007 - - - [kPa-1]
Tabela 6-4.- Propriedades hidráulicas empregadas nas simulações.
Parâmetros Núcleo Espaldar Fundação Drenos Unid. Permeabilidade saturada na vertical (ksx) 8,64x10-4 8,64x10-1 8,64x10-3 34,6 [m/dia] Permeabilidade saturada na horizontal (ksy) 4,32x10-4 4,32x10-1 8,64x10-3 6,92 [m/dia] Saturação residual ( r
wS ) 0,256 0,075 0,01 0,051 [-]
Parâmetro de Van Genuchten (vg) 0,147 1,077 0,40 2,67 [-] Parâmetro de Van Genuchten (nvg) 1,78 3,01 3,74 2,29 [-] Compressibilidade do solo () 6,00x10-6 8,00x10-6 3,00x10-6 1,20x10-5 [kPa-1]
Exemplos de aplicação
130
0.1 1 10 100 1000 10000s (kPa)
0.0
0.1
0.2
0.3
0.4
0.5
0.6
0.7
0.8
0.9
1.0
Sl (
-)
NúcleoEspaldarFundaçãoDreno
1E-008 1E-006 0.0001 0.01 1 100kr ksx (m/dia)
0.0
0.1
0.2
0.3
0.4
0.5
0.6
0.7
0.8
0.9
1.0
Sl (
-)
NúcleoEspaldarFundaçãoDreno
Figura 6.20.- Curvas características dos solos que compõem a barragem de terra
zonada.
As tensões iniciais foram determinadas pela aplicação das forças de corpo
com RPA = 1,0 para representar esta zona em um estado normalmente adensado.
Admitiu-se que a superfície freática inicial é estabelecida na cota y=0,0m
com uma sucção que se incrementa linearmente até um valor máximo de 50kPa
em y=5,0m, cota acima da qual a sucção é mantida constante nesse valor. Uma
análise do comportamento da barragem durante a fase de construção é ideal para
determinar as condições iniciais. No entanto, estas foram simplificadas já que,
para análises do primeiro enchimento do reservatório, as poropressões que se
desenvolvem na barragem são preponderantes nos resultados (Cordão Neto, 2005;
Alonso & Pinyol, 2009).
A taxa utilizada para o enchimento foi de 0,5m/dia, que está dentro dos
limites máximos admissíveis na prática da engenharia de barragens (Alonso &
Pinyol, 2009). Desta forma, na fase de enchimento, a barragem atinge seu nível
máximo em 190 dias, após os quais esse nível é mantido constante até atingir a
condição de fluxo em regime permanente.
Como condição de contorno, fixou-se a base da fundação em ambas as
direções x e y, enquanto que os contornos verticais da barragem em x=0m e
x=490m foram fixados na direção x. Na jusante da barragem, uma carga
hidráulica total de 0m foi imposta na fundação a fim de estabelecer a linha freática
no pé do dreno.
As tolerâncias utilizadas foram ITOL = 10-5 e DTOL = 10-3. Os incrementos
de tempo adotados foram t0 = 10-5dias; tmin = 10-6dias e tmax = 10dias. O tempo
total de simulação foi Timetotal = 2000dias.
Exemplos de aplicação
131
No final da simulação, a diferença entre os tempos computacionais gastos
pelas duas análises foi bastante significativa. O tempo computacional gasto no
Modelo 1 (acoplado) foi de 6,0 horas, enquanto que no Modelo 2 (desacoplado)
foi de apenas 0,2 horas, empregando um computador com processador Intel ®
Core i5 e memoria RAM de 8GB.
A figura (6.21) apresenta a evolução da superfície freática em diversos
estágios da fase de enchimento até atingir a condição de regime permanente (2000
dias) para o Modelo 1. Com o objetivo de visualizar melhor as deformações
sofridas pela barragem, nesta figura também se plotou a geometria indeformada
da barragem.
Figura 6.21.- Evolução da linha freática e campos de deformação (malha deformada
com fator de escala = 100) durante o primeiro enchimento do reservatório.
Observa-se que, à medida que o nível do reservatório se eleva, também se
desenvolve uma frente de saturação que avança através do espaldar de montante
até atingir a base do núcleo em 100 dias de simulação. Até este período de tempo,
não se visualizam significativas deformações da barragem em função da elevada
rigidez assumida para o espaldar. Posteriormente, se observa que, pela baixa
permeabilidade do núcleo, ocorre um atraso no desenvolvimento da frente de
saturação, formando-se uma pressão hidráulica na face de montante do núcleo. À
medida que esta pressão incrementa, deslocamentos direcionados para jusante
acontecem à medida que se eleva o nível do reservatório. Neste período de tempo,
Exemplos de aplicação
132
também ocorrem movimentos ascendentes nas bases do núcleo e do espaldar de
montante, provocados pela subpressão da fundação.
Após 2000 dias de simulação, observa-se a posição da superfície freática na
condição de regime permanente. Neste período de tempo, também se observa que,
em relação ao período de tempo anterior (190 dias), o núcleo teve certa
movimentação em direção à montante. Estes movimentos ocorrem porque, à
medida que a frente de saturação avança, as pressões hidráulicas na face de
montante do núcleo são contrapostas pelas poropressões que se desenvolvem no
seu interior.
Na condição de regime permanente, observam-se também movimentos
ascendentes, na região superior do espaldar de montante, produzidos pela
expansão deste material devido ao umedecimento. No entanto, a região superior
do núcleo à jusante parece experimentar movimentos descendentes, evidenciando
que estas regiões experimentam colapso por umedecimento. Para uma melhor
explicação destes comportamentos, alguns resultados são apresentados a seguir
para alguns pontos do modelo, sendo estes indicados pela figura (6.22).
Figura 6.22.- Localização de pontos para análise de resultados.
A figura (6.23) apresenta a evolução dos deslocamentos, verticais e
horizontais, assim como da poropressão nestes pontos durante o período de tempo
simulado. Durante os primeiros 120 dias, o ponto A experimenta os maiores
deslocamentos devido ao incremento da pressão hidráulica exercida pela água na
face do talude do espaldar de montante. No entanto, após este período de tempo,
este ponto apresenta uma queda na taxa dos deslocamentos horizontais,
ocasionada pelo surgimento de poropressões que se contrapõem à pressão
hidráulica. Diferentemente deste ponto, os outros pontos parecem se deslocar em
direção à jusante com taxas que vão se incrementando à medida que se eleva o
nível do reservatório. Este comportamento também é observado no ponto E,
Exemplos de aplicação
133
devido ao surgimento de elevadas poropressões na fundação, gerando subpressões
na base do núcleo.
0 20 40 60 80 100 120 140 160 180
Tempo (dias)
0.00
0.01
0.02
0.03
0.04
0.05
0.06
0.07
0.08
Des
loca
men
tos
vert
icai
s (m
)
A
B
D
E
C
200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000
Tempo (dias)
0.00
0.01
0.02
0.03
0.04
0.05
0.06
0.07
0.08
0 20 40 60 80 100 120 140 160 180
Tempo (dias)
0.00
0.02
0.04
0.06
0.08
0.10
0.12
0.14
0.16
0.18
0.20
Des
loca
men
tos
hori
zont
ais
(m)
A
B
D
E
C
200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000
Tempo (dias)
0.00
0.02
0.04
0.06
0.08
0.10
0.12
0.14
0.16
0.18
0.20
0 20 40 60 80 100 120 140 160 180
Tempo (dias)
-100
0
100
200
300
400
500
600
700
800
Por
opre
ssão
(kP
a)
A
B
D
E
C
200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000
Tempo (dias)
-100
0
100
200
300
400
500
600
700
800
Figura 6.23.- Deslocamentos vertical e horizontal e poropressão nos pontos de
observação durante a fase de enchimento do reservatório até o regime permanente.
Quando o reservatório está praticamente cheio, os deslocamentos verticais
no ponto B apresentam uma queda que ocorre até os 400 dias de simulação; a
mesma situação acontece com seus deslocamentos horizontais. Observa-se
também que as quedas destes deslocamentos coincidem com os incrementos de
Exemplos de aplicação
134
poropressão nesta região, evidenciando um comportamento de colapso à medida
que esta se umedece. A figura (6.24) confirma esta hipótese, apresentado regiões
com deformações plásticas quando o nível de reservatório atinge seu máximo
valor.
Figura 6.24.- Regiões com deformações plásticas no final do enchimento do
reservatório. Malha deformada com fator de escala = 100.
Estas deformações plásticas são originadas, em princípio, pelos diferentes
módulos de rigidez dos materiais do espaldar e do núcleo, criando assentamentos
diferenciais na interface entre ambos durante o enchimento do reservatório. Como
consequência, os materiais desta região experimentam mecanismos de
cisalhamento que causam a plastificação do núcleo. Assim, o estado de tensão
destas regiões é modificado de tal forma que, à medida que a frente de saturação
se desenvolve pelo núcleo, deformações plásticas de contração continuam a
ocorrer.
Após 400 dias de simulação, os deslocamentos verticais no ponto B
continuam a se incrementar. Isto pode ser explicado observando o comportamento
que apresenta o ponto C, próximo à base do núcleo. As regiões próximas deste
ponto não sofreram mecanismos de cisalhamento durante o enchimento do
reservatório. Consequentemente, quando umedecidas (vide a evolução das
poropressões em C) estas regiões se expandem elasticamente, fazendo que as
regiões superiores do núcleo, como o ponto B, experimentem movimentos
ascendentes. Repare que os comportamentos observados nos pontos B e C
também foram identificados no primeiro exemplo de aplicação.
A figura (6.25) apresenta os resultados das poropressões determinadas por
ambas as análises acoplada e desacoplada para fins comparativos.
Exemplos de aplicação
135
0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000
Tempo (dias)
-100
0
100
200
300
400
500
600
700
800
Por
opr
essã
o (k
Pa)
Poropressão em Aacoplado
desacoplado
A
B
D
E
C
0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000
Tempo (dias)
-50
-25
0
25
50
75
100
125
150
175
Por
opre
ssão
(kP
a)
Poropressão em Bacoplado
desacoplado
0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000
Tempo (dias)
-100
0
100
200
300
400
500
Por
opre
ssão
(kP
a)
Poropressão em Cacoplado
desacoplado
0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000
Tempo (dias)
200
300
400
500
600
700
800
Por
opre
ssão
(kP
a)
Poropressão em Eacoplado
desacoplado
Figura 6.25.- Comparação de poropressão obtidas pelas análises acoplada e
desacoplada durante o primeiro enchimento do reservatório.
Na figura (6.25) observam-se comportamentos similares para os pontos A e
E. Isto acontece porque nestas zonas foram considerados elevados módulos de
elasticidade; desta forma, os resultados da análise desacoplada, que assume que
todos os materiais são rígidos, se aproximam dos resultados da análise acoplada.
No entanto, diferenças significativas entre os resultados de ambas as
análises podem ser apreciadas nos pontos B e C. Para estes pontos, a frente de
saturação da análise acoplada se desenvolve muito mais rapidamente que aquela
da análise desacoplada. Esta frente atinge os pontos B e C com tempos de
antecipação de 400 e 180 dias, respectivamente. Posteriormente, na condição de
regime permanente, verifica-se que as poropressões são bastante superiores nas
análises acopladas.
Estas diferenças nos resultados de ambas as análises são explicadas pelas
pressões hidráulicas aplicadas na face de montante da barragem durante o
enchimento do reservatório. De acordo com Alonso & Pinyol (2009), estas
pressões hidrostáticas originam esforços de compressão que provocam
Exemplos de aplicação
136
incrementos nas poropressões. Consequentemente, as frentes de saturação se
desenvolvem mais rapidamente nas análises acopladas porque os gradientes
hidráulicos são maiores. As diferenças significativas nos resultados do ponto B na
condição de regime permanente podem ser atribuídas às elevadas deformações
que ocorrem nas regiões próximas a este ponto, discutidas anteriormente.
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