apostila - policia comunitaria
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Polícia Comunitária
2012
CURSO ESPECIAL DE FORMAÇÃO DE CABOS
POLÍCIA COMUNITÁRIA AULA I
TEORIAS
Caro discente, nos dias atuais, cada vez mais as comunidades estão
exigindo dos Governos o atendimento de suas demandas e, numa escala
crescente, a segurança pública aparece como uma das necessidades maiores
dos cidadãos.
A denominação Polícia Comunitária , neste primeiro momento, é utilizada
como uma forma de ação dos organismos policiais, em que existe uma
preponderância da participação comunitária. O ramo especializado da
segurança pública, na maioria das vezes, variando de culturas e tradições, vem
adotando nomes diferenciados, como se verá mais adiante, mas o que
interessa são os fundamentos.
A integração da Comunidade com as atividades de policiar está baseada
em duas teorias básicas, mundialmente aceitas: teoria do patrocínio
normativo e teoria social crítica .
Conforme ensina Sower (1957):
“A Teoria de Patrocínio Normativo declara que a maioria
das pessoas é de boa índole e cooperará com outros, a fim de
satisfazer as necessidades deles, para facilitar a construção de um
consenso. Propõe que um esforço de comunidade só será
patrocinado se for normativo (dentro dos limites de padrões
estabelecidos) para que todas as pessoas e todos os grupos de
interesse se envolveram na solução dos problemas. Uma das
considerações principais,quando tenta-se iniciar o desenvolvimento
de comunidade é entender como dois ou mais grupos de interesse
podem ter convergência suficiente de interesse ou consenso em
metas comuns para provocarem a implementação.”
Assim, cada grupo que se envolve e se interessa pela implementação de
um programa, deve ser capaz de justificar e, conseqüentemente, legitimar a
meta do grupo comum dentro de seus próprios padrões de valores, normas, e
metas.
O mais comum é que correspondam aos valores, convicções, e metas de
todos os grupos participativos, já que será mais fácil para eles concordarem
com metas comuns. Porém, os grupos participativos não necessitam que se
tenha que justificar o envolvimento deles ou aceitação de uma meta de grupo
pela mesma razão.
Community Policing também é resultante da Teoria do Patrocínio
Normativo e ajuda a polícia e os cidadãos a ganharem uma compreensão das
causas dos problemas sociais e da situação problemática, ajudando,
consequentemente, os cidadãos a resolverem os próprios problemas.
A Teoria Social Crítica é definida por Fay (1984), como o centro da ciência
social, prática que inspira as pessoas para ficarem socialmente ativas para
corrigir os problemas (conflitos) socioeconômicos e as circunstâncias políticas
que eles poderiam ter, como retorno, para satisfação de suas necessidades.
Procura responder como e porque as pessoas se juntam para corrigir e superar
os seus obstáculos, inclusive para superar os políticos que os impedem de
satisfazer as suas demandas.
Fay discute três pontos principais - impulsionadores - da ciência social
crítica, identificados como: esclarecimento , poder e emancipação . Segundo
o autor:
“O esclarecimento educa as pessoas sobre o seu
particular problema, sobre a situação e a capacidade potencial para
mudar a situação, em ordem que satisfaça as necessidades de suas
demandas. Esclarecimento é alcançado por reflexão,discussão
(comunicação) e determinação das causas da condição social
problemática das comunidades e dos cidadãos.”
A visão de Aristóteles sobre política é pertinente com a vertente do
esclarecimento. Na teoria aristotelana, o processo pelo qual são tomadas as
decisões de política é enfatizado como de importância primária. Isto se refere
aos esforços deliberados das pessoas para a ordem e da direção de suas
atividades, estabelecer metas para as suas sociedades, implementar planos
para estas metas, e avaliar o realização destas metas.
O que é muito significante nesta forma de política é o envolvimento de
cidadãos, estabelecendo e administrando as leis da comunidade. Em outras
palavras, uma pessoa pode ser importante se ela participar das decisões que
se fazem nos assuntos que a afeta: este tipo de vida política revela às pessoas
o que eles são e quem os outros são.
Decisões políticas feitas por um grupo de peritos tecnicamente treinados
(autoridades policiais) são um enigma para o futuro e, de acordo com Fay
(1987), “..... as decisões políticas realizadas pelos técnicos perdem uma
importante e parte essencial da liberdade, e resulta freqüentemente na regra de
autocratas com as soluções corretas, nem sempre legitimadas pela
comunidade".
O poder é considerado por Fay (1987) como:
"... uma força prática que estimula umas pessoas para
entrarem em ação, o que é significante para melhorar as suas
condições sociais. As ações sociais levadas pelos cidadãos,
normalmente, produzem resultados positivos. Não é o perito que
decide a ação a ser levada a efeito e que melhore a qualidade de
vida dos outros. É o recebedor do serviço que faz a determinação”.
Traduzindo de uma forma mais simples, poder significa que as pessoas
precisam agir para melhorar as suas condições, não havendo lugar para
passividade.
Emancipação pode ser considerada como uma forma de liberação, que é
o resultado de ação social, ou seja, uma pessoa é emancipada pela reflexão e
pela própria ação social de uma situação opressiva, problemática, social. Como
um grupo, eles racionalmente e livremente determinam a direção das próprias
vidas, mudando e melhorando a situação.
Community Policing é baseado no esforço em comum dos cidadãos e da
polícia para resolverem os problemas de bairro, que em troca satisfazem as
necessidades expressadas de cidadãos e aumenta, nos residentes, a
qualidade de vida.
O papel do agente de polícia de comunidade é equivalente ao papel do
cientista social crítico: o facilitador e catalisador do problema e dos
encaminhamentos para a resolução dos mesmos. A comunidade que policia
(polícia e comunidade) ajuda os residentes, reunindo-os individualmente e em
grupos, esperando que as decisões sejam adotadas por consenso de ação.
As principais considerações da Community Policing são: o cidadão é
incentivado a definir os problemas que devem ser resolvidos; o envolvimento
do cidadão, planejando e implementando medidas de gerenciamento de
problemas, que resolvem as atividades; e cidadãos que determinam se as
necessidades de interesse pessoal podem ser resolvidas.
Portanto, pelos pensamentos alinhados acima, pode-se inferir que a
participação comunitária nas atividades de policiamento, é a Teoria Social
Crítica em ação e é baseada nas suposições de Teoria do Patrocínio
Normativo .
POLÍCIA COMUNITÁRIA AULA II
ORIGENS E CONCEITOS
Não podemos deixar de reconhecer que em qualquer programa
comunitário voltado para a segurança pública, a polícia tem papel de destaque.
Por esta razão - porém assinalando as limitações das soluções meramente
policiais para as questões da segurança - cumpre tecer considerações
específicas sobre o papel da polícia num programa de segurança comunitária.
Com persistente freqüência, as pessoas, particularmente as mais maduras
e idosas, reclamam da ausência do policial de quarteirão, do guarda da
esquina. As autoridades policiais saem-se com a explicação de que aqueles
tempos eram outros; que os núcleos populacionais existiam em menor
quantidade, que as cidades eram ainda regiões bucólicas, com pouco
movimento, poucos automóveis, poucas armas de fogo; que as pessoas
conheciam os vizinhos; que não havia as densidades demográficas dos
grandes centros brasileiros; que os bairros eram locais mais ou menos
organizados.
O tempo passa, e as mudanças radicais da sociedade afetam a vida das
comunidades. Aparecem os arranha-céus e os conjuntos habitacionais da
periferia. As cidades crescem de tamanho, horizontal e verticalmente, e viram
metrópoles. Os problemas sociais aumentam. A criminalidade e a violência
também.
As autoridades imaginam que a corrupção policial é resultado da
demasiada aproximação dos policiais com a população, e que o policiamento
motorizado, além de resolver esse problema, dará maior visibilidade à polícia,
possibilitando a cobertura de áreas maiores, levando segurança a um número
maior de pessoas, de forma imparcial. Doravante, cristaliza-se como dogma
policial a crença de que o policial não deve ter relacionamento pessoal com o
público.
Perseguindo esse objetivo, estabelece-se que o policial não deva
trabalhar por muito tempo no mesmo lugar para não se tornar moroso ou mal-
acostumado, e decide-se direcionar os serviços policiais para as emergências.
Quanto à prevenção, lá se vão os policiais passeando em seus carros,
constituindo-se mesmo num desaforo pretender que eles façam patrulhamento
a pé, em contato direto com o público. São idéias que fazem parte da ideologia
policial dos anos de 1960 e 1970, liderada e difundida pelos administradores
policiais dos Estados Unidos.
O decurso da história mostra que as autoridades não conseguiram frear
completamente a corrupção, nem tornar a polícia imparcial, nem dar maior
visibilidade, nem proporcionar maior segurança e tampouco diminuir o medo do
crime. Todavia, o que houve na prática, foi um isolamento da polícia com
relação a comunidade..
Ocorre que essas idéias tinham sido concebidas unilateralmente, sem que
a opinião dos destinatários dos serviços policiais fosse levada em conta. O
público buscou, e continua buscando o contato direto com o policial do seu
quarteirão, do seu bairro. As pessoas não querem depender do acaso para
terem contato com um uniforme ou um veículo policial qualquer. Elas
querem se dirigir ao cidadão-policial, alguém de carne e osso em quem
possam confiar. O que fazer?
Da mesma forma que as idéias da motorização da polícia e do isolamento
provieram dos Estados Unidos, pois de lá também que vêm as idéias do
relacionamento polícia/povo e da chamada polícia comunitária, ainda que a
gênese dessa forma de empregar a polícia se encontre alhures. A ênfase dada
aos Estados Unidos não desconhece as iniciativas originais e criativas tentadas
no Brasil, nem descarta totalmente eventuais influências de outros países.
Nos últimos anos, centenas de policiais brasileiros têm visitado, além dos
Estados Unidos, organizações policiais de vários países europeus, latino-
americanos, e do Japão, conhecendo seus métodos e técnicas e as formas de
relacionamento com a comunidade. Porém, impende reconhecer o peso
indisfarçável da influência dos Estados Unidos, seja pela ida de policiais
brasileiros, seja pela vinda de policiais daquele país, seja pela literatura
especializada no assunto.
Sem que se pretenda levantar a história recente da atividade policial no
mundo ocidental, talvez seja proveitoso fazer um ligeiro esforço histórico de
como essas idéias chegam aos Estados Unidos e se difundem por outros
países, inclusive o Brasil.
De há muito, as autoridades norte-americanas estavam aturdidas com o
fato de tudo aquilo que haviam imaginado com relação à impessoalidade do
policial e à utilização do automóvel não estivesse produzindo os resultados
esperados. Embora sem que se abrisse mão dos dogmas da ideologia
dominante, já na década de 1960, são desenvolvidos alguns projetos esparsos
que buscam contrabalançar os isolamento da polícia e promover a
reaproximação da mesma com o público.
As autoridades norte-americanas, já naquela época, não conseguiam
entender o fato de estarem investindo milhões e milhões de dólares na
contratação de mais e mais policiais, de mais e mais viaturas, armamento e
equipamento sofisticado e, ainda assim, não estarem conseguindo conter a
escalada da criminalidade e da violência. E muito pior, o desapreço da
população pela polícia, com a conseqüente falta de cooperação. O problema é
que não se pensava em mudar os métodos de atuação da polícia; insistia-se,
sim, em que a população fosse convencida a entender e aceitar tais métodos
como técnicos, necessários ao bem da coletividade e único meio de conter a
criminalidade e a violência.
O renomado professor Wilson (1978), cujo livro foi considerado o
referencial dos policiais norte-americanos, apresentava as atividades de
Relações Públicas dentro desta visão, ao problema de como melhorar as
relações do público com a polícia, e vice-versa.
São, conseqüentemente, despendidos grandes esforços de Relações
Públicas, com a produção de farto material sobre o assunto. Se era preciso
melhorar o relacionamento da polícia com a comunidade, bastava otimizar os
serviços de Relações Públicas. Se este objetivo não era alcançado, concluía-se
que não se tinha um bom programa de Relações Públicas. Difundia-se que
todos os policiais deveriam conhecer e praticar Relações Públicas no seu dia-
a-dia. Pensava-se em melhorar a imagem da polícia, bastariam boas ações de
Relações Públicas. Que se mudasse o uniforme. No fundo, pretendiam - e
ainda há quem pretenda - arranjar um rótulo bonito para o produto, ainda que o
produto fosse de péssima qualidade. Esta é o que chamam da era das
Relações Públicas.
Ao buscarem a incorporação de minorias e mulheres nos quadros da
polícia para facilitar a aproximação, não atentaram para a imperiosidade de
mudança dos métodos de trabalho. Brancos, negros, latinos, mulheres, todos
se transformaram num uniforme abstrato dentro de uma viatura abstrata.
Só se vai realmente tentar romper os grilhões da velha ideologia com
algumas iniciativas piloto de volta aos antigos padrões do policial de quarteirão,
da esquina, a pé, no final da década de 1960. A partir desse momento,
entrementes, haverá um novo complicador: a proliferação dos grandes edifícios
e dos conjuntos habitacionais das cidades. Eis que, dentre outras, surge a
tática conhecida nos Estados Unidos por team policing, que será vista mais
adiante.
O policiamento em comunidade deixou de ser uma expressão promissora
para se tornar um assunto da moda. Ainda, assim, persiste a confusão
precisamente a respeito do que venha a ser, efetivamente, o termo polícia
comunitária. Que definições estão sendo usadas pelos vários segmentos
policiais, quando afirmam que estão executando este tipo diferenciado de
polícia?
O policiamento comunitário é apenas uma filosofia - uma nova maneira de
pensar? Ou deve, também, a polícia mudar o que faz, com a adoção de uma
nova estratégia organizacional? Será o policiamento comunitário apenas um
novo programa, baseado na permanência dos policiais comunitários em rondas
nos bairros de alta criminalidade? Ou será que ele exige mudanças na
maneira com que todo o pessoal de polícia, civil ou militar, interage e presta
serviços à comunidade?
Policiamento Comunitário é apenas um nome para aquilo que os melhores
segmentos policiais têm feito o tempo todo? É apenas outro nome para o
policiamento orientado para resolução de problemas? Como ele difere de
outros programas, tais como a prevenção do crime e as relações entre polícia e
comunidade? Será que ele transforma os policiais em assistentes sociais?
O sucesso ou o fracasso definitivo do policiamento comunitário repousam
em um consenso a ser alcançado a respeito do que significa o conceito do
termo. Se a definição for demasiadamente vaga, então um número expressivo
de programas serão qualificados como já participando do policiamento
comunitário, o que leva a pensar que o policiamento comunitário não exige
nenhuma mudança substancial. E, se persistirem definições contraditórias, o
termo se torna sem significado. É tempo de traçar linhas claras entre o que é
policiamento comunitário e o que ele não é, em hipótese alguma.
A partir desta fundamentação teórica, que procura coletar alguns dados
sobre tudo - ou quase tudo, desculpem a pretensão - que existe sobre o
assunto e sobre o entendimento que o grupo de trabalho possui sobre o
assunto, fruto de uma larga experiência nas atividades de policiamento, se
adotará o Princípio da Evidência, desenvolvido no pensamento cartesiano, ou
seja, nada pode ser reconhecido como verdadeiro antes de ser evidenciado
como verdadeiro: quando não se tem pleno conhecimento de algo,
efetivamente, não se tiram conclusões definitivas baseando-se em dados
incompletos, sendo mais correto enumerar os fatores excludentes, que o
negam. Somente ao final da pesquisa poder-se-á ter um referencial concreto,
ou seja, tentar estabelecer uma definição que se adapte a realidade gaúcha, do
que seja Polícia em Comunidade ou Polícia Comunitária .
Entretanto, seguindo os ensinamentos do pensamento cartesiano, temos
uma razoável consciência do que não seja , já que ela vem sendo,
sistematicamente, confundida com Relações Públicas, Guarda de Bairro,
Vigilante de Rua, etc.
PARA O GRUPO, POLÍCIA COMUNITÁRIA, ENTRE OUTRAS COI SAS, NÃO É:
a) Uma tática , uma técnica ou um programa : O policiamento comunitário não
é um esforço limitado para ser tentado e depois abandonado, e sim um novo
modo de oferecer o serviço policial à comunidade.
b) Relações Públicas : A melhoria das relações com a comunidade é um
agradável subproduto desta nova forma de oferecer serviço descentralizado e
personalizado à comunidade, e não o seu objetivo principal, como seria o caso
de um esforço de relações públicas. Contrariamente ao que ocorre com o
pessoal de relações públicas, entre polícia e comunidade, o policial comunitário
é diretamente responsável perante a sua comunidade.
c) Anti-tecnológico : O policiamento comunitário pode beneficiar-se de novas
tecnologias, tais como sistemas computadorizados de gerenciamento de
chamadas, se eles forem capazes de fornecer aos policiais operacionais mais
tempo livre de patrulha para ser aproveitado na resolução de problemas da
comunidade. Podem incluir-se telefones celulares, pager, etc.
d) Condescendente com o Crime : Os policiais comunitários respondem às
chamadas e fazem prisões como quaisquer outros policiais operacionais, mas,
além disto, envolvem a comunidade em iniciativas preventivas de curto e longo
prazo, destinadas a reduzir problemas no futuro. A diferença é que o
policiamento comunitário considera a detenção de um suspeito como um
instrumento importante na resolução de problemas e não como a medida
básica do sucesso ou fracasso.
e) Espalhafatoso : As ações com aparato enchem as manchetes dos jornais,
mas o policiamento comunitário complementa esse esforço atacando
problemas crônicos, que exijam a solução em longo prazo de problemas
comunitários.
f) Paternalista : O policiamento comunitário desloca o papel da polícia
especialista, detentora de todas as respostas, para o de parceria, num esforço
para tornar a comunidade um local onde seja melhor e mais seguro viver e
trabalhar.
g) Trabalho isolado : Embora os policiais comunitários possam ser, às vezes,
símbolo mais visível do engajamento no policiamento comunitário, estes
policiais devem fazer parte de uma estratégia geral de formar uma nova
parceria com a comunidade. O objetivo também é fazer com os policiais
comunitários sejam uma fonte para os demais segmentos policiais, já que eles
detém maiores informações sobre a comunidade e seus hábitos. No
policiamento comunitário, também, os cidadãos devem colaborar, serem
ouvidos e receberem respostas.
h) Personalismo e solução por acaso : Todas as atividades devem ser
uniformes, ou seja, deve existir uma diretriz que uniformize procedimentos.
i) Elitista : O objetivo é certificar-se que a polícia não fique distanciada da
comunidade, mas que se torne parte ativa da comunidade. O policiamento
comunitário requer o apoio e a participação direta de todas as pessoas,
independente de sua colocação na escala social ou econômica. Alguns
têm argumentado que o policiamento comunitário não estende a outras classes
sociais o mesmo tratamento pronto, cortês, respeitoso e amável que, em geral,
é dispensado às classes mais altas da sociedade.
j) Rotatividade : A fixação do policial num determinado local auxilia o seu
conhecimento e ser conhecido pela comunidade onde executa seu trabalho,
sendo recomendável, entretanto, um eficaz sistema de controle de
produtividade, a fim de que possam ser detectados possíveis desvios,
proporcionados por esta grande interação.
k) Atuar somente sobre os efeitos : O trabalho do policial em comunidade
deve buscar, também, atuar sobre as causas dos problemas que representam
as demandas da comunidade e, sempre que possível, procurando solucioná-lo
no nascedouro.
l) Planejamento da cúpula para a base : As informações devem ser
canalizadas da base para a cúpula, a fim de subsidiarem os planejamentos. O
policiamento comunitário transfere mais poder, autoridade e responsabilidade
para o nível operacional, ao exigir que todos os segmentos encontrem meios
para expressar a filosofia nos seus trabalhos. Em especial, aos policiais
comunitários deve ser dada a liberdade e a autonomia para agirem nas suas
rondas como se fossem mini-chefes.
m) Substituto do Serviço Social : Ajudar as pessoas a resolverem os seus
problemas, formal ou informalmente, tem sido sempre uma das grandes tarefas
do policial. O policiamento comunitário apenas formaliza e promove a
resolução de problemas comunitários, mantendo sempre um forte componente
- ainda que potencial - de repressão.
n) Serviço Reativo : A polícia em comunidade deve ser pró- ativa, integrada e
participativa, incentivando para que todos os cidadãos também ajam da mesma
maneira. No policiamento em comunidade não existe local para simples
espectadores. O papel do agente é de solucionar problemas.
o) Formação fora da sintonia da realidade social : A formação do policial de
comunidade deve englobar assuntos atuais e prioridades sociais, tais como a
geografia do local onde vai atuar.
p) Inacessível: O acesso do cidadão à Polícia deve ser o mais facilitado
possível, sendo que cada policial deve ser visto, reconhecido e identificado
como a primeira e definitiva instância para as demandas e aflições da
comunidade.
q) Prioridade Documentalista: O que é esperado do policial que trabalha em
comunidade é a solução do problema, não somente o seu registro. Portanto, o
aspecto administrativo da ocorrência ou problema é importante, mas não deve
anteceder a ação de sua resolução.
r) Quantitativo : O trabalho da polícia em comunidade busca os aspectos de
qualidade e, por via de conseqüência, a repercussão se dará nos aspectos
quantitativos. Quem faz melhor, normalmente fará menos, já que cada coisa
será feita apenas uma vez.
s) Serviço Indireto: A atuação da polícia em comunidade é direta, já que os
policiais se ocupam das demandas e com suas prevenções e, mesmo quando
acionam outros segmentos, sua ação é que condiciona a solução.
Ao final do trabalho, quando serão analisados e comparados todos os
dados que forem possíveis serem alocados, procurar-se-á entender o que
significa, dentro dos nossos padrões culturais, sociais e econômicos, este
termo. Por enquanto, continuamos procurando entendê-lo.
POLÍCIA COMUNITÁRIA AULA III
PRINCÍPIOS BÁSICOS
Conforme podemos constatar em pesquisas científicas, o modelo
tradicional de se fazer polícia em sociedades onde o regime político seja
minimamente democrático, há muito não correspondente à dinâmica dos novos
tempos.
A alternativa da polícia comunitária deve ser levada em conta num leque
de alternativas que se possa abrir para contrabalançar a obsolescência das
formas tradicionais, como viu-se acima. Adotada a alternativa, será
fundamental indagar os princípios que informam o modelo. Tais princípios,
sedimentados ao longo do tempo desde os chamados programas Team
Policing , referidos acima, passando pelos resultados das pesquisas realizadas
nos Estados Unidos, sobretudo as relacionadas ao medo do crime, conduzidas
pelos pesquisadores da Police Foudation ; a experiência da Polícia Militar do
Estado do Rio de Janeiro, e outros dados já referidos, pode-se alinhar o que
costumam chamar de princípios básicos ao empreendimento da polícia
comunitária, mais ou menos na linha das ponderações de Trojanowicz &
Bucqueroux (1994), porém considerada a realidade brasileira:
1. Identificação dos problemas feita em conjunto pela comunidade e pela
polícia;
2. Parceria com a comunidade na solução dos problemas;
3. Redesenho dos setores de patrulhamento de acordo com as
necessidades da comunidade;
4. Melhoria da qualidade de vida das comunidades como um dos objetivos
da polícia;
5. Permanência do policial no local de trabalho;
6. Avaliação dos policiais baseada na qualidade e na capacidade para
resolver problemas, e não a quantidade de ocorrências;
7. Delegação de autoridade aos policiais;
8. Facilitação do acesso aos meios públicos (serviços de limpeza, água,
energia, bombeiros,
etc) e mesmo privados, para apoiar os policiais na solução dos problemas da
comunidade;
9. Serviços de emergência somente para emergências;
10. A atividade policial é um serviço à disposição da comunidade;
11. Redução de especialização; o policial comunitário é um generalista;
12. Implantação de mentalidade empresarial nos dirigentes;
13. O policial é um coordenador de determinada área, uma espécie de
gerente;
14. Seleção de candidatos com perfil do policial comunitário, e não
somente daqueles com espírito de aventura e de valentia;
15. Treinamento dos policiais para organizar e liderar os moradores;
16. Ênfase na confiança nos policiais, e não no controle militar;
17. A comunidade é o fiscal da polícia.
Como constrangimentos à efetiva implantação da polícia comunitária,
dentre outros elencados ao longo do texto, podemos destacar: primeiro, o fato
de a polícia comunitária, em geral, não ser entendida dentro de um sistema
mais amplo de luta contra o crime e a violência, ou seja, que não esteja
inserida num esforço do sistema de justiça e segurança (algo como uma ação
comunitária do Sistema de justiça e segurança), em que os agentes desses
outros órgãos do sistema também estivessem imbuídos da mesma filosofia
participativa; segundo, o fato de que, simplificando, pelo menos dois pólos
estarão em interação: a polícia (da parte do poder público) e a comunidade (da
parte da sociedade), sendo demasiada pretensão querer que a integração se
faça pelo esforço isolado - como tem ocorrido no Brasil - dos executivos da
polícia.
Chega a ser um paradoxo que a polícia procure a sociedade para ser
controlada por ela, e que a sociedade se exima dessa responsabilidade e seja
resistente aos esforços no sentido do seu envolvimento nas questões relativas
à sua própria segurança.
PRESSUPOSTOS BÁSICOS
Os pressupostos, abaixo apresentados, devem ser entendidos como
pontos básicos, sendo que maior detalhamento sobre as suas influências,
podem ser encontrados na bibliografia disponível e no corpo do presente
trabalho:
Apoio dos Dirigentes Políticos
Cumprimento da Lei
Polícia Ostensiva com Ciclo Completo
Engajamento de Órgãos Públicos
Comandantes Habilitados para intermediar problemas da comunidade
Policiais Treinados e Preparados
Descentralização Operacional
Imprensa Esclarecida sobre atividades comunitárias e policiais
Recursos Materiais e Tecnológicos
Para facilitar a leitura, com base nos pressupostos acima, se procura
demonstrar alguns exemplos de ações, que materializam, ainda que
parcialmente, as indicações acima:
� Polícia em comunidade exige um envolvimento dos segmentos políticos,
quer como apoio para sua existência, quer como força de influência para
solução das demandas sociais das comunidades.
� A polícia deve sensibilizar a administração pública, nas diversas esferas,
da necessidade de uma efetiva participação e colaboração nos atos que
tenham reflexos na ação policial, que vão desde o asseio público até
demolições e interdições de edificações que represente riscos, potencial ou
efetivo, à comunidade.
� O segmento policial deve ter a iniciativa de realizar reuniões periódicas
com as comunidades, a fim de prestar-lhes contas do que está sendo feito e
ouvir as suas reclamações, inclusive as não criminais, sendo ideal que
compareçam, também, as lideranças políticas identificadas com a comunidade.
� As comunidades motivadas e engajadas na solução dos seus problemas,
exige que a polícia cumpra a sua parte, ou seja, o cumprimento da Lei, não
havendo espaços para concessões ou liberalidades, sempre danosas à
legitimidade.
� As satisfações efetivas às comunidades, em questões policiais, somente
se verificam se o segmento policial possuir o ciclo completo de polícia ou, na
impossibilidade, que exista uma integração, tão extremada entre as
instituições, que o trabalho de uma seja o complemento da outra, vinte e quatro
horas por dia, sete dias por semana.
� Policiamento em comunidade pressupõe a descentralização de frações
para locais inseridos na própria comunidade onde vai prestar serviços, sendo
que estes prédios, funcionais, devem servir como referencial policial e
comunitário.
� A transparência e o apoio somente são obtidos se todos os resultados
atingidos pelo policiamento no combate à criminalidade e na solução de
problemas da comunidade, forem amplamente divulgados para os cidadãos,
mesmo que não apresentem melhoria.
� O policial da comunidade não se constitui num elemento estranho ao
sistema policial, mas um de seus componentes principais e, desta forma, todas
as ferramentas tecnológicas disponíveis para os demais segmentos, também,
devem ser alcançadas a ele, para melhor cumprirem o seu trabalho.
� O estabelecimento de um sistema de recompensas, que considere mais
relevantes, os aspectos qualitativos do serviço policial - problemas
comunitários solucionados, informações recebidas, ... - ao invés do tradicional
sistema quantitativo – ocorrências atendidas - proporciona um maior
engajamento do policial na filosofia do trabalho.
� Ao policial da comunidade deve ser concedida autonomia para solucionar
problemas de rotina, juntamente com os diversos segmentos da comunidade,
desde que observadas as linhas gerais estabelecidas pelos comandos.
� Determinados locais da comunidade, pela potencialidade de delitos,
devem receber uma atenção especial do policial da comunidade, como, por
exemplo, as escolas, onde podem ser prevenidas diversas condutas delituosas.
� O policiamento em comunidade pode induzir o policial a corromper-se e,
desta forma, deve ser estabelecida uma efetiva estrutura de controle, que inicia
pelos órgãos fiscalizadores - Oficial de Serviço, sargento Auxiliar, etc. - e se
completa com o trabalho da Corregedoria.
� A síntese do policiamento em comunidade é o policial à pé, já que se
constitui na forma em que ele, pela menor mobilidade, percorre pequenos
espaços, tendo tempo e oportunidade para estabelecer os contatos com as
pessoas da comunidade.
� O policial empregado no policiamento em comunidade deve receber
treinamento específico sobre este tipo de trabalho, sendo ideal, no entanto, que
na formação policial, sejam incluídas disciplinas relacionadas à psicologia
social, sociologia e liderança.
� O policiamento em comunidade, como modalidade, não substitui o
policiamento tradicional, assentado na mobilidade do Rádio-Patrulhamento,
para quem devem ser convergidas, no entanto, o atendimento de chamadas.
� O policial empregado no policiamento em comunidade deve permanecer
no mesmo posto de trabalho e no mesmo horário, por um período mínimo de
trinta dias, de forma a que possa ser conhecido e conhecer os problemas e
pessoas da comunidade.
� O espaço de policiamento atribuído ao policial da comunidade deve
considerar a importância do local, em termos de criminalidade, número de
pessoas, ocorrências, etc., e não estar baseado, exclusivamente, em aspectos
territoriais.
POLÍCIA COMUNITÁRIA AULA IV
POLÍCIA COMUNITÁRIA NO BRASIL
Podemos perceber que, hoje diante da violência e do medo, e depois de
ter investido tudo na repressão, utilizando inclusive as Forças Armadas na
ostensividade contra bandidos, as autoridades brasileiras estão na busca de
caminhos menos inconseqüentes.
Embora correndo o risco da imprecisão, e sem desconsiderar iniciativas
efetivamente empreendidas em outros Estados ao longo do tempo, pode-se
dizer que as iniciativas de Polícia-Comunidade estão presentes na maioria dos
Estados, alguns de forma mais embrionária, outros de forma mais avançada.
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
O primeiro grande esforço calcado em um programa estruturado e
formulado objetivamente, segundo uma concepção diferente da tradicional e
incorporando princípios de uma polícia voltada para as noções de serviço
público e de proteção à comunidade, foi tentado no Rio de Janeiro pela Polícia
Militar, no período de 1984 a 1987, e retomado a partir de 1991.
A fundamentação que orientou a decisão do comando geral à época está
refletida no objetivo síntese do Plano Diretor da Corporação:
“Promover, adaptando a estrutura policial militar às
exigências da segurança pública, o ajustamento comportamental da
organização, dentro de uma nova concepção de ordem pública, na qual a
colaboração e a integração comunitária sejam os novos e importantes
referenciais, o que implica um novo policial e uma nova polícia”.
Não é necessário descer a pormenores para relatar as dificuldades e os
problemas decorrentes do choque destas idéias com a cultura organizacional
então existente. E não só o choque interno, mas também o choque externo
(curiosamente com a própria sociedade, particularmente a classe média),
confirmando as advertência a respeito da contestação interna e da contestação
externa feitas por Trojanowicz e Bucqueroux (1994).
Ora, esta reação é natural. No caso do Rio de Janeiro, e provavelmente
nos demais Estados, os policiais militares estavam - e ainda estão - fortemente
condicionados ao emprego da polícia como um instrumento de mera repressão
e de combate. De combate concreto (os homens e mulheres policiais, as
viaturas, os uniformes, as armas, as instalações, o sistema de rádio, etc.) a um
inimigo na maioria das vezes abstrato. Pois quem é o criminoso? Onde ele
está? Como ele é?
É claro que a tentativa de responder a esta pergunta, a priori, só pode
acarretar a cristalização de preconceitos calcados em estereótipos. E a
resposta, embora não explicitada em nenhum manual das escolas policias, e
jamais admitida formalmente por qualquer policial, vai sempre na mesma
direção: os criminosos são os pobres; estão nas favelas e periferia de baixa
renda; são pessoas mal vestidas; são negros (e, no Sul, também os
nordestinos).
Ora, em cidades em que a quantidade de pobres é desproporcionalmente
gigantesca, em relação a ricos e médios, não precisa muito esforço de
raciocínio para concluir sobre os resultados dessa filosofia repressiva
tradicional.
Foi neste quadro que foi tentada a introdução da nova filosofia na Polícia
Militar do Estado do Rio de Janeiro, com uma contestação ferrenha de oficiais
e praças em geral. Pior, com o corpo mole até mesmo daqueles que fingiam
concordar com a idéia. E tinham razão. Ora, agora teriam que se relacionar
com as comunidades de uma forma fraternal; teriam que se conscientizar de
que eram seus servidores, e que existiam para protegê-las, e não para
combatê-las, agora teriam que ampliar o conceito de comunidade, não
bastando o relacionamento com os clubes de serviços, as associações
produtivas, os clubes elegantes; agora, teriam que se reunir também com as
associações de moradores, com os pobres, com as representações
comunitárias, com os clubes, agremiações populares e com os sindicatos dos
trabalhadores.
Pior ainda, pelos meios de comunicação, as elites e a classe média
condenaram – e continuam condenando - essa filosofia, que para elas seria
mera condescendência com a bandidagem. Só aplaudiram a idéia quando, há
pouco mais de dois anos, se implantou (em Copacabana) um esquema de
policiamento calcado no conceito de polícia comunitária, com a concentração
de recursos da polícia naquela área.
Hoje, fala-se em polícia comunitária com menos preconceito. Mas a
experiência do Rio de Janeiro tem demonstrado que o que as elites e a classe
média entendem por polícia comunitária não corresponde aos princípios gerais
dessa filosofia. Aprovam a polícia comunitária, desde que os recursos da
polícia sejam canalizados para os bairros onde residem e têm os seus
negócios; e polícia comunitária, no sentido amplo do conceito, não é isto.
Polícia comunitária não é concentração de efetivos policiais numa
determinada área. Polícia comunitária não é proteção de áreas turísticas nem a
massificação de efetivos e áreas comerciais. A filosofia da polícia comunitária
não impede que essas formas de policiamento também sejam adotadas, mas
se forem rotuladas com o nome de polícia comunitária, o conceito terá que ser
reformulado, pois passará a significar algo totalmente diferente do que tem sido
universalmente aceito como tal.
A propósito da polícia comunitária, muito mais importante do que saber o
que o conceito significa, será saber o que não é polícia comunitária, como se
preocuparam em sublinhar Trojanowicz e Bucqueroux (1994): “... dentre outras
coisas, a polícia comunitária não é uma tática, uma técnica ou um programa;
não é relações públicas; não é condescendente com o crime; não é
espalhafatosa; não é elitista; não é concebido para favorecer os ricos e
poderosos; não é uma fórmula mágica e rápida ou uma panacéia etc.”
Apesar de tudo, alguns avanços, à brasileira, têm sido observados, não só
com relação à difusão da filosofia (com a modificação de currículos e da
instrução da tropa, em vários Estados); com a Corporação incluindo essa
filosofia nos planos diretores de comando, como no caso do Rio de Janeiro,
São Paulo, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Minas Gerais, por exemplo.
No Rio de Janeiro, aquele esforço inicial do período 1984/87, quando,
além da difusão interna da filosofia, desenvolveram-se algumas ações junto às
comunidades, destacando-se a criação de um grupamento especial,
denominado Grupamento Especial de Policiamento do Bairro, que teve como
objetivos, nesta ordem:
a) o integrativo;
b) o preventivo;
c) o educativo-recreativo;
d) o repressivo.
Neste tipo de policiamento, o próprio planejamento decorreria do
levantamento dos problemas, em conjunto, pela comunidade, o Grupamento
Especial e a unidade operacional em que se situasse o bairro em questão.
Fruto de um outro problema que a filosofia da polícia comunitária encontra em
qualquer lugar, o da rotatividade dos comandos policiais, não se pôde avaliar
os resultados do projeto, pois o mesmo foi abandonado na administração
seguinte.
Para se ter idéia de resistência interna à nova filosofia, basta dizer que a
crítica à mesma no período seguinte acabou por cunhar um lema: integração
comunitária, sim; interferência comunitária, não. Um jogo de palavras bem
denotativo do espírito de rejeição à filosofia da integração - rejeição interna e
externa - que predominou no período de 1987/91.
Aquele esforço iniciado em 1984 é retomado em 1991 com a volta ao
comando da Polícia Militar do Coronel PM Cerqueira. Desta feita, os esforços
são empreendidos com maior vigor, com fundamentação teórica mais
consistente, como se procura indicar na bibliografia deste texto. Há de
se reconhecer, entretanto, que um passo já tinha sido dado. Ainda que
discordando, um bom número de oficiais entendia o significado do conceito.
Não se tratava mais da rejeição de algo desconhecido. A rejeição, agora, tinha
outras motivações, o que não é o caso de especular sobre quais seriam.
Desta forma, ainda que a resistência dos policiais ainda seja muito forte,
percebe-se uma progressiva adesão às idéias relacionadas com essa nova
forma de fazer polícia.
Fruto da ansiedade por não ver as práticas tradicionais produzirem os
resultados esperados, e na tentativa de atenuar o problema - e na expectativa
de conseguir a cooptação das comunidades, as autoridades policiais militares,
em não poucos Estados do Brasil, têm feito tentativas de aproximar a Polícia
Militar da população, ora através de contatos formais e informais, ora através
da criação de serviços mais próximos das comunidades, por meio de pequenas
unidades, destacamentos, postos de policiamento comunitário etc.
Para melhor esclarecer todas as circunstâncias que envolveram a
iniciativa no estado do Rio de Janeiro, foi buscado o depoimento do Coronel
Sérgio da Cruz, Chefe do Estado-Maior Geral da Polícia Militar do Estado do
Rio de Janeiro, responsável, à época, pelo planejamento e implantação do
policiamento comunitário na cidade do Rio de Janeiro:
“A história do policiamento comunitário na cidade do Rio
de Janeiro começa em 1992, com a idéia de uma Nota de Instrução,
em que as primeiras matérias eram colocadas para fins de reflexão
do público interno da Polícia Militar. A partir deste documento, foram
estabelecidos programas-pilotos de implantação do policiamento
comunitário de quarteirão nos bairros Laranjeiras, Botafogo e Urca,
basicamente. Ainda, no ano de 1993, foi pensado, criado e
implantado o Batalhão-Escola de Polícia Comunitária, que objetivava
formar turmas com a verdadeira noção desta nova filosofia de
policiamento. Este Batalhão funcionou dentro dos seus objetivos,
formou turmas e, ainda, implementou uma modalidade de
policiamento comunitário, denominada Área de Prevenção. Em 1994,
foi expandido o projeto de policiamento comunitário, sendo o mesmo
implantado no bairro de Copacabana, onde foi a área dividida em
seis Conselhos Comunitários de Área, facilitado pela própria divisão
geográfica do bairro de Copacabana, e o Batalhão trabalhava com
sessenta policiais, propositalmente preparados para a execução do
policiamento. No início de 1995, foi feito um monitoramento
qualitativo da execução do policiamento, onde mostrou que a
sensação de insegurança no bairro havia diminuído sensivelmente.
Mais adiante, foi feito um monitoramento dos aspectos quantitativos,
que também demonstrou uma redução sensível nos principais ilícitos
que ocorriam em Copacabana. A partir de 1996, com a mudança do
Governo e a implantação de uma nova Diretriz de Segurança
Pública, o policiamento comunitário foi interrompido, não só em
Copacabana, como em outras Unidades onde ele estava sendo
executado.”
O Coronel Sérgio da Cruz, no seu depoimento, alinhou diversos pontos
positivos e negativos, fruto da sua experiência e observação:
“Podemos citar como pontos negativos na implantação
do policiamento comunitário, aqui no Rio de janeiro, uma certa
resistência interna e, de certa forma,a dificuldade de se entender o
que constituía realmente o policiamento comunitário, e também a
dificuldade de saber como começar a execução desta nova
modalidade. Outro ponto negativo foi que o policiamento comunitário
começou, como disse antes, sob a modalidade de Policiamento
Comunitário de Quarteirão, e as pessoas entendiam que
policiamento comunitário era somente aquilo. Como pontos positivos
da implantação do programa, podemos citar os próprios resultados
obtidos e o constante monitoramento dos aspectos qualitativos.“
Hoje, o Rio de Janeiro adota uma nova estratégia de aplicação da filosofia
de Polícia Comunitária nas Unidades de Polícia Pacificadora, mas isso será
assunto a ser abordado posteriormente.
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