Álvaro cunhal (1913-2005)
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8/9/2019 lvaro Cunhal (1913-2005)
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lvaro Cunhal
(1913-2005)
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INFORMAOIMPORTANTE
O texto que se segue uma reproduo escrita, compequenas adaptaes e esclarecimentos, da pequena biografia
sobre lvaro Cunhal, realizada e exibida pela SIC Sociedade
Independente de Comunicao, aquando da sua morte.
Como tal, cumpre-me esclarecer que toda a informao
constante deste documento foi apresentada pela citada estao
de televiso portuguesa, aquando da exibio do programa em
causa.
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ndice
A famlia ........................................................................ 4
O percurso escolar e acadmico .................................... 4
Filiao e afirmao no PCP........................................... 5
A luta contra o Fascismo ................................................ 7
A fuga de Peniche ...................................................................... 8
As relaes de amor-dio ............................................ 12
A relao com Mikhail Gorbachov ........................................... 12
A relao com Mrio Soares .................................................... 13
O 1. de Maio de 1974 ................................................................. 14
As eleies para a Assembleia Constituinte ................................. 15
O debate decisivo Soares/Cunhal ................................................ 15
Unidos no Governo ...................................................................... 16
Eleies, sim! Mas ........................................................................ 16Disciplina nas Foras Armadas ........................................................ 17
A frase ............................................................................................. 18
Troca de medalhas .......................................................................... 18
O 25 de Novembro de 1975 ......................................................... 19
Eleies Presidenciais de 1986 .................................................... 19
A sucesso no PCP....................................................... 20
O romancista Manuel Tiago ......................................... 21
Cunhal, tradutor de Shakespeare ................................ 22
Cunhal, no presente e no futuro .................................. 23
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lvaro Cunhal (1913-2006)
Nasceu em Coimbra, em 1913. Nome completo: lvaro BarreirinhasCunhal. Entre os comunistas era o lvaro.
A famlia
A sua biografia poltica comea, inevitavelmente, na famlia, que nele
teve influncias contraditrias. O pai, Avelino da Costa Cunhal, notvel de
provncia, era republicano e laico, amvel e tolerante. Nunca foi do PCP,
mas combateu sempre a Ditadura. Chegou a estar preso, quando o seu
filho se encontrava j na clandestinidade. A me, Mercedes, no relato de
Mrio Soares, era uma mulher dura e pouco simptica, senhora firme e
determinada, tinha fortes convices religiosas e era anti-comunista.
Nunca visitou o filho na priso. lvaro Cunhal foi baptizado j com seis
anos e ainda fez a primeira comunho. Cedo, porm, escreve Pacheco
Pereira, trocou a f em Deus pela f na Histria ou, mais precisamente,
pela f inquebrantvel no Comunismo.
O percurso escolar e acadmico
lvaro Cunhal tinha onze anos, quando a sua famlia se mudou para
Lisboa. O seu interesse pela Poltica comeou no Liceu, onde foi um aluno
irregular. Estudou primeiro no Pedro Nunes e depois no Liceu Cames.
Teve uma mdia final de treze valores e um surpreendente medocre a
Desenho. Mesmo assim, as suas preferncias eram j, nessa altura,evidentes. Teve boas notas a Filosofia e a Portugus.
Foi, nos anos 30, que lvaro Cunhal decidiu seguir as pisadas do pai e
entrou para a Faculdade de Direito de Lisboa. Nas carteiras da
Universidade, tinha um colega inseparvel: Manuel da Palma Carlos.
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(Manuel da Palma Carlos) Quando chegvamos ao Marcello Caetano
s 9h10, tnhamos j falta. E, um dia, o Marcello Caetano chega s 9h10. E
ns perguntmos: Vossa excelncia est a marcar falta, vossa excelncia
deu aulas e marca falta a quem no est c? No pode ser, senhor Doutor.
Vai apontar essa regra e ns no dizemos nada? Nem acrescenta faltaquando vem atrasado? Ns vamos embora, no precisamos de aulas.
Espero que o senhor no nos marque falta. E ele no marcou, claro!
So memrias que Manuel da Palma Carlos guardou, com carinho,
durante muitos anos: os bilhetes enviados socapa, os livros de Direito
emprestados, a correspondncia trocada, como um registo de umas frias
em S. Pedro de Moel, onde Cunhal lamenta a ausncia de balalaicas e
gndolas, pequenas cumplicidades de dois bons alunos, que no
precisavam de estudar muito.
(Manuel da Palma Carlos) Ele era muito interrogado sobre as
matrias, quem que compreende, desafiava os professores. Mesmo que
a pergunta fosse outra, ele era suficientemente inteligente para levar a
discusso e passarem imediatamente para o tema sobre o qual ele queria
ser interrogado.
Na Faculdade, lvaro Cunhal foi um aluno brilhante. Acabou o curso
quando estava preso no Aljube, depois de vrias interrupes. Em 1940,escolheu o tema do aborto para a sua tese de Licenciatura, um livro que foi
reeditado 58 anos depois, na altura do referendo sobre a Interrupo
Voluntria da Gravidez (IVG). Foi com esta tese de Licenciatura que
conseguiu a brilhante classificao de 16 valores, perante um jri de que
faziam parte Paulo Cunha, Cavaleiro Ferreira e Marcello Caetano.
Filiao e afirmao no PCPLogo depois de ter entrado para a Faculdade de Direito, lvaro Cunhal
filiou-se no Partido Comunista Portugus. Tinha, ento, 20 anos. No disse
logo que sim ao seu recrutador. Pediu para estudar primeiro os
diferentes sistemas polticos antes de tomar uma deciso. A misso de o
convencer acabou por ser confiada a um artista colchoeiro.
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Foram os anos 30 que testemunharam a aproximao do jovem
Daniel, o seu primeiro pseudnimo, ao Comunismo, que era, na altura, a
juventude do mundo. A alternativa era o Fascismo. Foram an os muito
complicados para o PCP e para os seus dirigentes, vrias vezes acusados
pela Internacional Comunista de desleixo conspirativo. A Internacionalchegou mesmo a cortar relaes com o PCP, porque a Direco no lhe
merecia confiana.
A verdade que o Partido inaugura a dcada de 40 na mais completa
desorganizao. As traies e as denncias paralisaram as suas
actividades. Nos ltimos cinco anos, a polcia poltica fez tantas detenes
que o Comit Central teve de ser reeleito oito vezes. Chegava, enfim, a
grande oportunidade de lvaro Cunhal. E , precisamente, a partir da
reorganizao de 1940-41 que a Histria do Partido se comea a confundircom a sua. O partido estava dividido em dois, mas Cunhal est do lado da
Direco vencedora, liderada por Jlio Fogaa. Comea, ento, a sua
ascenso ao poder comunista e a uma liderana incontestvel. Torna-se o
Duarte, o Dirigente Clandestino. Na viso do bigrafo, Jos Pacheco
Pereira), afirma-se um homem determinado, que procura e obtm a
felicidade, atravs da coerncia. Exige tantos dos outros, quanto de si
prprio.
( Jos Pacheco Pereira, ex-militante do PCP) O Dr. lvaro Cunhal,
enquanto dirigente do Partido Comunista, conjuntamente com os outros,
geria pessoas em situao de risco. E o Dr. lvaro Cunhal lana sobre elas
um olhar que interessante: ele olha no propriamente para as suas
qualidades, mas para as suas fraquezas. Ele percebe que, numa situao
desse gnero, o que importante perceber as fraquezas dos homens.
Aos poucos, Cunhal ganha autoridade, mas no sem confronto.
( Jos Pacheco Pereira) Nos anos 40, ele tem que defrontar vriosmomentos muito duros de contestao sua Direco, o mais importante
dos quais veio a ser conhecido como a Poltica de Transio. H, aqui,
duas personagens-chave: Jlio Fogaa e lvaro Cunhal, os dois nicos
intelectuais que dirigiram o PCP. Onde est um, no est o outro. E, na
realidade, eles competem. Evidentemente que simplista reduzir o conflito
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entre os dois a uma luta pelo poder, mas a verdade que ambos se
confrontam vrias vezes na Histria do Partido. E, nos anos 40, h um
momento (da chamada Poltica de Transio) em que um grupo de
presos do Tarrafal, dirigido por Jlio Fogaa, contesta a Direco do
Partido, constituda essencialmente por Cunhal, Jos Gregrio e ManuelGuedes. E essa contestao durssima, o que mostra tambm que estas
pessoas, mesmo os das gentes operrias, eram gente com princpio, meio
fim, quer dizer, o Cunhal no preside e no est frente de uma Direco
de yes man. Estamos perante gente que est naquilo h muito tempo,
que tem identidade prpria, que tem carcter, que so revolucionrios
profissionais h muitos anos, j viveram muito , gente que j conheceu
situaes de risco de morte, que j decidiu sobre a vida e morte de
terceiros. um grupo dirigente complicado, no tm nada de parecido
com os polticos de hoje.
Nesse confronto, nem sempre se falava de Poltica.
(Jos Pacheco Pereira) Aquela fase da reorganizao muito feita de
ataques pessoais. Alis, praticamente no tem Poltica, a Poltica s chega
mais tarde. So ataques pessoais que atingiram nveis completamente
inimaginveis, dizendo-se que o senhor x fez prostituio em Espanha, o
senhor y roubou o dinheiro da Caixa dos operrios, o senhor z vendia
volfrmio aos alemes. Portanto, foi uma luta muito dura, muito dura, em
que os ataques pessoais predominaram.
A luta contra o Fascismo
Havia uma grande questo poltica que, nos anos 40, ter dividido e stes
homens. Tratava-se de saber como que Salazar podia ser derrubado
depois da Guerra. No relatrio do IV Congresso ilegal do PCP, em 1946, lvaro Cunhal defendeu que o Regime s poderia cair em resultado da
conjugao de um golpe militar com uma aco civil, ou seja, o lder
histrico comunista teve razo antes do tempo. Mais precisamente, previu
o 25 de Abril de 1974, com 28 anos de antecedncia.
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Vinte e oito longos e dolorosos anos de luta contra o Regime que elegeu
os dirigentes do Partido Comunista como uma das suas principais
preocupaes. Tudo o que os dirigentes faziam era alvo da vigilncia da
Polcia de Vigilncia e Defesa do Estado (PVDE), em nome da segurana do
Estado. Quem se dedicasse a actividades subversivas, aqueles quecolocavam em causa o Regime, pagava caro. Foram longos e dolorosos
anos de represso poltica e tortura tambm para o lder histrico
comunista. Ao todo, lvaro Cunhal somou 11 anos consecutivos de
crcere, esteve incomunicvel durante 14 meses, passou oito em total
isolamento. Nunca denunciou algum. Foi preso, pela terceira e ltima vez,
em Maro de 1949 e julgado quase um anos depois. O seu julgamento
durou sete dias de Maio. Perante o Tribunal Plenrio de Lisboa, assumiu
que era comunista e filho adoptivo do proletariado e fez um ataque
cerrado ao Regime. Esteve oito anos na Penitenciria de Lisboa e s, em
1958, que foi para Peniche. Mas o desfecho da sua ltima priso abalou
o Regime. Nos primeiros dias de 1960, treze militantes comunistas, entre
os quais Jaime Serra e lvaro Cunhal, fogem de forma espectacular da
Priso do Forte de Peniche.
A fuga de Peniche
(Jaime Serra, histrico dirigente do PCP, na Priso do Forte de Peniche)
Foi, aqui, neste piso, em 1958-59, que estavam os presos considerados
mais perigosos. Nesta cela, aqui ao canto, estava o camarada lvaro
Cunhal, talvez por ser, suponho eu, a cela de mais alta segurana, dado
que a nica janela que tem para o ptio, bastante vigiado e de bastante
altura. Nesta ala, havia outras celas, ao lado desta, onde estavam vrios
presos em colectivo. Numa delas, estava o Dr. Borges Coelho , que foi
muito conhecido, estava o Dr. Humberto Lopes, um advogado tambm
muito conhecido de Santarm, j falecido, e vrios outros que ficaram na
altura da fuga, por deciso prpria, dadas as condies em que estavam
presos.
Um ano foi o tempo necessrio para se pr em prtica um plano
arriscado que dependia de algum inesperado, um guarda da GNR.
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(Jaime Serra) Esse meu camarada comeou a pedir lume s sentinelas,
a chegar janela e disse: Senhor guarda, o senhor no tem lume para
mim?. Em geral, era mal tratado. At que houve uma que lhe deu lume. E
o lume para um cigarro foi o primeiro passo. O segundo passo foi uma
conversa, o terceiro foi uma confidncia, o quarto foi uma oferta de levaruma carta para a famlia, o quinto foi dizer aonde que estava e o sexto
foi levar uma carta para a famlia.
A data da fuga foi escolhida em funo da escala de servio do guarda
da GNR, Jos Alves. Garantida a sua colaborao, havia, no entanto, que
pensar em tudo o resto.
(Octvio Pato, dirigente comunista) Tnhamos que ter dois automveis
preparados em que coubessem dez fugitivos, mais o guarda e os
condutores. No podiam ser, portanto, quaisquer automveis. Comprmos
esses dois automveis, em segunda mo. Eram carros americanos, dos
grandes e do mais barato que havia no mercado. Se a memria no me
falha, creio que eram daqueles carros que custavam cerca de 30 contos.
(Dias Loureno, histrico dirigente do PCP) Esta operao exigiu, para
o nosso Partido, um grande sentido de responsabilidade. Ns estvamos a
trabalhar nesta operao, com esta ideia: esta operao no pode falhar!
Porque era um grande nmero de camaradas do nosso Partido que vinhame, portanto, no podamos subestimar, pelo contrrio, tnhamos que ter o
mximo secretismos nisto tudo.
(Octvio Pato) As pessoas que conduziam os carros no sabiam,
exactamente, o que iam fazer, com antecedncia. Mas sabiam que iam ser
preparadas e at familiarizados com o carro, tinham de estar
familiarizados e treinar com o carro, para fazerem uma tarefa de grande
importncia e que amos carregar no acelerador.
Eram dois os sinais. O primeiro falhou. Seria dado por algum que,
nesse dia, no foi visita.
(Jaime Serra) O facto de ter falhado o primeiro sinal lanou uma certa
confuso e dvidas sobre a execuo da fuga. V-se que estavam
estabelecidos dois sinais, simplesmente, como estava tudo em andamento,
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houve uma discusso acerca do assunto e decidiu-se, ao meio-dia, que
mesmo assim se avanaria com a fuga.
O segundo sinal foi dado s quatro da tarde.
(Dias Loureno) O Rogrio Paulo foi, sem saber para qu, para a frentedo Forte abrir trs vezes o cap do carro, que era visto por um camarada
que l estava, hora exacta, e isso era o sinal para dizer aos de dentro o
seguinte: c fora est tudo pronto, agora com vocs!
O segundo sinal desencadeou um processo irreversvel, discutido
exaustivamente ao longo de meses. Um passo em falso podia ser fatal,
face a um Regime que j contava, ento, mais de duas dca das de
experincia na luta contra a subverso comunista. Um jogo viciado, de
perseguidores e perseguidos. O momento decisivo do plano teve lugardepois do jantar. Para o guarda Serrado, era apenas mais uma das muitas
rotinas exigidas pelas regras da disciplina da cadeia. Mas o ritual de
regresso s celas, naquela noite de Domingo de 1960, foi o primeiro passo
para a liberdade. O guarda Serrado foi adormecido com clorofrmio, um
produto que a Direco do Partido conseguiu fazer entrar na priso
atravs das visitas. Ao longo dos anos, o PCP tambm foi aperfeioando os
seus mtodos de resistncia e de contactos com os funcionrios que
estavam presos.
Ento, foi essa sentinela que, tendo o seu capote a cobrir dali at
outra sentinela de baixo, fez o trajecto normal de sentinela, ida e volta, e a
cada ida e volta levava um camarada coberto do lado esquerdo, com o
capote um pouco aberto do lado direito, para que a outra sentinela no
visse.
( Jaime Serra) Primeiro, cheguei eu e o camarada lvaro Cunhal . A
descida era facilitada por uma srie de ns que a corda de lenis tinha.
Exigia alguma preparao fsica, da que a preparao da fuga tivesse
durado alguns meses e cada um se foi preparando fisicamente como pde,
sobretudo preparao fsica de mos e braos para segurar a corda. Eu
no sei se foi medo, mas houve um camarada que caiu. Na altura, ter-se-
precipitado na descida ou queimaram-se-lhe as mos, tendo-se ferido com
um golpe profundo na face. J morreu. Era o Guilherme Costa Carvalho. E
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Em 1961, lvaro Cunhal tornou-se Secretrio-Geral do PCP. O lugar
encontrava-se vago h 19 anos, desde que Bento Gonalves morreu no
campo de concentrao do Tarrafal.
As relaes de amor-dio
Ao longo da sua carreira, poucos sero aqueles que podem , hoje, exibir
uma relao poltica ntima com este homem e alguns dos que o podem,
como Mrio Soares e Mikhail Gorbachov, experimentaram com ele uma
relao de amor-dio.
A relao com Mikhail Gorbachov
Gorbachov chegou a discutir a Perestroika com lvaro Cunhal. As suas
opinies sempre foram muito respeitadas em Moscovo.
(Anatol Tchernaiev, ex-conselheiro diplomtico) certo, porm, que
medida que a Perestroika se ia desenvolvendo, medida que os
acontecimentos no nosso pas se iam desenrolando em ligao com a
Perestroika, o surgimento da oposio, as dificuldades, Cunhal ia tendo
cada vez mais dvidas e desacordo interior. Ele era uma pessoa
espantosamente delicada. E ele conseguia formular o seu desacordo com
uma ou outra observao de detalhe, no decurso de um dilogo ou de um
raciocnio. Eles debatiam de facto aqueles problemas muito complexos que
surgiram no decurso da Perestroika. E, para Gorbachov, isso era til e
interessante. Mais ainda, quando Agora no me recordo das questes
concretas sobre as quais Cunhal no concordava com Gorbachov, mas
dava-lhe a entender isso, dava-o a entender abertamente. Contudo, isso
no se repercutia, de modo algum, na ligao pessoal entre eles, na
amizade deles. Eles tinham realmente uma relao de amizade.
Em 1995, o ex-presidente da ex-Unio Sovitica veio a Lisboa, mas
Cunhal deixou claro que as conversas com Gorbachov tinham acabado.
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( lvaro Cunhal, em declaraes SIC) Eu creio que, se ele tivesse
atendido s opinies e posies do Partido Comunista, que alis o apoiou,
quando esteve aqui frente da delegao do Partido Comunista da Unio
Sovitica (PCUS), no X Congresso do PCP, realizado no Porto, certamente
no teria feito aquilo que fez, ou seja, como dirigente do PCUS e do EstadoSovitico, ter conduzido um processo de destruio do Socialismo no seu
prprio pas. Portanto, a meu ver, uma visita indesejvel para ns, os
comunistas portugueses no tem nada a ver com o senhor G orbachov, pois
uma pessoa sobre a qual nos pronunciamos num sentido muito crtico,
muito negativo. Fez muito mal ao seu pas e ao Mundo. Se ele se quisesse
encontrar comigo, eu no o receberia.
A relao com Mrio Soares
Quando lvaro Cunhal completou oitenta anos, Mrio Soares qualificou
o mesmo de inimigo ntimo1 num artigo de jornal, a que o
aniversariante reagiu com esperada indiferena, mais de cinquenta anos
depois do primeiro contacto. Quando Cunhal saiu da priso, em 1941, o
pai de Mrio Soares contratou-o para regente de estudos do Colgio
Moderno. Um dos alunos que mais acompanhou na altura foi,
precisamente, Mrio Soares, que se encontrava a terminar o 7. ano. lvaro Cunhal conseguiu mesmo convencer Mrio Soares a trocar a
Faculdade de Direito, infestada de reaccionrios, pela Faculdade de
Letras. Soares acabou por filiar-se nas Juventudes Comunistas.
O encanto do 25 de Abril de 1974 durou mais algum tempo, tal como a
festa. Mais de um milho de pessoas saiu rua para gritar o que vinha na
alma. Era a festa do Dia do Trabalhador ou ainda a euforia da Re voluo,
tanto fazia. H 40 anos que no havia memria de um dia assim. Um dia
assim no se repetiu.
11A vida, as lutas em que participmos, as divergncias que nos o puseram tornaram-nos numa espcie
particular de inimigos ntimos.
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O 1. de Maio de 1974
(Mrio Soares, no 1. de Maio de 1974) Cunhal o lder de um partido
que foi, incontestavelmente, o partido que teve mais vtimas do Fascismo.
Permitam-me que me volte para lvaro Cunhal e o sade como um grande
resistente!
A curta validade desta unidade poltica poderia ter sido logo
pressentida na diferena de estilo dos dois oradores: Soares emotiva
informal, falava de improviso; Cunhal, rgido sistemtico, trazia o discurso
preparado.
( lvaro Cunhal, no 1. de Maio de 1974) Unidade do povo, unidade
dos comunistas e socialistas, unidade com os catlicos e liberais, a frente
unitria que vem do tempo do Fascismo, unidade com todos semexcepes que, nesta hora decisiva para o futuro de Portugal, querem
lutar e querem lutar juntos e no dividir e no provocar e no
desagregar.
(Mrio Soares, na actualidade) Houve uma charanga que tocou o Hino
Nacional, s depois que apareceu o Dr. Cunhal. E, no final de um discurso
um pouco inspido que ele fez, lento, lendo o discurso, ele surgiu para a
frente com um soldado e um marinheiro a dar como que a imagem da
Revoluo de 1917, na Rssia. E eu a fiquei um pouco aborrecido com essetipo de discurso.
(Dias Loureno) No se pode estar a ver, nesses dias, o afloramento de
diferenas e de divergncias de opinio que s vinham depois, no processo
de desenvolvimento da Revoluo de Abril, quando surgiram com mais
fora. E, portanto, no vamos querer que, quatro dias depois do 25 de
Abril, j houvesse assim tantos atritos que ns tivssemos que forar
alguma coisa.
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(Mrio Soares, no debate decisivo Soares/Cunhal, a 6 de Novembro de
1975) O Sr. Dr. Cunhal diz-me que o Partido Socialista tem que escolher
entre o bloco revolucionrio, como diz, ou o outro bloco, o bloco da
reaco/da direita. Ora, o Partido Socialista j escolheu o seu campo
desde sempre. O Partido Socialista um partido de esquerda, querinstaurar em Portugal uma sociedade socialista, portanto uma sociedade
sem classes, mas em liberdade.
Unidos no Governo
(Mrio Soares, no debate decisivo Soares/Cunhal, a 6 de Novembro de
1975) O Partido Comunista entrou para este Governo com reserva, com
um p no Governo ou at meio p no Governo, e todo o resto do corpo eoutro p fora do Governo, fazendo uma mobilizao, em todo o pas, no
sentido de tentar derrubar esse mesmo Governo.
(lvaro Cunhal, no debate decisivo Soares/Cunhal, a 6 de Novembro de
1975) O Partido Comunista no fica no Governo para caucionar uma
viragem direita, isso evidente que no fica. O Partido Comunista no
fica no Governo para apoiar medidas anti-democrticas, anti-populares,
no fica! O Partido Comunista est no Governo enquanto considerar que,
na verdade, til a sua presena.
Eleies, sim! Mas
( lvaro Cunhal, no debate decisivo Soares/Cunhal, a 6 de Novembro
de 1975) Ns queremos eleies e queremos sufrgio universal, mas
queremos, em primeiro lugar, restabelecer as liberdades em todo o
territrio nacional. E h regies, vastas regies do pas, onde no se pode
considerar, de nenhuma forma, que existam as liberdades democrticas.H regies onde h bandos fascistas, poder local fascista, milcias fascistas
de caceteiros, que perseguem os democratas que ousam ler determinado
jornal da esquerda. Ns queremos, em primeiro lugar, que esteja
assegurado o exerccio das liberdades e dos direitos dos cidados, depois
falemos de democracia
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(Mrio Soares, no debate decisivo Soares/Cunhal, a 6 de Novembro de
1975) O Sr. Dr. teima em querer governar com uma minoria, em querer
fazer a Revoluo com uma minoria.
(lvaro Cunhal, no debate decisivo Soares/Cunhal, a 6 de Novembro de
1975) No, no, no isso! O que eu teimo fazer, uma Revoluo com
revolucionrios, fazer querer fazer uma Democracia com democratas,
querer fazer Socialismo com socialistas!
(Mrio Soares, no debate decisivo Soares/Cunhal, a 6 de Novembro de
1975) () mas com o apoio maioritrio do povo portugus! O povo
portugus no uma Revoluo, uma contra -revoluo!
(lvaro Cunhal, no debate decisivo Soares/Cunhal, a 6 de Novembro de
1975) () Um apoio maioritrio que no seja a falsificao de elei es emsituao anti-democrticas
(Mrio Soares, no debate decisivo Soares/Cunhal, a 6 de Novembro de
1975) Ningum quer, ningum as quer.
(lvaro Cunhal, no debate decisivo Soares/Cunhal, a 6 de Novembro de
1975) () que seja, em muitos stios, as urnas em que os caciques locais
colocam os votos que querem, em que no haja a coaco material,
econmica, moral e religiosa sobre populaes que no so informadas,onde vo votar contra os comunistas, porque os comunistas matam os
velhos com um tiro atrs da orelha.
Disciplina nas Foras Armadas
(Mrio Soares, no debate decisivo Soares/Cunhal, a 6 de Novembro de
1975) Isto leva o pas, em linha recta, para uma confrontao armada,
para uma Guerra Civil e ns estamos a fazer todos os esforos para evitaressa confrontao e essa Guerra Civil.
(lvaro Cunhal, no debate decisivo Soares/Cunhal, a 6 de Novembro de
1975) Queremos, na verdade, uma soluo poltica para as dificuldades e
queremos evitar a Guerra Civil. Mas no se fale em disciplina da direita
reaccionria, no se fale na disciplina, expulsando ou fazendo a Guerra
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ideolgica e de propaganda contra oficiais que tm provado a sua
dedicao causa democrtica, a sua dedicao causa da Revoluo, a
sua dedicao ao povo trabalhador.
A frase
(Mrio Soares, no debate decisivo Soares/Cunhal, a 6 de Novembro de
1975) O que o Partido Comunista deu provas durante estes meses que
quer transformar este pas numa Ditadura
(lvaro Cunhal, no debate decisivo Soares/Cunhal, a 6 de Novembro de
1975) Olhe que no! Olhe que no!
(Mrio Soares, no debate decisivo Soares/Cunhal, a 6 de Novembro de1975) () e existem imensos exemplos histricos que so conhecidos.
Troca de medalhas
(Mrio Soares, no debate decisivo Soares/Cunhal, a 6 de Novembro de
1975) Depois de ouvir o Sr. Dr. Cunhal, ficaria com a convico de que, se
eu fizesse essa aliana que o senhor Doutor(prope)
(lvaro Cunhal, no debate decisivo Soares/Cunhal, a 6 de Novembro de
1975) No
(Mrio Soares, no debate decisivo Soares/Cunhal, a 6 de Novembro de
1975) () dar-me-ia uma medalha de Lenine e ns teramos uma
Ditadura em Portugal. Ora, eu de Ditadura tive o que bastou, que foi a
Ditadura do Salazar e do Caetano.
(lvaro Cunhal, no debate decisivo Soares/Cunhal, a 6 de Novembro de
1975) Essa poltica no lhe d a medalha de Lenine, mas pode-lhe dar amedalha S Carneiro ou uma medalha vinda desses lados.
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O 25 de Novembro de 1975
(Mrio Soares, em entrevista a Miguel Sousa Tavares, na SIC) Houve
contactos, de facto, entre ns, nas vsperas do 25 de Novembro, com os
ingleses e com os Servios Secretos Ingleses. Os Ingleses estavam dispostos
a dar-nos armas e abastecer-nos de gasolina, nas primeiras horas, por viaarea (entre Lisboa e Porto), se houvesse um corte. Estavam dispostos a
isso, havia um plano para isso. Felizmente que isso tudo no foi por diante,
porque, s duas horas da manh, e a est outra coisa que se deve ao Dr.
lvaro Cunhal e ao General Costa Gomes, que o convenceu, desistiram no
25 de Novembro.
( lvaro Cunhal, em entrevista a Miguel Sousa Tavares, na SIC)
Naturalmente que essa afirmao do Dr. Mrio Soares parte da ideia que
houve uma tentativa de um golpe comunista, o qu e completamente
falso. Na verdade, eram sobretudo alguns elementos mais aventureiros
das Foras Armadas que viam ali uma ocasio para haver uma resposta
militar. E mais: procuraram at, em alguns casos, atrair os comunistas e
ns no acompanhmos.
Eleies Presidenciais de 1986
E assim ficaram por muitos anos, at mesmo naqueles momentos em
que a aritmtica eleitoral falou mais alto do que as convices. Mrio
Soares precisou do seu inimigo ntimo para ganhar as eleies
presidenciais de 1986. lvaro Cunhal ajudou-o, mas disse: tapem a cara
com a mo esquerda, mas com a direita no esqueam: ponham a
cruzinha no lugar certo.. Mrio Soares nunca agradeceu a vitria a lvaro
Cunhal. lvaro Cunhal certamente nunca a festejou. Estes dois homens
nunca poderiam ter ficado juntos, como comprovam as seguintes
passagens:
(Mrio Soares, no debate decisivo Soares/Cunhal, a 6 de Novembro de
1975) O que o Partido Comunista deu provas durante estes meses que
quer transformar este pas numa Ditadura
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(lvaro Cunhal, no debate decisivo Soares/Cunhal, a 6 de Novembro de
1975) Olhe que no! Olhe que no!
(Mrio Soares, no debate decisivo Soares/Cunhal, a 6 de Novembro de
1975) () e existem imensos exemplos histricos que so conhecidos.
e
( lvaro Cunhal, no debate Soares/Cunhal, em Novembro de 1997)
Portugal corre o risco de ficar sujeito s decises do Deutsche Bank,
manifestando que a Ditadura (a palavra sua) desse banco...
(Mrio Soares, no debate Soares/Cunhal, em Novembro de 1997) Olhe
que no! Olhe que no, senhor Doutor!
A sucesso no PCP
lvaro Cunhal foi Secretrio-Geral do PCP durante 31 anos. A sua
sucesso foi tranquila e por etapas. O seu afastamento formal da Direco
durou, precisamente, dez anos. Em 1990, Carlos Carvalhas foi eleito
Secretrio-Geral Adjunto, num Congresso extraordinrio realizado para
analisar os acontecimentos ocorridos no Leste da Europa. Dois anos
depois, Carvalhas tornou-se Secretrio-Geral do Partido, no mesmo
Congresso que decidiu criar um cargo especial para lvaro Cunhal, o de
Presidente do Conselho Nacional. A sucesso histrica tinha sido
anunciada, por ele prprio, meses antes, na Festa do Avante.
( lvaro Cunhal, na Festa do Avante) As geraes passam, o
testemunho transmitido e o PCP continua, como sempre, o grande
Partido Comunista que foi e quer continuar a ser.
(Octvio Pato, Secretariado PCP, no XIV Congresso do Partido) OComit Central elegeu para Presidente do Conselho Nacional o camarada
lvaro Cunhal. O Comit Central elegeu para Secretrio-Geral do Partido o
camarada Carlos Carvalhas.
Em 1996, o Conselho Nacional foi extinto e Cunhal passou a ser,
apenas, um dos 189 membros do Comit Central, precisamente no mesmo
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Congresso em que a sua mulher, Maria Fernanda Barroso, abandonou a
Direco comunista, onde estava apenas h oito anos. Em Setembro do
ano seguinte, pela primeira vez, lvaro Cunhal no discursou na Festa do
Avante, embora tenha estado no palco, ao lado dos restantes membros do
Comit Central.
( lvaro Cunhal, na Festa do Avante) Acho que a hora exacta de
falarem outros. Eu acho que a renovao do Partido Comunista um sinal
da sua fora, da sua perspectiva e do seu futuro e, portanto, sinto-me
plenamente contente pelo facto de no falar, no sentido de que se trata da
renovao do Partido Comunista, voltado para o futuro.
lvaro Cunhal deixou de pertencer, formalmente, Direco comunista
no Congresso de Lisboa de 2000, uma reunio onde fez questo de
demonstrar que nunca poderia afastar-se totalmente das grandes decises
dos comunistas portugueses. No foi ao Pavilho Atlntico, mas mandou
uma mensagem.
(Mensagem de lvaro Cunhal, lida por Morais e Castro) Tem estado
em curso, uma das mais violentas campanhas anti-comunistas de todos os
tempos. Jornais, revistas, rdios, televises tornaram-se, como se tem
visto, as tribunas daqueles, daqueles incluindo membros do Partido, que
querem que deixemos de ser o que somos e queremos continuar a ser.
O romancista Manuel Tiago
A primeira obra de Manuel Tiago, pseudnimo com o qual lvaro
Cunhal assinou vrios romances, sobre acontecimentos posteriores
Revoluo chama-se Um risco na areia. A histria tem dois cenrios:
- O primeiro a pequena moradia que albergava o Centro de Trabalhode Santa Efignia, em pleno Perodo Revolucionrio em Curso (PREC) . l
que desfilam personagens com nome, vida prpria, erros e paixes e,
sobretudo, quotidianos de amigos ou funcionrios do Partido Comunista,
capazes de tudo pela luta. Emoes espreita, ao longo de 167 pginas,
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amores e desamores com que o autor tenta seduzir, mas que raramente
distraem a ateno da mensagem poltica.
- Essa, a mensagem poltica, adquire plena forma no segundo cenrio:
os acontecimentos histricos do 28 de Setembro. Afinal, na viso do autor,
o resultado do empenho de tantos centros de trabalho iguais ao de Santa
Efignia. Dias e noites de trabalho poltico para impedir o sucesso da
manifestao da maioria silenciosa convocada por Spnola. As barricadas
populares conseguiram desenhar um risco na areia. Segundo Manuel
Tiago, para c do risco, os milhares de autocarros previstos no passaram,
nalguns casos nem chegaram a partir. O autor faz o balano: uma vitria
do povo, sem armas, contra as conspiraes do Presidente. no 28 de
Setembro que se resolvem os pequenos dramas debruados ao longo da
narrativa, que o romance confunde e se deixa absorver pela histria, queas emoes pessoais se diluem num sonho que o colectivo, enfim, a
comunho ideal, o final feliz que Manuel Tiago imagina e deixa em aberto.
Cunhal, tradutor de Shakespeare
Quando se pensava que lvaro Cunhal tinha j esgotado o seu ba
clandestino das surpresas, em 2002 decidiu mostrar mais uma faceta: ade tradutor do Rei Lear, de William Shakespeare. A traduo foi feita
entre 1953 e 1955, enquanto esteve preso na Penitenciria de Lisboa .
Depois de dois anos em completo isolamento, aps a sua condenao em
1951, Cunhal pde comear a pedir livros e a requisitar papel. As folhas
que lhe eram entregues estavam sujeitas a uma fiscalizao rigorosa,
eram numeradas e depois conferidas na Secretaria. Foi, neste contexto,
que resolveu pedir as obras de Shakespeare. Nasceu, assim, a sua
traduo do Rei Lear. Na altura, recorreu a um pseudnimo feminino:
Maria Manuela Serpa.
(Vasco Graa Moura) Eu penso que a traduo do Rei Lear da
autoria do Dr. lvaro Cunhal uma traduo muito boa. muita boa, no
por causa das condies difceis em que ele a fez, mas apesar das
condies difceis em que ele a fez. uma traduo que, por outro lado,
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traduz a luta de um homem contra o enorme isolamento e a situao
torturante, de tortura mental e at fsica, devido ao isolamento em que se
encontrava. Isso penso que uma realizao notvel, uma afirmao
notvel de capacidade de resistir e sobreviver e, sobretudo, muito
importante que tenhamos, em bom portugus, uma traduo do ReiLear. Tambm gostar de notar que as concepes, relativamente arte e
obra de arte do Dr. Cunhal, de algum modo se reflectem nesta traduo,
na preocupao de acessibilidade com que ele procurou faz-la, ele
procurou torn-la um texto legvel ao comum das pessoas. E, alm disso,
teve a preocupao de esclarecer, com muitas centenas de notas, os vrios
passos mais complicados ou mais difceis, ou at mais intraduzveis do
texto de Shakespeare.
Porqu o Rei Lear? Porqu Shakespeare? Porqu na priso? Nomomento do lanamento, as perguntas sucederam-se medida da
imaginao de cada um. Apesar de todo o tipo de especulao que a
escolha da obra pelo autor levantou, ficou uma certeza: diz quem leu e
quem sabe que esta traduziu marcou um lugar na Histria da Cultura
Portuguesa, pela sua qualidade e no por ter sido feita p or lvaro Cunhal.
Cunhal, no presente e no futuro
lvaro Cunhal no esteve sempre em silncio sobre si prprio, foi-se
revelando ao longo do tempo nas personagens que romanceou e nos
cenrios que escolheu para as suas histrias. Nunca autorizou uma
biografia, nunca quis escrever as suas memrias, um dia explicou porqu.
(lvaro Cunhal, justificando esta sua posio) No estou voltado para
a! E no estou voltado para a, porque, alm do mais, tenho a ideia (que
j tenho dito) que um dia que eu pense nas memrias, que no estejavoltado para a frente, no sei quando que acaba, mas enquanto no
acaba e tiver possibilidades de intervir, procuro intervir. Portanto, estou
voltado para o presente e para o futuro. E o dia em que eu pense nas
memrias, capaz de j me faltar a memria (!) e, portanto, bom que
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no pense nisso e comece a excluir, completamente, a questo de
memrias ou de relatos, voltado para o passado.
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