ana angelita costa da rocha - questionando o questionário-uma análise de currículo e sentido de...
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2. A FINA FLOR DOS VALIDADOS: TENSES E DEBATES EM TORNO DO ENEM.
O vnculo entre a funo pblica e o indivduo, esse vnculo objetivo entre o saber da sociedade civil e o saber do Estado, o exame, no mais do que o batismo burocrtico do reconhecimento oficial da transubstanciao do saber profano em saber sagrado [] (Karl Marx, apud. Afonso, 2009:30)
Escolho a afirmativa acima para iniciar um captulo que trata da constituio do
ENEM, justamente porque ela traz a ideia do vnculo para atribuir um significado do
exame. Marx, neste fragmento da Crtica ao Direito de Hegel, exps a funo social
e poltica do exame para validar um saber (ou seu batismo!), cuja autoridade justifica
a existncia de um grupo: a burocracia. Janela Afonso (2009: 30) resgata no seu livro a
mesma afirmativa para evidenciar o carter poltico do exame como um vigoroso
mecanismo de controle de certas funes do Estado, aps o Antigo Regime, para
especialmente estabilizar e legitimar um grupo poltico. No entender de Janela Afonso
(op.cit.), se no Antigo Regime o vnculo seria por sangue, a modernidade o primaria
pelo mrito. Por essa razo, desconfio que o vnculo permanece sendo uma intrigante
metfora do exame e pode servir para algumas anlises do ENEM.
Neste texto, a opo por comear com tal interpretao do exame tem a
inteno de problematizar um dos seus sentidos mais bvios: o do dispositivo de
certificao. Nesta atribuio de sentido, o exame como vnculo funda um domnio
do saber verdadeiro para legitimar imparcialmente quem e o que est habilitado
para cumprir ou progredir em alguma coisa que socialmente importante. Da a
necessidade do exame, com seu manto sagrado da iseno, da neutralidade e do mrito.
Contudo, a finalidade deste exerccio explorar articulaes discursivas que procuram
decidir uma definio de ENEM.
Como estou de acordo com perspectivas tericas anti-essencialistas, considero
que esse vnculo no absoluto, mas uma fundao contingente numa relao com
saberes e as estratgias polticas para validao deles. Por isso, procuro, nas linhas a
seguir, explorar superfcies textuais e documentos oficiais, que, talvez, busquem definir
esse vnculo, ou garanti-lo como necessidade para aqueles egressos da Educao
Bsica.
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Assim, considero a metfora do vnculo potente para traduzir o ttulo deste
captulo. Numa reunio de orientao, quase na defesa de minhas ideias sobre a relao
entre ENEM e a Geografia, fui interpelada com a seguinte pergunta: ento, voc quer
falar da fina flor dos validados? Sem dvida, neste estudo, h a vontade de um
exame do Exame que busque investigar as articulaes polticas para que uma prova
reserve o poder de validar saberes ensinados e que seja representativa da educao
bsica de todo o pas. Em outras palavras, o exerccio, aqui, procurar entender a
ambio em torno do ENEM, para fund-lo como totalizao metafrica,
particularmente quando se trata do aprendizado espacial. As linhas a seguir procuraram
tensionar, questionar e tambm afirmar como o ENEM vem se tornando a fina flor
dos validados, em funo dos objetivos a ele atribudos, em especial a partir de sua
re-estruturao em 2009.
Neste captulo, procuro discutir os sentidos entre avaliao e exame, para
interpretar os processos de identificao em torno do ENEM. Desse modo, estou ciente
de que no esgotei o debate sobre a funo poltica do exame, tampouco satisfiz uma
completa reviso terica sobre o assunto. Pretendi, aqui, apresentar possibilidades de
interpretao da relao entre o exame e o currculo que sustentam os sentidos de
ENEM. Com essas possibilidades, discorro sobre a relao entre avaliao e currculo
com a inteno de reinterpret-la no decorrer desta investigao.
Para tanto, desenvolvi minhas ideias em cinco sees. Na primeira, intitulada
2.1 Uma reviso terica possvel: sentidos de avaliao e sentidos de exame,
mencionei alguns autores e estudos que procuram hegemonizar sentidos da avaliao e
do exame, como jogo de sentidos, e busquei interpretar certas tenses e ambivalncias
que envolvem tais definies. Na sequncia, com o ttulo 2.2 Da Avaliao para o
Exame: explorando documentos, procurei investigar as contradies e os problemas
da definio do ENEM, como mecanismo do desempenho do aluno. Nessa seo,
foquei os flagrantes discursivos que procuram transformar o ENEM em uma demanda
popular.
Na terceira seo, chamada de 2.3 Notas sobre o discurso hegemnico da
reformulao do ENEM, a partir de 2009, tratei brevemente das superfcies textuais
que tencionam converter o Exame em demanda popular e tal anlise est estreitamente
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atrelada discusso sobre os saberes validados pelo Exame, especialmente geogrficos,
objeto deste estudo. Por isso, o exerccio dessa seo prepara nossa argumentao a
respeito de outras superfcies textuais que comunicam os validados e encarnam o
vnculo do Exame as Matrizes - que esto no cerne da penltima reflexo,
intitulada como 2.4 Da matriz de competncia matriz de referncia: dilemas em
torno da organizao curricular.
Em poucas palavras, possvel afirmar que essas sees ambicionam tratar do
ENEM como poltica curricular, focando no vnculo que comunica os saberes validados
a serem aprendidos e ensinados. Essa a principal razo para a anlise dos documentos
e da bibliografia que sustenta a presente argumentao.
2.1.UMA REVISO TERICA POSSVEL: SENTIDOS DE AVALIAO E SENTIDOS DE
EXAME.
Inicialmente necessrio reconhecer que a avaliao um campo de
investigao e de desenvolvimento de polticas pblicas e que, neste texto, no tenho a
pretenso de esgotar um mapeamento terico dessas reas. Somente para fins de redigir
as apreciaes tericas sobre o tema, trabalho, nesta investigao, com dois planos de
entendimentos da avaliao; e em torno deles, destacarei brevemente algumas
discusses a fim de aproximar-me das superfcies textuais que tratam do ENEM.
O primeiro plano de entendimento a avaliao como instrumento de
verificao (dos resultados) do ensino. Nesse plano seria possvel reunir um campo
semntico que denota a avaliao como processo voltado para o desenvolvimento da
aprendizagem, o que envolve expresses como: avaliao diagnstica, avaliao
formativa, avaliao processual, avaliao dialgica, avaliao como ato
pedaggico. Dentre os autores que se ocupam da avaliao como instrumento do
trabalho docente e como um ato do cotidiano escolar, destaco, por exemplo, as
contribuies do suo Philippe Perrenoud, do brasileiro Cipriano Luckesi (1994,
2010) e do pesquisador portugus Almerindo Janela Afonso (2008, 2009, 2010, 2012).
Em linhas gerais, noto que h tanto divergncias quanto tangncias entre os
autores citados, especialmente quando abordam a avaliao como instrumento
constituinte da relao professor e aluno; com base numa perspectiva da autonomia e
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da individuao do processo de aprendizagem. Nessa direo, destaco ttulos como
No mexam na minha avaliao!, Para uma abordagem sistmica da mudana
pedaggica de Perrenoud (1999) e Avaliao da aprendizagem componente do ato
pedaggico de Luckesi (2011), os quais sugerem que a mudana substancial da
avaliao repercute diretamente na relao entre os sujeitos envolvidos nesse evento
pedaggico. Nesse sentido da avaliao, percebo propostas ou arquiteturas conceituais
que reatualizam, por exemplo, o debate sobre mudana de comportamento como
resultante do processo de ensino, uma reflexo caracterstica e, no meu ver, mais
inclinada concepo de currculo racional desenvolvido por Ralph Tyler (1981).
Apenas para fins de ilustrao, recorto um trecho de Princpios bsicos de currculo e
ensino de Tyler:
O processo de avaliao consiste essencialmente em determinar em que medida os objetivos educacionais esto sendo realmente alcanados pelo programa do currculo e do ensino. No entanto, como os objetivos educacionais so essencialmente mudanas em seres humanos - em outras palavras, como os objetivos educacionais visados consistem em produzir certas modificaes desejveis nos padres de comportamento do estudante a avaliao o processo mediante o qual se determina o grau em que essas mudanas de comportamento esto realmente ocorrendo. (TYLER: 1981, 99)
Sem esgotar essa interpretao, Tyler (1981) tambm uma referncia
importante no recente trabalho de Luckesi (2011), como fica evidente em passagens
que procuram prescrever garantias de uma eficiente avaliao em algumas regras
para a elaborao de um adequado instrumento de coleta de dados para aprendizagem
(2011: 362). vlido mencionar que publicaes de Perrenoud (1999; 2002)
contriburam para a difuso do currculo por competncias, especialmente no debate
sobre avaliao por competncia; fortalecendo a hiptese de que seja possvel
identificar a mudana de comportamento, observando se certa habilidade fora atingida,
a partir da aplicao adequada de um dado instrumento avaliativo (Perrenoud, 1999;
2002). Essa leitura que fao sobre o currculo por competncias, na concepo de
avaliao em Perrenoud (op.cit.), reconhece a marcante influncia de Ralph Tyler,
particularmente na crena da possibilidade de mensurar objetivos educacionais,
quando adotado um eficiente instrumento avaliativo.
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Reitero que as reflexes que anuncio nesse plano de entendimento da avaliao
como instrumento de verificao do ensino no esto limitadas s linhas acima.
Aposto, que, para fins de anlise das polticas de implementao e consolidao do
ENEM, necessrio rever os debates crticos ao discurso de competncias, presentes
em artigos como o de autoria de Antnio Flvio Barbosa Moreira (1997), que procurou
questionar a reatualizao da abordagem de currculo de Tyler, nos trabalhos de Csar
Coll. Convm lembrar que esse ltimo autor influente na costura poltica e terica
dos PCNS. Com efeito, suspeito que a anlise do material emprico desta investigao
poder fomentar o debate sobre as articulaes discursivas constituintes no debate da
avaliao como instrumento de verificao dos resultados do ensino.
Resumidamente, pretendo apresentar um segundo plano de entendimento da
avaliao como poltica de controle simblico. Nesse plano de entendimento, tanto a
poltica de avaliao, como a poltica de currculo podem ser percebidas como
mecanismos indissociveis que regulam projetos de validade do conhecimento a ser
ensinado. Desse modo, cito o ttulo Avaliao Educacional regulao e
emancipao, de Almerindo Janela Afonso. Resultante de seu estudo de
doutoramento, o livro tece um amplo painel da sociologia da avaliao e emprega
anlises de estudos de caso para caracterizar polticas de avaliao, considerando
distintas matrizes tericas do campo educacional e da sociologia.
Outro estudo que ajuda a compor esse plano de entendimento seria o artigo A
performatividade nas polticas de currculo: o caso do ENEM de Lopes e Lpez,
publicado em 2010. Revisando o debate de cultura da performatividade em autores
como Stephen Ball, as autoras argumentam que o ENEM o resultado do cenrio da
administrao pblica, que vem fortalecendo os sentidos de reforma educacional no
Ensino Mdio. Percebo tangncias entre os trabalhos dessas autoras com as concluses
de Janela Afonso (2009) especialmente na reflexo sobre a deciso de aplicao do
Exame pelas instituies governamentais, que envolveria distintas e complementares
escalas da ao poltica. Para fortalecer esse argumento, sugiro ilustr-lo com o
fragmento de Lopes e Lpez, cuja interpretao dos documentos do ENEM nos
influenciou para uma primeira anlise da constituio e implementao desse exame.
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Dessa forma, o ENEM, como um sistema avaliativo que condensa os princpios da Reforma Educacional do Ensino Mdio brasileiro, se constitui como um dispositivo que entrelaa e interpenetra o processo de ensino-aprendizagem em mltiplos nveis, j que, a partir dele, so engendrados tanto resultados globais (relativos s redes de ensino), quanto locais (referentes s unidades locais) e individuais (relativos ao aluno). Igualmente, o ENEM participa do fortalecimento e da circulao dos princpios da reforma, pois, em seu entrelaamento e em seu processo de negociao com os mltiplos contextos com os quais se relaciona, produz efeitos mais ou menos convergentes de adeso a seus princpios. (LOPES & LPEZ, 2010, p. 104)
Com efeito, trabalho com esse argumento como pressuposto das anlises da
empiria, particularmente, na direo de questionar o impacto da perspectiva do controle
na validao na seleo de saberes, na medida em que a cultura da performatividade
no seria externa, mas, sim, integrante desse processo (LOPES & LPEZ, 2010, p.
105). No meu entender, a avaliao, mais especificamente o exame, pode ser tomada
como um instrumento estruturante na regulao da produo, seleo, organizao e
distribuio dos saberes escolares.
Menciono ainda o artigo de Cardoso (1999), que defende o enunciado ou item
(ou a questo da prova) como texto passvel de ser um poderoso objeto de anlise para
inferir sentidos de ensinar e aprender. Essa interpretao da avaliao est presente, por
exemplo, nesse artigo, quando o autor sugere a apropriao do enunciado para
pesquisas sobre a avaliao, procurando mensurar, em suas anlises, nveis de
eficincia de um modelo de ensino. Para Cardoso (1999), essa seria uma discusso j
presente nos trabalhos voltados exclusivamente para observar a eficincia de um
modelo de avaliao e para efetuar mudanas no programa, ou seja, o autor considera
os itens dos testes como instrumentos de comunicao da mudana curricular (1999:
83) .
Embora as discusses projetadas nesta investigao tendam a divergir da
apropriao metodolgica do enunciado (item) com o fim primordial para anlise da
eficincia do exame, estou de acordo com Cardoso, principalmente, quando ele afirma
que o enunciado um veculo que comunica a mudana curricular. Tal percepo ser
problematizada na anlise dos documentos do ENEM como discurso da legitimao do
exame em escala nacional.
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Com base na reviso da literatura acerca da avaliao, Janela Afonso (2009)
conclui que h retomada dos testes estandartizados (um modelo inicialmente idealizado
pela administrao empresarial do inicio do sculo XX) nas polticas educacionais
europeias dos anos 1990. Ele observa a estreita associao entre a lgica liberal e a
adoo do que ele define como avaliao normativa para produo de indicadores,
com o fim de mensurar a qualidade da educao. O texto desse autor, alm de uma
extensa reviso terica, oferece o debate sobre os impactos das polticas de avaliao
no cenrio mais amplo de polticas educacionais, no final do sculo XX.
Outrossim, o Professor Luiz Carlos de Freitas (2011) tem se dedicado
recentemente s anlises das polticas implementadas pelo INEP, revisitando, por
exemplo, o debate de autores como Michael Apple, que, j nos fins dos anos 1970,
interrogava sobre a relao entre polticas educacionais e o estreitamento curricular.
Como exemplo da discusso de Apple, cabe mencionar o livro Ideologia e currculo
e o artigo A poltica do conhecimento oficial: faz sentido a ideia de um currculo
nacional? Para Freitas (2011, 2012), os conceitos de responsabilizao, globalizao,
reformadores empresariais e neoliberalismo so basilares na sua reflexo de denncia
do que chama de avaliao de alto impacto. O autor atualmente um importante
difusor da literatura americana crtica adoo do modelo instrumental de avaliao.
Um dos autores recorrentemente mencionado por Freitas (2011, 2012) Diane
Ravitch47, com o livro Vida e morte do bom sistema educacional norte-americano,
em que reviu a trajetria e os limites da poltica de responsabilizao educacional
estadunidense, No child left behind48, implementada pela gesto Bush e continuada por
Obama.
Chama minha ateno o fato de que, mesmo sendo autores com posies
divergentes, tanto nesse livro de Janela Afonso (2009) quanto naquele de Luckesi
(2011) h a inteno de marcar a diferena entre os conceitos de exame e de avaliao.
Em Luckesi (2011: 376), a diferena reside no que ele chama de postura pedaggica,
47RAVITCH, D. The death and life of the great American school system. New York: Basic Books, 2011.
48No que tange a esta poltica educacional estadunidense que, segundo Freitas, influenciou instituies governamentais brasileiras, o autor assim a descreveu: Editada em 2002, a Lei determinava que at 2014 todas as crianas americanas deveriam ser proficientes em leitura e matemtica. O fracasso da proposta era previsvel. Entretanto, ela teve um grande efeito na promoo do fechamento das escolas pblicas e sua transferncia para a iniciava privada, j que estabeleceu os mecanismos legais para justificar esta transferncia (Congresso dos Estados Unidos, 2002). (2012: 395)
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pois seria o exame uma interveno, um ato de examinar, que prima pela
verticalidade da relao educador-educando e pela finalidade da classificao (2011:
427). Janela Afonso, por sua vez, tece apreciaes muito prximas as de Luckesi,
considerando, no entanto, a fundamentao terica da sociologia da avaliao, citando
criticamente estudos anglfilos, como os de Michael Scriven (1991).
Neste momento da investigao, prefiro uma postura mais cautelosa, no que diz
respeito a decidir por definies sobre avaliao e exame. Isso porque provvel que a
articulao discursiva em torno da avaliao possa fixar sentidos que dependam do
exame como corte antagnico. Portanto, a diferenciao entre avaliao e exame uma
articulao poltica que cria efeitos de sentidos, no apenas no debate da literatura
especializada, mas tambm no panorama da poltica educacional como a do ENEM,
por exemplo. Ou seja, a lgica diferencial produz a prpria definio do exame, que
necessariamente se d na equivalncia entre reivindicaes polticas.
Essa reflexo, no meu ver, ilustra o problema da definio do exame e
igualmente indica que, na medida em que se adensa a anlise do ENEM, poderei
interpretar sentidos em disputa em torno do Exame, fazendo emergir dilogo com e
contra as concepes e abordagens tratadas na literatura. Com essa ordem de ideias,
aponto a necessidade de ampliar e aprofundar a agenda de estudo que trata da avaliao
como da prpria teoria poltica a fim de desenvolver anlises que sublinhem as disputas
para definir o Exame nas polticas em torno do ENEM. Esse o principal propsito da
prxima seo que buscar interpretar as definies do ENEM (em suas contradies) a
partir dos documentos oficiais disponibilizados, tanto pelo MEC, quanto pelo INEP.
2.2. DA AVALIAO PARA O EXAME: EXPLORANDO DOCUMENTOS.
O estudante tem uma referncia para si, mas a universidade usa porque quer selecionar os melhores alunos. Se o ENEM avalia bem o estudante, serve para a universidade. Se os pais querem escolher a escola, eles vo optar pela escola em que os alunos vo bem. O resultado no deve ser atribudo s escola, pois quando conclui o ensino mdio o aluno traz consigo toda a bagagem que adquiriu desde o primeiro ano escolar.
(Reynaldo Fernandes, ex- Presidente do INEP, 2007)
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Comeo esta seo com a resposta do ex Presidente do INEP pergunta:
ento, o exame avalia o desempenho do aluno, da escola, serve para o ingresso na
Universidade, tem variadas funes? A dita entrevista fora publicada num veculo de
divulgao do ENEM, a Revista do ENEM49, organizada pela Assessoria de Imprensa
do MEC50. Na fala do ex-presidente, possvel interpretar as finalidades do exame, as
quais levam em considerao a centralidade do desempenho, da performance, nessa
poltica de escala.
Nesta seo, h o exerccio de interpretar documentos das ltimas gestes
federais para nortear a anlise, tanto do sistema de avaliao, quanto do prprio sentido
da avaliao. Nessa direo, busco analisar os objetivos do exame e, com isso, as
disputas em torno do problema de definio do ENEM. A seleo do material emprico
que subsidia este estudo responde necessidade do desenvolvimento da pesquisa em
comparar as superfcies textuais dos documentos com o fim de interpretar articulaes
discursivas de mudanas e estabilidades no Exame Nacional do Ensino Mdio, desde
sua implementao em 1998. Desse modo, pretendo acumular discusses para refletir
sobre a relao entre saberes geogrficos e o item da prova, que objeto primordial
deste estudo.
O objetivo central , pois, a anlise de documentos oficiais que regulam a
definio do Exame Nacional do Ensino Mdio. A pertinncia do presente estudo
reside na proposta de contribuir para o debate acerca da avaliao institucional,
considerando o carter poltico do discurso sobre qualidade da educao. Com base na
teoria do discurso desenvolvida por Laclau e Mouffe (2005, 2006), este texto est
inserido no debate ps-fundacional do campo do currculo e procura - com a
explorao de evidncias empricas - se comprometer com a interpretao da luta
hegemnica entorno das atribuies desta poltica de avaliao e seus impactos no
currculo do Ensino Mdio.
49REVISTA DO ENEM. Braslia: INEP, 2007, p. 9.
50Na apresentao dessa edio da revista, fica evidente uma das finalidades dessa divulgao, como se observa neste trecho: Esta revista para ajudar o professor a estimular os alunos a que tenham bom desempenho. Porque reconhecemos o valor, a importncia dos professores, ratificamos nossa confiana no trabalho dos responsveis diretos pela educao brasileira. (MEC, 2007, grifos nossos)
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Inspirada na teorizao laclauniana, entendo que tais superfcies textuais
suturam a flutuao de sentidos em torno dos significantes51 avaliao e exame, o que
um efeito poltico da fixao do sentido de avaliao, isto , o efeito de uma
articulao discursiva hegemnica. Expondo a argumentao aqui apresentada, destaco
a caracterstica da teoria que subsidia minhas anlises para quem todo processo de
significao contingencial.
Para ordenar as interpretaes aqui defendidas, trago para discusso prticas
articulatrias em torno do significante avaliao em documentos como artigos de LDB
9394/96, LEI 9448/97, Portaria MEC no 438, de 28 de maio de 1998; Portaria INEP no
109, de 27 de maio de 2009; e Portaria MEC no 807, de 18 de junho de 2010. A escolha
desse material, diante dos cerca de mais de 4052 documentos elaborados pelo Estado
para garantir a consolidao do ENEM, reside no fato de que os citados textos
articulam definies sobre a avaliao.
Acho oportuno comear uma interpretao das prticas articulatrias acerca
desses significantes pela anlise da LEI 9448/97, que converteu a Medida Provisria
1.568 de 1997 em LEI e redefine as atribuies do INEP, rgo responsvel, desde
incio, pelo desenvolvimento do ENEM. Com as atribuies do INEP, o artigo primeiro
define funes voltadas para consolidao do sistema de avaliao e do
desenvolvimento de indicadores. Mesmo sendo longo, reproduzo o artigo na ntegra
para sinalizar provisrias interpretaes.
Art. 1 Fica o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP, rgo integrante da estrutura do Ministrio da Educao e do Desporto, transformado em Autarquia Federal vinculada quele Ministrio, com sede e foro na cidade de Braslia - DF, tendo como finalidades:I - organizar e manter o sistema de informaes e estatsticas educacionais;
51Nesta seo, importa explorar sentidos de avaliao em documentos oficiais. Contudo, cabe sublinhar que a literatura vem produzindo a respeito da relao avaliao e estatstica e poltica pblica, que nos limites deste trabalho no irei esgotar. A respeito dessa farta literatura, convm ilustr-la com a contundente afirmativa de Veiga Neto: Em termos j no mais restritos ao currculo, a avaliao articulou-se com a Estatstica e ambas se tornaram uma fonte de ndices e tabelas que funcionam como um instrumento eficaz para a governamentalidade liberal. (2012, 11).52Para o nmero acima destacado, fao alguns esclarecimentos. Entendo por documentos, textos polticos com finalidades polticas e de autoria institucional. Todos os documentos foram coletados nos portais do MEC e INEP. Muitas das atualizaes dos portais, retiraram do ar, por exemplo, as revistas ou os links relacionados s edies mais antigas. Considerando este fato, estou certa de que no coletei a totalidade de documentos de divulgao do ENEM. No anexo II, listei os documentos mais usados na investigao.
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II - planejar, orientar e coordenar o desenvolvimento de sistemas e projetos de avaliao educacional, visando o estabelecimento de indicadores de desempenho das atividades de ensino no Pas;III - apoiar os Estados, o Distrito Federal e os Municpios no desenvolvimento de sistemas e projetos de avaliao educacional;IV - desenvolver e implementar, na rea educacional, sistemas de informao e documentao que abranjam estatsticas, avaliaes educacionais, prticas pedaggicas e de gesto das polticas educacionais;V - subsidiar a formulao de polticas na rea de educao, mediante a elaborao de diagnsticos e recomendaes decorrentes da avaliao da educao bsica e superior;VI - coordenar o processo de avaliao dos cursos de graduao, em conformidade com a legislao vigente;VII - definir e propor parmetros, critrios e mecanismos para a realizao de exames de acesso ao ensino superior;VIII - promover a disseminao de informaes sobre avaliao da educao bsica e superior;IX - articular-se, em sua rea de atuao, com instituies nacionais, estrangeiras e internacionais, mediante aes de cooperao institucional, tcnica e financeira bilateral e multilateral. (BRASIL: LEI 9448/97, grifos meus.)
A partir dos incisos acima destacados, proponho, ainda de forma preliminar,
sublinhar o discurso da avaliao como organizador das atribuies dessa autarquia
federal. Com a anlise da Lei e com o fato de que teria sido uma converso de Medida
Provisria, e, ainda, com a constatao de que h fixao de discursos organizadores da
constituio de sistema de avaliao, da anlise do desempenho do estudante brasileiro
em diferentes nveis de ensino e o consequente desenvolvimento de indicadores,
concluo que h, nesse texto poltico, articulaes hegemnicas que sero estruturantes
na implementao do ENEM, definida, no ano de 1998, pela Portaria MEC no. 438.
Com a argumentao acima, no tenho a ousadia de esgotar a discusso sobre a
reestruturao do INEP, um processo em vigncia desde a Gesto de Fernando
Henrique Cardoso. Contudo, proponho, sim, seguir com a reflexo sobre o destino do
significante em textos polticos que dizem respeito instituio e consolidao do
ENEM. Para anlise, ainda preliminar do destino do significante, no inciso VI do artigo
9 da LDB (9394/96) possvel inferir que o significante avaliao articulado
expresso rendimento escolar:
assegurar o processo nacional de avaliao do rendimento escolar no ensino fundamental, mdio e superior, em colaborao com os sistemas de ensino, objetivando a definio de prioridades e a
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melhoria da qualidade do ensino (...) (BRASIL: LEI 9394/96, grifo nosso).
Tal disputa em torno da significao de rendimento escolar s possvel em
funo da centralidade do sentido avaliao como poltica de escala (significao
suturada no texto do mesmo inciso) e que est sendo suplementada53 pelo sentido da
performance (equivalendo ao rendimento). Contudo, os sentidos em torno da
expresso rendimento escolar esto a ser suturados por outras lutas polticas, sejam
de escala nacional, sejam de escala local, como a unidade escolar. Nessa argumentao,
entendo que o significante avaliao (afirmada como nacional) exige a performance
como seu suplemento, que articulado discursivamente no rendimento escolar.
O artigo 1 da Portaria MEC no 438 (quando da implementao do exame em
1998) pode ser interpretado como sendo uma superfcie textual projetada para definir
as atribuies do exame e o relaciona diretamente proposta de organizao curricular
do Ensino Mdio, o que tambm pode ser percebido como uma poltica que anuncia a
finalidade da educao bsica.
Instituir o Exame Nacional do Ensino Mdio ENEM, como procedimento de avaliao do desempenho do aluno, tendo por objetivos: I conferir ao cidado parmetro para auto-avaliao, com vistas continuidade de sua formao e sua insero no mercado de trabalho; II criar referncia nacional para os egressos de qualquer das modalidades do ensino mdio;III fornecer subsdios s diferentes modalidades de acesso educao superior;IV constituir-se em modalidade de acesso a cursos profissionalizantes ps-mdio. (BRASIL, MEC, 1998, grifos meus)
Com o inciso II do mesmo artigo, fica evidente a escala da poltica,
confirmando, assim, a argumentao aqui exposta: criar referncia nacional para os
egressos de qualquer das modalidades do ensino mdio (op.cit). A articulao
discursiva em torno do ENEM retoma a articulao do texto da LDB (citado nesta
seo) estabilizando o sentido de avaliao suplementado pelo rendimento escolar,
53Nesta investigao, adoto uma interpretao de suplemento a partir dos escritos de Laclau (2005).
Vale destacar que ele se remete discusso de suplementoem Derrida para tratar da indecidibilidade na lgica hegemnica (LACLAU, 2005, MOUFFE, 2005, DERRIDA, 2005). Na argumentao de Laclau, o suplemento constituinte da interao poltica, ou seja, estruturante da operao metonmica. Resultado da apropriao que Laclau realiza de Derrida, o suplemento pode ser percebido como ato poltico exigido na construo da cadeia de equivalncia, o que me permite empreg-lo no exerccio de explorao dos documentos sobre o ENEM.
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que, no primeiro artigo da Portaria em destaque, qualificado, agora, pela expresso
desempenho do aluno.
No mesmo artigo, fixado, como objetivo do ENEM, o parmetro da
autoavaliao. No meu ver, isso evidencia a fixao de um significante que age como
suplemento, ou seja, atua como preenchimento do sentido de rendimento escolar e
que, na lgica da equivalncia, sustentaria discursos pedaggicos voltados para
avaliao dialgica, em que o aluno o sujeito do processo de avaliao da
aprendizagem. Nessa operao metonmica, h o antagonismo do exame que mensura,
que indica uma classificao. Com esse argumento, destaco um indcio para
interpretao do mesmo texto poltico: sua caracterstica paradoxal para definir um
exame que mobiliza escalas, tanto como instrumento de diagnstico nacional da
concluso da Educao Bsica, quanto como instrumento local de autorreferncia do
processo do aprendiz. Tais efeitos de sentidos so constitutivos de um momento
nevrlgico do sistema educacional brasileiro.
Com o intuito de seguir com a anlise dos documentos que tratam do ENEM,
considero o paradoxo uma evidncia das distintas lutas para defini-lo. Com essa
afirmao, sugiro a leitura na ntegra dos artigos das recentes Portarias do INEP e MEC
(nos. 109 e 807, respectivamente) que tratam dos objetivos do ENEM.
Art. 2o- Constituem objetivos do Enem:I - oferecer uma referncia para que cada cidado possa proceder sua auto-avaliao com vistas s suas escolhas futuras, tanto em relao ao mundo do trabalho quanto em relao continuidade de estudos;II - estruturar uma avaliao ao final da educao bsica que sirva como modalidade alternativa ou complementar aos processos de seleo nos diferentes setores do mundo do trabalho; III - estruturar uma avaliao ao final da educao bsica que sirva como modalidade alternativa ou complementar aos exames de acesso aos cursos profissionalizantes, ps-mdios e Educao Superior; IV - possibilitar a participao e criar condies de acesso a programas governamentais;V - promover a certificao de jovens e adultos no nvel de concluso do ensino mdio nos termos do artigo 38, 1o- e 2o- da Lei no- 9.394/96 - Lei das Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB); VI - promover avaliao do desempenho acadmico das escolas de ensino mdio, de forma que cada unidade escolar receba o resultado global; VII - promover avaliao do desempenho acadmico dos estudantes ingressantes nas Instituies de Educao Superior. (BRASIL, PORTARIA INEP N0.109 de 27 de maio de 2009, grifos meus. )
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Art. 2 Os resultados do ENEM possibilitam:I - a constituio de parmetros para auto-avaliao do participante, com vistas continuidade de sua formao e sua insero no mercado de trabalho; II - a certificao no nvel de concluso do ensino mdio, pelo sistema estadual e federal de ensino, de acordo com a legislao vigente; III - a criao de referncia nacional para o aperfeioamento dos currculos do ensino mdio; IV - o estabelecimento de critrios de participao e acesso do examinando a programas governamentais; V - a sua utilizao como mecanismo nico, alternativo ou complementar aos exames de acesso Educao Superior ou processos de seleo nos diferentes setores do mundo do trabalho; VI - o desenvolvimento de estudos e indicadores sobre a educao brasileira. (BRASIL, Portaria MEC no. 807, 18 de junho de 2010.)
Em primeiro lugar, afirmo que retomarei esses dois documentos na prxima
seo, a fim de tratar dos sentidos em torno da reestruturao do ENEM, na Gesto
Lula. Por hora, chamo ateno dos incisos que afirmam a finalidade do ENEM para
sinalizar a disputa por significaes entre projetos divergentes e convergentes na
definio (ou na deciso de hegemonizar) das finalidades desta poltica educacional.
Chamo ateno, ainda, para o fato de que a primeira Portaria autorizada pelo
Presidente do INEP, enquanto a segunda trata da legitimidade do prprio Gabinete do
Ministro. Tal hierarquia para definir o Exame um exemplo potente da dimenso da
importncia recebida pelo Exame, especialmente nas suas ltimas edies (como irei
desenvolver mais frente). A extenso da cadeia de equivalncia para garantir a
consolidao do exame ilustrada pela amplitude de suas finalidades (o que tambm
tratarei mais adiante). Aqui pretendo destacar um entendimento dos significantes que
procuram preencher o sentido de rendimento escolar como prtica articulatria
suturada no sentido de desempenho do aluno e desempenho acadmico.
Nas anlises dos documentos citados, possvel inferir indcios da estabilidade
do significante avaliao, tendo o destino de sentido no desempenho do aluno. As
recentes Portarias do INEP e MEC (nos. 109 e 807, respectivamente, j na gesto Lula,
fortalecendo o ENEM como poltica de escala) so textos lidos aqui como os que
estabilizam o significante avaliao, envolvendo distintas reivindicaes. Isso permite
perceber que, na nossa anlise dos documentos, h uma continuidade entre avaliao e
exame, por assegurar o destinto de sentidos que tecem metonimicamente a
autoavaliao ao diagnstico do sistema, ainda que essa relao para alguns (como
Freitas, 2011) seja irreconcilivel. O significante acadmico, por exemplo,
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hegemoniza o sentido de qualificar ou suturar o sentido de rendimento escolar que
preenche o significante avaliao e d legitimidade aos grupos e sujeitos que
valorizam a formao cientfica na etapa de concluso da educao bsica.
Essa anlise anuncia a articulao poltica presente na mudana do ENEM, o
fortalecendo como instrumento de acesso s instituies de Ensino Superior. Mesmo
que tal atribuio do ENEM j fosse anunciada, no texto poltico de 1998, somente a
partir da gesto Lula, quando da implementao das Portarias, houve/h condio para
tal articulao poltica. Isso evidencia a ampliao da cadeia de equivalncia em torno
das demandas do ENEM como resultado de condies polticas para atender aos
interesses das Instituies de Ensino Superior. Interpreto que o discurso hegemnico
est na articulao poltica que demandou o sentido acadmico para suplementar o
rendimento escolar.
Com essa interpretao dos suplementos que fixam sentido em torno do
significante avaliao, explorei, aqui, textos das polticas educacionais que
hegemonizam o desempenho acadmico como destino de sentido de avaliao, um
suplemento hegemnico do significante rendimento escolar. Isso porque, se na LDB
9394/96 evidente a articulao poltica (leia-se cadeia discursiva) que fixa a avaliao
nacional, possvel afirmar que, somente nas Portarias do INEP e do MEC
(especialmente nas de nos 109 e 807), h lutas polticas para fixar o suplemento de
rendimento escolar, via o desempenho acadmico.
Entendo que o suplemento do rendimento escolar suturado nas finalidades do
ENEM qualifica, sobretudo, projetos em torno da organizao curricular do ensino
mdio, porque hegemoniza a metonmia do desempenho do aluno como desempenho
acadmico. Em suma, como vimos, nas referidas Portarias, comunidades epistmicas
tm a sua demanda atendida, quando o rendimento escolar significado pelo
desempenho acadmico. Essa interpretao, inclusive, retrata a afirmao do ex-
Presidente do INEP que inicia esta seo.
Com esse argumento, pretendi refletir como as reivindicaes de grupos
polticos em torno das polticas educacionais hegemonizam o discurso da avaliao.
Percebo que, nas Portarias INEP E MEC nos. 109 e 807, respectivamente, h lutas que
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hegemonizam o sentido de rendimento escolar para atenderem as distintas
reivindicaes que tornam possvel uma cadeia de equivalncia ao redor da avaliao,
ou seja, na luta para estabelecer a avaliao como poltica organizadora de outras
polticas educacionais, h outras lutas em torno da significao do que venha a ser
rendimento escolar.
Considerando a argumentao aqui desenvolvida, pretendo, na prxima seo,
explorar os sentidos de reformulao do ENEM que fundam as Portarias citadas, a
partir de 2009. Essa anlise me ser til para interpretar e tambm inventariar os
sentidos da Matriz e, com base nesta reflexo, buscarei discutir os sentidos de
saberes geogrficos fixados no Exame, tema a ser explorado nos prximos captulos.
2.3. NOTAS SOBRE O DISCURSO HEGEMNICO DA REFORMULAO DO ENEM, A
PARTIR DE 2009.
O Ministrio da Educao apresentou uma proposta de reformulao do Exame Nacional do Ensino Mdio (Enem) e sua utilizao como forma de seleo unificada nos processos seletivos das universidades pblicas federais. A proposta tem como principais objetivos democratizar as oportunidades de acesso s vagas federais de ensino superior, possibilitar a mobilidade acadmica e induzir a reestruturao dos currculos do ensino mdio. (PORTAL DO INEP, ACESSO abril/2009, grifos nossos)
O fragmento transcrito, retirado do portal do INEP, flagra interessantes
demandas que permitem a articulao discursiva do que seria a reestruturao do
exame. Suturada em outros documentos do ENEM que antecedem a dita
reestruturao, chamo a ateno para a demanda de induzir a reestruturao dos
currculos do ensino mdio. Nas anlises das recentes polticas pblicas educacionais
brasileiras, o estreito vnculo entre o exame com o currculo do Ensino Mdio fora
tratado por outros autores (destaco Freitas, 2011 e Lopes e Lpez, 2010) e tem
atravessado esta investigao, mas, especificamente nesta seo, me preocupo com as
prticas articulatrias de significao ocupadas com a hegemonizao em volta do
sentido de desempenho acadmico na reformulao do exame.
Para argumentar sobre articulao em torno dessa demanda, selecionei os
seguintes documentos: Proposta Associao Nacional dos Dirigentes das
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Instituies Federais de Ensino Superior (da Assessoria de Imprensa do MEC), as
notas pblicas do Comit de Governana do ENEM 2009, alm do edital convocando
s IPFES para participarem do BNI, em 2011, as novas DCNEM, publicada em 2012
com artigo especfico dedicado ao ENEM e nota pblica da nova gesto do INEP,
divulgada pelo portal eletrnico da instituio. No que diz respeito seleo desses
documentos, usei banco de notcias do Portal MEC e do Portal do INEP, com recorte
temporal de 2009 a 2012, perodo em que se intensifica a denominada re-estruturao.
A seleo dos documentos acima listados decorreu dessa investida em funo da
publicidade das notcias produzidas pela Assessoria de Imprensa do MEC e do INEP.
Como possvel observar, todos os documentos listados so pblicos e ficam
disponveis no Portal do INEP e no Portal MEC.
O meu interesse por tais documentos responde necessidade de refletir sobre as
condies polticas para organizao e seleo dos saberes a serem validados e
exigidos pelo exame, a partir dos projetos de reform-lo em 2009. Uma preocupao
que justifica, pois, a comparao entre as superfcies textuais das matrizes do ENEM,
exerccio de interpretao que ocorrer na prxima seo. Para ordenar a interpretao
dos documentos, optei por sinalizar indcios daqueles norteados ou dirigidos ou pela
ANDIFEs (Associao Nacional dos Dirigentes das Instituies Federais de Ensino
Superior) e aquele de adeso do CONSED (Conselho Nacional das Secretarias de
Estado de Educao) ao comit de Governana do novo Enem 2009.
Neste exerccio, para discutir a reforma do ENEM, a partir de 2009, comeo
pela nota da ACS (Assessoria de Comunicao Social do Ministrio da Educao)
ANDIFES, denominada de Proposta Associao Nacional dos Dirigentes das
Instituies Federais de Ensino Superior. A seguir, selecionei trechos destacados,
para problematizar o discurso da reestruturao dos currculos, considerando a
modalidade e estratgias de convocao da Instituio de Ensino Superior para adeso
ao Enem.
Parte-se aqui, portanto, do reconhecimento da necessidade, importncia e legitimidade do vestibular. O que se quer discutir so os potenciais ganhos de um processo unificado de seleo, e a possibilidade concreta de que essa nova prova nica acene para a reestruturao de currculos no ensino mdio. [...](Proposta
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Associao Nacional dos Dirigentes das Instituies Federais de Ensino Superior, da Assessoria de Imprensa do MEC, grifos meus)
[...] Da mesma forma, a influncia dos vestibulares tradicionais nos contedos ministrados no ensino mdio tambm deve ser objeto de reflexo. [...] (Proposta Associao Nacional dos Dirigentes das Instituies Federais de Ensino Superior, da Assessoria de Imprensa do MEC, grifos meus)
Um exame nacional unificado, desenvolvido com base numa concepo de prova focada em habilidades e contedos mais relevantes, passaria a ser importante instrumento de poltica educacional, na medida em que sinalizaria concretamente para o ensino mdio orientaes curriculares expressas de modo claro, intencional e articulado para cada rea de conhecimento.[...] (Proposta Associao Nacional dos Dirigentes das Instituies Federais de Ensino Superior, da Assessoria de Imprensa do MEC, grifos meus)
A alternativa descentralizao dos processos seria, ento, a unificao da seleo s vagas das IFES por meio de uma nica prova. A racionalizao da disputa por essas vagas, de forma a democratizar a participao nos processos de seleo para vagas em diferentes regies do pas, uma responsabilidade social tanto do Ministrio da Educao quanto das instituies de ensino superior, em especial as IFES. (Proposta Associao Nacional dos Dirigentes das Instituies Federais de Ensino Superior, da Assessoria de Imprensa do MEC, grifos meus)
Destaquei os trechos que sinalizam suturas, isto , fundamentos contingentes
que valorizam a mudana do ENEM, bem como da prpria estrutura da prova. Importa
observar, por exemplo, que a nota da Assessoria de Comunicao no prope (ou evita)
o debate sobre o acesso Instituio de Ensino Superior via avaliao do desempenho
do aluno por meio da prova, uma afirmativa, alis, percebida nesses textos como
pressuposto. Analisando o documento, com o suporte da teoria poltica, possvel
identificar ainda a emergncia do antagnico (que seria o prprio vestibular
tradicional) para ampliar a cadeia de equivalncia em torno do ENEM: Outra
caracterstica do vestibular tradicional, ainda que involuntria, a maneira como ele
acaba por orientar o currculo do ensino mdio (op.cit.).
Aqui se nota, nesses trechos, que h articulao hegemnica da promoo do
ENEM como catalizador de mudanas curriculares e que (paradoxalmente) denuncia o
vestibular tradicional pela mesma racionalidade: a de orientar o currculo do ensino
mdio. Outro elemento que denota o paradoxo para suturar o sentido de ENEM a
articulao hbrida necessariamente acionada para descrever a organizao dos saberes
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selecionados na prova focada em habilidades e contedos mais relevantes. Nessa
afirmativa, h hibridao entre projetos distintos (no necessariamente divergentes) de
organizar e de selecionar os saberes vlidos a serem cobrados pela prova. Tal
argumento ser necessariamente retomado para a nossa discusso sobre as Matrizes do
ENEM.
Os argumentos tecidos nesta seo operam com a suspeita de que a
reformulao do ENEM depende de estratgias polticas de torn-lo uma reivindicao
popular. Logo, cabe brevemente expor a definio de demanda popular,
desenvolvida por Laclau em seu livro La Razn Populista (2009). Segundo sua
teoria, em qualquer configurao poltica, as demandas comeam sempre isoladas, e a
construo equivalencial, necessria e dependente do exterior que as constituem,
permite a estabilidade de uma subjetividade popular, entendida por ele como demanda
popular (2009:97). Em suma, o autor projeta um enfoque alternativo, uma reviso e
ressignificao do populismo que, segundo suas palavras, um modo de construir o
poltico (2009:11, traduo livre).
Com efeito, o ato de transformar o ENEM em demanda popular se d na
reivindicao de democratizar54 o acesso ao ensino superior, via um sistema
unificado de exame e distribuio de vagas, vivel somente pela adeso universal do
Exame. Nos trechos acima, possvel interpretar o discurso da universalizao do
ENEM como forma de acesso s IES, o que contribui para a sua metamorfose em
demanda popular, flagrada na seguinte afirmativa: democratizar a participao nos
processos de seleo para vagas em diferentes regies do pas. A seguir, destaco
ainda outro fragmento que testemunha a ampliao da cadeia de equivalncia em torno
do novo ENEM, articulando discursos como incluso, protagonismo, autonomia,
por exemplo, e favorecendo, ento, a diluio entre e de certas fronteiras polticas para
garanti-lo como demanda popular.
A nova prova do ENEM traria a possibilidade concreta do estabelecimento de uma relao positiva entre o ensino mdio e o ensino superior, por meio de um debate focado nas diretrizes da prova. Nesse contexto, a proposta do Ministrio da Educao um chamamento. Um chamamento s IFES para que assumam necessrio papel, como entidades autnomas, de protagonistas no processo de repensar o ensino mdio, discutindo a relao entre contedos exigidos
54No confundir com demanda democrtica que, para Laclau (Idem), a reivindicao particular,isolada, que aspira ser universal, ser popular. Nesse caso, esclareo que identifico o processo de converso do ENEM em demanda popular como a estratgia poltica organizada em torno do significante privilegiado que seria a democratizao do Ensino Superior.
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para ingresso na educao superior e habilidades que seriam fundamentais, tanto para o desempenho acadmico futuro, quanto para a formao humana. (Proposta Associao Nacional dos Dirigentes das Instituies Federais de Ensino Superior, da Assessoria de Imprensa do MEC, grifos meus)
(...)Aliar a capacidade tcnica do INEP, no que diz respeito tecnologia educacional para desenvolvimento de exames, excelncia acadmico-cientfica das IFES, de suma importncia nesse momento. Trata-se no apenas de agregar funcionalidade a um exame que j se consolidou no Pas, mas da oportunidade histrica para exercer um protagonismo na busca pela re-significao do ensino mdio. (Proposta Associao Nacional dos Dirigentes das Instituies Federais de Ensino Superior, da Assessoria de Imprensa do MEC, grifos meus)
possvel interpretar ainda nesses trechos, em especial no significante
chamamento, uma condio de modalidade, uma convocao que procura a
hegemonizao do discurso do desempenho acadmico como estratgia de significao
do ENEM. possvel notar, por exemplo, a importncia do atendimento s demandas
das IES para seguir com o debate focado nas diretrizes da prova, por portarem, claro,
a excelncia acadmico-cientfica. Vejo nos chamamentos a extenso da cadeia de
equivalncia, hegemonizando a re-significao do ensino mdio a partir da
universalizao do Exame, por meio da unificao do acesso s IPFES.
No decorrer dessas exploraes das superfcies textuais, procuro indcios dessa
ampliao da cadeia de equivalncia de demandas para garantir a re-estruturao do
ENEM, tarefa que nos leva, tambm, aos documentos do Comit de Governana do
ENEM, institudo com a finalidade de legitimar o Exame em escala nacional. Agora,
destaco flagrantes discursivos da nota pblica CONSED (Conselho Nacional das
Secretarias de Estado de Educao) e que dizem respeito relevncia dessa entidade e
de seu compromisso em relao ao projeto de universalizao, ou melhor, de converso
do ENEM em demanda popular. Convm ilustrar inicialmente o poder de representao
do apoio dessa entidade reforma do ENEM, inclusive sua repercusso nos rgos de
imprensa oficial do governo federal.
O CONSED entende que o novo formato da prova permitir a reestruturao do ensino mdio e que, com isso, o currculo dessa etapa do ensino passar a orientar os processos seletivos de acesso educao superior, no o contrrio, como ocorre hoje. (PORTAL MEC, 13 DE MAIO DE 2009, grifos meus)
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O ingresso do CONSED no comit, segundo o ministro, o ponto de partida para o incio da reforma do currculo do ensino mdio com vistas ao novo Enem e s expectativas das universidades. O ministro tambm destacou o crescimento do nmero de universidades que esto adotando o exame como nota nica de ingresso. Mesmo as instituies que no participaro este ano, diz, certamente se integraro em 2010.55 (PORTAL MEC, 13 DE MAIO DE 2009, grifos meus)
O Comit de Governana do novo ENEM, pelas representaes do CONSED e do MEC reunidas em 14 de maio de 2009, aprovou os seguintes princpios:1. Que o novo ENEM, no formato proposto pelo MEC/INEP, importante instrumento de reestruturao do Ensino Mdio;2. Que, em funo disso, deve-se vislumbrar a possibilidade de universalizao da aplicao do Exame aos concluintes do Ensino Mdio em futuro prximo;3. Que a edio de 2009 deve se fundamentar na atual organizao do Ensino Mdio e nos seus exames - ENEM e Exame Nacional de Certificao de Competncias de Jovens e Adultos (ENCCEJA), respeitando-se o itinerrio formativo dos estudantes matriculados no Ensino Mdio. (Nota pblica do Comit de Governana do novo ENEM, grifos nossos).
Nesses trechos dos documentos, particularmente da nota pblica, possvel
refletir que, com a representatividade do CONSED, o Comit de Governana do novo
ENEM favorece a publicidade e o fortalecimento do Exame, ao contar com o apoio
daquela entidade representativa da gesto pblica dos Estados brasileiros. A partir do
dilogo com a leitura poltica laclauniana (especialmente com a discusso de demanda
presente em Razn populista, 2009), me arrisco a afirmar que o Comit de Governana
procurou (e procura) transformar o ENEM em uma demanda popular, nestas
articulaes polticas. Essa interpretao da nota composta pelo poder e pela
representatividade do CONSED aponta a construo da cadeia de equivalncia
necessria para sustentar o novo ENEM. Para ilustrar o argumento, sublinho o ponto 2
da Nota pblica: deve-se vislumbrar a possibilidade de universalizao da aplicao
do Exame aos concluintes do Ensino Mdio em futuro prximo.
As notas pblicas do COMIT DE GOVERNAA DO NOVO ENEM (que
apresentam a MATRIZ DE REFERENCIA DO ENEM, no portal do INEP56) podem
ser percebidas como um importante flagrante das disputas pela definio da
organizao curricular da Matriz de Referncia. Ficam evidentes as disputas para 55 Disponvel em: portal.mec.gov.br (acesso: maio de 2009).
56Disponvel em: http://portal.inep.gov.br/web/enem/sobre-o-enem
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definir a forma de distribuir os contedos: entre uma proposta visando a um projeto de
integrao via competncia e uma proposta de valorizao disciplinar. De fato, os
trechos acima testemunham a estreita relao entre ENEM e Ensino Mdio, por
exemplo, com a afirmao de que o formato do novo ENEM tenha simultaneamente o
compromisso de reestruturar o Ensino Mdio e de refletir a organizao curricular em
vigor nas federaes.
Interessante notar, ainda, a composio do Comit de Governana do Novo
Enem, que fora responsvel pelas alteraes do modelo e das finalidades do Exame. As
entidades representadas e citadas nos primeiros documentos so: MEC, INEP E
ANDIFES e CONSED. A nota justifica a mudana do Novo Enem resultando em Nova
matriz de referncia, consubstanciada pelos objetos de conhecimento a ela associada.
Outrossim, a composio atual do Comit denota o esforo poltico em estend-lo, o
que, no nosso ver, sublinha mais uma vez a percepo de que o novo ENEM atualiza
seu projeto de converso em demanda popular, j aspirado desde sua configurao
original, em 1998. Para tanto, convm neste momento, reproduzir nota pblica do
INEP, que comunica a atual composio do Comit de Governana do ENEM.
Tendo em conta a importncia de que se reveste o Exame para a melhoria da qualidade do ensino mdio e para a democratizao das oportunidades de acesso educao superior, o INEP entende que imprescindvel manter o dilogo profcuo com as principais instituies representativas da educao no Pas, visando ao seu aperfeioamento constante.Assim, em abril de 2012, o Comit de Governana do ENEM foi novamente institudo, de forma ampliada, contando com a representao das seguintes instituies:Secretaria de Educao Bsica SEB/MEC Secretaria de Educao Tecnolgica SETEC/MEC Secretaria de Educao Superior SESU/MEC Conselho Nacional de Secretrios de Educao CONSED Unio Nacional de Dirigentes Municipais de Educao UNDIME Conselho Nacional das Instituies da Rede Federal de Educao
Profissional, Cientfica e Tecnolgica CONIF Associao Nacional de Dirigentes das Instituies Federais de
Educao Superior ANDIFES Associao Brasileira dos Reitores das Universidades Estaduais e
Municipais ABRUEM (Extrado do Portal do INEP, ACESSO SETEMBRO DE 2012).
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Como anunciado anteriormente, o fragmento acima expe a vontade politica em
torno do ENEM, como projeto universal para remodelao do Ensino Mdio. Ademais,
seria possvel seguir nesta seo com evidncias empricas que expem tal proposio,
contudo, procuro somente apresentar, ainda que brevemente, um painel atual da
configurao do ENEM que repercute decisivamente na estruturao da prova. a
partir de 2009 que o Exame estruturado em uma redao e, como denominadas pelo
edital, as quatro reas do conhecimento (Cincias Humanas e suas Tecnologias, da
Natureza e suas tecnologias, Matemtica e linguagens), distribudas em duas provas a
serem realizadas em dias consecutivos.
Convm, todavia, sublinhar recentes documentos que portam reivindicaes
que vo na direo do fortalecimento da universalidade do ENEM, especialmente,
quando se trata do debate de incorpor-lo ao Sistema De Avaliao da Educao
Bsica (SAEB), previsto na nova resoluo das DCNEM (CNE/CEB, 2012). Nesse
documento, h artigo especfico que define as atribuies do Exame, o legitimando em
seu carter censitrio e obrigatrio.
Art. 21. O Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM) deve, progressivamente, compor o Sistema de Avaliao da Educao Bsica (SAEB), assumindo as funes de:I - avaliao sistmica, que tem como objetivo subsidiar as polticas pblicas para a Educao Bsica; II - avaliao certificadora, que proporciona queles que esto fora da escola aferir seus conhecimentos construdos em processo de escolarizao, assim como os conhecimentos tcitos adquiridos ao longo da vida;III - avaliao classificatria, que contribui para o acesso democrtico Educao Superior. (CNE/ CEB, Resoluo 2/2012)
A superfcie textual acima, no meu ver, condensa a universalidade do ENEM a
partir do ato de nome-lo como avaliao sistmica, certificadora e classificatria,
autorizando, ento, a converso do Exame como vnculo obrigatrio para concluso da
Educao Bsica. A respeito dessa afirmao, convm retomar seo anterior, quando
pude esclarecer que, nas superfcies textuais em torno da definio do ENEM, havia
uma continuidade entre avaliao e exame. Por essa razo, entendo que o fragmento
acima expe esta operao significativa. Interessante notar que, no obstante
proposio do ENEM nas DCNEM, segue o debate a respeito da incorporao do
ENEM ao SAEB, que para alguns estudiosos implicaria na mudana metodolgica do
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Sistema. Isto significa que o SAEB, sendo composto por srie histrica com
abordagem amostral, ao incorporar o ENEM, passaria a adotar carter censitrio. Alm
disso, o ENEM, em sua configurao atual, envolve reas do conhecimento que no
seriam variveis para anlise do Sistema, como o caso das Cincias Humanas e suas
Tecnologias. Por fim, a incorporao do ENEM ao SAEB encarna primordialmente a
discusso sobre o Exame como relao de vnculo entre a Educao Bsica e o projeto
de democratizao do Ensino Superior, tendo, o organismo federal, a atribuio de
garantir a culminncia dessa etapa da escolarizao. Tais fatos levaram o INEP
mdia impressa57, para prestar esclarecimentos a respeito das futuras atribuies do
Exame, conforme se verifica, tambm, em seu portal:
O bom debate trazido pelas reflexes propostas uma tima oportunidade para se discutir e apresentar solues para os grandes desafios que temos na educao brasileira, especialmente no ensino mdio. Por essa razo o ministro solicitou, sem aodamento, estudos tcnicos adequados para posterior debate, escrutnio e dilogo com especialistas e a sociedade. Com o bom debate ganhamos todos, com a polmica perde o Brasil. (Luiz Cladio Costa, atual presidente do INEP, 2012)
Esse fragmento, assim como os outros apresentados, neste captulo expe os
conflitos em torno da definio do ENEM o que, de certo, favorece a leitura poltica
sobre o Exame. Com esse fim, tratei aqui brevemente das superfcies textuais que
tencionam converter o Exame em demanda popular e tal anlise est estreitamente
atrelada discusso sobre os saberes validados pelo Exame, especialmente geogrficos,
objeto deste estudo. Por isso, o exerccio desta seo prepara nossa argumentao a
respeito de outras superfcies textuais que comunicam os validados e encarnam o
vnculo com Exame as Matrizes, que estaro no cerne da prxima reflexo.
2.4 DA MATRIZ DE COMPETNCIA MATRIZ DE REFERNCIA: DILEMAS EM TORNO
DA ORGANIZAO CURRICULAR.
Informamos que as provas aplicadas no decnio 1998/2008 foram estruturadas a partir de uma matriz de 21 habilidades, em que cada uma delas era avaliada por trs questes. Assim, a parte objetiva das provas at 2008 era composta por 63 itens interdisciplinares aplicados em um caderno. A partir de 2009 as provas objetivas esto estruturadas em quatro matrizes, uma para cada rea de
57Refiro-me ao artigo A metodologia de avaliao da educao de autoria do atual presidente do INEP publicado no jornal Folha de So Paulo, em 13 de setembro de 2012. Disponvel em: http://portal.inep.gov.br/c/ournal/view_article_contentgroupId=10157&articleId=100084&version=1.4 . Acesso em: fevereiro, 2013.
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conhecimento. Cada uma das quatro reas composta por 45 questes. Cada um dos cadernos, na nova edio do exame [2009], composta por 2 reas de conhecimento. (Portal INEP, acesso setembro, 2011, grifos meus)
A citao acima expe a centralidade do discurso da reestruturao ENEM a
partir da reviso da organizao do prprio exame. Retirada do Portal do INEP, ela
apresenta as mudanas estruturais da prova, a partir de 2009. Interessa-me, aqui,
explorar essas mudanas, considerando suas caractersticas polticas e os projetos
disputados no que diz respeito organizao curricular. Em resumo, nesta seo, tenho
interesse em refletir sobre os sentidos de Matriz do ENEM, desde a sua criao em
1998. Portanto, estarei focada em dois documentos: a Portaria MEC NO. 438/1998,
cujo segundo artigo apresenta lista de competncias e habilidades; e a Portaria INEP
no. 109/2009, que nomeia a Matriz como de Referncia, enumerando reas de
conhecimentos, competncias, habilidades e objetos de conhecimento.
Nos limites desse exerccio, proponho sublinhar algumas interpretaes das
caractersticas desse documento curricular que torna pblica a seleo de saberes
validados e exigidos pelo ENEM. Considero essa anlise necessria para seguir
explorando a discusso mais especfica sobre os saberes geogrficos no ENEM. Como
j fora dito, somente para fins de redao das interpretaes, seguirei a ordem
cronolgica de publicao dos documentos, portanto, comeo pela discusso do artigo
2, da Portaria MEC no. 438/1998 que institui o ENEM e apresenta os contedos a
serem cobrados na prova.
Artigo 2 - O ENEM, que se constituir de uma prova de mltipla escolha e uma redao, avaliar as competncias e as habilidades desenvolvidas pelos examinados ao longo do ensino fundamental e mdio, imprescindveis vida acadmica, ao mundo do trabalho e ao exerccio da cidadania, tendo como base a matriz de competncias especialmente definida para o exame.
(Portaria MEC no. 438/1998, grifos meus)
Chamo ateno para o fato de que, j na referida Portaria, mais particularmente
nesse artigo, so listadas as competncias e habilidades, alm de ser destacada a
estrutura da prova: mltipla escolha com redao. valido sublinhar, tambm, que, no
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mesmo artigo, justificada a prova, isto , suas finalidades so reiteradas. Com esse
argumento, considero importante o exerccio de comparao entre distintas superfcies
textuais para interpretar como so disputadas e suturadas as formas de organizar essa
mesma seleo. Ao longo da Portaria citada, o projeto da competncia pode ser
percebido como discurso hegemnico que organizaria a seleo de saberes. Com isso,
afirmo que, na Portaria MEC no. 438/1998, a opo poltica pelo projeto de
competncia resultou naquela seleo dos saberes nomeados como habilidades e vistos,
aqui, como operao metonmica. Com base na teoria do discurso, ento, interpreto a
superfcie textual destacada como aquela estruturada pela operao metonmica, em
que se encadeia a seleo de contedos com a da habilidades. Em resumo, a seleo
no deixa de tratar dos contedos, mas, na articulao poltica, a condio de fundar a
seleo se faz pela afirmao das habilidades, como ilustro no fragmento abaixo:
IV dada uma situao-problema, apresentada em uma linguagem de determinada rea de conhecimento, relacion-la com sua formulao em outras linguagens ou vice-versa; V a partir da leitura de textos literrios consagrados e de informaes sobre concepes artsticas, estabelecer relaes entre eles e seu contexto histrico, social, poltico ou cultural, inferindo as escolhas dos temas, gneros discursivos e recursos expressivos dos autores; VI com base em um texto, analisar as funes da linguagem, identificar marcas de variantes lingusticas de natureza sociocultural, regional, de registro ou de estilo, e explorar as relaes entre as linguagens coloquial e formal (Op. Cit.)
Nesta seo, destaco novamente que tema ou contedo no seriam
significantes excludos da metonmia para afirmar a seleo curricular do ENEM,
porm, eles convivem com a dimenso saber-fazer das competncias, como atestam
as marcas textuais dos verbos analisar, relacionar e explorar. Isso porque
percebo, nessa condio poltica, uma prtica ambgua de condenao e de afirmao
dos projetos de ensinar e aprender contedos no Ensino Mdio. Ou melhor, os
contedos podem ser tomados como um corte antagnico e, quando qualificados como
tradicionais e obsoletos, servem para suturar o projeto de competncia. Nessa mesma
condio poltica de significao da Matriz de 1998, em que esto atuantes prticas
articulatrias para a implementao de uma poltica de avaliao e que depende desse
corte antagnico, definido como discurso da prova tradicional e conteudista, h, pois,
uma operao metonmica que revitaliza os contedos como habilidades.
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Com os argumentos acima e considerando primordialmente o documento
original do ENEM, possvel perceber que a articulao hegemnica em torno da
organizao curricular por competncia sutura politicamente uma estruturao do
Exame fundamentada na situao-problema, para julgar as aprendizagens na concluso
da educao bsica. A concepo de conhecimento subjacente a essa matriz
pressupe colaborao, complementaridade e integrao entre os contedos das
diversas reas do conhecimento presentes nas propostas curriculares das escolas
brasileiras de ensino fundamental e mdio e considera que conhecer construir e
reconstruir significados continuamente, mediante o estabelecimento de relaes de
mltipla natureza, individuais e sociais. O ENEM, de acordo com o documento oficial,
busca verificar como o conhecimento assim construdo pode ser acionado e praticado
pelo participante por meio da demonstrao de sua autonomia de julgamento e de
ao, de atitudes, valores e procedimentos diante de situaes-problema que se
aproximem, o mximo possvel, das condies reais de convvio social e de trabalho
individual e coletivo. (BRASIL, MEC/INEP, Documento Bsico do ENEM, 2002,
grifos meus)
Tanto a Portaria de instituio do ENEM quanto outros documentos
referendados por ela (como o acima citado) anunciam decisivamente o seu exterior
constitutivo, como est evidente nesse fragmento. Nesse caso, ouso afirmar que uma
vez tendo sido hegemonizado no projeto do ENEM, o currculo por competncia,
principalmente nas primeiras edies, depende do discurso que chamo de conteudista
como seu corte antagnico, sua fronteira poltica para garantir a demanda particular
oferecida pela lgica das habilidades para seleo dos saberes validados. A estratgia
de afirmao da organizao por competncia depende do paradoxo de excluir do
sistema um sentido de contedo e simultaneamente o incorpora nas definies das
habilidades exigidas pelo exame.
Desse modo, se assumo o pressuposto de que a Matriz de Competncia seja
uma proposta oficial curricular, logo reconheo-a como resultado (ou uma deciso) da
seleo de saberes. Com essa considerao, posso desconfiar de que, nesse texto
curricular, h uma tentativa de universalizar o projeto de competncia para organizar os
currculos das sries finais da educao bsica. Considero essa primeira hiptese
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-
parcialmente apresentada, fruto da comparao entre as superfcies textuais em torno
de sentidos de matriz no ENEM.
Com base nessa hiptese, pretendo me dedicar s anlises da listagem de
competncias, tanto a publicada na Portaria MEC 438/1998, quanto na Portaria
INEP109/200958. Parece-me, ainda, que a lista das competncias permanece vigente
at a atual edio do exame (2012), mesmo aps a proposta de reformulao. O elenco
das competncias caracteriza precariamente a estruturao dos saberes validados nesses
documentos da Matriz (refiro-me, tanto da Competncia, j tratada neste texto,
quanto da Referncia, a ser aqui explorada), tampouco, como veremos, essa
permanncia seria uma evidencia das condies polticas estruturantes do Exame,
cujas prticas articulatrias pretendem se afastar do modelo conteudista,
discursivamente antagonizado, sem abandonar os contedos. Por essa razo me arrisco
em afirmar que, mesmo aps questionamentos nos documentos recentes do Exame, o
projeto da competncia aparece como sistema estruturante, ou melhor, um processo de
identificao da referida poltica de avaliao educacional.
Reconhecendo que os sentidos de Matriz podem ser compreendidos como
espinha dorsal do Exame, um argumento potente para essa reflexo, inspirada na teoria
poltica, considerar os projetos em suas contradies. Isso posto, acho oportuno
considerar uma breve interpretao da lista de competncias, nas superfcies textuais
da Matriz aqui selecionadas. Inicio com o pargrafo 1. Do artigo 2. Da Portaria 438.
1 - So as seguintes competncias a serem avaliadas: I dominar a norma culta da Lngua Portuguesa e fazer uso das linguagens matemtica, artstica e cientfica; II construir e aplicar conceitos das vrias reas do conhecimento para a compreenso de fenmenos naturais, de processos histrico-geogrficos, da produo tecnolgica e das manifestaes artsticas; III selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informaes representados de diferentes formas, para tomar decises e enfrentar situaes-problema; IV relacionar informaes, representadas em diferentes formas, e conhecimentos disponveis em situaes concretas, para construir argumentao consistente; V recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para elaborao de propostas de interveno solidria na realidade, respeitando os valores humanos e considerando a diversidade sciocultural. (BRASIL: Portaria MEC 438/1998)
58 Os anexos III e IV apresentam fragmentos destas Matrizes, com destaque para competncias e habilidades que se remetem identificao do saber geogrfico escolar.
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No trecho transcrito, possvel evidenciar o discurso da competncia
alimentando seu antagnico, ao nomear o ENEM uma prova que faz pensar, uma
prova que prepara o aluno para a vida (um discurso constituinte tambm nas
alteraes do ENEM, presentes na Portaria INEP no. 109/2009). Essa reflexo
suspeita ainda que o ENEM, especialmente na sua implementao em 1998, se deu no
bojo de outras reformas educacionais, cujos grupos envolvidos hegemonizam o
discurso da competncia. Por essa razo, parece-me que, na perspectiva laclauniana,
possvel sinalizar, nas linhas acima, uma estratgia de sustentar condies polticas
para hegemonizao do projeto das competncias. valido observar que, com o slogan
um ensaio para a vida, a reestruturao do ENEM em 2009 mantm as 5
competncias, entretanto, faz isso a partir de uma operao metonmica, decidindo
nome-las como eixos cognitivos, como ilustro a seguir:
EIXOS COGNITIVOS (comuns a todas as reas de conhe- cimento) I - Dominar linguagens (DL): dominar a norma culta da Lngua Portuguesa e fazer uso das linguagens matemtica, artstica e cientfica e das lnguas espanhola e inglesa. II - Compreender fenmenos (CF): construir e aplicar conceitos das vrias reas do conhecimento para a compreenso de fenmenos naturais, de processos histrico-geogrficos, da produo tecnolgica e das manifestaes artsticas. III - Enfrentar situaes-problema (SP): selecionar, organizar,relacionar, interpretar dados e informaes representados de diferentes formas, para tomar decises e enfrentar situaes-problema. IV - Construir argumentao (CA): relacionar informaes, representadas em diferentes formas, e conhecimentos disponveis em situaes concretas, para construir argumentao consistente. V - Elaborar propostas (EP): recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para elaborao de propostas de interveno solidria na realidade, respeitando os valores humanos e considerando a diversidade sociocultural. (Portaria INEP 109/2009)
Nota-se que, na Matriz vigente, nomeada agora como de Referncia, as
competncias so suturadas como eixos cognitivos, entretanto, possvel inferir que
h manuteno do discurso da competncia nessa operao metonmica, presente nos
trechos acima. Baseada nessa reflexo, sugiro a comparao entre os eixos cognitivos
destacados na Portaria 109 com o diagrama das matrizes de competncia,
hegemonizada nas edies de 1998 e 1999 desse Exame.
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Fonte: Relatrio ENEM 1999.59
Figura 2.1: Matriz de competncias/itens.
Essa comparao permite apresentar um indcio da convivncia de projetos de
organizao curricular na matriz de 2009 que est fixada especialmente na
reestruturao do Enem, tendo uma das resultantes a Portaria INEP 109/2009, que
percebida aqui como texto poltico que tem como fim a consolidao desta poltica
educacional. Conforme destaco no fragmento abaixo, tributrio da Portaria MEC
438/1998, o discurso da organizao disciplinar um projeto estruturante da Matriz de
Competncia. Isso evidencia a natureza contraditria dessa poltica de avaliao que,
na condio poltica de justificar quais seriam os validados para serem objetos de
exame, faz negociar projetos de organizao e distribuio de saberes. Entendo que
aqui emerge uma deciso curricular delineada pelos conflitos entre sentidos de
organizao dos saberes, como fica evidente em outro fragmento do Documento Bsico
de 2002.
A Matriz de Competncias pressupe, ainda, que a competncia de ler, compreender, interpretar e produzir textos, no sentido amplo do termo, no se desenvolve unicamente na aprendizagem da Lngua Portuguesa, mas em todas as reas e disciplinas que estruturam as atividades pedaggicas na escola. O participante deve, portanto, demonstrar, concomitantemente, possuir instrumental de comunicao e expresso adequado, tanto para a compreenso de um problema matemtico quanto para a descrio de um processo fsico, qumico ou biolgico e, mesmo, para a percepo das transformaes de espao/tempo da histria, da geografia e da literatura.
(INEP, Documento bsico, 2002)
59A Figura 2, extrada de documento do INEP (1999), ilustra uma relao entre a distribuio dos itens por Competncias e Habilidades. Observe que, de acordo com a argumentao desta pesquisa, as cinco competncias constituidoras da Matriz de 1998 permanecem na Portaria INEP 109/2009.
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Considerando essa caracterstica paradoxal do Exame, desde sua
implementao, proponho outra evidncia desse fato que, na minha opinio, poderia
ser tomada como uma substancial mudana na organizao da prova, aps 2009. Trato
aqui da distribuio dos itens em 4 reas do conhecimento. Em cada rea so elencadas
especificas competncias e habilidades. Ao final da matriz, h outra listagem de
contedos, apresentada ainda pela operao metonmica que os nomeia como
objetos de conhecimento. Para ilustrar essa reflexo, apresento fragmento extrado
tambm da Portaria INEP 109/2009:
4o- No nvel de Ensino Mdio a rea de conhecimento da Prova I - Linguagens, Cdigos e suas Tecnologias e Redao - compreende os seguintes componentes curriculares: Lngua Portuguesa, Lngua Estrangeira Moderna, Artes e Educao Fsica; a Prova III - Cincias Humanas e suas Tecnologias - compreende os seguintes componentes curriculares: Histria, Geografia, Filosofia e Sociologia; e a Prova IV - Cincias da Natureza e suas Tecnologias compreende os seguintes componentes curriculares: Qumica, Fsica e Biologia. (Portaria INEP 109/2009)
Para concluir provisoriamente esta seo, retomo a hiptese de que a estratgia
de transformar o ENEM em demanda popular depende da articulao entre o projeto de
organizao curricular por disciplinas e o projeto de currculo por competncias.
Conforme destaquei na anlise do artigo da Portaria INEP 109/2009, a Matriz de
Referncia organizada por rea, isto , obedece lgica disciplinar. Essa obedincia
ao discurso de uma prova que ensaia para a vida permitiu a fixao do projeto de
competncia, uma vez que cada rea apresentada por um dado conjunto de
competncias, seguido das respectivas habilidades. Cabe acrescentar, entretanto, que
esse formato convive com uma listagem de temas ou contedos denominados, neste
documento, objetos de conhecimento.
Para fins de comparao entre as superfcies textuais na construo da
argumentao da tese, enumerei certas habilidades que explicitam suturas de
significao da Geografia, ou seja, que destacam o vocabulrio geogrfico,
reconhecendo nelas o potencial de identificao (logo, suturas) de Geografia. No
Anexo III, enumerei as habilidades com alguma identificao de Geografia na Portaria
438, complementada pela Matriz de Competncia dos relatrios do ENEM das
primeiras edies. Repeti o mesmo exerccio com a Portaria INEP 109/2009, presentes
no Anexo IV.
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Ao comparar as duas superfcies textuais, fragmentos das matrizes de 1998 e de
2009 do ENEM, possvel interpretar que h continuidades e operao metonmica
entre habilidades e contedos. Essa uma interpretao tomada aqui como evidncia
para questionar o corte antagnico dado pelos sentidos em torno da chamada prova
conteudista. O ENEM, articulado como um ensaio para vida, uma prova que faz
pensar, no tradicional, busca nas matrizes comunicar os saberes autorizados no Ensino
Mdio, necessariamente com a operao metonmica das habilidades. De fato, o que se
destaca na Portaria de 2009, como a reformulao do ENEM a lista de contedos, o
programa. Ou melhor, a programao, a lista de temas ou contedos ao final da matriz,
pode ser percebida tambm como uma operao metonmica dos objetos de
conhecimento que resultante de um processo de significao que busca suturar uma
organizao curricular hbrida.
Da matriz de Competncia matriz de Referncia, h estratgias polticas para
estender a cadeia de equivalncia, acarretando a reestruturao do ENEM, expressando
claramente a inteno da universalidade, ou seja, de sua metamorfose em demanda
popular. Entendendo essa metamorfose como estratgia do poltico, julgo ser
interessante explorar brevemente o Relatrio do ENEM de 1999. Esse documento,
como se anuncia no ttulo, divulgou aes decorrentes da primeira edio da prova e
anunciou mudanas e iniciativas para aprimorar o Exame, ainda uma incipiente poltica
de avaliao nacional. Noto, no documento citado, estratgias para universalizar o
exame, bem como interpreto as condies polticas favorveis e desfavorveis para
cumprir esta finalidade de hegemonizar/popularizar o ENEM.
Outro ponto intrigante no Relatrio de 1999 a tabela das competncias e
habilidades, na estrutura do item da prova. Cada item deveria mobilizar 3 habilidades,
uma vez que a matriz organizada, no por coerncia ou coeso entre contedos, o
que caracteriza uma organizao estritamente disciplinar. Vale ressaltar que o
mencionado relatrio valorizou o carter mtrico da aprendizagem, destacando
intensamente a operao metodolgica das medidas padronizadas, garantidas pela
distribuio das habilidades por itens. Com o fim de ilustrar esse argumento, recupero
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o grfico 65 dos desempenhos dos estudantes por habilidades, tambm apresentado no
Relatrio de 1999.
Figura 2.2 - Posio hierrquica das habilidades em relao ao desempenho dos participantes
Fonte: Relatrio ENEM 1999.
Suspeito que essa crtica no possa ser estendida Matriz de Referncia,
quando opta por listar as habilidades e simultaneamente enumerar os objetos de
contedos. Outrossim, julgo que esse documento importante para o exerccio de
interpretao aqui proposto, por expor dados que apresentam a anlise do INEP sobre o
processo de implementao do ENEM e por constar, nesse mesmo relato, a reviso da
Matriz e suas implicaes no Ensino Mdio, como possvel de verificar no fragmento
abaixo.
Outro avano bastante significativo do Enem 1999 foi a realizao do 1 Seminrio Nacional, acontecido em Braslia, em outubro, durante o qual o INEP pde apresentar seu trabalho em toda a abrangncia de desafios que enfrentou para estruturar uma avaliao nos moldes do Enem. Foram apresentados os desafios polticos, os desafios terico-metodolgicos e os desafios tcnicos que devem ser enfrentados na elaborao de provas desta natureza. Nessa oportunidade, foram apresentados e discutidos os pressupostos da Matriz de Competncias e Habilidades e analisada sua adequao aos princpios norteadores da reforma do ensino mdio. (BRASIL, INEP. Relatrio Final do ENEM 1999, grifos meus)
Esse fragmento interessante, porque testemunha a busca pela ampliao da
cadeia de equivalncia em torno do ENEM como projeto educacional. Isso porque a
instituio responsvel pela implementao dessa poltica props I Seminrio
Nacional, ocasio em que foram discutidos e analisados os pressupostos da Matriz de
Competncias e Habilidades e suas implicaes para a reforma do Ensino Mdio.
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Minha interpretao desse fato sugere que reside aqui uma estratgia poltica de
consolidao desse projeto, ao ampliar o dilogo com outros atores sociais em especial
aqueles que iriam atuar na hegemonizao dessa demanda particular que o ENEM.
Isso fez com que se tornasse fundamental a discusso da Matriz de Competncias e
Habilidades, documento que selecionou os saberes a serem exigidos pela prova.
O Seminrio contou com a presena de professores universitrios, professores do ensino mdio e especialistas em avaliao. Sua repercusso foi muito positiva, o que motivou a Universidade Federal do Paran, por meio da Pr-Reitoria de Graduao, a reeditar o Seminrio Nacional em parceria com a Secretaria Estadual de Educao do Paran. O Seminrio do Paran aconteceu no princpio de novembro e mobilizou grande nmero de profissionais da educao desse Estado. A esta iniciativa, seguiram-se outras de igual importncia, seja a reedio do mesmo Seminrio em So Paulo, promovido pelo Conselho Estadual de Educao, no incio de dezembro, sejam as inmeras reunies tcnicas realizadas em instituies pblicas e privadas, de ensino superior, e com as equipes de secretarias estaduais de educao.(INEP, Relatrio Final do ENEM 1999)
Com a interpretao do documento destacado, concluo parcialmente que no
houve, naquela poca, condies polticas favorveis para transformar o ENEM em
demanda popular, quando considero que somente dois Estados (Paran e So Paulo) re-
editaram o citado Seminrio para mobilizar seus profissionais e garantir a discusso do
ENEM, naquelas redes educacionais. Tampouco, com a explorao emprica dos
documentos tratados nesta seo, posso afirmar que h estratgias de consolidar e rever
essa poltica que garantam atualmente o ENEM como demanda popular, a partir de
uma reformulao curricular hbrida.
Nessa reflexo, interpreto que a reviso do ENEM, em especial, as mudanas -
que resultaram na Portaria INEP 109/2009 e MEC 807/2010 - levam a entender a
ampliao da cadeia de equivalncia em torno do ENEM. Isso implica na produo do
texto da Matriz de Referncia, ao invs de manter o da Competncia, sendo ambos
textos curriculares paradoxais justamente em funo das articulaes polticas no
terreno de definio de projetos de organizar e distribuir os sentidos de mundo vlidos
a serem ensinados e aprendidos no Ensino Mdio Brasileiro.
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Ainda observo que articulaes sobre as habilidades, nos documentos que
tratam do ENEM podem ser percebidas como um movimento da lgica da equivalncia
para articular hegemonicamente (legitimar) o projeto que carrega a Matriz de
Referencia. Na minha opinio, o discurso da competncia, tanto exterior constitutivo
da matriz
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