ato de poÉtica:o desfile como experiÊncia estÉtica
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC
CENTRO DE ARTES – CEART
DEPARTAMENTO DE MODA - DMO
PAULA ANGÉLICA HEMM
ATO DE POÉTICA:
O DESFILE COMO EXPERIÊNCIA ESTÉTICA
FLORIANÓPOLIS
2011
PAULA ANGÉLICA HEMM
ATO DE POÉTICA:
O DESFILE COMO EXPERIÊNCIA ESTÉTICA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso
de Bacharelado em Moda Habilitação Estilismo do
Centro de Artes da Universidade do Estado como pré-
requisito para obtenção do grau de Bacharel em
Estilismo.
Orientadora: Professora Doutora Sandra Regina Rech
FLORIANÓPOLIS
2011
PAULA ANGÉLICA HEMM
ATO DE POÉTICA:
O DESFILE COMO EXPERIÊNCIA ESTÉTICA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora como requisito para
obtenção do grau de Bacharel em Moda – Habilitação Estilismo, do Curso de Moda da
Universidade do Estado de Santa Catarina
Banca Examinadora
Orientador: ______________________________________
Prof. Dra. Sandra Regina Rech
Universidade do Estado de Santa Catarina
Membro: ________________________________________
Prof. Dra. Albertina Pereira Medeiros
Universidade do estado de Santa Catarina
Membro: ________________________________________
Prof. Dra. Dulce Maria Holanda Maciel
Universidade do Estado de Santa Catarina
Florianópolis, 08 de julho de 2011
AGRADECIMENTOS
Agradeço minha orientadora, Sandra Rech, pela disponibilidade e atenção que sempre
dirigiu aos meus projetos durante todos os anos de curso. Agradeço a Mara Rúbia Sant'Anna
por sua generosidade em dividir ideias e conceitos. Agradeço ao Allan de Paula por me
ensinar a ser mais humana. Agradeço aos meus pais, Paulo e Alzeni, e aos meus irmãos
Paulinho e Daniele por me darem todo o apoio e amor necessário para realização dessa grande
etapa. Agradeço ao meu namorado Renato Bittencourt por ser meu grande companheiro de
projetos e sonhos. Por fim, agradeço aos grandes amigos, com quem aprendi e aprendo o
valor do amor incondicional a cada dia.
RESUMO
HEMM, Paula Angélica; RECH, Sandra Regina. Ato de Poética: o desfile como experiência
estética. Trabalho de Conclusão de Curso - Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro
de Artes, Curso de Moda, Florianópolis, 2011.
A essência desta pesquisa encontra-se na reflexão dos desfiles de moda como ato e momento
de uma comunicação que não só reconheça o caráter momentâneo da situação – sua
efemeridade, mas também o afirme como fator indispensável da prática de uma comunicação
intensiva e de um ato de poética. A ampliação da narrativa de apropriação da moda que se
desloca incessantemente de forma criativa os espaços reais, recursos tecnológicos,
enfatizando novos processos de subjetivação e ambientação do sujeito contemporâneo. O
presente trabalho investiga e levanta algumas questões referentes ao desfile como momento
de (re)criação de uma imagem, resultando em um ato de poética. As investigações são feitas
baseadas em conceitos centrais de Moda e Artes Visuais. Na primeira parte encontra-se um
breve histórico dos desfiles de moda e seus conceitos. Na segunda são abordadas categorias
artísticas como performance e instalação. A terceira parte é pautado nas teorias de Moda,
Estética e de discurso sobre subjetivação. Por fim, o desfile é abordo como experiência
chegando a categoria de poética.
Palavras-Chave: Moda; Desfiles; Ações performáticas; Instalações artísticas; Poética.
ABSTRACT
The essence of this essay is founded on the reflection of fashion shows as an act of
communication that not only recognizes the momentary nature of the situation - its
ephemerality, but also the claims as indispensable practice of an intensive communication and
an act of poetics. The expansion of the narrative of fashion's ownership that moves constantly
embracing in a creative way the real spaces, technological resources, new processes,
emphasizes subjectivity and ambiance of the contemporary subject. This research investigates
and raises some questions about fashion shows as a moment of creation of an image, resulting
in an act of poetics. Investigations are made based on central concepts of Fashion and Visual
Arts. In the first part of the explanation I pause for a brief history of fashion shows and its
concepts. Step then for categories such as artistic performance and installation. Finally,
fashion shows as an experience, coming to a category of poetics.
Key-Words: Fashion; Fashion Shows; Art Performance; Art Installation; Poetics.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 10
1.1. TEMA................................................................................................................................10
1.2. JUSTIFICATIVA...............................................................................................................11
1.3. PROBLEMA......................................................................................................................11
1.4. OBJETIVOS......................................................................................................................12
1.4.1. Objetivo Geral.............................................................................................................12
1.4.2. Objetivos Específicos................................................................................................. 12
1.5. LIMITAÇÕES ..................................................................................................................12
1.6. ESTRUTURA DO TRABALHO ......................................................................................13
2. METODOLOGIA ............................................................................................................. 14
2.1. PROCEDIMENTOS DE PESQUISA ...............................................................................14
3. DESFILE DE MODA ....................................................................................................... 16
3.1. ACERCA DOS DESFILES DE MODA ...........................................................................16
3.1.2. Breve histórico dos desfiles de Moda.........................................................................18
3.1.3. Desfile no Brasil......................................................................................................... 27
4. DESFILE COMO PERFORMANCE E INSTALAÇÃO............................................... 30
4.1. DESFILE COMO ESPAÇO ............................................................................................ 36
5. DESFILE COMO EXPERIÊNCIA ................................................................................. 38
5.1. MODA, SUBJETIVIDADE & ARTE ............................................................................. 38
5.2. DESFILE E ESTÉTICA …...............................................................................................40
5.3. DESFILE COMO ATO DE POÉTICA............................................................................ 42
CONSIDERAÇÕES FINAIS …............................................................................................45
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ….............................................................................47
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Convite “A China” de Ronaldo Fraga, SPFW, 2007 ............................................... 17
Figura 2: Desfile de Lucille realizado em Nova Iorque ,1919 ................................................ 21
Figura 3: Poiret e suas modelos, 1925 .................................................................................... 21
Figura 4: Théâtre de La Mode, 1945 ...........................................................…........................ 23
Figura 5: Cirque d’hiver com a modelo Dovima, 1955 ….......................................................24
Figura 6: Mary Quant e Modelos, 1968 .................................................................................. 25
Figura 7: Coleção Cosmic Girl, Courregés, 1964 ................................................................... 25
Figura 8: Fenit, 1958 ................................................................................................................28
Figura 9: “Eu amo coração de galinha” coleção de Ronaldo Fraga ….................................... 28
Figura 10: Coleção de Ronaldo Fraga apresentada no Phytoervas Fashion, 1997...................28
Figura 11: Desfile de John Galliano, Paris, 2008 ....................................................................31
Figura 12: Desfile de John Galliano, Paris, 2008 ................................................................... 31
Figura 13: Desfile de Karla Girotto, SPFW, 2005................................................................... 32
Figura 14: Desfile de Karla Girotto, SPFW, 2007 …...............................................................32
Figura 15: Desfile de Alexander McQueen, 2010 ….............................................................. 33
Figura 16: Transformer Dresses de Hussein Chalayan, 2007................................................. 33
Figura 17: Desfile estrutura de Martin Margiela, 2009 …...................................................... 34
Figura 18: Instalação em protesto contra uso de peles feita por Ronaldo Fraga, 2011........... 35
Figura 19: Instalação em protesto contra uso de peles feita por Ronaldo Fraga, 2011........... 35
1. INTRODUÇÃO
1.1. TEMA
Em um espaço que o andar é substituído por imagens em movimento, roupas feitas de
papel são rasgadas na passarela, placas de madeira entram no lugar de modelos, a simples
denominação “não comercial” passa a ser uma afirmativa gasta e o espectador, convidado ao
novo formato, passa a pisar por caminhos mais fluídos e inusitados.
Por ser a Moda, hoje, uma das expressões que melhor revelam o cotidiano editado de
forma vertiginosa em que passagens temporais, cenários e personagens se substituem ou se
metamorfoseiam constantemente sinto a necessidade de ampliar as pesquisas e discussões
sobre a produção intelectual e física desta, contribuindo para o entendimento do que hoje, até
mesmo no meio acadêmico, se trata no senso comum. Muito do que se vê no universo da
Moda foi criado com a intenção de propor uma reflexão, o pensar sobre categorias vinculadas
a esse universo nos permite entender ou gerar novos conhecimentos uteis para o pensar
acadêmico e para a prática de criação no âmbito profissional. A inexistência de estudos que
sediem análise do desfile e sua ligação com as novas teorias visuais constitui também parte da
significância deste estudo.
Os acontecimentos performáticos, intimamente ligados à economia, são o estopim para a
construção do presente ensaio e da investigação cientifica procedente. Situar os discursos
sobre moda, mapear possíveis conexões com as teorias estéticas, refletir na concepção do que
seja um produto de moda e sua relação com o conceito, são pontos relevantes para pensar no
desfile como um momento de (re)criação de uma imagem, resultando em um ato de poética.
Desde o inicio da universidade participei de iniciativas que visavam ver a moda de um
ângulo diferente. Com a concepção do projeto Amoráveis - iniciativa apresentada como
desfile formatura, que desejava gerar discursos imagéticos e emotivos provocados por
sensações iniciadas em um ambiente híbrido - pude experimentar algumas teorias da arte atual
como também, mesclar com conhecimentos de Moda adquirido ao longo do curso. Essa
experiência em especial, incitou-me mais a curiosidade sobre essa manifestação peculiar e
seus discursos.
O distanciamento e a reflexão sobre o tema levantam as questões centrais que motivam
este trabalho: como é possível entender o desfile como uma tentativa de conceituar um
pensamento no sentido de propor uma experiência do real (tempo, espaço, corpo)? De que
forma os desfiles podem ser considerados produtos estéticos? Qual é a discussão sobre a
generalização do espetacular como recurso do mercado no âmbito da moda? O que entender
de uma moda que pretende ser consumida instantaneamente, em sua performance?
1.2. JUSTIFICATIVA
Como estudante de Moda, sinto a necessidade de ampliar as pesquisas e discussões
sobre a produção intelectual e física da Moda, contribuir para o entendimento do que hoje, até
mesmo no meio acadêmico, se trata no senso-comum. Muito do que se vê no universo da
Moda foi criado com a intenção de propor uma reflexão, o pensar sobre categorias vinculadas
a esse universo nos permite entender ou gerar novos conhecimentos úteis para o pensar
acadêmico e para a prática de criação no âmbito profissional.
Dentro de um contexto mais amplo, a presente pesquisa se justifica pelo fato de
investigar um fenômeno tão efêmero, tão sensível às transformações do gosto e ligado tão
intimamente à economia, como vetor da subjetividade e deleite estético.
Além desses fatores, menciona-se que o campo da Moda ainda carece de investigação
dentro da produção científica. A inexistência de estudos que sediem análise do desfile e sua
ligação com as novas teorias visuais constitui também parte da significância deste estudo.
1.3. PROBLEMA
Assumindo que a passarela é um lugar passível de experimentação, onde o estilista
pode ir além da roupa, como é possível entender o desfile como sendo um ensaio de
conceituar um pensamento, um atravessador de sentidos, como uma experiência do real, um
ato de poética? Esse lugar privilegiado e construído por conceitos complexos pode influenciar
não somente em questões do âmbito conceitual como, também, em questões relacionadas ao
consumo, o que entender então de uma moda que pretende ser consumida instantaneamente,
em sua performance?
1.4. OBJETIVOS
1.4.1. Objetivo Geral
A pesquisa anseia investigar o desfile como uma tentativa de conceituar um
pensamento em uma experiência do real e realizar um levantamento bibliográfico e imagético
com o intuito de compreender esse evento como um produtor de sentido.
1.4.1. Objetivos Específicos
Investigar a história e conceitos dos eventos de moda, em particular os desfiles;
Mapear possíveis teorias estéticas;
Situar os discursos sobre moda;
Identificar os autores e seus projetos performáticos.
1.5. LIMITAÇÕES
O presente trabalho investiga e levanta algumas questões referentes ao desfile como
momento de (re)criação de uma imagem, resultando em um ato de poética. As investigações
limitam-se a estabelecer um diálogo entre a análise os conceitos de Moda e Artes Visuais.
Portanto, não constituem-se como objetivos da presente pesquisa mensurar os investimentos
na produção dos desfiles ou mesmo, tratando-se de uma proposta de diálogo entre a moda e
artes, não tem lugar, neste trabalho, a discussão acerca das distinções entre a denominada
moda conceitual e a moda comercial.
1.6. ESTRUTURA DO TRABALHO
O presente ensaio divide-se em cinco partes principais. A primeira parte é composta
pelos itens introdutórios. A segunda traz um breve histórico dos desfiles de moda e alguns
conceitos essenciais para a compreensão desse evento. A terceira diz respeito aos desfiles
mais performáticos e a comparações entre o universo das artes com o da moda. A terceira
parte é pautada nas teorias de Moda, Estética e de discurso sobre subjetivação. A quarta parte
abarca a importância do desfile e como ele pode ser visto como um ato de poética.
2. METODOLOGIA
2.1. PROCEDIMENTOS DE PESQUISA
Quando se trata de conceituar a metodologia cientifica é significativa a abordagem de
Minayo “metodologia é o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da
realidade” (MINAYO, 1996, p.16). Sendo assim, a metodologia auxilia nas explicações e
compreensões dos fenômenos e, é sempre referida ao objeto do qual se visa a entender. Outra
autora que pesquisa metodologia - Goldenberg (2007) destaca, ainda que a totalidade de
qualquer objeto de estudo é uma construção do pesquisador, assim, ele deve definir os termos
que mais lhe parecem útil. Mas para isso, o pesquisador deve definir alguns conceitos
fundamentais para construção da forma e do conteúdo de uma teoria. Desses conceitos o
pesquisador vai extrair categorias, que são os conceitos mais importantes da pesquisa; das
categorias passará então para as hipóteses, que são afirmativas provisórias a respeito de
determinado fenômeno em estudo.
De acordo com as considerações feitas por Gil (1996), desta maneira, esta pesquisa é
tida como básica, pois objetiva gerar conhecimentos novos úteis para o avanço da ciência sem
aplicação prática prevista e envolve verdades e interesses universais. Além disso, a proposta
metodológica apresentada tem caráter qualitativo, iconográfico, exploratório e interpretativo a
fim de ocorrer uma aproximação com todo o campo teórico acerca do tema proposto.
O presente trabalho foi elaborado em um contexto universitário a modo de propor e
ampliar pesquisas relacionadas ao campo da Moda. A metodologia, nesse contexto, entra de
encontro com a proposta da pesquisa por viabilizar uma compreensão mais analítica, sendo
útil para a organização das idéias e para a clareza nas hipóteses levantadas por este estudo.
Para atingir o primeiro objetivo que é “Investigar a história e conceitos dos eventos de
moda, em particular os desfiles” foi identificados os principais autores relacionados à
historiografia e a conceitualização dos eventos de moda. Para o segundo objetivo “Mapear
possíveis teorias estéticas” foi feito um levantamento de categorias, seguindo para análise e
fichamento das teorias estéticas importantes à pesquisa através de consultas bibliográficas,
principalmente em texto científicos em livros, dissertações e artigos publicados em revistas
acadêmicas conceituadas. Para atingir o terceiro objetivo “Situar os discursos sobre moda” foi
feita uma grande pesquisa bibliográfica que foi devidamente fichada e armazenada. E por fim,
não menos importante, para contemplar o quarto objetivo “Identificar os autores e seus
projetos performáticos”, pesquisei autores de iniciativas estéticas relacionadas aos desfiles e
seus projetos com os quais foi possível uma interação no sentido de coletas de dados como
fotografias, vídeos e manifestos que foram usados para exemplificação dos conceitos da
pesquisa.
3. DESFILE DE MODA
3.1. ACERCA DOS DESFILES DE MODA
O desfile inicialmente é realizado com a intenção de mostrar uma marca e seu conceito e,
tem por objetivo principal o desencadeamento do impulso de compra. Para Garcia & Miranda
(2005, p.86) o desfile é
uma apresentação de roupas e acessórios, realizada em local e data prefixados
pelo destinador, na qual um grupo de modelos caminha por aproximadamente
30 metros de passarela durante cerca de 20 minutos. Com trilha sonora
especialmente criada para esse fim, elas exibem em torno de 75 looks a um
público aglutinado em filas dispostas lateralmente em torno da passarela.
Para Castilho & Martins (2008) que trabalham com a noção de espetacularização, o
desfile torna-se o palco onde constroem os sujeitos que são manipulados, objetos são tidos
como extremamente necessários e o lugar onde os sujeitos agem e são sancionados por suas
ações. Para os autores
Podemos considerar o desfile como destinadores manipuladores, que visam
fazer com que o outro faça, ou seja, àqueles que assistem. É óbvio que muitas
peças dos desfiles não serão utilizadas pelos usuários, pois elas foram
construídas apenas para o momento da apresentação e porque [...] elas são uma
forma de fazer ressaltar uma tendência, um determinado conceito (CASTILHO
& MARTINS, 2008, p.67)
Nesta perspectiva, o manipulador-criador – aqui como o sujeito de um fazer - cujo o
resultado se concretiza nas roupas apresentadas nos desfiles, passa a constituir-se como um
manipulador-destinador aos que assistem o espetáculo: os veículos especializados em moda e
o púbico em geral. Como resultado dessa manipulação, os conceitos são rapidamente
absorvidos pelo cotidiano, e “a tendência, até então abstrata passa a ser concreta, quer pela
figura de um criador quer por uma indumentária que ganha espaço fora do circuito da
passarela” (CASTILHO & MARTINS, 2008, p.69).
Para ampliação comunicacional destes conceitos, alguns aparatos foram criados,
dentre eles o convite, que não só admite a participação do sujeito no processo como dita seu
ponto de observação dentro da sala de espetáculo como também, o brinde, um “pedacinho”
desse mundo possível que o espectador leva para casa, antecipando seu papel social de
consumidor.
Trata-se de um elemento que atesta sua participação efetiva com espectador do
desfile, visto que só é distribuído nessa ocasião, assim lhe propiciando
reconhecimento social pelo uso pós-evento (GARCIA & MIRANDA, 2005,
p.96).
Figura 1: Convite para o lançamento da coleção “A China” de Ronaldo
Fraga para o São Paulo Fashion Week (2007) Fonte: http://iedashingai.wordpress.com/2010/05/04/convite-spfw-de-ronaldo-fraga/
Acessado em: 01 de junho de 2011.
Para Duggan (2002, p.10) a importância do desfile reside na aproximação entre e o
público consumidor e o manipulador-destinador, ou seja, a marca, “os desfiles ajudam
enormemente a formar a imagem individual dos designers, assim contribuindo para a
consolidação de seu nome e do conceito de marca”. Para Lipovetsky & Roux (2005) a marca
é o novo significante absoluto de identidade que prevalece sobre o produto. O produto por sua
vez, passa a ser o meio de acesso a essa imagem transmitida: a marca e sua exibição social.
Para Duggan (2002, p.04) os desfiles de moda se dividem em duas grandes categorias:
aqueles que apresentam as roupas que, de fato, podem ser vendidas para uso - os desfiles
comerciais, e aqueles que guardam uma relação mais íntima com as artes visuais e cênicas,
quer pela produção elaborada de cenários e locações, quer pela presença cênica incomum das
modelos, e todo o desfile é, assim, uma obra - os desfiles performáticos.
Como anota Duggan, os desfiles de moda “na maioria dos casos, interpretam-se como
minidramas completos, com personagens, locações específicas, peças musicais relacionadas e
temas reconhecíveis” (DUGGAN, 2002, p.05). Uma vez dentro da arena midiática do desfile,
tudo que se espera do espectador, provável consumidor, é a perda momentânea da consciência
de si próprio e a profunda identificação com o espetáculo. Para Cruz (2008) que faz
aproximações entre desfile, ritual e performance, os espectadores tentam viver o
extraordinário:
[...] Neste jogo, este público tenta criar um estranhamento no seu cotidiano, um
despertar, e o que aparece são os elementos das estruturas simbólicas que
surgem nestas paisagens sociais, e, por fim, nestas dobras da cultura,
desvelam-se as possibilidades da performance artística (CRUZ, 2008)
Os desfiles deixam assim de ser meras apresentações, transformando-se em eventos
que assumiram a categoria de performances e happenings, que antes eram expressões próprias
do universo das artes plásticas, ao se utilizarem de todas as artes e técnicas imagináveis, assim
com da realidade circundante. Para Góes (2006, p.128) “A roupa, na verdade, passa a ser mais
um dos elementos dessa narrativa plurissignificativa: épica, poética e dramática a um só
tempo”.
3.1.2. Breve histórico dos desfiles de Moda
Foi durante o reinado de Louis XIV, no século XVII, que surgem as primeiras ideias
de que no futuro íamos chamar de desfile. Durante muito tempo as tendências eram ditadas e
divulgadas pela nobreza e a aristocracia. A França para manter seu posto de lançadora de
novidades investia em mecanismos para que suas ideias fossem passadas a diante. Segundo
Buest (2011) a corte francesa enviava bonecas em proporção ao tamanho real para outras
cortes européias, vestidas com os mais recentes modelos.
As damas mandavam então que suas costureiras imitassem as roupas, calçados,
chapéus e acessórios das bonecas. As roupas esmeradas incluíam todos os
detalhes de confecção, permitindo que as costureiras retirassem as peças para
copiar. Essas bonecas eram de alabastro, madeira, porcelana, moldadas ou
esculpidas (BUEST, 2011, p.03).
Essa forma de propagação do estilo de vestir da França, esse “desfile de bonecas”, foi
comum até o século XIX e até o final da Segunda Guerra Mundial. Em 1945, por exemplo, o
Théâtre de la Mode, organizado pela Chambre Syndicale de Haute Couture1, enviou por todo
1Fundada em 1868 por Charles Worth e seus filhos sob o nome La Chambre Syndicale de la Confection et de la
Couture pour Dames et Fillettes, com a proposta inicial de impedir que os modelos da alta costura fossem
copiados. A organização determina quais casas de alta costura são elegíveis para receberem a denominação
o mundo, bonecas usando criações de estilistas parisienses com a intenção de demonstrar a
supremacia e a qualidade da alta costura francesa.
A mudança para o sistema de moda como é organizado atualmente veio somente com
o inglês Charles Frederick Worth.
A importância de Worth para encontrar a origem e o contexto histórico do
Desfile de Moda está ligada aos ideais da Revolução Industrial, à fragmentação
e especialização da mão de obra, à criação de associações e sindicatos e à
introdução da maquinaria recém inventada. Dessa forma é importante perceber
que o aparecimento do Desfile de Moda acontece para reafirmar o status e o
poder da nova organização da moda (BUEST, 2011, p.04).
Em 1858 Worth deixa um dos mais elegantes comércios de tecido - Gagelin - onde
trabalhava para abrir, junto a seu sócio sueco Boberg, seu próprio salão na Rue de La Paix,
em Paris. Foi em Gagelin que Worth conheceu Marie Vernet, a quem tornaria sua esposa e
sua primeira manequim e teve contato com os primeiros “desfiles”: a fim de possibilitar maior
interação com os seus produtos, a Gagelin contratava mulheres para exibirem os tecidos para
seus clientes.
Com a abertura da maison2, Worth começa a pensar em um modo diferenciado de
exibição, junto a Marie Vernet cria um sistema onde utiliza as manequins vivas para
demonstração de suas criações. Os clientes passam assim a perceber as nuances do tecido, o
trato com o corpo e a estrutura do modelo. Vernet, por sua vez, passa a treinar as manequins,
ensinando-as a postura adequada para realização do desfile. Após o primeiro evento a mesma
estrutura de demonstração é usada por diversas maisons. Os salões de costura passam a
contratar manequins e apresentá-las com seus lançamentos.
Com a banalização e disseminação das ideias de Worth surge um novo tipo de
comércio: os das manequins. As agentes passam a percorrer os subúrbios de Londres e Paris
em busca de trabalhadoras que possam recrutar para as famosas apresentações.
haute couture. Para ser considerado uma casa de alta costura, um costureiro deve produzir cinquenta designs
novos e originais para dia e noite a cada coleção. Deve realizar dois desfiles ao ano, empregar um mínimo de 20
funcionários tempo integral na area técnica em pelo menos um atelier ou confecção. Por causa das regras
restritas apenas algumas casas podem usar a marca exclusiva haute couture. Em 1946 eram 106 casas de alta
costura; em 1952 eram 60; em 1997 18 casas estavam em posição de produzir coleções públicas duas vezes ao
ano e em janeiro de 2002 restavam 12 casas de alta costura. O sindicato promove, educa, representa, defende, lida com benefícios sociais e trabalhistas e aconselha seus membros nas relações de trabalho e gerenciamento. O
sindicato também lida com a pirataria de estilos, relações estrangeiras, organização e coordenação dos
calendários das coleções de moda. Institui propagandas internacionais coletivas para a indústria de moda
francesa (BUEST, 2011:01).
2Maison significa casa em francês e significa também o lugar, o estabelecimento de uma grife de moda.
O conceito de desfile começa a ser estruturado. Cabendo a Worth, também, a
disseminação do conceito da centralização da figura do estilista como criador, aquele que
concebe o traje e não apenas o executa sob encomenda do cliente, como também, a adesão do
sistema de sazonalidade, com apresentações de coleções de verão e inverno. Porém, apesar da
divisão, as coleções não eram lançadas em datas fixas sendo que a eleição do dia e horário
ficavam a cargo de cada salão.
Segundo Seeling (2000) a alta costura francesa vive os seus primeiros momentos
triunfais, tornando Paris, durante um século, o centro mundial da moda. Segunda a autora
Na Exposição Mundial de 1900 [...] no Pavillon de l’Élégance, alguns
costureiros consagrados, entre eles Worth e Doucet, apresentam as suas
criações caras, vestidas por estrelas do mundo do espetáculo, como Duse e
Sarah Bernhardt, a um público internacional estupefato (SEELING, 2000,
p.15).
Neste mesmo instante, em Londres, Lady Duff-Gordon3 para a Lucille, começa a
investir nos desfiles, transformando-os em espetáculos dramáticos, preocupando-se não
apenas com as manequins como, também, com a iluminação, com o espaço onde será
apresentado e com a trilha sonora. Para Evans (2001, p.34) “Lucille criou para encenações
teatrais, e seus primeiros desfiles de manequins deveram mais ao teatro do que às tradições do
salão de costura”, mas apesar dessas novas preocupações os desfiles não deixaram de serem
meros eventos sociais, onde a música estava mais para “alegrar” os convidados que por um
desejo conceitual do couturier4.
3Lucy Christiana ou Lady Duff Gordon foi uma das estilistas mais importantes do século XIX, mais conhecida
como "Lucille", seu nome profissional, foi a primeira britânica a alcançar renome internacional. Inovadora, foi
uma das precursoras na formação do conceito de desfile, desenvolvendo e iniciando a profissionalizando do
mercado de modelos e manequins (Wikipedia. Lucy, Lady Duff-Gordon. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Lucy,_Lady_Duff-Gordon Acessado em: 10 de junho de 2011).
4Naquela época os estilistas eram chamados de couturiers e “sentiam-se os defensores do Santo Graal da arte da
alta costura, apesar de terem de ser ao mesmo tempo, criadores e artistas, gênios de relações púbicas [...]
apresentadores independentes e encenadores, caso quisessem se destacar da massa dos artesãos qualificados”
(SEELING, 2000, p.15).
Figura 2: Desfile de Lucille realizado em Nova Iorque (1919)
Fonte: http://marmeladeevans.typepad.com/
Acessado em: 01 de junho de 2011.
Já em 1911, Paul Poiret, o responsável pela liberação das mulheres do espartilho
(SEELING, 2000) e da transformação do couturier em designer5, viaja com um grupo de
manequins pelo mundo. Londres, Berlim, Viena, Bruxelas, Moscou, São Petersburgo e Nova
Iorque são os destinos percorridos pelo criador para exibição de seus produtos.
Figura3: Poiret e suas modelos, 1925. Fonte: Keystone/ http://www.gettyimages.com/
Acessado em: 01 de junho de 2011
5Paul Poiret frequentava muitas festas e salões e conhecia muitas pessoas importantes. Aproveitando-se de seu
prestigio, esquecendo seu prenome – Paul, discreto demais-, Poiret tornou seu sobrenome em marca. Não
podendo ser considerado apenas um couturier, Poiret transforma-se no primeiro designer do século, que estampa
como sua marca e valores estéticos diversos projetos, desde acessórios e fragrâncias à decoração de interiores
(SEELING, 2000, p.16).
Para Evans (2001, p.42) os desfiles de moda já eram fundamentados em narrativa e
drama. As manequins representavam papéis, assim como os lançamentos aconteciam para
contar uma história, conferindo não só o vestuário, mas também ao criador um status
diferenciado.
Poiret [...] decorava seus salões com cortinas e tapetes vermelhos e enormes
espelhos [...] As manequins passeavam por salas interligadas até saírem para os
jardins, e era neste espaço que as clientes conheciam e compravam as criações
do costureiro. Algumas poderiam, ainda, receber em casa as manequins,
apreciando a domicílio os lançamentos (GRUBER, 2009, p.17).
A partir de meados da década de 30, a influência do surrealismo fez-se notar em
shoots e anúncios de moda, assim como nas vitrines e salões. Embora o movimento date de
1924, quando foi publicado o primeiro Manifesto Surrealista6, de André Breton, apenas
depois de exposições importantes montadas em Londres, Paris e Nova Iorque, entre 1936 e
1938, é que o grande púbico veio a conhecer as imagens surrealistas. Os modelos de Elsa
Schiaparelli7 na segunda metade da década não têm rivais na exploração inovadora desses
recursos. Para Mendes & Haye (2003, p.95) credita-se a Schiaparelli o fato de ter sido a
primeira estilista a introduzir coleções temáticas. A primeira delas, para outono de 1937,
celebrava a iconografia musical. As coleções subseqüentes inspiravam-se no circo, no
6A publicação do Manifesto do Surrealismo, assinado por André Breton em outubro de 1924, marcou
historicamente o nascimento do movimento. Nele se propunha a restauração dos sentimentos humanos e
do instinto como ponto de partida para uma nova linguagem artística. Para isso era preciso que o homem tivesse
uma visão totalmente introspectiva de si mesmo e encontrasse o ponto do espírito no qual a realidade interna e
externa são percebidas totalmente isentas de contradições. A livre associação e a análise dos sonhos, ambos
métodos da psicanálise freudiana, transformaram-se nos procedimentos básicos do surrealismo, embora
aplicados a seu modo. Por meio do automatismo, ou seja, qualquer forma de expressão em que a mente não
exercesse nenhum tipo de controle, os surrealistas tentavam plasmar, seja por meio de formas abstratas ou figurativas simbólicas, as imagens da realidade mais profunda do ser humano: o subconsciente (História da Arte.
Surrealismo. Disponível em: <http://www.historiadaarte.com.br/surrealismo.html>. Acessado em: 10 de junho
de 2011).
7Elsa Schiaparelli nasceu em Roma, na Itália, em 1890. Sua família possuía uma boa situação financeira, o que
permitiu que ela fosse estudar na Suíça e em Londres, onde conheceu seu futuro marido, o filósofo e jogador,
Willy de Kerlor, em 1913. O casal se mudou para Nova York, nos EUA, país onde nasceu sua filha Gogo. Seu
casamento não durou muito tempo e Schiaparelli, com uma filha pequena para cuidar, não conseguiu sobreviver
sozinha na América e voltou para a França, em 1922. Na volta a Paris começou a vender seus primeiros tricôs.
Encorajada pelo estilista e amigo Paul Poiret, Schiap –como era conhecida por seus amigos, abriu sua primeira
boutique em 1927, e, em 1929, apresentou sua primeira coleção. Elsa Schiaparelli sempre esteve ligada aos
artistas de sua época, era amiga de muitos, como Marcel Duchamp, Picasso, Man Ray, Stieglitz, Jean Cocteau,
Christian Bérard e Salvador Dalí. Ela acreditava que a moda não podia estar desvinculada da evolução das artes plásticas contemporâneas, sobretudo a pintura (Grandes nomes da Moda: Elsa Schiaparelli e a fusão entre arte e
moda. Disponível em: <http://oresumodamoda.blogspot.com/2011/06/grandes-estilistas-elsa-schiaparelli-
e.html>. Acessado em: 10 de junho de 2011).
paganismo, nos arlequins e na astrologia. Ao contrário de Chanel8, Elsa Schiaparelli produz
coleções com origem em temas e a lança em seus desfiles como verdadeiros espetáculos.
Em 1952, Schiaparelli contratou uma empresa cinematográfica para
transformar a entrada de sua própria casa num showroom de conto de fadas,
com manequins que rebolavam ao som de samba tocado por músicos
brasileiros, sendo que nas janelas postavam-se animais chineses em tamanho
natural trajando vestidos de baile (EVANS, 2001, p.51).
Com o avanço da Segunda Guerra Mundial a escassez de matéria-prima tornou-se
mais recorrente e já não era possível fazer grandes desfiles, segundo Seeling (2000, p.13)
nessa época surgiu a idéia de criar o Théâtre de La Mode: os costureiros demonstravam as
suas criações em manequins de armação de ferro com custos reduzidos de material. Christian
Bérard9 ficou a cargo da cenografia criando um espetáculo original. Após êxito obtido no
Musée de Arts Decoratifs em Paris, a exposição partiu em tournée pela América, recuperando
os antigos clientes e angariando outros novos.
Figura 4: Théâtre de La Mode, 1945
Fonte: http://www.dianna-orellana91.blogspot.com Acessado em: 01 de junho de 2011.
A aproximação com a música, o cinema e as artes plásticas define novos contornos
para a passarela e traz outras sensações para os lançamentos de uma nova estação. Os desfiles
8De acordo com Charles-Roux (2007, p.363) os desfiles de Chanel eram feitos sem decoração floral e sem
música. Nenhum texto impresso colocado sobre as cadeiras dos jornalistas a fim de revelar-lhes as intenções
secretas daquela cuja obra iam julgar. Nenhum preâmbulo lírico “a dona do lugar detestava esse tipo de coisa.
Falava com sarcasmo dos concorrentes que recorriam ao que chamava „a poesia costureira‟[...] Para Chanel
costura não é teatro e a moda não é uma arte, é um ofício” (CHARLES-ROUX, 2007, p.363)
9Christian Bérard também conhecido como Bebé, nasceu em Paris, era artista, ilustrador e designer. Junto a seu
amante Boris Kochno, diretor dos famosíssimos Ballets Russes, foi co-fundador do Ballet des Champs-Elysées e um dos mais importantes cenografistas do teatro francês (Wikipedia. Christian Bérard. Disponível em:
<http://en.wikipedia.org/wiki/Christian_B%C3%A9rard>. Acessado em: 10 de junho de 2011).
exploram formas de expressão já conhecidas e popularizadas pela fotografia de moda. Efeitos
de luz e rostos famosos complementam o tom de entretenimento nestes eventos. Na década de
50, as estrelas de cinema como Grace Kelly, Marilyn Monroe, Brigitte Bardot, Audrey
Hepburn, Rita Hayworth e Ava Gardner, conquistam as passarelas e tornam-se as primeiras
top models imortalizadas pelas lentes dos fotógrafos de moda, entre eles, Richard Avedon,
Irving Penn e Willian Klein, que fotografavam para as maisons e para as revistas de moda,
como a Elle e a Vogue. Segundo Seeling (2000, p.264) a imagem de Richard Avedon, de
1955, em que a modelo Dovima posa entre dois elefantes do Cirque d’hiver de Paris vestindo
uma criação de Dior, foi um incentivo para que muitos criadores e fotógrafos trocassem o
estúdio por lugares pouco habituais para os desfiles de moda.
Figura 5: Cirque d’hiver com a modelo Dovima, 1955.
Fonte: Richard Avedon, http://www.olhave.com.br/blog/?tag=richard-avedon
Acessado em 01 de junho de 2011.
Em 1961, o russo Yuri Gagarin foi o primeiro homem a voar no espaço, mas só em
1969, quando os dois americanos Neil Armstrong e E. A. Adrian deram o primeiro passeio na
Lua, começou realmente uma nova era que também influenciou os desfiles de moda. O
primeiro a mostrar uma moda do futuro foi André Courregès, seus manequins desfilavam em
passo rápido com botas brancas e calças com recorte geométrico e de um branco brilhante ou
prateado, como se tivessem sido projetados diretamente no espaço. Mary Quant nesta mesma
época, percebe que se não dramatizasse a apresentação de suas coleções, elas não seriam
suficientemente percebidas, investiu, assim, na produção dos desfiles, utilizando, pela
primeira vez, os serviços de um profissional responsável exclusivamente por isso, o stylist10.
Figura 6: Mary Quant e Modelos, 1968 Figura 7: Coleção Cosmic Girl, Courregés, 1964
Fonte: Getty Images http://www.gettyimages.com/ Fonte: http://fashionmanisfesto.blogspot.com
Acessado em: 01 de junho de 2011 Acessado em: 01 de junho de 2011
Segundo Garcia & Miranda (2005, p.91) a partir dos anos 70, os desfiles começaram a
ser montados com a meta de obter exposição gratuita na mídia para o fabricante e seus
produtos, objetivo que passou a ser perseguido também pelos convidados e sua estratégias de
marketing pessoal. Para as autoras, as marcas “recebem, por parte do convidado, o
investimento de valor da exclusividade de admissão, que lhe dá acesso às informações em
primeira mão e, consequentemente, aumenta sua própria valorização no mercado de trabalho
de moda” (GARCIA & MIRANDA, 2005, p.92).
Em 1984, o estilista Thierry Mugler11 amplia o tradicional perfil de sua platéia,
composta por jornalistas e profissionais da área, ao introduzir a venda de ingressos e, assim,
conseguindo atrair 6000 pessoas. Para Crepaldi & Silva (2009, p.03), “a repercussão da
novidade despertou atenção, tornando o seu espetáculo comentado e, simultaneamente,
rentável ao expandir o número de investidores e consumidores de seus produtos”.
10O Stylist é o profissional que opera junto ao estilista na elaboração da imagem final do desfile. Para Amorim é ele que “desempenha tarefas que estão relacionadas com o marketing, uma vez que centra suas preocupações
com as mensagens contidas no espetáculo como um todo e em especial os discursos e recursos visuais mais
adequados para atingir o público-alvo do evento” (AMORIM, 2007, p.37). 11Thierry Mugler nasceu em Estrasburgo, na França, e desde adolescente criava seus modelos.
Até definir-se como um criador de moda, ele integrou um grupo de balé, foi vitrinista de uma loja em Paris e
viajou muito pela Inglaterra e pela Holanda. Ao voltar à França, em 1971, desenhou sua primeira coleção, mas
só dois anos mais tarde é que assinou suas criações, que sempre se destacaram pela ousadia, pela sensualidade e
pelas propostas divertidas (Wikipedia. Thierry Mugler. Disponível em:
<http://en.wikipedia.org/wiki/Thierry_Mugler>. Acessado em: 10 de junho de 2011).
No mesmo modo na tentativa de diversificar, desfiles como os da Versace12
levam
para as passarelas modelos famosas como Linda Evangelista, Naomi Campbel e Cindy
Turglion que, logo em seguida, ganham espaço também nas campanhas de publicidade da
marca. Com altos salários, elas legitimam a condição de Top Models, divulgando até outros
produtos de alcance mais popular. Algumas conseguem ainda inverter o processo começado a
décadas atrás, saem das passarelas para os shows de entretenimento televisível ou
cinematográfico.
Segundo Crepaldi & Silva (2009) como um espetáculo, o desfile torna-se um evento
concorrido e disputado por profissionais do meio, personalidades, consumidores e curiosos.
Consolidado por muito estilistas durante o tempo, este formato teatral passa a experimentar,
no século XX, os recursos da cultura digital. Em 1996, por exemplo, Yves Saint Laurent
13leva seu desfile para uma audiência virtual pela internet. Este caminho inédito é seguido por
Helmut Lang14
ao apresentar sua nova coleção somente pela rede mudial de computadores. Na
primavera/verão 2010, Alexander McQueen15
transmitiu seu desfile ao vivo pela internet e a
12Versace é uma marca italiana fundada, em 1978, por Gianni Versace. Após a morte de Gianni, sua irmã,
Donatella Versace, tornou-se a diretora artística da marca e o seu irmão, Santo Versace, tornou-se o presidente.
A Versace é uma das mais importantes marcas de moda voltada ao luxo de todo o mundo, desenhando e
vendendo roupas, acessórios, perfumes, cosméticos, e todo o tipo de artigo que tenha relação com a marca e com
o público-alvo (Wikipedia. Gianni Versace. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Gianni_Versace>.
Acessado em: 10 de junho de 2011).
13Nascido na Argélia, durante o domínio colonial francês, Yves Saint Laurent transferiu-se para Paris aos 17
anos e logo foi contratado para trabalhar na empresa do estilista Christian Dior, da qual se tornou diretor. Oito
anos depois, fundou sua própria maison em 1961, em sociedade com o costureiro Pierre Bergé.
Ao lado de Dior e de Coco Channel, Saint Laurent foi um dos grandes estilistas que transformaram Paris na
capital mundial da moda, durante a década de 1960. Sua mais célebre criação foi o chamado Le Smoking, uma
versão feminina do conhecido traje a rigor para homens (UOL Educação Estilista francês: Yves Saint Laurent.
Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/biografias/yves-saint-laurent.jhtm >. Acessado em: 10 de junho de
2011).
14Helmut Lang nasceu na Áustria em 1956. Com apenas 21 anos abriu seu próprio estúdio de design em Viena.
Nove anos mais tarde, estreou em Paris, durante uma exposição realizada no Museu Nacional da Áustria
Pompidou, que tinha o objetivo de homenagear os designers alemães. Em 1997, Lang se estabelece em Nova
Iorque, onde começou uma parceria com a Prada, vendendo inclusive sua marca para tal grupo (Biografias.es
Helmut Lang. Disponível em: <http://www.biografias.es/famosos/helmut-lang.html>. Acessado em: 10 de junho
de 2011).
15Aos dezesseis anos, Alexander McQueen abandonou a escola e ocupou um lugar de aprendiz nos alfaiates
Anderson and Shepherd. Logo após passou para "Gieves and Hawkes" e depois para os costureiros "Angels and
Bermans". Dos alfaiates da Saville Row, McQueen transitou para trabalhar com Koji Tatsuno e, com 21 anos,
mudou-se para Milão para trabalhar com Romeo Gigli. Toda esta experiência foi convertida em sucesso e McQueen conseguiu terminar sua formação de moda na prestigiada Central St. Martins College. A sua coleção, o
culminar da sua aprendizagem, recebeu as atenções da imprensa e estabelecendo-o como jovem estilista
promissor (The Biography Channel. Alexander Mcqueen - Revolucionário da moda britânica. 2011. Disponível
em: <http://www.thebiographychannel.pt/biografias/233/Alexander-Mcqueen>. Acessado em: 10 de junho de
2011).
Burberrry16
dando um passo além comunicou uma nova estratégia para a exibição da coleção
de outono/inverno 2010: filmes em 3D e programado com um sistema de compra online, no
qual foi possível solicitar as peças da coleção simultaneamente. No dia 23 de fevereiro de
2010, enquanto acontecia o show em Londres, no Chelsea College of Art & Design,
convidados especiais em Nova Iorque, Los Angeles, Paris, Dubai e Tóquio colocavam seus
óculos 3D e acompanhavam as modelos, enquanto os compradores no resto do mundo via
internet faziam suas compras da coleção que estava sendo lançada.
3.1.3. Desfile no Brasil
No Brasil os primeiros desfiles só foram apresentados apenas na metade do século
XX. Segundo (SILVEIRA, 2002), a Casa Canadá, no Rio de Janeiro, foi a pioneira na
realização de eventos de moda, seu primeiro desfile aconteceu em 1944 no Copacabana
Palace Hotel.
A partir de 1958, a Rhodia ajudava a escrever a historia da moda brasileira com seus
famosos desfiles-shows da Fenit – Feira Nacional da Indústria Têxtil, criados pelo publicitário
Lívio Rangan, começa a abrir espaço para os estilistas, além de funcionar como vitrine das
fábricas brasileiras. Uma peça fundamental nesse processo de difusão foi a participação de
artistas como Gal Costa e Raul Cortez.
Moldes da Fenit serviram de inspiração para outros eventos pelo Brasil. Dentre
eles, o Grupo de Moda Rio que, entre 1978 e 1982, foi responsável por
conglomerar marcas na tentativa de facilitar negociações com fornecedores e
garantir a sobrevivência das butiques no mercado que, ainda, não apresentava
grande concorrência. O evento organizava-se a propósito de levar adiante um
conceito de moda brasileira tomando como ponto de partida o que se fazia no
Rio de Janeiro (GRUBER, 2010, p.19).
16Burberry é uma casa de moda britânica especializada em artigos de luxo. Seu padrão tartan tornou-se uma de
suas marcas mais copiada. A Burberry é mais famosa por seu icônico trench coat, que foi inventado pelo fundador Thomas Burberry. A Rainha Elizabeth II e o Príncipe de Gales, concederam a insignia Royal Warrants
para a empresa por seus serviços prestados ao país. A empresa tem lojas e franquias em todo o mundo (Revista
Catarina. LFW: Burberry. Disponível em: <http://www.revistacatarina.com.br/2011/?p=1420>. Acessado em: 10
de junho de 2011).
Figura 8: Fenit, 1958
Fonte: http://manequim.abril.com.br/moda/historia-da-moda/50-anos-da-moda-no-brasil/despertar-
da-moda1.shtml. Acessado em: 01 de junho de 2011.
Podemos ainda citar o grupos e movimentos paulistanos como o Núcleo Paulista de
Moda, de 1980; o Grupo São Paulo, de 1986; a Cooperativa de Moda e Smirnoff International
Fashion Awards, ambos de 1992. Em 1994 surge o Phytoervas Fashion, promovido por
Cristiana Archangelli, o evento tinha produção de Paulo Borges - atual diretor criativo do São
Paulo Fashion Week, e acontecia concomitantemente com o Mercado Mundo Mix.
Figuras 9 e 10: “Eu amo coração de galinha” coleção de Ronaldo Fraga apresentada no Phytoervas
Fashion, 1997. Fonte: http://ronaldofraga.com.br
Acessado em: 01 de junho de 2011
O formato do Phytoervas Fashion inspirava-se nas temporadas internacionais,
contando com a presença de jornalistas de todas as regiões do Brasil e se transformou em um
dos maiores eventos do calendário brasileiro de moda da época.
Os desfiles eram transmitidos ao vivo pela MTV (Music Television).
Concomitantemente, chegavam ao país os shopping centers, onde as coleções
eram apresentadas em passarelas montadas em salões, praças de alimentação e
vãos centrais (AMORIM, 2008, p.30).
Em 1996, acreditando que havia espaço no Brasil para uma semana de moda
organizada, nos moldes das mais importantes do mundo, Paulo Borges realizou a primeira
edição do Morumbi Fashion Brasil, “a primeira edição do evento [...] marca o início da
organização das temporadas de moda no país” (AMORIM, 2008) e com isso, organiza o
Calendário Oficial da Moda Brasileira.
O Calendário Oficial da Moda Brasileira foi criado para ampliar as fronteiras
da moda nacional e consolidar a idéia de um calendário; incorporar a noção e
cultura de moda à moda; e inserir a moda brasileira na pauta de
desenvolvimento econômico-industrial e de produção de entretenimento
cultural do país, e no cenário internacional dos mercados globalizados
(BORGES in http://www.spfw.com.br/quem.php. Acessado em 15 de maio de
20011.)
O Morumbi Fashion Brasil foi o predecessor do São Paulo Fashion Week, com cinco
dias de duração e estrutura montada no Parque do Ibirapuera e no Museu de Arte Moderna, o
evento contou com desfiles de marcas como Alexandre Herchcovitch, Ellus, Fause Haten,
Fórum, Glória Coelho, Huis Clos, Iódice, Lino Villaventura, Reinaldo Lourenço, Ricardo
Almeida e Zoomp.
Em sua décima edição, em 2001, o Morumbi Fashion Brasil torna-se São Paulo
Fashion Week. No início, eram quatro desfiles por dia com público de 300 pessoas. Nesse
período começaram surgir as supermodelos brasileiras como Gisele Bündchen, Isabeli
Fontana, Ana Claudia Michels, Alessandra Ambrósio dentre outras tantas que trouxeram mais
renome e prestígio ao evento. Com a maior profissionalização do meio e o evento começou a
ganhar cada vez mais espaço no cenário internacional. Hoje o SPFW é o mais importante
evento da América Latina na área e aparece como a quinta maior semana de moda do mundo,
ao lado de pólos como Paris, Milão, Nova Iorque e Londres.
Para Amorim (2008, p.32), o evento “foi a mais eficiente de todas as tentativas de
promover a moda nacional, conglomerando algumas das principais marcas e estilistas do país
e reunindo os diversos segmentos do sistema de moda”. Hoje o evento acontece duas vezes
por ano, com edição de cinco dias cada uma, em janeiro, apresenta-se a coleção de inverno e
em julho, a coleção de verão.
Como aponta Gruber (2010) o São Paulo Fashion foi “um incentivo para o surgimento
de outros eventos pelo Brasil, como o Dragão Fashion, no Ceará; o Minas Trend, em Minas
Gerais; e o Fashion Rio, no Rio de Janeiro, considerado o segundo maior evento de moda
brasileiro” (GRUBER, 2010, p.20).
4. DESFILE COMO PERFORMANCE E INSTALAÇÃO
Os desfiles contemporâneos são uma das instâncias que melhor retratam as dimensões
de espetacularização assumidas pelo universo da Moda, o que, de certa forma, metonimiza
nosso cotidiano.
O que antes era uma apresentação reservada de alguns modelos possíveis de
serem usados fora da passarela para clientes seletas em espaços privados,
ateliês e maisons, tornou-se um mega evento midiático em espaços públicos
diversos, em que absolutamente tudo é espetacularizado e pouca coisa do que
se apresenta é para ser usado (GOÉS, 2006, p.128)
Referencias visuais relacionadas às áreas de artes plásticas, fotografia, cinema e vídeo,
história, música, arquitetura e design tomam os espaços ditos como os de moda. O desfile,
cada vez mais, se aproxima dos discursos e das instalações artísticas, ao explorar estruturas
audiovisuais elaboradas, ao expandir o uso das tecnologias midiáticas e ao alagar seus
processos no espaço e no tempo. Segundo Lehmann (2007, p.224):
A arte performática se afirma como expansão da representação da realidade em
imagem ou objeto por meio da dimensão temporal. Duração, instantaneidade,
simultaneidade e irrepetibilidade se tornam experiências temporais em uma
arte que não mais se limita a apresentar o resultado final de sua criação
secreta, mas passa a valorizar o processo-tempo da constituição de imagens.
O desfile passa a apresentar-se como espaço de convergência de diversas linguagens,
utilizando-se de signos visuais e auditivos em função de uma atividade artística. Para Gruber17
(2010, p.26) o desfile assume-se, deste modo, como um espetáculo “pois visa, a priori,
comunicar algo específico a determinado público através de uma apresentação em que estão
presentes diversos recursos”. O caráter performático do desfile encontra-se, também, no fato
de sua impossibilidade de repetição, para Garcia & Miranda (2005, p.86) “o desfile tornasse
uma apresentação única, que se constrói em ato e não poderá jamais se repetir tal e qual”, o
processo, o momento da apresentação passa não apenas ter um valor de mercado - como
construção da imagem da marca, como também, como uma experiência estética, pautada em
sua dimensão temporal.
É importante salientar que o desfile constitui-se principalmente como uma estratégia
de marketing e publicidade, e o valor deste está na exposição da marca, do seu criador e de
17Gruber (2010) analisa os desfiles do São Paulo Fashion Week e faz um estudo comparativo entre eles e os
recursos teatrais - como cenários, iluminação e performance das modelos, para chegar a conclusão que quando a
coleção é apresentada em harmonia com os recursos citados, a performance fashion transcende a roupa,
assumindo uma postura espetacular. Conclui que o desfile de moda é, desde o princípio, um espetáculo,
podendo, assim, ser apreciado como tal.
seus produtos. Comento neste capítulo sobre as apresentações onde a simples denominação
“não comercial” passa a ser uma afirmativa gasta e o espectador, convidado a esse novo
formato, passa a pisar por caminhos mais fluídos e de certo modo desconhecidos.
O desfile passa a ser espaço da obra e de sua performance, com o auxílio de materiais
muito variados, a marca tenta construir um ambiente ou uma cena, cujo movimento é dado
pela relação entre objetos, cenário, iluminação, movimento das modelos até mesmo, o ponto
de vista e o corpo do observador.
Para Duggan (2002) os desfiles performáticos, assim como as representações de palco,
exibem muito mais do que roupas e modelos. Para a autora o “único elemento que separa o
desfile de moda de seus correlatos teatrais é seu objetivo básico – funcionar como estratégia
de marketing” (DUGGAN, 2002, p.5).
Tais desfiles rompem com o estabelecido e partem em busca de espetáculos
mais estetizados. Inovam quanto à forma de apresentação, e acrescentam, ao
seu texto ordinário, um sem número de conotações e interpretações que elevam
este tipo de desfile à categoria de uma obra de arte (AMORIM, 2007, p.29).
Duggan (2002) classifica esses eventos performances em cinco categorias: espetáculo,
substância, ciência, estrutura e afirmação.
Inserido mais concisamente na década de 1960, os desfiles espetáculos apresentam
uma estreita conexão com as artes dramáticas como teatro e ópera, além de manter uma
relação com o cinema e os videoclipes. Duggan (2002) afirma que o criador desse tipo de
desfile manipula quatro elementos estruturais: a eleição das modelos adequadas, a locação, o
tema proposto e o encerramento; tais manipulações levam a produções que resultam em
“shows que são espetáculos de mídia” (DUGGAN, 2005, p.10).
Figura 11 e 12: Desfile espetáculo de John Galliano, Paris, 2008.
Fonte: http://estadao.com.br
Acessado em: 01 de junho de 2011.
Já os desfiles substâncias são estruturados em conceitos mais complexos como
performances18 e happenings19- palavras recorrentes do mundo das artes cênicas e visuais, os
desfiles passam a ser verdadeiras apresentações coreografadas ou muitas vezes, carregam
elementos de espontaneidade ou improvisação nas ações dos modelos. Essas narrativas como
salienta Duggan (2002) carecem de ligações como tempo e espaço específico.
Figura 13 e 14: Desfile substâncias de Karla Girotto, SPFW, 2005 e 2007
Fontes: http://abril.com.br & http://finissimo.com.br
Acessado em: 01 de junho de 2011.
Sob a categoria de desfile ciência, Duggan (2002) cita criadores como Issey Miyake20
,
Hussein Chalayan21
e Junya Watanabe22
para exemplificar os desfiles que concentram grande
18A art performance ou performance artística é uma modalidade de manifestação artística interdisciplinar que
pode combinar teatro, música, poesia ou vídeo. Tem sua origem na segunda metade do século XX e esta
vinculada aos movimentos de vanguarda como o dadaísmo e futurismo e a grupos como Fluxus e Bauhaus.
Cuidadosamente elaborada não envolver necessariamente a participação dos espectadores, em geral, segue um
"roteiro" previamente definido, podendo ser reproduzida em outros momentos ou locais. É realizada para uma
plateia quase sempre restrita ou mesmo ausente e, assim, depende de registros - através de fotografias, vídeos e/ou memoriais descritivos - para se tornar conhecida do público (Teatro, Performance e Teatro Performático .
Disponível em: <http://artesculturalocal.blogspot.com/2009/09/9-ano-texto-completo-teatro-performance.html>
Acessado em: 10 de junnho de 2011). 19Happening (do inglês, acontecimento) é uma forma de expressão das artes visuais que apresenta características
das artes cênicas. Neste tipo de obra, incorpora-se sempre algum elemento de espontaneidade ou improvisação,
que nunca se repete da mesma maneira a cada nova apresentação. Apesar de ser definida por alguns historiadores
como um sinônimo de performance, o happening é diferente porque, além do aspecto de imprevisibilidade,
geralmente envolve a participação direta ou indireta do público espectador. O termo happening, como categoria
artística, foi utilizado pela primeira vez pelo artista Allan Kaprow, em 1959. Como evento artístico, acontece em
ambientes diversos, geralmente fora de museus e galerias, nunca preparados previamente para esse fim. (+
Happening. Vivo Lab. Disponível em: <http://www.repia.art.br/ear/index.php?pag=43&pj=39> Acessado em: 10
de junho de 2011).
20Issey Miyake nasceu 1938 em Hiroshima , Japão. Estudou Design Gráfico na Universidade Tama Art em
Tóquio que terminou em 1964, mudando-se em seguida para Paris aonde se dedicou a estudar design de moda
com nomes como Guy Laroche e Givenchy. Em 1968 mudou-se para Nova Iorque para trabalhar com Geoffrey
Beene, onde foi influenciado pela moda das ruas. Ao regressar a Tóquio em 1970 fundou o estúdio Miyake
número de tecnologia e investimentos nas construções dos tecidos e dos eventos
proporcionando assim, um sentimento futurista perante essas caras apresentações.
Figura 15 e 16: Desfile de Alexander McQueen, 2010 / Transformer Dresses de Hussein Chalayan, 2007.
Fonte: http://modelinia.com & http://fashionbubbles.com
Acessado em: 01 de junho de 2011.
Os estilistas como Martin Margiela23 e Rei Kawakubo24 são caracterizadas para
Duggan (2002) como designers de estrutura. Os eventos criados por eles têm compromisso
Design, e em 1971 apresentou o seu primeiro desfile de moda. No final dos anos 80 introduziu o método de
“Pleating” (estrutura de pregas) que iria permitir flexibilidade de movimentos para o utilizador como também
facilidade em manutenção e na produção das peças de vestuário, método considerado tecnológico, funcional e
harmonioso (Issey Miyake - O Império do designer japonês. Rua de Baixo. Disponível em: <
http://www.ruadebaixo.com/issey-miyake.html> Acessado em: 10 de junho de 2011).
21Hussein Chalayan nasceu em Nicósia, Chipre em 1970. Mudou-se para Londres em 1978. Formou em Moda na
renomada Central Saint Martins College of Art e Design, em Londres. Em 1995, Chalayan conquistou o prêmio Absolut London Fashion Design Award, recebeu apoio financeiro no valor de £ 28.000 para desenvolver criações
para a Semana de Moda Londrina no mesmo ano (Hussein Chalayan. Biography. Disponível em:
<http://www.husseinchalayan.com/> Acessado em: 10 de junho de 2011).
22Junya Watanabe é um designer japonês nascido em Fukushima, Japão em 1961. Obteve seu diploma pela
Bunka Fashion College, de Tóquio, em 1984. Nessa época começou como assistente de modelagem na Comme
des Garçons. Em 1987, foi promovido a designer sênior da linha de tricô e malharia da linha masculina da
marca. A partir de 1992, iniciou sua carreira solo (Junya Watanabe. Biography. Disponível em:
<http://en.wikipedia.org/wiki/Junya_Watanab>. Acessado em: 10 de junho de 2011).
23Martin Margiela deixou aos 18 anos cidade de Limburg, na Bélgica, para estudar moda na Royal Academy of
Arts, na Antuérpia. Em 1984, Margiela se mudou para Paris onde trabalhou de assistente de Jean Paul Gaultier.
Quatro anos depois criou a sua própria grife: a Maison Martin Margiela. Entre 1997 e 2003, tornou-se, também,
o diretor criativo da Hermès na linha feminina (Fashionistas. O Misterioso Martin Margiela. Disponível em: <
http://fashionistasgracasadeus.blogspot.com/2009/04/o-misterioso-martin-margiela.html> Acessado em: 10 de
junho de 2011).
24 Rei Kawakubo nasceu em Tóquio em 1942. Estudou Filosofia e Literatura na Universidade de Keiko.
Começou a trabalhar na área de publicidade de uma empresa de produtos químicos no inicio dos anos 60. Entre
1964 a 1966 trabalhou com o estilista japonês Asahi Kasei onde surgiu seu interesse pelo universo da moda.
Começou então a confeccionar algumas peças para vender e obter uma fonte extra de valor no final do mês. Em
1969 abriu a primeira loja da Comme des Garçon em Tóquio (Biografia.Es. Rei Kawakubo. Dispoível em: <http://www.biografias.es/famosos/rei-kawakubo.html> Acessado em: 10 de junho de 2011).
firmado principalmente com a forma, em detrimento da função. Esses tipos de desfiles normalmente
costumam sair dos espaços tradicionais e envolver lugares que requerem do espectador maior esforço
de concentração, a cenografia passa a ser minimalista25
, os adereços e efeitos especiais são quase nulos
para não influenciar a mudança de foco do público. A exemplo dos desfiles substâncias, os designers
estruturais não se apoiam em narrativas ou enredos pré-determinados.
Figura 17: Desfile estrutura de Martin Margiela, 2009. Fonte: http://todayandtomorrow.net
Acessado em: 01 de junho de 2011.
Sob a nomenclatura de desfiles de afirmação, temos os eventos que fazem alusão ao
universo de protesto, abordando temas polêmicos como o uso de peles pelas marcas,
modificações corporais e a indústria da moda como um todo. Entre os exemplos dessa
classificação, Duggan (2002) evoca nomes como de Susan Cianciolo, Miguel Adrover, Elena
Bajo e marcas como Imitation of Christ e Red or Dead.
Figura 18 e 19: Instalação em protesto contra uso de peles feita por Ronaldo Fraga em parceria com a ONG
Move Institute, SPFW, 2011. Fonte: moda.terra.com.br
Acessado em: 01 de junho de 2011.
25 Surgido como reacção à hiperemotividade e ao Expressionismo Abstracto que dominou a produção artística da
arte nos anos 50, o Minimalismo, que se desenvolveu no final dos anos 60 prolongando-se até à década de 70,
apresenta a tendência para uma arte simples e objectiva e de caracter anónima. Recorrendo a poucos elementos
plásticos e compositivos reduzidos a geometrias básicas, procura a essência expressiva das formas, do espaço, da
cor e dos materiais enquanto elementos fundadores da obra de arte. Para caracterizar este movimento artístico
pode empregar-se o célebre aforismo do arquitecto Mies Van der Rohe "menos é mais" (Itaú Cultural.
Minimalismo. Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseact
ion=termos_texto&cd_verbete=3229> Acessado em: 10 de junho de 2011).
Outro viés interessante para pensar o desfile como um momento poético é a mudança
de foco da encenação para o ambiente, o espaço onde será apresentado os conceitos da marca.
A instalação, categoria provida das artes plásticas, ganha cada vez mais terreno como
proposta. O desfile torna-se um espaço, onde para a apreensão de seus conceitos é necessário
percorrê-lo, passar entre suas dobras e aberturas, ou simplesmente caminhar pelas veredas e
trilhas que ela constrói por meio da disposição das peças, cores e objetos. O espectador, nesse
tipo de apresentação, torna-se definitivamente co-autor da obra num processo que,
concomitantemente, instaura novas possibilidades de subjetivação em que todos os sentidos
são conclamados a interagir em espaços multimidiáticos.
Os produtores e estilistas preocupam-se com a elaboração de climas que
sugerem a complexidade da subjetivação contemporânea e buscam a interação
maior com o público, já que a interatividade e a multiplicidade de escolhas, os
ambientes imersivos tornam-se palavras passe no trânsito produção/consumo
(VILLAÇA, 2007, p.222).
Um dos exemplos, que segue essa nova proposta é o projeto Santa Catarina Moda
Contemporânea (SCMC), que no ano de 2011, resolveu mudar sua forma de apresentação –
saiu das passarelas, para formatar-se como uma exposição através de instalações artísticas.
Espaços cheios de ideias, as coleções foram apresentadas em conterners de madeira. Vídeos,
objetos artísticos e roupas tomaram os espaços determinados criando “mundos” de referencias
e insinuações artísticas.
Em suma, o espetacular é tudo aquilo que se expõe ao olhar. Sendo assim, o desfile de
moda, em seu principio, é um espetáculo, onde a roupa é protagonista, o estilista o encenador
e a público, muitas vez, o co-autor desse dialogo. Essa apresentação em comunhão com outras
propostas - iluminação, música, coreografias das manequins, transcende a roupa, levando à
passarela não só o que esta pretende ser e mostrar ao público mas também que esse ato
momentâneo tem um valor de poética.
4.1. DESFILE COMO ESPAÇO
Após enfrentar uma fila diante da entrada, o espectador é conduzido pelas
recepcionistas ao seu lugar marcado e, nesse espaço imobilizado, aguça sua audição para
ouvir as conversas sussurradas, a cada momento a tensividade da espera aumenta e os olhos
começam a se acostumar à escuridão de uma sala lotada. Do mesmo modo que ocorre no
teatro ou no cinema, essa performance é roteirizada, um programa narrativo determina seu
começo, ápice e fim.
Os murmúrios da platéia pouco a pouco se distanciam de uma massa de ruídos
indistintos, pois o sujeito é invadido por uma sensação de claustrofobia [...]
Esse observador é então tomado por uma emoção de insuportável ansiedade e
percebe a suspensão do tempo. Essa imersão só é rompida com a força dos
holofotes [...] anunciando o clímax: a entrada dos modelos na passarela
(GARCIA & MIRANDA, 2005, p.86).
Para Garcia & Miranda (2005) o desfile de moda tem tradição própria e acontece em
lugares específicos, dentro de uma programação maior do setor. Além de seu caráter teatral, o
espaço físico da passarela também permite analogias conceituais com a noção do “cubo
branco”, exposta por Brian O‟Dohethy.
Segundo a teoria de O‟Doherty (2002) a galeria mantém-se como espaço privilegiado
de validação de qualquer objeto como arte. Este espaço passa a ter a responsabilidade de
intermediar a obra com seu público e com o sistema da arte. Por outro lado, nos museus a
“visibilidade cede lugar à superexposição e a experiência histórica é cotidianamente
substituída pela experiência prescrita” (SPERLLING, 2005); o museu aponta o que deve ou
não vir a público, mantendo uma postura didática enquanto seus métodos e ações, gerando
poder e valorizando as obras que se encontram em seu espaço institucionalizado.
Na visão de O‟Doherty (2002), o caráter acético do “cubo branco” previne a
contaminação da obra de arte, o isolamento desloca o expectador do mundo externo, buscando
instaurar um ambiente de caráter sagrado onde há o sujeitamento dos preceitos da cultura
material apresentada. Também encontramos na passarela essa mesma devoção e
maravilhamento, como no “cubo branco” o público passa a fazer parte de um espaço onde o
texto proposto pelo estilista é legitimado.
Os eventos de moda, em geral, estabelecem espaços para as apresentações dos
desfiles. No caso do SPFW, são estruturadas salas de desfile no Pavilhão da Bienal do
Ibirapuera, no Fashion Rio as apresentações são feitas no Pier Mauá. Porém, as marcas podem
optar por espaços alternativos para apresentação de suas coleções. A troca de ambiente
influencia diretamente na composição do desfile, que cada vez mais apropria-se de outras
linguagens artísticas para constituir-se como uma prática de comunicação intensa entre a
marca e seu público-alvo. Sair do “cubo branco” é de certo modo democratizar a Moda e
agregar muito valor a essa prática. Os espaços dos desfiles, como as galerias, são lugares
legitimados para a exposição mercantil de produtos e tendências. Estes espaços além de
agregar valores, validam o gosto das marcas e o interesse de seu público.
5. DESFILE COMO EXPERIÊNCIA
5.1. MODA, SUBJETIVIDADE & ARTE
Segundo Villaça (2007) articulada com o consumo e a globalização, a “performance
fashion” propõe identidades provisórias mundanas. A moda passa a ser lugar de investimento
importante no processo de subjetivação e não apenas uma “confirmação” de um sujeito
pronto e pleno. Para a autora, a gestualidade da moda assume assim, no contemporâneo, lugar
proeminente na construção das novas subjetividades.
A moda como sendo uma combinação de fragmentação e identidade, de
superfícies e expressão teatral da experiência alucinatória do mundo
contemporâneo [...] é a maneira perfeita de expressar um mundo de identidades
incomensuráveis e fragmentadas, oferecendo uma procissão dinâmica de
signos flutuantes e trocas simbólicas (VILLAÇA, 2007, p.136).
Associada à mudança, movimento constante nos modos de vestir que gera sempre o
gosto pela novidade e a cultuação do presente, a Moda deixa de lado o costume e torna-se
uma reflexão da sociedade e do tempo em que vive. Kawamura (apud SANTA‟ANNA, 2010,
p.14) adverte que “é inútil tentar definir a moda como se ela estivesse em um item do
vestuário ou acessório, porque moda é um produto intangível e simbólico”. A Moda é
compreendida como a própria dinâmica de construção da sociabilidade moderna, que tem na
aparência a essência desse universo. Para Sant‟Anna (2006):
O termo moda, tão comum ao senso comum, dificulta sua apreensão e análise
de forma mais criteriosa por muitos que ensaiam uma abordagem mais
intelectual da mesma. Se nos dicionários podemos encontrar o termo se
referindo a costume, hábito adotado numa determinada época ou sociedade,
tendência consagrada de cores, formas e texturas, sabemos que, tanto do ponto
de vista administrativo quanto filosófico e sociológico, o termo transcende essa
apreensão empírica. [...] Afirmar que a moda deve ser entendida enquanto
aparência autoriza compreendê-la e abordá-la como agente da sociedade, não
apenas como ritmo de lançamento de um produto que sustenta boa parte do
sistema capitalista, mas um agente privilegiado da experiência estética, a qual
permite, na apropriação dos objetos da vestimenta, mas também em todas as
demais formas colocadas a disposição na sociedade, o usufruto de uma
infinidade de signos que operam a subjetividade de cada sujeito, diariamente.
Assim, a Moda passa ser entendida como, “ethos das sociedades modernas e
individualistas que, constituídos em significante, articula as relações entre os sujeitos sociais a
partir da aparência e instaura o novo como categoria de hierarquização dos significados”
(SANT‟ANNA, 2007, p.88). Em complementação ao conceito de Moda, é importante a
contribuição de Villaça (2004, p.144):
Enfocamos a moda não apenas no sentido do fenômeno vestimentário de elite,
associado à ascensão do mercantilismo capitalista no Ocidente [...] Nossa
perspectiva, de caráter transdiciplinar, incorpora aspectos ligados aos estudos
culturais, antropologia, sociologia, semiologia e comunicação, considerando a
cultura corporal como um subsistema da cultura entendida como totalidade dos
sistemas de significação por meio dos quais o individuo cria valores, coesão, e
interage com o mundo e com o outro. A moda está no cruzamento de gestos e
crenças.
Para Sant‟Anna (2007) “nessa constituição de sentido está presente um sistema perito,
que qualifica o moderno e a tecnologia como superiores e fundamentais à sociedade”. A moda
passa a ser sinônimo de novidade e efemeridade.
A novidade tornou-se fonte de valor mundano, marca de excelência social; é
preciso seguir "o que se faz" de novo e adotar as últimas mudanças do
momento: o presente se impôs como o eixo temporal que rege uma face
superficial mas prestigiosa da vida das elites (LIPOVETSKY, 1989, p.33)
Ao encontrar nos meios tecnológicos um novo caminho de expressão e a vinculação
com diferentes práticas culturais, a Moda vincula-se a esses novos códigos e técnicas para a
produção imagética, promovendo uma quebra de paradigma que influencia não apenas no
meio em que é desenvolvida e expandindo-se para novos espaços da vida social, como a
esfera da arte.
Tanto na moda quanto no campo das artes visuais, a linguagem é quase que
exclusivamente imagética. Portanto, a teia de significações e interpretações se
dá pela leitura e reflexão da figura, da imagem do todo, inserida no contexto
em que está presente, seja em uma galeria de arte, seja nas ruas (SAZAKI,
2008, p.84).
As observações feitas por Benjamin (2007) acerca da prática artística frente aos novos
meios tecnológicos são fundamentais para reflexão de moda e arte. O autor tornou possível o
desenvolvimento de um pensamento a respeito da expressão artística constituída por e através
dos recursos tecnológicos provenientes das mídias e da indústria do entretenimento. Para
Benjamim (2007) a partir da reprodução técnica, a relação com a obra passa a ser outra. Ao
contrário do passado, quando muito do seu valor estava em ser única e quase inacessível, com
a reprodutibilidade técnica a obra de arte fica mais próxima das massas e, nem por isso deixa
de ter valor e ser desejada. Mas é a “aura” que legitima uma obra. Por isso mesmo, quando
novas formas, agora técnicas, de reprodução da obra de arte surgem, a antiga concepção de
arte entra em crise.
A reprodução oferece uma nova sensibilidade, cuja essência é a sucessão brusca e
rápida de imagens, que se impõem ao espectador como fragmentação, velocidade,
deslocamento tornando-se montagem, uma sequência de atos. A fruição torna-se uma
experiência do todo.
Não se trata mais da arte do suporte, ligada à materialidade, mas de criações
que privilegiam o processo, como um evento a ser vivido. São modalidades de
arte marcadas pela ideia de fluxo e de acontecimento (VILLAÇA, 2007, p.67)
Os fluxos acelerados, obviamente, provocam novas percepções, criam
descentramentos e desequilíbrios, bem como uma consciência crescente de necessidade de
criar espaços próprios e diferenciais que se tornam um dado fundamental da sociedade do
consumo e visibilidade. Segundo Sazaki (2008, p.85) “diante deste ciclo de interpretações
cria-se um campo de significações complexo, uma vez que todo juízo e conceito [...] nunca
serão totalmente neutros, pois cada indivíduo carrega consigo conceitos já pré-concebidos de
toda uma vivência social e emocional”.
Para Villaça (2007), o resultado de esse pensar é a ampliação desta narrativa de
apropriação da moda que se desloca incessantemente abarcando de forma criativa espaços
reais, recursos tecnológicos, com uma especial identificação com o mundo da arte,
enfatizando novos processos de subjetivação e ambientação do sujeito contemporâneo com
sutis estratégias de envolvimento.
5.2. DESFILE E ESTÉTICA
Sempre possuímos objetivações e subjetivações de gosto relacionadas as praticas da
aparência ou existência sejam elas em maior ou menor grau. Somos artefatos visuais, a todo
tempo nos vemos e somo vistos e, consequentemente, portamos informações imagéticas.
“Portanto, a teia de significações e interpretações se dá pela leitura e reflexão da figura, da
imagem do todo, inserida no contexto em que está presente, seja em uma galeria de arte, seja
nas ruas” (SAZAKI, 2008, p.84).
Enquanto produto do fazer humano, a Moda atua como provocadora das sensações
catárticas do sublime oriundas da beleza. A Moda possui a função estética, no seu sentido
contemporâneo, isto é, “não apenas a função de não ter função, não apenas a função de
contemplação, não apenas a função de puro prazer” (OLIVEIRA, 2011, p.04). Isto porque, a
Moda como outras “linguagens” têm funções utilitárias diversas, que existem em principio
para cumprir outras finalidades que não são artísticas: a moda, por exemplo, tem a função
maior de abrigar o corpo.
A beleza, a da criação, não se identifica necessariamente com o bonito ou agradável
aos nossos olhos e sim, pelo seu caráter mais abrangente, podendo haver beleza sem os
preceitos do belo. O sentido da beleza, neste contexto, é amplo e dualista, portadora de um
caráter eterno e ao mesmo tempo transitório, absoluto e particular. Assim, o senso estético, se
expressa pela significação das formas, da harmonia, do equilíbrio e da coerência expressiva,
em determinada época e lugar caracterizado por sua sensibilidade e afetividade em seus níveis
mais complexos.
Para Kant (2010) o juízo de gosto é estético e a beleza desperta uma sensação de
prazer com o contato com o objeto, essa relação é subjetiva, de modo, que o intelecto e a
sensibilidade não atinge-o por completo. Há sempre alguma coisa que nos escapa, que esta
conectado mais com o sentimento, com a sensação, com o prazer de ver o objeto do que
informação ou algo mais racionalizado. O juízo de gosto é o modo no qual nossa faculdade de
sentimento fica afetada pela representação do objeto, portanto, em primeira instância, essa
afetação não é lógica e sim estética, fundamentado através de sua subjetividade.
O sentido contemporâneo de estética nos traz de volta o significado
etimológico, o de perceber, sentir, ou perceber por meio dos sentidos. Isto
inclui não só o sentimento de prazer, mas igualmente o de desprazer,
desconforto e mesmo o de repulsa: todos são resultados do perceber, do sentir,
ou do perceber por meio dos sentidos. Não se trata de um conceito voltado para
a percepção do equilíbrio e da harmonia, pautado nos princípios clássicos de
beleza, mas sim um conceito voltado às inquietações determinadas pelo
inusitado e pelas proposições causadoras de estranhamento, presentes na arte
contemporânea (OLIVEIRA, 2011, p.05)
Outra vertente interessante para pensar estética e moda discute a experiência estética
considerando-a nos limites da percepção sensorial (MOUTHÉ & DEJEAN, 2010), na
interação do observador com o produto/objeto/ação e enquanto experiência humana associada
ao contexto cultural.
A experiência estética não se inicia pela compreensão e interpretação do
significado de uma obra, menos ainda, pela reconstrução da intenção de seu
autor. A experiência primária de uma obra de arte realiza-se na sintonia com
seu efeito estético, i.e., na compreensão fruidora e na fruição compreensiva
(LAZZARO, 2011).
Ao identificarmos na Moda e em seus produtos seus significados, utilizamos o mesmo
olhar de quem aprecia um objeto de arte. Esse pensamento envolve, também, os eventos de
moda que na maioria da vezes são construídos por um discurso, que se projetam pelas
experiências estéticas como um meio de comunicação subjetiva com o mundo. Esse evento,
quando pensando além de seu fator comercial imperante pode ser percebido por sua poética,
como uma obra aberta, que admitem um universo de formas perceptíveis e plurais que geram
discurso nas sociedades pós-modernas.
É nessa perspectiva de uma linguagem que exprime conceitos e sentimentos traduzidos
em termos artísticos, que se autoriza abordar o desfile enquanto produtora de sentidos e
propulsora da criação estética.
5.3. DESFILE COMO ATO DE POÉTICA
Por ser a Moda, hoje, uma das expressões que melhor revelam esse nosso cotidiano
editado de forma vertiginosa em que as passagens temporais, cenários e personagens se
substituem ou se metamorfoseiam sem trégua, tornou-se campo ideal para investigação das
desfronteirização de toda ordem que caracterizam a atualidade. A Moda não se define por sua
materialidade, mesmo sendo através dela seu reconhecimento e legitimação.
Pensar em Moda é pensar em seu produto. Para Rech (2007) um produto de moda
conceitua-se como:
Qualquer elemento ou serviço que combine as propriedades de criação,
qualidade, vestibilidade, aparência e preço com base nas vontades e anseios do
segmento de mercado ao qual o produto se destina. É composto por uma
sequência de estágios distintos: analise sócio-cultural e econômica, elaboração,
criação e difusão. Cada estágio compreende uma função especifica; sendo que
a complexidade das analises e dos recursos necessários para conduzi-las a
pratica exige especialização e integração total da equipe do produto. O
processo de elaboração e construção do produto de moda pode demorar até
vinte e quatro meses (começando como fibra têxtil até o varejo), porém
evidencia-se pela renovação constante, a cada troca de estação climática. Seu
ciclo de vida é curto, por mais inovador e interessante que seja este produto
(RECH, 2007, p.209).
Assim, um produto vendido como “moda” passa a ser definido cada vez mais por ter
um projeto de design intrínseco, além de reunir qualidades técnicas específicas, resultando na
constituição dos sujeitos através de seu consumo e de sua exposição em seu uso. Para
Sant‟Anna (2010) que coloca o produto de design de moda no plano dialético da relação do
homem objeto.
O que circunscreve um produto de moda não é afeito a ele, mas a recepção
estética que desencadeia, o que somente ocorre no consumidor, que nem
sempre consumirá a mercadoria que porta o conceito, mas nem por isso não
deixará de se consumir por essa ideia conceito lá expressada (SANT‟ANNA,
2010, p.17-18)
Portanto, considera-se que um produto de moda qualquer mercadoria, material ou
imaterial, seja uma roupa, uma bebida, um lugar, mesmo uma cidade que esta agregada do
conceito de moda, ou seja, “que se apresenta como portadora do novo e como tal passa a ser
difundida e consumida como experiência estética, primeiramente” (SANT‟ANNA, 2010,
p.18). Desde o local de sua difusão e consumo - o desfile, até sua embalagem, ela expressa
esse diferencial, sendo “a alegação que foi produzida a partir de um ato criativo, inovador e,
assim, diferenciador dos sujeitos e, ao mesmo tempo, elo de integração entre aqueles que
partilham” (SANT‟ANNA, 2010, p.19).
Essa encenação, dita como desfile, de acordo com Sant'Anna (2010) tem um caráter
inovador, sendo pensado não somente como uma proposta do departamento de marketing mas
também, como um produto a ser consumido e que tem características próprias.
O evento estético acontece graças a um conjunto de ações paralelas realizadas por
diferentes participantes: o público, que aguarda o início do espetáculo, os músicos ou DJs que
esperam diante esse público, as manequins que caminham e exibem as vestes; a luz, que
ressalta as roupas diante dos observadores e as próprias vestes flutuando pelo salão com o
movimento das modelos. Essas performances conjugadas seduzem ao fazer ver a delicadeza
dos tecidos, a qualidade dos acabamentos, a beleza das formas das roupas. O público
espectador, incapaz de resistir a esse fascínio, reage somaticamente: emudece, deslumbram e
experimentam uma sensação eufórica. Observa-se uma progressão ascendente na ativação de
sua sensorialidade, a qual provoca nesse sujeito reações somática e desencadeia um fenômeno
de contagio.
O fascínio desencadeado por essa apreensão faz com que o observador note,
nesse corpo vestido que desfila que sua própria aparência detém uma gama de
características plásticas capazes de adicionar outro valor a si próprio e assim
experimenta um grande prazer (GARCIA & MIRANDA, 2005, p.90).
Também temos de considerar que a tecnologia26
pode influenciar ou estruturar as
relações no campo do design. A implantação de novos sistemas e processos tecnológicos gera
novas maneiras de criação e produção, fato que implica em processos geradores de
aprendizado, na troca de conhecimentos e experiências. Deslocar os desfiles de moda para
espaços alternativos ou para ambientes imersivos como a internet e usar de outras
“linguagens” artísticas possibilitam ao espectador-comprador a criação de associações entre
os vários conceitos – hibridismo e interatividade, por exemplo, que geram não somente a
atividade cognitiva intensa como, também, uma experiência estética que agrega valor a esse
produto e que como resultado: desencadeia o desejo pela compra.
A partir de experimentações que se relacionam com o sistema da moda, criadores
ampliam seus discursos de modo que passam a atingir não apenas os que estão dentro deste
sistema, mas também, os que participam dessa experimentação – o público, tornando-os
muitas vezes, os co-autores desse momento.
A importância do estilista nesse processo esta no seu posicionamento como
observador do mundo, reconhecendo e decodificando sentidos ainda não identificados,
ordenando e formando novas significações com base em sua própria vivência.
A produção estética se coloca, então, como uma possibilidade ainda não
absorvida completamente, mas que se configura como transformadora na
produção de sentidos que serão experienciados e disseminados (POELKING,
2010:79).
O desfile, neste contexto, deixa de ser obra oferecida como produto “coisificado” para
assumir-se como ato e ocasião de uma comunicação que não só reconheça o caráter
momentâneo da situação – sua efemeridade, mas também o afirme como fator indispensável
da prática de uma comunicação intensiva e de um ato de poética, que através de suas escolhas
desenvolve o desejo no espectador de comprar não somente o produto oferecido – a roupa,
mas também, toda a sua “aura” que envolve seu discurso.
26
Estamos tomando aqui a palavra tecnologia em sua acepção mais ampla, ou seja, nos referimos ao estudo e a
prática das técnicas, processos, métodos, meios e instrumentos que ocorrem nos ofícios ou domínios da atividade
humana.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Admitindo que o desfile de moda possa ser apreciado enquanto uma experiência, este
trabalho se propôs, primeiramente, identificar as categorias envolvidas no campo da Moda e
das Artes Visuais. Com esse intuito, buscou-se estudos sobre as artes da performance e
instalação como, também, as definições que abarca o universo dos desfiles.
Investigar a história e conceitos dos eventos de moda, em particular os desfiles,
mapear possíveis teorias estéticas, situar os discursos sobre moda e identificar os autores e
seus projetos performáticos foram os objetivos centrais desse trabalho que desejava investigar
e entender esse evento como um produtor de sentido. Porém, o presente ensaio buscou
desviar-se da roupa, a fim de estudar o espetáculo que o envolve. Mas, tudo que está inserido
nesse evento e em outras iniciativas fashion são passíveis de análise e destaque, mesmo sem
constituir-se como um momento de poética
Definido os objetivos centrais, partiu-se para etapa de coleta bibliográfica e para
estudos de casos específicos de modo que se tornou possível indicar perfomances, desfiles e
instalações que mereciam destaque para o presente ensaio. Alguns criadores foram muito
importantes para o desenvolvimento desse trabalho: Hussein Chalayan, Ronaldo Fraga,
Martin Margiela e Rei Kawakubo são alguns dos nomes que pensam a Moda de um ângulo
diferente e que cada vez mais, aproximam seus discursos aos conceitos de outros meios
artísticos e tecnológicos. Igualmente importante, os estudos relacionados a historiografia dos
desfiles de Moda foram essenciais para as conexões estabelecidas em outros capítulos.
A discussão acerca das relações entre moda e arte permeia o evento de moda, ao
mesmo tempo, que o desfile é visto como importante estratégia publicitária, por estabelecer
contato estreito entre a coleção e o público, além de receber atenção especial da imprensa e da
crítica. Pensar na concepção do desfile a partir de experimentações que se relacionam com os
outros sistemas é agregar valor a essa prática que passa a atingir não somente o que estão
participando integralmente, mas, também, os que têm acesso as informações através de outros
meios como: internet, televisão ou revistas.
A importância do desfile, no contexto desse trabalho esta na afirmação dessa
apresentação como prática de uma comunicação intensiva e de um ato de poética, que através
da hibridação com outras áreas - cinema, artes plásticas e cênicas, por exemplo, possibilita
agregar valor aos produtos mostrados na passarela como, também, ao produto que o desfile é
em sí. Resultando em uma identificação maior do espectador-cliente com os discursos da
marca e produzindo experimentações que se relacionam com o próprio corpo da moda e que
ampliam as discussões contemporâneas sobre o papel do estilista na sociedade.
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