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INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA - INPA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOLOGIA DE ÁGUA DOCE E PESCA
INTERIOR - BADPI
Comunidade dormente e ativa de Cladocera (CRUSTACEA: BRANCHIOPODA) no lago Tupé, Manaus-AM.
CAMILA DE ARAÚJO COUTO
Manaus, Amazonas
Abril, 2013
CAMILA DE ARAÚJO COUTO
Comunidade dormente e ativa de Cladocera (CRUSTACEA: BRANCHIOPODA) no lago Tupé, Manaus-AM.
Orientador: Dr. Edinaldo Nelson dos Santos Silva
Dissertação apresentada ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia como parte dos requisitos para obtenção do titulo de Mestre em Biologia de Água Doce e Pesca Interior.
Manaus, Amazonas
Abril, 2013
RELAÇÃO DA BANCA JULGADORA
Drª Ângela Varella (Suplente) Doutorado em Ciências Biológicas (Zoologia) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Zoologia, com ênfase em Taxonomia e Biologia de Parasitas de Peixes Pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia Dr. Célio Ubirajara Magalhães Filho (Suplente) Doutorado em Ciências Biológicas (Zoologia) pela Universidade de São Paulo Sistemática, taxonomia e zoogeografia de crustáceos decápodos Pesquisador, professor orientador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia Drª Paulina Maia Barbosa (Titular) Drª em Ecologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro Limnologia, Ecologia do zooplâncton e Educação Ambiental Pesquisadora e professora na Universidade Federal de Minas Gerais Dr. André Ricardo Ghidini (Titular) Biólogo - Doutorado em Biologia de Água Doce e Pesca Interior pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia Professor Adjunto - Centro universitário do Norte UNINORTE
Drª. Bárbara Ann Robertson (Titular e Presidente) Doutorado em Ecologia de Ambiente Aquáticos Continentais pela Universidade Estadual de Maringá
Pesquisadora de Zooplâncton do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
i
Sinopse:
Estudou-se as comunidades dormente e ativa de cladóceros
do lago Tupé, Amazonas, Brasil. Foram feitos experimentos
ex-situ para a eclosão da comunidade dormente e
levantamento bibliográfico de estudos já realizados no lago
para a comunidade ativa.
Palavras- chave: Água preta, habitat, cladóceros,
reprodução.
ii
À meus pais, Jorge e Cleide Couto, e
meu irmão, Juliano Couto.
Todas as etapas que venci até aqui,
vencemos juntos.
iii
AGRADECIMENTOS
À Deus, meu eterno amigo. Tudo o que eu planejo se concretiza porque Ele permite;
Aos meus pais, que sempre caminharam comigo em qualquer jornada e sempre
fizeram do nosso lar um porto seguro. Tudo o que alcancei nessa vida até agora, foi
por dedicação, apoio e esforço de vocês;
Ao meu irmão, segundo pai, melhor amigo, confidente, para todas as etapas da vida
que eu vencer, estou certa que lá estará você;
A minha cunhada, amiga e irmã, Izabela, que verdadeiramente esteve comigo, perto
ou longe, sempre com seus conselhos amorosos;
À minha avó, meus tios Nonato e Gilcimar e meu primo Cayo, pela força e apoio
neste processo;
Ao Nelson, meu orientador, que há seis anos impulsiona minhas ideias científicas.
Meu agradecimento sincero por toda a sua dedicação, às fases de campo, por todas
as nossas coletas, apoio, conselhos, preocupação e amizade em mais esta etapa.
Com o seu direcionamento nos meus erros e acertos pude seguir sempre em frente;
Ao seu Jalmir Matias, nosso eterno mateiro, que desde que comecei a trabalhar com
pesquisa em todas as coletas esteve presente e não foi diferente no meu mestrado.
Agradeço por seu companheirismo, brincadeiras e apoio. Certamente o trabalho de
campo não é o mesmo sem o senhor;
À Dr. Bárbara por todas as trocas de ideias e a Climéia por sempre me proporcionar
longas horas de conversa no laboratório;
Ao Dr. Elvis Vasquéz, eterno Perucón, por todas as correções deste trabalho,
conselhos e amizade sincera. São mais de seis anos de eternas conversas;
À Laura, pela amizade, apoio, carinho em todo o percurso do mestrado. Há uns anos
atrás não imaginei que seríamos tão próximas, mas agradeço muito a Deus por isso.
Você realmente foi um porto seguro nesse processo. Muitíssimo obrigada!
A minha querida amiga Irislane, famosa “Írris”, por todo o apoio, carinho e amizade
desde sempre até agora nesta etapa final.
Aos meus colegas de mestrado e laboratório Walter e Bruna, também companheiros
de iniciação científica, sempre batalhando juntos. Por todas as conversas no
cafezinho da tarde, todas as palavras de encorajamento para eu vencer esta etapa,
além de me proporcionar um ambiente mais prazeroso no laboratório;
As pibiquetes, Raíze, Handrya e Ana Maria, e ao colega Eduardo Hase que me
ajudaram na maior parte das coletas, debaixo de Sol e chuva e ainda assim
iv
permaneceram com o espírito alegre, dando mais gosto ao trabalho. Muito obrigada,
de coração, pela força de vocês;
À pibiquete Maiby, recém-chegada no laboratório, por ter me ajudado com os
almoços, conversas e companhia na etapa final do meu trabalho. Você vai longe!
Ao meu amigo colombiano Leandro Cortes pelos anos de amizade e por sempre ser
um bom ouvinte. Certamente todas as nossas conversas de laboratório e corredores
sempre me deixavam mais leve. E a Sophia pelo apoio nos últimos minutos!
Ao meu amigo de Costa Rica, Andrés Vegas. Famoso Andresito. Gracias por todo!
Por todo o apoio moral, amizade, cuidado, em todas as etapas deste trabalho e
ainda pelas traduções. Realmente a distância era como se não existisse.
À família Dias que me recebeu na casa e me acolheu com muito carinho durante os
quatro meses no Rio. E à todos os amigos que fiz nesta cidade maravilhosa.
Realmente passamos momentos inesquecíveis juntos e a amizade de vocês
proporcionou a leveza do meu trabalho fora da minha terra;
Ao Prof. Dr. Reinaldo Luiz Bozelli, Prof. Dr. Jayme Santangelo e Msc. Luciana
Araújo por toda a paciência, apoio e ensinamentos no Rio de Janeiro para que eu
pudesse realizar meus experimentos de eclosão. Bem como ao laboratório de
limnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, por me receber durante o
mestrado-sanduíche;
Ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia pelo espaço físico concedido na
realização de meu trabalho, bem como o apoio de funcionários e pesquisadores
durante a realização deste;
Ao programa de pós-graduação em Biologia de Água Doce e Pesca Interior;
Ao projeto Biotupé e a FAPEAM, financiadora do projeto;
Ao CNPQ pela bolsa de estudos de mestrado e ao PROCAD-NF (Programa
Nacional de Cooperação Acadêmica – Novas Fronteiras) pela concessão da bolsa
que permitiu realizar uma parte de meu trabalho na Universidade Federal do Rio de
Janeiro;
E por fim, a todos aqueles que contribuíram para que este trabalho fosse finalizado,
e ainda que não tivessem uma contribuição direta, estavam ajudando nos
bastidores. É por isso que sempre dizemos que trabalhamos em equipe, porque
nada se constrói plenamente sozinho.
Obrigada, de verdade, à todos.
vi
RESUMO
Alguns cladóceros produzem ovos de resistência para persistir no ambiente quando as condições ambientais se tornam adversas. São produzidos em diferentes épocas do ano por diferentes espécies sobrepondo-se nos sedimentos, formando banco de ovos. Estes ovos compõem a comunidade dormente, dos quais indivíduos eclodem continuamente ou periodicamente e também propiciam a manutenção dos organismos no ambiente, aumentam a variabilidade genética da população, possibilitam a dispersão das espécies, influenciam na estrutura das comunidades e auxiliam nos estudos de diversidade, evolução e mudanças ambientais. No Brasil, a maioria dos estudos de formas dormentes tem sido realizados na região nordeste, sudeste e sul, sendo inexistentes na Amazônia Ocidental. Sendo assim, neste estudo verificou-se a existência e viabilidade de formas dormentes de cladóceros e sua distribuição espacial nos sedimentos do lago Tupé, bem como sua densidade, quais espécies da comunidade ativa dos cladóceros produziram estas formas dormentes, além de ter sido analisado e comparado as relações entre ambas às comunidades. Este estudo demonstrou que Ilyocryptus spinifer, Ephemeroporus barroisi, Diaphanosoma sp., Holopedium amazonicum, Ceriodaphnia cornuta, Moina minuta, Bosmina longirostris e Bosminopsis deitersi produzem formas dormentes que foram encontradas no sedimento do lago. A espécie que teve maior taxa de eclosão foi I. spinifer e, junto com E. barroisi foram as únicas espécies bentônicas que eclodiram neste estudo, sendo as demais de hábito planctônico. Estas formas dormentes estão distribuídas de maneira heterogênea. Foram encontradas em maior quantidade nas margens (66%), principalmente onde deságuam os dois igarapés principais (cabeceiras) do lago. Foi possível observar que as espécies parecem se alternar na comunidade ativa, algumas desaparecendo por alguns meses e dominando em outros e vice-versa. As espécies eclodidas neste estudo representam apenas 8% das espécies ativas no lago.
vii
ABSTRACT
Some cladocerans produce eggs resistance to persist in the environment when conditions become adverse. They are produced at different times of year by different species sinking in lake sediment, forming an egg bank. These eggs form the dormant community, which periodically or continuously hatch. It also facilitates the maintenance of the organisms in the environment, it grows the genetic diversity, allow the spread of species, It has an influence in the structure of the community and also they help with diversity studies, evolution and environmental changes. In Brazil, most of the dormant forms studies have been carried in the northeast, southeast and south regions. In Western Amazon there is not dormant forms studies of microinvertebrates. As well, this study verified the feasibility existence as dormancy of cladocerans and its distribution on sediments of Tupe lake, the density of dormant forms was calculated, and it was possible to identify which species of the active community of cladocerans produce these forms of dormancy. Besides being analyzed and compared the relationship between the two communities. This study showed that Ilyocryptus spinifer, Ephemeroporus barroisi, Diaphanosoma sp., Holopedium amazonicum, Ceriodaphnia cornuta, Moina minuta, Bosmina longirostris and Bosminopsis deitersi produce dormant forms that were found on the sediment of the lake. The species had more number of individuals hatched foi I. spinifer and together with E. barroisi were the only species benthic that came out in this study. The others are of habit planktonic. These forms dormant are distributed in a heterogeneously. They were found in greater amounts in the margins, especially where they drain the two main streams of the lake. It was possible to observe that it seems the species to alternate in the active community, some disappearing for a few months and dominating others and vice-versa. Species that were in this study represent only 8% of the active species in the lake.
viii
RESUMEN
Algunos cladóceros producen huevos de resistencia para persistir en el ambiente cuando las condiciones se convierten adversas. Son producidos en diferentes épocas del año por diferentes especies sobreponiéndose en los sedimentos, formando un banco de huevos. Estos huevos componen la comunidad durmiente, de la cual los individuos eclosionan periódicamente o continuamente. También propicia el mantenimiento de los organismos en el ambiente, aumenta la variabilidad genética, posibilita la dispersión de las especies, influye en la estructura de las comunidades y auxilia los estudios de diversidad, evolución y cambios ambientales. En Brasil, la mayoría de los estudios de las formas de dormancia han sido realizado en la región noreste, sureste y sur, sin embargo en la Amazonía Occidental no existe ningún un estudio sobre la forma de dormancia de los microinvertebrados. Siendo asi, en este estudio se verificó la existencia de viabilidad de las formas durmientes de los cladoceros y su distribución espacial en los sedimentos del lago Tupe, se calculó la densidad de esas formas y se identificaron cuales especies de la comunidad activa de los cladoceros producen estas formas de dormancia. Además de haber sido analizadas y comparadas las relaciones entre ambas comunidades. Este estudio demostró que Ilyocryptus spinifer, Ephemeroporus barroisi, Diaphanosoma sp., Holopedium amazonicum, Ceriodaphnia cornuta, Moina minuta, Bosmina longirostris e Bosminopsis deitersi producen formas de dormancia que fueron encontradas en el sedimento del lago. La especie que tuvo mayor numero de eclosiones fue I. spinifer y junto con E. barroisi fueron las unicas especies bentónicas eclosionadas en este estudio. Las demas son de la comunidad de la columna de agua. Las formas durmientes están distribuidas de manera heterogena. Fueron encontradas en mayor cantidad en los márgenes (66%), principalmente donde desaguan los dos corrientes principales del lago. Fue posible observar que las especies parecen alternarse en la comunidad activa, algunas desapareciendo por algunos meses y dominando en otros y vice-versa. Las especies eclosionadas en este estudio representan apenas 8% de las especies activas en el lago.
ix
SUMÁRIO
Lista de Tabelas ...............................................................................................xi
Lista de Figuras ................................................................................................xii
Introdução Geral ...............................................................................................1
Objetivos (Geral e Específicos) ........................................................................2
Organização da dissertação .............................................................................3
Metodologia Geral ............................................................................................4
Capítulo 1: Distribuição espacial e primeiro registro de formas de resistência
de Cladocera (Crustacea, Branchiopoda) no sedimento de um lago da
Amazônia Ocidental (lago Tupé, Manaus, Amazonas).
Resumo/ Abstract ............................................................................................13
Introdução ........................................................................................................14
Material e Métodos ...........................................................................................16
Área de estudo ....................................................................................16
Periodicidade e áreas de amostragem ................................................17
Experimentos de eclosão ex-situ .........................................................17
Análise dos dados ...............................................................................18
Resultados ........................................................................................................18
Efípios ..................................................................................................18
Eclosões ...............................................................................................21
Discussão ..........................................................................................................25
Efípios ...................................................................................................25
Eclosões ...............................................................................................27
Agradecimentos ...............................................................................................29
Referências Bibliográficas .................................................................................29
x
Capítulo 2: Comunidade ativa e dormente de Cladocera (Crustacea,
Branchiopoda) no lago Tupé, Amazonas, Brasil.
Resumo / Abstract ..............................................................................................34
Introdução ...........................................................................................................35
Material e Métodos ..............................................................................................36
Área de estudo .......................................................................................36
Amostragem ...........................................................................................37
Experimento ex-situ ................................................................................37
Análise dos dados ..................................................................................38
Resultados e Discussão ......................................................................................40
Agradecimentos ...................................................................................................47
Referências Bibliográficas ...................................................................................48
Síntese .................................................................................................................52
Referências Bibliográficas ....................................................................................57
Anexos ..................................................................................................................70
xi
LISTA DE TABELAS
Tabela 1.1. Número de efípios viáveis, danificados e ocorrência de eclosões em
todos os locais amostrados do lago (MAR = margem/ CAN = canal/
jus = à jusante / mont = à montante).
Tabela 1.2. Espécies que eclodiram do sedimento de cada ambiente e local
amostrado.
Tabela 1.3. Frequência de eclosão das espécies durante o experimento.
Tabela 1.4. Estudos de eclosão de ovos resistentes de cladóceros com
sedimentos de ambientes dulcícolas no Brasil.
Tabela 2.1. Lista dos estudos anteriores realizados no lago Tupé, com seus
respectivos autores, períodos de coleta e objetivo do trabalho.
Tabela 2.2. Ocorrência das oito espécies na comunidade ativa observadas em
outros estudos no lago Tupé (x = abundante / xx = muito abundante).
Tabela 2.3. Frequência de ocorrência das 8 espécies de cladóceros (identificadas
nos experimentos de eclosão) nos conteúdos estomacais de
Hyphophtalmus (mapará) no lago Tupé (Previattelli & Santos-Silva
2011).
Tabela 2.4. Estudos no lago Tupé nos quais foram observadas populações produzindo ovos dormentes direta (fêmeas efipiais) ou indiretamente (indivíduos eclodidos do sedimento).
xii
LISTAS DE FIGURAS
Figura 1. Localização do lago Tupé.
Figura 2. Vista aérea do lago Tupé no período da cheia. Sedimentos das margens totalmente submersos (Foto: Marcos Attaíde, 2006).
Figura 3. Vista aérea do lago Tupé no período da seca, com grande parte do sedimento exposto (extraída de http://biotupe.inpa.gov.br).
Figura 4. Localização das 32 áreas de coleta no lago. As retas que ligam duas áreas indicam que foram coletados sedimentos nos canais dos igarapés e/ou do lago e na margem mais próxima (Pontos negros: sedimentos que ficam constantemente inundados / Pontos verdes: sedimentos da margem que ficam expostos uma parte do ano).
Figura 5. Obtenção das amostras de margem: a) tubos de PVC; b) tubo inserido no sedimento; c) retirado do sedimento; d) coleta na margem de um igarapé; e) extrusor para a remoção do sedimento no tubo; f) fatiador; g) 2cm de sedimento sendo retirado do tubo; h) removido com espátula de plástico; i) acondicionado em saco transparente e depois em saco preto. Fotos: Santos-Silva, E.N. 2011.
Figura 6. Obtenção das amostras de canal: a) CORER; b) CORER sendo arremessado em um canal do lago; c) encaixe do fatiador no cilindro do CORER para a remoção das camadas; d) fatia dos 2 cm superficiais do sedimento sendo retirada do cilindro. Fotos: Couto, J.S. 2011
Figura 1.1. Localização do lago Tupé
Figura 1.2. Vista aérea do lago Tupé: a) no período da cheia, com os sedimentos das margens totalmente submersos (Foto: Marcos Attaíde 2006); b) no período da seca, com grande parte do sedimento exposto (http://biotupe.inpa.gov.br).
Figura 1.3. Obtenção das amostras com: a) tubos de PVC e b) CORER. Fotos: Couto, J. S.
Figura 1.4. Localização das 32 áreas de coleta no lago. As retas que ligam duas áreas indicam que foram coletados sedimentos nos canais dos igarapés e/ou do lago e na margem mais próxima (Pontos negros e amarelos: sedimentos que ficam constantemente inundados / Pontos verdes e negros: sedimentos da margem que ficam expostos uma parte do ano).
Figura 1.5. Porcentagem dos efípios e eclosões durante todo o experimento.
Figura 1.6. Porcentagem dos efípios e eclosões na margem e canal.
Figura 1.7. Porcentagem de efípios encontrados nos locais amostrados. A porcentagem de cada local foi calculada em relação ao número total de efípios da margem e canal.
xiii
Figura 1.8. Porcentagem de efípios encontrados nos locais amostrados. A porcentagem foi calculada em relação ao número de efípios viáveis de cada local, se de margem ou canal.
Figura 1.9. (A). Porcentagens das espécies de Cladocera eclodidas do lago Tupé; (b) Porcentagem das espécies eclodidas por ambiente. Nesta última, a porcentagem foi calculada levando-se em conta o total de organismos eclodidos de cada ambiente (margem e canal).
Figura 1.10. Número de espécies de Cladocera eclodidas do sedimento de cada local amostrado.
Figura 1.11. Modelo de seção transversal do igarapé Terra Preta no lago Tupé (M.E. = margem esquerda; M. D. = margem direita). Extraído de Aprile & Darwich 2005.
Figura 2.1. Lago Tupé (Brandorff & Hardy 2011).
Figura 2.2. Porcentagens das espécies eclodidas da comunidade dormente de Cladocera no lago Tupé.
Figura 2.3. Porcentagem das espécies eclodidas por ambiente. A porcentagem foi calculada separadamente para cada ambiente (margem e canal).
Figura 2.4. Fêmea efipial de C. cornuta encontrada na seca de 2003. Foto: Couto 2007.
Figura 2.5. Macho de B. deitersi encontrado na época da enchente de 2004. Foto: Couto 2007.
Figura 2.6. Macho de B. longirostris observado na enchente de 2003. Foto: Couto 2007.
Figura 2.7. Grupo das quatro espécies mais constantes nas utriculárias do lago Tupé (Ghidini 2011).
Figura 2.8. Efípio e fêmea efipial de S.serrulatus encontrados nos microcosmos em um estudo de 2009. foto: Couto 2010.
Figura 2.9. Macho de M. superaculeata (à esq.) encontrado nas amostras do mês de junho de 2008 (cheia) e fêmea efipial encontrada nas amostras dos meses de cheia e vazante. Foto: Couto 2009.
Figura 2.10. Modelo teórico de produção de formas dormentes para as espécies encontradas nos experimentos de eclosão e seu recrutamento (setas) em resposta as mudanças do ambiente devido à elevação e diminuição do nível da água no lago Tupé.
1
Introdução Geral
Muitos organismos zooplanctônicos, em particular, alguns cladóceros,
produzem ovos de resistência, também conhecidos como ovos dormentes ou
diapáusicos, quando as condições ambientais se tornam adversas. Dependendo da
espécie, estes ovos podem ou não estar envoltos por uma cápsula protetora
chamada efípio (Brendock e De Meester, 2003). Após sua liberação, muitos ovos
e/ou efípios afundam para o sedimento. Estes são lançados em diferentes estações
e épocas do ano, por diferentes espécies, sobrepondo-se nos sedimentos dos
ambientes aquáticos, formando assim um banco de ovos (Hairston et al., 2000).
Estes ovos, que permanecem em estado de dormência, compõem a
comunidade dormente, dos quais indivíduos periodicamente ou continuamente
eclodem (Carvalho e Wolf, 1989). Além de permitir a sobrevivência em períodos
desfavoráveis, podem contribuir para mudanças na densidade da população, na
composição de espécies, na diversidade genética, estrutural clonal e nas taxas de
variação genética (Id., ibid.).
Bancos de ovos resistentes de cladóceros tem despertado a curiosidade de
vários pesquisadores em diversas partes do mundo, analisando a existência destes
tanto em ambientes marinhos (por exemplo, Marcus et al., 1994; Barros et al., 2000;
Diodato et al., 2006), quanto de água doce (por exemplo, Brede et al.,2007;
Nevalainen, 2008).
No Brasil, o estudo pioneiro de bancos de ovos foi por Sars (1901) com
sedimentos oriundos de um bairro de São Paulo, mas só a partir de 2000, foi que
pesquisadores voltaram sua atenção para as formas dormentes presentes em
sedimentos de ambientes dulcícolas (Crispim e Watanabe, 2001; Maia-Barbosa et
al., 2003; Santangelo et al., 2011b). No intuito de analisar a riqueza de espécies que
também pode ser revelada a partir do sedimento do lago (Vandekerkhove et al.,
2004) experimentos de eclosão de ovos em laboratório tem sido aperfeiçoados
desde então.
Estudos de bancos de ovos e eclosão destes têm sido realizados na região
nordeste no semi-árido paraibano (Crispim e Watanabe, 2001) até o presente
2
momento (Crispim, com. pess.) inclusive nos lençóis maranhenses (Van Damme e
Dumont, 2010) mas a maioria dos estudos vem sendo realizados na região sudeste
e sul do Brasil (por exemplo, Santangelo et al, 2011b e Araújo, 2012 no Rio de
Janeiro; Rojas et al., 2001 e Panarelli et al., 2008 em São Paulo; Maia-Barbosa et
al., 2003 e Brandão, 2009 em Minas Gerais; Palazzo et al., 2008 no Paraná).
Na Amazônia Oriental, Santangelo (2009) analisou a existência de bancos de
ovos nos sedimentos de lagos do rio Trombetas e Carajás no Estado do Pará, mas
na região da Amazônia Ocidental, não existe qualquer estudo sobre as formas
dormentes de organismos zooplanctônicos. Mas podemos supor que suas formas
dormentes sejam importantes devido às variações do nível das águas.
A comunidade ativa de cladóceros vem sendo analisada desde meados da
década de 70 (Fisher, 1979; Hardy, 1980; Robertson e Hardy, 1984; Bozelli, 1992;
Melo, 1998; Chu Koo, 2000; Waichman et al., 2002; Vásquez, 2004; Maia-Barbosa e
Bozelli, 2006; Brandorff e Hardy, 2009), mas nunca a comunidade dormente destes
organismos.
Neste estudo pretendeu-se verificar se nos sedimentos do lago Tupé existem
formas dormentes produzidas pelos cladóceros que ocorrem neste lago, sendo este
trabalho o pioneiro acerca da comunidade dormente destes organismos para esta
parte da Amazônia. Além disso, caso estas formas sejam encontradas, verificar sua
densidade e distribuição espacial no ambiente. Finalmente, testar se as formas
dormentes encontradas são viáveis e quais são as espécies que as estão
produzindo.
Objetivos:
Objetivo geral:
Analisar a existência de formas dormentes (ovos de resistência com ou sem
efípios) de cladóceros nos sedimentos do lago Tupé, sua distribuição espacial,
densidade, viabilidade e relação com a comunidade ativa desses organismos.
3
Objetivos específicos:
1. Identificar as formas de resistência de Cladocera nos sedimentos do lago
Tupé;
2. Calcular a densidade de formas dormentes e verificar qual sua distribuição
espacial;
3. Analisar se estas formas dormentes são viáveis;
4. Identificar quais espécies da comunidade ativa dos cladóceros estão
produzindo formas dormentes;
5. Analisar as espécies provindas dos sedimentos quando na sua fase ativa
no lago.
Organização da dissertação
Esta dissertação está dividida em dois capítulos, que se encontram no
formato de artigo científico individual, ambos seguindo o formato e as normas da
revista Biota Neotrópica.
O primeiro capítulo aborda a comunidade dormente do lago Tupé a partir dos
experimentos de eclosão ex-situ, com uma breve descrição do local de estudo. O
experimento com sedimentos abrangendo todo o lago permitiu nos dar uma visão
geral de onde os ovos podem ser encontrados e onde certas espécies estão
depositando seus ovos. Também são discutidas as possíveis explicações que nos
levam a tentar entender porque em determinados locais do lago ocorreram eclosões
e outros não. Este é o primeiro levantamento das espécies de cladóceros em sua
fase dormente para o lago Tupé, portanto, se trata de um estudo pioneiro.
O segundo capítulo enfoca o histórico das populações ativas das espécies
que provieram da comunidade dormente em nossos experimentos de eclosão. Para
cada espécie eclodida fez-se uma compilação de todo o seu histórico quando ativa
no lago Tupé, e inferências acerca da produção de ovos de resistência por estas são
discutidos. Para isso foi feito um levantamento de todos os dados desde os
primeiros estudos com cladóceros no lago Tupé até este estudo. Isto nos permitiu ter
uma visão mais geral das espécies eclodidas, a partir dos experimentos, quando na
sua fase ativa.
4
METODOLOGIA GERAL
Área de estudo
O lago Tupé (3o2’36”S e 60o15´18”W) é um lago de terra firme, dendrítico,
localizado na margem esquerda do rio Negro na Reserva de Desenvolvimento
Sustentável (RDS do Tupé), a oeste de Manaus (AM), distante 25 km, em linha reta,
do centro da cidade (Figura 1).
Figura 1. Localização do lago Tupé.
O lago é conectado ao rio Negro por um canal de cerca de 20m de largura e
150m de comprimento. Com a variação sazonal do nível da água no rio Negro, este
canal é a via de entrada de água do rio para o lago durante a enchente e cheia e de
saída da água do lago para o rio durante a vazante e seca. Oito igarapés
desembocam no lago e têm influência preponderante nas características da água
durante o período de seca (Aprile e Darwich, 2005).
5
O início da enchente geralmente corresponde ao mês de novembro e a cheia
tende a atingir a cota máxima em meados de junho (Bittencourt e Amadio, 2007).
Neste período, com o aumento do nível da água, a floresta de igapó fica inundada,
assim como a serapilheira, troncos caídos e árvores que ficam com parte de seus
troncos submersos (figura 2).
Figura 2. Vista aérea do lago Tupé no período da cheia. Sedimentos das margens totalmente
submersos (Foto: Marcos Attaíde, 2006).
Na maioria dos anos, a partir do início da entrada de água do rio Negro no
lago, ocorre o aparecimento de Utricularia foliosa, única macrófita abundante neste
lago. Estas macrófitas crescem e formam bancos, que se distribuem principalmente
em áreas próximas à desembocadura dos igarapés que drenam para o lago. Foi
observada, esporadicamente, ocorrendo no lago propriamente dito (Reiss, 1977;
Ghidini, 2011). Os bancos de U. foliosa têm em média 5m² de área e se
desenvolvem onde existe penetração direta da luz solar (Ghidini, 2011).
Lago Tupé
Rio Negro
6
A vazante começa geralmente em agosto (Bittencourt e Amadio, 2007), época
em que a água do lago passa a fluir para o rio, atingindo menor profundidade em
outubro (seca). Com a diminuição do nível da água no lago, os bancos de U. foliosa,
em grande parte, ficam presos aos galhos das árvores da floresta inundada e, ao
ficarem inteiramente fora da água, secam e morrem. A paisagem do lago muda, com
grande parte do sedimento submerso durante a cheia (região marginal) agora
exposto (Figura 3).
Figura 3. Vista aérea do lago Tupé no período da seca, com grande parte do sedimento exposto
(extraída de http://biotupe.inpa.gov.br).
Rio Negro
Lago Tupé
7
1. Comunidade dormente:
1.1 Periodicidade e áreas de amostragem
A amostragem da camada superficial do sedimento do lago Tupé foi realizada
no período de seca, em setembro e novembro de 2011. As amostras foram
coletadas em 3 locais em cada área de coleta (tréplicas) distante 5m um do outro,
que eram então reunidos constituindo em uma única amostra de 150 gramas. Este
padrão foi estendido para as 32 áreas coletadas em todo o lago, abrangendo 16
áreas de margens dos igarapés e/ou do lago e 16 áreas de canal dos igarapés e/ou
do lago (Figura 4).
Figura 4. Localização das 32 áreas de coleta no lago. As retas que ligam duas áreas indicam que foram coletados sedimentos nos canais dos igarapés e/ou do lago e na margem mais próxima (Pontos negros: sedimentos que ficam constantemente inundados / Pontos verdes: sedimentos da margem que ficam expostos uma parte do ano).
8
1.2 Obtenção das amostras
As amostras do sedimento exposto, da margem, foram obtidas com um tubo
de PVC de 60 mm de diâmetro (Figura 5) e dos locais permanentemente cobertos
com água com coletor tipo CORER também de 60 mm de diâmetro (Figura 6). De
cada amostra foram retiradas três camadas de sedimento de dois centímetros de
espessura (correspondente aos 6 cm superficiais), e acondicionada em saco plástico
de cor preta, imediatamente colocada em uma caixa de poliestireno expandido com
gelo, onde foram mantidas até chegar ao laboratório de plâncton do INPA.
Figura 5. Obtenção das amostras de margem: a) tubos de PVC; b) tubo inserido no sedimento; c) retirado do sedimento; d) coleta na margem de um igarapé; e) extrusor para a remoção do sedimento no tubo; f) fatiador; g) 2cm de sedimento sendo retirado do tubo; h) removido com espátula de plástico; i) acondicionado em saco transparente e depois em saco preto. Fotos: Santos-Silva, E.N. 2011.
a b
c
d e
f g h i
9
Figura 6. Obtenção das amostras de canal: a) CORER; b) CORER sendo arremessado em um canal do lago; c) encaixe do fatiador no cilindro do CORER para a remoção das camadas; d) fatia dos 2 cm superficiais do sedimento sendo retirada do cilindro. Fotos: Couto, J.S. 2011.
No laboratório, as amostras foram mantidas em um refrigerador a uma
temperatura de ≈ 13°C até seu processamento (Grice & Marcus, 1981; Schwartz &
Hebert, 1987).
1.3 Experimentos de eclosão ex-situ
Esta parte do trabalho foi realizada em um período de 4 meses no laboratório
de Limnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde
experimentos com eclosões de ovos de resistência vêm sendo desenvolvidos por
alunos e pesquisadores (Santangelo, 2011b; Araújo, 2012). Isso contribuiu para a
riqueza e o engrandecimento deste trabalho, uma vez que houve uma melhor
compreensão dos métodos e técnicas empregados neste tipo de experimento. Os
dois primeiros meses foram destinados a um projeto piloto e os dois últimos ao
experimento propriamente dito.
As amostras foram arrumadas em caixa de poliestireno sem gelo e
transportadas por avião e depois de carro até o laboratório de Limnologia da UFRJ.
Todo o período de transporte durou 13 horas. No laboratório o sedimento continuou
sendo mantido na caixa em um espaço físico constantemente refrigerado (≈22º C)
a b c
d
10
por um período de dois meses, para serem processados após os experimentos
pilotos.
Após os dois meses, o sedimento úmido foi pesado em uma balança de
precisão, sendo utilizado uma subamostra de 150 g de cada local amostrado. Para
melhor monitoramento, o experimento foi dividido em duas etapas, primeiramente
com sedimentos oriundos de 16 locais amostrados (margens e canais) e na segunda
etapa os outros 16 restantes.
Para separar os ovos de resistência do sedimento (com ou sem efípios) foi
utilizado o método proposto por Onbé (1978) modificado por Maia-Barbosa et al.
(2003). A subamostra (150 g de sedimento) foi colocada em um becker de 250 ml,
sendo homogeneizada e diluída em uma solução de água destilada e sucrose,
preparada na razão 1:1. Essa solução foi então centrifugada a 2700 rpm, por 3
minutos. O sobrenadante foi passado por uma peneira de 10 µm de abertura de
malha e o material retido foi lavado com água destilada em abundância para a
remoção total do açúcar.
O material retido foi colocado em uma placa de Petri e analisado sobre
estereomicroscópio para contagem dos efípios ou somente ovos. Após isso os ovos
e/oi efípios foram incubados em aquários contendo 250 ml de meio artificial
(modificado de Tollriam, 1993), preparado em laboratório, totalizando 16 aquários
para a primeira e 16 aquários para a segunda etapa. Os meios tiveram o pH
ajustados para 7,0 e os aquários foram incubados sob temperatura (24°C ± 2°) e
fotoperíodo constantes (12h claro: 12h escuro), e examinados durante 20 dias.
Para a quantificação, exame e identificação de embriões em desenvolvimento
e/ou de indivíduos eclodidos, e para evitar que organismos eclodidos morressem
antes de serem contabilizados e/ou que ocorresse reprodução partenogenética, o
que alteraria os resultados, a cada 2 dias todo o volume de água de cada aquário
era filtrado em uma rede de malha de 20 μm de abertura. O material retido na rede
era então depositado em uma placa de Petri com água sendo observado sob um
microscópio de dissecção. A identificação foi baseada nos guias de Smirnov (1992,
1996), Orlova-Bienkowskaja (2001), Kotov & Štifter (2006) e Elmoor-Loureiro (1997).
O material restante era colocado de volta ao aquário para ser observado nos
dias seguintes. Toda a vidraria e demais materiais utilizados para esta análise era
11
rigorosamente lavado, a fim de evitar a contaminação dos aquários com ovos de
resistência ou indivíduos ativos provenientes de outros aquários.
O meio artificial de cada aquário foi renovado após 10 dias de experimento,
para evitar a proliferação de bactérias e fungos. O acompanhamento diário se
encerrou por volta do vigésimo dia, quando diminuíram e/ou encerraram as
eclosões.
2. Comunidade ativa:
Os dados da comunidade ativa para comparação com a dormente foram
obtidos através de estudos anteriores realizados no lago Tupé: Previatelli et al.,
2005; Ghidini, 2007; Couto e Santos-Silva, 2008; Couto et al., 2009; Ghidini e
Santos-Silva, 2009; Carlos-Ferreira e Santos-Silva, 2009; Couto et al., 2010; Calixto
et al., 2011; Ghidini e Santos-Silva, 2011a,b; Brandorff e Hardy, 2011; Previatelli e
Santos-Silva, 2011; Carlos-Ferreira e Santos-Silva, 2013 (dados não publicados).
Análise dos Dados
Para analisar os dados da comunidade dormente do lago Tupé, foi verificado
a porcentagem dos indivíduos eclodidos em 150 g que foi posto em cada aquário
nos experimentos. A porcentagem foi obtida da seguinte forma:
(%) = n.100/ (N)
Onde:
n = nº de indivíduos eclodidos (ou efípios) de um determinando local
N = nº total de indivíduos (ou efípios).
12
Capítulo 1
___________________________________________________________________________
Couto, C.A. & Santos-Silva, E. N. 2013. Distribuição
espacial e primeiro registro de formas de resistência
de Cladocera (Crustacea, Branchiopoda) no sedimento
de um lago da Amazônia Ocidental (lago Tupé,
Manaus, Amazonas). Manuscrito formatado para a
Biota Neotropica.
13
DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E PRIMEIRO REGISTRO DE FORMAS DE RESISTÊNCIA DE
CLADOCERA (CRUSTACEA, BRANCHIOPODA) NO SEDIMENTO DE UM LAGO DA
AMAZÔNIA OCIDENTAL (LAGO TUPÉ, MANAUS, AMAZONAS)
Camila de A. Couto*, Edinaldo N. dos Santos-Silva
**
*Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Pós-Graduação em Biologia de Água Doce e Pesca
Interior. Campus 2, Av. André Araújo, 2936, Aleixo, Manaus, Amazonas, Brasil.
** CPBA, INPA-Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Campus 2, Av. André Araújo, 2936,
Aleixo, Manaus, Amazonas, Brasil. (www.inpa.gov.br)
*Autor para correspondência. Tel: +55-92-8191-6598; +55-92-9290-8637; e-mail:
(camiladearaujocouto@gmail.com)
Abstract. Cladocerans forms show resistance forms to go through adverse conditions in its habitat, the
most common being the production of resistant eggs that may or may not be wrapped a protective
envelope, being the set called ephippium. The ephippia or just the eggs can sink to the sediment after
being produced. They can form banks of eggs in the sediment of lakes. There are no studies regarding
the existence of these banks eggs in lakes of Western Amazon. This study aimed to investigate
whether there were dormant forms, which species of Cladocera produced them as well as their
distribution in the sediment of Lake Tupe, Amazonas State, Brazil. Sediment sampling were collected
in September and November 2011 in 32 spots of the Lake. Experiments were carried out ex-situ in
order verify the hatching in the sediment. It was observed that dormant forms of cladocera are present
in sediment of the Lake and eight species were identified in hatching experiments: Ilyocryptus
spinifer, Ephemeroporus barroisi, Diaphanosoma sp., Holopedium amazonicum Ceriodaphnia
cornuta, Moina minuta, Bosmina longirostris and Bosminopsis deitersi. Greater number of dormant
forms were found in the sediment at the margins of the Lake, where there was also a higher number of
hatching. In addition, most species (four) erupted in the Stream Chefe, main stream of the lake. The
production of dormant forms are a possible explanation for the success of the species of Cladocera in
the Lake Tupé.
Keywords: Cladocera, resting eggs, ephippia, sediment, Lake Tupé.
Resumo. Os cladóceros possuem formas de resistência para atravessar períodos adversos em seu
hábitat, sendo a mais comum a produção de ovos resistentes que podem estar ou não envoltos por um
envelope protetor, sendo o conjunto chamado de efípio. Os efípios, ou apenas os ovos, podem afundar
para o sedimento após serem produzidos. Estes podem formar bancos de ovos no sedimento de lagos.
Para lagos da Amazônia Ocidental não existem dados sobre estas formas de resistência que tenham
registrado a existência destes bancos de ovos. Este estudo teve como objetivo verificar se existiam
formas dormentes, quais espécies de Cladocera as produziam, bem como sua distribuição no
sedimento do lago Tupé, Amazonas, Brasil. As coletas de sedimento foram realizadas em setembro e
novembro de 2011 em 32 locais do lago. Foram feitos experimentos ex-situ para a eclosão dos ovos
presentes nos sedimentos. Foi observado que formas dormentes de cladóceros estão presentes no
sedimento do lago e identificadas oito espécies nos experimentos de eclosão: Ilyocryptus spinifer,
Ephemeroporus barroisi, Diaphanosoma sp., Holopedium amazonicum, Ceriodaphnia cornuta, Moina
minuta, Bosmina longirostris e Bosminopsis deitersi. Maior número de formas dormentes foi
encontrado no sedimento das margens, de onde também ocorreu maior número de eclosões. Além
disso, maior número de espécies (quatro) eclodiram no igarapé Chefe, principal igarapé do lago. A
produção de formas dormentes é uma possível explicação para o sucesso das espécies de Cladocera do
lago Tupé.
Palavras-chaves: Cladóceros, ovos de resistência, efípios, sedimento, lago Tupé.
14
1. Introdução
Muitos organismos produzem estágios dormentes quando vivem em ambientes que
apresentam grandes mudanças, que podem ameaçar a sobrevivência de suas populações (Cáceres
1998). Os cladóceros, em particular, produzem ovos que entram em um estado conhecido como
“diapausa” que consiste na suspensão da vida de forma temporária (Ricci 2001). Em outras palavras,
estes ovos entram em um repouso fisiológico ou estado de dormência (Cáceres & Tessier 2003). Para
a formação dos ovos, as fêmeas partenogenéticas produzem machos e fêmeas sexuadas, estes machos
e fêmeas sexuadas copulam e os ovos fecundados serão os ovos de resistência (Hairston et al. 2000).
Os ovos de resistência podem permanecer no estado de dormência ou diapausa durante muitos
dias, meses, décadas ou até mesmo séculos sem perder a viabilidade (Hairston et al. 2000). Cáceres
(1998) encontrou ovos de Daphnia galeata mendotae e Daphnia pulicaria ainda viáveis após mais de
125 anos no sedimento. Com a quebra da dormência, eclode uma fêmea partenogenética a qual dará
continuidade a população (Crowe 1971, Ricci 2001).
Dependendo da espécie, estes ovos de resistência podem estar envoltos em diversas
membranas protetoras formando uma espécie de cápsula chamada de efípio (Carvalho & Wolf 1989).
Indivíduos de Anomopoda produzem essa cápsula que envolve seus ovos, enquanto indivíduos de
Ctenopoda não a produzem, tendo seus ovos outros mecanismos de proteção, por exemplo, espinhos
protuberantes observados nos ovos dos indivíduos de Diaphanosoma (Korovchinsky & Boikova
1996). Vandekerkhove et al. (2004) afirmaram que se pode estimar a riqueza das espécies de
Anomopoda de um determinado ambiente, através do reconhecimento da morfolgia dos seus efípios.
A maior lista de efípios, e suas respectivas espécies, pode ser encontrada em Flöβner (2000) para a
Europa Central.
Os ovos em diapausa podem ter diferentes destinos no ambiente aquático. Em algumas
espécies, a parede celular do efípio pode formar um flutuador, conforme observado em Daphnia
retrocurva (Carvalho & Wolf 1989). Os efípios podem ser dispersos também por movimentos da água,
ser engolidos por peixes e mamíferos e depois excretados, ou até mesmo aderirem às patas de aves
conforme observado com Daphnia atkinsoni (Louette & De Meester 2004). Também podem aderir à
vegetação ou detritos, afundando gradualmente para o sedimento. Em outras espécies podem afundar
para o sedimento imediatamente, conforme observado em Simocephalus serrulatus (Couto et al.
2010).
Por alguns efípios afundarem e outros flutuarem, pode haver heterogeneidade espacial na
distribuição dos ovos de resistência. Por serem lançados em diferentes períodos, estações e épocas do
ano, podem sobrepor-se nos sedimentos, havendo também uma heterogeneidade no tempo.
Geralmente os três primeiros centímetros superficiais do sedimento são responsáveis por comportar os
ovos com maiores taxas de viabilidade, portanto esta zona é conhecida como o “banco de ovos ativo”
(active egg bank) (Brendonck & De Meester 2003), de onde fêmeas periodicamente ou continuamente
eclodem (Carvalho & Wolf 1989).
No banco de ovos a densidade dos ovos aumenta pela deposição de novos ovos e diminui
quando estes eclodem, quando são predados ou soterrados (DeStasio 1989, 2007). Esta densidade
também varia espacialmente, pois observa-se que nas regiões menos profundas a radiação solar e as
temperaturas mais elevadas estimulam a eclosão dos ovos, reduzindo a densidade destes no sedimento
(Cáceres 1998, Hairston 1996). Assim, o esperado é que as maiores densidades na distribuição
horizontal dos efípios no lago como um todo, sejam sempre observadas nas regiões mais profundas,
onde a radiação solar não penetre (Cáceres 1998).
Os estímulos mais conhecidos para a quebra da dormência ou diapausa e consequente eclosão
das formas dormentes são a mudança na temperatura e fotoperíodo que ocorre nos ambientes aquáticos
(Stross 1969, Vanderkerkhove et al. 2005 a,b). Muitos pesquisadores têm realizado experimentos de
eclosão de cladóceros em laboratório controlando a temperatura e o fotoperíodo para quebrar a
dormência destes ovos, e/ou para identificar as espécies provenientes deles, uma vez que nem todos os
ovos possuem efípios que possam ser morfologicamente identificadas ao nível de espécie
(Vandekerkhove et al. 2004).
15
Coronel et al. (2009) em experimentos de eclosão de bancos de ovos provindos de 61 charcos
temporais em uma cordilheira na Bolívia encontraram mais espécies no banco de ovos do que na
comunidade ativa na coluna d’água. Outros pesquisadores também tiveram sucesso e encontraram
espécies presente no banco de ovos que não estavam na comunidade ativa (Crispim & Watanabe 2001,
Brede et al. 2007, Vandekerkhove et al. 2004a).
No Brasil, a partir de 2000, pesquisadores também tem voltado sua atenção mais afinco para
os bancos de ovos em ambientes dulcícolas. Estes estudos têm sido realizados na região nordeste no
semi-árido paraibano (Crispim & Watanabe 2001), mas principalmente na região sudeste e sul do
Brasil (Rojas et al. 2001, Maia-Barbosa et al. 2003, Panarelli et al. 2008, Palazzo et al. 2008, Brandão
2009, Santangelo et al. 2011b, Araújo 2012).
Estudos que buscaram conhecer a existência de ovos de resistência e/ou efípios no sedimento
de lagos da Amazônia Ocidental ainda são inexistentes. Em um lago de água preta, no baixo rio
Negro, lago Tupé, nosso intuito foi verificar se de fato formas dormentes ocorrem no seu sedimento,
culminando na existência de um banco de ovos.
No lago Tupé foram encontradas até hoje 98 espécies de cladóceros (Ghidini 2011). Destas, 22
espécies são de hábitos tipicamente planctônicos e 76 espécies de hábitos bentônicos. Estas últimas
vivem na região de margem, na serapilheira quando inundada e também em Utricularia foliosa
(Lentibulariaceae L.), macrófita abundante neste lago no período de enchente e cheia.
No período de águas baixas, devido ao volume d’água no lago se tornar reduzido, aumentam
as chances de espécies planctônicas serem predadas por alevinos, peixes adultos e outros predadores.
No entanto, estas espécies continuam em seu hábitat, embora aparentemente mais hostil. Em
contrapartida, têm-se observado que neste mesmo período muitas populações de hábitos bentônicos
desaparecem do lago, sendo que estas representam 77% da riqueza de cladóceros deste ambiente
(Couto et al. 2009, Ghidini 2011).
Entretanto, a cada ano, na época de águas altas, quando as populações de U. foliosa voltam a
colonizar o ambiente e a serapilheira novamente fica inundada, as populações desses microcrustáceos,
são novamente encontradas nestes ambientes. Desta forma são levantadas importantes questões como
quais estratégias as espécies desenvolveram para, ano após ano, recolonizarem e manterem suas
populações nesse hábitat.
Em vista disso, a hipótese deste estudo para explicar o restabelecimento periódico dos
cladóceros no lago Tupé é que estes produzem formas de resistência que podem ser depositadas no
sedimento do lago. No entanto, surgem dúvidas sobre quais locais do lago estas formas são
depositadas, portanto, uma análise criteriosa da distribuição espacial destas formas no sedimento
elucidariam estas questões, que pretende-se responder neste estudo. Partindo desse cenário,
propusemos então i) verificar se existem formas dormentes de cladóceros no sedimento do lago Tupé,
e caso existam ii) identificar quais espécies estão produzindo estas formas; iii) quais locais do lago
estão estas formas dormentes e iv) quais as áreas com maior densidade de formas dormentes em todo o
lago.
16
2. Material e Métodos
2.1 Área de estudo
O lago Tupé (3o2’36”S e 60
o15´18”W) é um lago de terra firme, localizado na margem
esquerda do rio Negro na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS do Tupé), a oeste de Manaus
(AM), distante 25 km, em linha reta, do centro da cidade (Fig. 1).
O lago é conectado ao rio Negro por um canal que é a via de entrada durante as águas altas e
saída de água na época de águas baixas, isso devido à variação sazonal do nível da água no rio Negro.
Oito igarapés desembocam no lago e têm influência preponderante nas características limnológicas
deste ambiente durante o período de seca (Aprile & Darwich 2005).
O início da enchente geralmente corresponde ao mês de novembro e a cheia atinge sua cota
máxima geralmente em meados de junho (Bittencourt & Amadio 2007). Neste período, com o
aumento do nível da água, a floresta marginal ao lago fica inundada, assim como a serapilheira,
troncos caídos e árvores que ficam com parte de seus troncos submersos (fig. 2a).
Fig. 2. Vista aérea do lago Tupé: a) no período da cheia, com os sedimentos das margens
totalmente submersos (Foto: Marcos Attaíde 2006); b) no período da seca, com grande parte do
sedimento exposto (http://biotupe.inpa.gov.br).
a
)
b
Fig. 1. Localização do lago Tupé
17
No início da entrada da água do rio Negro no lago, ocorre o aparecimento de U. foliosa, que
formam bancos distribuídos principalmente próximo à desembocadura dos igarapés que drenam para o
lago. Esporadicamente, os bancos ocorrem no lago propriamente dito (Ghidini 2011, Reiss, 1977).
A vazante começa geralmente em agosto (Bittencourt & Amadio 2007), época em que a água
do lago passa a fluir para o rio, atingindo menor profundidade em outubro (seca). Nesta época, grande
parte dos bancos de U. foliosa ficam presos aos galhos das árvores da floresta inundada e, ao ficarem
inteiramente fora da água, secam até morrerem. A paisagem do lago muda drasticamente, com grande
parte do sedimento, antes submerso durante a cheia, agora exposto (Fig. 2b).
2.2 Periodicidade e áreas de amostragem
Foram obtidos os 6 cm superficiais do sedimento no lago no período de seca nos meses de
setembro e novembro de 2011. As amostras do sedimento exposto, da margem, foram obtidas com um
tubo de PVC e dos locais permanentemente inundados com coletor tipo CORER, ambos de 60 mm de
diâmetro (Fig. 3a e b). As amostras consistiram de 3 locais distante 5m um do outro em cada área de
coleta, que eram então reunidos constituindo em uma única amostra de 150 g. Este padrão foi
estendido para as 32 áreas coletadas em todo o lago, abrangendo 16 áreas de margens dos igarapés
e/ou do lago e 16 áreas de canal dos igarapés e/ou do lago (Fig. 4).
As amostras foram acondicionados em saco plástico de cor preta, imediatamente colocados em
uma caixa de poliestireno expandido com gelo, onde foram mantidas até chegar ao Laboratório de
Plâncton do INPA. No laboratório, as amostras foram mantidas em refrigerador até serem
transportadas para o laboratório de Limnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
onde foram realizados os experimentos de eclosão.
Fig.
a b
a b
a
b
Fig. 3. Obtenção das amostras
com: a) tubos de PVC e b)
CORER. Fotos: Couto, J. S.
Fig. 4. Localização das 32 áreas de coleta no lago. As
retas que ligam duas áreas indicam que foram coletados
sedimentos nos canais dos igarapés e/ou do lago e na
margem mais próxima (Pontos negros e amarelos:
sedimentos que ficam constantemente inundados / Pontos
verdes e negros: sedimentos da margem que ficam
expostos uma parte do ano).
18
2.3 Experimentos de eclosão ex-situ
No laboratório da UFRJ, os ovos de resistência com ou sem efípios foram separados do
sedimento utilizando o método proposto por Onbé (1978) modificado por Maia-Barbosa et al. (2003).
A sub-amostra de 150 g de sedimento foi colocada em um Becker de 250 ml, a seguir foi adicionada
uma solução de água destilada e sucrose, preparada na razão 1:1 para diluir e homogeneizar o
sedimento. Essa solução foi então centrifugada a 2700 rpm por 3 minutos. O sobrenadante foi passado
por uma peneira de 10 µm de abertura de malha e o material retido foi lavado com água destilada em
abundância para a remoção total do açúcar e, colocados em aquários de 250 ml contendo uma solução
preparada em laboratório (modificado de Tollriam 1993). O pH da solução de cada aquário foi
ajustado para 7,0 e os aquários foram incubados sob temperatura de 24°C ± 2° e fotoperíodo
constantes (12h claro: 12h escuro) sem alimentação e, examinados durante 20 dias, em intervalos de
dois dias.
Para a quantificação, exame e identificação de embriões em desenvolvimento e/ou de
indivíduos eclodidos e, para evitar que organismos eclodidos morressem antes de serem contabilizados
e/ou que ocorresse reprodução partenogenética, a cada dois dias todo o volume de água de cada
aquário era filtrado através de uma rede de 20 μm de abertura de malha. O material retido na rede era
depositado em uma placa de Petri, sendo observado sob um microscópio estereoscópico. Os
indivíduos eclodidos foram retirados e fixados em formol açucarado. Quando ainda muito jovens eram
removidos e postos em aquários separados (sem alimentação) e observados nos dois dias seguintes, a
fim de dar uma identificação mais precisa. A identificação dos cladóceros foi baseada nos guias de
Smirnov (1992, 1996), Orlova-Bienkowskaja (2001), Kotov & Štifter (2006) e Elmoor-Loureiro
(1997).
O material restante era colocado de volta ao aquário para ser observado nos dias seguintes.
Toda a vidraria e demais materiais utilizados para esta análise era rigorosamente lavado, a fim de
evitar a contaminação dos aquários com ovos de resistência ou indivíduos ativos provenientes de
outros aquários. O meio artificial de cada aquário foi renovado após 10 dias de experimento, para
evitar a proliferação de bactérias e fungos. O acompanhamento diário se encerrou no vigésimo dia. Ao
final, o material testemunho das espécies eclodidas foi depositado na Coleção de Carcinologia do
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (lotes: 1987 – 1994).
2.4 Análise dos Dados
Foi calculada a porcentagem dos efípios e indivíduos eclodidos de 150 g de amostra que foi
posto em cada aquário nos experimentos. O cálculo para determinar a porcentagem de efípios e
indivíduos eclodidos foi obtido pela fórmula: (%) = n.100/ (N) / Onde: n = nº de indivíduos eclodidos
(ou efípios) de um determinando local / N = nº total de indivíduos (ou efípios).
3. Resultados
3.1 Efípios
Foi encontrado um total de 233 efípios em todo o lago Tupé (137 na margem e 96 no canal).
Entretanto, estes valores ainda não são conclusivos. Pois, nos aquários, muitos efípios foram
encontrados com, o que chamamos neste estudo, a “cápsula estourada” ou “danificada” (tab.1), talvez
decorrente do processo de centrifugação (a ser discutido mais adiante). Portanto, neste estudo fizemos
referência e, colocamos para eclodir, apenas os efípios viáveis, sendo 89 para a margem e 45 para o
canal. Assim sendo, analisando todos os efípios viáveis e a eclosão destes em todo o experimento, foi
observado que os sedimentos de margem continham mais efípios viáveis e houve mais eclosões do que
os de canal (Fig. 5).
19
Entretanto, analisando cada ambiente separadamente, verificou-se que as porcentagens são
parecidas, os valores não apresentaram grandes diferenças (2% apenas) (Fig. 6).
Um panorama geral do número de efípios viáveis e danificados encontrados em todos os locais
amostrados do lago e número de eclosões que ocorreram em laboratório é apresentado na tabela 1.
Para os efípios viáveis, os mesmos valores estão apresentados em porcentagem na figura 7.
78%
21%
0
20
40
60
80
100
EFÍPIOS ECLOSÕES
Porc
enta
gem
(%
)
MARGEM
76%
23%
0
20
40
60
80
100
EFÍPIOS ECLOSÕES
CANAL
Porc
enta
gem
(%
)
Fig. 6. Porcentagem dos efípios e eclosões na margem e canal durante todo o experimento.
Fig. 5. Porcentagem dos efípios e eclosões durante todo o experimento.
66%
33%
0
20
40
60
80
100
MAR CAN
EFÍPIOS
Porc
enta
gem
(%
)
63%
36%
0
20
40
60
80
100
MAR CAN
ECLOSÕES
Porc
enta
gem
(%
)
20
Tab. 1. Número de efípios viáveis, danificados e ocorrência de eclosões em todos os locais amostrados
do lago (MAR = margem/ CAN = canal/ jus = à jusante / mont = à montante).
Fig. 7. Porcentagem de efípios encontrados nos locais amostrados. A porcentagem de cada local foi
calculada em relação ao número total de efípios da margem e canal.
LOCAIS AMOSTRADOS MAR CAN MAR CAN MAR CAN
Ig. Chefe 18 5 12 2 8 2
Ig. Muquém 4 3 - 4 1 3
à jus. Chefe e Muquém 1 1 1 - - -
Ig. Cachoeira 9 9 3 7 1 1
à jus. Cachoeira - 5 - 5 - -
Ig. Pedras 3 - - - 3 -
Ig. Helena 11 4 4 6 - 1
à jus. Pedras e Helena 8 2 6 8 2 -
Mont. Monteiro 1 4 1 1 - -
Ig. Monteiro 1 - - - - -
à jus. Monteiro 9 1 1 - 1 -
Estação Central - 1 - 3 - -
Ig. Valdemar 6 2 - 5 5 1
à jus. Valdemar 8 - 7 5 - -
Ig. Terra Preta 8 1 8 5 3 -
à jus. Terra Preta 2 7 5 - - 6
89 45 48 51 24 14
EclosõesDanificadosEfípios viáveis
0
5
10
15
20
25 MAR CAN
Porc
enta
gem
(%
)
Locais de amostragem
EFÍPIOS
21
3.2 Eclosões
Em oito locais de margem e seis de canal eclodiram indivíduos. Não ocorreram eclosões em
aquários com sedimentos provindos de 12 locais (margens e canal). Embora já transcritos na tabela 3,
para uma melhor compreensão, estes valores estão expressos também em porcentagem (fig. 8).
Fig. 8. Porcentagem de eclosões que ocorrem em laboratório dos locais amostrados. A porcentagem
foi calculada em relação ao número de eclosões de cada local, se de margem ou canal.
Não foi possível identificar 26% dos organismos eclodidos (Fig. 9a). Isso ocorreu porque
alguns indivíduos ficaram danificados ou não apresentaram as características geralmente utilizadas
para sua identificação, porque eram indivíduos recém-nascidos ou muito jovens ainda.
Dentre os indivíduos que eclodiram, foram identificadas oito espécies (Fig. 9a). Os indivíduos
de Diaphanosoma não puderam ser identificados até o nível de espécie porque os neonatos não
conseguiam atingir um tamanho mínimo para uma identificação mais precisa e morriam em algumas
horas ou em até 48hs após a eclosão. Cada espécie teve uma contribuição diferente de indivíduos
eclodidos dependendo do compartimento do lago, margem ou canal (Fig. 9b). Na margem se
destacaram I. spinifer e C. cornuta, (29% e 12% de eclosões respectivamente). No canal destacaram-se
H. amazonicum e Diaphanosoma sp. (28% e 21% das eclosões).
33,33
4,16 4,16
12,5 8,33
4,16
20,86
12,5 14,25
21,42
7,14 7,14 7,14
42,89
05
101520253035404550
MAR CAN
Locais de amostragem
Po
rcen
tage
m(%
)
22
Fig. 9 (a). Porcentagens das espécies de Cladocera eclodidas do lago Tupé; (b) Porcentagem das
espécies eclodidas de margem e de canal. Nesta última, a porcentagem foi calculada levando-se em
conta o total de organismos eclodidos de cada ambiente (margem e canal).
23,68
13,15 10,52
7,89 7,89 5,26
2,63 2,63
26,33
0
5
10
15
20
25
30
35
Porc
enta
gem
(%
)
Espécies eclodidas
(a)
29,18
4,16 4,16 4,16
12,5
8,35
4,16
33,33
14,28
28,57
21,43
14,28
7,16
14,28
0
5
10
15
20
25
30
35Margem Canal
Porc
enta
gem
(%
)
Espécies eclodidas
(b)
23
Tab. 2. Espécies que eclodiram do sedimento de cada ambiente e local amostrado.
De todos os locais amostrados, podemos visualizar que mais espécies foram encontradas
próximo às desembocaduras dos principais igarapés de cada braço do lago (extremidades do gráfico na
fig. 10).
Margem Canal
Ig. Chefe Bosmina longirostris Ephemeroporus barroisi
Bosminopsis deitersi
Ilyocryptus spinifer
Ephemeroporus barroisi
Ig. Muquém - Holopedium amazonicum
Diaphanosoma sp.
à jus. Chefe e Muquém - -
Ig. Cachoeira Ilyocryptus spinifer -
à jus. Cachoeira - -
Ig. Pedras Ilyocryptus spinifer -
Ceriodaphnia cornuta
Ig. Helena - Moina minuta
à jus. Pedras e Helena - -
Mont. Monteiro - -
Ig. Monteiro - -
à jus. Monteiro Ceriodaphnia cornuta -
Estação Central - -
Ig. Valdemar Diaphanosoma sp. -
à jus. Valdemar - -
Ig. Terra Preta Holopedium amazonicum -
Bosmina longirostris
à jus. Terra Preta - Diaphanosoma sp.
Holopedium amazonicum
Ilyocryptus spinifer
24
Fig. 10. Número de espécies de Cladocera eclodidas do sedimento de cada local amostrado.
Quanto aos dias de incubação, a maioria das espécies e dos indivíduos no total eclodiu após 3-
10 dias quando expostos às condições controladas (pH 7,0; 24ºC; Fotoperíodo 12:12; sais e nutrientes;
sem alimentação). O 6º dia foi o de maior pico, tendo 11 indivíduos eclodidos de sete espécies.
Apenas Diaphanosoma sp. e I. spinifer continuaram com indivíduos eclodindo nos aquários dos
sedimentos provindos da margem após o 10º dia (Tab. 3).
Tab. 3. Frequência de eclosão das espécies durante o experimento.
Dias Margem Canal
3 I. spinifer H. amazonicum
H. amazonicum -
ñ identificado* -
5 B. longirostris Diaphanosoma sp.
- ñ identificado*
6 B. longirostris E. barroisi
B. deitersi Diaphanosoma sp.
C. var rigaudi H. amazonicum
- I. spinifer
8 ñ identificado* -
10 I. spnifer -
E. barroisi M. minuta
ñ identificado* -
12 Diaphanosoma sp. -
ñ identificado* -
13 I. spinifer -
15 I. spinifer -
ñ identificado* -
17 I. spinifer -
* morreram antes de serem identificados.
Espécies eclodidas
25
As espécies identificadas neste estudo se encontram depositadas na Coleção de Carcinologia
do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Manaus, Amazonas, Brasil) nos lotes: 1987 à 1994.
4. Discussão
4.1 Efípios
Neste estudo foram considerados efípios viáveis aqueles que continham ovos que
apresentavam uma coloração forte (independente da cor: marron, preto, avermelhado, esverdeado,
etc.), e aqueles que não apresentavam aspectos de degeneração. Segundo Carvalho & Wolf (1989)
essa distinção com base nestes aspectos dá uma indicação do número máximo de efípios
potencialmente viáveis numa amostra.
Geralmente, um maior número de ovos e/ou efípios viáveis é encontrado nos canais de lagos,
regiões mais profundas, enquanto que na margem devido as elevadas taxas de eclosão, são
encontrados em menor número (De Stasio 1989). Neste estudo, porém, observou-se maior quantidade
de efípios nas margens. Hairston & Kearns (2002) observaram que isso não é incomum, muitos lagos
já estudados não tiveram grandes diferenças quanto à densidade de efípios na margem ou canal, pois
na época de águas baixas, as regiões mais profundas do lago podem sofrer as mesmas perturbações
que os sedimentos de margem, tais como: maior exposição à radiação solar, bioturbação, barcos que
podem revolver o sedimento, etc., influenciando na eclosão dos efípios que se encontram ali. No auge
da seca (setembro de 2011) os canais das cabeceiras dos dois braços do lago estavam extremamente
rasos com profundidades de 60 cm (igarapé Chefe no braço principal) e 40 cm (igarapé Valdemar no
braço secundário). Nesta época estas regiões de canal sofrem então as mesmas perturbações que os
sedimentos da margem do lago, o que provavelmente influencia na eclosão dos ovos.
Os efípios ocorreram em maior número nas cabeceiras dos dois braços do lago: no braço
principal nos igarapés Chefe, Cachoeira e Helena e no braço secundário nos igarapés Valdemar, Terra
Preta e a jusante deste. Isto pode se dar devido ao tipo de sedimento predominante nestes igarapés,
pois é possível que o tipo de sedimento influencie a distribuição dos efípios. Em sua maioria os efípios
eram encontrados em maior número nos sedimentos mais finos dos locais amostrados. Igarapé Chefe,
Valdemar e Terra Preta possuem uma areia fina silte argilosa. Igarapés Cachoeira e Helena possuem
uma areia fina siltosa. Maia-Barbosa et al. (2003) mencionam outras investigações onde também foi
observado uma correlação positiva entre a proporção de ovos e sedimento com partículas muito finas.
No braço secundário, há uma grande concentração de argila coloidal, que vem desde a entrada
do canal de conexão na direção dos igarapés Terra Preta e Valdemar, revelando uma heterogeneidade
dos sedimentos superficiais. Os coloides são um complexo de argila e composto orgânico, que ao
invés de decantar realiza um movimento aparentemente aleatório. Essa matéria orgânica associada à
argila no lago é proveniente principalmente da decomposição e lixiviação da serapilheira em torno do
lago. Uma vez que a serapilheira é um importante compartimento de deposição dos ovos de espécies
bentônicas, é possível que os ovos depositados na serapilheira sejam carreados fazendo parte dos
coloides e argila presentes nestes igarapés. Além do que, a sedimentação no lago é decorrente
principalmente da própria bacia do lago e muito pouco do rio Negro (Aprile et al. 2005).
Hairston & Kearns (2002) sugeriram que processos evolutivos e ecológicos do banco de ovos
podem ocorrer de forma diferente dentro de um único lago porque este contém zonas distintas de
deposição e erosão. Uma análise geomorfológica do lago Tupé mostrou que os igarapés apresentam
variações no relevo e porquanto, apresentam diferenças nos processos erosivos e na sua deposição
sedimentar (Aprile & Darwich 2005, Aprile et al. 2005), o que pode influenciar na distribuição e
composição do banco de ovos no lago.
Em alguns lugares foram encontrados poucos efípios e outros nem foram encontrados. O
igarapé das Pedras também possui areia fina siltosa assim como o igarapé Cachoeira e Helena, no
entanto, seu declive é muito menor quando comparado aos igarapés já mencionados, causando maior
alagamento da floresta na época da cheia, disponibilizando mais áreas para deposição de ovos floresta
à dentro (Aprile et al. 2005). Assim, há uma grande possibilidade de os ovos estarem distribuídos mais
no sedimento das áreas de serrapilheira (onde também crescem os ramos da utriculária), do que no
sedimento do próprio igarapé. À montante do igarapé Monteiro o sedimento é argila proveniente da
entrada do lago e no igarapé Monteiro contem areia muito fina siltosa e argilosa, também provinda da
entrada do lago (Id., ibid.). Este ponto inclusive possui uma alta sedimentação, o que pode provocar
um soterramento mais acelerado dos ovos.
26
Na Estação Central, por ser a região mais profunda do lago (15 m na cheia e 4,5 m na seca)
(Scudeller et al. 2005) era de se esperar que fosse encontrado um maior número de efípios, conforme
já discutido (De Stasio 1989, Hairston & Kearns 2002). No entanto, foi encontrado apenas 2% de
efípios no canal e nada em sua margem. Talvez não tenham sido encontrados devido à situação, já
discutida, à que estas áreas ficam submetidas na época de águas baixas (Hairston & Kearns 2002) ou
por causa da grande sedimentação que ocorre nesta área do lago. Devido à geomorfologia local, este é
o trecho de maior declividade, onde se cruzam o braço principal e secundário do lago, que com a
redução brusca da velocidade de transporte o material em suspensão sedimenta com mais facilidade
(Aprile et al. 2005). Devido a isto é provável que os ovos depositados neste compartimento também
sejam rapidamente soterrados, inviabilizando-os ou dificultando seu recrutamento.
Todavia, é necessário salientar que poderia ter sido encontrado mais efípios viáveis, uma vez
que logo após o processo de centrifugação, antes de serem postos nos aquários, muitos efípios foram
encontrados com a “cápsula estourada” ou “danificada”. Isto pode ter ocorrido devido ao processo de
extração dos efípios, proposto por Onbé (1978) e que é utilizado na maioria dos estudos de eclosão
(Tab. 4). No Brasil, este método com modificações (Maia-Barbosa et al. 2003) tem sido bastante
utilizado (Palazzo et al. 2008, Brandão 2009).
É possível que este método de extrair ovos do sedimento, possa danificar os efípios e ovos
devido à centrifugação. Novos estudos são necessários para verificar isto e propor uma adequação
deste método, caso seja realmente verificado que a rotação ou tempo de centrifugação estejam
danificando os ovos e efípios. Alguns autores (Crispim & Watanabe 2000, 2001, Panarelli et al. 2008)
(Ver tab. 6), que não utilizaram a metodologia proposta por Onbé (1978), obtiveram um bom número
de efípios e eclosões. Mais recentemente, em experimentos com eclosão no laboratório de plâncton no
INPA (M. G. Bandeira, dados não publicados) obteve-se um grande número de eclosões comparado
aos estudos apresentados na tabela 6, utilizando a metodologia utilizada por Van Damme & Dumont
(2010).
Mas a adoção de uma ou outra metodologia dependerá fundamentalmente dos objetivos de
cada trabalho. Até agora não existe uma metodologia testada para extrair ovos e efípios de sedimento
que venha substituir aquela proposta por Onbé (1978). Certamente que adequações e aperfeiçoamentos
podem ser necessários e devem ser feitos para que se tenha uma metodologia útil e confiável para
extrair ovos e efípios dos sedimentos.
Tab. 4. Estudos de eclosão de ovos resistentes de cladóceros com sedimentos de ambientes dulcícolas no Brasil.
nº sp. eclodidas ºC Fotoperíodo Camadas Metodologia Autores
7 26 ◦C ± 1 13h/11h 5cm Sem centrifugação Crispim e Watanabe
2001
2 25 ◦C ± 2 12h/12h 5 cm 5 min de rotação Maia-Barbosa et al .
3600 rpm 2003
5 25 ◦C ± 2 12h/12h 5 cm 5 min de rotação Palazzo et al.
3600 rpm 2008
4 22◦C ? 5 cm? Sem centrifugação Panarelli et al.
2008
Só estava 27◦C? 12h/12h 5 cm 5 min de rotação Brandão
sendo analisada 3600 rpm 2009
1 sp.
5 24◦C 12h/12h 3 cm 3 min de rotação Santangelo et al.
3000 rpm 2011
16 24◦C 12h/12h 3 cm 3 min de rotação Araújo
2700 rpm 2012
27
4.2 Eclosões
De Stasio (1989), Santangelo (2009) e Hairston & Kearns (2002) também observaram maior
número de eclosões de efípios provenientes das margens. Este mesmo padrão foi observado neste
estudo, tendo um total de 63% nas margens e 36% dos canais. Grande parte das eclosões ocorreu das
margens das cabeceiras dos dois braços do lago, igarapés Chefe e Valdemar (33% e 20%
respectivamente).
Quanto à jusante do igarapé Terra Preta, no
canal foi onde houve maior número de eclosões (42%)
quando comparado aos demais locais amostrados. E
isto pode estar relacionado à geomorfologia deste
igarapé e proximidades, que apresenta maior
declividade (Aprile & Darwich 2005), que poderia
fazer com que poucos ovos fossem encontrados nas
margens (Fig. 12).
Se de fato, os ovos produzidos à jusante deste
igarapé escoam para o seu canal, ainda que sejam
depositados na margem, devido à alta declividade
nestas áreas, era de se esperar ter maior número de
efípios nessa região. Neste estudo foram encontrados
15% de efípios no canal e apenas 2% na margem desta
área (Fig.7). Isto corrobora os achados de Cáceres
(1998) que afirma existir maiores densidades dos
efípios nas regiões mais profundas. Isto possivelmente explicaria o maior número de eclosões
observado no canal desta área e não em sua margem.
De todos os locais amostrados, o igarapé Chefe foi de onde eclodiu maior número de espécies
(quatro), seguidos do igarapé Muquém, ambos do braço principal, e igarapé Terra Preta e a jusante
deste no braço secundário, sendo que todos estes se localizam nas cabeceiras ou próximo a elas dos
dois braços.
Brandorff & Hardy (2009) levantando informações acerca da comunidade ativa de
zooplâncton do lago Tupé sugeriram que devido a diferenças temporais da composição e abundância
do zooplâncton, cada um dos braços do lago seja consideravelmente independente um do outro. Até
mesmo dividiram o lago em três grandes grupos, sendo 1) composto pelos igarapés Pedras, Helena,
Cachoeira e Chefe; 2) Monteiro e Valdemar e; 3) Canal e Estação Central. E, não incluso nestes, o
igarapé Terra Preta que apresentou diferenças marcantes em relação às outras estações. Portanto,
estudos mais aprofundados com um maior número de amostragens poderiam nos confirmar se de fato
existem estas diferenças também na comunidade dormente e se se assemelha aos mesmos três grandes
grupos de igarapés propostos por Brandorff & Hardy (2009) para a comunidade ativa.
Nos sedimentos provindos de seis locais amostrados não ocorreram eclosões (margens e
canais). Isto pode ter ocorrido devido as diferentes características que os bancos de ovos podem ter
dentro de um mesmo lago, até mesmo para lagos muito pequenos. Pois suas taxas de mistura de
sedimentos diferem marcadamente entre diferentes regiões do fundo. E, sabe-se que para que os ovos
possam eclodir, incluindo ovos mais antigos, precisam ser misturados ao sedimento mais recente
(Hairston & Kearns 2002). Além do mais, o fato de que em alguns locais eclodiram indivíduos e
outros não, pode estar associado à diferença na quantidade de mistura que ocorre na água perto da
margem com as águas das áreas mais profundas. Os ovos em diapausa precisam de luz e oxigênio para
eclodir (Vandekherkove et al. 2005a). Assim, os ovos enterrados sob mais do que uma pequena
quantidade de sedimento pode ter sua eclosão inibida (Hairston & Kearns 2002).
Em nosso estudo, os indivíduos eclodidos pertencem a sete famílias, sendo que duas possuem
representantes de hábitos bentônicos (Ilyocryptidae e Chydoridae), três de hábitos planctônicos
(Holopedidae, Bosminidae e Moinidae) e duas possuem representantes de ambos os hábitos
(Daphniidae e Sididae). Oito espécies puderam ser identificadas. Alguns (total de 26%) não puderam
ser identificados, pois morreram antes de atingir o tamanho necessário para uma identificação,
conforme já mencionado. Entretanto estes foram computados uma vez que nos dão a garantia dos
locais do lago onde podem estar ocorrendo eclosões e a quantidade destas, bem como onde ovos e/ou
Figura 11. Modelo de seção transversal do igarapé Terra Preta no lago Tupé (M.E. = margem esquerda; M. D. =margem direita). Extraído de Aprile & Darwich 2005.
28
efípios podem estar sendo depositados, além do que reforça a questão da viabilidade dos ovos
resistentes produzidos no lago.
A família que mais contribuiu para as eclosões que ocorreram nos sedimentos provindos da
margem foi Ilyocryptidae, com Ilyocryptus spinifer, pois de fato estes geralmente são encontrados
nestas regiões do lago Tupé, ou vivendo em associação com utriculárias, próximo também as margens
dos igarapés (Ghidini 2011a, Couto et al. 2009).
Para os sedimentos de canal, Holopedidae foi a maior contribuinte, onde realmente são
encontrados nos corpos d’água, uma vez que tem por hábitos viver em águas abertas (Korovchinsky
1992). Desta família eclodiu Holopedium amazonicum. Este fato nos mostra, de forma incontestável,
que no lago Tupé, apesar de até hoje não ter sido observado fêmeas carregando ovos de resistência ou
serem estes ovos identificados do sedimento, que H. Amazonicum produz ovos de resistência.
Os ovos de resistência de Ctenopoda (Sididae e Holopedidae) só foram realmente descritos no
século 19 (Sars 1865, Weismann 1877) e em estudos posteriores foi observado que eles tendem a
afundar para as partes mais profundas dos corpos d’água. Ovos de Holopedium já foram encontrados
em números bastante elevados no centro ou canais dos lagos e até em profundidades de 20m (Lampert
& Krause 1976, Smyly 1977). Isto também pode estar relacionado com a maior fecundidade das
fêmeas gametogênicas de Holopedium que carregam muitos ovos de resistência ao mesmo tempo (3-
10, máx. 22) (Korovchinsky & Boikova 1996).
Todas as espécies registradas aqui eclodiram dos dois ambientes, margens e canais. Isso
ressalva que espécies bentônicas não necessariamente terão seus ovos depositados apenas na margem,
o mesmo valendo para os organismos da região pelágica com ovos depositados apenas nas regiões
profundas do lago. Alguns efípios afundam e outros flutuam e isso pode ocorrer até mesmo com os
ovos de indivíduos do mesmo gênero, causando uma heterogeneidade espacial de ovos no lago (Brede
et al. 2007).
Indivíduos de Diaphanosoma não puderam ser identificados até o nível de espécie, porque os
neonatos não conseguiam atingir um tamanho mínimo para uma identificação mais precisa e morriam
em algumas horas ou em até 48hs após eclodirem. Maia-Barbosa et al. (2003) salientaram que o
sucesso de eclosão de ovos de cladóceros ainda está em estudo. Em seus experimentos de eclosão, eles
obtiveram indivíduos recém-nascidos que sobreviveram menos de 24h, inviabilizando também a
identificação das espécies.
Foi observado um baixo número de táxons nos experimentos de eclosão quando comparado à
riqueza da comunidade ativa do lago Tupé (92 espécies de cladóceros). Isto pode estar relacionado ao
já mencionados processo de centrifugação. Mas, também pode estar relacionado à estabilidade das
condições experimentais em laboratório. Carvalho & Wolf (1989) mencionaram que o motivo pelo
qual ovos deixam de eclodir em experimentos de laboratório é, depois da inviabilidade destes, as
condições inapropriadas aos quais os ovos e/ou efípios são submetidos. No lago, a variabilidade
ambiental promove diferentes condições para a eclosão dos ovos, incluindo temperatura.
Vandekherkove et al. (2005a) obtiveram maior sucesso nas eclosões de ovos resistentes
quando os colocaram sob temperaturas mais baixas, semelhante ao encontrado nas lagoas amostradas
de zona temperada. O sedimento dos lagos e rios amazônicos permanecem em altas temperaturas por
estarmos em uma região equatorial (≈ 26ºC à 33ºC). Bandeira (dados não publicados) observou que
indivíduos em números elevados têm eclodido do sedimento quando este é incubado a temperaturas
encontradas no lago Tupé (29 e 31º C).
Assim, fica claro que um maior número de eclosões ocorre quando as temperaturas nos
experimentos se assemelham as encontradas no ambiente. Neste trabalho o sedimento foi incubado a
25º C, entretanto não é a temperatura encontrada no lago, e isto provavelmente afetou a eclosão das
formas dormentes, uma vez que temperatura é um dos fatores importantes para a eclosão destas
(Bottrell et al. 1976, Vandekherkove et al. 2005a).
Um baixo número de táxons também foi observado em outros estudos brasileiros com eclosão
(ver tab. 6). Nos estudos de Maia-Barbosa et al. (2003) eclodiram poucos espécimes de Daphnia laevis
e Daphnia sp. Apenas Araújo (2012) obteve maior número de espécies eclodidas, com um total de 16,
o que também pode estar relacionado à sua maior amostragem. Vandekherkove et al. (2005b) também
observaram que indivíduos de Chydoridae e Moinidae têm uma média de mortalidade alta em
experimentos de eclosão, reduzindo o número de táxons.
29
Entretanto, é importante salientar que o pouco número de ovos encontrado no sedimento do
lago Tupé durante este estudo não significa pobreza de ovos de resistência produzidos pelas espécies
aqui identificadas. As espécies não necessitam de um grande número destes para ressurgirem no
ambiente quando este se torna novamente favorável. Em cada ocasião que pode ser considerada como
favorável no ambiente, somente uma porção de ovos eclodem (Maia-Barbosa et al. 2003, García-
Roger et al. 2006). Hairston et al. (1999a) analisaram os locos enzimáticos de Daphnia exilis de um
lago de Nova York, e os dados revelaram que este era quase certamente colonizado a partir da eclosão
de um único ovo.
Quanto aos dias de incubação, a maioria das espécies eclodiu após 3-10 dias quando expostos
às condições controladas. Vandekherkove et al. (2005b) em experimentos testando temperaturas
observaram que as espécies passaram a eclodir após o terceiro dia. E a maioria eclodiu até o sexto dia
(3-6 dias). Brede et al. 2007 observaram que indivíduos de Daphnia passaram a eclodir entre o 2º e 6º
dia. Neste estudo, o 6º dia também foi o de maior número de eclosões dos indivíduos e espécies.
Após o 10º dia somente Diaphanosoma sp. e I. spinifer continuaram com indivíduos eclodindo
nos aquários com sedimento da margem. Crispim & Watanabe (2001) também observaram que
indivíduos de Diaphanosoma eclodiram após maior tempo de incubação (48-67 dias), D. spinulosum,
por exemplo, eclodia sempre mais tarde que as demais espécies. Também viram que as espécies
realmente não eclodem ao mesmo tempo, o que acreditam ser influência dos diversos estímulos
ambientais ou pelas condições ambientais quando os ovos de diapausa foram produzidos. O ideal seria
que experimentos com eclosão em laboratório tivessem maior duração, a fim de que outras espécies
tivessem a chance de eclodir.
Este estudo foi pioneiro em verificar que de fato existem formas dormentes de cladóceros no
sedimento do lago Tupé e oito espécies produzem estas formas: Ilyocryptus spinifer, Ephemeroporus
barroisi, Diaphanosoma sp., Holopedium amazonicum, Ceriodaphnia cornuta, Moina minuta,
Bosmina longirostris e Bosminopsis deitersi. Estas formas estão distribuídas de maneira heterogênea
no lago, em maior quantidade nas margens, principalmente nos dois igarapés principais (cabeceiras)
do lago.
Recomenda-se estudos mais abrangentes no lago Tupé e em outros ambientes aquáticos
amazônicos e que nestes estudos se utilizem temperaturas adequadas à realidade equatorial e com
experimentos que se estendam por tempo suficiente para a eclosão do maior número possível de ovos
que ainda estejam viáveis. Além disso, se forem adotados os métodos conhecidos para extração de
ovos de sedimentos que utilizem centrifugação, deve-se ajustar tanto o tempo quanto as rotações para
evitar danificar os ovos e assim ter um maior número de eclosões.
5. Agradecimentos
Nós agradecemos ao Dr. Reinaldo Bozelli, Dr. Jayme Santangelo, Msc. Luciana Araújo e o
técnico Mário Neto pela acolhida e paciência em ensinar e colaborar com os experimentos de eclosão
no laboratório de Limnologia da UFRJ. Agradecemos também a bolsa concedida pelo CNPQ e ao
apoio financeiro do PROCAD, que possibilitou o andamento da pesquisa e a estadia no Rio de Janeiro.
6. Referências Bibliográficas
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Capítulo 2
___________________________________________________________________________
Couto, C.A. & Santos-Silva, E. N. 2013. Comunidade
dormente e ativa de Cladocera (Crustacea,
Branchiopoda) no lago Tupé, Amazonas, Brasil.
Manuscrito formatado para a Biota Neotropica.
34
COMUNIDADE DORMENTE E ATIVA DE CLADÓCEROS (CRUSTACEA,
BRANCHIOPODA) NO LAGO TUPÉ, AMAZONAS, BRASIL
Camila de A. Couto*, Edinaldo N. dos Santos-Silva
**
*Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Pós-Graduação em Biologia de Água Doce e Pesca
Interior. Campus 2, Av. André Araújo, 2936, Aleixo, Manaus, Amazonas, Brasil.
** CPBA, INPA-Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Campus 2, Av. André Araújo, 2936,
Aleixo, Manaus, Amazonas, Brasil. (www.inpa.gov.br)
*Autor para correspondência. Tel: +55-92-8191-6598; +55-92-9290-8637; e-mail:
(camiladearaujocouto@gmail.com)
Abstract. The cladocerans are one the main components of the zooplankton community of the
lake Tupe, linked to black river (Rio negro) in the Western Amazon. Until now there are 98 species in
this lake. Almost all of them disappear in the season of low waters and then retaking its population in
season of high waters, The succes of these organisms in this kind of environment it could be explain
for the production of resting eggs that go into a dormancy state precipitate on the sediment, forming a
bank of eggs. In this study we tried to verify which is the contribution of the dormant community for
the active community,also check if the species that comes from the dormant forms are the same found
in the active community; check if the dormant community represents the best diversity of species of
the environment and finally if the dormant comunity are from organisms of the pelagic region or from
the littoral region. The collections of sediments were made in september and november 2011 in 32
places of the lake. There were made "ex-situ" experiments for the outbreak of the eggs presents on the
sediments. It was observe the dormant community contribution to the maintenance of the active
community, being found eggs of species that are absent from the environment for a certain period in
the year, but return to every year. All the species which comes from the outbreak experiments are also
found in the active community in abundant amounts, being they: lyocryptus spinifer, Ephemeroporus
barroisi, Diaphanosoma sp., Holopedium amazonicum, Ceriodaphnia cornuta, Moina minuta,
Bosmina longirostris e Bosminopsis deitersi. For a better representative of the species diversities in the
environment, no just one but both comunities, active and dormant, they should be consider. The
dormant forms were from the organisms of the pelagic region, with just I. spinifer e E. barroisi of the
littoral region.
Key-words: Cladocerans, resting eggs, ephippia, sediment, lake Tupé.
Resumo. Os cladóceros são um dos principais componentes da comunidade zooplânctonica do
lago Tupé, ligado ao rio Negro, na Amazônia Ocidental. São conhecidas até agora 98 espécies neste
lago, a maioria desaparecendo no período de águas baixas, retornando no período de águas altas. O
sucesso desses organismos neste ambiente pode ser explicado por produzirem ovos de resistência que
entram em um estado de dormência precipitando no sedimento, formando um banco de ovos. Neste
estudo procuramos verificar qual a contribuição da comunidade dormente para a comunidade ativa,
verificar se as espécies provenientes da eclosão das formas dormentes são as mesmas encontradas na
comunidade ativa; verificar se a comunidade de formas dormentes representa melhor a diversidade de
espécies do ambiente e finalmente, se as formas dormentes são provenientes de organismos da região
limnética ou da região litorânea. As coletas de sedimento foram realizadas em setembro e novembro
de 2011 em 32 locais do lago. Foram feitos experimentos ex-situ para a eclosão dos ovos presentes nos
sedimentos. Foi observado que a comunidade dormente contribui na manutenção da comunidade ativa,
sendo encontrados ovos de espécies que se ausentam do ambiente por um determinado período no ano,
mas retornam à cada ano. Todas as espécies provenientes dos experimentos de eclosão são também
encontradas na comunidade ativa de forma abundante, sendo elas: Ilyocryptus spinifer,
Ephemeroporus barroisi, Diaphanosoma sp., Holopedium amazonicum, Ceriodaphnia cornuta, Moina
minuta, Bosmina longirostris e Bosminopsis deitersi. Para uma melhor representatividade da
diversidade de espécies do ambiente, não apenas uma, mas ambas as comunidades, ativa e dormente,
deveriam ser consideradas. As formas dormentes foram provenientes principalmente de organismos da
região limnética, com apenas I. spinifer e E. barroisi da região litorânea.
Palavras-chaves: Cladóceros, ovos de resistência, efípios, sedimento, lago Tupé.
35
1. Introdução
Os cladóceros são um dos principais componentes da comunidade zooplânctonica do lago
Tupé, ligado ao rio Negro, na Amazônia Central. São conhecidas até agora 98 espécies neste lago,
com 22 destas habitando a região limnética e 76 nas regiões de margem, serapilheira inundada,
esponjas Drulia sp. e nas macrófitas Utricularia foliosa, abundante neste lago na época de águas altas
(Ghidini 2011a,b). Estes indivíduos estão plenamente adaptados a este hábitat que sofre alterações
periódicas devido à flutuação sazonal do nível da água, ao qual todos os lagos e rios amazônicos estão
submetidos (Junk 1997).
Os organismos que vivem na região limnética, mesmo na época de águas baixas, quando o
volume de água se reduz drasticamente, ainda continuam com suprimento de água suficiente para
permanecerem no ambiente, embora estejam sujeitos a uma maior pressão de predação por alevinos,
peixes adultos e invertebrados (Previatelli & Santos-Silva 2011).
As espécies bentônicas litorâneas, por outro lado, desaparecem completamente no período de
águas baixas. Elas representam 77% da riqueza de cladóceros no lago e, perdem completamente seus
habitats. Portanto, ciclicamente, estes organismos estão presentes no lago no período de águas altas e
desaparecem no período de águas baixas (Couto et al. 2009, Ghidini 2011).
Como explicar o sucesso desses organismos? Quais estratégias foram desenvolvidas por eles
para estarem presentes na forma ativa a cada período de águas altas, mesmo desaparecendo
completamente do ambiente nos períodos de águas baixas?
É bastante conhecido e documentado que alguns grupos de cladóceros produzem formas de
resistência (Lampert & Sommer 1997). Estas são também chamadas de formas dormentes (DeStasio
1989), que, ao contrário dos organismos na sua forma ativa, podem resistir à dessecação (durante
períodos de seca total), aumento ou diminuição de temperatura, congelamento, ao suco gástrico de
peixes, aves e mamíferos e continuar viáveis por longos períodos, indo de meses a décadas
(Pijanowska & Stolpe 1996, Slusarczyk 1995, Mellors 1975, Lampert & Sommer 1997). Estas formas podem ficar até décadas neste estado de dormência, conhecido como diapausa,
sem perder sua viabilidade à espera de estímulos adequados para sua eclosão (Lampert & Sommer
1997). Cáceres (1998) encontrou ovos de Daphnia galeata mendotae e Daphnia pulicaria ainda
viáveis após mais de 125 anos no sedimento. Os ovos permanecem nesse estado de diapausa até que
algum estímulo como, mudanças na temperatura e fotoperíodo os mais conhecidos, quebre sua
dormência e estes eclodam, gerando uma fêmea partenogenética, a partir da qual, uma nova população
poderá se restabelecer no ambiente se as condições forem favoráveis (Keilin 1959, Stross 1969,
Vandekerkhove et al. 2005a). Para a produção destes ovos, as fêmeas outrora partenogenéticas deixam de se reproduzir por
partenogênese e passam a ser gametogênicas, produzindo ora machos e ora ovos, que, para serem
viáveis, necessitam ser fecundados pelos machos (Nogrady et al. 1993). Dependendo da espécie, estes
ovos podem estar protegidos por uma membrana formada a partir da carapaça dorsal da fêmea, sendo
o conjunto (ovo e membrana) chamado de efípio, e suas portadoras de fêmeas efipiais (Müller 1785
apud Fryer 1996).
Após sua liberação pelas fêmeas, estes ovos com ou sem efípios podem flutuar ou aderir a
patas de aves e serem levados a longas distâncias, podem ser dispersos por movimentos d’água ou
engolidos por peixes, mamíferos e depois excretados, bem como aderir à vegetação ou detritos. Mas,
comumente, afundam para o sedimento, conforme observado em Simocephalus serrulatus em estudos
anteriores no lago Tupé (Couto et al. 2010).
A deposição dessas formas no sedimento apresenta heterogeneidade temporal e espacial e,
além disso, a densidade de ovos pode também ser resultado da eclosão dos ovos de resistência que
também difere segundo as espécies e temporal e espacialmente. Esta deposição pode ocasionar a
formação de banco de ovos análogo ao banco de sementes (DeStasio 1989). Sendo que a camada mais
superficial, correspondendo aos três primeiros centímetros, é considerada como o banco de ovos ativo,
pois ovos aí localizados tem maior probabilidade de receber estímulos para a eclosão e assim
contribuir para o recrutamento das populações (Cáceres & Hairston 1998, Brendonck & De Meester
2003).
Os ovos de resistência são importantes não somente para propiciar a manutenção dos
organismos no ambiente, mas também aumentam a variabilidade genética, possibilitam a dispersão das
36
espécies, influenciam na estrutura das comunidades e auxiliam nos estudos de diversidade, evolução e
mudanças ambientais (Coronel et al. 2009, De Stasio 1989, Hairston 1996, Brendonck & De Meester
2003, Vandekerkhove et al. 2004). Alguns autores tem comparado a comunidade ativa com a
dormente e analisado o quanto os ovos de resistência contribuem para o recrutamento das populações
ativas e se a comunidade dormente apresenta melhores resultados em estudos de diversidade, quando
comparada com a comunidade ativa (Crispim & Watanabe 2000, Frey 1960, Panarelli 2008, Coronel
et al. 2009, Santangelo 2009, Vanderkerkhove et al. 2004).
No lago Tupé ainda não foram realizados estudos que analisassem a contribuição da
comunidade dormente para a ativa. Os primeiros estudos acerca dos cladóceros neste lago se iniciaram
em 1974 por Brandorff & Hardy (2009) realizando um estudo acerca da diversidade das espécies
existentes na comunidade planctônica ativa. Desde então, muitos outros estudos foram realizados
apenas com a comunidade ativa de cladóceros neste lago (Fisher 1979, Robertson & Hardy 1984,
Waichman et al. 2002). Sabe-se, porém que as alterações sazonais que ocorrem no lago podem
disparar o processo de produção de ovos de resistência (Couto & Santos-Silva 2008, Couto et al. 2009,
2010, Couto & Santos-Silva, dados não publicados do Cap. 1).
Com isso, neste estudo procuramos: i) verificar qual a possível contribuição da comunidade
dormente para a manutenção da comunidade ativa; ii) verificar se as espécies provenientes da eclosão
das formas dormentes são as mesmas encontradas na comunidade ativa; iii) se as formas dormentes
são provenientes de organismos da região limnética ou da região litorânea.
2. Material e Métodos
2.1 Área de estudo
O lago Tupé (3o2’36”S e 60
o15´18”W) é um lago de terra firme, dendrítico, localizado na
margem esquerda do rio Negro na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Tupé, a oeste
de Manaus (AM), distante 25 km, em linha reta, do centro da cidade (Fig. 1).
Fig. 2. Lago Tupé (Brandorff & Hardy 2009).
37
O lago é conectado ao rio Negro por um canal de cerca de 20m de largura e 150m de comprimento.
Este canal é a via de entrada da água do rio Negro na enchente e cheia e de saída da água do lago nos
períodos de vazante e seca. Oito igarapés desembocam no lago (Fig. 1) e estes influenciam as
características físicas e químicas da água do lago principalmente no período da seca (Aprile &
Darwich 2005). A profundidade, área e volume do lago variam ao longo de um ano em função da
variação anual do nível da água.
A partir do início da entrada de água do rio no lago, por volta de dezembro/janeiro, ocorre o
aparecimento de bancos da macrófita Utricularia foliosa. Estas plantas crescem e formam bancos,
principalmente nas áreas próximas à desembocadura dos igarapés. Alguns bancos, ocasionalmente,
foram observados no lago propriamente dito e tem em média 5m² de área (Ghidini 2011, Reiss 1977).
A vazante, segundo Amadio & Bittencourt (2007) começa geralmente em agosto, época em que
a água do lago passa a fluir para o rio. O lago atinge então sua menor profundidade em outubro. Com a
diminuição do nível da água no lago, os bancos de U. foliosa, em grande parte, ficam presos aos
galhos das árvores da floresta inundada e, ao ficarem inteiramente fora da água, secam.
2.2 Amostragem
Amostras da camada superficial do sedimento do lago Tupé foram coletadas no período de
seca (setembro e novembro de 2011). Estas amostras foram coletadas em 16 locais do lago que ficam
inundados o ano todo (canal principal do lago e canais dos igarapés) e em 16 locais nos quais o
sedimento fica exposto durante a vazante e seca (margens próximas aos canais coletados). Cada
amostra foi constituída do somatório do sedimento coletado em três locais distintos.
As amostras dos locais permanentemente cobertos com água foram obtidas com o auxílio de
um coletor tipo CORER de 60 mm de diâmetro e as amostras do sedimento exposto na margem foram
coletadas, com um tubo de PVC de 60 mm de diâmetro. De cada amostra foram retirados os 6
primeiros centímetros da camada superficial, os quais foram acondicionados em sacos plásticos de cor
preta e colocados em uma caixa de poliestireno expandido com gelo, para transporte até o Laboratório
de Plâncton do INPA. No laboratório, as amostras foram mantidas em um refrigerador até seu
processamento.
2.3 Experimentos ex-situ
Para análise da comunidade dormente no sedimento foram feitos experimentos de eclosão ex-
situ no laboratório de Limnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para separar os
ovos de resistência do sedimento foi utilizado o método proposto por Onbé (1978) modificado por
Maia-Barbosa et al. (2003). A subamostra de 150 g de sedimento foi colocada em um becker de 250
ml, sendo homogeneizada em uma solução de água destilada e sucrose, preparada na razão 1:1. Essa
solução foi centrifugada a 2700 rpm, por 3 minutos. O sobrenadante foi passado por uma peneira (10
µm de malha) e o material retido foi lavado com água destilada em abundância para a remoção total do
açúcar.
O material retido foi incubado em aquários contendo 250 ml de meio artificial (modificado de
Tollriam 1993), preparado em laboratório, totalizando 16 aquários para cada etapa. Os meios tiveram
o pH ajustados para 7,0 e os aquários foram incubados a 24°C ± 2° com fotoperíodo constante (12h
claro: 12h escuro). As amostras foram examinadas por 20 dias. O meio artificial dos aquários era
renovado a cada 10 dias para evitar a proliferação de bactérias e fungos.
Para a quantificação e identificação de embriões em desenvolvimento e/ou de indivíduos
eclodidos, e para evitar que organismos eclodidos morressem antes de serem contabilizados e/ou que
ocorresse reprodução partenogenética, a cada 2 dias todo o volume de água de cada aquário foi
filtrado em uma rede de 20 μm de malha. O material retido na rede foi depositado em uma placa de
Petri e observado sob um microscópio de dissecção. A identificação dos cladóceros foi baseada nos
guias de Smirnov (1992, 1996), Orlova-Bienkowskaja (2001), Kotov & Štifter (2006) e Elmoor-
Loureiro (1997). O material restante foi colocado de volta no aquário para ser observado nos dias
seguintes. O acompanhamento diário encerrou por volta do vigésimo dia.
Dados históricos da comunidade ativa de Cladocera do lago Tupé foram obtidos através da
literatura e da base de dados do projeto Biotupé (Tab. 1). Estes estudos foram utilizados apenas como
38
referência e não foram re-tabulados ou analisados. Os dados da comunidade ativa se concentraram
apenas nas espécies que foram recrutadas do sedimento nos experimentos de eclosão deste estudo e
não de toda a assembleia encontrada no lago. Dados da comunidade ativa no lago podem ser
encontrados em Ghidini (2011a).
2.4 Análise dos Dados
Alguns dados são apresentados em porcentagem, tais como porcentagem de efípios na
margem e canal, e porcentagem de eclosões. A porcentagem foi obtida da seguinte forma:
(%) = n.100/ (N) Onde:
n = nº de indivíduos eclodidos (ou efípios) de um determinando local
N = nº total de indivíduos (ou efípios).
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40
3. Resultados e Discussão
Foram colocados para eclodir 89 efípios provindos dos sedimentos de margem e 45 efípios provindos
dos sedimentos dos canais do lago. Dos indivíduos que eclodiram, oito espécies foram identificadas, as
quais podem ser visualizadas na Figura 2. Com representantes de hábitos planctônicos estão
Holopedium amazonicum, Diaphanosoma sp., Ceriodaphnia cornuta, Bosmina longirostris,
Bosminopsis deitersi e Moina minuta, e de hábitos bentônicos estão as espécies Ilyocryptus spinifer e
Ephemeroporus barroisi. Quando ativa esta comunidade ocorre nas regiões do lago descritas na tabela
2.
Fig. 2. Porcentagens das espécies eclodidas da comunidade dormente de Cladocera no lago Tupé.
Tab. 2. Ocorrência das oito espécies na comunidade ativa observadas em outros estudos no lago Tupé (x =
abundante / xx = muito abundante).
Na figura 3 é possível observar as porcentagens destas oito espécies eclodidas da comunidade
dormente das margens e dos canais das áreas amostradas. Nos experimentos de eclosão houve
indivíduos que morreram antes de apresentar características que permitissem uma identificação em
nível de espécie. A grande variedade de formas e detalhes da carapaça ou valvas fornece muitos
elementos de caracterização das espécies (Elmoor-Loureiro 1997). Como recém-nascidos, a incipiente
formação de sua carapaça não possibilitou que características taxonômicas importantes pudessem ser
limnética margem liteira esponjas utriculária
Ceriodaphnia cornuta xx xx x x
Diaphanosoma sp. x xx x x
Ilyocryptus spinifer xx xx x xx
Ephemeroporus barroisi x x x xx
Holopedium amazonicum x x x
Bosmina longirostris xx x x x
Bosminopsis deitersi xx xx xx x
Moina minuta xx x x x
Regiões do lago Tupé
41
visualizadas. Entretanto, julgou-se importante que, mesmo não identificados, estes indivíduos fossem
contabilizados nos experimentos de eclosão, por contribuírem com 26% de eclosões (Fig. 2).
O maior número de indivíduos eclodidos das formas dormentes do sedimento provindo das
margens (29%) foi de I. spinifer (Fig. 3). Essa espécie está principalmente associada às zonas de
serapilheira e margem do lago. Ghidini (2011) analisando a composição e riqueza de cladóceros na
zona litorânea do lago destacou a constância dessa espécie na maioria dos meses amostrados e em
todas as áreas de coleta (67% de constância). Mas não está restrita à margem e serrapilheira, pois
também já foi observada na região limnética, praias e região profunda do lago Tupé por Ghidini (2007,
2011) e Calixto et al. (2011). O que possivelmente explicaria os 14% de indivíduos eclodidos
procedentes das amostras dos canais do lago em nossos experimentos (Fig.3), uma vez que já foram
encontrados em várias regiões do lago Tupé.
Fig 3. Porcentagem das espécies eclodidas por ambiente. A porcentagem foi calculada separadamente para cada
ambiente (margem e canal).
Os registros de I. spinifer em associação com U. foliosa foram frequentes (80%), inclusive é a
terceira espécie que apresenta mais indivíduos se reproduzindo por partenogênese neste habitat (87%)
(Couto et al. 2009, 2010, Ghidini 2011). De 50 espécies associadas a esta macrófita, a população de I.
spinifer, dentre outras duas, são os seus primeiros colonizadores (frequência de ocorrência = 80%). É
também uma das que têm associação mais duradoura com a planta, pois permanece nelas mesmo
quando começam a entrar em decomposição com a chegada da seca. Além disso, ainda foi encontrada
esporadicamente associada à Drulia sp., uma esponja que ocorre neste lago (Ghidini & Santos-Silva
2011).
A pressão de predação por peixes também parece ser menor sobre esta população (Tab. 3).
Previattelli & Santos-Silva (2011) analisando os conteúdos estomacais de 3 espécies de
Hypophthalmus (mapará) encontrados no lago em julho de 2003, observaram que a porcentagem
destes cladóceros na dieta destes peixes é baixa (9%) quando comparada à Bosmina sp. e Bosminopsis
deitersi onde a frequência de ocorrência é de 100%, que serão discutidos a seguir. Kotov & Stifter
(2006) sugerem que a presença de espinhos na carapaça de I. spinifer pode dificultar a predação por
peixes e outros predadores, consequentemente, protegendo os indivíduos desta população da predação.
É também encontrada no período de águas baixas do lago, entre agosto a dezembro (25%),
quando o igapó ainda não está inundado e a comunidade de cladóceros litorâneos no lago está ausente
(Calixto et al. 2011, Ghidini 2011). Em nosso estudo, I. spinifer teve o maior número de indivíduos
eclodidos nos experimentos, pois 23% de todos os indivíduos eclodidos das formas dormentes eram
desta espécie (Fig. 2).
Esse histórico da comunidade ativa, somado a eclosão de indivíduos da comunidade dormente
nos experimentos, nos dá indícios de que esta espécie bentônica está bem adaptada a este ambiente,
permanecendo neste mesmo quando as demais espécies bentônicas se tornam ausentes. Por ter também
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Espécies eclodidas
42
apresentado maior número de indivíduos eclodidos é possível que o seu sucesso esteja ligado à
produção de ovos de resistência.
Já nas áreas de canal que contemplam a região limnética do lago, Holopedium amazonicum
apresentou maior abundância de indivíduos provindos da comunidade dormente (28%) (Fig. 3).
Embora já tenha sido observada na margem (Ghidini 2011), nossos resultados corroboram os estudos
anteriores no lago onde esta é encontrada sempre na região limnética (Previattelli et al. 2005, Carlos-
Ferreira 2009, Calixto et al. 2011, Brandorff & Hardy 2009, Couto & Santos-Silva 2008). Seu
tamanho e características morfológicas, tais como o envelope mucilaginoso, tornariam inviável seu
ciclo biológico em locais de muito sedimento (Rowe 2000).
Esta espécie não parece ser frequente no lago, uma vez que suas maiores densidades foram
observadas sempre nos períodos de seca, raramente na cheia (Ghidini 2011, Previattelli et al. 2005,
Calixto et al. 2011). Carlos-Ferreira (dados não publicados) observou que do total de cladóceros
planctônicos 8,58% eram H. amazonicum, na seca de 2011, enquanto que na cheia foi de 0%.
A pressão de predação por peixes na época da seca não parece ser um fator preponderante
sobre a população, uma vez que não foram encontrados indivíduos nos conteúdos estomacais de
peixes zooplanctófagos no lago (Tab.3). Quando encontrados na coluna d’água, os indivíduos de H.
amazonicum estão geralmente distribuídos entre três e quatro metros de profundidade (Previattelli et
al. 2005, Carlos-Ferreira 2009).
Embora possa ser uma espécie, que na forma ativa tenha picos de abundância pouco frequente
no plâncton, dependendo muito da época do ano, em nossos experimentos H. amazonicum foi à
espécie de hábito planctônico que mais eclodiu da comunidade dormente (13%) (Fig. 2). Ainda que
sua população ativa seja inconstante, suas formas dormentes existem no lago e parecem contribuir
para o aparecimento desta espécie a cada seca subsequente.
As formas dormentes de Diaphanosoma sp. foram encontradas também principalmente no
canal do lago, correspondendo a região llimnética (21%) (Fig. 3). No lago Tupé, até o momento, já
foram registradas três espécies de Diaphanosoma: D. birgei, D. spinulosum e D. polyspina, sendo a
última encontrada em abundância na região limnética. Raramente encontrados na serapilheira e
margem do lago (Ghidini 2011). Dados da biologia deste gênero são escassos, pois diferentes espécies
têm sido descritas juntas em um único nome. Mas, das espécies registradas no lago, seus hábitos se
restringem a região pelágica (Korovchinsky 1992).
Indivíduos de Diaphanosoma são predados tanto por peixes, pois foram encontrados com
frequência nos estômagos de Hypophthalmus (Tab. 3), quanto por utriculária, pois encontrou-se 9%
desses indivíduos dentro dos utrículos desta macrófita na cheia de 2008 (Ghidini 2011). São
indivíduos encontrados em grandes densidades na época da cheia no lago, e, que mais contribuem para
a biomassa de cladóceros no ambiente (Carlos-Ferreira 2009, Ghidini & Santos-Silva 2009). São
também encontrados em todo o lago e em todos os igarapés (Brandorff & Hardy 2009).
Tab. 3. Frequência de ocorrência das 8 espécies de cladóceros (identificadas nos experimentos de eclosão) nos
conteúdos estomacais de Hyphophtalmus (mapará) no lago Tupé (Previattelli & Santos-Silva 2011).
Táxons %FO
Bosmina sp. 100
B. deitersi 100
Diaphanosoma polyspina 81,82
C. cornuta 81,82
B. deitersi (jovem) 63,64
M. minuta 27,27
I. spnifer 9,09
H. amazonicum -
E. barroisi -
43
Ainda que sofrendo intensa predação por peixes e servindo de alimento para a utriculária, é
um gênero abundante na comunidade ativa, e em nossos experimentos foi o que apresentou terceiro
maior número de eclosão (10%) (Fig. 2) o que indica o sucesso adaptativo deste no lago Tupé.
Ephemeroporus barroisi contribuiu com 14% das eclosões da comunidade dormente provinda
do canal, enquanto que C. cornuta contribuiu com 12% da margem (Fig. 3). Era de se esperar que seus
ovos fossem encontrados nos lugares opostos um do outro, pois E. barroisi quando na forma ativa tem
hábitos bentônicos, enquanto que C. cornuta tem hábitos planctônicos.
Entretanto, conforme mencionado previamente, os ovos de resistência nem sempre afundam
para o sedimento, também podem flutuar e serem levados a longas distâncias antes de se precipitarem
para o sedimento, serem levados pelas correntes de águas nas camadas mais profundas, também
podem ser engolidos por peixes e excretados em outros locais do ambiente, bem como grudar nas
patas das aves sendo transferidos de um local para o outro em um mesmo ambiente ou para outro
(Brendonck & De Meester 2003, Hutchinson 1967, Cáceres & Tessier 2003). Isto seria uma possível
explicação para as formas dormentes destas duas espécies serem encontradas em locais opostos ao seu
hábito comum quando ativos no ambiente.
Assim como os indivíduos de Diaphanosoma, os indivíduos de C.
cornuta contribuem muito para a biomassa de cladóceros no lago. É uma
das espécies mais abundantes da zona limnética neste ambiente (Brandorff
& Hardy 2009). Ainda que sofrendo intensa predação por peixes (Tab. 3)
Ghidini (2011) e Carlos-Ferreira (2009) observaram que esta espécie é a
mais frequente e a mais abundante em águas abertas tanto na cheia quanto
na seca, assim como observado em outros ambientes neotropicais
(Villalobos & González 2006). Este sucesso também está relacionado ao
seu comportamento prolífico e curto ciclo de vida. Esta espécie é
encontrada se reproduzindo por partenogênese em todas as épocas do ano
ininterruptamente. Apenas cinco fêmeas efipiais foram encontradas na
seca de 2003 em um ano de coleta (Fig. 4) (Couto & Santos-Silva 2008).
Quando na comunidade ativa, esta espécie esta bem adaptada ao
seu ambiente, mas como dormente eclodiram poucos indivíduos do total
eclodido em nossos experimentos (apenas7%) (Fig. 2). Entretanto, Bandeira (dados não publicados)
observou muitos indivíduos desta espécie que eclodiram do sedimento do lago Tupé quando exposto a
altas temperaturas em laboratório (a ser discutido mais adiante).
Igualmente, poucos indivíduos de formas dormentes de E.barroisi eclodiram (7%) (Fig. 2).
Esta espécie quando ativa é tão comum na serapilheira, margem, utriculárias e Drulia sp. quanto é B.
deitersi nas águas abertas (Couto & Santos-Silva 2008, Couto et al. 2009, Calixto et al. 2011, Ghidini
2011). Carlos-Ferreira (2009) ainda chegou a encontrar baixíssima densidade desses organismos na
região limnética.
Estes chidorídeos parecem estar restritos à época da cheia, associados aos bancos de
utriculária. Na cheia de 2008, esta foi à única espécie encontrada em intensa reprodução
partenogenética sem interrupção e maior número de fêmeas carregando ovos nestas macrófitas (Couto
et al. 2009). Esta espécie não parece sofrer predação por peixes, ao contrário de C. cornuta que tem
sido uma preferência alimentar frequente de Hypophthalmus no lago (Tab. 3). Mas ela serve de
alimento para a própria utriculária, uma vez que muitos indivíduos já foram achados dentro dos
utrículos (Ghidini 2011).
A cada ano esta espécie volta a ser abundante com o aparecimento da utriculária, e sendo
pouco ou nem encontrada no lago na época de águas baixas. Em nossos experimentos pôde-se
constatar que estes chidorídeos produzem ovos de resistência no lago e que estes podem manter esta
população no ambiente, provavelmente sendo o recurso que estes utilizam para restabelecer suas
populações a cada ano. Bandeira (dados não publicados) também observou que esta foi uma das
espécies que mais eclodiu do sedimento do lago Tupé em altas temperaturas.
Bosmina longirostris e Bosminopsis deitersi estão entre os mais representativos na coluna
d´água, tanto em biomassa, quanto em abundância no lago Tupé (Calixto 2011, Ghidini 2011a).
Bosmina sp. foi inclusive encontrada vivendo em associação com Drulia sp. no lago (Ghidini &
Santos-Silva 2011). Por 38 anos, desde as primeiras coletas realizadas no lago Tupé, B. deitersi
sempre se manteve como uma das espécies dominantes e, vários autores observaram que suas maiores
Fig. 4. Fêmea efipial de C. cornuta encontrada na seca de 2003. Foto: Couto 2007.
44
densidades ocorreram sempre na época de águas baixas (Brandorff & Hardy 2009, Calixto et al. 2011,
Carlos-Ferreira 2009, Previatteli et al. 2005, Ghidini & Santos-Silva 2009, Ghidini 2011). Em 1974 e
28 anos depois em 2002 Brandorff & Hardy (2009) levantando informações acerca do zooplâncton do
lago já haviam observado que B. deitersi foi encontrada em todas as estações de amostragens. Seu
máximo populacional durante a seca pode estar relacionado com a estabilidade do lago neste período,
favorecendo o desenvolvimento desta espécie.
Em dezembro de 2003 o pico de densidade dos cladóceros na região
limnética foi principalmente de B. deitersi com aproximadamente 1.400.000
ind/m3
(Calixto et al. 2011). Durante a seca de 2005 e cheia de 2006 foi à
espécie que apresentou maior biomassa, contribuindo significativamente na
cadeia trófica, pois além de fornecer biomassa para o sistema, também é
frequentemente predado por peixes zooplanctófagos no lago (Tab. 3)
(Ghidini & Santos-Silva 2009).
A dominância desta espécie também foi ressaltada por Robertson &
Hardy (1984) em ecossistemas amazônicos. A persistência ao longo de todo
o ano e em todos os locais do lago corrobora as afirmações sobre a alta
adaptabilidade destes indivíduos as modificações ambientais descritas na
literatura (Paggi & José de Paggi 1990, Aprile & Darwich 2005, Darwich et
al. 2005). Esta dominância também pode estar relacionada ao seu
comportamento prolífico e curto ciclo de vida. Nos anos de 2003 a 2004 B.
deitersi foi a espécie com maior registro de fêmeas se reproduzindo por
partenogênese. Os demais bosminídeos (Bosmina longirostris, B.tubicen, B.
hagmanni e Bosminopsis brandorffi) apresentaram padrões similares aos de
B. deitersi, sendo B.longirostris a mais frequente (Couto & Santos-Silva
2008). Apenas uma fêmea efipial de B.deitersi foi encontrada na época de
águas baixas e um macho na época da enchente (Fig. 5). Assim como apenas
um macho foi registrado para B.longirostris na enchente de 2003 (Fig. 6)
(Couto & Santos-Silva 2008).
Neste estudo eclodiram da margem apenas 8% de B. longirostris e
4% de B. deitersi, não sendo observadas eclosões destes dos sedimentos do
canal (Fig. 3). No entanto, Bandeira (dados não publicados) observou um
grande número de eclosões destes indivíduos em laboratório provindos do
sedimento de um dos igarapés do lago. Estes experimentos foram realizados em altas temperaturas,
maiores do que a utilizada por Couto & Santos-Silva (dados não publicados do Cap.1). Os poucos
bosminídios que eclodiram da comunidade dormente, quando considerando o número total de eclosões
(Fig. 2), tem um grande sucesso em restabelecer a população ativa. São importantes componentes dos
corpos d’água da bacia Amazônica (Robertson 1980, Robertson & Hardy 1984, Robertson & Darwich
2008). Parecem estar adaptados à todas as condições aparentemente adversas de seu ambiente, seca,
cheia, predação, sazonalidade, dentre outros, pois continuam abundantes de forma equiparável na
coluna d´água. Segundo Robertson & Hardy (1984) representantes de Bosminidae costumam dominar
em águas pretas. As poucas eclosões observadas são um indício de que a metodologia realmente
necessita se aproximar da realidade do lago, quanto à temperatura. São organismos abundantes tanto
na sua fase ativa, quanto na fase dormente (M.G. Bandeira, dados não publicados).
Moina minuta também é uma espécie abundante na coluna d´água, sendo encontrada durante
todo o ano, em todas as estações do lago (Calixto et al. 2011). Também sofre intensa predação por
peixes (Tab. 3). Sua biomassa contribui de forma significativa, principalmente na época seca do lago
(Ghidini & Santos-Silva 2009). Carlos-Ferreira (2009) analisando a migração vertical de cladóceros na
Estação Central do lago durante a seca de 2008 observou que M. minuta teve a maior densidade de
organismos durante três ciclos nictemerais. Em nossos experimentos eclodiram apenas 7% desta
somente do sedimento do canal (Fig. 3). Analisando o total de eclosões das espécies em todo o estudo,
M. minuta contribuiu com apenas 2% das eclosões (Fig. 2).
Assim como com os bosminídeos, M. minuta é uma espécie de alta adaptabilidade ao
ambiente, talvez alocando pouca energia e recursos para a produção de ovos dormentes. Nos anos de
2003 a 2004 não foram observadas fêmeas efipiais na população, mas encontrou-se um único macho
na época da enchente (Couto & Santos-Silva 2008).
Fig. 5. Macho de B. deitersi encontrado na época da enchente de
2004. Foto: Couto 2007.
Fig. 6. Macho de B. longirostris observado na enchente de 2003. Foto:
Couto 2007.
45
Com exceção de B. deitersi e C. cornuta nenhuma das espécies eclodidas neste estudo foram
encontradas na comunidade ativa do Tupé portando ovos de resistência desde que o zooplâncton do
lago Tupé começou a ser pesquisado (Brandorff & Hardy 2009). Antes deste estudo, havia uma
incógnita a respeito dessas espécies e das demais que não foram contempladas aqui, que se baseava
apenas sob suposições a cerca da produção dos ovos de resistência como um recurso para a
permanência destas no lago. Agora, pôde-se constatar que estas de fato entram em diapausa, o que
reforça ainda mais que outras espécies do lago, ainda não observadas portando ovos com ou sem
efípios, também o fazem. Desde os primeiros estudos com zooplâncton no lago apenas seis espécies
tinham sido observadas produzindo ovos dormentes, agora este número aumenta para 12 (Brandorff &
Hardy 2009, Calixto et al. 2011, Carlos- Ferreira 2009, Previatteli et al. 2005, Ghidini & Santos-Silva
2009, 2011) (Tab. 4).
Tab. 4. Estudos no lago Tupé nos quais foram observadas populações produzindo ovos dormentes direta (fêmeas
efipiais) ou indiretamente (indivíduos eclodidos do sedimento).
Também se pôde reforçar, e para algumas constatar, que tanto espécies de hábitos bentônicos
quanto planctônicos produzem formas de resistência. Neste estudo, apenas duas espécies bentônicas
foram recrutadas do sedimento (I. spinifer e E. barroisi), as demais tinham hábitos planctônicos.
Foi dado ênfase a H. amazonicum que não tem registros de fêmeas portando ovos resistentes
para o lago Tupé. Em nossos experimentos foi a espécie que mais
eclodiu indivíduos do sedimento provindo dos canais do lago. De
hábitos bentônicos destacamos E. barroisi que é a espécie mais
constante da utriculária (Fig. 7). Embora nunca tenham sido
observadas fêmeas efipiais na comunidade ativa, neste estudo pôde-se
constatar que a produção de ovos de resistência nesta população é um
fato e que ficam armazenados no sedimento, contribuindo para o
recrutamento da espécie na cheia seguinte.
Ephemeroporus barroisi e I. spinifer estão entre as quatro
espécies mais frequentes e abundantes que vivem em associação com a
U. foliosa no lago (Fig.7). Em anos anteriores, Simocephalus
serrulatus e Macrothrix superaculeata, que fazem parte desse grupo,
também já haviam sido observadas produzindo seus ovos de
dormência.
Experimentos realizados em microcosmos no lago (Couto et
al. 2010) mostraram que a espécie S. serrulatus passou a realizar
reprodução sexuada no momento em que foi observado o início da
decomposição dos bancos de U. foliosa e o número de efípios e fêmeas
Fig. 7. Grupo das quatro espécies mais constantes nas utriculárias do lago Tupé (Ghidini 2011).
Espécies Ano Local Estudo
Ceriodaphinia cornuta Sars, 1886 2003 Região limnética Couto & Santos Silva 2008
Bosminopsis deitersi Richard, 1895 2003
Macrothrix superaculeata (Smirnov, 1982) 2008 U. foliosa Couto et al. 2009
Simocephalus serrulatus (Koch, 1841) 2009
Alona oseani Sinev, 1998 2010 superfície d'água Couto et al. 2010
Alona iheringula Sars, 1901 2010 Esponjas (Drulia sp) Ghidini & Santos-Silva 2011
Ilyocryptus spnifer Herrick, 1882 2012 Comunidade Neste estudo
Holopedium amazonicum Stingelin,1904 dormente
Diaphanosoma sp. Fischer 1850
Ephemeroporus barroisi (Richard, 1894)
Bosmina longirostris (O.F.Müeller, 1785)
Moina minuta Hansen 1899
46
efipiais observados foi maior do que as partenogenéticas neste período. Isto sugeriu a produção de
ovos dormentes como a estratégia de sobrevivência ao desaparecimento do hábitat (Fig. 8). Seus
efípios foram encontrados no fundo dos microcosmos indicando que estes, após liberados das fêmeas,
afundam para o sedimento compondo a comunidade dormente. Na cheia de 2008, em campanhas
quinzenais para amostrar a fauna associada à utriculária durante a permanência desta no lago até seu
desaparecimento, foram encontradas fêmeas efipiais e machos de Macrothrix superaculeata na
comunidade ativa associada à macrófita (Couto et al. 2009) (Fig. 9).
Assim, para as espécies que compõem o grupo das mais abundantes nas utriculárias (E.
barroisi, S. serrulatus, M. superaculeata e I. spinifer) foi possível encerrar a questão de como estas
sempre retornam a cada cheia e formam numerosas populações nestas macrófitas. Agora sabemos que
todas produzem ovos de resistência que se depositam no sedimento e daí eclodem para manter as
populações destas espécies na sua forma ativa no lago.
Com base em todos os estudos de zooplâncton já realizados no lago Tupé, e que tivemos
registros das formas ativas das espécies aqui eclodidas quanto a sua abundância, dominância,
frequência e constância anuais desde 1974 até 2013 (Tab. 1), foi feito um modelo teórico da produção
de ovos de resistência para estas espécies (Fig. 10). Por ser um modelo especulativo, ainda necessita
serem realizados estudos mais aprofundados a fim de verificar se realmente a produção de ovos
dormentes acontece nas épocas mencionadas aqui.
Neste modelo teórico as especulações se deram pelo que vem sendo observado no decorrer dos
anos, e se refere apenas a variação do nível da água que afeta a comunidade ativa. Não se leva em
consideração a predação por peixes e outros invertebrados e demais fatores que podem desencadear a
produção de ovos de resistência. Foi possível observar que as espécies parecem se alternar na
comunidade ativa entre os períodos, algumas desaparecendo por alguns meses e dominando em outros
e vice-versa. As espécies parecem se alternar em dominância durante o ano. As espécies estão
extremamente adaptadas às modificações do ambiente.
Para corroborar ou não este modelo teórico, futuros estudos podem ser feitos definindo de
forma mais precisa os padrões de produção e recrutamento dos ovos de resistência, avaliando a
contribuição das formas dormentes para a manutenção dessas populações na forma ativa. Desta forma
será então possível compreender como a comunidade se comporta no lago. Estudos mais aprofundados
poderiam analisar se, de fato, as espécies no lago Tupé apresentam este tipo de comportamento a fim
de evitar competição inter e intra-específica, bem como fugir de predadores e assim conviver no
mesmo ambiente (Pau 2012).
Fig. 9. Macho de Macrothrix superaculeata (à esq.) encontrado nas amostras do mês de junho de 2008 (cheia) e fêmea efipial encontrada nas amostras dos meses de cheia e vazante. Foto: Couto 2009.
Fig. 8. Efípio e fêmea efipial de Simocephalus serrulatus encontrados nos microcosmos em um estudo de 2009. foto: Couto 2010.
47
Comunidade
ativa
Ovos de
resistência
Fig. 10. Modelo teórico de produção de formas dormentes para as espécies encontradas nos experimentos de
eclosão e seu recrutamento (setas) em resposta as mudanças do ambiente devido à elevação e diminuição do
nível da água no lago Tupé.
As espécies identificadas neste estudo se encontram depositadas na Coleção de Carcinologia
do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Manaus, Amazonas, Brasil) nos lotes: 1987 à 1994.
4. Agradecimentos
Nós agradecemos ao Dr. Reinaldo Bozelli, Dr. Jayme Santangelo, Msc. Luciana Araújo e o
técnico Mário Neto pela acolhida e paciência em ensinar e colaborar com os experimentos de eclosão
no laboratório de Limnologia da UFRJ. Agradecemos também o apoio financeiro do CNPQ e
PROCARD que possibilitou o andamento da pesquisa e a estadia no Rio de Janeiro. À Drª Bárbara
Robertson pelas correções do manuscrito e ao Andrés Vega pela tradução.
48
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52
SÍNTESE
No capítulo 1 desta dissertação foi descrito que uma maior quantidade de
efípios foi encontrada nas margens do lago Tupé. Hairston e Kearns (2002)
observaram que isso não é incomum, muitos lagos já estudados não tiveram
grandes diferenças quanto à densidade de efípios na margem ou canal, pois na
época de águas baixas, as regiões mais profundas do lago podem sofrer as mesmas
perturbações que os sedimentos de margem, influenciando na eclosão dos efípios
que se encontram ali.
Os efípios ocorreram em maior número nas cabeceiras dos dois braços do
lago. Isto também pode se dar devido ao tipo de sedimento predominante nestes
igarapés, pois é possível que o tipo de sedimento influencie a distribuição dos
efípios. Em sua maioria os efípios eram encontrados em maior número nos
sedimentos mais finos dos locais amostrados. Hairston e Kearns (2002) sugeriram
que processos evolutivos e ecológicos do banco de ovos podem ocorrer de forma
diferente dentro de um único lago porque este contém zonas distintas de deposição
e erosão. Uma análise geomorfológica do lago Tupé mostrou que os igarapés
apresentam variações no relevo e, portanto, apresentam diferenças nos processos
erosivos e na sua deposição sedimentar (Aprile e Darwich, 2005; Aprile et al., 2005),
o que pode influenciar na distribuição e composição do banco de ovos no lago.
Com o processo de centrifugação (proposto por Onbé, 1978) muitos efípios
foram encontrados com a cápsula estourada. Certamente que adequações e
aperfeiçoamentos podem ser necessários e devem ser feitos para que se tenha uma
metodologia útil e confiável para extrair ovos e efípios dos sedimentos.
De Stasio (1989) e Santangelo (2009) também observaram maior número de
eclosões de efípios provenientes das margens. Este mesmo padrão foi observado
neste estudo, tendo um total de 63% nas margens e 36% dos canais. À jusante do
igarapé Terra Preta, no canal, foi onde houve maior número de eclosões (42%)
quando comparado aos demais locais amostrados. E isto pode estar relacionado à
geomorfologia deste igarapé e proximidades, que apresenta maior declividade
(Aprile e Darwich, 2005). De todos os locais amostrados, o igarapé Chefe foi de
onde eclodiu maior número de espécies (quatro).
53
Nos sedimentos provindos de seis locais amostrados não ocorreram eclosões
(margens e canais). Isto pode ter ocorrido devido as diferentes características que
os bancos de ovos podem ter dentro de um mesmo lago, até mesmo para lagos
muito pequenos. Pois suas taxas de mistura de sedimentos diferem marcadamente
entre diferentes regiões do fundo (Hairston e Kearns, 2002).
Em nosso estudo, os indivíduos eclodidos pertencem a oito espécies. A
espécie que mais contribuiu para as eclosões que ocorreram nos sedimentos
provindos da margem foi Ilyocryptus spinifer, pois geralmente são encontrados
nestas regiões do lago Tupé, ou vivendo em associação com utriculária, próximo
também as margens dos igarapés (Ghidini, 2011a; Couto et al., 2009). Para os
sedimentos de canal a maior contribuinte foi Holopedium amazonicum. Ovos de
indivíduos de Holopedium já foram encontrados em números bastante elevados no
centro ou canais dos lagos e até em profundidades de 20m (Lampert e Krause,
1976).
Foi observado um baixo número de táxons nos experimentos de eclosão
quando comparado à riqueza da comunidade ativa do lago Tupé (92 espécies de
cladóceros). Isto pode estar relacionado ao já mencionado processo de
centrifugação, como também as condições experimentais em laboratório. Um maior
número de eclosões ocorre quando as temperaturas nos experimentos se
assemelham as encontradas no ambiente.
Quanto aos dias de incubação, a maioria das espécies eclodiu após 3-10 dias
quando expostos às condições controladas. Vandekherkove et al., (2005b) em
experimentos testando temperaturas observaram que as espécies passaram a
eclodir após o terceiro dia. E a maioria eclodiu até o sexto dia (3-6 dias). Neste
estudo, o 6º dia também foi o de maior número de eclosões dos indivíduos e
espécies. Após o 10º dia somente Diaphanosoma sp. e I. spinifer continuaram com
indivíduos eclodindo nos aquários com sedimento da margem. Crispim e Watanabe
(2001) também observaram que as espécies realmente não eclodem ao mesmo
tempo, o que acreditam ser influência dos diversos estímulos ambientais ou pelas
condições ambientais quando os ovos de diapausa foram produzidos. O ideal seria
que experimentos com eclosão em laboratório tivessem maior duração, a fim de que
outras espécies tivessem a chance de eclodir.
Este estudo foi pioneiro em verificar que de fato existem formas dormentes de
cladóceros no sedimento do lago Tupé. Estas formas estão distribuídas de maneira
54
heterogênea no lago, em maior quantidade nas margens, principalmente nos dois
igarapés principais (cabeceiras) do lago.
O capítulo 1 desta dissertação, portanto, se constitui no primeiro registro
destas formas no sedimento de um lago na Amazônia Ocidental. Recomendam-se
estudos mais abrangentes no lago Tupé e em outros ambientes aquáticos
amazônicos e que nestes estudos se utilizem temperaturas adequadas à realidade
equatorial e com experimentos que se estendam por tempo suficiente, tais como 3
meses conforme observado nos experimentos de Bandeira (dados não publicados)
para a eclosão do maior número possível de ovos que ainda estejam viáveis. Além
disso, se forem adotados os métodos conhecidos para extração de ovos de
sedimentos que utilizem centrifugação, deve-se ajustar tanto o tempo quanto às
rotações para evitar danificar os ovos e assim ter um maior número de eclosões.
No capítulo 2 pudemos ter uma visão geral do histórico das espécies
eclodidas nos experimentos em laboratório quando na sua fase ativa. O histórico da
população ativa de I. spinifer, somado a eclosão de indivíduos da comunidade
dormente nos experimentos, nos deu indícios de que esta espécie bentônica está
bem adaptada a este ambiente, permanecendo neste mesmo quando as demais
espécies bentônicas se tornam ausentes. Por ter também apresentado maior
número de indivíduos eclodidos é possível que o seu sucesso esteja ligado à
produção de ovos de resistência.
Já nas áreas de canal que contemplam a região limnética do lago, H.
amazonicum apresentou maior abundância de indivíduos provindos da comunidade
dormente. Ainda que sua população ativa seja inconstante, suas formas dormentes
existem no lago e parecem contribuir para o aparecimento desta espécie a cada
seca subsequente.
As formas dormentes de Diaphanosoma sp. foram encontradas também
principalmente no canal do lago, correspondendo a região limnética. Este gênero é
abundante na comunidade ativa, e em nossos experimentos foi o que apresentou
terceiro maior número de eclosão (10%). O que indica o sucesso adaptativo destes
no lago Tupé.
Os indivíduos de C. cornuta quando na comunidade ativa, estão bem
adaptados ao seu ambiente, mas apresentaram baixa taixa de eclosão (apenas 7%).
Entretanto, Bandeira (dados não publicados) observou muitos indivíduos desta
55
espécie que eclodiram do sedimento do lago Tupé quando exposto a altas
temperaturas em laboratório.
Também, poucos indivíduos de formas dormentes de E.barroisi eclodiram
(7%). A cada ano esta espécie volta a ser abundante com o aparecimento da
utriculária, e sendo pouco ou nem encontrada no lago na época de águas baixas.
Em nossos experimentos pôde-se constatar que estes chidorídeos produzem ovos
de resistência no lago e que estes podem manter esta população no ambiente,
provavelmente sendo o recurso que estes utilizam para restabelecer suas
populações a cada ano. Bandeira (dados não publicados) também observou que
esta foi uma das espécies que mais eclodiu do sedimento do lago Tupé em
temperaturas mais altas que a usada neste experimento.
Bosmina longirostris e Bosminopsis deitersi estão entre os mais
representativos na coluna d´água no lago Tupé (Calixto, 2011; Ghidini, 2011a).
Neste estudo eclodiram da margem apenas 8% e 4% respectivamente, não sendo
observadas eclosões destes dos sedimentos do canal. No entanto, Bandeira (dados
não publicados) observou um grande número de eclosões destes indivíduos em
laboratório provindos do sedimento de um dos igarapés do lago. Estes experimentos
foram realizados em temperaturas mais altas do que a utilizada por Couto e Santos-
Silva (dados não publicados do Cap.1). O baixo número de eclosões observadas é
um indício de que a metodologia realmente necessita se aproximar das condições
do lago, quanto à temperatura. E M. minuta contribuiu com apenas 2% das eclosões.
Com exceção de B. deitersi e C. cornuta nenhuma das espécies eclodidas
neste estudo foram encontradas na comunidade ativa do Tupé portando ovos de
resistência desde que o zooplâncton do lago Tupé começou a ser pesquisado
(Brandorff e Hardy, 2009). Agora, pôde-se constatar que estas produzem formas de
resistência, o que reforça a possibilidade deste ser o mecanismo selecionado e
presente nas outras espécies encontradas no lago.
Também se pôde reforçar, e para algumas constatar, que tanto espécies de
hábitos bentônicos quanto planctônicos produzem formas de resistência. Ilyocryptus
spinifer foi a espécie que teve maior número de eclosões e, junto com E. barroisi
foram às únicas espécies bentônicas que eclodiram neste estudo, as demais são de
hábitos planctônicos.
Também, a partir deste estudo pôde-se encerrar a questão de como espécies
abundantes que vivem em associação com a macrófita Utricularia foliosa no lago,
56
retornam a cada cheia juntamente com o aparecimento desta planta. Agora
sabemos que todas produzem ovos de resistência mantendo suas populações neste
hábitat. A espécie que teve maior número de eclosões foi I. spinifer e, junto com E.
barroisi foram às únicas espécies bentônicas que eclodiram neste estudo, as demais
são de hábitos planctônicos
Ao fim deste trabalho concluímos que as formas de resistência existem no
lago Tupé e que elas estão distribuídas de forma heterogênea no lago, em maior
densidade nas cabeceiras dos dois braços principais. Estas formas dormentes são
viáveis e oito espécies puderam ser identificadas a partir delas em experimentos de
laboratório. Foi possível observar que as espécies parecem se alternar na
comunidade ativa, algumas desaparecendo por alguns meses e dominando em
outros e vice-versa. As espécies estão extremamente adaptadas às modificações do
ambiente.
Todas as espécies identificadas neste estudo se encontram depositadas na
Coleção de Carcinologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Manaus,
Amazonas, Brasil) nos lotes 1987 a 1994.
57
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70
Anexo - Lugares de onde as espécies de cladóceros provieram, separados por
margem e canal, e dias nos quais vieram a eclodir nos aquários.
3 d 5 d 6 d 8 d 10 d 12 d 13 d 15 d 17 d
Margem Ig. Chefe B. longirostris 1
B. deitersi 1
I. spnifer 2
E. barroisi 1
I. spinifer 2
I. spinifer 1
Ig. Cachoeira I. spinifer 1
Ig. Pedras C. var rigaudi 2
I. spinifer 1
à jus. Pedras e Helena ñ identificado 1 1
Ig. Muquém ñ identificado 1
à jus. Monteiro C. var rigaudi 1
Ig. Valdemar ñ identificado 3 1
Diaphanosoma sp. 1
Ig. Terra Preta H. amazonicum 1
B. longirostris 1
ñ identificado 1
Canal Ig. Chefe E. barroisi 2
Ig. Cachoeira ñ identificado 1
Ig. Helena M. minuta 1
Ig. Muquém H. amazonicum 2
Diaphanosoma sp. 1
Ig. Valdemar ñ identificado 1
à jus. Terra Preta Diaphanosoma sp. 2
H. amazonicum 2
I. spinifer 2
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