capÍtulo um 1964 revoluÇÃo ou golpe ? a queda de … · verdade é que o presidente joão...
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Paulo Victorino
CAPÍTULO UM
1964 – REVOLUÇÃO OU GOLPE ?
A QUEDA DE JOÃO GOULART
No dia 27 de março de 1964, marinheiros liderados por um agente
duplo, que ficou sendo conhecido como "cabo" Anselmo, e com a
evidente cumplicidade do almirante Aragão, recusaram-se a
reassumir seus postos de trabalho. Presos em um quartel do
Exército, foram inexplicavelmente liberados, horas depois, e saíram
em ruidosa passeada pela cidade do Rio de Janeiro. Passados três
dias, o próprio presidente da República, despachando há vários
dias do Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, consentiu em
comparecer a uma reunião de sargentos realizada no Automóvel
Clube e lá discursou, ao lado do "cabo" Anselmo e do Almirante
Aragão. Estava quebrada a cadeia de comando, indispensável para
a manutenção da ordem e da disciplina militar. Era o próprio chefe
supremo das Forças Armadas que se juntava a praças
insubmissos, dando-lhes apoio e desmantelando toda a hierarquia
das Forças Armadas. Na quebra da autoridade, só restava a opção
da força e seu emprego acabaria acontecendo um dia após.
Vetado pelos ministros militares, odiado pelos conservadores, que o queriam
ver longe do governo, com seu poder diminuído, no início, pela emenda
parlamentarista, e sem pulso suficiente para conter os radicais da esquerda, o
presidente João Belchior Marques Goulart foi vítima de múltipla conspiração,
desde sua posse, ocorrida em 7 de setembro de 1961.
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No princípio, eram movimentos ocultos, contidos em certa parte, pela atuação
moderada do Gabinete parlamentarista formado pelo experiente primeiro-
ministro Tancredo de Almeida Neves.
Mas, com a volta do presidencialismo, recolocando todos os poderes de
governo nas mãos do presidente da República, e com o recrudescimento da
ação das esquerdas, a conspiração se tornou aberta, num confronto entre as
forças conservadoras e aquelas ditas revolucionárias, que disputavam o mesmo
espaço.
Escreve Francisco de Assis Silva, em seu livro "História do Brasil":
"Todo mundo conspira: direita e esquerda; civis e militares;
moderados e radicais; operários e camponeses. Os governadores
Ademar de Barros (SP), Magalhães Pinto (MG) e Carlos Lacerda
(GB) conspiravam com a ala militar anti-janguista. O golpe estava
em andamento. A direita congregava-se em organizações como o
Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) e o Instituto
Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), financiados pelos Estados
Unidos, e outras tantas que se uniram para impedir as reformas
sociais."
Verdade é que o presidente João Goulart em nada contribuía para baixar a
temperatura efervescente nos meios políticos e na caserna: ignorava o
Congresso e a ala conservadora, procurando impor suas reformas baseado no
lastro da popularidade de que dispunha, e na expressiva votação que obtivera
nas eleições, ocasião em que quebrou a unidade partidária.
Com efeito, Jango fez-se vice-Presidente pela esquerda, junto com Jânio,
que representava a ala mais reacionária da política brasileira. Era
dobradinha "Jan-Jan" (Jânio e Jango), que selou o fim da carreira política de
Teixeira Lott (candidato a Presidente, com Jango) e de Milton Campos
(candidato a vice-Presidente com Jânio). Lott e Campos, na ocasião, foram
derrotados por acordos espúrios entre grupos políticos. Dessa união entre
desiguais, nada de bom poderia acontecer.
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Embora dispersa em vários comandos civis e militares, principalmente no Rio
de Janeiro, em São Paulo e em Minas Gerais, a oposição ao governo reconhecia
a ascendência das lideranças do Rio, onde se achava o general Artur da Costa
e Silva, e para onde, mais tarde, foi removido o general Humberto de Alencar
Castelo Branco, que deixou o comando do 4º Exército, em Recife, para assumir
o comando do Estado Maior do Exército (EMEx), onde era maior o seu poder de
articulação.
Correndo por fora da raia, como um franco atirador, estava o general Olímpio
Mourão Filho, com opiniões próprias, infenso a qualquer orientação vinda de
fora de seu comando, ele mesmo capaz de desequilibrar o plano integrado das
demais forças que participavam da conspiração anti-Jango. E foi Mourão que,
na madrugada de 31 de março de 1964, por sua própria conta e risco e sem
conhecimento dos demais, saiu de Juiz de Fora com um punhado de jovens
soldados inexperientes para a derrubada do governo, antecipando em pelo
menos 20 dias o movimento que deveria eclodir a partir do Rio de Janeiro.
Revolução ou golpe ? Essa discussão até hoje está em aberto, embora a
opinião da maioria se incline para a segunda hipótese. Para os militares que
participaram do movimento, foi uma revolução objetivando exterminar o
comunismo que atentava contra as liberdades democráticas; para a ala
esquerda, não pairavam dúvidas de que se tratava de um golpe bem articulado
para impedir a realização das reformas. Para os mais equilibrados, foi uma
revolução legitimada pela participação popular na Marcha com Deus e pela
Liberdade, que levou multidões às ruas, mas que passou a ter a conotação de
um golpe de estado após o Ato Institucional nº 2, seguido de outro 15 Atos
Institucionais editados no correr do processo.
Para o general Mourão Filho, teria sido uma revolução legítima, partindo de
Minas Gerais, a qual chegou vitoriosa ao Rio de Janeiro, mas lá encontrou o
general Costa e Silva já instalado no gabinete como ministro da Guerra, e o
general Castelo Branco virtualmente empossado como presidente da República.
Era o que o próprio Mourão chamou de "golpe de 1º de abril".
É importante nos determos nos acontecimentos que levaram ao movimento
vitorioso de 1964, que rapidamente afastou as lideranças civis ou colocou-as a
seu serviço, dando início a uma série de governos militares que se sucederam
no poder até março de 1985.
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No primeiro plano, o general Olympio Mourão Filho (2 estrelas), artífice da
operação “Popeye” em 31 de março. Ao seu lado, o governador de Minas,
José de Magalhães Pinto, considerado o líder civil da revolução. No segundo
plano, o general Antônio Carlos Muricy.
Como era estranho
esse general Mourão
Olímpio Mourão Filho (1900-1972) nasceu em Diamantina (MG), a mesma
cidade de Juscelino Kubitschek. É a única identidade entre os dois. Ao contrário
de JK, Mourão Filho tinha índole belicosa e um temperamento irrefreável,
transcorrendo toda sua vida ao meio de conspirações, desenvolvidas
abertamente, seguindo sua própria avaliação e em prejuízo de qualquer opinião
que não a sua própria.
Se tivermos de compará-lo a alguma figura história, poderíamos melhor
aproximá-lo de Tiradentes, outro mineiro notável que assumiu como seus os
ideais da Conjuração Mineira e saiu pelas cidades de seu Estado e do Rio de
Janeiro pregando a queda do Império, descuidando-se do sigilo, elemento
essencial para a vitória de qualquer movimento contestatório.
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Em 1937, como capitão do Exército, Mourão identificou-se com a Ação
Integralista Brasileira e teve seu nome envolvido no Plano Cohen, usado como
pretexto para a implantação do Estado Novo.
Em verdade, tal plano de pretensa ação comunista para tomada do poder foi
redigido por ele próprio, mas apenas para treinamento dos integralistas no
combate ao comunismo.
Por ardil do presidente Getúlio Vargas, auxiliado pelos generais Góis
Monteiro e Caiado de Castro, mas com a cumplicidade do Ministro da Guerra,
general Eurico Gaspar Dutra, a peça foi tomada como verdadeira e serviu de
pretexto para o fechamento do Congresso Nacional e a instituição de um novo
regime, o do Estado Novo.
O maior prejudicado, além da nação brasileira, foi o próprio Mourão, que por
quase trinta anos teve sua carreira militar bloqueada, enquanto seus
companheiros de turma subiam rapidamente. Em 1956, o Presidente Juscelino
Kubitschek, finalmente promoveu-o a general-de-brigada (duas estrelas), ficando
estacionado nessa posição durante cinco anos.
Foi na patente de general de brigada (2 estrelas) que, em 1961, voltou-se
contra os ministros militares que se opunham à posse de João Goulart, seguindo
então para a casa do marechal Teixeira Lott, este já na já na reserva, onde se
encontravam outros militares favoráveis à posse de Jango, dentro dos termos da
Constituição. Lott havia emitido um manifesto, publicado pelos jornais matutinos,
e vinha com uma outra declaração, quando Mourão, irritado, contestou:
"Marechal, chega de manifesto! Põe tua farda, vou em casa pôr a
minha, tocamos para a Vila Militar e vamos revoltar as tropas!"
Lott recusou-se a fazê-lo. Pior para ele que, horas depois, estava preso, por
ordem de seu amigo e companheiro, o ministro da Guerra, general Odílio
Denys.
João Goulart foi finalmente empossado e, pouco depois, Mourão Filho passou
a conspirar contra o novo Presidente, primeiro em Santa Maria (RS), depois em
São Paulo e finalmente em Juiz de Fora, causando mal-estar e inimizades até
dentro nas hostes anti-janguistas.
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Vitorioso o movimento de 1964, do qual Mourão foi o estopim, voltou-se
também contra essa conquista, considerando que a revolução foi traída com a
permanência dos militares no poder. Já não tinha, porém, qualquer poder, pois,
ainda em 1964 caiu na compulsória, com direito a uma promoção automática
para general de divisão e um pijama para viver a vida fora da caserna.
Enquanto outros de sua turma se aposentaram com o título de marechal,
Mourão foi para a reserva como general de três estrelas, quase ignorado nas
referências sobre o movimento militar que resultou na instituição da Quarta
República.
Uma ou outra enciclopédia abre um verbete com seu nome e, assim mesmo,
para uma breve citação, sem se deter em sua agitada e profícua biografia ou na
importância capital que ele teve para o sucesso do movimento.
Em Santa Maria,
o "Plano Junção"
Promovido a general-de-brigada (duas estrelas) em 7 de setembro de 1956,
após processo de Justificação, já no mês seguinte Mourão assume o comando
da Infantaria Divisionária em Belo Horizonte, onde não fica mais que uns
poucos meses. Seu temperamento guerreiro incomodava muito e Juscelino
nomeia-o para cargos burocráticos, primeiro na Assistência Social do Exército e,
depois, na direção dos Serviços de Radiodifusão (hoje DENTEL), subordinado
ao naquela época ao Departamento de Correios e Telégrafos.
Congelado por vários anos, só em 21 de setembro de 1961 volta às atividades
militares, tomando posse como comandante da 3ª Divisão de Infantaria, em
Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
Pouco tempo depois, já desconfiava não só do presidente João Goulart como
também do governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, achando que
ambos pretendiam aplicar um golpe de estado com subsequente comunização
do governo.
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E, assim, não tarda em reiniciar a atividade conspiratória, traçando o Plano
Junção, pelo qual pretendia levantar o Exército, assim que pressentisse qualquer
atitude de Jango para o fechamento no regime. Uma tarefa nada fácil, já que o
comandante do 3º Exército era o general Jair Dantas Ribeiro, francamente
apoiador de Jango.
Parlamentarismo instável
Rememoremos. O parlamentarismo brasileiro foi engendrado como um
casuísmo para cortar os poderes do presidente da República e tornar mais
palatável a presença de Jango no poder, retirando-lhe as prerrogativas de
governo e transformando-o numa rainha da Inglaterra.
Votado às pressas, o Ato Adicional, ou emenda parlamentarista, apresentava
graves lacunas, que impediam sua execução.
Primeiro: adotou-se a fórmula alemã, em que o Presidente indica o Primeiro-
Ministro, a ser aprovado pelo Congresso. Aceito o nome, o Congresso indica o
Ministério, que deve ser aprovado pelo Presidente. Com um congresso
conservador e um presidente tido como reformista, cria-se um impasse difícil de
ser vencido.
Segundo: já que o Gabinete parlamentarista é composto sobretudo de
parlamentares, que precisam reeleger-se para garantir sua permanência no
Ministério, teria de ser suprimida, na Constituição, a exigência de
desincompatibilização 90 dias antes das eleições. Não o fizeram.
Terceiro: Se o presidente da República é apenas chefe de Estado, e o
Primeiro-Ministro chefe de Governo, com ascendência sobre os ministros
militares, então é o Primeiro-Ministro e não o Presidente quem deve ser
considerado chefe supremo das Forças Armadas. Também isso não foi
modificado.
Estava armado o cenário para a grande trapalhada. Em 30 de junho de 1962
(três meses antes das eleições parlamentares), cai o Gabinete de Tancredo
Neves, cujos ministros eram, quase todos, candidatos à reeleição e precisavam
se desincompatibilizar. Sem entendimento entre executivo e legislativo, na
prática, o poder voltou às mãos de João Goulart, chefe supremo das Forças
Armadas, situação que perdurou por dez dias.
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O primeiro nome indicado para a chefia do Gabinete foi o do jurista Santiago
Dantas, prontamente rejeitado pelo Congresso que o considerava muito à
esquerda. Jango, então, concordou em indicar para Primeiro-Ministro o
presidente do Congresso, Auro Soares de Moura Andrade (conservador) mas,
em seguida, usando das atribuições que lhe eram conferidas, recusou o
ministério indicado pelo Congresso, por achá-lo conservador demais para as
reformas que tinha em mente.
Finalmente, executivo e legislativo se fixaram no nome de Brochado da
Rocha, o que era uma incoerência, pois este se achava mais à esquerda que o
já recusado Santiago Dantas. É claro que a ninguém interessava essa
nomeação, que se constituiu em novo casuísmo, enquanto, paralelamente, se
procurava detonar o parlamentarismo, com a realização de um plebiscito.
O gabinete de Brochado, empossado em 9 de julho de 1982, foi substituido
pelo de Hermes Lima em 17 de setembro de 1982 e este último se dissolveu
em 23 de janeiro de 1963 quando, de conformidade com plebiscito realizado em
6 de janeiro de 1963, o Brasil voltou a adotar o Presidencialismo, concentrando
nas mãos de Jango ambos os poderes, de chefe de Estado e de chefe de
Governo.
Testando o Plano Junção
Concluindo que a recusa do Gabinete apresentado por Auro Soares de Moura
Andrade era o primeiro passo de Jango para um golpe de estado, o general
Mourão, no comando da 3ª Divisão de Infantaria (Santa Maria-RS) pôs em
execução o Plano Junção levando ao ar a rede de emergência, o que originou
uma reprimenda e pedido de explicações por parte do 3º Exército.
Mourão desculpou-se, retirou do ar a rede de emergência, mas ordenou que
todos os setores envolvidos permanecessem na escuta, no aguardo de novas
instruções de comando.
Em sentido oposto, caminhava o comandante do 3º Exército, general Jair
Dantas Ribeiro que chamou a Porto Alegre todos os seus comandados diretos,
inclusive o general Mourão, propondo-lhes a emissão de um manifesto, exigindo
que o Congresso a aprovasse a realização de um plebiscito. Não obtendo apoio,
assinou o manifesto sozinho, enviando cópia aos demais comandos com a
ordem de que o comunicado fosse lido publicamente nos quartéis.
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A atitude do general Jair não era isolada, mas um repique de outro manifesto
feito anteriormente pelo comandante do 1º Exército no Rio de Janeiro,
general Osvino Ferreira Alves. Os outros dois comandos (2º Exército em São
Paulo e 4º Exército em Recife) se revelavam aparentemente neutros.
Com a desistência de Auro Soares de Moura Andrade à chefia do Gabinete
e com a indicação de Brochado da Rocha para compor um novo Ministério, foi
jogada água na fervura. Jair Ribeiro recolheu-se às suas atividades de comando
e Mourão desativou o Plano Junção, registrando todo inconformismo em seu
diário particular, em data de 5 de julho de 1962, quinta-feira:
"Hoje de tarde soubemos que o Auro se demitira. Cantou de
galinha o homem. Se ele tivesse reagido, João Goulart fechava o
Congresso e iria levar o maior susto da vida dele, porque ali de
Santa Maria ia partir fulminante o movimento que poria para fora
ele e o Brizola."
No remanejamento de comandos, em 15 de março de 1963, o general
Mourão, assumiu a 2ª Região Militar, em São Paulo, subordinado ao general
Pery Constant Bevilacqua, descendente de Benjamin Constant e comandante
do 2º Exército.
Exultei, porque desejava conspirar em São Paulo, escreveu Mourão em seu
diário. Mas em Santa Maria, deixou em andamento um IPM-Inquérito Policial-
Militar contra 40 sargentos. Motivo: conspiração.
Em São Paulo, o blefe
Conquanto a cerimônia de posse no comando da 2ª Região Militar tenha sido
concorrida, com a presença de altas autoridades, inclusive do governador
Ademar de Barros, Mourão Filho descobriu logo que não lhe seria possível agir
em São Paulo com a mesma desenvoltura com que o fazia em Santa Maria.
Alguns, como Assis Chateaubriand, dos Diários Associados, deram-se
apoio, reservado, mas efetivo; outros, como Ademar de Barros, desconversavam
e evitavam a ação de Mourão, que consideravam predatória e perigosa; seu
superior, general Pery Bevilacqua, que também viera transferido do Rio Grande
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do Sul, tentava refrear-lhe os ímpetos, que poderiam precipitar os
acontecimentos, em prejuízo à causa a que se dedicavam. E Júlio Mesquita
Filho, diretor de O Estado de S. Paulo, jornal que se constituía no carro-chefe da
conspiração em São Paulo, nada fazia para esconder sua antipatia ao açodado
general.
Pior do que isso, é que já chegavam aos ouvidos do presidente João Goulart
e aos setores ligados a ele as notícias sobre as atitudes de Mourão Filho,
criando-lhe uma situação deveras embaraçosa.
Foi então que ocorreu a Mourão aplicar um blefe para acalmar as hostes
governistas e escolheu para isso as comemorações do aniversário da Revolução
Constitucionalista, em 9 de julho de 1963, nas quais deveria comparecer, pela
sua unidade e também representando o comandante do 2º Exército. Esperava
que pelo menos um orador fizesse um paralelo entre a revolução de 1932 e os
dias atuais, atingindo verbalmente o presidente João Goulart.
Durante a cerimônia, não precisou esperar muito. A certa altura, a palavra foi
dada a Waldemar Ferreira, um dos líderes civis de 1932, que iniciou o discurso
dizendo:
"Esta solenidade é um grito de alerta a toda a nação, no momento
em que se prepara um movimento comunista, chefiado do Palácio
da Alvorada, pelo próprio presidente da República."
É o próprio Mourão quem conta:
"Levantei-me com um gesto espalhafatoso, o gorro na cabeça e
com os dois braços fazendo gestos para os oficiais, gritei bem alto:
‘Levantem-se, vamos nos retirar daqui. Não admito insultos contra
o chefe das Forças Armadas, presidente João Goulart’."
O truque deu certo. Havia transmissão ao vivo pelo rádio e toda a imprensa
paulista estava dando cobertura à solenidade. Ademar mandou um mensageiro
procurá-lo na sala onde havia se alojado, garantindo que faria um discurso
desmanchando tudo, e pedindo-lhe que, após, voltasse à cerimônia. E assim
aconteceu. A gente vê cada coisa...
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No Palácio do Planalto, a repercussão não podia ter sido melhor. O general
Mourão Filho passou a ser considerado um elemento pró governo e em tal grau
que, no mês seguinte, recebia como bônus a transferência para uma função da
mais alta confiança, qual seja, o comando da 4ª Região Militar e da 4ª Divisão
de Infantaria, em Juíz de Fora, desalojando dessa posição o general Carlos
Luís Guedes, elemento muito chegado ao governador de Minas, Magalhães
Pinto. Nada melhor para Mourão, juntando a fome com a vontade de comer.
A posição dos governadores
Neste ponto, será útil mapear o posicionamento dos principais governadores
envolvidos no processo conspiratório, de um lado e de outro.
Miguel Arraes, em Pernambuco fazia o movimento das esquerdas, dando
amplo apoio às Ligas Camponesas de Francisco Julião, um movimento
extremista que objetivava a reforma agrária à força, criando situações de fato,
com a invasão de propriedades produtivas, sobretudo engenhos, e criando
situações de conflito armado, sob as vistas grossas, quando não, sob a proteção
do Governador.
Em Minas Gerais, Magalhães Pinto, mineiramente, dava uma no cravo e
outra na ferradura. Conspirava contra o presidente da República, mas sem
alarde, fazendo mesmo a entender que estava ao lado do governo central.
Nesse propósito, chegou até a financiar, com dinheiro público, a realização,
em Belo Horizonte, do 1º Congresso Nacional de Trabalhadores do Campo,
arcando com as despesas de instalação, transporte e alojamento. Como não
podia deixar de ser, a maior representação, com cerca de 200 camponeses, foi
a de Francisco Julião, que pedia a desapropriação sumária de todo latifúndio
acima de 500 hectares. Diante de uma multidão calculada em 5 mil pessoas, foi
transmitida uma gravação com a voz de Fidel Castro, dando apoio cubano à
reforma agrária brasileira.
Na Guanabara, reinava absoluto Carlos Lacerda, com mandato diferenciado
dos demais, já que o Estado foi criado em 1961 e sua presença no governo
deveria se estender até 1965.
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Magalhães e Lacerda conspiravam contra o governo, mas evitavam
comunicar-se. Ambos eram candidatos virtuais à presidência da República e
cada um deles, isoladamente, procurava fortalecer sua posição, enfraquecendo
o adversário. Magalhães, recatado, levava a melhor; Lacerda, destemperado,
expunha-se demais, mas, em compensação, fazia uso da máquina para
esmagar movimentos pró-Jango, com medidas nem sempre em plena
conformidade com a lei.
Ademar de Barros, em São Paulo, era um meio termo entre os dois. Falava
e agia com franqueza, mas medindo as reações e, no interesse da causa, não
teve dúvidas em aliar-se ao seu maior inimigo, Júlio Mesquita Filho, diretor do
jornal O Estado de S. Paulo.
No Rio Grande do Sul, Ildo Meneghetti era uma incógnita, mas, estourando
o movimento, em 31 de março, mudou a sede do governo para o interior,
anunciando sua adesão aos militares anti-jango.
Leonel Brizola, cunhado de João Goulart e um dos representantes mais
importantes da esquerda, encerrara seu mandato como governador do Rio
Grande do Sul, mas elegera-se deputado federal e mantinha sua ascendência
política sobre o seu Estado e sobre uma boa parte do país. Era também um
demolidor e, na esquerda, servia de contraponto à agressividade de Lacerda na
Guanabara.
Sem ser comunista, Brizola adotava a técnica de organização de células
revolucionárias, que chamou de grupos de onze. Esse era o número de
componentes de cada célula e, no momento oportuno, pretendia ativar todas as
células para detonar o regime.
A ação das esquerdas
Se as forças anti-janguistas se articulavam para a derrubada do Governo, do
outro lado, as forças pró-Jango se preparavam para uma mudança radical do
regime, dando a João Goulart poderes absolutos para realizar as reformas que
tinha em mente. Enquanto as primeiras, firmadas em líderes políticos e
empresários, e também mantendo o controle de comandos vitais nas Forças
Armadas, tinha uma noção exata de seu poder, os janguistas se iludiam em sua
força aparente, seduzidos pela ideia do sucesso e divorciados da realidade.
- 021 -
Por todo o lado as organizações esquerdistas se organizavam para um golpe
final às instituições. Organizações trabalhadoras e estudantis recrudesciam em
sua ação, produzindo greves e movimentos populares de apoio e sustentação
ao presidente da República.
Se as associações de trabalhadores eram mais experientes e práticas, a
UNE–União Nacional de Estudantes apresentava-se idealista e
intelectualizada, estendendo sua ação junto às escolas e fazendo um trabalho
de proselitismo que utilizava sobretudo o teatro, com a cooperação do CPC –
Centro Popular de Cultura, onde se abrigavam os mais conhecidos artistas
jovens de nosso país. Contavam-se, entre eles, Oduvaldo Viana Filho
(Vianinha), Gianfrancesco Guarnieri, Cacá Diegues, Leon Hirzmann. Vera
Gertel (mais tarde reporter de TV) e outros.
E apoiavam a UNE, também, cantores e compositores, como Edu lobo,
Carlos Lyra e Sérgio Ricardo O sociólogo Luís Werneck Vianna, reconhece o
excesso de idealismo juvenil que lhes vedava os olhos à realidade que,
sobretudo no Rio de Janeiro, lhes era adversa, com a polícia do governador
Carlos Lacerda e o peso das forças bem articuladas da direita:
"Nós tínhamos, particularmente os jovens, que haviam sido
mobilizados pela política de esquerda daquela época, uma
confiança muito grande nas lideranças. E as lideranças diziam que,
‘se a direita levantasse a cabeça, essa cabeça seria cortada’. Isso
é textual. Foi uma frase que o Prestes [Luiz Carlos Prestes,
secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro] lançou na ABI
[Associação Brasileira de Imprensa] quinze dias ou um mês antes
do golpe. Nós fomos para a UNE com um espírito de resistência
(...) Fomos para a UNE como para mais uma jornada, onde as
coisas aconteceriam e, no dia seguinte, tudo voltaria ao normal,
como tantas outras crises que havíamos assistido no período."
Oduvaldo Viana Filho foi uma das vítimas dessa imprudência. Preso pela
polícia de Lacerda, desapareceu por alguns dias nas dependências do DOPS
carioca, sendo ineficaz o habeas-corpus, porque não era localizado em lugar
algum. Foi preciso a interferência do general Nelson de Mello que, mesmo sem
concordar com o posicionamento da UNE, agiu no sentido de localizar e libertar
Vianinha.
- 022 -
Heron Domingues, o célebre Reporter Esso, reproduziu na TV os
acontecimentos:
"Mocinho falador, você está preso – foi o que disseram a Oduvaldo
Viana Filho, o Vianinha, preso na avenida Rio Branco, esquina da
Araújo Porto Alegre."
É o próprio Vianinha que conta, mais tarde:
"A ordem era total intimidação e a mais completa humilhação.
Cheguei à conclusão de que, com aquela polícia, até mesmo um
homem santo como D. Helder [Arcebispo do Rio] ou um retardado
como o almirante Pena Boto [um dos conspiradores contra a posse
de Juscelino em 1956] poderiam ser transformados em
revolucionários."
Oduvaldo Viana (pai e filho)
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Os espíritos se armavam para uma luta sem fronteiras. Não havia uma voz
pacificadora, capaz de serenar os ânimos e reencaminhar o país para o
entendimento. De um lado e de outro, todos queriam o bem-estar da nação,
cada um à sua maneira, usando a força como argumento.
A articulação da direita
Se as esquerdas contavam com apoio ostensivo de Cuba, da União Soviética
e da China, inclusive com a presença de agentes subversivos no Brasil, a direita,
por sua vez, tinha uma cobertura de retaguarda dos Estados Unidos, através da
Operação Brother Sam, que garantia a interferência americana até o ponto em
que fosse necessária para impedir a implantação de um regime comunista no
Brasil.
Os EUA já tinham Cuba bem próximo de si, o que era um problema mais do
que suficiente, não lhes interessando, de maneira alguma, o surgimento de outro
núcleo justamente no Cone Sul, o que facilitaria a propagação revolucionária
pelos países vizinhos. Não custa lembrar que o Brasil faz divisa com todos os
países da América do Sul, com exceção de Equador e Chile.
Na conspiração anti-Jango, o setor militar estava fortemente guarnecido. O
general Costa e Silva entregou o comando do 4º Exército (Recife) ao general
Castelo Branco e veio para o Rio de Janeiro.
O próprio general Castelo Branco, tempos depois, foi transferido para o Rio
de Janeiro, assumindo o comando do Estado Maior do Exército (EMEx). Na
Marinha, havia o almirante Sílvio Heck, na Aeronáutica, o prestígio do
brigadeiro Eduardo Gomes. Ao lado deles, o ex-Presidente, marechal Eurico
Gaspar Dutra.
No setor civil, a presença, em peso, da União Democrática Nacional, mais
o apoio de populistas e integralistas, representados sobretudo pelo PSP de
Ademar de Barros e, no Rio de Janeiro, o coração do movimento era o
governador Carlos Lacerda, com todo poder de fogo, tanto na imprensa como no
governo do Estado da Guanabara.
- 024 -
Se você imagina que a capital do Brasil era, de fato, Brasília, esqueça
tudo isso. O novo Distrito Federal existia há apenas três anos e o centro do
movimento político e militar permanecia no Rio de Janeiro. Ali se encontravam
os principais ministérios, as repartições públicas, ali se realizavam os conchavos
e até o presidente da República podia ser encontrado com mais facilidade no
Palácio das Laranjeiras que no Palácio do Planalto.
Além do que, constituindo-se no centro nervoso do país, qualquer
manifestação popular, pró ou contra, realizada na cidade do Rio, ganhava
rapidamente repercussão nacional, servindo de agente multiplicador de novas
reações em outras partes do país. Brasília era apenas uma ilha, cercada de
selva por todos os lados.
Em Brasília, a única força efetivamente atuante era o Congresso Nacional,
preso ali por sólidas amarras, já que sua sede não podia ser itinerante. Mas as
grandes decisões saiam mesmo do Rio de Janeiro e era ali que deveria eclodir
o movimento revolucionário, programado inicialmente para meados de abril de
1964.
Os acontecimentos se precipitam
O mês de março de 1964 marcou a radicalização das posições de um
lado e de outro, numa escalada impressionante que fazia prever uma
substituição do embate de ideias pelo confronto armado direto.
No dia 13 de março de 1964, o presidente João Goulart promoveu o Comício
das Reformas, em frente à estação da Estrada de Ferro Central do Brasil, mas
em área militar, onde manifestações públicas não são permitidas. Os mais
modestos estimaram a presença de 150 mil pessoas, havendo quem garantisse
haver na concentração mais de 250 mil pessoas.
Na ocasião, assinou um ato determinando a desapropriação de todas as
terras às margens de rodovias e açudes, mediante prévia e efetiva indenização.
Ou era um ato demagógico, ou então contava com o rompimento institucional,
por um golpe de estado, com o que os pagamentos seriam feitos em papéis de
dívida pública, resgatáveis em 15 ou 20 anos, tal como acontecera com as
desapropriações em Cuba.
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E havia momentos de alucinação, como aquele em que um punhado de
senhoras católicas se ajoelharam diante de um estúdio de TV em São Paulo,
com seus terços entre as mãos, para impedir a entrada de Miguel Arrais, que
deveria participar de um debate.
Houve também movimentos mais organizados, como as Marchas da
Família, com Deus e pela Liberdade, em São Paulo, Santos e, tardiamente, no
Rio de Janeiro. Em São Paulo, num dia de semana, que não era feriado, os
organizadores conseguiram colocar nas ruas 250 mil pessoas, às três horas da
tarde. Fábricas fecharam suas portas e colocaram operários em caminhões e
ônibus para levá-los à passeata.
No centro histórico de São Paulo, que tem uma população ativa em torno de
2 milhões de pessoas, escritórios e bancos fecharam suas portas ao mesmo
tempo, colocando uma multidão nas ruas, sem condição de retornar a suas
casas, por falta de condução. Uns poucos por convicção, a maioria por
curiosidade, acabou se infiltrando na passeata, que ganhou, assim, um reforço
considerável de manifestantes.
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Essas manifestações eram muito mais um trabalho de mídia. Na verdade, os
acontecimentos que mais pesaram no desenvolvimento do processo foram a
revolta dos marinheiros e a reunião dos sargentos no Automóvel Clube fatos que
saltavam à vista e não podiam ser ignorados por ninguém, por atingirem uma
das pedras basilares da segurança nacional, que é a disciplina militar.
No dia 27 de março de 1964, marinheiros, liderados por um agente duplo,
que ficou sendo conhecido como cabo Anselmo, e com a evidente cumplicidade
do almirante Aragão, recusaram-se a reassumir seus postos de trabalho. Presos
em um quartel do Exército, foram inexplicavelmente liberados, horas depois, e
saíram em ruidosa passeada pela cidade do Rio de Janeiro.
Três dias após, em 30 de março, o próprio presidente da República,
despachando há vários dias do Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro,
consentiu em comparecer a uma reunião de sargentos realizada no Automóvel
Clube e lá discursou, ao lado do cabo Anselmo e do Almirante Aragão.
Estava quebrada a cadeia de comando, indispensável para a manutenção da
ordem e da disciplina militar. Era o próprio chefe supremo das Forças Armadas
que se juntava a praças insubmissos, dando-lhes apoio e desmantelando toda a
hierarquia das Forças Armadas. Na quebra da autoridade, só restava a opção
da força e seu emprego acabaria acontecendo logo depois.
Voltando a Minas Gerais
Deixemos de lado, por um momento, os cabos e soldados da marinha e
voltemos a Minas Gerais, onde Mourão Filho encontrava dificuldades em
articular seu plano de ação revolucionária a que deu o nome de Operação
Popeye, talvez em lembrança ao cachimbo que sempre levava consigo.
Em Juiz de Fora, nem tudo saiu como esperava, pois seus comandados
imediatos, em que pese o respeito à sua autoridade, recusavam-se a participar
de qualquer movimento conspiratório, assegurando que só pegariam em armas
se houvesse, em efetivo, um golpe do presidente da República contra as
instituições. Antes disso, não.
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Nessa situação, Mourão Filho passou a catequizar a jovem oficialidade,
contando com seu comando para, no momento oportuno, tirar os soldados dos
quartéis e marchar sobre o Rio de Janeiro. Nesse propósito, todavia, era
contestado veementemente pelo general Luís Carlos Guedes, comandante da
Divisão de Infantaria sediada em Belo Horizonte, e pelo governador Magalhães
Pinto, que não acreditavam em uma revolução desse porte feita com meninos
recrutas comandados por jovens oficiais.
Entretanto, no momento exato, conseguiu um importante apoio do marechal
Odilio Denys, que se deslocou para Juiz de Fora, a fim de dar-lhe retaguarda à
ação planejada.
O motivo é simples. Na ação revolucionária, Mourão, general de brigada (2
estrelas), não seria acatado pelos generais de Divisão (3 estrelas) ou de Exército
(4 estrelas). Sendo Denys um marechal, o comando geral ficaria em suas mãos,
enquanto Mourão, hierarquicamente sob as ordens de Denys, colocaria as
tropas a caminho do Rio de Janeiro.
Mas o Manifesto preparado por Magalhães Pinto, chefe civil da revolução,
era uma mistura de água com açúcar. O governador deixava a porta aberta para
um recuo e, nessas circunstâncias, toda responsabilidade caia sobre o comando
militar!
O general Mourão lamentou o tempo perdido esperando pelo Governador e
estabeleceu novo cronograma, prevendo a saída das tropas em 31 de março às
5 horas da madrugada, com ou sem manifesto, com ou sem Governador. Não
havia mais tempo ou condições para recuar.
Tropas na rua!
Juíz de Fora, 31 de março de 1964, 5 horas da manhã. O general Olímpio
Mourão Filho desencadeia a Operação Popeye promovendo o levante das tropas
da 4ª Região Militar e da 4ª Divisão de Infantaria, apoiado pelo entusiasmo da
jovem oficialidade e dos meninos recrutas, submetidos que foram a um mês de
rigoroso e mortal treinamento. É o momento de provar se aqueles meninos, com
seu entusiasmo, teriam condições de usar a audácia para superar as limitações
da inexperiência. À frente das tropas seguia o general Murici.
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A notícia estourou no Rio de Janeiro e em São Paulo como uma bomba.
Ninguém no alto comando queria acreditar. Mas, ao ser confirmada sua
veracidade, o general Castelo Branco teria dito: "Agora, ou damos apoio ao
Mourão, ou ele estará perdido!"
Em São Paulo, o comandante do 2º Exército, general Amaury Kruel aderiu
ao movimento e enviou tropas ao encontro de Mourão. Não foi tão espontâneo
quanto possa parecer. Ficou até o último minuto em cima do muro e acabou
saltando sobre um cavalo que passou já encilhado, entusiasmado mais pelo
apoio que vinha do Rio de Janeiro, do que pela aventura mineira.
Do Rio de Janeiro partem, também, tropas do Regimento Sampaio (1ª
Regimento de Infantaria), comandadas pelo coronel Raimundo Ferreira de
Sousa, supostamente para dar combate aos rebeldes. O coronel Raimundo,
entretanto, após um contato telefônico com Juíz de Fora, falando diretamente
com o marechal Odílio Denis, adere ao movimento. Juntando seus soldados aos
de São Paulo e Minas, passa a integrar as forças rebeldes que entram
vitoriosamente na cidade do Rio de Janeiro.
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O presidente João Goulart viaja para Brasília, daí para Porto Alegre e,
por fim, se exila no Uruguai. O Congresso Nacional, declara vago o cargo e
empossa como presidente da República, dentro da linha de sucessão, o
presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli. Um Presidente de fantasia, já que todas
as decisões políticas estavam sendo tomadas pelo novo comando militar, no Rio
de Janeiro.
Com efeito, ao chegar ao Rio de Janeiro, comandando as tropas
revolucionárias, o general Mourão encontra um esquema previamente
montado que torna inútil a sua presença ali. Costa e Silva se fizera ministro
da Guerra; Castelo Branco era o nome indicado para assumir a presidência da
República, cumpridas as formalidades; o general Ururaí assumira o comando do
1º Exército; o general Taurino, a 1ª Região Militar. Os comandantes do
movimento no Rio de Janeiro tomavam posse de seus cargos antes mesmo que
o Congresso declarasse a vacância do cargo de Presidente, e Mazzili tivesse
tempo de nomear seu ministério. Isso vai melhor contado no próximo capítulo.
"Tio Sam" na batucada
Para finalizar, cabe estabelecer a participação dos Estados Unidos da
América, durante o período de conspiração e no momento em que se verificou a
eclosão do movimento militar de 1964. Ela aconteceu e recebeu o nome de
Operação Brother Sam, representando um apoio importante para que o
movimento anti-Jango se desenvolvesse e chegasse a bom termo.
No correr dos tempos, os Estados Unidos desenvolveram um estranho
conceito de domínio que ficou conhecido como Doutrina do Destino Manifesto.
Segundo ele, em linhas gerais, Deus entregou aos americanos o dever de zelar
pelos destinos do mundo, cabendo-lhes interferir, quando necessário, para
garantir a estabilidade das nações.
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Esse conceito se aplicou particularmente ao continente americano, sobretudo
a partir do século 19, com a doutrina Monroe (A América para os americanos),
reavivada, de tempos em tempos, com nomes e propósitos diversos, mas
sempre dentro do mesmo princípio. Foi o pan-americanismo, a política da boa
vizinhança, a Aliança para o Progresso, etc.
Por outro lado, a partir da 2ª Guerra Mundial, os militares brasileiros se
afastaram da escola francesa, que treinava nossos soldados, e se aproximaram
dos Estados Unidos, junto aos quais deveríamos lutar nos campos da Itália.
Com isso, nosso conceito de segurança militar foi adaptado também às
doutrinas do National War College, segundo as quais o verdadeiro perigo pode
não vir de fora mas se achar instalado dentro do próprio país; não são
necessariamente as potências militares estrangeiras, mas podem estar
enraizados na própria sociedade civil. Em resumo, por esse conceito, o
verdadeiro perigo à nação brasileira, pode ser o próprio cidadão brasileiro, que
passa a ser tratado como inimigo em potencial.
Foi dentro desse espírito que os conspiradores anti-Jango, desde o princípio,
aproximaram-se dos Estados Unidos, procurando obter destes a garantia de
apoio na luta contra o perigo interno.
Nesse processo, exerceram papel importante o embaixador dos EUA no
Brasil entre 1961 e 1966, professor Lincoln Gordon, e seu assessor, o coronel
Vernon Walters. Este último tinha uma proximidade maior com o Brasil, pois, na
Segunda Guerra, quando era ainda major, atuou como interprete entre os
comandos do 5º Exército e a Força Expedicionária Brasileira, trabalhando ao
lado do tenente-coronel Humberto de Alencar Castelo Branco e em
permanente contato com o nosso comando militar.
Como falava fluentemente o português e tinha um grande relacionamento
com os setores civil e militar, Valters era um contato valioso entre a embaixada
americana e os conspiradores, levando a vantagem de poder circular com maior
liberdade, sem chamar tanto à atenção, o que não aconteceria se as
conversações de dessem diretamente com o embaixador.
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O adido americano, coronel Vernon Walters conversa, em bom português,
com o general Castelo Branco. Ambos atuaram juntos durante s Segunda
Guerra Mundial, em que o primeiro era major e o segundo, coronel
Foi a partir desses contatos, transmitidos fielmente por Lincoln Gordon ao
Secretário de Estado americano, Dean Rusk, que surgiu a ideia de se montar a
Operação Brother Sam, pela qual os Estados Unidos se comprometiam a dar
toda cobertura de retaguarda para evitar a comunização do país.
Não se conhece toda extensão do acordo. Oficialmente, a participação dos
Estados Unidos se deu apenas com o envio de uma força-tarefa às águas do
Atlântico Sul sob o pretexto de garantir a retirada dos 40 mil cidadãos americanos
residentes no Brasil. A chegada dessa força-tarefa, ainda em águas
internacionais, ocorreu em 28 de março de 1964, um Sábado de Aleluia,
quando ainda se pensava que a revolução só iria eclodir na segunda quinzena
de abril.
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Como os acontecimentos foram precipitados pela ação do general Mourão
Filho, liquidando o assunto em dois dias, não é possível avaliar até que ponto os
Estados Unidos estariam dispostos a intervir para garantir o sucesso do
movimento, se este se prolongasse por mais tempo.
Sabe-se que a frota americana foi deslocada do Caribe para o Brasil e tinha
considerável poder de fogo para intervir militarmente, se necessário. E sabe-se
que ela foi também decisiva no convencimento de Jango de abandonar o país e
buscar asilo no Uruguai, evitando assim o derramamento de sangue. E o
movimento militar se encerrou sem uma vítima sequer.
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