as crianÇas nos tempos e espaÇos socioeducativos
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ISABELLA LIMA COSTA
AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS:
ACOMPANHAMENTO DE UM GRUPO NA PRÉ-ESCOLA E NO 1º
ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL
CAMPINAS, 2017
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Isabella Lima Costa
As crianças nos tempos e espaços socioeducativos: acompanhamento de
um grupo na pré-escola e no 1º ano do ensino fundamental
Trabalho realizado para conclusão de curso na
Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas
Campinas,2017
3
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.
Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca da Faculdade de Educação
Rosemary Passos - CRB 8/5751
Informações adicionais, complementares
Titulação: Licenciada
Data de entrega do trabalho definitivo: 07-12-2017
Costa, Isabella Lima, 1996-
C823c As crianças nos tempos e espaços socioeducativos : acompanhamento de um
grupo na pré-escola e no 1º ano do ensino fundamental / Isabella Lima Costa. –
Campinas, SP : [s.n.], 2017.
Orientador: Adriana Missae Momma.
Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Estadual de
Campinas, Faculdade de Educação.
Crianças. 2. Educação infantil. 3. Ensino fundamental. 4. Infância. 5. Trabalho
pedagógico. I. Momma, Adriana Missae,1975-. II. Universidade Estadual de Campinas.
Faculdade de Educação. III. Título.
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Dedico este trabalho para todas as crianças de Campinas
que contribuíram para a minha formação.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente à Deus por me amparar e enviar força e coragem durante todo
o meu processo de graduação.
Aos meus pais que nunca mediram esforços para me apoiar e ajudar durante toda a
minha vida e durante meu período na UNICAMP, sempre me guiando a seguir meus
sonhos com amor.
Agradeço também a todos meus professores da graduação que ao longo desses 4 anos
tanto me ensinaram ,em especial a minha orientadora Adriana, que me inspirou diversas
vezes durante meu processo de formação como educadora e me orientou durante este
trabalho.
Agradeço a minha tia Deilda que sempre me acolheu, ajudou e cuidou de mim de braços
abertos quando mais precisei.
Aos meus colegas de graduação pelo apoio e parceria ao longo do curso.
As minhas colegas de república Deborah, Thaís, Luísa, Beatriz e Gisele sempre tão
queridas e empáticas sempre dispostas a me ajudar da melhor maneira, torcendo pelas
minhas conquistas e me dando um apoio em todos os momentos.
Ao Pedro por toda compreensão, apoio e ajuda.
Aos meus professores do ensino fundamental e ensino médio, que fizeram com que me
encantasse com a docência e a trabalhar com amor mesmo com as precariedades do
ensino público, sempre acreditando no meu potencial.
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Seja a mudança que você quer ver no mundo. – Mahatma Gandhi
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Atualmente o ensino fundamental tem a duração de 9 anos desde a lei 11.274 do dia
06/02/2006 e com essa lei as crianças passam a entrar na escola de ensino fundamental
com 6 anos de idade, e com a lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013 a matrícula de
crianças com 4 anos de idade na educação infantil também se tornou obrigatória, mas
por que não aumentar o tempo das crianças na pré-escola ao invés de aumentar seu
tempo no ensino fundamental? Muitos responsáveis pelas políticas públicas ao
alterarem o tempo do ensino fundamental de 9 e automaticamente definindo que as
crianças iriam ingressar no ensino fundamental com 6 anos de idade alegaram que essa
escolha seria importante para evitar que as crianças ficassem fora da escola, porém,
seguimos com o questionamento que levou o motivo a aumentar o tempo do ensino
fundamental ao invés da educação infantil.
A pesquisa surgiu através de vivências de estágio em uma escola pública de Campinas
com uma turma do 1º ano do ensino fundamental e como as crianças de 6 anos viviam
de forma tensa a transição da pré-escola para o ensino fundamental, a partir daí iniciou-
se a pesquisa empírica em uma escola de educação infantil e em uma escola de ensino
fundamental acompanhando um grupo de crianças no momento desta transição, para
analisarmos as divergências e semelhanças nos espaços e experiências escolares.
O método utilizado na pesquisa foi a revisão bibliográfica de obras e da legislação
brasileira e a pesquisa empírica nos anos de 2016 em uma escola de educação infantil
do município de Campinas, com uma turma da pré-escola e em 2017, acompanhando
algumas crianças da turma pesquisada em 2016 em seu primeiro ano em uma escola de
ensino fundamental. Foi feita a análise de documentos das escolas e observação do
espaço físico e dos diálogos entre as crianças com seus pares e das crianças com os
adultos de ambas as escolas. A pesquisa empírica, em sua primeira fase foi feita de
forma não participante e na segunda etapa de forma participante.
Através dos estudos bibliográficos e empíricos realizados ao longo do ano, vimos que
nas leis existem muitas diferenças entre as etapas educacionais, como por exemplo na
educação infantil em que o eixo principal é a brincadeira, enquanto no ensino
fundamental tem o objetivo de formar pessoas para o trabalho, ignorando o fato de que
os ingressantes dessa etapa tem apenas 6 anos de idade. Porém, analisando ambas
escolas encontramos divergências no espaços físicos, porém muitas semelhanças, como
se na pré-escola o ambiente já estivesse preparando as crianças para o ensino
fundamental, por ter uma organização e design muito parecidos. Entretanto, mesmo com
ambientes que parecem ser pensados pelas políticas públicas para evitar as brincadeiras
e ludicidade nos espaços de ensino encontramos professoras que exerciam um lindo
trabalho de valorização da infância e suas brincadeiras, tornando o dia-a-dia escolar
menos exaustivo para as crianças, o que levou a pesquisa a também fomentar a
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importância da formação adequada de docentes que vão lidar com crianças na educação
infantil e anos iniciais do ensino fundamental.
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LISTA
Fotografia 1 – página 16
Fotografia 2 – página 17
Fotografia 3 – página 18
Fotográfia 4 – página 18
Fotografia 5 – página 20
Fotografia 6 – página 24
Fotografia 7 – 24
Fotografia 8 – 33
Fotografia 9 – 33
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Sumário Introdução ................................................................................................................................... 11
Capítulo I ..................................................................................................................................... 14
1. A criança e o aluno segundo a legislação ........................................................................ 14
1.1. A preparação de docentes para a educação infantil e ensino fundamental .............. 18
Capítulo II ................................................................................................................................... 23
2. As vivências na Educação infantil .................................................................................... 23
2.1Vivência no Ensino Fundamental ....................................................................................... 33
2.1.1A ludicidade na docência e espaços escolares ................................................................ 42
Capítulo III ................................................................................................................................... 45
3. A formação de professores na legislação ........................................................................ 45
3.1. Professores com empatia para a infância ................................................................... 47
Considerações Finais ................................................................................................................... 50
Referências: ................................................................................................................................. 51
Obras Consultadas: ..................................................................................................................... 53
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Introdução
No contexto atual a obrigatoriedade da educação dos 04 aos 17 anos impõe-se como
uma possibilidade de oportunizar direitos às crianças brasileiras. Por outro lado,
pressupõe prerrogativa da obrigatoriedade pela oferta pelos entes federados (Estado),
bem como obrigatoriedade da frequência pelas crianças/jovens.
Já, com relação à faixa etária de 0 a 3 anos, embora haja controvérsia no referente à
obrigatoriedade da oferta pelo Estado – haja visto o aumento de ordens judiciais
(Assis,2013) , estar na creche não é obrigatório, mas com base na pesquisa empírica
realizada neste trabalho foi possível ver o quanto a creche e a escola de educação
infantil são procuradas semanalmente por mães de crianças de 0 a 5 anos de idade
semanalmente, tornando, inclusive, as turmas de agrupamento II (2-3 anos) com o
número maior que o recomendado por turma.
Todavia, anterior a legislação em vigência que trata sobre a obrigatoriedade da -
oferta/frequência pelo Estado e Crianças/Jovens, em 2006 há implantação da lei n°
11.274, de 6 de fevereiro de 2006 em que o ensino fundamental passa a ter 9 anos de
duração e portanto, as crianças passam a entrar mais novas, agora com 6 anos de idade
no ensino fundamental.
Por que a opção de tornar obrigatória, no respectivo período o fundamental de 09 anos?
Por que não optar em ampliar a obrigatoriedade pela oferta, mas optar em propor que
até os 06 anos crianças frequentem as pré escolas? As pré escolas, por sua vez são
também espaços constitutivos e constituintes de uma infância emancipatória? Que
espaços socioeducativos são esses? (Tanto da pré escola, quanto do primeiro – anos
iniciais – do ensino fundamental)?
Como nossas crianças vivenciam seu cotidiano nas respectivas instituições? Que
tempos e espaços são esses do ponto de vista social, político, estrutural, pedagógico?
Temos o conhecimento de que todas as crianças têm direito à uma infância feliz, lúdica
e com brincadeiras, mas será que todas elas vivem essa infância?
O tema de nosso trabalho é justamente problematizar que concepções de infância
emergem do cotidiano de instituições socioeducativas públicas – pré-escolar e anos
iniciais do ensino fundamental (1º). Como se organizam os tempos e espaços? Que
vivências e experimentações são oportunizadas nessas instituições?
Para fins de viabilização do respectivo trabalho, optou-se em fazer, em primeiro
momento uma pesquisa bibliográfica e documental (de fonte primária) no qual se
buscou prioritariamente o arcabouço normativo-político que versa sobre o “ensino
fundamental de 09 anos”. Nessa mesma direção fez-se um levantamento sobre teses,
dissertações, monografias e publicações que tratam do tema especificamente. E, com o
objetivo e intencionalidade de trazer à tona algumas hipóteses e leituras sobre os
vestígios, evidências e provas de qual currículo vem sendo vivido pelas crianças-
professores tanto na pré-escola quanto no primeiro ano do ensino fundamental.
Para além de dizer se é adequado a criança ficar até os 06 anos e alguns meses na pré-
escola ou no fundamental, a proposta é descrever o cotidiano desses tempos, de forma
que as descrições tragam elementos para construção de análise e aferições sobre as
concepções de infâncias que contextos institucionais, formais vem oportunizando.
Portanto, qual é a concepção de polis em disputa nessas expressões.
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A ideia dessa pesquisa surgiu quando, em 2016, ao realizar um estágio pelo PNAIC
em uma escola pública na periferia da cidade Campinas, acompanhei diariamente a
rotina de uma turma do 1º ano do ensino fundamental e através desta experiência em
uma turma com crianças pequenas de 6 anos de idade e uma professora com métodos e
aulas tradicionais conteudistas e com poucas brincadeiras vivenciei muitos momentos
aflitivos, já que as crianças que eram expostas à situações muito delicadas em seu meio
social familiar iam para a escola, e sem poder brincar, sem poder conversar, se mover
pela sala, ou ter voz, ficavam extremamente ansiosos, estressados, angustiados,
causando muitos momentos de conflitos entre as crianças e seus pares e crianças com a
professora. A situação era muito angustiante para as crianças, o que acabava se tornando
angustiante para mim, como estagiária e futura professora ver o quando as crianças
estavam infelizes, nervosas e negligenciadas na escola, e principalmente por saber o
quanto elas precisavam de afeto e atenção para além dos conteúdos e avaliações dadas
naquele espaço. A partir dessa experiência resolvi fazer minha pesquisa sobre as
crianças pequenas nas escolas públicas de Campinas e como suas infâncias são vistas e
vividas.
Além de pesquisa bibliográfica decidimos também fazer um trabalho empírico,
acompanhando um grupo de crianças na transição escolar de pré-escola para o ensino
fundamental entre os anos de 2016 e 2017. A pesquisa teve início em novembro de de
2016, em uma escola de educação infantil no bairro San Martin, nos dias 29 e 30 de
novembro, e os dias 1,2, 5 e 6 de dezembro. Porém realizei meu estágio obrigatório de
gestão escolar durante todo o ano de 2016, o que proporcionou que eu tivesse bastante
vivência e experiência naquele espaço, o que foi muito importante para a realização da
pesquisa.
A tratativa com a instituição se deu de forma descomplicada, já que realizei meu
estágio obrigatório de gestão escolar na instituição no mesmo ano e conhecia os
membros da equipe gestora e muitas professoras. Fiz a escolha da turma AGIII E
através de busca dos nomes das crianças que iriam para a escola de ensino fundamental
no ano seguinte ao lado da instituição de educação infantil e a turma o maior número de
crianças que iria para essa escola foi a escolhida para que eu pudesse fazer a observação
não participante.
O enfoque da observação foi principalmente as atividades pelos quais as crianças
passavam, sejam elas lições, jogos, brincadeiras e como se dava a relação entre criança-
criança e criança-adultos nos locais pesquisados. Além disso também observamos os
espaços, os tempos e os diálogos.
Ao final de 2017, a partir do dia 22 de agosto foi efetuada a pesquisa empírica
participante na escola de ensino fundamental ao lado da escola de educação infantil
onde foi realizada a primeira fase da pesquisa,o grupo que foi para a escola de ensino
fundamental pesquisada contava com 9 crianças e 3 delas foram para o 1ºA, a turma
observada. A observação em 2017 ocorreu durante o mês de agosto até o final de
outubro, especificamente 22,23,29,30 de agosto,5,6,12,13, 19,20, 26 e 27 de setembro,
e 3,10 e 24 de outubro. Observou-se as interações criança-criança, criança-adultos e as
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atividades e rotina dos dias, além do espaço físico. Além de diálogos e outras situações
que serão tratadas em capítulos posteriores.
O primeiro capítulo realiza a busca pelo arcabouço normativo da legislação educacional
do nosso país, para que possamos entender como as crianças e escolas vêm sendo
tratadas pelas leis brasileiras com o auxílio da leitura de obras de autores da área
educacional.
Já, o segundo capítulo aborda nossa pesquisa empírica nas duas escolas, nele falo sobre
os espaços físicos, materiais, didáticas usadas pelas educadoras, tempos de atividades e
brincadeiras, relações entre criança-criança e criança-adulto, relatos de impressões e
experiências em ambas escolas, trazendo divergências, semelhanças, questionamentos
que surgiram durante a experiência em campo.
Em relação ao terceiro capítulo, após uma feliz surpresas nas observações da pesquisa
em campo resolvemos focar na formação de professores comprometidos com em
garantir o acesso das crianças ao seu direito da infância e de realmente ser criança e em
como uma mediação voltada para o lúdico pode ser importante para a formação da
criança.
Por fim, este trabalho visa entender como a educação infantil e o ensino fundamental
vem sendo tratados em nosso país e como isso reflete nos espaços socioeducativos e nas
experiências escolares e infantis das crianças na cidade de Campinas, contando com um
trabalho empírico para ajudar na análise desses dados encontrados, trabalho este que nos
trouxe muitas reflexões, aprendizados, surpresas e esperanças de uma educação de
qualidade com brincadeiras e ludicidade para nossas crianças.
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Capítulo I Passa, Passa uma vez – onde será que essa criança deveria ficar?
"Passa, passa três vezes
A última que ficar
Tem mulher e filhos
Para sustentar
Qual delas será?
A da frente ou a de trás?
A da frente corre muito e a de trás ficará!"
1. A criança e o aluno segundo a legislação
Onde será que as crianças deveriam ficar? A partir do dia 05 de abril de 2013, a
lei de nº 12.796 as crianças passam a ser matriculadas obrigatoriamente aos 4 anos de
idade nas escolas de educação infantil, assim, sabemos que além de obrigatoriedade aos
6 anos no ensino fundamental já feita em 2006, as crianças estarão também mais cedo
na escola desde a educação infantil. Sabemos também, inclusive por conta de nossa
pesquisa empírica que as escolas de educação infantil e creches vem sendo muito
procuradas por mães que precisam trabalhar e não tem com quem deixar seus filhos, e
de fato, as escolas são a melhor escolha para essas crianças, não por ser um depósito de
criança, mas por teoricamente estar preparada para receber crianças e atendê-las da
melhor maneira, porém, é justo para as mães e para as crianças a obrigatoriedade de
estar tão cedo na escola? Para quem são pensados de fato, os objetivos de leis como
essa?
Ao optar refletir sobre as concepções de infâncias em jogo nessa “transição”
entre pré-escola e ensino fundamental, ou na “antecipação do ensino fundamental”
optamos em iniciar a pesquisa a partir da legislação brasileira e refletir como as crianças
são tratadas nestas leis – que infâncias trazem nas linhas e entrelinhas, apresentando as
divergências entre a educação infantil e o ensino fundamental e as implicações dessas
diferenças nas crianças.
Ao examinarmos o arcabouço normativo, o presente capítulo pretende ler o texto
da lei, como uma faceta política, na qual o texto, o contexto e os dilemas implicam
opções e disputas políticas, no tocante à educação que visa a fortalecer as infâncias na
contramão da antecipação da escolarização formal e rígida e como “a infância torna-se
assim uma categoria social de interesse político e o estado a entidade da sua regulação, realizada através
das finalidades e dos conteúdos da educação escolar pública” (Pereira, 2010, p.520)
Estudando as leis atuais do nosso país sobre educação e infância, a fim de buscar
a resposta para “que infância ou quais infâncias nossas crianças vivenciam na pré-escola
e no ensino fundamental ” deparamo-nos com grandes questionamentos entre a Lei de
diretrizes e bases, constituição federal , base nacional comum curricular e diretrizes
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curriculares nacionais quando o assunto se trata da transição da educação infantil para o
ensino fundamental, pois quando se trata de educação infantil é visível a preocupação
que há com a preservação da infância, a importância das brincadeiras e da liberdade de
expressão das crianças e a valorização do lúdico, enquanto no ensino fundamental, em
que as crianças ingressam com 6 anos de idade, não há essa atenção com o brincar, já
que por exemplo na lei de diretrizes e bases o objetivo da educação é vincular-se ao
mundo do trabalho e a prática social. Vemos uma grande mudança que acontece durante
essa transição escolar da criança já que, dos documentos analisados o único que possui
uma seção dedicada à transição escolar da educação infantil para o ensino fundamental
é a Base Nacional Comum Curricular.
Baseado no estatuto da criança e do adolescente a pessoa é criança até os 12
anos de idade, “Pode-se, assim, observar que no quadro legal brasileiro prioriza-se uma definição da
criança pelo critério etário e pelo aspecto biológico.” (Andrade, 2010, p.53) e, ao entrar no ensino
fundamental, com 6 anos de idade, essa criança, passa a ser referida como um aluno,
tanto na lei, como em muitas escolas também, juntamente com crianças mais velhas e
adolescentes, é muito comum que em algumas escolas o tempo não seja pensado para as
crianças e suas necessidades, e “entender que as pessoas são sujeitos da história e da cultura, além
de serem por elas produzidas, e considerar os milhões de estudantes brasileiros de 0 a 10 anos como
crianças e não só estudantes, implica ver o pedagógico na sua dimensão cultural, como conhecimento,
arte e vida, e não só como algo instrucional, que visa ensinar coisas.” (Kramer, 2007, p.19)
Esse tipo de situação da falta do tempo para as brincadeiras ou da falta de uma
estrutura adequada para as mesmas acontece por diversas razões, inclusive pela pressão
de familiares e autoridades por resultados. Desde o seu primeiro ano no ensino
fundamental as crianças passam por processos nunca vivenciados antes, como
avaliações e a busca por resultados. Para o MEC, no documento do PNAIC, o Pacto
nacional de alfabetização na idade certa, um programa feito para os professores da rede
pública , a idade ideal para a criança ser alfabetizada é até os 8 anos de idade, no final
do terceiro ano do ensino fundamental, mas desde o primeiro ano é esperado que as
crianças sejam alfabetizadas o quanto antes, o que pode gerar nervosismo e sentimento
de insegurança nas crianças, além da imposição de um ritmo de aprendizado,
esquecendo-se que cada criança possui sem tempo e sua individualidade.
Sabemos que a ampliação dos anos do feita no ensino fundamental foi criada
para que mais crianças fossem para a escola, diminuindo assim o número de crianças na
rua e/ou fora da escola, porém, além desse pensamento, é preciso cuidado com as
crianças que vão para essa escola tão pequenas, não basta apenas colocá-las em uma
instituição de ensino que vai prepará-las para a vida adulta, mas pensar em um lugar que
vai recebê-las e preservar seu direito de ser criança. Para Kishimoto, “muitas políticas
públicas continuam privilegiando a igualdade de condições e educação ‘igualitária’. Não percebem que a
diversidade marca o mundo dos seres humanos, que os contextos educativos são plurais e requerem
soluções – também plurais. Ignoram que as crianças tem múltiplas vozes e que precisam de estratégias
diversas para a educação. A equidade representa a oportunidade a todas as crianças no âmbito da
diversidade.” (2007, p.68)
Na Lei de Diretrizes e Bases, lei em que a educação infantil passa a ser parte da
educação básica no ano de 1996 e que apresenta a modificação do ensino fundamental
de 9 anos em 2006, e a obrigatoriedade do acesso à escola a partir dos 4 anos de idade
em 2013, o ensino básico se organiza da seguinte forma: pré-escola, ensino fundamental
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e ensino médio. Neste documento a educação infantil recebe uma seção própria, a Seção
II Da Educação Infantil, que conta com pontos importantes como o Artigo 29 que diz “A
educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da
criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a
ação da família e da comunidade.” , porém, as informações que encontramos sobre a
educação infantil na LDB se limitam apenas aos dados sobre permanência e acesso às
escolas de educação infantil, com exceção de um dado importante, sobre a avaliação da
educação infantil que acontece através de registros de seu desenvolvimento, mas sem o
objetivo de promoção ou classificação de notas e nem mesmo de acesso para o ensino
fundamental.
Porém, com a transição da pré-escola para o ensino fundamental algumas
mudanças acontecem, como por exemplo as cobranças para a alfabetização e ensino
matemático, que já eram cobradas por alguns pais de crianças na pré-escola, mas agora
são somadas com as políticas públicas , e junto com elas avaliações internas e externas.
As provas internas são feitas pelas professoras para compreender em qual nível de
aprendizado o aluno está e as avaliações externas como a “provinha Brasil” e o
“Saresp” são utilizados para através dos resultados ranquear as escolas, porém esse
tipo de prova acaba, inclusive trazendo resultados negativos, principalmente para a
criança, pois é aparente o nervosismo das mesmas quando o assunto da prova é tocado
em sala de aula, elas se sentem ansiosas, com medo e até mesmo com a auto- estima
abalada, em experiências em sala de aula com uma turma do ensino fundamental no ano
de 2016 ouvi diversos comentários vindos de crianças como “Nossa, é muito difícil!
Não vou conseguir!”, isso se torna mais grave se nos lembrarmos que na educação
infantil elas não passaram por experiências como essa. Porém, não se trata apenas dessa
forma de avaliação, como citado por Nascimento “ podemos ver o ensino fundamental de nove
anos como mais uma estratégia de democratização e acesso à escola. Por outro lado, tal leitura não dá
conta da realidade e da multifatorialidade que influenciou tal decisão política e pedagógica. A Lei nº
11.274, de 6 de fevereiro de 2006, assegura o direito das crianças de seis anos à educação formal,
obrigando as famílias a matriculá-las e o Estado a oferecer o atendimento.” (2007,p.27) ,quando o
ensino fundamental de 9 anos teve início, a obrigatoriedade de matrícula de crianças
com 4 anos na pré escola ainda não acontecia, e muitas crianças ficavam fora da escola
até que completassem a idade adequada para ingresso no ensino fundamental, porém,
quando analisamos os muitos contextos é muito importante entender sobre esse ponto
de vista da criança estar na escola ao invés de estar na rua por exemplo, porém, essa
entrada na escola não precisa ser rude, afinal, se para uma criança que já estava em um
ambiente escolar as mudanças já são complicadas, para uma criança que nunca
frequentou a escola o processo poderia ser ainda mais difícil.
Nos documentos analisados foi possível perceber que há uma preocupação com
a integridade da saúde emocional dessa criança que acaba de mudar de escola. Perceber
que esse momento é delicado e que as práticas vivenciadas na educação infantil não
podem ser cortadas de repente faz toda a diferença para a vida escolar dessa criança. Há
uma atenção para essa fase na base nacional comum curricular e nas diretrizes
curriculares nacionais, principalmente com a recepção dessa criança na escola e na
elaboração de um currículo apropriado para as crianças que vão chegar na escola e que
antes estavam em um ambiente escolar totalmente diferente deste novo, “na perspectiva da
continuidade do processo educativo proporcionada pelo alargamento da Educação Básica, o Ensino
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Fundamental terá muito a ganhar se absorver da Educação Infantil a necessidade de recuperar o caráter
lúdico da aprendizagem, particularmente entre as crianças de 6 (seis) a 10 (dez) anos que frequentam as
suas classes, tornando as aulas menos repetitivas, mais prazerosas e desafiadoras e levando à participação
ativa dos “alunos” . A escola deve adotar formas de trabalho que proporcionem maior mobilidade às
crianças na sala de aula, explorar com elas mais intensamente as diversas linguagens artísticas, a começar
pela literatura, utilizar mais materiais que proporcionem aos alunos oportunidade de raciocinar
manuseando-os, explorando as suas características e propriedades, ao mesmo tempo em que passa a
sistematizar mais os conhecimentos escolares.” (Brasil, 2013, p.121).
Objetivos como esses precisam ser levados a sério, principalmente no primeiro
ano do ensino fundamental, já que muitas vezes por cobrança de resultados da escola, da
legislação ou até mesmo da família, as crianças têm o seu direito de brincar, que já é
diminuído quando entram no ensino fundamental, ainda mais reduzido, como nas
semanas de avaliação escolar (interna ou externa) em que para que todas as atividades
sejam feitas dentro do prazo os momentos de brincadeira acabam sendo ainda mais
reduzidos o que acaba sendo muito prejudicial para a criança, segundo
Kramer(2007,p.38), o plano informal das brincadeiras possibilita a construção e a ampliação de
competências e conhecimentos nos planos da cognição e das interações sociais, o que certamente tem
consequências na aquisição de conhecimentos no plano da aprendizagem formal.
Sabemos que, segundo a Constituição Federal a educação para as crianças é um
direito e é um dever do estado e da família ,porém, vemos que ainda há muito para se
pensar e discutir, já que inclusive na constituição, a educação das crianças tem como
objetivo o “preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Pouco se fala da criança, a lei trata mais do ensino, como ele deve ser, como as escolas
devem funcionar, não há muita relação entre vida social da criança com a escola, como
escrito na lei: “Art.227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão. (Redação dada pela emenda constitucional nº65, de 2010)”. Se
tratando da vida escolar das crianças, um dos pontos mais importante da Constituição é
a de que é nesse documento que a educação se torna responsabilidade do Estado, porém,
o dever da escola não deve se limitar apenas a preparação para o mercado de trabalho, é
necessário pensar nos direitos dessas crianças, quem são essas crianças e o que elas
precisam enquanto crianças, já que, segundo o estatuto da criança e do adolescente a
pessoa é criança até os 12 anos de idade, e elas possuem o direito de brincar, de ser
respeitada, e participar das atividades da comunidade sem discriminação por suas
origens. Para Díaz (2011,p.258), “a instituição escolar foi bem mais o lugar de constituição da
infância humana que o lugar de sua acolhida: as crianças tornaram-se infantes através do disciplinamento
exaustivo da escola.”
Devemos nos lembrar que para muitas crianças, a escola é o único “refúgio” que
possuem, um único lugar para brincar, e quando se tem 6 anos de idade, a necessidade
do brincar se torna ainda maior, como já citado antes, a brincadeira é também uma
forma de aprendizado e auxilia fortemente no desenvolvimento cognitivo e social da
criança. Portanto, precisa-se de escolas que não passem apenas pilhas de conteúdos para
as crianças, mas que as acolha, as escute e as ajude.
18
Mesmo com as dificuldades existentes, ficamos satisfeitos ao saber que existem
documentos que possuem uma cautela com essa valorização da infância, como já citada
anteriormente, a base nacional comum curricular, que é um documento de uso
obrigatório por escolas no país inteiro (municipais, estaduais e particulares) e é
considerado referência por causa de sua implementação que garante igualdade no ensino
brasileiro, fator que é muito importante já que o Brasil é um país com diversas
divergências sociais, toca no importante assunto de proporcionar que todos os alunos
tenham o direito a aprendizagem. É importante que um documento tão relevante possua
essa dedicação com as crianças de nosso país, o tempo, a autonomia, as vontades e
necessidades das crianças são a prioridade em um título que foi elaborado para a
educação das mesmas, há uma importância da criança como ser humano, e não apenas
como aluno. Nele, como a maioria das leis educacionais há um segmento para cada fase
educacional, mas o mais interessante é sua seção destinada para a transição escolar da
pré-escola para o ensino fundamental.
Para a base, é importante que tanto os professores da pré-escola, como os do
fundamental, elaborem conteúdos e atividades para esse momento, por isso possuem as
“sínteses de aprendizagem para a transição para o ensino fundamental” , nesse trecho
são oferecidas diversas atividades para essa etapa. O objetivo das atividades da síntese
são auxiliar a criança a expressar suas emoções, com a autonomia emocional, respeito
pelo outro durante os conflitos, respeito pelo ambiente escolar, agir em
equipe, respeitar e entender o diferente, promover sua autonomia em atividades
escolares, pessoais e higiene, o conhecimento do corpo e seus movimentos,
conhecimento de cores, sons, texturas, expressão de suas ideias, compreensão e
utilização do vocabulário ligados à noções de grandeza, espaço, medidas, tempo. A base
sugere que os professores da educação infantil e do ensino fundamental se comuniquem
e troquem informações sobre as crianças: “Conversas ou visitas e troca de materiais entre os
professores das escolas de Educação Infantil e de Ensino fundamental – Anos Iniciais também são
importantes para facilitar a inserção das crianças nessa nova etapa da vida escolar.” (Brasil, 2017,p. 49)
1.1. A preparação de docentes para a educação infantil e ensino
fundamental O preparo dos professores, principalmente do professor do ensino fundamental
dos anos iniciais também é muito importante, afinal ele será o condutor dessa mudança
tão complicada. No ensino fundamental, as atividades do primeiro ano precisam ter
alguma articulação, ligação com as atividades feitas na pré-escola para que as crianças
possam ter domínio do que é proposto, além de minimizar os efeitos negativos que a
mudança brusca possa causar, é nesse ano também que as crianças começam a
argumentar, enriquecer seus diálogos com os pares e com adultos dentro e fora da
escola, pois é nessa fase que aumenta sua compreensão de si mesmo, do mundo e suas
situações. A escola tem responsabilidade de uma formação integral com as crianças, de
quebrar alguns costumes que não são bons para as crianças e às vezes as mesmas
possuem por causa de sua formação familiar, pelo meio social em que vivem, segundo a
Base, “É preciso considerar a necessidade de desnaturalizar qualquer forma de violência nas sociedades
contemporâneas, incluindo a violência simbólica de grupos sociais, que impõem normas, valores e
19
conhecimentos tidos como universais e que não estabelecem diálogo entre as diferentes culturas presentes
na comunidade e escola.”. (Brasil, 2017, p.57)
Um ponto importante desse documento na fase do ensino fundamental é
separação dos anos iniciais dos anos finais, afinal, com a lei do ensino fundamental de 9
anos, as crianças acabam ingressando muito pequenas no ensino fundamental e
infelizmente muitas escolas, professores e até documentos pouco se importam com a
idade dessas crianças tão pequenas possuindo responsabilidades tão grandes, o que
acaba gerando um trauma em muitas delas. Nessa etapa do documento (referente aos
anos iniciais do ensino fundamental) há uma atenção especial com as crianças, citando
até mesmo a importância da presença do lúdico durante as aulas e atividades, para assim
introduzir de forma mais leve as crianças para um novo cotidiano, atividades, ambiente
e relações com a sociedade e mundo, é importante que a criança possa se expressar pois
é um processo importante para a oralidade e a escrita, a comunicação das crianças com
seus pares e adultos é essencial para o desenvolvimento de aprendizado.
É importante possuir um grande olhar não apenas para o ensino e o currículo
mas para a criança dentro e fora da escola e olhar também para quem são essas crianças,
qual é o seu contexto social, onde vivem, se elas brincam… “Que espaços e tempos estamos
criando para que as crianças possam trazer para dentro da escola as muitas questões e inquietudes que
envolvem esse período da vida? As peraltices infantis têm tido lugar na escola ou somos somente a
“polícia dos adultos”?” (Nascimento,2007,p.28) Vivemos em um país com muitas diferenças, e
logo, diferentes concepções de infância, e é importante que a escola acolha a todos
igualmente. É extremamente necessário que haja um interesse da escola por conhecer
essas crianças para atendê-las da melhor forma possível.
A educação infantil, que segundo a definição contida nas diretrizes curriculares
nacionais é a “primeira etapa da educação básica, oferecida em creches e pré-escola, às quais se
caracterizam como espaços institucionais não domésticos que constituem estabelecimentos educacionais
públicos ou privados que educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em
jornada integral ou parcial, regulados e supervisionados por órgão competente do sistema de ensino e
submetidos a controle social.”(Brasil, 2013, p.83), mas é obrigatória apenas para as crianças a
partir dos 4 anos, na pré escola. Porém, na base são apresentados os benefícios da
presença das crianças estarem na creche desde bebês , afinal, a creche não é apenas um
lugar onde os responsáveis deixam suas crianças, mas sim um lugar muito importante
para o desenvolvimento, lá elas vivenciam o convívio com crianças e adultos
diferentes, o que é extremamente importante para o conhecimento de outras culturas e
linguagens, aprendem sobre si mesmo, tem sua imaginação estimulada, conhecem
sensações, formas, cores, texturas, sons, estórias, natureza, desfrutam de diversas
brincadeiras novas e diferentes em espaços espaçosos e feitos para esse momento de
brincadeira, tendo seus sentidos cognitivos, sensoriais, intelectuais se desenvolvendo,
tendo uma valorização de sua infância, sendo permitidas de ser criança.
É na educação infantil, durante as brincadeiras que a criança passa por
momentos interculturais, já que na maioria das vezes, durante seu divertimento e suas
brincadeiras de “faz de conta” a criança mostra por gestos ou por frases momentos de
seu cotidiano em casa, trazendo características de sua família para a brincadeira, é
possível notar quando há ou falta atenção para elas em casa, quando possuem pais
violentos ou carinhosos, as atividades que estão presentes na rotina de cada família,
20
assim, quando a criança brinca, ela mostra um pouco de sua cultura e tradições
familiares para seus pares e vice versa, muitas coisas são captadas e adaptadas durante a
atividade, uma criança traz uma experiência, que é misturada com a experiência de
outra criança e assim seu conhecimento cultural aumenta a cada dia.
Tudo que ali acontece é aprendizado, e é extremamente importante, desde bebê
com atividades sensoriais e auxílio no reconhecimento do seu nome quando é chamado,
até quando está finalizando a pré-escola, com atividades relacionadas à leitura,
atividades pensadas pelos educadores para que facilite sua coordenação motora quando
for escrever com o lápis, entre muitas outras, que são todas elaboradas para algum
aprendizado e desenvolvimento das crianças aprendendo sobre oralidade e escrita, se
preparando para a chegada ao ensino fundamental, de forma indireta, claro, afinal a pré-
escola jamais deve ser um “curso preparatório” para o ensino fundamental, e sim uma
fase única e muito importante na vida escolar.
A leitura de estórias para as crianças é uma atividade frequente na educação
infantil, mas é principalmente na pré-escola (4 anos-5 anos e 11 meses) que essa ação
ganha um objetivo: o início da alfabetização, segundo a base nacional comum: “ Ouvir a
leitura de textos pelo professor é uma das possibilidades mais ricas de desenvolvimento da oralidade, pelo
incentivo à escuta atenta, pela formulação de perguntas e respostas, de questionamentos, pelo convívio
com novas palavras e novas estruturas sintáticas, além de se construir em alternativa para introduzir a
criança no universo da escrita. [...] Sobretudo a presença da literatura na educação infantil introduz a
criança na escrita: além do desenvolvimento do gosto pela leitura, do estímulo à imaginação e da
ampliação do conhecimento de mundo, a leitura de histórias , contos, fábulas, poemas e cordéis, entre
outros, realizada pelo professor, o mediador entre os textos e as crianças, propicia a familiaridade com
livros, com diferentes gêneros literários, a diferenciação entre ilustrações e escrita, a aprendizagem de
direção da escrita e as formas corretas de manipulação de livros. Nesse convívio com textos escritos, as
crianças vão construindo hipóteses sobre a escrita que se revelam, inicialmente, em rabiscos e garatujas
e, à medida que vão conhecendo letras, em escritas espontâneas, não convencionais, mas já indicativas da
compreensão da escrita como representação da oralidade.”(Brasil, 2017, p.37). A partir da nossa
pesquisa de campo também presenciei o hábito da leitura em sala de aula, que parecia
muito saudável para as crianças, principalmente porque se elas podiam conversar sobre
as estórias contadas em sala, desenvolver sua imaginação.
Tratando-se do currículo escolar que é sugerido para os educadores, as
informações podem ser encontradas nas diretrizes curriculares nacionais para a
educação infantil são vinculadas às diretrizes curriculares da educação básica, além da
concepção de educação infantil, propostas e objetivos da educação infantil, propostas
pedagógicas. Desde a constituição federal, onde a Educação Infantil passou a ser vista
como direito das crianças e dever do Estado a educação das crianças tem recebido mais
atenção e um olhar mais cuidadoso, e as diretrizes curriculares nacionais para a
educação infantil podem provar isso, afinal é um dos poucos documentos que não
visam apenas a educação infantil como uma simples parte da educação básica, mas
como processo necessário e importante para a formação da criança, e, segundo o
documento, um dos eixos principais da educação infantil é a brincadeira, orientando aos
profissionais das escolas de educação infantil enquanto o brincar, a imaginação e o
lúdico são essenciais para a formação da criança, que também é muito respeitada na lei. “2.2 Criança: Sujeito histórico e de direitos, que, nas interações, relações e práticas cotidianas que
vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa,
experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura.”.
21
(Brasil, 2009, p.12) .Assim ,é possível ver o reconhecimento da criança como indivíduo
que possui suas próprias escolhas, personalidade e autonomia, e que a educação infantil
não é apenas um local para o “depósito de criança”, mas também de cuidados,
brincadeiras e interação social. É possível encontrar na DCNEI, informações
importantes sobre a educação infantil como a faixa etária (0-5 anos de idade, com
obrigatoriedade a partir dos 4 anos de idade) , o processo de avaliação, vagas e
matrícula, e jornada escolar.
A DCNEI possui uma concepção de proposta pedagógica e nela existem ideias
que são consideradas ótimas para a prática nas escolas de educação infantil. É nela que
vemos a importância do brincar, já que um de seus principais eixos é a brincadeira, a
importância das interações sociais com crianças e adultos, a importância da autonomia
em atividades cotidianas. Na proposta pedagógica da DCNEI as atividades que
estimulem seu desenvolvimento físico e intelectual, o acesso à leitura e às estórias, o
incentivo pela curiosidade, o encantamento, o contato com o lúdico, contato com
diversos tipos de artes como música, dança, pintura, interações sociais da criança, a
igualdade de oportunidades para as crianças de diferentes classes sociais , a interação da
escola com a família, o oferecimento de recursos para que as atividades possam ser
realizadas, além do respeito para com as crianças e suas singularidades e seu ritmo.
Além do pensamento voltado para as crianças e suas necessidades, outras
considerações importantes também são feitas, como por exemplo o espaço físico dentro
das creches e escolas de educação infantil, tudo é pensado para as crianças, o que vai
facilitar seu deslocamento pelo espaço, a altura dos brinquedos para que elas mesmas
possam alcançar ou não, dependendo do material. A DCNEI não possui os conteúdos
que devem ser passados para as crianças como a Base Nacional Comum Curricular, mas
sim trazer para os educadores a forma de como a criança e a sua infância podem ser
valorizados nas atividades do cotidiano escolar. Tratando-se da transição da pré-escola
para o ensino fundamental, a DCNEI cita que para que esse processo delicado ocorra de
forma tranquila para as crianças, é preciso uma continuidade dos projetos , não como
um preparo para o ensino fundamental, mas que é necessária a integração entre
educadores da educação infantil e do ensino fundamental para que não haja uma
mudança brusca, se houver a continuidade, a situação será benéfica para crianças e
educadores. Essa continuidade também é citada nas diretrizes nacionais curriculares
para o ensino fundamental , se tratando dos anos iniciais, é necessário uma presença de
conteúdo lúdico e de atividades que sejam parecidas com o que estava sendo trabalhado
antes, é tratado como um “percurso continuo de aprendizagens” , a DCNEF, assim
como a DCNEI também está bastante comprometida em assegurar para as crianças
seus direitos humanos e de cidadania, além do respeito pelo ritmo de cada criança,
buscando sempre métodos para auxiliar na aprendizagem da criança com dificuldade,
para que todos tenham o mesmo direito de educação. Se tratando da avaliação,
encontra-se uma divergência, pois, na DCNEF a avaliação, inclusive a avaliação externa
é parte integrante do currículo, trazendo a mesma sensação de pressão e de
posicionamento dos alunos.
Quando exploramos a fundo nossos documentos, vemos o quanto é grande o
contraste entre o tratamento que as crianças recebem quando estão na educação infantil
e quando estão no ensino fundamental, mesmo com o avanço do debate sobre a
22
transição escolar vemos o quanto é ainda existem diferenças, desde o currículo escolar,
o ambiente em que estão, como por exemplo a liberdade e o espaço para brincadeiras
que existe na educação infantil se transforma em uma sala de aula com mesas e cadeiras
grandes, janelas com grades e pouco espaço para correr, dançar e imaginar. o tempo
para brincadeiras também diminui, na educação infantil, as brincadeiras ao ar livre
como no parque ou pátio que aconteciam todos os dias, diminui para 2 vezes na semana,
além do afeto e do olhar com cuidado que existia antes, parece diminuir e em muitas
vezes até sumir em muitas escolas. “As crianças possuem modos próprios de compreender e
interagir com o mundo. A nós, professores, cabe favorecer a criação de um ambiente escolar onde a
infância possa ser vivida em toda a sua plenitude, um espaço e um tempo de encontro entre os seus
próprios espaços e tempos de ser criança dentro e fora da escola.” (Nascimento, p.31,2007) . A
transição precisa ser planejada com mais carinho pois é uma mudança drástica para os
pequenos, o que resulta muitas vezes em casos de “indisciplina”, conflitos entre os
pares, baixa auto-estima e dificuldades de aprendizagem, o que é resultado da falta de
atenção para com eles e de políticas públicas focadas na garantia dos direitos das
crianças.
Podemos ver atualmente o quanto a falta de atenção para o ponto de ser criança
pelas autoridades vem trazendo perdas principalmente para as crianças, é necessário que
existam objetivos voltados para além da formação do ser humano para o trabalho,
afinal, se pensarmos de forma literal, não é difícil perceber o quão cruel e prejudicial
pode ser transformar uma criança em um mini adulto, pressionar profissionais de
educação por resultados que não respeitem o lúdico e o tempo de cada criança.
23
Capítulo II O fundamental de 09 anos – tergiversações
Uni duni te,
Salame minguê,
Um sorvete colorê,
O escolhido foi você.
2. As vivências na Educação infantil Quando criada, a lei nº 11.274 para que o ensino fundamental passasse a ter 9
anos de duração foi apresentada pelo MEC(2006) como uma forma de assegurar a todas
as crianças um tempo mais longo no convívio escolar, mais oportunidades de aprender e
um ensino de qualidade. A ideia do convívio escolar para muitas crianças que não
tinham o seu direito de acesso à escola assegurado é ótima, porém, por que não tornar
obrigatório o acesso da criança de 6 anos na educação infantil? Quais os objetivos
previstos para tal ação? Pensou-se de fato, nas crianças? As metodologias de ensino
nesse âmbito escolar são diferentes das metodologias da educação infantil? Como
ensinar conteúdos sérios para crianças tão pequenas?
Iniciamos esse capítulo, que trata de nosso trabalho empírico da mesma forma
que realizamos esta parte do trabalho, com muitos questionamentos sobre como seria o
ensino adequado para as crianças brasileiras, principalmente pois diferentemente da
primeira fase da pesquisa empírica na escola de educação infantil, na escola de ensino
fundamental eu não conhecia a professora da escola, portanto, observar como toda a
situação iria acontecer causou bastante curiosidade.
Com a pesquisa empírica, a ideia foi acompanhar um grupo de crianças
enquanto estavam na pré-escola em 2016 e no ano seguinte, em 2017, acompanhá-las no
1º ano do ensino fundamental para percebermos na prática os efeitos dessa mudança de
ambiente e práticas escolares nas crianças, além do ato de reflexão sobre esse modelo
escolar e o olhar que as infâncias brasileiras têm recebido das escolas e das autoridades.
Para realização da pesquisa adotamos os seguintes passos metodológicos: observação e
as entrevistas com educadores, as crianças não foram entrevistadas, utilizamos apenas
os diálogos que observamos entre criança-criança e criança-adultos e leitura de
documentos oficiais da escola e registros das educadoras. Separamos em duas etapas
para que através da observação das crianças na pré-escola pudéssemos analisar melhor
como seria a experiência do ensino fundamental para as mesmas, visto que o foco de
nossa pesquisa é pensar como a transição é vivida e sentida pelas crianças.
A Pré-Escola
A primeira etapa desse trabalho empírico foi a partir de uma pesquisa não participante,
realizada em uma escola pública de educação infantil no município de Campinas ,
acompanhando uma turma da pré-escola com crianças com idade entre 4 e 5 anos. Para
a realização da pesquisa também li o projeto político pedagógico da escola feito pela
gestão escolar, professoras e funcionários para obter informações sobre o local
(Campinas,2015). A escola fica em um bairro periférico da cidade de Campinas,
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atende cerca de 270 crianças entre 0 e 5 anos , e possui diversos espaços lúdicos e muito
espaçosos para a realização de diversas brincadeiras, os espaços em que as crianças
passavam a sua semana são: seis salas de aula, um solário, um pátio coberto, parque de
areia, brinquedoteca e até mesmo os banheiros eram adaptados, com peças adaptadas
para o seu tamanho.
Como realizei o meu estágio de gestão escolar nessa escola durante um ano,
reparei que é uma escola muito procurada pelos moradores da região, presenciei
semanalmente a visita de diversas mães precisando de vagas para que pudessem
trabalhar e deixar suas crianças na creche, porém a escola se encontrava com as turmas
cheias, com cerca de 25 a 28 crianças para apenas um adulto, no caso, a professora por
sala no agrupamento III, a pré-escola, e muitas crianças entravam a partir da ordem
judicial, portanto as turmas eram numerosas, as turmas do agrupamento III não
chegavam ao ponto de exceder o número limite de crianças por turma pois a escola
possuía 6 turmas, mas mesmo assim a turma pesquisada possuía o número máximo de
crianças, já o agrupamento II por exemplo, com crianças de 2 e 3 anos , tinha cerca de
até 6 crianças a mais por turma.
Considerei importante analisar com mais cuidado as metas pedagógicas da
escola , que são as seguintes: Repensar as festas e comemorações com o intuito de não se perder o
imaginário infantil; Trazer apresentações para as crianças de dança, música, canil da guarda municipal,
banda da PM, etc; Palestras para os pais sobre conflitos, mordidas, educação dos filhos, limites, e
planejamento familiar; Promover mais momentos de integração entre a família e a comunidade; Continuar
projeto muro (espaço sensorial, jardim com mudas, envolvendo tanto metas pedagógicas quanto
estruturais); O grupo ainda precisa cuidar do coletivo, espaços . – (Campinas,2015, p.53)
Na 3ª versão da Base Nacional Curricular Comum (2017), um dos eixos
principais da educação infantil é a brincadeira, o lúdico, e a primeira meta do projeto
pedagógico da escola trata-se das festas das crianças, que deve ser preparada para elas,
para que não se perca o imaginário infantil, assim, vemos que o foco da escola é de ser
um ambiente bom principalmente para as crianças. Uma outra parte importante para
minha análise foram os propósitos da Unidade Escolar, que já se inicia com um texto de
Gianfranco Zavalloni (2015) sobre os direitos das crianças, após isso a comunidade
escolar trata da criança no documento como um “pequeno sujeito histórico”, entende-se
que cada criança possui uma personalidade, crianças são diferentes e possuem infâncias
diferentes e é dever dos educadores mostrarem, através da própria convivência que
existem as diferenças e ensinar a respeitá-las, mais que isso, que o educador saiba
que, cada criança possui uma particularidade, sabendo lidar com elas e não tratando
todas como um todo, respeitando o tempo, diferenças e necessidades de cada criança.
No próprio projeto pedagógico da creche são citadas as leis da educação infantil, como
no seguinte trecho: “A importância da infância está presente nas políticas públicas e programas que
visam promover e ampliar as , condições necessárias para o exercício da cidadania das crianças, que
passaram a ocupar lugar de destaque na sociedade.” (Campinas, 2015, p. 58)
Toda a estrutura física do local também é pensada sempre em primeiro lugar nas
crianças que estão ali todos os dias, nas metas da U.E. estão presentes diversas
propostas de melhorias no ambiente para que as crianças consigam praticar sua
autonomia e se sintam confortáveis, além de melhorias para a segurança das crianças.
As turmas da U.E. são multietárias, por exemplo, no agrupamento III as crianças têm
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entre 4 e 5 anos, e segundo o documento escolar essas turmas com idades que não são
exatamente a mesma podem ser muito boas para as crianças, já que as mais velhas
podem auxiliar os mais novos em atividades ainda não conhecidas por eles e exercer
autonomia, cumplicidade e os mais novos aprender com os mais velhos, além do
compartilhamento de conhecimento de ambos, já que vieram de casas, culturas e turmas
diferentes.
A turma que acompanhei era formada por 28 crianças e uma professora, e
ficavam em uma sala de aula espaçosa com uma metragem de 33.90, onde as crianças
realizavam suas atividades e brincadeiras. Havia apenas algumas mesas pequenas
(imagem 1) além da mesa da professora, para que as crianças fizessem suas lições e
desenhos , assim, as crianças utilizavam as mesas aos poucos, cerca de 6 crianças de
cada vez , enquanto algumas faziam a lição na mesa, as outras brincam, os “grupos” vão
se revezando até que todas realizem a atividade, geralmente algum desenho, que a
professora passou para a turma. Apesar da sala possuir brinquedos, ser espaçosa e com
acesso para uma área externa, o modelo da sala de aula já possuía referências de uma
escola mais tradicional, com mesas e cadeiras além das letras do alfabeto na parede,
dando a entender que já preparava a criança para uma futura transição, já que possuía
vestígios de um ambiente infantil, mas também de uma sala de aula tradicional.
Mesmo com a “ordem” de fazer a lição dada pela professora, pude notar que há
muito respeito pela autonomia das crianças, a professora não obrigava as crianças, mas
incentivava-as , usava um diálogo que mostrava para a criança que ela deveria fazer as
atividades, mas sem o abuso de poder professor-aluno , em alguns diálogos, a
professora sugeria que a criança fizesse a atividade “João*, que tal vir aqui na mesa
fazer o desenho junto com os colegas?” , com esse método, praticamente todas as
crianças iam realizar as atividades por livre e espontânea vontade, quando alguém
entregava a lição a professora olhava se a criança havia colocado o nome e a data (que
estava na lousa), se não, ela pedia para que a criança escrevesse e chamasse o próximo
colega que ainda não havia feito a atividade para a mesa.
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Imagem 1
Grande parte das crianças da turma, principalmente as que iriam para o ensino
fundamental no ano seguinte já sabiam escrever o próprio nome, conheciam algumas
letras e números através de atividades dadas pela professora em folhas e na lousa. A
maioria das atividades era baseada em leituras de livros feitas pela professora ou
atividades como os passeios e/ou projetos da escola e turma, onde as crianças podiam
desenhar sobre. Assim que terminam as lições, as crianças podem retornar para as
brincadeiras, que acontecem em sua maioria na sala de aula, que possui uma grande
quantidade de diversos brinquedos como bonecos e bonecas, jogos (quebra cabeça,
jogo da memória, jogos que auxiliam raciocínio e coordenação motora,etc) ,fantasias,
acessórios, maquiagem, carrinhos, mini cozinha e jogos com peças para montar, a
maioria encontrava-se em locais e alturas de fácil acesso para as crianças, com exceção
de alguns jogos de letramento que ficavam em uma prateleira mais alta que apenas a
professora tinha alcance. (Imagem 2) Os brinquedos da sala eram utilizados pelas
crianças do período da manhã e da tarde, a escola destinava um dinheiro para a compra
dos brinquedos da sala uma vez por ano, e as professoras, em decisão conjunta e a partir
de conversa com as crianças sobre os brinquedos desejados compravam os brinquedos
escolhidos.
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Imagem 2
Na hora da brincadeira as crianças ficam em diversas partes da sala, mas
especialmente em um tapete grande que era estendido no chão para esses
momentos, perto dos brinquedos. É possível observar como as crianças trazem
elementos que vivenciaram em casa ou na escola para essa ação. Elas utilizam
acessórios, fantasias, bonecas, utensílios que imitam objetos utilizados por adultos, e,
uma dessas brincadeiras de “faz de conta”(Imagens 3 e 4). Uma cena em especial me
chamou a atenção, onde duas meninas com cerca de 5 anos de idade fingiam estar em
uma escola, uma delas fingia ser a professora, possuía uma postura mais séria, porém
muito simpática, como se de fato estivesse em seu ambiente de trabalho, a outra,
segurando uma boneca, representava uma mãe com sua filha, dialogavam sobre uma
excursão para o aquário de São Paulo, a “professora” estava passando informações
sobre o passeio para a “mãe”. A brincadeira me chamou atenção, pois, uma semana
antes, houve de fato na escola uma excursão para o aquário de São Paulo.
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Imagem 3
Imagem 4
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Estar na sala acompanhando as vivências da turma foi uma experiência muito
importante para ver na prática a importância das brincadeiras, da interação social que
era formada ali. Outro momento muito agradável para as crianças era a hora da
contação de estórias: todas as crianças se sentavam no tapete ao redor da cadeira da
professora, que todos os dias lia um livro diferente para a turma, ela lê e mostra as
figuras do livro para as crianças, que que ficam atentas o tempo todo, depois da leitura,
a professora conversa com as crianças sobre o livro, permite que as crianças comentem
sobre o que gostaram na estória, as personagens, etc. Em uma tarde de leitura, após um
livro sobre animais a professora perguntou para as crianças quais animais elas gostariam
de ser, causando uma grande empolgação nas crianças que queriam responder e falar
sobre os animais, com mediação da professora, que organizava a ordem de quem iria
falar, quem sentia vontade fala qual animal seria, alguns queriam ser onça, golfinho,
baleia, cachorro...
As crianças gostavam muito de leitura, possuíam grande interesse pelos livros , e
tinha o nome de “turma do sítio” , referente a obra “sítio do pica pau amarelo” . A
turma, denominada assim por escolha das próprias crianças através de votação das
crianças passava por um processo de interação entre escola, crianças e família muito
interessante: o mascote da turma, um boneco do saci, acompanhava toda uma semana
uma criança em sua casa junto com um caderno, que deveria voltar com um desenho
feito pela criança junto com um registro escrito feito pela família, logo, uma forma de
letramento, sobre como foi a estadia do mascote em sua casa. , incentivava ainda mais a
leitura e a aproximação da escola com a família. A professora me relatou que as
crianças esperavam ansiosamente não só para levar o saci para casa, mas também para
saber como foi para os amigos tê-lo em sua casa. Os desenhos eram muito caprichados,
e os registros feitos com muito esmero pela maioria das famílias. Acompanhando a
turma, conheci os outros projetos em que eles estavam envolvidos: o projeto muro em
que as crianças plantavam temperos e hortaliças em um jardim vertical, cuidavam da
plantação e depois colhiam comiam os produtos em suas refeições e o projeto jornal
onde as crianças junto com as professoras faziam uma espécie de jornal com notícias
sobre a escola.
Com a leitura de documentos feitos pela professora, notamos que haviam várias
formas de introduzir a prática de letramento naquela turma, seja pelo alfabeto que ficava
acima da lousa, pelo uso dos crachás com nomes, da escrita na lousa com a data dos
dias, a leitura de livros com estórias, e o projeto jornal, que contava com produções
feitas pelas crianças, que eram realizados com animação pelas crianças, principalmente
as que iam para o ensino fundamental no ano seguinte. A literatura era a forma de
letramento mais utilizada pela professora, que contava estórias para as crianças todos os
dias, causando nas crianças uma imensa curiosidade pela leitura, além dos livros lidos
pela professora, na sala havia uma estante com livros e revistas que as crianças podiam
pegar, olhar, ler de sua maneira (Imagem 5).
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Imagem 5
Um momento marcante foi também a festa de aniversário que acontecia na
escola no final de todo mês para os aniversariantes, não presenciei esse momento
enquanto estava na pesquisa de campo, mas sim ao longo de 2016 durante o estágio de
gestão escolar. A festa acontecia no recreio, e ao invés do almoço tradicional eram
servidas comidas diferentes como lanches, pães de queijo, suco e claro, o bolo de
aniversário. As crianças aniversariantes do mês iam para a mesa do bolo para receber os
parabéns dos coleguinhas das turmas, como em uma festa tradicional de aniversário, um
momento simples, mas de grande importância para muitas crianças que estavam ali,
para muitos era a única ocasião para uma festa e comer algo diferente, e se sentir
especial, recebendo atenção e as professoras sempre respeitaram e cuidaram muito desse
momento, junto com a equipe escolar para que a festa sempre acontecesse. No dia da
festa o tempo de recreio era prolongado, as crianças podiam inclusive ir para uma sala
decorada e com música dançar. Em alguns meses, como em outubro, as festas eram
temáticas, neste mês o tema foi dia das bruxas e as crianças e professoras foram
fantasiadas.
31
Se tratando da relação entre escola e família, notei que na educação infantil essa
união parece ser mais forte que em outros momentos da vida escolar da criança, o
diálogo entre responsáveis e professora era frequente (através de bilhetes ou
pessoalmente nos momentos de entrada e saída da escola), e em reuniões de pais, onde a
maioria dos responsáveis pelas crianças compareceu em uma reunião em que estive
presente. A professora marcou um horário para conversar com cada responsável por
cada criança, tendo assim um momento dedicado apenas a essa criança. No encontro
com os responsáveis a professora falava sobre o desenvolvimento escolar da criança,
seu comportamento, e os pais também se demonstravam muito interessados, faziam
perguntas e ouviam atentamente as palavras da professora, muitas mães falavam da
família, do ambiente em que a criança se encontrava, e a professora muitas vezes
também aconselhava os pais sobre o tratamento para com a criança ,como a separação
de um momento para brincadeiras e diálogos em casa , sobre atividades que poderiam
fazer juntos e atividades que poderiam melhorar a convivência de ambos, era possível
ver uma união entre escola e família, o que é extremamente importante para o
desenvolvimento de toda criança.
O ambiente da escola de educação infantil era espaçoso e com luz solar já que a
todas as salas possuíam uma área externa além do pátio que era grande e mesmo coberto
possuía as laterais abertas, deixando o ar fresco para crianças e bebês, as crianças
também possuíam muito autonomia para andar e explorar pelos espaços da escola por
causa de sua estrutura física: todos os móveis e brinquedos que ali estavam eram
planejados especialmente para o uso de crianças pequenas, desde as cadeiras da sala e
refeitório até as pias e bebedouros para lavar as mãos, os ambientes muito arejados,
janelas abertas e com saída para uma pequena varanda, tapetes macios para que possam
sentar, brincar, descobrir estórias em um local confortável, tornando o ambiente de
aprendizado e brincadeiras ainda mais prazeroso, brinquedos ao seu alcance em diversos
lugares da sala, a existência de mais de um parque, tudo muito direcionado para o seu
direito de brincar e de ser criança.
As crianças tinham uma rotina no ambiente escolar, todos os dias, no começo
da aula a professora fazia a roda com as crianças para conversarem sobre diversos
temas, as crianças compartilhavam com a professora e os colegas seus sentimentos,
questionamentos, relatos de vivências fora da escola com a família, eram ouvidas. Após
esse momento as crianças iam para o almoço, sempre faziam fila para irem juntos
seguindo a professora, no corredor a professora e as crianças iam cantando músicas do
repertório de músicas lúdicas conhecidas na escola, já no refeitório eles faziam seus
pratos um de cada vez e comiam juntos. Após o almoço voltavam para a sala, faziam
sua higiene pessoal escovando os dentes, enquanto alguns alunos iam em grupos
pequenos as outras crianças ficavam na sala de aula brincando. Após o momento da
higiene a professora contava a estória, e dependendo do dia eles faziam as atividades
escolhidas pela professora e depois brincavam de forma livre ou vice versa.
Enquanto estive na escola, observei a constante alegria que as crianças sentiam
em estar lá, é claro, que às vezes ocorreram conflitos entre algumas crianças, a maioria
referente a brinquedos, mas tudo resolvido de forma muito prática, em que a professora
sempre os incentivava a dizer o que sentiam um para o outro, assim o conflito logo
32
chegava ao fim e as crianças estavam brincando novamente. Existia uma grande relação
de união entre as crianças e seus pares e entre as crianças com a professora, em nenhum
momento observei a rotina como hierarquia, pelo contrário, o diálogo era sempre muito
bem didático para as crianças e a professora os respeitava como criança e ser
humano. A turma, que era volumosa, possuía crianças com diferentes valores culturais,
vivências sociais e concepções de vida, é impressionante ver como em apenas uma
turma podem haver tantos perfis diferentes. A maioria das crianças eram bem agitadas,
estavam em sua maioria do tempo brincando, falando alto, cantando, dançando, se
fantasiando. Alguns possuíam um perfil mais tranquilo, brincante, mas mais reservado,
outros eram mais aflitos, estavam envolvidos na maioria dos conflitos que aconteciam
na sala. Conflitos que, em sua maioria eram inevitáveis visto que eram crianças em fase
de descoberta e interações com crianças diferentes. Na maioria das vezes, após o
conflito as crianças envolvidas iam procurar a professora, que intermediava os conflitos
explicando para as crianças o que havia acontecido para que elas entendessem de forma
clara o que ocorreu, além do conselho para que as crianças falassem para o colega o que
estavam sentindo, resolvendo, na maioria das vezes de maneira rápida essas situações.
As crianças formavam um grupo unido, com afeto e cuidados umas pelas outras, além
do afeto pelos amigos das outras turmas, com amizades formadas através das interações
entre as turmas, ou até mesmo pelo carinho e cuidado com os bebês quando se
encontravam pelos corredores da escola.
As relações de afeto aconteciam também com os adultos da escola, como a
professora, as monitoras e professoras anteriores com quem conviveram em anos
anteriores, e também com os funcionários da escola, como as faxineiras e cozinheiras.
Eram abraços e sorrisos trocados com todas essas crianças e adultos que faziam com
que as crianças se sentissem queridas e amparadas na instituição.
A maioria das atividades realizadas pelas crianças era determinada pela
professora, como os projetos muro, uma espécie de jardim vertical e sensorial com
plantação de sementes e temperos plantados, regados e colhidos pelas crianças; o
projeto jornal onde as crianças construíam notícias sobre a escola e eram as próprias
“jornalistas” e o conteúdo da turma do sítio, em geral feitas de forma lúdica,
estimulando o brincar e a criatividade dos pequenos. Lendo os relatórios individuais de
cada criança feito pela professora foi muito interessante analisar como cada criança se
identificava mais com algum projeto em específico mas que todas estavam sempre
muito comprometidas a participar destes projetos.
As brincadeiras, como por exemplo o faz de conta acontecia em momentos
como o parque, pátio e também na sala de aula. Quando a brincadeira livre acontecia na
sala de aula, a professora utilizava o tempo para olhar os cadernos de recados das
crianças e enviar ou responder recados dos pais, arrumar atividades e os armários da
sala, além de mediar possíveis conflitos das crianças. Ela não podia supervisionar todas
as crianças proximamente nesse momento, já que era o único tempo no período das
13:00 às 17:00 para olhar o caderno de recados por exemplo, já que ela ficava sozinha
durante todo esse tempo com as 28 crianças.
33
Em diálogo com a professora e com a observação da reunião de pais e
responsáveis que aconteceu em meu período de pesquisa, descobrimos também o amor
que as crianças sentiam pela escola e por estarem em um local onde podiam viver sua
infância livremente, sem empecilhos. Na reunião de pais, por exemplo, uma mãe
relatava para a professora: “Ele ama aqui, você acredita que esses dias, era domingo,
nós passamos aqui na frente e ele ficou desesperado querendo entrar? Não queria saber
se era domingo, queria ir pra escola.” , e durante o dia de reuniões ouvi relatos
parecidos com esse, o que me indagou uma série de questões, será que na futura escola
as crianças sentiriam essa mesma empolgação, esse mesmo amor em relação à
escola? Nos relatórios feitos no último trimestre a professora narrou que as crianças
que iriam para a escola no ano seguinte estavam muito entusiasmadas para ir para a
nova escola, já sabiam escrever seus nomes, conheciam algumas letras e falavam com
animação e ansiedade sobre a nova experiência. Para Dias e Campos (2015,p.3-9) “a
passagem da criança da educação infantil para o ensino fundamental se caracteriza pela força cultural do
mundo letrado na sociedade. Em busca não somente da razão de ser, mas de muitas outras razões da
própria existência humana, as crianças ingressam no universo escolar cheias de expectativas. Nesse
contexto, elas interagem com o novo, com o inesperado, e experimentam as vivências mais variadas
possíveis dentro do próprio grupo, com os adultos, os espaços e os objetos que constituem esses espaços.
Elas trocam conhecimentos sobre os acontecimentos que as rodeiam e as percepções acerca dos fatos de
seu cotidiano. Criam e recriam situações, compartilham risos e afetos, curiosidades e medos, dúvidas e
incertezas do desconhecido, bem como falam e agem com simplicidade.
Apesar da escola de educação infantil pesquisada possuir os momentos das
brincadeiras livres, brinquedos, momentos de brincadeira unido ao lazer e ao conforto, a
estrutura física das salas de aula das turmas da pré-escola possuem vestígios de uma
singela preparação para o ensino fundamental, ao analisarmos as fotos dos ambientes
entre pré-escola e ensino fundamental as salas de aula possuem mais traços semelhantes
que diferentes entre elas. Nos fazendo refletir se as escolas analisadas possuem tantas
diferenças como analisado nas leis.
2.1Vivência no Ensino Fundamental A Escola de Ensino Fundamental
No ano de 2017, no dia 22 de agosto, iniciei a segunda fase da pesquisa
empírica, dessa vez como pesquisadora participante em uma escola de ensino
fundamental onde a maioria das crianças da escola de educação infantil onde foi feita a
primeira etapa da pesquisa estavam estudando no 1º ano do ensino fundamental, já que
uma escola fica ao lado da outra. Fiquei coma turma 1º ano A, nessa turma haviam 30
crianças, 6 delas estudaram na escola de educação infantil e 3 fizeram parte da turma em
que fizemos a primeira fase da pesquisa. O turno escolar era das 7h da manhã até meio
dia, e dentre esse horário ao longo da semana, as crianças tinham além das aulas da
professora, aulas de artes e educação física, além de uma vez por semana visitarem a
biblioteca. Assim que cheguei na escola, o que mais me chamou atenção foi a diferença
da estrutura física entre as escolas, diferentemente do espaço da antiga escola, a escola
de ensino fundamental apresentava uma violência simbólica contra o movimento da
infância pois possuía grades nas janelas, uma sala de aula menor com mesas e cadeiras
bem maiores que o tamanho ideal para aquela faixa etária(imagem 6 e 7), e mesmo com
34
o esforço da professora, que organizava as mesas da sala de forma dinâmica, onde as
crianças ficavam lado a lado, e não em fileiras diferente do tradicional , o espaço não
era adequado para crianças de 6 anos.
A sala também não possuía brinquedos, ou um espaço dedicado para as
brincadeiras. Segundo Froebel, o brincar em qualquer tempo não é trivial, é altamente sério e de
profunda significação (1912, p.55), portanto, esta ação deveria estar presente também no
cotidiano escolar dessas crianças de 6 anos de idade, e não ser eliminada de forma tão
brusca de um ano para o outro, como acontece atualmente na transição da educação
infantil para o ensino fundamental. Além da sala de aula totalmente diferente, as
crianças vão ao parque apenas 2 vezes por semana, assim, o único momento que as
crianças tem para brincar livremente todos os dias é durante o recreio, que contém 20
minutos. Notamos na prática como o tempo do brincar ia diminuindo ao longo da rotina.
Imagem 6
35
Imagem 7
Apesar de nossa indagação sobre o espaço escolar, enquanto acompanhei as
aulas tive uma surpresa muito positiva, como já citado acima, a professora da turma se
esforçava muito para que a sala de aula não tivesse um ar pesado para as crianças.
Felizmente não encontrei situação de adultrocentrismo ou abuso de poder, pelo
contrário, desde meu primeiro dia notei uma situação de grande parceria entre a
professora e as crianças. A professora tratava a todos muito bem, com muito respeito,
ela escutava as falas das crianças, dialogava com animação, abraçava, se preocupava
com o bem estar das crianças e brincava, e esse foi um ponto muito importante em
nossa pesquisa, já que estamos debatendo como a inserção no ensino fundamental
atualmente é complicado para nossas crianças, é essencial que existam educadores que
possam ajuda-los nessa fase.
A preocupação da professora para com os alunos era visível em todos os
detalhes, desde a proximidade entre eles até o material, que é, em sua maioria, como
lápis de cor, giz de cera, canetinhas, cola, tesoura, apontador, era de uso coletivo. A
professora sugeriu para as crianças e suas famílias que o material que as crianças
ganharam da prefeitura fosse deixado em casa para que as crianças utilizassem em casa,
e trouxessem apenas o básico como lápis de escrever, borracha, etc. Essa forma de usar
o material coletivo é uma forma de que todas as crianças tenham chance de utilizar as
mesmas coisas, evitando assim situações de distinção social já que todos ali têm acesso
e utilizam os mesmos objetos, além de ser uma prática também utilizada na educação
36
infantil. Entretanto, encontrei situações difíceis, que irei relatar brevemente, em que a
professora não podia controlar como por exemplo, a cobrança pela alfabetização, as
avaliações, o pouco tempo para o brincar.
No dia em que cheguei à escola, em agosto, época de realização de avaliação, as
crianças estavam fazendo uma atividade no livro de ciências, algumas com bastante
dificuldade. As mesas estavam organizadas na sala em formato de “U”, uma mesa ao
lado da outra e algumas dentro do semi-círculo, também lado a lado, para que as
crianças pudessem interagir e se ajudar. A professora estava na frente da lousa
explicando a atividade e realizando junto com eles, e mesmo sendo o segundo semestre
do ano, algumas crianças ainda apresentavam muita dificuldade para lidar com o livro
didático, encontrar as páginas, seguir para a próxima atividade , entender que o que
estava na lousa precisava ser passado para o livro, em qual parte do livro deveria
escrever alguma palavra perdida na lousa... As crianças estavam agitadas e confusas,
algumas que entendiam tentavam ajudar os colegas, algumas outras crianças decidiram
não fazer a lição, brincavam com o material, puxavam assunto com o colega que estava
ao lado, passeavam pela sala. Ao longo dos dias, descobri que a professora, na maioria
das vezes respeitava muito os movimentos das crianças.
Enquanto ela passava lições ou fazia rodas de conversa, não exigia que todas as
crianças estivessem sentadas, quietas, com a postura “correta”. Não havia da parte dela
uma cobrança para que as crianças fossem comportadas e ficassem sentadas o tempo
todo, durante as atividades muitas vezes algumas crianças se dispersavam com algo,
não faziam a lição, mas em momento algum presenciei a professora obrigando alguma
criança a fazer a lição ou brigando para que a criança ficasse parada, muitas vezes,
durante atividades as crianças podiam andar pela sala de aula, tirar dúvidas com algum
colega, a professora pedia a atenção de todos no momento da explicação sobre alguma
atividade, entendia que para algumas crianças, esse sistema escolar ainda era muito
complicado era muito complicado para ser compreendido.
Notei como era difícil para as crianças ficarem tantas horas comprometidas com
atividades de conteúdo novo, copiar as lições da lousa para o caderno, entender as
questões e respondê-las em seguida, seguir todo o planejamento escolar, assim, as voltas
pela sala, a conversa com o colega ao lado, as brincadeiras com o material, olhar para o
lado de fora da janela eram ações frequentes.
Na maioria das vezes, as atividades passadas pela professora eram
atividades de português e matemática em formato de jogos. A professora organizava os
jogos entre os seguintes temas: matemática, em que as crianças recebiam continhas de
matemática e faziam juntas em seu caderno; jogos de matemática em que as crianças
jogavam o jogo do palito por exemplo, ou o “jogo da borboleta” com somas feitas
através de cartas de baralho; atividades de português em que as crianças escolhiam
livros para ler em conjunto ou sozinhas e depois podiam escrever frases, estórias; jogos
de português com jogos de formação de palavras e frases. Cada dia uma criança podia
escolher participar de um grupo diferente, a professora escrevia na lousa o nome de
cada atividade e perguntava quem queria fazer parte de cada grupo e as crianças
escolhiam. As atividades resultavam de forma muito positiva, até mesmo algumas
37
atividades mais difíceis tornaram-se agradáveis para as crianças que a com a prática e
através da brincadeira aprenderam muito. Presenciei crianças fazendo contas, criando
estórias, formando palavras, aprendendo a escrever frases, da melhor maneira, sem
traumas.
As crianças da turma possuíam diferentes concepções de infância e a diferença
dessas concepções era nítida após observação de relatos das crianças em rodas de
conversa com a professora, diálogo com pares e pesquisadora e nas brincadeiras de faz
de conta. Mesmo que todas pertencessem ao mesmo bairro, a diferença entre a
constituição familiar, o tratamento que recebiam em casa de pais ou responsáveis, suas
rotinas, brincadeiras, vivências sociais, e muitas outras experiências eram totalmente
diferentes. O parque era o momento onde a maioria dessas interações acontecia e onde
pudemos constatar como essas concepções eram desiguais, nos fazendo relembrar que
crianças, todas ali são, mas quais delas têm uma infância? Para Andrade, “o termo infância
apresenta um caráter genérico, cujo significado resulta das transformações sociais, o que demonstra que a
vivência da infância modifica-se conforme os paradigmas do contexto histórico e outras variantes sociais
como raça, etnia e condição social.” (2010,p. 55). A escola precisa estar de braços abertos para
receber e acolher essa criança que muitas vezes não recebe a atenção que precisa em seu
lar.
Os dias do parque eram terça-feira e sexta-feira, causando nas crianças uma
grande ansiedade. A professora, todos os dias escrevia as atividades daquele dia na
lousa e mostrava para as crianças o que elas fariam. Quando as crianças sabiam que
teriam parque, ficavam a todo tempo nos questionando com perguntas como “tá
chegando a hora do parque?”, notava-se até mesmo pela linguagem corporal das
crianças a ansiedade que estavam sentido para o momento do parque, que infelizmente
não acontecia todas as semanas. Enquanto acompanhei a turma eles passaram por uma
semana de avaliações de português e matemática, e a professora me relatou que por
causa dos prazos para a entrega das avaliações das crianças elas ficaram sem ir ao
parque. Ao longo de toda manhã continuei escutando questionamentos como “tia, a
gente não vai para o parque mesmo?”. Quando as crianças não iam ao parque era
notável o quanto elas ficavam agitadas em sala de aula, porque estavam esperando o
momento do parque para brincar, e além de não irem precisam ficar em sala de aula
fazendo alguma atividade. Mesmo que a professora lhes dê autonomia e liberdade em
momentos como esse, a situação continua fatigante para as crianças por estarem em uma
sala pequena, cheia de mesas e sem brinquedos. Situações como essas são bem comuns
em escolas de ensino fundamental, e não devemos culpar os professores ou gestores da
escola, mas sim questionar o por quê da desvalorização do brincar e mais, refletir o
quanto é necessário que as políticas públicas deem importância para essa fase, e valorize
o brincar e seus benefícios para a vida da criança como o desenvolvimento de
raciocínio, criatividade, e que saiba o quanto a retirada desse direito pode empobrecer a
qualidade de vida dessas crianças.
Durante a pesquisa na classe, me deparei com um caso muito delicado: se para
as crianças com 6 anos de idade completos essa organização escolar já é difícil, para
uma criança que completou 6 anos de idade em julho a situação é ainda mais agravante.
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Na escola conheci um garoto que havia completado seis anos há pouco mais de um mês,
e já estava no primeiro ano. Essa criança possuía muita dificuldade para todas as
atividades durante toda a manhã, conversava muito pouco, até com adultos, até que,
quando a professora passou uma atividade na lousa, pediu para que eu escrevesse o que
estava na lousa no caderno dele, para que ele escrevesse em seguida, fiz a ação, mas o
menino não quis fazer, a professora o deixou passear livremente pela sala, e me contou
que essa criança, até o primeiro semestre de 2017 estava em uma escola de educação
infantil, mas no segundo semestre foi transferido para a escola de ensino fundamental.
A professora me relatou que a situação foi muita confusa e ainda não havia entendido
porque e como essa transferência aconteceu, mas me contou que a criança estava com
muitas dificuldades com a adaptação e por isso o deixava livre para que a situação fosse
mais tranquila para ele. Considero o que aconteceu com essa criança uma violência, por
parte das autoridades principalmente pela realização desse ato, já que pelo conselho
nacional de educação só devem ingressar no ensino fundamental as crianças que
completarem 6 anos de idade até o dia 31 de março do ano presente. Portanto, além da
violência houve um total desrespeito e quebra nos direitos dessa criança.
Além desse hediondo acontecimento, a professora também me relatou que essa
criança possuía muitos problemas em sua casa. Durante os dias que ia para a escola,
observei bastante essa criança e suas ações e era nítido o quanto essa criança estava
sofrendo e o quanto é difícil ser criança quando violam os seus direitos de ser criança.
No decorrer das aulas ele tinha muita dificuldade para entender o que estava
acontecendo, e mesmo com a professora explicando para todos da turma a rotina e
auxiliando nas atividades, ficava difícil para ele acompanhar o ritmo das outras crianças,
era uma quantidade muito grande de informações e ações que precisavam ser feitas em
pouco tempo, por isso, mesmo nos momentos das atividades em grupo, ele participava
de sua maneira, os colegas tentavam ajudar mas nem sempre ele também estava a
vontade para participar e se sentava sozinho ou ia para outro lugar na sala de aula. Na
maioria das vezes em que a professora passava para a sala uma nova atividade ou jogo,
ele pedia para ir ao banheiro ou para beber água, esse pedido acontecia muitas vezes
durante toda a manhã, a professora, por estar ciente do apuro pelo qual a criança estava
passando permitia que ele saísse todas as vezes. A criança não dialogava muito nem
com os pares, nem com os adultos (professora, pesquisadora e estagiária) , não
transmitia também o que estava sentindo, na maioria das vezes, se comunicava através
de gestos, palavras rápidas, e em algumas ações utilizava trejeitos violentos, além de
mostrar resistência quando era encaminhado para alguma atividade como ir para a
biblioteca, muitas vezes ele não queria acompanhar o grupo, e ficava parado na sala de
aula, até ser convencido pela professora ou pela estagiária.
Parecia que a criança estava sempre preparada para “lutar”, para se proteger,
provavelmente por não entender o que estava acontecendo, ou não saber o que poderia
acontecer, era uma criança que estava com medo, que precisava estar brincando,
descobrindo outras coisas, pular a etapa da pré-escola, principalmente da forma como
aconteceu foi traumático para ele. Felizmente, apesar de toda essa situação ele teve a
sorte de parar em uma sala de aula com uma professora compreensiva, que entendia e
zelava por ele e seu bem estar, sabemos que podem existir alguns educadores que não
iriam compreender esse comportamento e iriam trata-lo apenas como um aluno
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bagunceiro, preguiçoso. O único momento feliz na escola era o de brincadeiras, no
parque ou no recreio, nesses espaços consegui observar ele sorrir, brincar, correr, enfim,
ser a criança que merecia ser, aprendendo através das brincadeiras e descobrindo através
da interação com os colegas, com o meio ambiente, com a autonomia de seus
movimentos. Nas brincadeiras no parque, por exemplo, ele interagia e conversava com
todos, até mesmo com as adultas, mas principalmente com as crianças, participava das
brincadeiras de faz de conta, brincava de balanço, falava quando seria sua vez de ir em
algum brinquedo, para Froebel o “relaxamento, alegria e sorriso indicam nos sentimentos da
criança que está adaptada ao puro, não perturbado desenvolvimento de sua natureza, de sua natureza
humana, da vida da criança, a vida humana na criança(...) Agitação, tristeza, lágrimas indicam em sua
primeira aparência o que é o oposto ao desenvolvimento da criança, do ser humano.” (1912,p.63). A
criança mudou de escola por questões familiares, porém, casos como esses servem para
refletirmos como as crianças no Brasil e suas infâncias vem sendo tratadas, como foi
dito no parecer do Conselho Nacional de Educação em 2005: “[...] Esse encurtamento da
Educação Infantil, que já vem acontecendo na prática pelo movimento de se apressar a alfabetização e se
pretender que a pré-escola se assemelhe, ao máximo, ao Ensino Fundamental, não é recomendável e pode
representar um desestímulo à criança em seu desenvolvimento. A principal atividade da criança até os
seis anos é o brinquedo: é nele e por meio dele que ela vai se constituindo. Não se deve impor a seriedade
o rigor de horários de atividade de ensino para essa faixa etária. O trabalho com a criança até os seis anos
de idade não é enformado pelo escolar, mas um espaço de convivência específica no qual o lúdico é o
central. A Educação Infantil cuida das relações entre vínculos afetivos, compartilhamentos, interações
entre as crianças pequenas, que precisam ser atendidas e compreendidas em suas especificidades, dando-
se lhes a oportunidade de ser criança e viver essa faixa etária como criança. Por que diminuir esse tempo
e forçar uma entrada prematura na escolaridade formal? Não há ganhos nesse apressamento e, sim,
perdas, muitas vezes irrecuperáveis: perda de seu espaço infantil e das experiências próprias e necessárias
nessa idade.” (Brasil, Parecer CNE/CEB nº39/2006,p.4).
Como já citado anteriormente, os momentos de brincadeira são os mais ricos
para as crianças e também foram os mais ricos para observarmos a criança ser criança e
suas interações. Em tempos atuais ouvimos dizer que existem escolas de ensino
fundamental que não possuem parques, e felizmente a escola pesquisada possuía um
parque grande, com areia, brinquedos, balanços, escorregador, casinha e gira-gira. É
muito interessante notar como as crianças conseguem organizar suas brincadeiras sem
precisar de auxílio de um adulto, sabem dividir e negociar o tempo que cada um vai
ficar nos brinquedos mais concorridos como os balanços, além das brincadeiras de faz
de conta, onde cada um trás um pouquinho de suas vivências fora da escola para o
parque, como em um dia onde, para cerca de dez crianças todo o tempo do parque foi
dedicado para uma festa de aniversário de um ano do “bebê”, um coelho de pelúcia de
uma das crianças, enquanto uma procurava ingredientes para fazer bolos e salgadinhos,
as outras organizavam a decoração da casa, outros iam chamando os convidados,
comprando os refrigerantes, além da criança que ficou responsável em cuidar do bebê.
Como se tratava de uma festa, uma das crianças começou a cantar uma música sertaneja
que todas as outras crianças conheciam, e que provavelmente escuta nas festas de sua
família e/ou grupos sociais, virando a trilha sonora da brincadeira, quando não estavam
concentradas “cozinhando”, estavam cantando e dançando a mesma música, quando se
empolgavam a responsável em cuidar do brinquedo lhes chamava a atenção “Canta mais
baixo! Vocês vão acordar ele!”. As crianças se preocuparam com cada detalhe da festa,
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que aconteceu, com todos os convidados, meninos e meninas brincando de festa de
aniversário.
De repente, outra situação que me chamou atenção, meio aos bolos de areia e a
cantoria da música sertaneja, um diálogo diferente surgiu: “Segura! Segura que ele vai
cair!”, algumas crianças andavam carregando um menino que fingia estar bêbado, “eu to
bêbado, me segura que eu tô bêbado, cadê o bolo?” , “Foge do bêbado, ele vai cair de
destruir tudo” , “Ai, eu tô bêbado, me segura que eu tô bêbado”, todas as crianças, em
meio a brincadeira, riram muito, porém, de onde essa criança tirou a referência do
bêbado? Em que contexto ela presenciou uma cena como essa? As crianças ainda
brincavam de faz de conta quando a professora os avisou que o tempo no parque estava
acabando e eles precisavam voltar para a sala, “Espera professora, espera! A gente
precisa cantar parabéns!”, a professora, entrou na brincadeira das crianças e cantou
junto com elas o parabéns para o boneco.
Diferentemente da escola de educação infantil que possuía espaços para
brincadeiras ao ar livre e em locais cobertos, a escola possuía apenas um parque, que
não podia ser frequentado quando estava chovendo, ou quando o tempo estava muito
seco e/ou sol, privando mais uma vez as crianças de seu direito de brincar livremente. A
brincadeira pode acontecer em qualquer lugar, basta a mediação de um docente
preparado para lidar e preparar essas situações, porém, quando há lugares além da sala
de aula para que a brincadeira possa acontecer, ou seja, quando há um local pensado
para a brincadeira dessa criança o momento pode ser mais agradável para criança e
docentes. Felizmente a professora das crianças da turma pesquisada conseguia
transformar todo espaço em um local apropriado para brincadeiras, conseguia
transformar um simples objeto em um brinquedo, quando não havia outro espaço para
brincadeira o corredor se tornava um ótimo local para isso, portanto saliento aqui mais
uma vez a importância dos momentos de ludicidade.
Além do parque, o outro momento que as crianças têm para brincar é o recreio,
um momento que me causou muitos questionamentos, além da ansiedade que as
crianças sentem por esse momento, já que é o único que lhes dá autonomia da
brincadeira diariamente, o tempo do recreio é muito curto: apenas 20 minutos, sendo 10
para comer e 10 para atividades livres. O momento da alimentação, que na educação
infantil era mais uma atividade pedagógica, onde, com calma, as crianças comiam e
descobriam novos sabores transforma-se num momento de correria: a maioria das
crianças comem de forma acelerada para sobrar mais tempo para a brincadeira, e
algumas nem comem, ficavam o tempo todo perguntando para as professoras e
estagiárias se já era hora de sair para o pátio para brincar, ficavam andando para todo o
lado dentro do refeitório ou parados em pé em frente a porta, só esperando a autorização
para sair. Nas brincadeiras do pátio, a grande maioria eram brincadeiras tradicionais
como esconde-esconde e pega-pega, faziam tudo de forma apressada e agitada, para
brincar o máximo possível no pequeno tempo que tinham , em alguns recreios, tentei
conversar com algumas crianças, que quase não paravam para me responder, e quando
falavam comigo, falavam rápido, olhavam para as outras crianças, demonstrando que
queriam brincar, não ficar conversando com um adulto, fato que entendemos
41
perfeitamente já que sabemos e defendemos os direitos das crianças e a importância das
brincadeiras e interações sociais.
Dialogando com as crianças em algumas crianças alguns dias durante o parque
ou o recreio, eu as questionei se lembravam-se da escola do ano anterior, se viam
alguma diferença entre a escola de antigamente e a escola atual, de todas as crianças, a
resposta foi a mesma: a grande diferença entre as escolas é que na pré-escola eles
brincavam o tempo todo, todos os dias, agora só as vezes, a presença das lições também
foi apontada como uma diferença entre as escolas. Como foram conversas rápidas com
as crianças, não pudemos analisar outras opiniões vindas das mesmas, porém, um fato
interessante é que alguns pontos apontados por nós como a redução das brincadeiras e a
adição de inúmeras lições acaba sendo também para os pequenos os pontos mais
marcantes dessa mudança.
Ao longo dos dias também questionei se eles gostavam da escola nova e se
gostavam da antiga escola, me surpreendi quando me as crianças me disseram que
gostavam muito da escola nova. Fiz as perguntas com a ideia de que iria ouvir que
gostavam apenas da antiga escola, porém, as crianças relataram que gostavam muito da
outra escola, mas também gostavam da escola atual, no entanto, quando falaram da pré-
escola algumas crianças demonstraram enorme empolgação, transmitindo o grande
carinho que sentiam pela instituição e os momentos vividos lá, expressavam-se com
ternura e brilho nos olhos. Apesar de estarem inseridas em uma instituição de ensino
fundamental, em que os tempos e espaços físicos limitam seus momentos de
brincadeiras, as crianças têm uma professora que compreende esse momento da vida das
crianças e assim possibilita momentos similares com os da educação infantil, causando
assim nas crianças, uma certa tranquilidade, pois mesmo com a transição e sentindo na
pele a perda pelo encantamento do espaço escolar por questões físicas da escola, ainda
brincam e têm autonomia respeitados.
Um ponto importante é também a valorização da voz das crianças, e um método
muito utilizado pela professora da turma do primeiro ano eram os momentos da roda de
conversa, todas as crianças e a professora sentados no chão, conversavam e ás vezes,
desabafavam sobre situações de suas vidas, conhecida como “pedagogia da escuta”, o
método criado por Freinet, é um momento importante para a socialização e integração
da turma, além do sentimento de notoriedade causado em cada criança e da
tranquilidade por saber que estão sendo ouvidas. Em uma roda de conversa, surgiram
relatos de vivências que não gostaríamos que nossas crianças passassem, mas também o
choque de uma realidade. Relatos de cunho pessoal vindo de crianças passando por
dificuldades familiares como rejeição e cárcere. Realidades diferentes, casos diferentes,
tanto peso para crianças tão pequenas...
Momentos como esses serviam para que a professora também conhecesse a
realidade de seus alunos, para, segundo ela, entender como agir com cada criança, para
saber o que falar com cada criança, para saber como agir diante de futuras situações,
pois os professores, em casos como esses não devem apenas sentir dó, ver a criança
como “um coitadinho”, são em casos como esses que é importante que o professor,
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saiba com qual criança está lidando, para passar para eles o melhor que eles merecem,
brincadeiras, projetos, atividades, que ajudem a trazer leveza, mostrar para essas
crianças que existe alguém que se importe com eles, que existe um lugar onde são bem
recebidos e possam receber afeto e bons exemplos, atividade essencial vendo que “o
professor que dá apoio a seus alunos, desempenhando o papel de catalisador e de confidente, ajuda-os a
vencer obstáculos, ter iniciativa e conservar o entusiasmo, proporcionando-lhes maiores oportunidades de
triunfo na vida” (Elias, Sanches, 2007, p.164-165)
2.1.1A ludicidade na docência e espaços escolares Afinal, que crianças queremos formar? Se pensarmos em todas as crianças
brasileiras e suas diferenças de vida tão diferentes, e algumas, tão difíceis, onde em casa
passam por momentos de tensão onde não podem vivenciar seu direito de ser criança em
tempo integral, em um país onde sua infância também não é pensada, a escola acaba
sendo o único lugar, o único refúgio onde podem vivenciar com calma, com alegria, seu
tempo de ser criança e brincar, será que a melhor opção é mesmo prepará-las para um
futuro mercado de trabalho e privá-las das brincadeiras aos seis anos de idade? Para
uma criança que passa por tantas dificuldades fora da escola, o currículo escolar atual e
as avaliações e testes, não fazem sentido, não trazem benefícios, não traz acolhimento.
Afirmamos aqui o quanto as crianças merecem ter os seus direitos garantidos pela
escola e educadores, que “dizem respeito ao direito de as crianças realizarem e expandirem todas as
suas potencialidades, valorizando suas próprias capacidades de socializar, colhendo afeto e confiança e
satisfazendo suas necessidades de aprender, sobretudo quando os pequenos são tranquilizados por uma
eficaz aliança com adultos.” (Faria, 2007, p. 288)
Durante a pesquisa empírica na escola de ensino fundamental tivemos uma
surpresa muito positiva por encontrar uma professora que praticasse atividades lúdicas
com as crianças e as auxilie nesse momento novo. Em tempos onde vemos um grande
número de casos negativos ligados à escola, sobre a precarização na formação de
professores e consequentemente no ensino de nossas escolas públicas, é muito
importante e tranquilizante encontrar professores que não estão na escola apenas para
passar conteúdos e formar futuros trabalhadores, é extremamente importante que
existam professores se preocupando com a criança, que se preocupem com o
rompimento do sistema escolar tradicional e tragam para os alunos uma forma de ensino
através da brincadeira, mostrando que o momento de aprender não precisa ser um
momento de angústia, e foi isso que presenciamos.
Iniciei a pesquisa sem conhecer a professora, e possuíamos muitos questionamentos
sobre como seria essa experiência em campo, de fato não tínhamos ideia se seria
positiva ou negativa. Encontramos uma escola feita para aprisionar a infância e ações
infantis, um sistema preparado para a formação do trabalhador e não do ser humano,
porém com uma professora que apesar das dificuldades do espaço físico, do tempo e das
cobranças estava sempre tentando maneiras ensino, dando oportunidade para o
protagonismo e voz das crianças. Me surpreendi em diversos momentos, a postura da
professora com as crianças me chamou atenção desde o primeiro dia, mas ao ver que
apesar de todas as mudanças as crianças estavam felizes por estar ali, comecei a levar a
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observação para esse lado mais a sério.
Mesmo com a sala sem brinquedos, com grades nas janelas, e com uma estrutura
física que não foi pensada para crianças, os momentos lúdicos estavam ali. Como já
citado anteriormente, a professora organizava a sala de aula colocando as mesas lado a
lado, para que as crianças pudessem fazer suas atividades juntas e interagir, os materiais
também eram compartilhados, assim como era na educação infantil. Nos momentos das
atividades de alfabetização, a professora utilizava jogos e as crianças trabalhavam em
equipe. A postura que a professora adotava em sala de aula também fugia do padrão de
professor autoritário, sem afeto. Ela estava sempre disposta a dialogar com as crianças,
ouvir seus relatos e desabafos, abraçava, conversava, estava sempre presente para as
crianças. Em suas aulas, na hora de fazer lições no caderno ou jogos, sempre as fazia
junto com as crianças, permitia que as crianças participassem, escutava suas respostas e
palpites, indagava as crianças a pensar sobre suas respostas e dúvidas.
Notei que para as crianças ela era mais que apenas a professora, era uma adulta
em que eles sentiam segurança, atenção, carinho e afeto. Para muitas crianças, essa
provavelmente era a única adulta que lhes dava atenção necessária, durante alguns dias
do trabalho empírico acompanhei a hora da saída, e era nítido a falta de afeto de alguns
responsáveis com suas crianças, notei que algumas crianças eram realmente carentes em
momentos do meu trabalho, e a professora estava sempre ali, se importando com o que
acontecia em suas vidas, marcando afetivamente e tornando a escola um lugar seguro e
tranquilo, um ponto muito importante. Além de deixar as crianças com um movimento
livre durante as aulas como já citado primeiramente, tentava transformar o ambiente
deixando com a identidade das crianças, havia na sala fotos das crianças formando letras
do alfabeto, no mural da sala de aula haviam produções de desenhos e produções
escritas das crianças. Quando as crianças não podiam ir ao parque por algum motivo
seja por avaliações ou por causa do tempo, ela sempre tentava propiciar para as crianças
momento de brincadeira mesmo que livre, na sala de aula mesmo.
Em alguns momentos, principalmente por causa da pressão do sistema escolar,
precisava ser mais rigorosa, em alguns momentos precisava interromper a brincadeira
ou momentos de conversa, ou precisava pedir que as crianças guardassem os
brinquedos, que inclusive não podiam ser levados para a escola em dias que não eram
destinados para isso, no caso apenas um por semana, situações que são praticamente
impossíveis de fugir quando se é professor no ensino fundamental. O fato é que todas
situações citadas em nosso trabalho, mostram como a postura do professor pode mudar
tudo na experiência escolar de uma criança. Registrei um momento de aprendizagem em
brincadeira, onde, para ensinar matemática, a professora ensinou para as crianças uma
receita de massinha feita com farinha, óleo, sal, água e corante, em que todas as crianças
fizeram juntas, brincaram e aprenderam, como nas imagens a seguir:
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Capítulo III
Professores de/da/na Educação para as Infâncias: algumas ponderações
Maré mar
é maré
mare linha
sete casas a pincel.
Pulo paro
e lá vou
num pulinho
segurar mais um ponto
no céu.
Nossa pesquisa tomou um rumo inesperado, afinal, também presenciei na prática o
acontecimento da valorização dos direitos à infância e ao brincar, um objetivo muito
importante para o sentimento de acolhimento da criança na escola, que valorizamos
muito. A partir desse ocorrido resolvemos focar também em como a formação de
profissionais que levem para a prática o conteúdo teórico que aprendem na faculdade
é importante para que sejam os mediadores que garantam que as crianças tenham
acesso aos seus direitos, desde a educação infantil até os anos finais da escola. Para que
isso aconteça é necessário uma formação de qualidade com instituições e docentes
preparados para formar futuros professores para além da teoria, preparados
principalmente para a prática de ser de fato, professores para crianças de 0 a 10 anos,
termo usado por Maria Malta Campos.
3. A formação de professores na legislação Os professores principalmente das crianças pequenas são muitas vezes
desvalorizados, por seus salários e pela hierarquia profissional existente nesse meio de
trabalho, que tem uma longa história ao longo dos anos, sabemos também que em
muitos lugares, principalmente na educação infantil e em estados mais pobres no Brasil,
muitas crianças são educadas por pessoas sem uma formação acadêmica, porém na Lei
de Diretrizes e Bases há a declaração que determina que os professores da educação
básica, logo os professores das crianças da educação infantil até o 5º ano do ensino
fundamental devem ter como formação, no mínimo a formação pelo magistério, ou seja,
por lei, é necessária uma formação focada na área educacional, o que já é um ótimo
passo visto a situação de muitas escolas de educação infantil e ensino fundamental em
nosso país, se preocupar com a formação de professores não deixa de ser uma forma de
se preocupar com o ensino, porém, de qual formato de ensino estamos falando? Quando
já formados e exercendo a docência esses educadores têm o dever de participar da
elaboração do plano pedagógico da instituição onde trabalham, elaborar e seguir os
planos de trabalho a partir dos planejamentos da escola, zelar pela aprendizagem dos
alunos e elaborar estratégias de recuperação para os alunos defasados, ministrar as aulas
e participar da articulação entre escola e família. Porém, nada que seja ligado à infância
e o trabalho docente foi ligado, pelo contrário, no documento, o professor deve seguir
apenas os planos da escola, há uma grande preocupação com o ensinar e a organização
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escolar, que nem sempre é a ideal para a realidade de muitas crianças.
Já na base nacional comum curricular, documento que é utilizado por docentes
de todas as áreas da educação básica, encontramos algo positivo, como é um documento
como referência é esperado que escolas e professores a utilizam, principalmente porque
nela há um discurso muito rico ligado à preservação da infância, como já estudado
anteriormente sabemos que há também uma atenção para o momento da transição da
pré-escola para o ensino fundamental, contendo inclusive a orientação de como os
educadores devem se preparar para esse momento, além das recomendações para a
rotina escolar, em que, para o primeiro ano escolar do ensino fundamental também
existe uma série de recomendações sobre como receber as crianças, preparar atividades,
lidar com o cotidiano e lições de forma lúdica, a importância do movimento e do brincar
que são essenciais para os educadores do ensino fundamental que lidam com crianças
pequenas. Ideais muito parecidos foram encontrados nas diretrizes nacionais
curriculares para a educação básica, no documento, que é enriquecido com muitas
informações importantes para os educadores, porém , acaba entrando em contradição
em alguns momentos, como por exemplo quando o documento cita que as escolas
devem possuir uma estrutura física pensada para as crianças, como por exemplo a da
educação infantil que “deve corresponder às suas características físicas e psicossociais”
(2013, p. 58), mas não faz uma especificidade para os anos iniciais do ensino
fundamental, que são tratados apenas como as demais etapas de educação básica, como
se se esquecessem que no ensino fundamental também existem crianças que precisam
de uma escola com uma estrutura física adequada. Apesar da errata, o documento afirma
que os professores de educação infantil e ensino fundamental deveriam ser
especializados em infância, para atender de forma adequada as crianças que estão nesses
locais.
Compreendemos como a profissão do educador pode ser complicada e como
pode ser difícil para educadores seguirem certos ideais de escolas que não são focadas
na formação da criança como ser humano mas sim como um futuro adulto, sabemos
também o quanto as políticas públicas podem muitas vezes não transparecer o quanto é
necessário que a criança tenha acesso aos seus direitos, afinal, o acesso à educação é um
direito humano que as crianças também deve exercer, mas não é certo que lhes seja
retirado o direito da infância para exercer o outro, a educação pode ter a brincadeira
como sua aliada.
O MEC possui alguns documentos importantes para o estudo e instrução dos
professores para as crianças, inclusive ligados ao tema do ensino fundamental de nove
anos e a entrada de criança com 6 anos de idade no ensino fundamental, documentos
que falam da importância do brincar e da ludicidade na rotina escolar, da necessidade
dos professores receberem de forma igualitária seus alunos com realidades diferentes,
mas ao ver tantos casos de violação e descaso com a infância em tantas escolas, me
pergunto se as políticas públicas exercem de fato o que está escrito em seus
documentos.
A situação fica mais complicada quando os documentos e leis entram em contradição
47
ou pior, pouco veem as crianças. Como por exemplo nas diretrizes curriculares
nacionais para o ensino fundamental de 9 anos feita pelo ministério da educação e
conselho de educação básica, que começam com um discurso de como os professores
devem lidar com as crianças, respeitando as diferenças e singularidades de cada criança,
porém possuem um capítulo denominado de: “Avaliação: parte integrante do
currículo” mesmo falando que nessas avaliações os educadores devem “utilizar vários
instrumentos e procedimentos, tais como a observação, o registro descritivo e reflexivo,
os trabalhos individuais e coletivos, os portfólios, exercícios, provas, questionários,
dentre outros, tendo em conta a sua adequação à faixa etária e às características de
desenvolvimento do educando;” (2010, p.9), ainda sim é muito agressivo que as
crianças de 6 anos tenham que fazê-las, além de sabermos que, na prática as avaliações
são feitas a partir de provas escritas nunca feitas antes pelas crianças.
Quanto à formação dos professores, sabemos o quanto é necessário que os
futuros educadores tenham acesso à documentos e conheçam nossa legislação, porém,
ainda mais importante é preciso de uma formação de qualidade, com auxílio para que
possam entender o que é certo ou errado para os profissionais e principalmente para as
crianças, e mais que isso, que todos os futuros profissionais de educação de todos os
estados brasileiros tenham um formação digna e superior, como já é decretada por lei,
com acesso à boas bibliografias, e principalmente, executem seu ensino na prática, para
que cada vez mais crianças tenham professores comprometidos em ajudá-las a exercer o
seu direito de ser criança.
3.1. Professores com empatia para a infância
A educação em nosso país vem se transformando ao longo dos anos, mesmo
com contradições políticas, e muitas dificuldades em todos os âmbitos. Mas de fato
precisamos de incontáveis melhorias na educação pública brasileira, inclusive para os
docentes e futuros docentes. Os professores dos anos iniciais de ensino fundamental
atualmente vem sofrendo, todos os dias com o descaso por sua profissão, como por
exemplo na prefeitura de Campinas, cidade onde realizamos nossa pesquisa em que os
professores precisam passar por diversas greves para reivindicar direitos e salários
atrasados pela prefeitura, lidar com falta de equipamentos para realização de seu
trabalho, grande número de alunos por sala para darem aulas sozinhos, além da pressão
das autoridades por resultados como a alfabetização e o ensino matemático, além dos
problemas sociais de seus alunos, que muitas vezes abalam emocionalmente os
professores. Se somarmos tudo isso com a falta de preparo de muitos profissionais, o
resultado pode ser muito ruim. Professores estressados e descontentes com sua condição
de trabalho, transformando-se em desatenção para com as necessidades reais das
crianças, tornando-as estressadas também, o que transforma a escola num lugar
desagradável para todos, especialmente as crianças pequenas.
Portanto, a formação de educadores que compreendam a criança, a infância e
suas necessidades e vejam, durante seu percurso educacional as dificuldades da rotina
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de um educador, os desafios do inesperado, de montar uma rotina, de lidar com tantas
crianças sozinho. Não sabemos o porque existem tantos casos de professores que
prendem as crianças, que estão sempre em busca dos “bons alunos”, mas afinal, o que
são os bons alunos? É necessário que os professores nos dias de hoje saibam lidar com
as crianças, seu ritmo, suas brincadeiras e não deixá-las encurraladas, angustiadas. O
principal dos fatores, que as crianças sejam vistas por seus professores como crianças,
não como alunos. Entender quem são as pessoas atrás de cada aluno, “pensar no menino e
na menina, na criança de diferentes origens sociais, étnicas, regionais, na criança do campo e na criança
da cidade, e assim por diante” (Campos, 1999, p.1-2) para entender seus anseios, dificuldades,
ações e assim ajudar a tornar sua vida escolar mais feliz. É necessário que o professor
esteja preparado para educar e cuidar, para Campos, que utiliza a expressão “professores
de criança de 0 a 10 anos” defende o termo já que os professores da educação infantil e
dos anos iniciais do ensino fundamental possuem a mesma formação. Além da mesma
formação, é importante lembrar que apesar da separação dos níveis escolares, as
crianças que vão para o ensino fundamental são pequenas, com apenas 6 anos de idade,
além das crianças das outras séries com crianças de 7,8,9,10 anos de idade que também
precisam da brincadeira e do lúdico em seu dia-a-dia. É importante que os professores,
saibam o quão importante é que proporcionar para as crianças a brincadeira em suas
ações na sala de aula.
“A importância do domínio sobre os conteúdos é evidente; entretanto, se em lugar de uma
concepção pedagógica tradicional, na qual o papel do professor é central, adota-se uma concepção que
entende os alunos como aprendizes ativos, tendo o professor o papel de criar condições favoráveis para a
ampliação de seus conhecimentos e de incentivo para que se tornem aprendizes inquisitivos, criativos e
críticos, ao lado do domínio sobre os conteúdos é preciso que o professor conheça muito bem a fase do
desenvolvimento em que os alunos se encontram, suas características culturais, sociais, étnicas, de
gênero, de qual realidade eles partem e como aprendem.” (Campos, 1999, p.7) A citação de
Campos traz exatamente nossas convicções sobre o papel do professor nos anos iniciais
do ensino fundamental, afinal, para que um professor possa ter uma parceria com seus
alunos, é necessário que ele se interesse por quem é essa criança, o que ela vive, o que
ela faz quando está fora da escola, por quais situações ela está exposta, para assim
melhorar a sua prática em sala de aula. É preciso ter a consciência que na realidade das
escolas públicas de bairros periféricos muitas crianças veem na escola um abrigo, um
local seguro, portanto, o professor deve ser um adulto com o qual a criança pode contar,
se sentir segura.
Precisamos refletir em como os modelos educacionais tradicionais podem ser
violentos com as crianças. É preciso saber e compreender a realidade de cada criança,
muitos professores anulam o fato de que as crianças são sujeitos históricos sociais com
personalidade própria, com situações de vida que não conhecemos. Para uma criança
que por exemplo passa por situação de violência em sua casa não vai conseguir se
concentrar em uma aula com um livro teórico de um tema que ainda não tem
conhecimento, ou fazer uma conta de matemática, e provavelmente ela não vai fazer a
lição ou acompanhar a rotina da aula. Muitos professores com certeza iriam tachar essa
criança como bagunceira, desinteressada, má aluna… Mas se o professor entender a
realidade de cada criança, vai compreender e ao invés de julgar, pensar em maneiras de
acolhimento e uma interação escolar melhor para essa criança, pois é isso que muitas
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crianças “desinteressadas” precisam, acolhimento, um professor voltado para sua
infância.
Com esse discurso não estamos dizendo que o professor deve adotar o trabalho
de assistência social, mas sim, adotar o função de professor integralmente, um professor
de crianças não deve esquecer que está lidando com crianças, e principalmente, precisa
ter a consciência que o trabalho docente não é apenas passar conteúdos, é ser referência
para muitas crianças. Sabemos o quanto a carga horário de trabalho dos professores é
pesada e que muitos fazem dupla jornada de trabalho, como já citado anteriormente a
educação brasileira e seus educadores necessitam de políticas públicas que auxiliem as
escolas e os professores da rede pública, afinal, nenhum professor consegue fazer
milagres, porém, mesmo com tempos difíceis é preciso que os professores não desistam
de buscar uma educação digna para nossas crianças.
O modelo atual das escolas de ensino fundamental, que aprisiona a infância e
pressiona as crianças para a vida adulta já é uma experiência complicada para as
crianças de todas as idades, portanto, é papel do professor questionar, e não seguir
modelos de violência aos direitos da infância, entender que a brincadeira também pode
ser aprendizado e mais que isso, a escola não precisa ser prisão. O professor não pode
ser responsabilizado como alguém que vá salvar o mundo, mas tem a capacidade de
mudar e melhorar a realidade de muitas crianças, mostrando através do diálogo, do
afeto, dos momentos escolares diários outras opções de escolhas para a vida. O
professor tem uma grande responsabilidade em mãos: a influência para muitas crianças
ao longo de suas carreiras, e depende dele seguir um modelo que aprisiona e arruina a
infância, fazendo com que as crianças não entendam o porquê estão na escola, e pelo
contrário, queiram distância, ou pode ser um adulto capaz de instigar e motivar seus
alunos para ótimos caminhos.
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Considerações Finais
Neste trabalho onde analisamos a situação de como as infâncias vem sendo tratadas e
como elas são vistas na legislação brasileira a partir da transição da educação infantil
para o ensino fundamental e na prática em duas escolas da cidade Campinas procuramos
entender como a situação é vivida e sentida pelas crianças. A partir da alteração da
legislação onde o ensino fundamental passa a ter 9 anos de duração as crianças
começaram a entrar nas escolas de ensino fundamental com apenas 6 anos de idade,
deixando de ser criança e se tornando aluno de uma maneira muito brusca, a partir de
diversos relatos de uma escolarização violenta contra a infância, decidimos pesquisar de
forma empírica para analisar as mudanças de estrutura física e curriculares entre a
educação infantil e o ensino fundamental e como isso foi vivido pelas crianças. Ao
iniciarmos a segunda fase da pesquisa empírica em uma escola municipal de ensino
fundamental nos deparamos com uma surpresa muito positiva, pois, apesar de toda a
estrutura feita para aprisionar as infâncias que compõe a escola, a professora
responsável pela turma não seguia o modelo sugerido pelo ensino fundamental,
trabalhava com o lúdico, ensinava os conteúdos a partir de atividades, jogos e
brincadeiras, fazendo com que inclusive alterássemos nossa pesquisa para falar também
de como é importante a formação de professores voltada para a prática e valorização da
infância.
A pesquisa tem uma grande importância pois traz um foco para essa fase escolar
vivida pelas crianças brasileiras atualmente e que muitas vezes sofrem nesse período ao
serem privados de seus direitos de brincar e ser criança livremente, passando por
momentos de incertezas, medos e angústias, além de trazer também a reflexão de como
é importante que os professores estejam preparados para recebê-las de forma carinhosa.
Que saibam o quanto o lúdico e a brincadeira são importantes para a formação
intelectual, física e emocional das crianças, e o quanto elas podem aprender e seu dia-a-
dia na escola se torna muito mais agradável quando elas podem contar com
professores capazes de entendê-las. Portanto, a pesquisa foi muito importante também
para minha formação como educadora, já que desde experiências vividas em sala de
aula como estagiária presenciei momentos muito tristes de privação da infância e
sempre quis entender o porquê de situações como essas aconteciam. Pesquisar de forma
teórica e prática, além de vivenciar uma experiência muito positiva com uma professora
que valoriza os direitos da infância me fez entender porquê tudo isso acontece e eu,
como futura professora vou poder amenizar o trauma de muitas crianças, trazendo para
elas uma vivência escolar feliz e afetuosa.
Trago como conclusão geral a reflexão como a escola e a vivência escolar de muitas
crianças pode ficar negligenciada sem o apoio das políticas públicas e mais ainda, como
as políticas públicas, por interesses desconhecidos, tomam decisões que não trazem
benefícios para as crianças, dificultando ainda mais a situação da educação em nosso
país, e, como na maioria das vezes essa função de amenizar os danos fica apenas para os
educadores empáticos e comprometidos, que abraçam ainda mais responsabilidades,
51
mas que apesar das dificuldades podem tornar a experiência escolar das crianças uma
memória feliz e saudável a partir das relações de amizade entre professor-aluno.
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CASTANHEIRA, MARIA LÚCIA. A passagem da educação infantil para o ensino
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passado, construindo o futuro– Porto Alegre: Artmed, 2007
KRAMER, SONIA; NUNES, MARIA FERNANDA R.; CORSINO, PATRÍCIA.
Infância e crianças de 6 anos: desafios das transições na educação infantil e no ensino
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DIAS, EDILAMAR BORGES; CAMPOS, ROSÂNIA. Sob o olhar das crianças: o
processo de transição escolar da educação infantil para o ensino fundamental na
contemporaneidade. Brasília, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 2015
NEVES, VANESSA FERRAZ ALMEIDA; MUNFORD, DANUSA; COUTINHO,
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educação básica, Brasília, abril de 2010.
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52
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53
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KISHIMOTO, TIZUKO MORCHIDA; FORMOSINHO, JÚLIA OLIVEIRA-. Em
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GARCIA, REGINA LEITE; FONSECA, ISAQUE; PIERRO, DI. Crianças, essas
conhecidas tão desconhecidas. DP&A
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