À esquerda de tordesilhas: uma experiência democrática popular
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UNIVERSIDADE DE BRASLIA
FACULDADE DE EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
ESQUERDA DE TORDESILHAS:
UMA EXPERINCIA DEMOCRTICA POPULAR DE EDUCAO NO MUNICPIO
DE BARRA DO GARAS - Mato Grosso.
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Marcos Macedo Fernandes Caron
Braslia
2010
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UNIVERSIDADE DE BRASLIA
FACULDADE DE EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
ESQUERDA DE TORDESILHAS:
UMA EXPERINCIA DEMOCRTICA POPULAR DE EDUCAO NO MUNICPIO
DE BARRA DO GARAS - Mato Grosso.
Marcos Macedo Fernandes Caron
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Faculdade de Educao da Universidade de Braslia/UnB como parte dos requisitos para a obteno do ttulo de Doutor em Educao, sob a orientao da Professora Doutora Regina Vinhaes Gracindo.
Braslia, 16 de dezembro de 2010
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UNIVERSIDADE DE BRASLIA
FACULDADE DE EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
TESE DE DOUTORADO
Marcos Macedo Fernandes Caron
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dra. Regina Vinhaes Gracindo - PPGE/FE/UnB
(presidente)
Prof. Dr. Gaudncio Frigotto PPG - PPFH/ UERJ
Prof. Dr. Sadi Dal Rosso PPGS/SOL/UnB
Prof. Dr. Erasto Fortes Mendona PPGE/FE/UnB
Prof. Dr. Manoel Francisco de Vasconcelos Motta - IE/UFMT
Prof Maria Abadia da Silva (Suplente) PPGE/FE/UnB
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AGRADECIMENTOS
A fora da experincia histrica nos mostra que uma tese acadmica, por maior que tenha
sido o esforo pessoal do autor, sempre feita por muitas mos. Impe-se, portanto,
independente da extenso da lista, cit-las na sua integralidade ao final da luta, para que
ento possamos repartir, ao menos no campo moral e afetivo, os frutos do trabalho com
todos os colaboradores do estudo. Nesse sentido, estendo meus agradecimentos:
- CAPES, pelo apoio dado ao desenvolvimento da pesquisa e s condies necessrias e
indispensveis ao empreendimento final desta tese.
- minha esposa Cntia, querida, sempre, pelo amor, pelo apoio e por toda a compreenso.
Aos meus filhos amados, Bruno e Tamires, por entenderem os momentos de distanciamento
e ausncia. minha me e meu pai, pela formao moral e de vida. Ao meu irmo Mrio,
pela convivncia diuturna nos debates polticos em prol da igualdade e da justia, bem como
pelo meu acolhimento nesta Braslia de todos os brasileiros.
- A minha cara orientadora, Regina Vinhaes Gracindo, Professora e Educadora de primeira
linha da Universidade de Braslia, por sua amizade e infinita pacincia nos meus momentos
de ansiedade e dvidas, bem como nas inestimveis sugestes neste trabalho;
- Aos membros da banca examinadora - Professores, Gaudncio Frigotto, Erasto Fortes
Mendona, Maria Abadia da Silva, Sadi Dal Rosso e Manoel Francisco de Vasconcelos
Motta - por aceitarem o convite de participao.
- Ao Professor Odorico Ferreira Neto, Kiko, companheiro de jornada acadmica na UFMT
e vereador pelo PT na cidade de Barra do Garas (2009/12), na paciente disposio de
fornecer as informaes necessrias e fundamentais ao desenvolvimento do tema, sem as
quais a elaborao desta tese no seria possvel.
- Ao companheiro e amigo Zzimo Wellington Chaparral, pela recepo, abertura e
liberdade de ao minha pesquisa durante sua gesto como Prefeito de Barra do Garas
(PCdoB, 2005/ 2008)
- Professora Ftima Resende, pelas informaes prestadas e o desafio de gerir, como
Secretria de Educao de Barra do Garas (2005-08), um projeto educacional de larga
incluso social;
- Ao Bispo Emrito Dom Pedro Casaldliga, lder espiritual catlico e militante da Teologia
da Libertao de renome internacional, por me receber de alma e braos abertos em sua
distante, mas aprazvel, So Flix do Araguaia, fornecendo-me valiosas informaes
complementares sobre a histria de luta das organizaes populares indgenas e no-
indgenas do Vale do Araguaia mato-grossense.
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- Ao Professor Jos Pessoa, um dos fundadores do PCdoB na cidade de Barra do Garas e
pr-reitor do Centro Universitrio do Araguaia (UFMT), pelo auxlio e presteza nas
informaes da entrevista.
- Ao Deputado Federal Carlos Abicalil, Senadora Serys Slhessarenko e ao Deputado
Estadual e atual Secretrio de Educao do estado, Sguas Moraes, todos do PT de Mato
Grosso, por me receberem nos seus gabinetes em meio s agendas ocupadas, dada s
necessidades prementes do movimento social deste vasto estado, vido por novas
demandas de cidadania e incluso.
- Aos Secretrios Municipais do governo Chaparral, Jos Roberto Mazon (Fazenda), Jairo
Marques (Viao e Obras), Snia Cavalari (Sade), bem como aos assessores pedaggicos
Edson Oliveira e Gecileide Vilela, por todo o auxlio e informaes prestadas.
- Vereadora de Barra do Garas Antnia Jacob, que, independente das nossas
divergncias no campo poltico e social do municpio, recebeu-me em seu gabinete com
dedicao e abertura ao dilogo, contribuindo assim para o enriquecimento das
investigaes sobre o tema da pesquisa.
- s Diretoras, Professoras e Professores das Escolas municipais Miguel Sutil, Padre
Sebastio Teixeira, Moreira Cabral, Laudelino Sousa Santos e da Escola Indgena Xavante
Ir onpe (do Tatu), pela fundamental e indispensvel presena na pesquisa. Sem elas e
eles, esta tese no teria razo de ser;
- Ao jovem Rubens Sella, pelo inestimvel auxlio e sugestes nas tcnicas de informtica e
diagramao, como tambm a Robson Freire, pelo primoroso trabalho de impresso e
encadernao final da tese;
- Ao povo de Mato Grosso e da cidade de Barra do Garas, estado e cidade que aprendi a
admirar ainda mais ao longo dos oito anos de convvio nesta terra, a qual me abriu
caminhos para novas oportunidades profissionais e amadurecimento acadmico.
- Aos amigos que me deram apoio ou a felicidade de compartilhar a amizade.
A todos vocs, meus sinceros agradecimentos.
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[...] Passava horas inteiras, dias inteiros fechado no quarto, trancado, a escovar palavras. Logo a turma perguntou: o
que eu fazia o dia inteiro trancado naquele quarto? Eu respondi a eles, meio entresonhado, que eu estava
escovando palavras. Eles acharam que eu no batia bem. Ento eu joguei a escova fora.
(Manoel de Barros, Poeta Nacional Mato-Grossense: 1916)
Perdi-me dentro de mim Porque eu era um labirinto,
E hoje, quando me sinto com saudades de mim
(Mrio de S Carneiro: 1890 1916)
Uma coisa pr idias arranjadas. Outra lidar com um pas de carne e sangue,
de mil e tantas misrias... tanta gente...
(Joo Guimares Rosa: 1908 1967)
Afinal, no fcil liderana, que emerge por um gesto de adeso s massas oprimidas, reconhecer-se como
contradio exatamente de com quem aderiu
(Paulo Freire: 1921- 1997)
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RESUMO
Esta tese analisa os desafios do projeto educacional democrtico popular num dos aspectos
mais relevantes da sua tradio histrica: o momento em que se torna, aps a vitria
eleitoral, o principal mediador das aes polticas de uma administrao municipal de
esquerda. Tendo como objeto de estudo a gesto do ensino pblico municipal de Barra do
Garas - a maior cidade da histrica regio do Vale do Araguaia, no Estado de Mato Grosso
- investigamos os limites e as possibilidades de um projeto educacional progressista na
tentativa de superar, no embate direto com as foras oligrquicas locais, as prticas e as
posturas clientelistas mais usuais nos municpios do interior brasileiro. O perodo
pesquisado concentra-se nos anos de 2005 a 2008, quando a cidade se encontrava, de
forma indita na histria da regio e do estado, sob administrao do Partido Comunista do
Brasil, ao qual se aliaram o Partido dos Trabalhadores e alguns extratos das foras
tradicionais da poltica local. Como base terica de pesquisa, recorremos consulta da
historiografia regional sob as lentes da filosofia da prxis, ambas mediadas pelas reflexes
mais pertinentes da pedagogia crtica-progressista nacional e latino-americana. A coleta
emprica de dados diversificou-se entre acervos originais, publicaes jornalsticas, estudos
acadmicos e documentos oficiais da prefeitura. Tambm foram entrevistadas, durante o
referido mandato e na campanha pela reeleio em 2008 (que resultou na derrota da
esquerda local frente s foras oligrquicas tradicionais da cidade), 48 personalidades entre
o prefeito, secretrios municipais de governo, representantes da Teologia da Libertao,
parlamentares dos partidos de esquerda da bancada estadual e federal de Mato Grosso,
sindicalistas do magistrio local e estadual, educadores indgenas da etnia Xavante e, base
fundamental da amostragem da tese, profissionais da educao de cinco escolas municipais
de perfis variados, os quais se constituram como os sujeitos principais nas anlises sobre o
tema. Nossa hiptese partiu da constatao inicial de que, a despeito do crescimento
eleitoral da esquerda brasileira nas duas ltimas dcadas, a organizao popular,
notadamente nas cidades pequenas e mdias, continua frgil no que tange construo de
um programa poltico calcado na independncia de classe. Nesse sentido, alm da
necessidade de se estabelecer negociaes polticas especficas para permitir as condies
de governabilidade dos partidos de esquerda locais, conclumos que o discurso de
prioridade mxima educao tem-se mostrado insuficiente para desconstruir,
isoladamente, as posturas eleitorais clientelistas de amplas camadas das populaes destes
municpios.
Palavras Chave: Educao e Eleies; Educao Municipal; Educao Progressista; Prioridade
Educao; Projeto Educacional Democrtico Popular; Tradio Marxista.
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ABSTTRACT
This thesis considers about the popular democratic educational projects in one of most
relevant aspects of its historical tradition namely: the moment becomes, after his elections
victory, in main mediator of politics actions of a municipal left-wing administration. As object
of study the management of municipal public education of Barra do Garas the biggest city
of the historical Araguaia Valley area in Mato Grosso state - we investigated the limits and
possibilities of a progressive educational project in an attempt to overcome, in direct
confrontation with local oligarchic family forces, the practical and clientelistics postures most
used in Brazilian inland towns. The research period concentrates on the years 2005 to 2008,
when the city was, unprecedented in the history of the region and state, under the
administration of the Communist Party of Brazil which allied to Partido dos Trabalhadores
(Workers Party) and some extracts of traditions forces of local politics. As theoretical basis
of research, we consult the regional historiography under the lenses of historical and
dialectical materialism, both mediated by the most relevant considerations in national and
Latin America critical-progressive pedagogy. Collecting empirical data diversified in original
documents, news publications, academic studies and official town hall documents. Were also
interviewed, during that mandate and the re-election campaign in 2008 which resulted in
the defeat of the local left-wing against the traditional oligarchic family city 48 personalities
among the mayor, municipal government secretaries, representatives of Liberation Theology,
state and federal left-wing parliamentary of Mato Grosso, union leaders of local and state
teachers, indigenous teachers of Xavante ethnicity and, the fundamental basis of sampling
of the thesis, teachers from five municipal school of different profiles which constituted the
main spokesmen of the analysis on the topic. The hypothesis came from initial observation
that - despite growth and electoral victories of the Brazilian left-wing in the last two decades -
the popular organization noticed that small and midtowns continues fragile in terms of
building a political programme underpinned by the class independence. Accordingly, beyond
the need to establish specific political negotiations to permit local left-wing party governance
conditions, we conclude that the maximum priority to education speech has proved
insufficient to deconstruct, alone, the clientelist electoral postures of large sections of the
populations of these municipalities.
Keywords: Education and Elections; Municipal Public Education; Progressive Education;
Priority to Education; Popular Democratic Educational Projects; Marxist Tradition.
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RSUM
Cette thse est une rflexion sur les dfis du projet ducationnel dmocratico-populaire dans
un des aspects les plus notables de sa tradition historique : le moment o il devient ,aprs la
victoire aux lections, le principal mdiateur des actions politiques dune administration
municipale de gauche. Pour avoir comme objet dtudes, la gestion de lenseignement
public municipal de Barra do Garas - la plus grande ville de la rgion historique de la valle
du fleuve Araguaia dans lEtat de Mato Grosso nous avons enqut sur les limites et les
possibilits dun projet ducationnel progressiste dans la tentative de vaincre en opposition
directe avec les forces oligarchiques locales,les pratiques et les postures commerciales les
plus frquentes rencontres dans les communes de lintrieur du Brsil. La priode de
rflexion se concentre dans les annes de 2005 2008,quand la ville sest trouve dune
faon indite pour la rgion et pour lEtat, administre par le parti communiste du Brsil, alli
au Parti des Travailleurs et quelques forces individuelles locales. Comme base thorique
de recherche, nous avons recouru une consultation de lhistoriographie rgionale, sous les
regards du matrialisme historique, tous deux mesurs par les rflexions les plus pertinentes
de la pdagogie critico-progressiste nationale et latino-amricaine.La collecte empirique
dinformations sest diversifie entre des archives originales,des publications
journastiques,des tudes acadmiques et des documents officiels de la Mairie. On a aussi
interview ,pendant la dure du mandat du maire et la campagne lectorale de 2008 (qui a
eu pour rsultat la perte du mandat de la gauche locale face aux forces oligarchiques
traditionnelles de la ville) 48 personnalits dont le Maire, les secrtaires dEtat du
gouvernement, des reprsentants de la thologie de la Libration, des parlementaires des
partis de gauche de la chambre des dputs du gouvernement du Mato Grosso, des
sindicalistes du professorat local et dEtat, des ducateurs indignes de lEthnie Xavante et
des professionnels de lEducation des cinq coles municipales aux profils varis, lequels se
sont constitus dans la complmentation principale des analyses sur le thme. Notre
hypothse est partie de la constatation initiale que,par manque de considration de la
croissance de llectorat de la gauche brsilienne ces deux dernires dcennies,
lorganisation populaire, surtout dans les villes petites et moyennes continue fragile en ce qui
concerme la construction dun projet politique bas sur lindpendance de classe. Dans ce
sens, en plus de la ncessit dtablir des ngociations pour permettre des conditions de
gouvernement des partis de gauche locaux, nous avons conclu que le discours de priorit
maximum lEducation sest montr insuffisant pour dtruire, isolment, les postures
clientlistes des grandes couches des populations de ces communes.
Mots cls: Education et lection; Education municipale; Education progressiste; Priorit lEducation;
Projet Educationnel Dmocratique Populaire; Tradition Marxiste.
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10
LISTA DE ABREVIATURAS:
ANC Assemblia Nacional Constituinte
ANPED Associao Nacional de Ps Graduao e Pesquisa Nacional
ARENA Ao Renovadora Nacional (partido poltico conservador, j extinto)
CEBs Comunidades Eclesiais de Base
CF Constituio Federal (Constituio da Repblica Federativa do Brasil)
CNM Confederao Nacional de Municpios
CNTE Confederao Nacional dos Trabalhadores em Educao
CPI Comisso Parlamentar de Inqurito
CUT Central nica dos Trabalhadores
DEM Democratas (partido poltico de perfil empresarial/conservador; ex-PFL))
DRU Desvinculao de Receita da Unio
EAD Educao Distncia
EJA Educao de Jovens e Adultos
FHC Fernando Henrique Cardoso (Presidente da Repblica pelo PSDB, 1995/2002)
FUNAI Fundao Nacional do ndio
FUNASA Fundao Nacional de Sade
FUNDEB Fundo de Desenvolvimento da Educao Bsica
FUNDEF Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
GDP Governo Democrtico e Popular
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Ansio Teixeira
LDB Lei de Diretrizes e Bases Nacional
LULA Luiz Incio Lula da Silva (Presidente da Repblica pelo PT, 2003/2010)
MEC Ministrio da Educao
MINC Ministrio da Cultura
MPE Ministrio Pblico Estadual
MPU Ministrio Pblico da Unio
MST Movimento dos Sem-Terra
PCB Partido Comunista Brasileiro
PCdoB Partido Comunista do Brasil
PCI Partido Comunista Italiano
PCs Partidos Comunistas
PCUS Partido Comunista da Unio Sovitica
PDS Partido Democrtico Social
PDT Partido Democrtico Trabalhista
-
11
PF Polcia Federal
PEDP Projeto Educacional Democrtico Popular
PFL Partido da Frente Liberal
PHS Partido Humanista da Solidariedade
PIB Produto Interno Bruto
PL Partido Liberal
PMDB Partido do Movimento Democrtico Brasileiro
PMN Partido da Mobilizao Nacional
PNE Plano Nacional de Educao
PP Partido Progressista
PPS Partido Popular socialista
PR Partido da Repblica
PSB Partido Socialista Brasileiro
PCS Partido Social Cristo
PSDB Partido da Social Democracia Brasileira
PSDC Partido Social Democrata Cristo
PSL Partido Social Liberal
PSOL Partido do Socialismo e Liberdade
PSTU Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado
PT Partido dos Trabalhadores
PTB Partido Trabalhista do Brasil
PTC Partido Trabalhista Cristo
PTN Partido Trabalhista Nacional
PV Partido Verde
SINTEP/MT Sindicato dos Trabalhos no Ensino Pblico de Mato Grosso
STN Secretaria do Tesouro Nacional
SUS Sistema nico de Sade
TRE Tribunal Regional Eleitoral
TCE - MT Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso
TSE Tribunal Superior Eleitoral
UNE Unio Nacional dos Estudantes
UFMT Universidade Federal de Mato Grosso
UnB Universidade de Braslia
UP Unidade Popular (Frente de partidos de esquerda no Chile, 1970/73)
-
12
ndice de Grficos, Tabelas, Quadros, Mapas e Figuras
I - NDICE DE GRFICOS
GRFICO TTULO PGINA
1 Pesquisa nacional sobre os problemas brasileiros 67 2 Comparativo das despesas com educao, esporte e cultura em
Barra do Garas MT, 2004/08 70
3 Pesquisa nacional: PENUD (2009) 72 4 Pesquisa nacional: PENUD (2009) 73 5 Crescimento populacional de Mato Grosso (1940-2010) 118 6 Exportaes de Mato Grosso (U$) 1998-2010) 119 7 Evoluo dos gastos em educao por ente federado 200 8 Repasses Constitucionais FUNDEF/FUNDEB Barra do Garas
- MT 206
9 Principais problemas apontados pelas unidades escolares (amostragem) de Barra do Garas no Plano Municipal de Educao em 2007
213
10 Diretrizes da Secretaria de Educao de B. do Garas (2006/07) 214 11 Comparativo 2005/2007 do IDEB: anos iniciais do ensino
fundamental nas cidades plo do Estado de MT 218
12 Total de matrculas na rede pblica municipal de Barra do Garas/MT (2004 a 2008)
222
13 Quantidade de alunos matriculados na rede municipal de ensino de Barra do Garas/MT Creche, Ed. Infantil, Ensino Fundamental sries iniciais e finais .
224
14 Total de matrcula em todas as dependncias no municpio de Barra do Garas (2004 a 2008)
225
15 Despesa realizada em educao: comparao da mdia do governo Chaparral com o ano de 2004
229
16 Despesa realizada (educao + esporte + cultura), 2004/08. Barra do Garas
230
17 Despesa realizada em educao proporcional receita oramentria (%) 2004/08. Barra do Garas - MT
231
18 Despesa realizada em educao + esporte + cultura proporcional ao gasto oramentrio: 2004/08, B. do Garas (%)
231
19 Consumo de material em esporte: 2004/08. B. do Garas. 232 20 Consumo de material em cultura: 2004/08. Barra do Garas 232 21 Consumo de material em educao: 2004/08, B.do Garas 233 22 Despesas / obras em educao: 2004-08, Barra do Garas 234 23 Comparativo entre receitas oramentrias: 2004/08, B. do
Garas 239
24 Relao entre as receitas oramentrias e despesa com pessoal: 2004/08, Barra do Garas - MT
242
25 Despesa com pessoal em educao (incluindo FUNDEF e FUNDEB) e com recursos prprios: 2004/08, Barra do Garas
244
26 Despesa com pessoal em relao ao oramento total: 2004/08, Barra do Garas - MT
245
27 Influncia dos professores na vitria eleitoral das esquerdas 255 28 Repercusso poltica/partidria das eleies 2004 258 29 Repercusso poltica/partidria das eleies 2004 por escola 259 30 Reflexo da gesto na perspectiva dos princpios do Projeto
Democrtico popular pelos professores 263
31 Comparao da gesto do governo Chaparral com as gestes anteriores
265
-
13
32 e 33 Compreenso e postura da populao em relao ao projeto educacional do governo Chaparral
266/269
34 Compreenso e postura dos professores municipais em relao ao projeto pedaggico do governo Chaparral
270
35 Comparao da gesto da Secretaria de Educao (2005/2008) com as gestes anteriores
271
36 e 37 Gesto democrtica: reflexo dos professores da amostragem 372/274 38 e 39 Resultado eleitoral de Barra do Garas em 2008. Amostragem
da votao por perfil residencial (aproximado) 287
II - NDICE DE TABELAS
TABELA TTULO PGINA 1 Amostragem do resultado da reeleio para prefeito
(2000/2004) nas pequenas e mdias cidades brasileiras 68
2 Resultado das eleies municipais para Prefeito Barra do Garas -- MT, 2004
138
3 Resultado das eleies municipais para Vereadores - Barra do Garas MT, - 2004
139
4 Voto em legenda nas eleies municipais de Barra do Garas - MT
141
5 Voto em legenda nas eleies municipais de Barra do Garas (2004) por perfil programtico
143
6 Repasses Constitucionais FUNDEF/FUNDEB Barra do Garas MT
205
7 Transferncias da Unio/ Emendas Constitucionais/ Educao: Barra do Garas: 2004-2009
207
8 Comparativo 2005/2007 do IDEB. Cidades Plos mato-grossenses e Barra do Garas: MT
217
9 Comparativo 2005/2007 do IDEB: Barra do Garas/Brasil 218 10 Comparativo dos anos iniciais e finais do IDEB 2005 /2007
Cidades Plos do MT e Barra do Garas 218
11 Comparativo do IDEB 2005/2007: Escolas da amostragem. Anos Iniciais. Barra do Garas
219
12 Comparativo do IDEB 2005/2007: Escolas da amostragem. Anos Finais. Barra do Garas
220
13 Comparativo entre o programa de campanha eleitoral da Coligao Barra de Todos, Barra Melhor (2004) e os resultados obtidos em 2008
221
14 Proporo de docentes pblicos municipais por habitante nas Cidades Plos do MT
238
15 Reajustes Salariais dos Professores Municipais de Barra do Garas: 2005/2008
243
16 Escolas da amostragem: diferenciao poltica por residir numa cidade governada pelo PCdoB
260
17 Resultado Eleitoral p/ Prefeito, 2008: Barra do Garas 286
III - NDICE DE QUADROS QUADRO TTULO PGINA
1 Campos de ao e sujeitos pesquisados 44 2 Delineamento das entrevistas realizadas 45 3 Detalhamento do campo do objeto de tese 46 4 Delineamento das entrevistas do campo interno do objeto 47 5 Caracterizao bsica das escolas pesquisadas 48 6 Pesquisa na Imprensa de Barra do Garas:2006/2008 164 7 Avaliao do Governo Chaparral, 2007/08. 172
-
14
8 Formao histrica bsica do Projeto Democrtico Popular e derivaes atuais: 1)Programa Revolucionrio, 2) Frente de Esquerda; 3) Programa Negociado; 4) Programa Democrtico Popular negociado em condies de fragilidade
178
9 Quadro Funcional da Educao Municipal de Barra do Garas (2008)
236
10 Nmero de entrevistados por escolas da amostragem 250 11 Comparativo das aspiraes do eleitorado majoritrio com
as do projeto educacional democrtico popular 295
IV - NDICE DE MAPAS
MAPA TTULO PGINA 1 A Grande Barra: 1950/1970 111 2 Municpios emancipados de Barra do Garas: 1970/1990 112 3 Barra do Garas: entroncamento rodovirio da BR 158 e 070 113 4 Projetos particulares de colonizao em Mato Grosso: 1970:
1990 116
5 Planta do Municpio de Barra do Garas: 2000 121 6 Zona rural e urbana de Barra do Garas 122 7 Mato Grosso diviso municipal no ano de 1980 202 8 Mato Grosso diviso municipal no ano de 2000 203 9 Cidades Plos de Mato Grosso 204 10 Localizao geogrfica da temtica da tese: Brasil / Mato
Grosso 316
V - NDICE DE FIGURAS
FIGURA TTULO PGINA 1 Quadros e pinturas clssicas dos rios e sertes mato-
grossenses 83
2 Apresentao do Plano de Governo: Candidatura Chaparral - 2004
132
3 Plano de Governo: Candidatura Chaparral -2004 133 4 Programa de educao da candidatura Chaparral: 2004 181
-
SUMRIO PG
APRESENTAO: Sombras nas luzes: interrupo de um projeto educacional democrtico popular.
18
INTRODUO: Referenciais tericos, metodolgicos e organizacionais do estudo: a experincia da gesto democrtico popular no campo de estudo como base para novas reflexes das polticas educacionais do campo da esquerda progressista.
25
PARTE I: O discurso educacional democrtico popular: atualizando problemas e conceitos.
51
CAPTULO I: O discurso educacional progressista como suporte ideolgico de prtica poltica e transformao social: elementos histricos e atuais para uma nova reflexo crtica.
51
1.1- Das barricadas sala de aula: resgate das lutas educacionais pelo campo democrtico popular.
52
1.2- Antecedentes histricos da educao transformadora: dos iderios ticos liberais transformao social da esquerda democrtica.
55
1.3 - Dos cus terra: a esquerda educacional progressista nos anos de 1990. 59
1.4 - Todos pela educao ?: convergncias e dissimulaes no sculo XXI. 62
1.5 - A Educao como Prioridade Mxima Social: faltou perguntar ao povo? contradies entre o sonho educacional da esquerda e a vontade popular.
65
1.6 Do todo unidade: o caso de Barra do Garas como possibilidade de contribuio ao debate da temtica educacional.
76
PARTE II: Espaos dinmicos; elites conservadoras: contexto histrico, cultural geogrfico e poltico do tema.
CAPTULO II: - Utopia s margens do rio: tradio e mudana nos domnios das oligarquias familiares no Vale do Araguaia.
82
2.1 - 2004: os ventos sopram esquerda no leste do Mato Grosso. 84
2.2 Oligarquias autctones: a tradio coronelista em Barra do Garas. 89
2.3 - Intelectualidade garimpeira: imaginrio e consentimento social na cultura histrica de Barra do Garas.
93
2.4 - Semeadores da igualdade: recapitulando as primeiras lutas dos movimentos sociais de esquerda na regio do Vale do Araguaia mato-grossense. (1970-1990).
105
2.5 Elites que no circulam: mudanas no espao e conservadorismo na poltica local (1950/2004)
109
CAPTULO III: Brechas e oportunidades: a alternativa democrtica popular no ambiente oligrquico barra-garcense e a vitria eleitoral das esquerdas nas eleies municipais de 2004.
124
-
16
3.1 Alianas na campanha eleitoral: oportunismo ou oportunidade histrica? 125
3.2 Oligarquias cambiantes, mas no comando. 135
3.3 - Chegada ao poder ou ocupao alternativa da ordem? Reexaminando os resultados eleitorais de 2004.
137
3.4 A posse: abertura e transparncia X clientelismo paternalista. 143
CAPTULO IV: Chuva de canivetes: a oposio ao governo democrtico popular da cidade de Barra do Garas e as contradies da esquerda enquanto Governo. (2005/2008).
148
4.1 Direita, volver !: a velha oligarquia se rearticula. 149
4.2 - Heranas malditas e pacincia burocrtica: contradies da esquerda enquanto governo.
150
4.3 Alapes do passado: armadilhas administrativas herdadas pelo governo Chaparral.
157
4.4 Trincheira Conservadora: a oposio da Cmara dos Vereadores Prefeitura Popular.
160
4.5 Mdia Feroz: ataque dos meios de comunicao ao governo popular. 164
4.6 Fogo Amigo: divises no campo da esquerda. 167
4.6.1 O velho drama: sindicatos de esquerda x governos populares. 167
4.6.2 A foice sem o martelo: crise interna do Partido Comunista do Brasil de Barra do Garas. (2006/2008).
169
4.7 - Um modelo democrtico popular especfico, em condies determinadas. 176
PARTE III - Sonhos alm dos limites?: experincia educacional das esquerdas progressistas; vitria democrtica e derrota eleitoral.
181
CAPTULO V: A Escola Pblica como estratgia central de construo do governo democrtico popular: riqueza terica, limites na prtica.
182
5.1 : De cidade plo a Plo Educacional: perspectivas tericas, polticas e programticas das esquerdas barra-garcenses na construo de um projeto educacional transformador.
183
5.2 - Programa petista com tempero comunista? 187
5.3 - Escola de quadros: o SINTEP-MT na formao da esquerda mato-grossense. 194
5.4 Alm do neoliberalismo?: breve recorte da municipalizao da educao brasileira no contexto especfico do campo de estudo
197
5.5 Pensar a escola no Cho da escola: projetos pedaggicos do governo popular (2005/2008)
207
-
17
CAPTULO VI: Intramuros pedaggico: governo das escolas ou governo da cidade?
227
6.1 - Anlise emprico-comparativa da administrao democrtica popular. 228
6.2 Olhares internos: experincia democrtica popular na viso dos professores. 247
6.3 Realizadores X Educadores: quando o asfalto supera a escola. 277
CONSIDERAES FINAIS: Contradies da esquerda popular democrtica: repensando o discurso educacional progressista como estratgia de mobilizao social.
289
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 304
NDICE ONOMSTICO 316
APNDICE:
1- Informaes geogrficas da temtica da tese (dados e mapa)
317
2- Paisagens da pesquisa: fotos de personagens, escolas, aldeias indgenas e bairros da cidade de Barra do Garas
319
-
18
APRESENTAO
Sombras nas luzes: interrupo de um projeto educacional democrtico popular.
A educao libertadora continua sendo uma meta por alcanar, no obstante as muitas e ricas experincias levadas a cabo durante as duas ltimas dcadas. possvel que os resultados no correspondam aos esforos realizados e aos recursos empenhados, no por culpa dos grupos de educadores comprometidos, mas porque vivemos em um mundo de injustias onde os sistemas de ensino, mais que libertar os explorados, colaboram com a estrutura dominante. (GUTIRREZ, 1988: 109) Para as geraes atuais e ainda para as prximas, prioritrio o estudo crtico das tentativas e das derrotas da esquerda. Nenhuma complacncia se admite na revelao e anlise das responsabilidades de correntes polticas e de lideranas individuais, se no quisermos o triste privilgio da infindvel repetio dos erros. (GORENDER, 1990) Soou o terceiro sinal. A platia inquieta se aquieta e silencia. A luz se apaga. (Abre a cortina). O espetculo se inicia. O corifeu irrompe e comea a contar a histria de uma regio e de um povo o povo mato-grossense (Alcides Moura Lott: O teatro em Mato Grosso, 1987;17)
Na manh do dia 1 de janeiro de 2009, ltimo dia dos trabalhos de campo da
presente tese, durante a posse do (ento) novo prefeito do municpio mato-grossense de
Barra do Garas um ex-prefeito ligado s oligarquias familiares locais que acabara de
derrotar a breve experincia do mandato do PCdoB nos ltimos 4 anos pensvamos sobre
a enorme distncia que separa o iderio socialista das prticas polticas dos pequenos e
mdios municpios do centro-oeste brasileiro.
Presente solitariamente1 na Cmara Municipal da cidade, em meio a um pblico que
v e pensa o mundo de forma conservadora, independente da classe social qual pertena,
observvamos a forma como chegava ao fim o estudo de campo que empreendramos nos
18 meses anteriores. Ao presenciar velhas oligarquias festejando com jbilo sua vitria no
pleito municipal, aps uma campanha impregnada pelo fisiologismo clssico e encabeada
por um candidato processado por enriquecimento ilcito, apropriao indbita de bens
pblicos quando prefeito (1997/2004), malversao na privatizao de empresa municipal e
1 Exceto pela companhia de Kiko (Odorico Ferreira Cardoso Neto), tomando posse como vereador eleito pelo Partidos dos
Trabalhadores, de sua companheira (Deise David Oliveira), e da Secretria de Educao do municpio ao longo dos quatro
anos do governo democrtico popular, Professora Ftima Resende. Em razo do nvel acirrado da campanha, bem como da
oposio implacvel dos partidrios do novo prefeito gesto anterior, decidiu-se, por parte da esquerda - para evitar maiores
constrangimentos e atritos - que no haveria troca de faixas entre o ex-prefeito (Zzimo Wellington Chaparral, do Partido
Comunista do Brasil) e o que tomava posse (Wanderlei Farias, do Partido da Repblica, PR). Isso, naturalmente, levou
ausncia praticamente completa da equipe do ex-prefeito e da militncia da esquerda local no evento.
-
19
irregularidades na formao da chapa, ficava claro que a organizao poltica e a
mobilizao popular no Brasil ainda correm sobre bases muito frgeis.
Contudo, estvamos ali como cientistas, e tal afirmao consiste em apenas mais
uma hiptese, dentre tantas outras, que procura explicar a complexidade do universo
poltico brasileiro. Afinal, tratava-se de um tema na contramo dos acontecimentos do
Brasil e da Amrica Latina nesta primeira dcada do sculo XXI. Enquanto naquele
momento os partidos de esquerda assumiam a conquista de quase 600 prefeituras dentre os
5564 municpios brasileiros2 e no Mato Grosso eles saltavam de 7 para 18 municpios em
relao ao quadrinio 2004/2008 - o ato de posse em Barra do Garas simbolizava a
interrupo brusca, talvez at traumtica, de um projeto popular no qual a gesto do sistema
pblico de ensino tinha sido, entre uma srie de demandas sociais, o cerne de todas as
aes do jovem e inexperiente governo de esquerda que esteve a frente da prefeitura.
Vivencivamos, portanto, o primeiro momento concreto desta tese. At ento, nossos
estudos ocupavam-se mais em registrar a movimentao dos fatos, em especial a
campanha pela reeleio do governo popular, levada cabo por uma ampla coligao de
diferentes partidos entre os meses de julho a outubro de 2008. Nunca, em funo da
natureza e dos objetivos da pesquisa, nos vimos to dependentes do resultado de um
processo eleitoral, pois somente a partir dele que poderamos desenvolver o texto na sua
plenitude.
Assim, refeita as malas e a viagem de volta para casa (Cuiab), inicivamos a partir
dali o novo ciclo de reflexes que culminaria no desenvolvimento final desta tese.
Voltvamo-nos, ento, para a ao vital de decifrar a montanha de dados que coletamos
no tempo em que permanecemos na cidade, os quais iriam se somar aos estudos tericos j
levantados na poca da qualificao do projeto da tese, defendido em maio de 2008. Diante
de ns, muitas cpias de documentos da prefeitura, panfletos polticos, dezenas de
exemplares dos jornais locais, anotaes feitas em cartrios, pesquisas nos acervos
histricos da cidade e, principalmente, quase cem horas de gravao de entrevistas com
dirigentes polticos, professores da rede pblica municipal, debates e atos pblicos,
inauguraes de obras, horrio eleitoral e discursos em comcios ao longo da campanha de
2008.
Adicionamos a este material a produo de um documentrio pessoal de duas
horas de filmagens e entrevistas com o nosso Emrito - e para sempre querido - Bispo Dom
2 Para fins da nossa pesquisa, foram considerados como tais o Partido dos Trabalhadores e Partido Comunista do Brasil . Nas
eleies municipais de 2008, ambos obtiveram respectivamente 559 e 40 prefeituras. Portanto, em relao a 2004, o primeiro
cresceu 38% (de 411 para 559), ao passo que o segundo foi de mais de 300% (de 10 para 40, o maior crescimento percentual
de todos os partidos). No caso do Mato Grosso, o aumento do nmero de municpios governados pela esquerda em 2008 foi
exclusivamente do PT (de 7 para 18, ou seja, 157% a mais do que em 2004). Com a derrota eleitoral em Barra do Garas, o
PCdoB perdeu a nica prefeitura que tinha no estado.
-
20
Pedro Casaldliga, feitas de forma intercalada ao longo de trs dias na sua residncia em
So Flix do Araguaia, em outubro de 2008. Foram conversas de fundamental importncia
na construo de uma viso mais completa do municpio de Barra do Garas, bem como
das lutas populares na regio Leste mato-grossense. Alm disso, graas s pesquisas nos
arquivos da prelazia local, elas tambm nos permitiram uma recapitulao histrica mais
aproximada do papel da esquerda catlica na formao do projeto democrtico popular
brasileiro e latino-americano. Mais informaes sobre o tema obtivemos nos gabinetes do
Congresso Nacional em Braslia, com a Senadora Serys Slhessarenko e o Deputado
Federal Carlos Abicalil, ambos do PT de Mato Grosso, como tambm com o atual
(2007/2010) Secretrio de Educao do referido estado, Sguas Moraes, Deputado
Estadual pelo mesmo partido.
No esforo de dar sentido a esse vasto material, nossa ambio maior era extrair, a
partir do estudo de caso local, algumas reflexes originais no campo nacional da esquerda
popular. Buscvamos, naquela derrota eleitoral, explicaes tericas para as seguidas
vitrias da esquerda brasileira nos ltimos dez anos, como tambm entender, no sentido
inverso, aquela derrota a partir dessas vitrias. Afinal, embora com 54.000 habitantes, a
cidade de Barra do Garas fornecia-nos, graas ao seu histrico poltico, social e geogrfico,
uma excelente amostragem do universo produtivo e cultural das cidades mdias do interior
brasileiro, particularmente da Regio Centro Oeste. No mais, o projeto educacional levado a
cabo pela prefeitura democrtica popular era de porte e horizontes grandiosos, uma vez que
almejava transformar o sistema municipal de ensino, no curto espao dos quatro anos de
gesto, num modelo inovador de incluso social pela educao pblica:
[...] o sistema escolar dever ser um dos elementos-chave na estrutura social de Barra do Garas. Para tanto, todo o sistema operacional da Educao Pblica do municpio deve se colocar a servio do povo, com projetos desenvolvidos pelas escolas, tendo a perspiccia de que no se pode falar em mudana profunda no sistema de ensino sem um projeto social e um projeto de escola (Documento Oficial do Relatrio de Gesto 2005. Secretaria de Educao de Barra do Garas. Relatrio dos 365 dias de governo).
Como no podia deixar de ser, descobrimos muitos fatos interessantes ao longo
desta pesquisa. As contradies de uma administrao popular no interior de uma regio
ainda marcada pelo mandonismo tradicional so impressionantes, o que nos fez recordar,
ora pelo distanciamento, ora pela proximidade exagerada, as estruturas um tanto
esquecidas da bgerliche gesellschaft - a sociedade burguesa, na clssica definio de
Marx dada sociedade civil. Muitas das formas de alianas e articulaes polticas nestes
municpios, necessrias e fundamentais para se garantir a governabilidade local, eram e
continuam sendo novidades para ns. A fragmentao do programa da esquerda no mbito
das cidades pequenas e mdias levada ao extremo, e as relaes de clientelismo e
-
21
afetividade que se sobrepe ao jogo do poder so, por mais que se evite, parte integrante
da gesto pblica municipal (DA MATTA, 1997: 65-104)3.
Porm, a maior contradio verificada deu-se no campo inicialmente menos
esperado, ou seja, o campo da educao municipal pblica. Foi a partir da derrota dos
partidos de esquerda na eleio de Barra do Garas que passamos a perceber, com muito
mais propriedade, as dificuldades do iderio educacional transformador em se consolidar
como referencial importante nas preferncias eleitorais. Essa foi a descoberta central que
nos fez refletir sobre a nossa prpria histria de vida como educadores do campo
progressista, bem como a razo maior de querermos buscar outras possibilidades de
renovao deste discurso, descritas aqui ao final desta tese.
Por outro lado, a pesquisa no observou s empecilhos, mas tambm registrou
possibilidades. O mandonismo das oligarquias locais familiares permanece forte em Barra
do Garas, mas a base social que o sustenta encontra-se dividida e sua influncia eleitoral
diminuiu em relao s eleies do passado. Setores dela, ainda que de forma tbia,
incipiente e contraditria, comearam a assumir posturas polticas diferenciadas no sentido
de mais respeito democracia e ao trato adequado com a coisa pblica. Alm disso, ao lado
da forte incluso social das polticas municipais de educao nas comunidades indgenas da
regio, parte significativa da populao e do funcionalismo pblico municipal, notadamente
os profissionais da educao, experimentou uma nova maneira de administrar sua cidade,
ou seja, de forma mais transparente, solidria e democrtica. Mais do que nos grandes
centros urbanos, vimos de perto o quanto podem ser efetivas as polticas pblicas
municipais calcadas na promoo da cidadania e na valorizao dos sistemas de ensino
locais.
Contudo, passado um ano e seis meses das ltimas eleies municipais, algumas
dvidas ainda pairam sobre as nossas reflexes. Vrias indagaes sobre a potencialidade
transformadora da educao pblica continuam a rondar nossos pensamentos, como
tambm a forma pela qual a esquerda democrtica pode vir a renov-las. Reconhecemos,
portanto, as limitaes da investigao inicialmente traada. Mesmo com todo esforo
empreendido, temos a certeza de que ela revela apenas uma pequena parte do complexo
problema levantado. A relao dos processos eleitorais com a educao ainda consiste
numa questo relativamente nova, a qual precisa ser investigada por um leque muito mais
amplo de pesquisas. Em razo do carter dinmico e extremamente mvel da sociedade
3 Referimo-nos, pois, ao que Roberto Da Matta chama de Universo Relacional, considerado pelo autor o elemento
estruturante da sociedade brasileira. Assim, o que o mais lhe impressiona no Brasil essa capacidade de relacionar numa
corrente comum no s pessoas, partidos e grupos, mas tambm tradies sociais e polticas diferentes. Desse modo, ao
contrrio das naes de formao anglo-sax, nas quais a comunidade seria homognea, igualitria, individualista e
exclusiva, no Brasil ela seria heterognea, desigual, relacional e inclusiva. Num caso, o que conta o cidado; noutro, o que
vale a relao (DA MATTA, 1997: 77-78)
-
22
brasileira, nenhuma afirmao sobre o problema se sustenta sem observaes empricas e
exaustivamente selecionadas, bem como o registro das percepes subjetivas dos
principais atores envolvidos no processo, ou seja, eleitos e eleitores4.
No poderamos deixar de mencionar, de forma antecipada, os trs personagens que
consideramos fundamentais nos acontecimento narrados nesta tese: Odorico Cardoso Neto,
o Kiko; a professora Ftima Resende, secretria municipal de educao ao longo de todo o
mandato; e Zzimo Wellington Chaparral, prefeito do primeiro mandato popular na cidade
de Barra do Garas. Considero-os como tpicos e verdadeiros quadros do que melhor se
produziu na esquerda brasileira no perodo ps-redemocratizao. So, como a maior parte
da populao do estado de Mato Grosso, imigrantes que l chegaram em busca de uma
vida melhor. A diferena que no a buscavam somente para si, mas para todos aqueles
que vivem do suor e do sacrifcio do trabalho.
O primeiro deles, professor Kiko, nascido em Assai, nos planaltos temperados do
oeste paranaense, migrou para o escaldante Vale do Araguaia em meados dos anos de
1980. Trabalhador disciplinado e infatigvel, de formao catlica libertria e reunindo todas
as qualidades do militante socialmente engajado - pensamento intelectual aliado prxis
transformadora5 - atuou como chefe de gabinete num importante perodo de reestruturao
administrativa e poltica da prefeitura, ou seja, na segunda metade do mandato popular.
Teve o mrito do seu trabalho reconhecido pelos diversos segmentos sociais da cidade,
tanto nas urnas como nas ruas (como pudemos constatar), o que lhe permitiu conquistar seu
primeiro mandato como vereador pelo Partido dos Trabalhadores nas eleies municipais de
2008.
A professora Ftima Resende uma obstinada lutadora em prol da melhoria da
educao mato-grossense e brasileira. Migrante paulista, chegou mocinha s margens do
Araguaia h 34 anos. Exerceu as profisses mais simples at galgar, por mrito e esforo
prprios, condio de professora e vereadora pelo PT por dois mandatos na Cmara
Municipal da cidade (1997/2000 e 2001/2004). Com profundas convices libertrias no
4 A diferena, as distines clssicas entre urbano e rural est esmaecendo. H coisas por a para as quais nem temos o
conceito para lidar com elas. Precisamos pesquisar para tentar entender. Os fenmenos no tm continuidade absoluta com o
que havia antes (Gilberto Velho, em entrevista Carta Capital, ano XVIII, n 429, 22/11/2006)
5 Kiko publicou o livro Dissensos no consenso (2004, Ed, UFMT), resultado da sua pesquisa de mestrado no Instituto de
Educao da UFMT, sob orientao da professora Artemis Torres. Nele, o autor retrata a importncia fundamental do Sindicato
dos Trabalhadores em Educao de Mato Grosso (SINTEP-MT) na luta pela implementao da gesto democrtica no sistema
educacional pblico do estado, entre as dcadas de 1980 e 90. Alm disso, a obra tambm permite compreender a ascenso
poltica do deputado Carlos Abicalil (PT), presidente da referida entidade naquele perodo e que acabou por se tornar o
deputado federal com a maior votao nas eleies de 2006. Depois de anos de docncia na rede estadual mato-grossense,
Kiko doutorou-se em 2007 pela UFG, tornando em 2008, mediante concurso pblico, professor universitrio da UFMT no
campus de Barra do Garas. Assim, com larga experincia na militncia educacional e nos crculos de esquerda da regio,
Kiko foi sem dvida o nosso principal interlocutor na elaborao e desenvolvimento desta tese, seja no fornecimento de dados
empricos e histricos, seja no compartilhamento das minhas angstias pessoais de pesquisa.
-
23
campo pedaggico, comandou a secretaria de educao com a intrepidez de um almirante
em alto mar: firme nas decises necessrias, mas calorosa e preocupada com a vida e a
integridade da tripulao. Zelou pela sua pasta com o mesmo cuidado e paixo que os
velhos marinheiros dedicam s suas embarcaes, mrito este reconhecido tanto pelos
defensores como os mais ferrenhos adversrios com quem conversamos.
J o prefeito Zzimo Wellington, nomeado carinhosamente pela populao de
Chaparral nome poltico que adotou, desde meados dos anos 80, na militncia estudantil
local e na vereana que exerceu por dois mandatos pelo PCdoB, entre 1993 e 2000 - uma
daquelas pessoas que se destacam pela a habilidade discursiva e o carisma pessoal,
qualidades estas, a exemplo de Ftima, igualmente admitida pelos prprios adversrios.
Porm, se os dois personagens anteriores se notabilizam na militncia social pela seriedade
um tanto religiosa nas suas feies e modos de agir (afinal, de l que vieram), este
comunista simboliza a essncia do humor bem humorado que marca a prosa e o jeito
brasileiro de levar a vida. Migrante das populaes mestias das regies quilombolas de
Calvalcante (GO) e banhado na cultura poltica do Distrito Federal (onde foi criado por toda
a infncia e adolescncia na cidade satlite de Planaltina), Chaparral poderia ser
comparado, nos modos e no temperamento poltico, a um JK de esquerda, tal a seduo
que imprime nas conversas de cunho poltico ou mesmo nas brincadeiras corriqueiras do
dia-a-dia. Perdeu a eleio em parte pelos seus erros, decerto, mas tambm em parte pelos
seus mritos, uma vez que no arredou p de priorizar a rea social em detrimento das
obras pblicas mais visveis. Saiu da prefeitura com problemas administrativos e jurdicos
que ainda merecem ser tecnicamente investigados (h muito revanchismo poltico nas
acusaes), embora comprovadamente, at o momento, sem nenhum benefcio pessoal
relacionado negociao fraudulenta.
Todos os trs personagens constituem-se atualmente como os quadros mais
importantes da esquerda barra-garcense, e sacrificaram seus tempos pessoais e
profissionais para atender aos anseios desta pesquisa. Deixaram, medida de suas
possibilidades, portas e arquivos abertos s nossas investigaes, a despeito das crticas -
por vezes severas - que imprimamos administrao popular que ousaram dirigir.
Por fim, cremos que, aps 216 meses de viagens constantes ao universo scio-
territorial do municpio de Barra do Garas - corao e capital do histrico Vale do
Araguaia mato-grossense -, encontramos de certa forma o que buscvamos. O leitor ver
neste estudo um esforo de sntese dos problemas prticos e virtudes tericas da tradio
6 Nossas pesquisas de campo comearam em julho de 2007, estendendo-se ininterruptamente (exceto para a defesa de
qualificao de projeto, em maio de 2008) at 1 de janeiro de 2009. Porm, em funo de algumas necessidades
complementares da pesquisa, tivemos que exercer duas viagens pontuais cidade entre janeiro e julho de 2009, quando
ento encerramos, definitivamente, as pesquisas de campo.
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24
da esquerda de matriz popular e democrtica, na qual as figuras de Marx, Gramsci e Paulo
Freire ocupam o posicionamento central. Que as lies da obra desses autores, aliadas
profunda diversidade cultural e tnica do povo brasileiro, continuem a servir como
instrumentos dinmicos para os estudos das novas lutas de transformao social nos
municpios brasileiros.
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INTRODUO
O incio da exposio e o incio da investigao so coisas diferentes. O incio da investigao casual e arbitrrio, ao passo que o incio da exposio necessrio. (KOSIK, 1962: 31). Numa discusso, desconfiar do ecletismo sem contorno, sem rigor, sem fora. (LEFEBVRE, 1991: 179)
1 Foco do objeto: categorias de anlise e questionamentos centrais do estudo.
Trs foram os campos de investigao que compuseram a estrutura prtica e terica
desta tese. O primeiro, de corte essencialmente poltico, voltou-se aos atuais desafios do
campo democrtico popular no contexto nacional e municipal das administraes de
esquerda, priorizando o momento em que estas se expandem para as cidades de porte
pequeno e mdio no interior do pas. O segundo campo concentrou-se em examinar a
institucionalizao deste projeto histrico, notadamente no tocante gesto prtica de sua
teoria educacional, ou seja, na presente etapa de transformao do iderio pedaggico
progressista em poltica pblica oficial de Estado. J o terceiro dirigiu-se ao foco especfico
da tese, procurando investigar, com base nos dois campos anteriores, a experincia poltica
do mandato popular em Barra do Garas (2005/2008), examinando as contradies
enfrentadas pelo projeto educacional da prefeitura na tentativa de consolidar-se como
instrumento de transformao social local.
Como se percebe, nosso esforo consistiu em incorporar os trs campos citados
num corpo nico de pesquisa, no qual duas indagaes deram impulso aos estudos iniciais.
A primeira delas, apresentado na defesa de qualificao do projeto de tese (maio de 2008),
voltava-se aos aspectos gerais de um mandato popular no interior mato-grossense, embora
j direcionasse, ainda que de forma um tanto abstrata - como bem o apontaram trs
membros da banca -, o foco da pesquisa para o campo educacional:
- Quais as contradies entre um programa educacional universalista, pautado na
organizao e na tradio de luta das massas populares (nas quais se incluem, entre
as principais bandeiras, as reivindicaes por uma educao pblica universal e de
qualidade), e os desafios impostos pela administrao cotidiana de polticas pblicas
educacionais no mbito de um municpio mdio mato-grossense?.
Porm, em que pese a abrangncia da questo levantada, a prtica de campo nos
levaria a reconhecer as limitaes desta primeira indagao no desenvolvimento da
temtica da tese. Contradies, no sentido dialtico do termo, so sempre infinitas na ao
prtica de qualquer projeto de transformao social, e registr-las por si mesmas no
ofereceria novas possibilidades de investigao acadmica. Era preciso, portanto, no s
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26
identific-las, como tambm dot-las de sentido, ou seja, inclu-las no movimento das
tendncias reais do processo de desenvolvimento da sociedade (LUKCS, 2003: 80-84)7.
Obviamente que, num estudo de caso de foco local, no nos seria possvel a
determinao da globalidade deste movimento. A demonstrao exigida s seria vivel por
meio de recortes tericos nos campos de investigao citados, concentrando-se
primordialmente no contexto histrico e na trajetria poltica do fato pesquisado. Portanto,
tendo a abertura democrtica e a promulgao da Constituio de 1988 como os marcos
iniciais de investigao, partimos do reconhecimento de que, apesar da crise do iderio
socialista e da ofensiva neoliberal desencadeada ao longo das dcadas de 1980 e 908,
vivenciamos no Brasil um novo perodo de atuao das foras polticas relacionadas ao
campo educacional democrtico popular, caracterizado pelos seguintes aspectos centrais:
A crescente institucionalizao da esquerda democrtica nas trs esferas de poder
do Estado, reforada pela sua expanso no mbito municipal e pela vitria do
Partido dos Trabalhadores nas eleies presidenciais de 2002 e 2006.
O acmulo de experincia administrativa municipal, estadual e federal dos quadros
polticos da esquerda.
A maior possibilidade de intercmbio sobre os problemas cotidianos destas
administraes, diminuindo assim a presso do isolamento que tanto se abateu
sobre as experincias pioneiras das duas dcadas passadas.
O maior conhecimento (ou, num outro ngulo de observao, a maior
popularidade) das teorias educacionais progressistas por parte dos trabalhadores
em educao, particularmente das interpretaes derivadas da obra de Paulo Freire.
7 Referimo-nos aqui conhecida crtica marxista sobre a impossibilidade metodolgica das sries causais do materialismo
vulgar, bem como das relaes funcionais das aes recprocas de Mach, expostas por LUKCS na polmica e ontolgica
obra de 1922, Histria e Conscincia de Classe. Nela, Georg Lukcs rebate no s as assertivas peremptrias e eternas da
ideologia burguesa a qual se recusa a admitir seu carter transitrio e histrico como classe dominante e como detentora dos
modos de produo - como tambm volta sua crtica aos mtodos de investigao que almejavam explicar as causalidades
histricas desta sociedade pela simples naturalizao das suas contradies sociais, ou seja, em demonstr-las de forma
isolada da totalidade do desenvolvimento scio/histrico e produtivo da ordem capitalista.
8 No projeto de qualificao de tese, partamos da seguinte assertiva de BLACKBURN ( 1993:107), com a qual at o presente
concordamos: Ao iniciar-se a ltima dcada do sculo XX, o comunismo "marxista-leninista" sofre um desmoronamento to
amplo que elimina a possibilidade de esse sistema constituir uma alternativa para o capitalismo, e chega a comprometer a
prpria idia de socialismo. A derrocada do stalinismo arrastou consigo a reforma do comunismo e em nada beneficiou o
trotskismo, a social-democracia ou qualquer outra corrente socialista. Porm, complementando a questo, concordvamos
tambm (e continuamos a concordar) com a continuidade desta anlise pelo mesmo autor: Contudo, talvez possvel um
novo comeo, a partir de um socialismo disposto a enfrentar a histria e empenhar-se numa crtica mais acurada do projeto
socialista. Ainda existem movimentos anticapitalistas expressivos, alguns deles influenciados pela tradio comunista. Mas
falta-lhes um programa capaz de nos levar a superar o capitalismo (BLACKBURN, 1993:107; grifo nosso)
-
27
A elevao do nmero de profissionais da educao bsica com formao superior,
bem como maior acesso, ainda que precrio, aos cursos de formao, atualizao e
capacitao profissional.
A expanso das potencialidades de convivncia democrtica, em funo da
ampliao das eleies diretas para diretores de escola e dos conselhos escolares.
A possibilidade de maior experincia dos conselheiros escolares e dos rgos
oficiais em lidar com as instncias de participao da sociedade civil, alm do
avano e aperfeioamento da legislao educacional em todas as esferas do poder
do estado.
Assim, a despeito das crticas que vem a presente institucionalizao da esquerda
democrtica como uma regresso do potencial de transformao das foras progressistas,
nosso foco de pesquisa concentrou-se exatamente na relevncia deste processo no
desenvolvimento poltico das esquerdas brasileiras9, o que nos levou a examinar com maior
afinco os processos eleitorais que estruturaram esse novo cenrio, denominados por NEGRI
(2009) como o Movimento dos Movimentos:
[...] O movimento dos movimentos nasce essencialmente como reao crise dos anos setenta e oitenta (sculo XX), uma crise muito profunda na extrema esquerda. o momento em que no movimento dos movimentos se registra uma nova situao do ponto de vista econmico, do ponto de vista poltico e do ponto de vista geral do seu programa e de sua capacidade de ao. [...] O movimento dos movimentos nasce, justamente, sobre uma base que tem um carter histrico de novidade terica. Portanto, trata-se de interpretar a nova figura que a democracia assume, a nova figura do capitalismo e a nova figura do poder; isto , os limites da democracia, os limites do desenvolvimento do capitalismo e os limites da definio do poder moderno.[...] (Antnio Negri,no Encarte CLACSO, Cadernos da Amrica Latina IX, L Monde diplomatique, n 20, maro de 2009)
Dessa forma, medida que os trabalhos de campo avanavam, surgiu a
necessidade de investigarmos a repercusso das polticas educacionais em estudo sobre as
9 Contrapomo-nos, portanto, a um conjunto de anlises crticas que avalia o atual perodo do governo Lula como um refluxo
dos movimentos sociais e das organizaes de esquerda, avaliao esta com presena expressiva em determinados ncleos
da intelectualidade acadmica e do movimento social. Publicadas com relativa frequncia nas revistas e peridicos de
esquerda e em semanrios culturais, elas so explicitadas nas afirmaes recentes de Chico de Oliveira (O governo Lula
uma regresso poltica: entrevista a revista CULT, n 146, maio de 2010, pginas 12-18); na viso de Carlos Nelson Coutinho
(vivenciamos um momento de refluxo;eu acho que a chegada de Lula ao governo foi muito nociva para a esquerda; Revista
Caros Amigos, n153, dezembro de 2009, p. 32-35); nas colunas de Jos Arbex Jr. e Gilberto Felisberto Vasconcelos (o qual
afirma que o modelo econmico do regime militar no mudou em nada com a democracia, idem, n 148, agosto de 2009); no
comentrio do Coordenador Nacional de Consulta Popular do MST, Ricardo Gebrim, para quem a frustrao com o governo
Lula obriga agora a esquerda a se repensar (idem, n136, julho de 2008); na definio de Roberto Schwarz de que tanto Lula
como Fernando Henrique Cardoso so governos de atualizao capitalista, que tem p e cabea, ao contrrio dos anteriores,
que no tinham direo (Jornal Folha de So Paulo, 28/11/09, Ilustrada :E4); na entrevista de Virgnia Fontes, que anuncia
que atingimos topo das mobilizaes(Caros Amigos, n 150, setembro de 2009).
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preferncias eleitorais da populao barra-garcense. Obviamente que no tratava de
preocupaes de ordem eleitoreira, nem de possveis adaptaes dos princpios bsicos
da educao progressista s exigncias implacveis do marketing eleitoral. Trata-se, sim,
de buscar respostas frente a uma problemtica real, que desafia no s a academia como o
prprio avano qualitativo da educao pblica brasileira.
Se a consolidao da educao transformadora depende, por princpio, da vontade e
da soberania popular e se as eleies peridicas representam, apesar dos vcios e
imperfeies, a expresso mxima desta soberania tnhamos que inclu-las como um dos
vrtices estruturais da nossa pesquisa. Da mesma forma, se a perspectiva do mandato
popular de Barra do Garas era democratizar as relaes polticas, pedaggicas e
administrativas da escola no sentido de transform-la em instrumento de profundas
mudanas sociais10, o resultado da eleio municipal de 2008 tornar-se-ia, em tese, numa
prova importante do grau de amadurecimento da conscincia poltica das camadas
populares da cidade, especialmente em relao s tradicionais prticas de mandonismo das
oligarquias locais. Alm disso, os elevados gastos da prefeitura popular com a educao
pblica ao longo dos quatro anos de mandato eram o nico instrumento poltico da esquerda
local para se contrapor, com alguma possibilidade de vitria, s promessas de retorno ao
crescimento e de investimentos em obras feitas pelos adversrios conservadores.
Como era de se esperar, a derrota eleitoral da esquerda barra-garcense nas eleies
de 2008, em praticamente todas as urnas da cidade, exigiu de ns respostas
complementares aos propsitos originais do estudo. O modo como ela se deu, aliado a
outras trs pesquisas publicadas sobre o assunto nos ltimos anos na imprensa e nos
crculos acadmicos (demonstradas no captulo 1), foi de fundamental importncia para que
refletssemos sobre muitos aspectos do discurso educacional da esquerda democrtica
brasileira. A partir daquele revs especfico, passamos a perceber, com muito mais
propriedade, o quanto o governo popular tinha subestimado o poder de mando das
oligarquias familiares da cidade, bem como o controle poltico e discursivo que elas
detinham sobre amplas camadas daquela populao.
A pouca percepo deste fato, entre finais de 2007 e incio de 2008, deu-se em
razo da prpria etapa na qual se encontravam as investigaes. Como no ramos da
cidade, nossas incurses iniciais de pesquisa concentravam-se no ambiente das escolas
municipais e nos crculos militantes da esquerda local. Porm, ao expandirmos nossas
observaes para alm daquele espao de convivncia, um outro questionamento comeou
a se sobrepor indagao original de pesquisa, sobre o qual se desenvolveram os demais
assuntos envolvidos na tese:
10 Como constava no seu programa de governo poca das eleies municipais de 2004.
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Qual a perspectiva do projeto educacional democrtico popular na construo de
uma nova base social que, concorrendo s eleies, possa superar, por meio da
elevao da conscincia poltica das classes populares, o poder oligrquico e as
prticas clientelistas mais arraigadas nos mdios e pequenos municpios
brasileiros?
2- Referenciais tericos/metodolgicos:
Apesar das variveis que se sobrepuseram aos fatos pesquisados, o resultado das
eleies em pauta no foi um acontecimento totalmente inesperado para ns. Como j
dissemos, no foi o desfecho das urnas que nos surpreendeu, mas o processo poltico que
levou quele resultado. Afinal, a derrota da esquerda se encontrava no rol das
possibilidades dinmicas com as quais teramos que nos deparar no desenvolvimento do
estudo. Assim, apesar das correes de rota impostas pelas urnas, incluindo-se a a
necessidade de se ampliar a abrangncia da hiptese de investigao (como veremos
adiante), o resultado eleitoral de 2008 permitiu a manuteno de parte importante do
contedo original do projeto de qualificao de tese. Tanto o universo dos entrevistados
como as questes a eles lanadas mantiveram-se coerentes e atualizadas frente nova
situao. Em alguns casos, o que antes parecia relativamente suprfluo como objeto de
anlise tornou-se necessrio diante do novo quadro (como a pesquisa de campo na prelazia
de So Felix do Araguaia e a respectiva entrevista com Dom Pedro Casaldliga). Alm
disso, especificamos apenas um dentre os 5.564 municpios brasileiros, o que obviamente
no nos autoriza a empreender definies absolutas ou generalizadas sobre a temtica
estudada.
Portanto, no que tange ao marco terico, distinguimos derrota eleitoral de derrota
de projeto, uma vez que, embora correlatas, ambas representam categorias
qualitativamente diferenciadas na perspectiva de transformao social. Nesse sentido, a
proposta metodolgica deste trabalho no consistiu num julgamento poltico ou numa
avaliao tcnica do governo popular em estudo. Isto cabe, legitimamente, populao do
municpio de Barra do Garas. A ns coube a investigao acadmica sobre as
consequncias polticas/educacionais que derivam do fato pesquisado. Por conseguinte,
distanciamo-nos dos conceitos de avaliao assentados unicamente na perspectiva
positivista de produto, isto , como uma objetivao artificialmente mensurvel e
atemporal. Em consonncia com os debates das correntes progressistas da educao,
procuramos analisar o projeto pedaggico da prefeitura sob a tica do processo
participativo, no qual os parmetros de eficcia, eficincia e efetividade tomam novos
significados para se adequarem s aspiraes das vertentes educacionais em questo
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(BONAMINNO, 2003: 190-219 e 2004: 71; BELLONNI, 2003: 43-79 e 81; SOBRINHO, 2005:
67).
Em sntese, evitamos um balano meramente comparativo entre as propostas
educacionais da campanha eleitoral de 2004 e o "resultado final" ao trmino do mandato. Ao
invs de um debate exclusivamente setorizado esforamo-nos em compreender as aes da
Secretaria de Educao com base na concepo scio-histrica dos novos paradigmas da
administrao educacional11,12, ou seja, inserindo-as no conjunto da plataforma poltica
global da prefeitura e, simultaneamente, contextualizando-as na histria contempornea da
cidade de Barra do Garas e na trajetria das esquerdas locais no desenvolvimento dos
seus projetos:
As relaes sociais de produo e troca so muito mais importantes do que qualquer coisa que possa ocorrer na escola: so historicamente prvias e seu tratamento prioritrio na hora da anlise. Uma vez dentro da escola, as relaes sociais da educao devem ser sublinhadas e priorizadas frente transmisso ou ao discurso ideolgico, quer dizer, frente ao contedo do
currculo (ENGUITA, 1993: 232)
Para tanto, recorremos interconexo da historiografia local com a tradio terica
da esquerda brasileira e mundial, ambas mediadas pelas reflexes mais pertinentes da
pedagogia crtica-progressista nacional e latino-americana. Sob este prisma, orientamo-nos
pelas referncias centrais do materialismo histrico-dialtico, ao qual agregamos o legado
de Paulo Freire como suporte de anlise do referido programa e da postura poltica dos seus
dirigentes na conduo da prefeitura:
Complementamos a metodologia de trabalho utilizando-nos de algumas estratgias
da pesquisa etnogrfica (CHIZOTTI, 2006), principalmente no processo de aproximao,
dilogo e convivncia com os dirigentes entrevistados, como tambm com os educadores
pblicos nas escolas investigadas (demonstradas adiante na exposio das estratgias de
campo):
A adoo crescente da etnografia em diferentes disciplinas cientficas como a sociologia, a educao e a psicologia, e a sua utilizao em diferentes reas de pesquisa como a planificao, a avaliao de polticas sociais, direitos humanos, organizao empresarial, estudos culturais, estudos feministas, enfermagem etc. tm assumido o pressuposto fundamental da etnografia, ou seja: a interao direta com a pessoa na sua vida cotidiana pode auxiliar a compreender melhor suas concepes, prticas, motivaes,
11 Isto , no sentido de se evitar compreender a escola ou o sistema de ensino como espaos distintos, independentes e
isolados, mas, ao contrrio, tom-los como partes de uma mesma realidade dialtica. (MENDONA, 2000:14).
12 SANDER (2007: 432 e 433), expe a consolidao desta perspectiva terica no cenrio educacional brasileiro.
Reexaminando os estudos sobre poltica e gesto da educao no Brasil, o autor afirma que, do exame dos primeiros
nmeros da Revista Brasileira de Administrao da Educao, Pereira e Andrade (2005: 1403-1404; 2007,137-151) concluem
que pelo menos cinco artigos podem ser mencionados como responsveis pelo deslocamento de toda discusso terica para
o mbito scio-histrico, seguramente de inspirao marxista (SANDER, 1983; ARROYO, 1983; WITTMANN, 1983;
FRIGOTTO, 1984; CURY, 1985). O autor ainda conclui que a abordagem scio-histrica da administrao escolar pode ser
interpretada como o processo democrtico de gesto escolar em oposio administrao burocrtica. (idem, 433).
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comportamentos e procedimentos, bem como os significados que atribuem a essas prticas. A inscrio em um texto compreensivo pode assumir modos, estilos e linguagem consentneos com os objetivos da etnografia e com o pblico a quem se destina (CHIZZOTTI, 2006: 65).
A ampliao do foco do objeto deu-se em razo da necessidade de responder
complexidade da investigao proposta. Dada forte influncia das correntes marxistas no
desenvolvimento histrico do projeto educacional democrtico popular, trouxemos ao debate
da tese algumas reflexes atualizadas sobre determinadas categorias daquela tradio,
quais sejam: conscincia poltica, conscincia de classe, luta de classes e emancipao
social. Assim, em consonncia com a crtica de SANTOS (2005) sobre o esvaziamento
terico de muitas anlises voltadas ao acompanhamento de microproblemas13 - hbito
comum em tempos ps-marxistas e de profunda fragmentao terica no campo da
cincia social - preocupamo-nos em desenvolver a singularidade do tema sem nos
prendermos aos excessos de particularismos, o que poderia sobrecarregar em demasia a
matria sob investigao.
Todavia, a despeito da nossa proximidade poltica/ideolgica com o tema em estudo
no sentido gramsciano de parte interessada na questo, como nos recorda MXIMO
(2000:71) - preocupamo-nos, sempre, com a veracidade das aes pesquisadas, uma vez
que a luta pela qualidade da educao bsica no patrimnio exclusivo do projeto
democrtico popular. Afinal, em ltima instncia, lidvamos com um governo no exerccio do
poder na esfera municipal do Estado, sujeito s presses do cotidiano administrativo e aos
inmeros interesses individuais de ordem burocrtica ou corporativa. Em funo disto,
recorremos tambm, ao lado dos referenciais citados, reflexo metodolgica da dvida
radical (BOURDIEU, 1995), cuja essncia consiste em precaver-se da fora ideolgica e
persuasiva dos discursos oficiais de estado.
Embora se tratasse de uma pequena frao do poder estatal direcionada pelo
referencial democrtico popular, a experincia histrica revela que sempre h algo oculto
nas normas e diretrizes governamentais, mesmo quando orientadas por princpios
emancipatrios. Desse modo, em muitos momentos foi preciso estabelecer o distanciamento
necessrio diante da "seduo exercida pelas representaes do Estado" (idem, 1996: 95),
a qual faz da "burocracia um grupo dotado de intuio e vontade de interesse universal":
no domnio da produo simblica que particularmente se faz sentir a influncia do Estado: as administraes pblicas e seus representantes so grandes produtores de "problemas sociais" que a cincia social apenas ratifica, retomando-os por sua conta como problemas sociolgicos (para
13 As anlises so, de um modo geral, desligadas da realidade social como um todo, contentando-se freqentemente com o
exame parcelado de microproblemas e com um enfoque onde a sociedade em movimento est ausente. Um imenso coro de
literatura pde assim ser escrito e difundido sem, entretanto, contribuir para o conhecimento da realidade (SANTOS, 2005:
55).
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prov-lo, bastaria avaliar a proporo, varivel, sem dvida, de um pas para outro e conforme a poca, das pesquisas que tratam dos problemas do Estado, apresentada de maneira mais ou menos cientfica). (BOURDIEU, 1996:95)
Em razo deste alerta, somaram-se s nossas investigaes a seleo de alguns
importantes dados emprico-quantitativos referentes prefeitura durante o mandato popular
(2005/2008), bem como o acompanhamento dos resultados das avaliaes do governo
federal sobre o sistema de ensino do municpio. Os primeiros voltaram-se aos ndices de
matrcula, ao volume de investimentos prprios e as despesas com pessoal e material de
consumo, todos com foco na Secretaria da Educao. Os segundos concentraram-se na
observao dos dados do IDEB registrados nos anos de 2005 e 2007, ou seja,
correspondentes ao incio e ao tero final do mandato popular em Barra do Garas.
Promovemos tambm, em carter complementar, uma comparao sinttica entre os quatro
anos da gesto do PCdoB e o ltimo ano da administrao que a antecedeu (Wanderlei
Farias, do PFL, de 1997 a 2001, e no PSDB de 2001 a 2004), centralizada na oferta de
matrculas e nas despesas oramentrias na educao do municpio.
Como era de se esperar, foram nestas comparaes que as dvidas radicais se
manifestaram com maior nfase, uma vez que o aumento dos investimentos e a expanso
das matriculas constituram-se no mote principal da prefeitura popular na campanha pela
reeleio de 2008. Assim, como se ver no captulo 5, se o primeiro revelou-se francamente
verdadeiro, o mesmo no ocorreu com a segunda, visto que, exceto nas sries iniciais do
ensino fundamental, a referida expanso no apareceu nos ndices oficiais informados ao
Ministrio da Educao. Ao contrrio dos discursos de palanque e das falas dos
entrevistados, houve, segundo os dados do INEP e do IBGE, uma diminuio no nmero
geral de matrculas ao longo dos quatro anos de administrao dos partidos de esquerda em
Barra do Garas, tema este que nunca foi suficientemente explicado nas conversas que
mantivemos com os dirigentes em questo, seja por questes de tempo, seja por opes de
interpretaes, tais como a contagem (ou no) dos projetos pedaggicos complementares
considerados como novos acessos - e a incorporao das matrculas efetivadas nas
creches conveniadas prefeitura.
Enfim, a exposio em curso permite constatar que a metodologia de trabalho seguiu
uma linha bastante especfica de anlise prtica e terica, na qual as singularidades do
tema determinaram as estratgias de abordagem e aproximao. Nesta perspectiva, a
postura autnoma das nossas aes foi primordial na coleta e interpretao dos dados
evidenciados pela tese, o que naturalmente a enquadrou nas premissas bsicas da
pesquisa qualitativa:
As pesquisas qualitativas no tm um padro nico porque admitem que a realidade fluente e contraditria, e os processos de investigao
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dependem tambm do pesquisador sua concepo, seus valores, seus objetivos. Para este, a epistemologia significa os fundamentos do conhecimento que do sustentao investigao de um problema.
(CHIZOTTI, 2006: 26).
3 - Hipteses de investigao.
Os sonhos e planejamentos so fundamentais. Mas a realidade sempre supera nossas expectativas e controle. (Lcio Costa, autor do projeto do Plano-Piloto de Braslia).
1 etapa de aproximao com a temtica da tese: A conscincia de classe como
conscincia histrica:
Inicialmente, resgatamos em nosso estudo a importncia da conscincia
revolucionria na formao poltica dos quadros dirigentes dos partidos de esquerda.
Porm, ao invs de foc-la sob a tica da ruptura com o capital ou no nvel de
compreenso do proletariado de sua prpria posio no interior do processo de produo
capitalista, conforme a concepo original marxiana concentramo-nos na perspectiva da
responsabilidade histrica como elemento inerente quela forma de conscincia. Sob este
prisma, partimos da hiptese de que a consolidao de uma administrao democrtica
popular depende, em grande medida, da percepo desta responsabilidade por parte dos
seus quadros dirigentes, seja no exerccio do cargo que ocupam, seja na postura poltica em
relao ao trato com a populao:
[...] resgatamos em nosso estudo o histrico debate sobre a conscincia revolucionria na formao dos quadros das organizaes de esquerda. No campo da tese, ela consiste na percepo da responsabilidade histrica de seus dirigentes no comando de diferentes instncias da esfera estatal, seja ela municipal, estadual ou federal. Isso implica que cada dirigente de esquerda tenha a compreenso de que, mesmo quando o contexto scio/histrico no permite a ruptura com o capital nos marcos do projeto socialista, sua administrao o resultado de uma longa tradio de lutas, sonhos e expectativas de libertao de importantes setores das massas populares, seja por meio de reformas paulatinas, da radicalizao revolucionria ou de rupturas institucionais democrticas de massa (Projeto de Qualificao de Tese, maio de 2008: 105)
Desse modo, planejamento e execuo, sem hierarquias tradicionais (dirigentes
tambm executam, quadro mdios tambm dirigem), deveriam voltar-se prioritariamente aos
movimentos sociais e comunitrios no sentido de atend-los nas suas aspiraes mais
orgnicas. Haveria, decerto, espao para o debate das reivindicaes da classe mdia
tradicional e da elite empresarial, porm no mais de forma hegemnica, e sim
subordinadas aos desejos da maioria da populao. Portanto, sem a profunda reflexo dos
dirigentes da esquerda sobre a misso histrica dos seus mandatos o que ento
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denominamos de conscincia revolucionria sem revoluo - a possibilidade de derrota de
uma prefeitura popular torna-se real.
Em suma, qualquer mandato que se pretende popular e almeja ultrapassar os limites puramente institucionais do sistema deve primar, a despeito dos eventuais erros de percurso, pelo esforo de construir um governo no qual a populao sinta-se de fato co-participante e co-autora dos projetos administrativos dos rgos executivos. Portanto, nossa hiptese a de que, sem a efetiva conscincia revolucionria das lideranas maiores do processo - bem como a intensa preparao tanto tica como poltica dos quadros mdios que atuam em cargos de confiana da administrao - o mandato de um programa democrtico popular, no sentido dos debates empreendidos at aqui, fracassa - o que diferenciamos de derrota eleitoral
(Projeto de Qualificao de Tese de Doutoramento, pgina 106).
2 etapa de aproximao com o objeto de estudo: ampliando o ngulo de
observao.
Em princpio, no retiramos nenhuma das afirmaes anteriores. Atribuir
conscincia social dos quadros da esquerda a responsabilidade pela manuteno de um
governo popular , em grande medida, coerente com a tradio histrica do movimento
operrio e socialista. Boa parte do que dissemos - exceto, talvez, o conceito de conscincia
revolucionria sem revoluo -, j de vasto conhecimento das lideranas intelectuais
progressistas, especialmente das foras polticas identificadas com o campo democrtico
popular. Paulo Freire, logo aps sua breve experincia como secretrio de educao da
prefeitura de So Paulo (na gesto de Luza Erundina, PT, 1989/92), apontava a
transparncia e a seriedade tica no trato administrativo como o cerne estrutural de
qualquer governo de perspectiva terica socialista:
Tudo deve se visvel. Tudo deve ser explicado. O carter pedaggico do ato de governar, sua misso formadora, exemplar, que demanda por isso mesmo dos governantes seriedade irrecusvel. No h governo que persista verdadeiro, legitimado, digno de f, se seu discurso no confirmado por sua prtica, se apadrinha e favorece amigos, se duro apenas com os oposicionistas e suave e ameno com os correligionrios. Se cede uma, duas, trs vezes a presses pouco tica de poderosos e amigos j no se detm. Da em diante, ento, os escndalos se sucedem, e a conivncia com eles termina por anestesiar os seus agentes e por gerar um clima tpico da democratizao da sem-vergonhice. (FREIRE,
1992; 174) 14.
Porm, tal como nos referimos na exposio do foco do objeto, a dinmica dos fatos
acabaria por demandar a ampliao da hiptese inicial de pesquisa. Ao acompanhar mais
diretamente os embates reais da poltica regional e local, percebemos que a temtica da
14 Outros exemplos de Paulo Freire podem ser citados como complemento descrio apresentada: Se as massas associam
sua emerso, a sua presena no processo, sobre sua realidade, ento sua "ameaa" se concretiza na revoluo. Chame-se
a este pensar certo de "conscincia revolucionria" ou de "conscincia de classe", indispensvel revoluo, que no se faz
sem ele. (FREIRE, 1993: 146)
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tese no seria trabalhada de forma adequada tendo por base somente a conscincia de
classe dos quadros dirigentes em estudo. Afinal, no atual cenrio institucional brasileiro,
no se governa uma cidade moderna do interior (alis, nenhuma cidade atualmente do pas)
atendo-se unicamente ao dilogo direto entre o ncleo dos quadros dirigentes e as
massas populares. Como j se provou no curso da histria, h que se estabelecer
mediaes e alianas com os oponentes de classe em diversos momentos de uma gesto
popular, questo esta, alis, muito bem compreendida pelos principais quadros polticos
entrevistados. Veja-se, por exemplo, o contedo crtico da Mensagem ao Dia do Professor,
feita por um dos principais dirigentes da esquerda barra-garcense j mencionado
anteriormente, o professor Odorico Ferreira Cardoso Neto (Professor Kiko), chefe de
gabinete da prefeitura popular nos anos de 2007 e 2008 e atual vereador pelo Partido dos
Trabalhadores em Barra do Garas:
O dilogo no surdo: escuta o silncio e fala, diverge, debate, critica, negocia, delibera, estabelece consensos, contra-argumenta, expe dvidas e confirma certezas. parceiro da novidade, do pensamento inslito, da criao do novo a partir do conhecimento e da crtica do velho (Mensagem do Professor Kiko ao dia do Professor, em 15/10/2008)
Como se v, no que compete experincia em movimentos sociais e a capacidade
de formulao poltica, logo perceberamos, no avanar das entrevistas, que no faltavam
quadros em funes de relevo da equipe municipal de governo, embora tal carncia fosse
real nos cargos intermedirios e tenha permanecido, segundo os depoimentos dos prprios
dirigentes entrevistados, at o fim do mandato popular.
Diante disso, to importante quanto formao poltica das direes maiores do
processo estava a investigao das articulaes internas e externas das foras em disputa,
uma vez que estas influenciavam diretamente no comportamento poltico/eleitoral das
camadas populares. Sem esta compreenso, corramos o risco de estabelecer, ainda mais
no interior de uma unidade federativa marcada pela heterogeneidade cultural e econmica
de sua populao, um estudo restrito tica educacional pura, ou, melhor dizendo, de
restringir-se aos limites do purismo programtico, pedaggico e ideolgico reivindicado por
alguns setores auto-intitulados esquerda do (ou contra o) campo educacional
democrtico popular. Tal viso, centrada em mtodos sectrios de observao e sujeita
arroubos de ordem puramente maniquesta, de pouco serviria no entendimento das novas
contradies em curso. Nossas pesquisas seriam limitadas se continussemos fazendo o
uso de antigas lentes que s vem duas posies quanto questo educacional do pas: de
um lado, a elite perversa que h 500 anos no valoriza a educao pblica, cercada de
um povo pobre, ingnuo, despolitizado e ainda incapaz de compreender o real valor da
escola pblica como instrumento de transformao social. Do outro, os educadores
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intrpidos, que, de bandeira em punho, seguem para o sacrifcio mesmo que
incompreendidos ou com poucos votos nas eleies atuais.
Embora esta perspectiva conte ainda com muitos adeptos na intelectualidade de
esquerda e na militncia educacional progressista - bem como tenha dado, inegavelmente,
contribuies fundamentais para o avano da educao pblica brasileira no campo
acadmico e poltico15-, seu dogmatismo a leva retomar, provavelmente sem o saber (ou se
sabe, ignora), concepo pr-dialtica do materialismo vulgar ps-hegeliano, to bem
exposta por Marx na sua clssica crtica ao idealismo de Feuerbach em A Ideologia
Alem, de 1845:
A doutrina materialista que pretende que os homens sejam produtos das circunstncias e da educao, e que, conseqentemente, homens transformados sejam produtos de outras circunstncias e de uma educao modificada, esquece que so precisamente os homens que transformam as circunstncias e que o prprio educador pr
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