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Conselho Superior da Ordem dos Advogados – Pleno Processo disciplinar nº X…/05 e, apenso, procº disc. Y…/06 Arguido:… Relator: Alberto Jorge Silva Sumário: Questões de ordem geral, prévia ou incidental I. 1. Em parecer de análise perfunctória da eventualidade de existência de matéria disciplinar, não
há lugar, por sua natureza e finalidade, para qualquer averiguação. E a deliberação de instaurar procedimento disciplinar na sequência de tal parecer não tem de ser precedida da “audição” do advogado cuja conduta está em causa, não tendo cabimento serem-lhe dirigidos “pedidos de esclarecimento”. Quando o EOA previa a “apreciação liminar”, era de regra essa audição prévia – mas apenas nos termos e com as finalidades previstas na lei; hoje, se a acção disciplinar aparece liminarmente como viável, deve prosseguir sem mais (cfr artº 139º/5 EOA).
2. “Participar” é dar notícia de factos eventualmente susceptíveis de perseguição disciplinar por violação de regras de natureza deontológica. Para o efeito, é secundário saber se à “notícia” efectivamente subjaz a pretensão de desencadear o procedimento. Apodíctico é que o objectivo é determinar, no procedimento subsequente, quais os factos relevantes, a sua qualificação ou não como ilícito disciplinar, a existência ou não de culpa, a existência ou não de causas de exclusão da culpa ou da ilicitude e o demais pertinente.
3. Se o Bastonário, em execução duma deliberação do Conselho Geral, submete “à apreciação do Conselho Superior” o teor de um escrito, reconhecendo que “a matéria deveria ser objecto de apreciação [pelo CS] a quem, em última análise, compete sobre ela deliberar”, embora dizendo que tal deliberação “não assenta no pressuposto […] de que [esse] teor representa infracção disciplinar” está a dar notícia de factos que podem ter essa natureza; e o Conselho Superior não está vinculado ao entendimento que o Conselho Geral e (ou) o Bastonário possam ter em matéria disciplinar. Se, depois de elaborado o parecer referido no nº 1, conclui pela necessidade da acção disciplinar, tem forçosamente de concluir, de igual modo, estar perante algo que materialmente é uma participação disciplinar ou acto externo de igual natureza, posição que é de sua responsabilidade, não do Conselho Geral ou do Bastonário. Mas nada obsta a que opte por ordenar a instauração de processo disciplinar invocando o nº 2 do artº 118º do EOA.
II. 4. O Conselho Superior é sempre órgão de julgamento disciplinar; é-o também, obviamente, nos
casos em que a lei lhe confere a faculdade de, por iniciativa própria e “independentemente de participação, ordenar a instauração de procedimento disciplinar” (artº 118º/2 citº).
5. Se o Conselho Superior tomar essa iniciativa mesmo quando disponha já de praticamente toda a matéria de facto, tal não representa uma espécie de valoração negativa antecipada, pois essa faculdade de desencadear o procedimento compreendida nos poderes do Conselho Superior – como nos do bastonário e dos conselhos geral, distritais e de deontologia – constitui, antes, imposição de um dever de função cometido por lei e que se baseia na razão de ser de lhe terem sido delegadas pelo Estado atribuições de natureza e ordem públicas. Na verdade, nos termos do artº 3º da L 15/2005, de 26-01, constituem, além do mais, atribuições da Ordem dos Advogados “[z]elar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de advogado, promovendo […] o respeito pelos valores e princípios deontológicos”; e, como fundamental, “[e]xercer, em exclusivo, jurisdição disciplinar sobre os advogados e advogados estagiários”. Entende a lei que não pode haver denegações ou abstenções de julgamento; e por isso julgou inadmissível que a falta duma “participação” pudesse propiciar a impunidade, o desrespeito pela “dignidade e
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prestígio da profissão” e pelos “valores e princípios deontológicos” ou, de um modo geral, paralisar o exercício da “jurisdição disciplinar” por quem é seu exclusivo titular.
6. O artº 32º/10 da Constituição estipula que “[n]os processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”. Porém, a regulamentação do exercício da jurisdição disciplinar encontra-se remetida para a lei ordinária. Sendo certo que o EOA (L 15/2005) confere a faculdade referida no nº 4 supra, só importa saber se tal desrespeita o núcleo essencial do direito constitucional em causa. Ora, visto que de todos os “actos praticados pelos órgãos da Ordem dos Advogados cabe […] recurso contencioso para os tribunais administrativos, nos termos gerais de direito” (artº 6º/3 EOA/2005), tal faculdade efectiva, de modo mais que suficiente e em sede própria, tanto a fiscalização como a garantia do exercício do direito de audição e de defesa a que se reporta o texto constitucional, tornando para o efeito irrelevante o facto de um mesmo órgão deliberar instaurar um processo disciplinar e simultaneamente definir o objecto preliminar da investigação, ainda que juízo liminar desfavorável ao arguido, como não podia deixar de ser.
7. O artº 142º/1 do EOA consagra que aos impedimentos, escusas e recusas do relator e demais membros do conselho com competência disciplinar são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras constantes do Código de Processo Penal. Ora, ultrapassado o obstáculo da constitucionalidade, atento o poder-dever previsto no citado nº 2 do artº 118º do EOA, não faria qualquer sentido pretender ser aplicável no processo disciplinar o impedimento nos termos do qual nenhum juiz pode exercer a sua função num processo penal quando tiver intervindo no processo como representante do Ministério Público (artº 39º CPP); ou aquele pelo qual é determinado que nenhum juiz pode intervir no julgamento de um processo a cujo debate instrutório tiver presidido (artº 40º CPP). (O mesmo cabe, mutatis mutandis, quanto ao regime de recusas e escusas em processo penal, designadamente na hipótese do artº 43º/2).
III. 8. Ponha-se a hipótese de apreciar a seguinte eventual questão de inconstitucionalidade
normativa: é inconstitucional a norma do artº 43º/1/c) do EOA quando interpretada no sentido de que a competência aí conferida ao Conselho Superior se mantém mesmo que sejam ofendidos ele próprio ou um membro ou membros seus? A resposta é negativa, pois não existe qualquer imposição constitucional de salvaguarda objectiva do dever de imparcialidade que impeça o Conselho Superior de julgar “causas” por ser ofendido (ou constituir um conjunto de ofendidos com legitimidade assimilável à do assistente em processo penal).
9. A norma do artº 267º/1 da Constituição manda que a Administração Pública seja estruturada de modo a, além do mais, assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva por intermédio de associações públicas constituídas para a satisfação de necessidades específicas, sem prejuízo da garantia da tutela jurisdicional efectiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos associados, designadamente a impugnação de quaisquer actos para eles lesivos (artº 268º/4 e 5 da CRP).
10. É nesse quadro constitucional que, actualmente por força da L 15/2005, de 26-01, é “atribuição da Ordem dos Advogados [… e]xercer, em exclusivo, jurisdição disciplinar sobre os advogados e advogados estagiários” [artº 3º/g)]; e que, para além de “[o]s actos praticados pelos órgãos da Ordem dos Advogados no exercício das suas atribuições [admitirem] os recursos hierárquicos previstos no […] Estatuto” (artº6º/1), “[d]os actos praticados pelos órgãos da Ordem dos Advogados cabe, ainda, recurso contencioso para os tribunais administrativos, nos termos gerais de direito” (artº 6º/3). Assim, derivando-o de preceito constitucional que especialmente o autoriza, o Estado “transferiu” para a Ordem dos Advogados, de modo exclusivo, a função de exercer poder disciplinar sobre os advogados; mas “devolveu” aos tribunais, integralmente, a função de soberania que é a de administrar a justiça (artº 202º/1 da CRP), aliás em consonância com o direito de acesso aos tribunais que a todos é assegurado no artº 20º/1 da ConstRP.
11. Dada esta faculdade de recurso ao poder judicial, quando o Conselho Superior julga no exercício de competência exclusiva conferida por lei e como única instância, o princípio da
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imparcialidade considera-se salvaguardado, no limite, com o seu controlo judicial, isto é, enquanto está pendente a devolução da decisão disciplinar a um tribunal nos termos do artº 6º/3 do EOA.
12. Seria de todo incongruente criar e atribuir, com respaldo constitucional, uma jurisdição e uma competência disciplinares e depois não permitir que estas fossem exercitadas, em nome do princípio da imparcialidade, ficcionando uma espécie de imanência de parcialidade – esta por sua vez em nome da salvaguarda das aparências (“mais do que sê-lo é preciso parecê-lo”). Dum ponto de vista constitucional, na ponderação de interesses próprios do Estado de Direito Democrático – o da necessidade da valoração duma aparência de imparcialidade e o do dever de efectivo exercício duma atribuição fundamental duma associação pública – deve prevalecer este último que, antes do mais, assegura a própria viabilidade do processo e da jurisdição em causa.
13. Os preceitos do artº 20º/4 e do artº 32º/1 da Constituição da República impõem que seja assegurada a imparcialidade das entidades que dominam cada uma das suas várias fases de qualquer processo sancionatório; mas daí não deriva necessariamente (como se “pela natureza das coisas”) que uma entidade julgadora que se encontre na concreta situação aqui em análise seja ipso facto presumida parcial, sem remédio nem recurso.
14. Os contornos concretos da imparcialidade não vêm estabelecidos na Constituição, nem em relação à entidade que conduz e realiza o inquérito e deduz a acusação, nem no referente ao julgador, não existindo um critério constitucional que permita aferir quando é que uma dessas entidades pode ou não ser considerada imparcial.
15. Mas a lei deve assegurar um núcleo mínimo que garanta essa imparcialidade, salvaguardando as aparências formais que relevam da dimensão objectiva da imparcialidade. Porém, se a qualidade de ofendido do magistrado se situa indiscutivelmente dentro desse núcleo mínimo, aliás tutelado pelo artigo 23º do CProcPen, o mesmo não se pode dizer no caso em apreço. Também nesta perspectiva se pode afirmar que o sistema se encontra bem defendido de qualquer quebra de imparcialidade através daquela possibilidade de judicialização da causa nos termos do artº 6º/3 do EOA.
16. Não há aí nenhuma questão de constitucionalidade; tão-só se há-de verificar judicialmente, se for caso disso, a compatibilidade concreta de comportamentos instrutórios ou judicantes com o princípio da imparcialidade, em juízo se mandando corrigir o que tiver de o ser.
17. Se algum membro do Conselho se sentir pessoalmente ofendido, deverá declarar-se impedido ou pedir escusa, pois quem está impedida é a pessoa, não o órgão. O que não é admissível é que o Conselho se demita de julgar, como a lei lhe manda, as ofensas feitas a ele próprio, pois o que está em causa é a Ordem dos Advogados e a credibilidade, o prestígio e a confiança que lhe são devidas – conquanto porventura através de actos objectivamente ofensivos da honra e consideração de pessoas singulares. Se o “bom nome” da Ordem é posto em causa, diminui o “suporte indesmentível para que a credibilidade, o prestígio e a confiança possam existir”, piora a imagem real que os cidadãos dela têm e que a própria actuação da Ordem foi construindo.
IV. 18. Vistos os termos do artº 110º do EOA, prevaricar disciplinarmente é desrespeitar um dever
decorrente do carácter social da função de advogado. Por isso a infracção disciplinar é atípica; ao contrário do que ocorre no domínio do direito penal, a regra da tipicidade das infracções não vale, qua tale, nos demais ramos do direito público sancionatório, designadamente, no direito disciplinar, pois as exigências da tipicidade fazem-se sentir em menor grau. Nas infracções disciplinares, é próprio dos respectivos “conceitos” serem indeterminados, de modo a poderem ser-lhes subsumidos, de forma alargada, factos e situações, bastando a existência de critérios legais para a determinação concreta da sanção.
V. 19. O arguido pode prescindir da produção da prova oferecida (por inquirição das testemunhas) na
fase da instrução; mas não pode depois pretender que a inquirição das mesmas testemunhas seja feita na audiência pública de julgamento e perante o Conselho – alegando que para não
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“prejudicar” a publicidade por esta propiciada – ficcionando tratar-se de “prova complementar” referida no nº 5 do artº 156º do EOA. Com efeito, em princípio toda a prova é produzida na fase da instrução (stricto sensu) que imediatamente antecede a acusação (ou o despacho de arquivamento) (artº 147º/1); e, depois, na fase destinada ao exercício do direito de defesa e antes da elaboração do “relatório final” do relator (artºs 152º/2, 153º/1 e 154º/1), sendo que tal relatório só pode ser elaborado depois de “realizadas as diligências referidas no artigo [153º]”, conforme o comando do artº 154º/1); e deve estar pronto para ser apresentado logo que aberta a audiência pública, se for caso disso, como estabelece o nº 5 do artº 156º.
20. A prova a que este último preceito se reporta é a que for complementar da que até então tiver sido adquirida pelo processo e que antecedeu o relatório, parecer e proposta do relator e lhe deu fundamento. E respeita à matéria da acusação, é acto de contraditório relativamente a ela, não ao relatório, que daquela deriva e nada mais é que mero instrumento de trabalho do conselho.
21. As razões da publicidade da audiência residem na necessidade tanto de tornar públicos os factos do processo (daí a leitura do relatório final do relator a que se refere o artigo 154º); como de facultar aos intervenientes o exercício do direito à produção de prova complementar; como ainda de exporem oral e publicamente as suas razões de queixa e de defesa. Por outro lado, nem a publicidade da audiência de julgamento abrange a produção de prova – pois a regra é o seu cabimento na fase de instrução –, nem a admissibilidade da prova complementar se justifica pela publicidade da sua produção. Tudo sem prejuízo de o conselho ordenar a realização de novas diligências, eventualmente a requerimento de um interveniente.
Acerca da solicitação de clientes 22. “Contextualizar” é, numa perspectiva linguística, criar um texto que contenha determinada
palavra, expressão ou enunciado de ideia, geralmente para dirimir a aceitabilidade da unidade linguística introduzida; o contexto é o ambiente, isto é, o conjunto tanto das unidades que precedem como das que vêm a seguir a uma unidade determinada. E, num ponto de vista psicológico, o contexto é o material verbal que qualifica ou esclarece o significado de uma unidade igualmente verbal (palavra, frase, afirmação). Para efeitos de valoração disciplinar, é possível e legítimo analisar palavras extraídas do contexto, tendo cabimento uma apreciação context free, quando o conjunto das declarações produzidas pelo arguido em nada altera o significado jurídico-disciplinar daquelas enunciações e, para o efeito duma eventual descaracterização como ilícito, nem as qualifica nem as esclarece.
23. Quando um advogado pretende pronunciar-se sobre a forma como deve processar-se a constituição de advogados pelo Estado e pelas grandes empresas, mandam razões de decoro, reserva e medida que ele se abstenha de o concretizar com a contratação da sua própria pessoa ou da sociedade de que faz parte.
24. A afirmação por um advogado, feita em entrevista a um jornal, de que a sua sociedade deve ser “sempre consultada” antes da contratação de advogado – com referência à declaração de que trabalhou para o Estado percentualmente menos do que justificaria a sua dimensão – significa e denota estimulação ou concitação do Estado e das grandes empresas públicas a corresponderem à sua pretensão de, no futuro, entregarem àquela sociedade serviços (ou mais serviços) profissionais desse tipo.
25. Segundo as regras da experiência, essa afirmação, conjugada com outras que a reforçam, só com esse significado pode ser entendida por qualquer declaratário normal. Assim é quando a pretensão é tornada pública em órgão de comunicação social e foi acompanhada de afirmações que tal denotam, as quais são, em síntese, que aqueles grandes clientes devem justificar porque não escolhem a sociedade a que pertence; que a dita sociedade e os seus membros são “os maiores”; que “não há nenhum escritório português ou estrangeiro que justifique mais ser consultado”; e também de referências encomiásticas a concretos serviços prestados.
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26. Correspondendo ou não as afirmações a uma realidade objectiva, não se patenteando a sua compatibilidade com outro entendimento, tudo constitui comportamento de conteúdo persuasivo e de auto-engrandecimento e comparação, o qual é contrário aos usos, costumes e tradições profissionais de reserva, decoro, solidariedade e cortesia relativamente ao conjunto dos advogados portugueses, que qualquer advogado reconhece e aceita, e tem a obrigação de reconhecer e aceitar, como dever geral da profissão.
27. Esse comportamento é objectivamente apto a causar prejuízo ao prestígio da advocacia. 28. Solicitar clientela é procurar o cliente, diligenciar atraí-lo, qualquer que seja o meio, provocá-lo
para que entregue ao solicitante a prestação de serviço profissional. E é ilícita designadamente quando o comportamento é contrário ao comum decoro ou a solicitação é feita à custa de afirmações jactanciosas de auto-engrandecimento, sem medida, de referências encomiásticas a concretos serviços prestados, de conteúdos persuasivos e de comparação, em contradição com os usos, costumes e tradições profissionais como ficou referido.
29. Um comportamento como aquele descrito configura solicitação de cliente, o que constitui infracção do estatuído na lei, que exactamente estabelece como dever do advogado para com a comunidade não solicitar clientes, por si ou por interposta pessoa, proibição estabelecida porque repugna à sua função social, a qual lhe confere especiais dignidade e responsabilidades (nomeadamente, no seu comportamento público e profissional, a de cumprir pontual e escrupulosamente os deveres estatutários e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem).
30. Por tudo isso quem assim procede viola o disposto nos artºº 110º, 85º/2/h), 86º/a) e 83º/1 do EOA.
Comportamentos ofensivos da Ordem dos Advogados 31. Constituem infracção disciplinar as faltas de consideração para com o Conselho Superior da
Ordem dos Advogados, o qual, legitimado nos termos da lei, qualquer advogado tem obrigação de respeitar, abstendo-se de comportamentos atentatórios do crédito, do prestígio e da confiança que lhes são tributáveis, ou de para tal contribuírem, por se tratar de bens jurídicos especialmente protegidos até pela lei penal (artº 187º do CPen). Assim é, mesmo que possam ser vistos como faltas de consideração para com este ou aquele membro do Conselho, em todo o caso investido em funções jurisdicionais e de autoridade pública, actos atentatórios da honra especialmente qualificados e agravados, por se tratar de bens jurídicos também de modo especial protegidos até pela lei penal (artºº 180º/1, 181º/1, 182º, 183º/1/a) e 2 e 184º do CPen): tal será apenas actuação instrumental sem necessidade de tratamento autónomo.
32. Desprestigia a Ordem dos Advogados imputar publicamente ao Conselho Superior ter, com propósitos ilegítimos, demorado vários meses a acusar o arguido de modo formal, omitindo notórias causas objectivas da situação; e que deixou violar o segredo quanto à instauração do processo.
33. Ofende gravemente esse órgão jurisdicional, acusá-lo de ter condenado sumariamente antes de ter julgado, sugerindo-se junto da opinião pública a falsa ideia de que a fundamentação da instauração do processo disciplinar e depois a da acusação equivalem, intramuros, à prévia condenação de um advogado arguido.
34. Desconsidera a Ordem dos Advogados e o Conselho Superior, seu supremo órgão jurisdicional, o tratar-se como pusilânimes os membros deste, afirmando-se que a acusação só surgiu por o próprio arguido ter exercido pressões nesse sentido. E depreciar-se uma deliberação que incorpora e põe manifesta a vontade colectiva do Conselho, apodando-a de “actuação de 11 membros”, com quem o arguido se diz indignado e ofendido, menoscabo que constitui de novo pública difamação da integridade de todos os seus membros, insinuando a divisão deles em duas partes, uma facção que prevaricatoriamente o ataca por “delito de opinião” e o “persegue”
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com “raiva” (por ter sido por ele derrotado em eleições); e outra que não o ofende porque se opôs à instauração do processo disciplinar.
35. Produzir declarações imputando à maioria dos membros do Conselho Superior (que votou e por ter votado deliberação a ele alegadamente desfavorável) actos de “indignidade”, “manipulação” de factos, “habilidades”, coacção sobre o relator, dolo, “falta de vergonha”, “aventureirismo”, perseguição à sua pessoa por motivos de “raiva” e vingança e outros semelhantes, tudo críticas e alusões desprimorosas e deprimentes, deu azo a que os declaratários de tais palavras tivessem ficado a pensar que o Conselho actua de forma ilegal, designadamente com parcialidade, sem rigor nem objectividade, desse modo prejudicando o exercício da actividade que lhe está confiada própria da jurisdição disciplinar, assim se prejudicando o prestígio da Ordem dos Advogados.
36. É ilícito que, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, o arguido afirme publicamente factos inverídicos, capazes de ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança que são devidos à Ordem dos Advogados e ao seu Conselho Superior. Assim, com divulgação pública, referir requisitos da acção disciplinar cuja inexistência o arguido não desconhece nem pode de modo nenhum desconhecer: referir, designadamente, que não deveria ter sido iniciado o procedimento, dada a ausência de participação; e que lhe era devida uma audiência prévia – sendo certo que a legislação aplicável não prevê uma coisa nem outra, assim agredindo o prestígio da Ordem dos Advogados e do Conselho Superior em particular.
37. É especialmente censurável o comportamento desse tipo porque, assumindo-o publica, reiterada e acintosamente, o arguido sabia que os do Conselho não poderiam dar, por dever de reserva, nem a ele a resposta adequada, nem ao público o preciso esclarecimento, deste modo sendo desrespeitadas as obrigações de rectidão e lealdade impostas pelo nº 2 do artº 83º do EOA.
38. Tal comportamento não representa o exercício do direito de crítica ou de emitir opinião técnico-jurídica; trata-se de imputações que, objectivamente, têm idoneidade e capacidade de violação daqueles valores, como qualquer homem comum normal e diligentemente alcança. Averiguar e declarar a ilicitude de tais comportamentos não é perseguir a emissão de opiniões ou críticas objectivas; respeitar o direito constitucional de livre expressão não significa permitir que sejam ultrapassados os limites ao exercício desse direito, proibidos de igual modo pela Constituição, a qual considera tais actos submetidos aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação. As limitações são aliás estabelecidas em nome da finalidade social de tal direito, a saber, a formação duma opinião pública, nuclear do Estado de Direito Democrático.
39. Os advogados, do mesmo passo que gozam de imunidades no exercício do mandato e do patrocínio (artº 208º da ConstRep), estão deontologicamente sujeitos a uma “agravação” da postura de responsabilidade exigida no exercício do direito de liberdade de expressão, isto é, quando não se trate do exercício do mandato ou do patrocínio. São exactamente limites profissionais ou derivados dessa condição profissional.
40. O arguido que se defende a si próprio não pode invocar essa circunstância para reclamar privilégio ou imunidade concedidos ao defensor advogado, pois não adquire tal estatuto, ainda que profissional do ofício; pelo contrário, mantém os direitos e os deveres comportamentais próprios do estatuto de arguido. Não está então a exercer, por conta própria, uma função assimilável à de patrocínio ou mandato forense, antes simplesmente dando execução ao direito, mais elementar, de fazer a sua própria defesa – isto em especial se a defesa esteve a cargo de advogados constituídos. De facto, por elementar bom senso, não é admissível que, no acto de se defender, um arguido possa correr o risco de cometer faltas porventura mais graves do que aquelas pelas quais vem acusado; nem faria sentido o arguido ter obrigações de correcção e respeito para com os julgadores e ficar dispensado da sua observância desde que defensor de si próprio, sendo que tem tais obrigações exactamente porque é arguido. O estatuto de arguido e o de defensor são, nesse particular, incompatíveis.
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41. Tais comportamentos constituem violação do dever imposto pelo artº 86º/a) do EOA (L 15/2005, de 26-01). Desde logo por via da infracção acessória dos deveres, consagrados no artº 107º/1/ a) do mesmo EOA, de correcção e urbanidade (ataques pessoais a membros do Conselho Superior, no exercício das funções jurisdicionais em que estão investidos e por causa delas, em relação aos quais fez alusões deprimentes e críticas desprimorosas, de fundo ou de forma). E concomitante infracção dos deveres de rectidão e lealdade, previstos no nº 2 do artº 83º; e do comando do artº 83º, nº 1, do EOA, por ter tido um repetido e persistente comportamento público desconforme com a dignidade e responsabilidades da função de advogado.
42. O carácter doloso da actuação referida, por um lado e, por outro, as exigências de prevenção geral – a indicação (para a generalidade dos advogados) no sentido de uma punição tão exemplar quanto a singularidade do caso – já que a Ordem tem de prestar públicas contas sobre se adequadamente protege o património deontológico que lhe está confiado, seja quem for que prevarique – levariam a colocar a fasquia da punição no nível da suspensão do exercício da actividade. No entanto, a Ordem dos Advogados não precisa de se basear fundamentalmente em razões de prevenção geral para levar a cabo as funções disciplinares e disciplinadoras que lhe estão confiadas, havendo que, quando for aconselhável, deixar prevalecer alguma generosidade face a comportamentos deontologicamente reprováveis, ainda que às vezes marcados pelo dolo. Se o paradigma abstracto da pena fosse aquele da suspensão, justificar-se-ia no caso uma atenuação especial de algum modo análoga à aplicação da doutrina consagrada nos artºº 72º e 73º do CPen, por as circunstâncias singulares do caso diminuírem, por forma que julgada muito acentuada, a necessidade em concreto dessa pena. Ponderadas as circunstâncias do caso, valorando sobretudo a globalidade do comportamento, pode o Pleno do Conselho Superior da Ordem dos Advogados entender que a sanção adequada é a de censura, com publicidade, o que no caso ocorre.
43. Nos termos do disposto no artº 130º/1 do EOA, verifica-se a acumulação de infracções sempre que duas ou mais sejam cometidas antes da punição de infracção anterior. Todavia, não pode ser aplicada ao mesmo advogado mais de uma pena disciplinar pelas infracções apreciadas em mais de um processo, quando apensados [nº 2/c)]: à acumulação de infracções não pode corresponder uma acumulação de penas, seja sob que forma for. Em caso de apensação de processos, se num deles tem cabimento a pena de advertência e noutro a de censura, sanções de natureza diferente, não tendo nem suportando expressão quantitativa, e sendo a censura pena superior na hierarquia normativo-estatutária, esta consome a advertência.
AJS
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Acordam os do Conselho Superior da Ordem dos Advogados: I. QUANTO AO PROCESSO DISCIPLINAR Nº X/05… 1 Com data de 27-04-2005 o Sr Bastonário Dr Rogério Alves endereçou ao Sr Presidente do
Conselho Superior a correspondência a seguir referida, sobre a qual este determinou a
elaboração de parecer. O que foi feito, com o teor seguinte 1:
1. O Ex.mo Presidente deste Conselho Superior nomeou o signatário, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 40º/f) do EOA, para a elaboração de parecer. O despacho de nomeação foi lavrado em 27-04-2005 sobre ofício, da mesma data, subscrito pelo Ex.mo Bastonário, do seguinte teor:
“Meu Caro Colega e Amigo Na sua sessão do passado dia 15 do corrente deliberou o Conselho Geral, por maioria, submeter à apreciação do Conselho Superior o teor da entrevista dada ao Jornal A..., na sua edição do dia 6 deste mesmo mês, pelo bastonário Dr. J..., cujo texto se encontra em poder de V. Exas. A deliberação assim tomada, não assenta no pressuposto adquirido pelo Conselho Geral, de que o teor da referida entrevista representa infracção disciplinar. Contudo, entendeu-se que, por várias razões que foram sendo desfiadas no Conselho Geral, a matéria deveria ser objecto de apreciação por esse órgão, a quem, em última análise, compete sobre ela deliberar. É o que lhe solicito através desta comunicação […]”
O parecer é pois pedido ao Conselho Superior. É manifesto nada haver que o impeça, isto é, nem que o Bastonário lho cometa (artº 39º/i) do EOA) nem que o Conselho o emane (artº 40º/f) citº). Assim é, não obstante tal não constar do elenco das suas atribuições feito no artº 43º do EOA, instrumento lacunar e imperfeito, pelo qual o intérprete precisa de navegar com cuidado no descobrimento da ratio legis e da mens legislatoris. 2. Determinar qual seja o objecto da pronúncia pelo Conselho Superior é por seu lado algo complexo. O bastonário pode cometer a órgão da Ordem ou aos respectivos membros a elaboração de pareceres “sobre quaisquer matérias que interessem às atribuições da Ordem” (artº 39º/i) citº); o idêntico poder do presidente do CS relativamente a membros deste refere-se a “quaisquer matérias que interessem aos fins e às atribuições da Ordem” (al. f) do citº artº 40º).
1 Apensos ao parecer estão dois documentos: a transcrição da entrevista concedida ao jornalista P..., do Jornal A..., pelo Sr Bastonário J... (fls 8 a 12) e bem assim o texto de autoria deste ali publicado no mesmo periódico em 20-04-2005 sob o título O “sismo” e os sismógrafos.
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O ofício do Sr Bastonário Rogério Alves refere que a “matéria deveria ser objecto de apreciação” pelo CS, pois a este, “em última análise, compete sobre ela deliberar”. O objecto a analisar é a entrevista do Sr Bastonário J... publicada em 06-04-2005 ao Jornal A.... A pronúncia que se pede ao CS tem dois planos de análise: a) Ou a entrevista contém matéria susceptível de ser apreciada em acção disciplinar, sendo que é exclusivamente ao CS que “compete sobre ela deliberar” (intuitu personnae, assim é: a instrução da acção disciplinar contra anterior bastonário compete às suas secções e o julgamento ao pleno: artº 43º/1/c) e 3/c) do EOA); b) Ou, assim não sendo, amplia-se o âmbito do parecer pedido, devendo o CS pronunciar-se sobre a dita entrevista enquanto matéria que interessa às atribuições (e fins) da Ordem dos Advogados – se o for. Por exemplo, para, em vez de apreciar condutas, emanar recomendações genéricas ou uniformizar critérios. 3. Acontece que se for afirmativa a conclusão quanto à primeira das perspectivas, a respectiva deliberação do CS implica a obrigação de logo “ordenar a instauração de procedimento disciplinar”, independentemente de participação, como lhe está assinado pelo artº 118º/2 do EOA. Tal situação de imediato bloqueará a possibilidade de satisfazer o pedido de parecer seja sobre que aspecto for, pois ao CS fica vedado pronunciar-se, ao menos até ficar esgotado o seu poder jurisdicional na acção disciplinar. Por outro lado, o mesmo terá de se concluir se atentarmos na natureza secreta do processo disciplinar (artº 120º/1 EOA). Ou seja, instaurado o processo – se for esse o caso –, apenas há lugar à comunicação ao Sr Bastonário, nos termos e para os efeitos do artº 119º do EOA; ou simplesmente no uso da faculdade conferida pelo nº 5 do artº 120º. Deste modo, o objectivo deste parecer é que o relator se pronuncie, sem mais, sobre a existência ou não de matéria disciplinar: trata-se de algo que constitui questão prévia. E se a conclusão for afirmativa, nada mais há a dizer, se e enquanto o Conselho não deliberar de outro modo. 4. Ao advogado é exigido que, por ser elemento “indispensável à administração da justiça”, tenha “um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no presente Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem.” (artº 83º/1 EOA/2005). A entrevista em questão do Sr Bastonário J... constitui, globalmente, comportamento público de um advogado cuja adequação deontológica é susceptível de apreciação em termos formais. Nomeadamente para confrontar tal comportamento com o conjunto de normas legais e os usos, costumes e tradições profissionais impostas aos advogados. 5. Um dos especiais deveres do advogado para com a comunidade consiste em “não solicitar clientes, por si ou por interposta pessoa” (artº 85º/2/h) do EOA). Na aludida entrevista o Sr Dr J... produz publicamente várias afirmações passíveis de análise em sede disciplinar, a fim de se determinar se constituem solicitação de clientes por intermédio de órgão de comunicação social. Aliás, o teor de toda a entrevista pode carecer de ser escrutinado com a mesma finalidade. Em todo o caso, refiram-se a título de exemplo as seguintes palavras atribuídas ao Sr Bastonário:
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− “Nós não queremos nenhum privilégio, não queremos que, por exemplo, o Estado e as grandes empresas públicas só trabalhem com estas três sociedades. Mas, pelo menos, sempre que têm de escolher advogados, que consultem estas três sociedades. São sociedades que têm muito emprego, pagam muitos impostos, acrescentam valor, fazem exportações, sobrevivem a desafios terríveis, a grandes concorrentes estrangeiros”. − “Os casos em que trabalhámos para o Estado nestes três anos foram percentualmente menos do que justificaria a nossa dimensão. A B... nunca deve deixar de ser consultada. O estranho é se não nos consultarem em qualquer operação do Estado. Eu diria mesmo que, se não nos escolherem, é preciso que justifiquem”. − “[O Estado deve dar preferência à B...?] O Estado deve escolher o que lhe servir melhor. Mas é preciso, pelo menos, ouvir”. 6. De igual modo, se a publicidade não está vedada aos advogados, devem eles − e as sociedades de advogados: artº 203º/2 e 89º/5 EOA/2005) − cingir-se ao que é permitido, ou seja, a “divulgar a sua actividade profissional de forma objectiva, verdadeira e digna, no rigoroso respeito dos deveres deontológicos, do segredo profissional e das normas legais sobre publicidade e concorrência”, ou seja, limitar-se à prática de “actos lícitos de publicidade” (artº 89º citº). São nomeadamente actos ilícitos de publicidade a colocação de conteúdos persuasivos, ideológicos, de auto-engrandecimento e de comparação; a referência a valores de serviços, gratuitidade ou forma de pagamento; a menção à qualidade do escritório (artº 89º/4). O conteúdo da entrevista é eventualmente sindicável deste ponto de vista. A sua globalidade; mas, em particular e por exemplo, os seguintes passos: − “Só neste escritório trabalham quase 300 pessoas, é metade dos trabalhadores da Bombardier. Fala-se em preferência nacional para todos os sectores mas não na advocacia. Nós não queremos ser preferidos, mas às vezes...” − [As sociedades de advogados são Centros de Decisão Nacional (CDN)?] “São. São centros de racionalidade e decisão nacional. [E devem ser protegidas?] [...] Repare: Portugal exporta serviços jurídicos, designadamente para países de língua portuguesa. E não há o mais pequeno apoio. São exportações como outras quaisquer. Há falta de sensibilidade aos CDN em matéria de advogados [...] Nós não queremos nenhum privilégio, não queremos que, por exemplo, o Estado e as grandes empresas públicas só trabalhem com estas três sociedades. Mas, pelo menos, sempre que têm de escolher advogados, que consultem estas três sociedades. São sociedades que têm muito emprego, pagam muitos impostos, acrescentam valor, fazem exportações, sobrevivem a desafios terríveis, a grandes concorrentes estrangeiros. [...] Nós já fazemos exportação de serviços jurídicos. Nas áreas de "project finance", por exemplo, exportamos serviços para muitos países europeus. Não andamos é a dizer isso, mas provavelmente iremos passar a fazê-lo. [É] publicidade informativa e não revelamos clientes. Se lhe disser que estivemos em 18 das 20 maiores operações imobiliárias em 2003, não estou a dar nomes de clientes, estou a dar uma informação” − “Os casos em que trabalhámos para o Estado nestes três anos foram percentualmente menos do que justificaria a nossa dimensão. A B... nunca deve deixar de ser consultada. [...] Somos o maior, somos só português, temos todas as valências”
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− “Nós temos os maiores especialistas na saúde [...] Sem falsas modéstias, digo que não há nenhum escritório português ou estrangeiro que justifique mais ser consultado. Somos todos bons, mas nós somos os maiores”. − “Aqui há 10 anos, eu fiz a maior operação de fusões & aquisições que alguma vez se tinha feito em Portugal. Fui contratado através de um banco. [...] eu inventei uma solução jurídica [...] Eu acrescentei muito valor. Os meus honorários foram um quinto dos do banco” − “a minha equipa fez a mais complicada operação de reestruturação de dívida feita até então em Portugal. Negociei com mais de 20 bancos, montámos operações jurídicas altamente complicadas e isso permitiu salvar uma empresa”. 7 São atribuições da Ordem dos Advogados zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de advogado, promovendo, além do mais o respeito pelos valores e princípios deontológicos; e, bem assim, reforçar a solidariedade entre os advogados (artº 3º/d) e f) EOA/2005). Simetricamente, constituem deveres de cada um dos seus membros para com a Ordem dos Advogados não prejudicar os seus fins e o prestígio desta e da advocacia; e colaborar na prossecução das suas atribuições (artº 86º/a) e b) EOA/2005). O Sr Bastonário Dr J..., em artigo publicado no mesmo jornal dias mais tarde, deu conta de que as suas declarações causaram vastas e públicas agitação e polémica, incluindo entre os advogados. E de que foi, por causa delas, publicamente acusado de “falta deontológica passível de sanção disciplinar”; de a entrevista ser uma “forma censurável de angariar clientela”; de que “defende um cartel”; de que “pretende privilégios”; de que “pede favorecimento político”; de que “desvaloriza a competência em relação ao tamanho”; de que “exprime a opinião de uma sociedade de interesses e não de Advogados”; de que resusa o direito a existir para os Advogados que trabalham sozinhos”; de que “quer acabar com a concorrência”; de que “a entrevista revela um pedido de protecção, de favor, de um regime especial ou de lugar cativo, a recusa da concorrência, a defesa do condicionamento industrial, o fim da igualdade de oportunidades, a criação da discriminação em função da nacionalidade, a defsa de um oligopólio”... Quer dizer, houve pessoas segundo as quais foram publicamente postas em causa, indirectamente, as atribuições da Ordem dos Advogados de zelar pela dignidade e prestígio da profissão de advogado, o respeito pelos valores e princípios deontológicos e a solidariedade entre os advogados; por isso que, directamente − pelo Sr Dr J..., pouco depois de ter terminado o seu mandato como Bastonário −, poderão ter sido prejudicados os fins da Ordem e o prestígio desta e da advocacia. Porém, tais “acusações” só em sede disciplinar poderão ser tratadas. 8 Da mesma forma que, fora do procedimento legal ou à revelia dele, não lhe é lícito formular juízos de valor apriorísticos acerca de condutas de qualquer advogado, a Ordem dos Advogados não pode alhear-se de agitações e polémicas publicamente suscitadas em torno de interesses relevantes da profissão. Proponho, em conformidade:
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I. Que o Conselho Superior ordene a instauração de procedimento disciplinar, ao abrigo do disposto no artº 118º/2 do EOA/2005, contra o Sr Bastonário Dr J..., tendo em conta o teor da entrevista por ele concedida ao Jornal A..., onde foi publicada no dia 06-04-2005 (cópia anexa disponibilizada pelos serviços do Conselho Geral); II. Que, em resposta ao ofício transcrito no nº 1 supra, seja comunicado ao Sr Bastonário Dr Rogério Alves apenas que foi instaurado o dito procedimento disciplinar pelo Conselho Superior ao abrigo do disposto no artº 118º/2 do EOA/2005, para averiguação da existência de ilícito dessa natureza.
2 Foi agendada a sua discussão na reunião do Conselho Superior de 20-05-2005. Mas,
como havia sido previamente distribuído pelos seus membros para apreciação, antes
daquela sessão foram entregues ao Sr Presidente textos contendo as opiniões dos Srs
Conselheiros Dr Vasco Vieira de Almeida, Dr Manuel Castelo Branco e Professor Doutor
José Lebre de Freitas, os quais iriam estar ausentes da sessão mas pretendiam que as
suas posições ficassem constando em acta 2-3.
Posto em votação, o parecer e as propostas do relator foram aprovadas, tendo votado a
favor 11 membros do Conselho 4 e 5 outros votado contra 5. Foram apresentadas
declarações de voto pelos Srs Conselheiros Dr Miguel Galvão Teles, Dr Rui Chancerelle
de Machete, Dr Carlos Aguiar e Dr Fernando Cabrita.
A aprovação foi feita com “o esclarecimento de que, por «instauração de procedimento
disciplinar», se devia entender «instauração de processo disciplinar», nos termos do
disposto no artº 139º, nº 1, alínea a), do Estatuto da Ordem dos Advogados”
3 São do seguinte teor as declarações apresentadas antes da discussão no Conselho:
Pelo Sr Dr Vasco Vieira de Almeida:
“Na impossibilidade de, como em devido tempo informei, estar presente na reunião do Conselho Superior de 20 de Maio, não quero deixar de manifestar em termos breves a minha opinião relativamente à entrevista do Bastonário Dr. J... (J...), dada ao Jornal A... em 6 de Abril último, e ao parecer do Exmo. Colega Dr. Alberto Jorge Silva (“Parecer”). 1. Em primeiro lugar, não pode separar-se a entrevista citada do artigo subsequente publicado por J... no mesmo jornal em 20 de Abril, já que o mesmo constitui uma clarificação do pensamento do autor, exposto no primeiro daqueles textos.
2 Esteve ausente, além dos referidos, o Sr Conselheiro Prof. Doutor Sérvulo Correia. 3 O seu teor – assim como o das posteriores declarações de voto de vencido – será transcrito a seguir, no texto. 4 Luís Laureano Santos e Maria Clara Lopes – da 1ª Secção; Augusto Aguiar-Branco, Luísa Novo Vaz, José Rodrigues Braga, Alberto Jorge Silva – da 2 ª Secção; Fernando Cabrita, Eurico Heitor Consciência e Carlos Guimarães – da 3ª Secção; e A. Ribeiro de Carvalho e Virgílio Vasconcelos Ribeiro – da 4ª Secção. 5 Luís Telles de Abreu, Jorge de Abreu, Rui Machete, Miguel Galvão Teles e Carlos Aguiar
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No artigo, depois de resumir as declarações feitas na entrevista, J... afirma que “o que disse [nela] – e sobretudo o que quis dizer – foi isto. Foi isto tudo e não foi mais do que isto”.
É portanto uma apreciação conjunta que tem de ser feita. 2. O Parecer, refere que a entrevista “constitui globalmente comportamento público de um advogado cuja adequação deontológica é susceptível de apreciação em termos formais” e procura, como não podia deixar de ser, enquadrar em concreto os trechos passíveis de constituir violação de deveres deontológicos. Fá-lo, substancialmente com base em três situações: o não cumprimento da norma que proibe a solicitação de clientes (artº 85º, nº 2 (h) EOA); o desrespeito das regras que regem acções de publicidade (artº 89º, nºs 3 e 4 EOA), aplicáveis às sociedades de advogados por força do nº 5 da mesma disposição, e do artº 203º, nº 2 EAO); e a violação dos deveres dos advogados perante a Ordem, estabelecidos no artº 86º, (a) e (b) EOA). Vejamos cada um destes casos: 3. Quanto ao primeiro ponto, os exemplos referidos no Parecer (que é legítimo supor terem sido escolhidos pelo Relator por os considerar os mais significativos), não me parecem colher. De facto, o que J... neles diz é “não querer nenhum privilégio”, ou que o Estado e as grandes empresas públicas só trabalhem com as três maiores sociedades portuguesas, mas sim que estas sejam sempre consultadas. Esta ideia é repetida pela afirmação no artigo citado de que a escolha de advogados pelo Estado deve ser transparente e fundamentada e que “para as grandes operações que implicam equipas muito amplas e com sofisticada e diversificada experiência profissional, as sociedades portuguesas de maior dimensão no mercado devam ser incluídas na lista, conjuntamente com outras, devendo o Estado escolher quem entenda que o poderá servir melhor” (sublinhado meu). De igual modo o segundo exemplo contem uma afirmação de facto e renova o entendimento de que “a B... nunca deve deixar de ser consultada”. Não diz escolhida. O terceiro exemplo expressa o princípio de que “o Estado deve escolher o que lhe servir melhor”. Ou seja: O ponto de vista central que constitui o contexto destas opiniões é o de que, num mundo competitivo a nível internacional, os advogados portugueses enfrentam concorrentes externos que “beneficiam de um ambiente regulatório mais liberal, que aplicam ou podem aplicar ao mercado português” (artigo mencionado), donde deverem as sociedades de advogados nacionais (e, entre elas, as maiores), ser consideradas centros de decisão nacional. Qual o significado desta qualificação? Apenas o de que devem ser consultadas e escolhidas segundo quem possa servir melhor, nas grandes operações do Estado ou entidades públicas. Trata-se de enquadrar as relações do Estado e grandes empresas públicas com as sociedades de advogados, pensando o autor da entrevista que as maiores portuguesas, e em especial a sua, devem ser sempre também consultadas. Não se vê, como poderá enquadrar-se, no caso em análise, qualquer forma de solicitação de clientes, no sentido contemplado no Estatuto. 4. No que se refere ao segundo aspecto apontado – o desrespeito das normas sobre acções publicitárias – também não parecem válidos os argumentos do Parecer. Na realidade, como aplicar a disposição do artº 89º, nº 4 (a) a um texto onde o sócio de uma sociedade de advogados declara (v. artigo de 20 de Abril) que “Portugal tem pelo menos dez sociedades de advogados de enorme qualidade (…)”; que “somos todos bons, mas somos os maiores”, mas simultaneamente diz que “nunca afirmei nem defendo (…) que tamanho é qualidade” (artigo indicado). E a referência a operações concretas citadas no Parecer como constituindo infracções disciplinares, parece-me – na forma como é feita – coberta pelo artº 89º, nº 3 (h), ao
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dispor ser lícita “a menção a assuntos profissionais que integrem o currículo profissional do advogado e em que este tenha intervindo (…)” desde que não seja citado o nome do cliente, excepto nas condições previstas por esta disposição. 5. No terceiro ponto referido acima, não penso que tenha havido violação do dever de prestigiar a advocacia e a Ordem ou da obrigação de solidariedade entre os advogados. Quando se diz que “a qualidade da advocacia portuguesa é muito boa e compara com os melhores “benchmarks” europeus “ (artigo) está-se a violar um dever profissional ou, pelo contrário, a contribuir para “zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão”? E não vejo onde possa verificar-se quebra de solidariedade entre os advogados. Nos termos em que são postos por J... a situação e papel das sociedades, tem de concluir-se o óbvio – trata-se de uma forma de organização que, para permitir uma pluralidade de valências, exige a criação de equipas especializadas capazes de enquadrar juridicamente actividades económicas e financeiras cada vez mais complexas. Ou seja, esse tipo de estrutura é por definição impossível na prática isolada da advocacia pelo que não faz sentido estabelecer qualquer espécie de oposição entre as duas modalidades de exercício da profissão. Parece-me quebra de solidariedade, isso sim, contribuir para a divisão da classe, criando uma falsa antinomia e um clima artificial de animosidade entre essas modalidades, que são complementares e devem respeitar-se mutuamente. Finalmente, gostaria de acrescentar que o facto de que as “declarações de J... causaram vastas e publicas agitação e polémica, incluindo entre os advogados”, nos termos do Parecer, não pode constituir por si uma ofensa ao prestígio da Ordem e da advocacia, passível de procedimento disciplinar. O julgamento do Conselho Superior deve ser objectivo, frio, e não resultar de concessões a reacções públicas ou delas ser espelho. A circunstância de a Ordem, como justamente afirma o Relator, não poder alhear-se de agitações e polémicas publicamente suscitadas em torno de interesses relevantes da profissão, revela precisamente a existência de opiniões diversas sobre o conteúdo desses interesses, justifica um debate interno, sereno e alargado, mas não pode ser confundida com a instauração de procedimentos disciplinares. Creio estarmos neste caso perante a expressão de um livre direito de opinião, de que pode discordar-se (e há pontos da entrevista que não subscrevo), mas nunca punir-se. Muito menos quando em matéria de deontologia, as quebras públicas e frequentemente verificadas por parte de profissionais do foro não têm tido ainda a resposta adequada por parte da Ordem que todos temos a obrigação de dar.”
Pelo Sr Dr Manuel Castelo Branco:
“Voto contra a instauração de procedimento disciplinar ao Senhor Bastonário J... pelas seguintes razões: a) na entrevista concedida em 6 de Abril de 2005 ao Jornal A..., clarificada pelo artigo que assinou na edição de 20 de Abril, o Dr. J... expôs, de forma extensiva, a sua opinião sobre o exercício da advocacia em Portugal, designadamente pelas sociedades de advogados; b) não estou de acordo com o essencial da mensagem que o Dr. J... quis transmitir aos leitores e dei conta desse desacordo numa pequena entrevista que concedi a esse mesmo jornal no dia 13 de Abril último; c) apesar de não concordar com o conteúdo, considero que o Dr. J... se limitou a exprimir livremente a sua opinião sem violar regras de conduta impostas, quer pelo
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Estatuto da Ordem dos Advogados, quer pelo Regime Jurídico das Sociedades de Advogados; d) designadamente, não me parece que, do que disse e escreveu, se possa concluir que, intencionalmente ou não, tenha solicitado clientes, promovido publicidade ilícita ou violado o dever de prestigiar a advocacia ou ser solidário com colegas. A minha convicção funda-se, genericamente, nos motivos claramente enunciados pelo Dr. Vasco Vieira de Almeida na mensagem que remeteu ao Senhor Presidente do Conselho Superior em 18 de Maio de 2005 e para a qual remeto com a devida vénia; e) acresce que o Dr. J..., no exercício do mandato de Bastonário, deu provas irrefutáveis de lutar pelo prestígio e solidariedade da classe. Sinto-me particularmente à vontade para manifestar este reconhecimento pois não fui apoiante da sua candidatura.”
Pelo Sr Prof. Doutor Lebre de Freitas:
Não posso, como já tinha participado, estar presente na reunião de 20.5 do Conselho Superior. Venho, porém, quanto à questão levantada a propósito da infeliz entrevista dada pelo Dr. J... e embora lamentando a falta de senso nela revelada, subscrever a posição tomada pelo Dr. Manuel Castelo Branco no seu e-mail de 18.5.05, entendendo não dever ter lugar a abertura de processo disciplinar.
4 É como segue o teor das declarações de voto:
Do Sr Dr Miguel Galvão Teles:
“1. Estou de acordo com o parecer do Relator no sentido de que, a propósito das declarações do Bastonário J..., só faz sentido considerar recomendações ou orientações genéricas em matéria de publicidade e declarações públicas se não se deliberar a instauração de processo disciplinar – com a consequência de que, perante a posição tomada pelo Conselho, tais recomendações ou orientações terão de ficar pelo menos adiadas. Já não posso acompanhar o parecer quanto à proposta de abertura de procedimento disciplinar. São as razões do meu voto de vencido que passo a expor sumariamente. 2. Os procedimentos disciplinares começam, em regra, por uma participação (EOA, art. 118º, nº 1). No caso em apreço, não existiu participação de ninguém. Há notícia de que muitos colegas manifestaram incómodo com a entrevista do Bastonário J..., mas nenhum fez participação disciplinar – pelo menos, nada, nesse sentido, chegou ao Conselho Superior. Nos termos do nº 2 do art. 118º do Estatuto, “o bastonário e os conselhos superior, geral, distrital e de deontologia da Ordem dos Advogados podem, independentemente de participação, ordenar a instauração de procedimento disciplinar”. O Conselho Geral, que apreciou a matéria, podia ter determinado a instauração de procedimento disciplinar. Preferiu não o fazer, remetendo uma deliberação a tal respeito para o Conselho Superior. Coragem tem este órgão, com a deliberação que tomou. Resta saber se essa foi a boa deliberação e se a devia ter adoptado. 3. A este último respeito, verifica-se um aspecto particularmente melindroso – o qual não reside em o visado ter sido Bastonário, com mandato findo há poucos meses. Está, sim, em o Conselho Superior ser o órgão de julgamento em matéria disciplinar. A isto acresce que se dispõe já de praticamente toda a matéria de facto de base: a entrevista concedida ao Diário C..., publicada na edição de 6 de Abril de 2005, e o artigo “O “sismo” e os
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sismógrafos”, publicado no mesmo periódico, na edição de 20 de Abril de 2005. Neste artigo, o Bastonário J... afirmou que a reprodução da entrevista é, em geral, fiel. Faltará um ou outro esclarecimento, mas não muito mais do que isso. E falta, evidentemente, a defesa, se vier a haver acusação. Mas, salvo qualquer surpresa, o que haverá sobretudo que discutir é a interpretação de preceitos do Estatuto, como aqueles que se referem à “solicitação de clientela” (art. 85º, nº 2, al. h)) ou ao “auto-engrandecimento” e à menção da “qualidade do escritório” (art. 89º, nº 4, als. a) e c)). Tenho por seguro que a deliberação do Conselho se baseia apenas em que, no entendimento que prevaleceu, existem interpretações razoavelmente possíveis daquelas disposições do Estatuto segundo as quais as declarações do Bastonário J... poderiam constituir infracção disciplinar. No que toca à eventual “solicitação de clientela”, e salvo uma frase que interpreto como irónica, não vejo, todavia, qual a interpretação razoavelmente possível que permita a subsunção do caso. No que respeita ao “auto-engrandecimento” e à menção da “qualidade do escritório”, a interpretação possível admitida pelo Parecer não distinguirá publicidade de manifestação pública de juízos sobre o próprio escritório e fará equivaler auto-engrandecimento e menção de qualidade à enunciação de simples juízos positivos de mérito. Será ainda necessário, na aplicação, descontextualizar, em alguma medida, as afirmações do Bastonário J..., as quais se referem, no essencial e a este propósito, às relações entre sociedades de advogados e bancos de investimento. 4. Seja, porém, qual for o valor das interpretações imagináveis, a circunstância de o Conselho Superior ser órgão de julgamento impõe ou, pelo menos, justifica, quanto a ele, uma autolimitação ou contenção no exercício do poder conferido pelo nº 2 do art. 118º do Estatuto. Só em casos excepcionalíssimos o deve exercer e, em princípio, nunca quando disponha praticamente de toda a matéria de facto – porque a iniciativa de instauração de procedimento disciplinar corresponde sempre, de alguma maneira, a antecipar, ao menos parcialmente, julgamento ou pode sempre ser entendida como tal. Por isso, em meu juízo, o Conselho Superior deveria, invocando a sua qualidade de órgão de julgamento, ter-se limitado a responder ao Conselho Geral que, se esse órgão entendesse que há indícios de infracção disciplinar, determinasse, nos termos do nº 2 do art. 118º do Estatuto, a instauração do competente procedimento, reservando-se o Conselho Superior para o instruir e julgar, se fosse caso disso. Por todas estas razões, votei contra a orientação que fez vencimento. 5. Não quero deixar de assinalar, com todo o respeito que tenho pelo Dr. J..., que considero que o conteúdo da entrevista por ele concedida é claramente infeliz. O essencial da entrevista consiste numa crítica aos preceitos do Estatuto sobre publicidade, fundada na desigualdade que criam relativamente a advogados e sociedades de advogados estrangeiros, alguns beneficiários de regimes mais liberais, e na relação com bancos de investimento. O Estatuto actual resultou de um projecto preparado pela Ordem quando o Dr. J... era bastonário. Está no seu pleno direito de fazer a crítica do Estatuto, de dizer (mas não o disse explicitamente) que terá ficado vencido, na elaboração do projecto, que acha que se deveria ter ido mais longe nas permissões de publicidade… O que, atendendo às funções que, com todo o prestígio, acabou de exercer na Ordem, nunca deveria ter feito era ilustrar essa crítica com exemplos referentes à sociedade de advogados de que é sócio e misturá-la ainda com aspectos respeitantes ao processo de selecção de advogados pelo Estado.
Mas de acto de menos sensatez à falta disciplinar vai uma enorme distância.”
Do Sr Dr Rui Machete:
Votei vencido o, aliás, douto e cuidadoso Parecer pelos motivos seguintes:
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1. Por uma primeira razão atinente a uma diminuição de garantias do processo disciplinar.Com efeito, entendo que a opção por parte do Conselho Superior da Ordem dos Advogado de instaurar imediatamente um processo disciplinar ao Bastonário J..., sem que tenha havido participação, conduz a que o acto processual inicial do processo disciplinar, constitutivo do seu objecto, seja a própria deliberação do Pleno do Conselho Geral. Tal facto conduz a que todos os membros do mesmo Conselho se pronunciem, primeiro sobre a possibilidade dos actos imputados serem susceptíveis de constituir uma infracção, e, depois, a final, já em julgamento, sobre a existência da falta e, se esta se verificar, sobre a sua sanção. Há, assim, uma restrição aos direito de defesa que viola claramente o art.32º,10 da Constituição Portuguesa. A deliberação do Conselho Superior de mandar instaurar um processo disciplinar e simultaneamente definir o objecto preliminar da investigação, não pode qualificar-se como m mero acto de expediente ou um acto certificativo mas é um juízo desfavorável ao arguido, ainda que passível de alteração durante o processo. É por esse motivo que no processo penal se distinguem os papéis do Ministério Público no inquérito, do juíz de instrução e dos julgadores que tomam a decisão final. No Parecer que fez vencimento, argumenta-se que, no art.118º,2, se refere poderem as entidades aí mencionadas ordenar a instauração do procedimento disciplinar independentemente de participação. Daí se infere que o Pleno do Conselho, ao apreciar o pedido de parecer do Sr. Bastonário tem obrigatoriamente de analisar se os factos descritos são susceptíveis de constituir ilícito disciplinar e, em caso afirmativo, proceder de imediato à sua instauração. Para evitar a diminuição de garantias resultante de haver coincidência entre quem faz o a apreciação preliminar e quem tem de julgar a final, penso, porém, que o citado art. 118,2 tem de ser interpretado restritivamente, sempre que os processos disciplinares corram «ab initio» no Conselho Superior, excluindo a hipótese do mesmo órgão, o Conselho Superior ordenar a si próprio o procedimento disciplinar. Nestes termos, ou se solicitava ao Sr. Bastonário um esclarecimento sobre se este pretendia ordenar um procedimento disciplinar, ou, como se me afigura preferível, o Conselho ou algum dos seus membros elaborar um parecer sobre a matéria da entrevista que está na origem do problema, nos tremos do art.40º,f) do EOA. 2. Por uma razão de carácter substantivo. A entrevista que motivou a comunicação do Senhor Bastonário ao Presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados e o pedido deste ao seu Conselho foi dada no vasto âmbito da defesa da profissão e do trabalho dos advogados portugueses e igualmente das sociedades de advogados em face da concorrência dos seus colegas estrangeiros no mundo que é cada vez mais global. Ênfase particular foi posta nas particularidades dessa concorrência quando se trata de serviços encomendados pelo Estado português ou por outras entidades de direito público portuguesas. As expressões que se procuraram isoladamente subsumir em artigos do E.O. A. que recortam infracções disciplinares foram proferidas num contexto geral de carácter argumentativo, como exemplos que concretizavam as considerações mais abstractas que foram também feitas. Isolar essas afirmações do contexto é, naturalmente, descaracterizá-las e atribuir-lhes um significado e uma intenção que obviamente o seu autor não teve. A interpretação deve ter em conta, como é sabido, desde logo a pré-compreensão orientada para a matéria fundamental de que se trata e depois o conjunto ou sistema em que cada afirmação é feita. Transferir um discurso político em que basicamente se critica o comportamento do Estado para a micro-análise das actividades de um advogado de uma firma não me parece a maneira melhor de interpretar as preocupações e a vontade real de quem deu a entrevista. O método de tentar submeter caso a caso cada expressão tomada individualmente às normas incriminadoras do ilícito disciplinar do Estatuto
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afigurar-se-me, assim, e com todo o respeito da opinião que fez vencimento no aliás douto Parecer, conduzir necessariamente a resultados que não correspondem nem à vontade subjectiva de quem as disse nem ao significado objectivo que um declaratário razoável, conhecedor das circunstâncias, deve retirar. A concluir desejo manifestar a minha clara preferência, em função do que acima disse, pela elaboração de um parecer que ajude a interpretar a complexa temática sobre informação e publicidade agora regulada no artigo 89º do E.O.A., as questões da concorrência com colegas e sociedades estrangeiras e o próprio estatuto e implicações jurídicas de haver estruturas empresarias no exercício da advocacia.”
Do Senhor Dr. Carlos Aguiar:
“Não subscrevo nem me revejo em algumas das declarações do Senhor Bastonário Dr. J... em entrevista ao Jornal A... de 6 de Abril de 2005, designadamente aquelas que se acham relevadas e reproduzidas no parecer de 2 de Maio de 2005, do Ilustre Relator Sr. Dr. Alberto Jorge Silva. Espera-se de um advogado – e ainda mais de um Bastonário – que seja contido, prudente e objectivo na expressão das suas opiniões através dos órgãos de comunicação social, em particular quando entenda dever falar de si próprio ou da organização a que pertence ou do meio socio-profissional onde se move. Exige-o a dignidade da profissão e o Estatuto que a rege. No meu entender, algumas das declarações proferidas pelo Sr. Dr. J... ferem, inequivocamente, tal princípio de moderação e criaram mal-estar justificado na classe. No entanto, com o devido respeito, discordo que as mesmas declarações revistam uma gravidade tal que indiciem a prática pelo seu autor, de qualquer infracção disciplinar, designadamente a violação dos artigos 83º nº 1, 85º nº2, alínea h) e 89º do EOA/2005. Não me parece que se possa depreender das referidas declarações que o Sr. Dr. J... haja pretendido solicitar clientela para si, ou para a sociedade de advogados a que pertence; fazer publicidade ilícita do exercício da sua actividade profissional de advogado, ou da referida sociedade; ou que o seu comportamento público e profissional tenha posto, inequivocamente, em causa os princípios de “Integridade” estabelecidos no artigo 83º do Estatuto. Pelas expostas razões, voto contra as conclusões do Parecer do Sr. Dr. Alberto Jorge Silva, que ordenou a instauração de procedimento disciplinar contra o Sr. Bastonário Dr. J....”
Do Senhor Dr Fernando Cabrita:
“Não deixo de reconhecer alguma razão no argumento de ordem formal invocado pelo nosso Colega Dr. Miguel Galvão Teles, pois entendo, na minha modesta opinião, que o pedido de parecer solicitado pelo nosso actual Bastonário não reveste, de facto, o aspecto inequívoco de uma verdadeira participação para efeitos disciplinares. Talvez merecesse um pedido de esclarecimento (ou de interpretação autêntica). Uma coisa é certa: tomada a deliberação pelo Conselho Geral, houve o cuidado de se referir que "a deliberação tomada não assenta no pressuposto adquirido pelo Conselho Geral, de que o teor da referida entrevista representa infracção disciplinar." Daí que, penso, o nosso Colega, Dr. Galvão Teles, tenha entendido não existir verdadeira participação. No entanto, enviado o teor da entrevista, na sua íntegra, para o Conselho Superior, que outra posição poderia este tomar senão analisar a matéria fáctica daquela entrevista constante? Mesmo que as declarações do Dr. J..., em última análise, no contexto
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em que foram proferidas, não cheguem a consubstanciar infracção disciplinar, penso que ao Conselho não restará outra alternativa senão analisar tal conduta, procedendo à abertura do respectivo procedimento. Neste e com todos os contributos da mais variada ordem, se poderá averiguar objectivamente se houve ou não infracção. Tenho a maior consideração pelo meu anterior Bastonário e Ilustre Colega, Dr. J..., ainda que não concorde com parte substancial das suas declarações. Penso, no entanto, que não se prestaria um bom serviço, se, por uma qualquer razão de ordem formal, se viesse a evitar a apreciação dos factos em causa, deixando que permanecessem dúvidas sobre a existência de um eventual ilícito disciplinar, pondo em causa a própria transparência de métodos deste órgão. Estou certo que tal solução não seria benéfica nem para a Instituição nem para o visado. Daí o meu voto de concordância com o parecer do nosso Colega Dr. Alberto Jorge Silva.”
5 Deste modo instaurado processo disciplinar, o relator nomeado, Sr Conselheiro Eurico
Heitor Consciência, Presidente da 3ª Secção, para dar cumprimento ao disposto no artº
146º/7 do EOA – segundo o qual é obrigatória a audição do arguido na fase inicial da
instrução –, ordenou a notificação deste para se pronunciar, querendo, sobre a matéria
dos autos.
Em 06-07-2006 veio o arguido responder à notificação dizendo carecer de sentido
pronunciar-se nesta fase, alegando já não poder evitar a instauração do processo, bem
como não podia ainda defender-se da “concretização adequada dos factos que lhe são
imputados”; pelo que aguardaria “a notificação do despacho de acusação” para se
pronunciar (fls 41).
Juntou procuração a advogado (fls 42).
Posto isso, o Sr Relator declarou finda a instrução e entendeu que devia deduzir
acusação (fls 44 e ss) 6.
6 O arguido queixou-se, no processo e em órgãos de comunicação social, de que “demoraram” 6 meses a deduzir uma acusação que se fazia em minutos. Salvo o devido respeito, não tem razão; e o que diz só pode dever-se a desconhecimento do modo e condições de trabalho do CS, quiçá desculpável. De facto, a deliberação de 25-05-2005 é-lhe notificada por protocolo em 02-06; em 17-06 o Relator manda notificá-lo para se pronunciar, querendo (fls 39) (correio de 20-06); em 11-07 o arguido responde (fls 43); em 11-07 o processo é concluso ao Relator; de 16-07 a 14-09 são férias judiciais; em 15-10 o Relator elabora a acusação, necessariamente com vistos aos Srs Conselheiros da Secção com competência para a instrução; em 29-11 a acusação é notificada. Como este processo não é legalmente privilegiado com qualquer carácter de urgência ou prioridade, conclui-se que tem andado bem depressa. O acusado, aliás, está a ver o processo como de simplicidade que de facto não tem; e saberá que os membros do CS são advogados a tempo inteiro e que desempenham neste as suas funções forçosamente com prejuízo da vida profissional, do que aliás não se queixaram jamais; que a pendência de processos é enorme, em boa parte vinda do antecedente; que do Conselho Geral a que ele próprio presidiu transitaram para este Conselho Superior algo como 130 processos de laudo, por não terem sido concluídos os já distribuídos antes da alteração da competência ratione materiae.
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6 Tal acusação é nos termos seguintes:
1º
Em entrevista que concedeu ao "Jornal A...", publicada na respectiva edição de 6 de Abril de 2005, o arguido, Bastonário J..., defendeu, explícita e enfaticamente, a ideia de que o Estado e as grandes empresas públicas, quando têm de escolher advogados, deveriam consultar três sociedades de advogados, uma de entre elas devendo ser sempre a "B… - … & Associados", de que é sócio.
2° Declarou, nomeadamente, a esse propósito, a dado passo da entrevista, o seguinte: "A B... nunca deve deixar de ser consultada. O estranho é se não nos consultarem em qualquer operação do Estado. Eu diria mesmo que, se não nos escolherem, é preciso que justifiquem. Somos o maior, somos só português, temos todas as valências."
3° Em artigo publicado no mesmo periódico, na edição de 20 de Abril de 2005, no qual pretende clarificar o conteúdo daquela entrevista, o arguido esclareceu, quanto a esse ponto, o seguinte: "É também por isso que disse que, no fundo, se o Estado tem de justificar quando nos escolhe, terá de justificar quando não nos escolhe e nem sequer nos convida para apresentar condições",
4º Tendo acrescentado “ Sem falsas modéstias, digo que não há nenhum escritório português ou estrangeiro que justifique mais ser consultado. Somos todos bons, mas nós somos os maiores”.
5º O artigo 85°, n° 2, alínea h), do Estatuto da Ordem dos Advogados estabelece, em especial, que constitui dever do advogado para com a comunidade "não solicitar clientes, por si ou por interposta pessoa”.
6° Ao declarar publicamente, com grande impacto, através de um órgão de comunicação social, que a B... nunca deve deixar de ser consultada, e que é estranho que o não seja em qualquer operação do Estado, rematando o raciocínio com manifestação da ideia de que, se não nos escolherem, é preciso que justifiquem - é óbvio e inquestionável que o arguido, Bastonário J..., visava solicitar como cliente o Estado Português, como manifestamente ressalta das suas palavras e do teor global da sua pública intervenção,
7° Não sendo legítimo alegar-se que, por não ter reclamado directamente a efectiva contratação de serviços, não estaria incurso na proibição consignada no preceito legal citado, o qual, muito claramente, veda ao Advogado a simples solicitação de clientes, que, no caso, se consubstanciou na reivindicação de que a B... deva ser sempre consultada.
8° Ao acrescentar, porém, que "se não nos escolherem, é preciso que justifiquem", o arguido violou, do mesmo passo, o dever de não prejudicar o prestígio da advocacia, consignado no artigo 86°, alínea a), do Estatuto, posto que, se fosse configurável a entrevista como matéria de publicidade, se qualificaria, indubitavelmente, nessa parte, como acto ilícito, dado o conteúdo persuasivo que encerra, de auto-engrandecimento e de comparação,
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9° Motivo pelo qual, embora não sendo directamente aplicável o disposto no artigo 89° do Estatuto, uma vez que não se trata, propriamente, de publicidade, não pode deixar de entender-se que aqueles conteúdos, que em sede de publicidade seriam ilícitos, ao caracterizarem igualmente actos de advogado, publicamente assumidos, ainda que de natureza não publicitária, na justa medida em que ofenderam o mesmo princípio que na expressa proibição legal se precipita, prejudicaram necessariamente o prestígio da advocacia, e, atendendo às funções de alta responsabilidade que o arguido, Dr. J..., desempenhou na Ordem dos Advogados, e ao seu estatuto de Bastonário, afectaram também o prestígio da própria Ordem dos Advogados.
10º No mesmo registo se tem de enquadrar a afirmação constante do ponto 4º, que resumiu a referência encomiástica a concretas intervenções profissionais de grande envergadura: "Sem falsas modéstias, digo que não há nenhum escritório português ou estrangeiro que justifique mais ser consultado. Somos todos bons, mas nós somos os maiores."
11° Além de ter violado os preceitos estatuários acima enunciados, ofendeu o arguido, Bastonário J..., os que lhe impunham os usos, costumes e tradições profissionais, consagrados no artigo 83°, n° 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, pois, que sempre a profissão foi avessa a atitudes jactanciosas, sendo, ao invés, conformada pela ideia de que, nas palavras de Crémieu, "a confraternidade é a alma da profissão do advogado".
12º O arguido sabia e tinha obrigação de saber que com os comportamentos acusados violava os deveres consignados nos cits. artºs. 85º-2-h) e 83º-1 do E.O.A..
13º Nos termos do disposto nos artºs. 125º e 126º do E.O.A. deve aplicar-se ao arguido a pena do cit. artº 125º-1-a) (advertência), tendo em conta a gravidade (reduzida) da infracção e os antecedentes profissionais do arguido e os relevantes serviços prestados pelo mesmo à Ordem dos Advogados.”
7 Cumprido o disposto no artº 150º do EOA, o arguido apresentou a peça com a sua
defesa, subscrita pelos Srs Advogados constituídos, a qual vem feita, em síntese, nos
termos seguintes:
a. As afirmações do arguido citadas na acusação não violam as normas dos artºs
85º/2/h), 86º/a) e 83º/1 do EOA;
b. Assim é porque não constituem solicitação de clientela – até porque o Estado já é
seu cliente;
c. Nem trazem prejuízo ou ofensa dos fins e prestígio da Ordem dos Advogados; antes,
na entrevista em causa o arguido deu da advocacia e dos advogados portugueses
“genericamente considerados”, “uma imagem de credibilidade, prestígio e solidez”;
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d. Não “reflectem” o “conteúdo do que por ele foi dito” nem “a sua forma de
pensamento”, encontrando-se, “metodicamente e de acordo com um critério de
escopo deliberadamente acusatório”, removidas “do sentido global que lhes
corresponde”; e assim a acusação “subverte manifesta e despudoradamente (por via
da omissão) o sentido em que as mesmas foram proferidas”;
e. O arguido não quis violar normas deontológicas, antes “tornou pública a sua
perspectiva sobre temas de inquestionável pertinência e actualidade, contribuindo
activamente para a discussão pública da reforma das instituições”, tendo assim
apenas assumido uma “posição opinativa”;
f. O teor do artigo publicado pelo arguido em 20-04-2005 (fls 13 e 14) deveria ter sido
tomado em consideração como explicitando o sentido das afirmações da entrevista
sindicada (a defesa transcreve passos daquela peça da forma que acha adequada
para demonstrar uma posição quanto ao tema, ou seja, “o dos procedimento e
critério para a contratação pelo Estado de prestadores de serviços jurídicos,
advogados e sociedades de advogados”: deveriam ser instituídas regras, “porventura
concursais”, “que permitissem ao Estado a escolha do advogado ou da sociedade de
advogados” que o “servisse melhor”, através de consulta dos profissionais ou
sociedades com adequados “perfil”, “valências”, “capacidade de resposta” e
“experiência acumulada”);
g. Declara que a defesa apresentada “pouco mais constitui do que o desenvolvimento
do que nos autos ficou já explanado em sede de posição assumida” pelos membros
do Conselho Superior vencidos na votação supra referida.
Arrolou dez testemunhas e juntou vários documentos.
Requereu se proceda a julgamento em audiência pública, parecendo pretender, já
então, que a inquirição das testemunhas arroladas se faria na audiência de julgamento.
Os Ex.mos Advogados constituídos entenderam permitir que fosse junto aos autos um
escrito da autoria do arguido constituinte, como sendo “a sua própria perspectiva
pessoal sobre a factualidade da acusação”. Não subscreveram a dita peça, mas
declararam que as testemunhas arroladas o eram também à matéria que dela consta.
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Anote-se que este comportamento de patrocínio daria lugar por certo a mais alongadas
considerações, não fora estar o assunto, agora, fora de causa por virtude de o Sr
Conselheiro então Relator ter admitido que a peça ficasse nos autos, em entendível
acto sacrificial no altar do máximo possível de “oportunidades de defesa”.
8. Foi deprecada a inquirição das testemunhas. Notificado de tal facto, o arguido, “por
entender que a remessa dos ofícios precatórios […] prejudica a publicidade” do
julgamento, veio “prescindir do aludido expediente para a inquirição”,
comprometendo-se a apresentar as testemunhas em audiência.
Entretanto, o Sr Conselheiro Dr Eurico Heitor Consciência quis pedir escusa de relator,
o que foi aceite, tendo sido nomeado o Vogal ora relator para tais funções, por
despacho do Ex.mo Presidente, devidamente notificado ao arguido, o qual nada disse.
Coube ao novo relator decidir esta última pretensão, o que foi feito nos termos do
despacho que a seguir se transcreve e que mereceu aprovação prévia dos Ex.mos
Conselheiros da 2ª Secção, à qual compete a instrução do processo:
“1. O Sr Bastonário arguido, tendo sido notificado da remessa de ofícios precatórios aos Conselhos de Deontologia de Lisboa, Porto e Coimbra para inquirição de testemunhas por si arroladas, e entendendo que esta forma de inquirição “prejudica a publicidade com que oportunamente requereu viesse a decorrer o julgamento”, veio declarar “prescindir do aludido expediente” e “assumir o compromisso de apresentação das mesmas na data e local que vierem a ser designados para a audiência”. Há que apreciar. É manifesto que o arguido não prescinde da produção da prova testemunhal oferecida, antes pretende que a inquirição das testemunhas seja feita, não por deprecada nesta fase do processo e perante o instrutor, mas sim na audiência de julgamento e perante o Conselho, a fim de não “prejudicar” a publicidade por esta propiciada. Salvo o devido respeito por melhor ou simplesmente outra opinião, não tem qualquer fundamento a pretensão. Evidentemente, o arguido pode prescindir da produção da prova oferecida, coisa que no caso se não verifica. Não pode é subverter nem a tramitação processual consagrada na lei, nem a finalidade que se visa em cada uma das suas fases. O que está previsto no EOA é que a inquirição das testemunhas e a recolha de toda a prova seja feita, primeiro, na parte da instrução (stricto sensu) que imediatamente antecede a acusação (ou o despacho de arquivamento) (artº 147º/1); e, depois, na fase destinada ao exercício do direito de defesa e antes da elaboração do “relatório final” do relator (artºs 152º/2, 153º/1 e 154º/1). Ou seja, tal relatório só pode ser elaborado depois de “realizadas as diligências referidas no artigo [153º]”, conforme o comando do artº 154º/1); e deve estar pronto para ser
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apresentado logo que aberta a audiência pública, se for caso disso, como estabelece o nº 5 do artº 156º. Por outro lado, o que se vê neste preceito é o seguinte: “Aberta a audiência, o relator lê o relatório a que se refere o artigo 154.º, procedendo-se de seguida à produção de prova complementar requerida pelo participante ou pelo arguido e que deve ser imediatamente oferecida, podendo ser arroladas até cinco testemunhas”. Por conseguinte, só pode ser produzida a prova que for complementar da que até então tiver sido adquirida pelo processo e que antecedeu e deu fundamento ao relatório, parecer e proposta do relator. Não tem cabimento “prescindir” da produção de prova por determinado meio numa fase do processo e depois pretender que ela seja apresentada como prova “complementar” numa fase posterior. Aliás, parece que a defesa ficaria prejudicada, pois só é admissível a inquirição de cinco testemunhas e o requerente arrolou dez, por certo por ter considerado relevante o depoimento de todas. Mas importa sobretudo sublinhar que, manifestamente, nem a publicidade da audiência de julgamento abrange a produção de prova, nem a admissibilidade da prova complementar se justifica pela publicidade da sua produção. Tal publicidade respeita aos actos previstos no artº 156º citado (nºs 5 e ss): leitura do relatório final do relator a que se refere o artigo 154.º; produção de prova complementar requerida; alegações orais do participante e do arguido ou dos seus mandatários. Tudo sem prejuízo de o Conselho ordenar a realização de novas diligências. Não há que estranhar esta concepção plasmada no EOA. Dum ponto de vista prático, seria impensável e impraticável admitir que toda e qualquer prova pudesse ser produzida na audiência perante o Conselho; para mais sendo o seu quorum de quatro quintos dos seus membros: estava garantido que o órgão não faria mais nada e ficaria paralisado. O requerimento em análise tem de ser indeferido. 2. Todavia, ele é bom pretexto para se considerar a necessidade de salvaguardar outros interesses, como seja o da celeridade a imprimir ao processo, desejo que o Sr Bastonário J... já veementemente manifestou nos autos e fora deles. E com toda a legitimidade. Compete ao relator regular o andamento da instrução do processo e manter a disciplina nos respectivos actos (artº 146º/1, preceito este evidentemente aplicável a toda a instrução e não só à instrução stricto sensu). A vasta matéria a que estão indicadas as testemunhas arroladas e o elevado número destas, e bem assim a inexistência de alternativa quer à inquirição por deprecada, quer à redução a escrito dos depoimentos, criam uma situação tão negativa, por prejudicial à celeridade, quanto o seria, aí na perspectiva da efectiva recolha da prova, a impossibilidade ou grave dificuldade de comparência das testemunhas. Em processo civil – e não vemos que tal seja desarmónico com os princípios e interesses da acção disciplinar na Ordem dos Advogados e muito menos, intuitu personnae, no caso vertente – está previsto expediente susceptível de obviar a tais efeitos indesejáveis (dificuldade de efectiva recolha de prova em tempo razoável). Refiro-me ao artº 639º do respectivo Código, o qual prevê que, havendo acordo das partes, pode ser autorizado que o depoimento da testemunha seja prestado através de documento escrito, datado e assinado pelo seu autor, do qual conste relação discriminada dos factos a que assistiu ou que verificou pessoalmente e das razões de ciência invocadas, incorrendo nas penas
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cominadas para o crime de falso testemunho quem, por essa forma, prestar depoimento falso. Penso que esse procedimento é inteiramente adequado às circunstâncias do presente processo. Tenho sobretudo em consideração a qualidade e as qualificações das testemunhas arroladas, nove das quais são advogados distintíssimos, sendo a décima um Sr Jornalista. Nestes termos, decido: a)- Indeferir a pretensão de inquirição das testemunhas na audiência pública de julgamento. b)- Convidar os Ex.mos Srs Advogados constituídos a obter de todas as testemunhas arroladas – e enviar ao Departamento de Processos deste Conselho Superior – depoimento por escrito sobre a matéria a que foram indicadas, fornecendo-lhes os elementos documentais necessários. c)- Fixar para tanto o prazo de 10 dias, eventualmente prorrogável, dado o interesse da defesa. Solicita-se aos Ex.mos Advogados constituídos que diligenciem no sentido de ser cumprido o seguinte pelos depoentes (cfr artºs 639º e ss do CProcCiv, por analogia): d)- O depoimento escrito será datado e assinado pelo seu autor, dele devendo constar relação discriminada dos factos a que assistiu ou que verificou pessoalmente e das razões de ciência invocadas, incorrendo nas penas cominadas para o crime de falso testemunho quem, por essa forma, prestar depoimento falso. e)- Cada testemunha mencionará todos os seus elementos de identificação; indicará se existe alguma relação de parentesco, afinidade, amizade ou dependência com as partes, ou qualquer interesse no processo; declarará expressamente que o escrito se destina a ser apresentado no presente processo e que está consciente de que a falsidade das declarações dele constantes o fará incorrer em responsabilidade criminal.
* Solicite aos Conselhos deprecados a suspensão das diligências deprecadas, até indicação em contrário ou que seja pedida a devolução do expediente no estado em que se encontrem.
O arguido, não correspondeu ao convite formulado, e disse o seguinte:
“Não obstante não se conformar com o teor do douto despacho proferido e em benefício da celeridade processual que efectivamente reclama na instrução do presente procedimento disciplinar, prescindir da produção de prova testemunhal por si arrolada, sem prejuízo de manter porém o interesse no eventual recurso à prerrogativa a que alude o artº 156º, nº 5, do Estatuto da Ordem dos Advogados”.
E mais não disse nem fez até hoje. Não tendo reclamado nem deduzido qualquer
impugnação em relação ao teor e efeitos do despacho supra, tal constitui agora caso
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julgado formal, o que tem como consequência que o arguido não poderá produzir em
audiência, total ou parcialmente, a prova testemunhal que antes pretendeu trazer.
Mais uma situação peculiar criada pelo arguido, embaraçosa então para o relator e para
o Conselho que gostariam, cada um não menos do que o outro, de ver plenamente
exercido o direito de defesa por quem tanto reclama de estar sendo injustiçado.
Porém, “na instrução do processo deve o relator procurar atingir a verdade material,
removendo todos os obstáculos ao seu regular e rápido andamento, e recusando tudo o
que for impertinente, inútil ou dilatório” (artº 140º/1 EOA). E, por outro lado, mesmo
durante ou até ultrapassada a fase posterior à acusação, “além das requeridas pela
defesa, o relator pode ordenar todas as diligências de prova que considere necessárias
para o apuramento da verdade” (artº 153º/1).
Como facilmente se entenderá, este é um poder-dever. Todavia, ao relator não ocorreu
qualquer ideia acerca de diligências de prova a realizar por sua iniciativa. Certo que
ele poderia determinar oficiosamente a inquirição das testemunhas aos pontos de facto
já indicados pela defesa; mas não lhe pareceu curial que em tais casos a oficiosidade e
o inquisitório se sobreponham ao desejo expresso do arguido em prescindir da prova
testemunhal. Tanto mais que a defesa prescindiu não para criar obstáculos ao
“apuramento da verdade” (o que imporia a realização oficiosa da diligência), antes,
manifestamente, por razões ligadas à publicidade dos actos – e, por fim, de celeridade.
Diga-se que o desejo é expresso, mas equívoco, pois o arguido declara que prescinde
das testemunhas e, ao mesmo tempo, que o faz “sem prejuízo de manter porém o
interesse no eventual recurso à prerrogativa a que alude o artº 156º, nº 5, do Estatuto
da Ordem dos Advogados” – hipótese que, reitera-se, foi tratada ex professo no
referido despacho transitado, o qual afastou essa “eventualidade”.
Haveria pois que respeitar a vontade da defesa e avançar. O que foi feito.
9 No respeitante à matéria em causa neste processo nº D-9/05, o Pleno do Conselho
Superior delibera julgar provado o seguinte:
“1°
Em entrevista que concedeu ao ‘Jornal A...’, publicada na respectiva edição de 6 de
Abril de 2005, o arguido, Bastonário J..., declarou que o Estado e as grandes empresas
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públicas, quando têm de escolher advogados, deveriam consultar três sociedades de
advogados, uma de entre elas devendo ser sempre a "B… - … & Associados", da qual é
sócio.
2°
Declarou, nomeadamente, a esse propósito, a dado passo da entrevista, o seguinte:
"“Os casos em que trabalhámos para o Estado nestes três anos foram percentualmente
menos do que justificaria a nossa dimensão. A B... nunca deve deixar de ser
consultada. O estranho é se não nos consultarem em qualquer operação do Estado. Eu
diria mesmo que, se não nos escolherem, é preciso que justifiquem. Somos o maior,
somos só português, temos todas as valências."
3º
Mais declarou:
─ “[O Estado deve dar preferência à B...?] O Estado deve escolher o que lhe servir melhor.
Mas é preciso, pelo menos, ouvir”.
─ “Só neste escritório trabalham quase 300 pessoas, é metade dos trabalhadores da
Bombardier. Fala-se em preferência nacional para todos os sectores mas não na
advocacia. Nós não queremos ser preferidos, mas às vezes...”
─ [As sociedades de advogados são Centros de Decisão Nacional (CDN)?] “São. São centros de
racionalidade e decisão nacional. [E devem ser protegidas?] [...] Repare: Portugal
exporta serviços jurídicos, designadamente para países de língua portuguesa. E não há
o mais pequeno apoio. São exportações como outras quaisquer. Há falta de
sensibilidade aos CDN em matéria de advogados [...] Nós não queremos nenhum
privilégio, não queremos que, por exemplo, o Estado e as grandes empresas públicas só
trabalhem com estas três sociedades. Mas, pelo menos, sempre que têm de escolher
advogados, que consultem estas três sociedades. São sociedades que têm muito
emprego, pagam muitos impostos, acrescentam valor, fazem exportações, sobrevivem
a desafios terríveis, a grandes concorrentes estrangeiros. [...] Nós já fazemos
exportação de serviços jurídicos. Nas áreas de "project finance", por exemplo,
exportamos serviços para muitos países europeus. Não andamos é a dizer isso, mas
provavelmente iremos passar a fazê-lo. [É] publicidade informativa e não revelamos
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clientes. Se lhe disser que estivemos em 18 das 20 maiores operações imobiliárias em
2003, não estou a dar nomes de clientes, estou a dar uma informação”
─ “Nós temos os maiores especialistas na saúde [...] Sem falsas modéstias, digo que
não há nenhum escritório português ou estrangeiro que justifique mais ser consultado.
Somos todos bons, mas nós somos os maiores”.
─ “Aqui há 10 anos, eu fiz a maior operação de fusões & aquisições que alguma vez se
tinha feito em Portugal. Fui contratado através de um banco. [...] eu inventei uma
solução jurídica [...] Eu acrescentei muito valor. Os meus honorários foram um quinto
dos do banco”
─ “a minha equipa fez a mais complicada operação de reestruturação de dívida feita
até então em Portugal. Negociei com mais de 20 bancos, montámos operações jurídicas
altamente complicadas e isso permitiu salvar uma empresa”.
4°
Em artigo publicado no mesmo periódico, na edição de 20 de Abril de 2005, no qual
alegadamente pretende clarificar o conteúdo daquela entrevista, o arguido esclareceu,
quanto às afirmações constantes dos nºs 1º e 2º supra, o seguinte: "É também por isso
que disse que, no fundo, se o Estado tem de justificar quando nos escolhe, terá de
justificar quando não nos escolhe e nem sequer nos convida para apresentar
condições".
5º
Tendo acrescentado: “ Sem falsas modéstias, digo que não há nenhum escritório
português ou estrangeiro que justifique mais ser consultado. Somos todos bons, mas
nós somos os maiores”.
6º
Na referida entrevista o arguido pronunciou-se também, em termos gerais mas
referindo-se sempre a sociedades de advogados e à sua em particular, sobre:
a. Os procedimento e critério para a contratação pelo Estado de prestadores de
serviços jurídicos, advogados e sociedades de advogados, defendendo que deveriam
ser instituídas regras, “porventura concursais”, que permitissem ao Estado a escolha
do advogado ou da sociedade de advogados que o servisse melhor, através de
29
consulta dos profissionais ou sociedades com adequados “perfil”, “valências”,
“capacidade de resposta” e “experiência acumulada”;
b. O problema resultante, para a concorrência com estrangeiros, da impossibilidade
legal de em Portugal os advogados revelarem a identidade dos seus clientes, em
contraste com os concorrentes doutras nacionalidades; o mesmo dizendo quanto à
proibição de o advogado contactar um possível cliente a oferecer os seus serviços;
c. As sociedades de advogados como “centros de decisão nacional” ou “centros de
racionalidade e decisão nacional” e exportadoras de “serviços jurídicos”, com a
“informação” de que a B... esteve em 18 das 20 maiores operações imobiliárias em
2003;
d. O previsível crescimento da “quota de mercado de serviços jurídicos”; o aumento
dos respectivos preços (por virtude das operações de concentração); o aumento da
“quota de mercado dos advogados” em consequência da “lei dos Actos Próprios”; o
aumento da “quota de mercado” das sociedades de advogados, em especial dos
“maiores”;
e. A intervenção de sociedades de advogados em grandes operações financeiras
contratadas pela banca de investimento por sua vez contratada pelo Estado ou
grupos económicos; e a necessidade de inverter o protagonismo em tais operações a
favor das sociedades de advogados.
7º
Na mesma entrevista, o arguido negou que a B... era a “sociedade do regime” político.
8º
O arguido exerce advocacia há mais de 30 anos, desempenhou o cargo de bastonário e
integrou o Conselho Geral da Ordem dos Advogados e, como é público e notório, teve
participação no processo que culminou na aprovação da L 15/2005, de 26-01.
9º
O arguido tinha obrigação de saber que, actuando como actuou, estava violando os
deveres consignados nos artºs 85º-2-h), 86º/a) e 83º-1 do EOA.
10º
O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta
era proibida e punida por lei.
30
E julga não provado:
a. Que na entrevista em causa o arguido deu da advocacia e dos advogados
portugueses “genericamente considerados”, “uma imagem de credibilidade,
prestígio e solidez”;
b. Que se limitou a tornar pública a sua perspectiva sobre temas de inquestionável
pertinência e actualidade para a discussão da reforma das instituições, somente
tendo assumido uma posição opinativa, tendo ficado provado apenas o que consta
nos nºs 13º, 14º e 15º supra.
Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:
Para além do que resulta das regras da experiência, o conjunto dos factos considerados
provados tem base no teor da entrevista transcrita de fls 5 a 12.
A restante matéria foi considerada não provada porque, afirmada pela defesa, não tem
qualquer suporte probatório nos autos nem o senso comum e as regras da experiência
aceitam associar às palavras proferidas.
Em particular, há que frisar o seguinte.
Há nos autos elementos que com segurança permitem concluir que o arguido actuou
com perfeita consciência de que ao produzir as afirmações proferidas, nas
circunstâncias em que o foram, estava a praticar acto proibido e sancionado por
normais legais reguladoras da deontologia dos advogados. De facto, invocou
exaustivamente estar a ser julgado por “delito de opinião”, o que é falso. É uma
agressão gratuita afirmar que a Ordem dos Advogados e o seu Conselho Superior
querem perseguir, não a ele, mas seja quem for por delito de opinião, coisa que aliás é
uma contradição nos termos, os quais são na verdade os seguintes: num Estado de
Direito Democrático a expressão duma opinião não é nem pode ser um delito; mas a
liberdade de expressão de uma opinião não é obviamente ilimitada e é o que vai além
dos limites que pode ser objecto de punição (civil, criminal ou disciplinar), em
conformidade com a lei e o direito e salvo imunidade ou irresponsabilidade.
Quid juris?
10 São cinco as questões a resolver quanto a este processo D-9/05:
31
a. Era obrigatória a audição do ora arguido antes da instauração formal da acção
disciplinar?
b. É legítima a retirada de certas declarações do respectivo ambiente textual a fim de
serem analisadas do ponto de vista jurídico-disciplinar e, em caso afirmativo, quais
os limites de tal operação?
c. No presente processo existe uma participação nos termos e para os efeitos do
disposto no nº 1 do artº 118º do EOA/2005?
d. A iniciativa prevista no nº 2 do mesmo artº 118º é admissível, designadamente,
quando, faltando uma participação, o Conselho Superior é o competente para
instruir e julgar o processo disciplinar? Ou há violação do direito constitucional de
audiência e defesa?
e. O comportamento do arguido constitui ilícito disciplinar por violação culposa dos
deveres dos preceitos referidos na acusação?
Antes do mais, é visto isso necessário fazer um excurso por dois grupos de peças do
processo: um constituído pelo contra-libelo “supernumerário” da autoria pessoal do
arguido, por um lado; o outro, as opiniões manifestadas no âmbito deste Conselho que,
explicitamente, o arguido quer ver incorporadas no argumentário da sua defesa.
Vejamos pois.
Quanto à peça A Minha Defesa Contra Uma Acusação Ofensiva
a. O Sr Bastonário imputa ao relator do parecer reproduzido no nº 1 supra o facto de o
ter elaborado “sem se ter minimamente preocupado em averiguar”; e de, assim, ter
provocado uma votação no Conselho Superior “que pré-condenou o acusado” (nº 3).
Esta afirmação evidencia um inadmissível desconhecimento das regras legais
aplicáveis e esquece o texto a que se reporta. O arguido leu-o com menos atenção
do que era preciso.
Seja como for, é óbvio que nem no dito parecer havia lugar, por sua natureza e
finalidade, para qualquer averiguação; nem a deliberação de instaurar
procedimento disciplinar representa condenação ou pré-condenação, como o
32
arguido sabe muito bem, tem estrita obrigação de saber e se esperava que
soubesse. As coisas elementares deste jaez não carecem de demonstração. O
equívoco é sobre questão básica e não carece de comentários adicionais.
b. O mesmo se aplica à pretensa “regra” alegada na defesa em análise, segundo a qual
a discussão e “deliberação condenatória” do Conselho deveriam ter sido precedidas
da “audição” dele próprio, a quem haveriam de ter sido dirigidos “pedidos de
esclarecimento” (nº 5).
Porém, uma de duas: ou a regra existe, ou o arguido queria ver informalmente
positivada uma, apenas ad usum delphini, sendo que o delfim é ele próprio, para o
que, com todo o respeito, não vemos fundamento relevante.
A verdade, no entanto, é que tal regra não existe em lado algum: é tudo tão simples
como isso. O arguido – que, no exercício do seu alto cargo na Ordem, se empenhou
pessoalmente na aprovação do actual EOA (L 15/2005, de 26-01), como é público e
notório – tinha obrigação de saber que deixou de existir a “apreciação liminar” onde
teria cabimento essa audição prévia – e apenas com as finalidades previstas na lei.
Entretanto, deverá ainda conhecer que hoje é prática neste Conselho Superior que,
quando tal se justifica, se pedem esclarecimentos, quer ao participante quer ao
participado, com o fim de se verificar, em boa verdade liminarmente – já que
parece plausível em exame primo conspectu –, se se manifesta desde logo a
inviabilidade ou falta de fundamento da participação. Não porque tal apeteça ao
relator do processo, mas porque tem cabimento no campo de aplicação efectiva do
disposto no artº 139º/5 do EOA/2005, do seguinte teor: “Quando a participação seja
manifestamente inviável ou infundada, deve a mesma ser liminarmente arquivada,
dando-se cumprimento ao disposto no nº 3 do artigo 118º”.
33
Como é evidente, se o que liminarmente se manifesta é, ao invés, a viabilidade da
participação, a acção disciplinar tem de seguir sem mais tramitação prévia ou
liminar, por expressa imposição legal 7-8.
Foi o que patentemente se verificou no caso destes autos; e precisamente em
resultado das conclusões do parecer elaborado na sequência de solicitação Conselho
Geral: basta ler e ter interesse nisso.
c. O arguido pretendeu dar a entender, sem qualquer fundamento, que o Conselho
Superior que o está julgando se encontra dividido em dois. A linha de fractura
passaria pelo seguinte: este processo é uma “indignidade” cometida por onze dos
seus membros; com a “indignidade” não pactuaram os que votaram contra (vd
ponto nº 4 e passim).
A enunciação é espantosa em quem preparou e foi responsável pelo processo
eleitoral e de legitimação do qual resultou a actual composição do Conselho
Superior. A cujo acto de posse presidiu no dia 06-01-2005, por se ter verificado que
os respectivos candidatos tinham obtido número de votos superior a metade mais
um. Ou seja, é espantosa num Presidente da Ordem dos Advogados que não pode
comportar-se como se desconhecesse as regras da formação e expressão da vontade
desse órgão colegial.
Acaba, aliás, de todo equivocado, porque, como dos autos se alcança, nem uma voz
se levantou para quebrar a solidariedade em relação à deliberação tomada pela
maioria, em geral, e, em particular, aos relatores intervenientes neste processo e
no apenso. É importante que se diga e que se saiba isto, que mais não seja porque
assim o Conselho Superior está prestar “contas” sobre o modo como actua.
7 No EOA/1984 a AL estava consagrada e regulada nos seguintes termos (artº 118º): “1- A apreciação liminar destina-se apenas à aferição da possibilidade de a conduta do advogado participado poder constituir infracção disciplinar, na versão relatada na participação e, em caso afirmativo, deverá ser proposta pelo relator, aos órgãos competentes, a instauração de procedimento disciplinar. – 2. A apreciação liminar não comporta quaisquer diligências instrutórias. – 3. A apreciação liminar poderá, no entanto, comportar diligências instrutórias quando a participação apresentada não identifique claramente o advogado visado.” 8 Cfr artº 118º/ 1 e 2 e artº 139º/2, 3 e 4, do EOA/2005.
34
Além do mais, deveríamos esperar do respeito e da elegância de maneiras que
fossem contagiosos, o que facilita a sua aprendizagem. Não o demonstrou até agora
o arguido, como se verifica.
d. O arguido, em persistente diatribe, insurge-se contra o terem-lhe atraiçoado o
pensamento com uma pretensa extracção cirúrgica de partes dum discurso para as
transformarem em fenómeno jurídico-disciplinar.
A argumentação é a do costume; e parece que quem assim argumenta se
desrespeita a si próprio, ao aceitar que o seu texto (as tais partes dele) não acorda
nem afina com o contexto – se assim não fosse, se não houvesse tal inarmonia que o
próprio enfatiza, a questão não seria sequer existente.
É manifesto o vício da sua argumentação. Mas é melhor deixarmos esta questão para
mais adiante (infra nº 13).
Aliás, esta perspectiva não tem interesse de maior, porquanto a única “tese”
relevante da defesa do arguido consiste em algo que se relaciona com o que
acabamos de expender: a alegação de que está a ser julgado e vai ser forçosamente
punido por “delito de opinião”.
Infelizmente, este não é mero expediente para efeito duma captatio benevolentiae
– benevolência que, em todo o caso e como é público e notório, parece ter obtido,
em dimensão que se desconhece, da parte de alguns sócios e amigos sob a forma de
abaixo-assinado pleno de emoção, do qual, atenta a sua condição de Bastonário,
surpreende que não se tenha desde logo demarcado. Trata-se aqui, já se disse,
duma acusação gratuitamente agressiva porque ele conhece, um a um, os membros
do Conselho Superior, nomeadamente aqueles que votaram o parecer inicial. O que
acontece – mas a inútil sobranceria do arguido se recusa a aceitar – é que no
presente processo as suas declarações são enfrentadas como factos os quais os vinte
advogados por cujo processo de eleição foi responsável têm o dever de julgar, no
exercício dum poder a que ele deve submeter-se com humildade e respeito (como
aconteceu sempre com outros Srs Bastonários, dirigentes da Ordem dos Advogados e
35
a esmagadora maioria dos Colegas que se encontraram em semelhante situação, do
que qualquer dos signatários pode dar testemunho).
Mas isso é completamente insignificante e indiferente para o Conselho Superior. O
arguido sabe – tem o dever de saber – que os seus julgadores cumprirão as
obrigações que lhes competem e ele conhece quais são.
e. Finalmente, o arguido queixa-se de ter passado para a comunicação social a
informação acerca da instauração deste processo disciplinar. Todos temos essa
razão de queixa. Como foi isso possível, só quem fez a patifaria o sabe e poderá
dizer.
O arguido sabe muito bem que não há em tal matéria inquérito viável. Tal como
estão as coisas, a Ordem dos Advogados não dispõe de estrutura nem condições que
lhe permitam fazer face a tais eventualidades. Sabe-o o arguido, pois durante o seu
mandato não lhe foi possível tomar quaisquer medidas que pudessem obviar a essas
e outras inadmissíveis ocorrências. Caso contrário, por certo estariam de pé e
seriam conhecidas. De todo o modo, um pequeno esforço de sensatez basta para se
concluir que uma situação destas não tem qualquer analogia com as que ocorrem
quando é violado o segredo de justiça em processo penal, verdade que, por tão
redundante, não merece nem mais um segundo ou uma palavra de análise.
Quanto a outras questões, suscitadas no interior do Conselho Superior
A questão duma alegada falta de participação
f. Foi defendido que “os procedimentos disciplinares começam, em regra, por uma
participação”, o que não terá ocorrido no presente caso. O Conselho Superior
assumiu a iniciativa ao abrigo do artº 118º/2 do EOA/2005. Não seria acertada a
atitude, porquanto o CS é órgão do julgamento em matéria disciplinar; e, dispondo-
se já de praticamente toda a matéria de facto de base (a entrevista e o artigo O
“sismo” e os sismógrafos), faltando tão-só a defesa ou pouco mais, “o que haverá
sobretudo que discutir é a interpretação de preceitos do Estatuto”, sendo que,
segundo o entendimento que prevaleceu, é razoavelmente possível admitir que o
36
arguido cometeu infracção disciplinar. E que, tudo visto, “a circunstância de o
Conselho Superior ser órgão de julgamento impõe ou, pelo menos, justifica, quanto
a ele, uma autolimitação ou contenção no exercício do poder” referido, não o
fazendo, em princípio, “quando disponha praticamente de toda a matéria de facto –
porque a iniciativa de instauração de procedimento disciplinar corresponde sempre,
de alguma maneira, a antecipar, ao menos parcialmente, julgamento ou pode
sempre ser entendida como tal”.
Discordamos desta perspectiva. Por duas razões.
Em primeiro lugar, a missiva enviada pelo Sr Bastonário Rogério Alves (supra, nº 1) é
um acto – que se lhe impunha – de execução duma deliberação do Conselho Geral a
que preside. Ora, aquilo que o Conselho Geral deliberou, segundo aí se diz, foi
“submeter à apreciação do Conselho Superior o teor da entrevista”; e embora
acrescentando que tal deliberação “não assenta no pressuposto […] de que o teor da
referida entrevista representa infracção disciplinar”, reconhece-se que “a matéria
deveria ser objecto de apreciação [pelo CS] a quem, em última análise, compete
sobre ela deliberar”. Falta, na verdade, o nomen juris; mas também é verdade que
não falta mais nada para ser o que o Conselho Geral entendeu não dizer e que
temos de respeitar, a saber, a notícia de factos para fins disciplinares ao órgão a
quem “compete sobre ela deliberar”.
Porém, o Conselho Superior é que não está vinculado ao entendimento que o
Conselho Geral e (ou) o Bastonário possam ter em matéria disciplinar. No caso, o
Conselho Superior, depois de elaborado o parecer a que a correspondência deu
causa, tem forçosamente de concluir estar perante algo que materialmente é nada
mais nada menos que uma participação disciplinar. Mas essa é posição de sua
responsabilidade, não do Conselho Geral e muito menos do Bastonário.
O que de seguida ocorreu leva a concluir por esta coisa que não será inesperada:
que o parecer era dispensável, já que bastava que o Sr Presidente do Conselho
Superior tivesse mandado de imediato distribuir o expediente como processo
disciplinar.
37
E que fazer, nesse caso, ao argumento em apreço? Dizer, com o maior respeito –
devido, merecido e aqui sinceramente rendido e protestado –, que segue caminho
errado; e que a questão não é essa, pois o que importa é concluir, a final, quais são
os factos relevantes, a sua qualificação ou não como ilícito disciplinar, a existência
ou não de culpa, a existência ou não de causas de exclusão da culpa ou da
ilicitude… Enfim, o comum do vulgaríssimo quotidiano de qualquer advogado ou
magistrado no foro criminal, cujas regras materiais e adjectivas são
subsidiariamente aplicáveis no direito disciplinar da Ordem dos Advogados.
Entendeu-se no parecer inicial que o Conselho Superior tinha a obrigação de logo
“ordenar a instauração de procedimento disciplinar”, como lhe está assinado pelo
artº 118º/2 do EOA – independentemente de participação. Apesar dela, mas com
ela, acrescenta-se agora.
Convém ainda lembrar que, na história dos conselhos com competência disciplinar –
e do Superior em particular –, está inscrito o uso de desencadear acções
disciplinares com muito menos material catalisador do que o aqui disponível 9.
Discordamos, em segundo lugar, porque o argumento leva, antes do mais, a manter
oculto algo que é uma bem patente realidade legal: o Conselho Superior é sempre
órgão de julgamento disciplinar; por isso, é-o também nos casos em que a lei lhe
confere tal faculdade, isto é, a de por iniciativa própria e “independentemente de
participação, ordenar a instauração de procedimento disciplinar” (artº 118º/2 citº).
Depois, dizer-se que o Conselho Superior não deve tomar essa iniciativa porque,
quando se disponha já de praticamente toda a matéria de facto, tal representa uma
espécie de valoração negativa antecipada, dizer-se isso é operar uma inversão total
dos dados da questão. Com efeito, essa faculdade de desencadear o procedimento
9 Desde sempre à OA foram chegando incontáveis ofícios capeando certidões enviadas por tribunais e extraídas de processos judiciais, relatando comportamentos de advogados que magistrados, ou outros intervenientes, consideraram merecer a atenção disciplinar. Quase invariavelmente tais ofícios mais não dizem do que as palavras tabelares de a remessa se destinar “aos fins tidos por convenientes”. Não há memória de alguma vez se ter suscitado a questão de saber se tal expediente constitui ou não uma “participação” – o que quer que isso seja. Sempre pareceu evidente que se destinava a provocar a apreciação de condutas numa perspectiva disciplinar. De facto, “participar” é dar notícia de factos eventualmente susceptíveis de perseguição disciplinar por violação de regras de natureza deontológica. Para o efeito, é secundário saber se à “notícia” efectivamente subjaz a pretensão de desencadear o procedimento.
38
compreendida nos poderes do Conselho Superior – como nos do bastonário e dos
conselhos geral, distritais e de deontologia – constitui, antes, a imposição de um
dever de função que lhe é cometido por uma lei da República e que se baseia na
razão de ser de lhe terem sido delegadas pelo Estado atribuições de natureza e
ordem públicas.
Na verdade, nos termos do artº 3º da L 15/2005, de 26-01, constituem, além do
mais, atribuições da Ordem dos Advogados “[z]elar pela função social, dignidade e
prestígio da profissão de advogado, promovendo a formação inicial e permanente
dos advogados e o respeito pelos valores e princípios deontológicos”; e, como
fundamental no caso que nos interessa, “[e]xercer, em exclusivo, jurisdição
disciplinar sobre os advogados e advogados estagiários”. Entende a lei que
neste, como em muitos ou todos os outros aspectos, não podem ser admitidas
demissões, desfalecimentos ou tibiezas; e por isso julgou inadmissível que a falta
duma participação pudesse propiciar, mais que uma impunidade, o desrespeito pela
“dignidade e prestígio da profissão” e pelos “valores e princípios deontológicos” ou,
de um modo geral, paralisar o exercício da “jurisdição disciplinar” por quem é seu
exclusivo titular.
A questão (constitucional), conexa com a anterior, do risco de diminuição dos
direitos de audiência e defesa, por causa da concentração na mesma entidade do
poder de justificar previamente e promover o processo disciplinar, tramitá-lo e
julgar os factos
g. Começa por esta questão não ser materialmente diferente da que imediatamente
antecede, segundo entendemos. O Conselho Superior é sempre órgão de
julgamento disciplinar; e, por norma, no julgamento intervém quem procedeu à
instrução. O que há de novo, aqui, é a busca duma razão de inconstitucionalidade.
Vejamos então.
O artº 32º/10 da Constituição estipula tão-somente isto: “Nos processos de contra-
ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao
arguido os direitos de audiência e defesa”. Por sua vez, no respeitante aos
trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras
39
entidades públicas, o artº 269º/3 estipula, em refracção daquele princípio
fundamental do Estado de Direito Democrático, que “[e]m processo disciplinar são
garantidas ao arguido a sua audiência e defesa”.
O obstáculo constitucionalmente intransponível estaria em que neste processo
disciplinar um mesmo órgão delibera “instaurar um processo disciplinar e
simultaneamente definir o objecto preliminar da investigação”, o que não pode
qualificar-se como “mero acto de expediente ou um acto certificativo mas é um
juízo desfavorável ao arguido, ainda que passível de alteração durante o processo”.
E que é por esse motivo que no processo penal se distinguem os papéis do Ministério
Público no inquérito, do juiz de instrução e dos julgadores que tomam a decisão
final.
Com todo o respeito, esta assimilação tão íntima e estreita do processo disciplinar
ao processo penal parece-me que é aqui de todo inadmissível e baseada em
aparências.
Em primeiro lugar, noutros pontos da Constituição onde está previsto o exercício da
jurisdição disciplinar sempre a Lei Fundamental remete para a lei ordinária a sua
regulamentação 10. E o EOA (L 15/2005) estipula aquilo de que estamos curando
(artº 118º/2) e que, por desnecessidade de repetir, se dá por reproduzido.
O que importa saber, portanto, é tão-somente se, nessa “transferência” para a lei
ordinária é desrespeitado o núcleo essencial do direito em causa.
Ora, em segundo lugar, de todos os “actos praticados pelos órgãos da Ordem dos
Advogados cabe […] recurso contencioso para os tribunais administrativos, nos
termos gerais de direito” (artº 6º/3 EOA/2005). E isso efectiva, de modo mais que
suficiente, a fiscalização e garantia do exercício do direito de audição e de defesa a
que se reporta o texto constitucional.
10 Veja-se o disposto nos artºº 217º e 219º.
40
Em terceiro lugar, o artº 142º/1 do EOA consagra que aos impedimentos, escusas e
recusas do relator e demais membros do conselho com competência disciplinar são
aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras constantes do Código de
Processo Penal. Ora, ultrapassado o obstáculo da constitucionalidade, atento o
poder-dever previsto no citado nº 2 do artº 118º do EOA, não faria qualquer sentido
pretender ser aplicável no processo disciplinar o impedimento nos termos do qual
nenhum juiz pode exercer a sua função num processo penal quando tiver intervindo
no processo como representante do Ministério Público (artº 39º CPP); ou aquele pelo
qual é determinado que nenhum juiz pode intervir no julgamento de um processo a
cujo debate instrutório tiver presidido (artº 40º CPP). O mesmo raciocínio, mutatis
mutandis, cabe quanto ao regime de recusas e escusas em processo penal,
designadamente na hipótese do artº 43º/2, norma nos termos da qual pode
constituir fundamento de recusa a intervenção do juiz noutro processo ou em fases
anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40º 11 - 12.
Quanto às razões “de carácter substantivo” expendidas na mesma doutíssima
declaração, não estamos de acordo com elas, como ao diante se verá.
11 “Comete infracção disciplinar o advogado ou advogado estagiário que, por acção ou
omissão, violar dolosa ou culposamente algum dos deveres consagrados no presente
Estatuto, nos respectivos regulamentos e nas demais disposições legais aplicáveis” (artº
110º do EOA/2005).
O artigo 85°/2/h) do Estatuto da Ordem dos Advogados estabelece, em especial, que
constitui dever do advogado para com a comunidade "não solicitar clientes, por si ou
por interposta pessoa”.
11 Mas já tem inteiro cabimento a possibilidade de recusa contemplada no nº 1 do mesmo artº 43º: “A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.” 12 Nos termos do artº 54º/1 as normas respeitantes aos juízes “são correspondentemente aplicáveis, com as adaptações necessárias, nomeadamente as constantes dos números seguintes, aos magistrados do Ministério Público”.
41
Por seu lado, o artº 86º/a) estipula que constitui outro dever do advogado, mas para
com a Ordem dos Advogados, não prejudicar os fins e prestígio desta e da advocacia.
Finalmente, o artº 83º/1 dispõe que, porque o “advogado é indispensável à
administração da justiça”, “como tal, deve ter um comportamento público e
profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce,
cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no presente Estatuto e
todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem”.
São estas as normas por cuja violação o arguido vem acusado.
Estamos convencidos de que ele nem andou bem nem tem razão quanto à radical
desvalorização jurídico-disciplinar do seu comportamento.
12 A solicitação e a angariação de clientes pelos advogados não têm entre nós, ao que
supomos, qualquer tradição de tratamento doutrinal; e não existe definição conceitual
estatutária. Em todo o caso, vejamos primeiramente o que se passa em alguns outros
países.
(i).
Em França, rege o Decret 91-1197, de 27-11-1991 (“decret organisant la profession
d’avocat” 13). O seu artº 161, depois de explicitar os termos gerais em que a
publicidade é permitida ao advogado14, declara proibidos quaisquer actos de angariação
(démarchage) ou de solicitação (sollicitation) de clientes. Porém, o Règlement
Intérieur Unifié Des Barreaux De France (R.I.U.) 15 define publicidade (artº 10),
distingue a “publicidade funcional” de “publicidade pessoal” e determina que esta é
permitida na medida em que “proporciona ao público uma necessária informação”,
devendo ser verídica, respeitar o segredo profissional e ser levada a cabo com
dignidade e delicadeza.
13 Decret nº 91-1197 de 27 de Novembro de 1991, texto consolidado em vigor tal como aplicável, desde 27 de Maio de 2005. Disponível em www.avocatparis-bdd.org . 14 “La publicité est permise à l’avocat dans la mesure où elle procure au public une nécessaire information. Les moyens auxquels il est recouru à cet effet sont mis en oeuvre avec discrétion, de façon à ne pas porter atteinte à la dignité de la profession, et communiqués au conseil de l’ordre”. 15 Decisão de carácter normativo nº 2004-001, que institui o Regulamento Interno Unificado (R.I.U.) dos Barreaux de França. Disponível em www.cnb.avocat.fr
42
Bem assim, qualquer que seja a forma de publicidade utilizada, são proibidas as
menções laudatórias ou comparativas e quaisquer indicações relativas à identidade dos
clientes 16.
Curioso é que a angariação e a solicitação – proibidas, como vimos – são em França
consideradas formas de publicidade. O RIU porém tem o cuidado de definir o que seja
angariação (démarchage) e solicitação (sollicitation) e, bem assim, o âmbito de
aplicação da sua proibição. Assim:
- “Par démarchage il faut entendre le fait d’offrir ses services, notamment en se
rendant personnellement ou en envoyant un mandataire au domicile, à la résidence
d’une personne, sur les lieux de travail, de repos, de traitement ou dans un lieu
public”;
- “Par sollicitation, il faut entendre une proposition personnalisée de prestations de
services effectuée par un avocat sans qu’il y ait été préalablement invité”.
E prossegue do seguinte modo:
- “Les dispositions des deux alinéas précédents concernent également les offres de
services et les propositions personnalisées de prestations de service faites par tous
moyens techniques de communication à distance”.
(ii)
No Brasil 17, por sua vez, está estipulado no Código de Ética… que “[é] vedado o
oferecimento de serviços profissionais que impliquem, direta ou indiretamente,
inculcação ou captação de clientela” (artº 7). E o artº 29/§4º estabelece: “O anúncio de
advogado não deve mencionar, direta ou indiretamente, qualquer cargo, função pública
ou relação de emprego e patrocínio que tenha exercido, passível de captar clientela”.
16 “10.1 La publicité fonctionnelle destinée à faire connaître la profession d’avocat et les Ordres, relève de la compétence des organismes représentatifs de la profession. La publicité personnelle de l’avocat est permise dans la mesure où elle procure au public une nécessaire information. Cette publicité doit être véridique, respectueuse du secret professionnel et mise en oeuvre avec dignité et délicatesse”. Quelle que soit la forme de publicité utilisée, toutes mentions laudatives ou comparatives et toutes indications relatives à l’identité des clients sont prohibées”. 17 Código De Ética E Disciplina Da Ordem Dos Advogados Brasileiros (Brasil), aprovado por Resolução nº13 de 13-02-1995 do Conselho Federal. Disponível em www.oab-ba.org.br .
43
Mais longe vai e mais específico é, porém, o artº 32 ao determinar o seguinte:
“O advogado que eventualmente participar de programa de televisão ou de rádio, de
entrevista na imprensa, de reportagem televisionada ou de qualquer outro meio, para
manifestação profissional, deve visar a objetivos exclusivamente ilustrativos,
educacionais e instrutivos, sem propósito de promoção pessoal ou profissional, vedados
pronunciamentos sobre métodos de trabalho usados por seus colegas de profissão”. E
acrescenta o parágrafo único: “Quando convidado para manifestação pública, por
qualquer modo e forma, visando ao esclarecimento de tema jurídico de interesse geral,
deve o advogado evitar insinuações a promoção pessoal ou profissional, bem como o
debate de caráter sensacionalista”.
(iii)
O Código Deontológico de la Abogacía Española aprovado em 27-09-2002 – modificado
em 10-12-2002 e adaptado ao Estatuto General de la Abogacía Española (aprovado pelo
decreto real 658/2001, de 22-06) – tem igualmente ligados os temas da publicidade, da
captación de clientes e da concorrência desleal. Dispõe que o advogado poderá realizar
publicidade digna, leal e veraz dos seus serviços profissionais, com absoluto respeito
pela dignidade das pessoas e pela legislação referente a tal matéria e à da
concorrência, em qualquer caso se devendo ajustar às normas deontológicas (artº 7/1).
Desde logo se considera violadora das normas deontológicas a publicidade que contenha
referência directa ou indirecta a clientes, a assuntos trazidos por este e a êxitos ou
resultados obtidos; e bem assim estabelecer comparações com outros advogados ou
com as suas actuações concretas ou afirmações infundadas de auto-elogio 18.
O artº 8 tem a epígrafe “Competencia Desleal” e diz, na parte que interessa (vd nota
18), que o advogado não pode proceder à captación desleal de clientes, considerando
18 Diz o nº 1: “El abogado podrá realizar publicidad, que sea digna, leal y veraz, de sus servicios profesionales, con absoluto respeto a la dignidad de las personas, a la legislación existente sobre dichas materias, sobre defensa de la competencia y competencia desleal, ajustándose en cualquier caso a las normas deontológicas recogidas en el presente Código y las que, en su caso, dicte el Consejo Autonómico y el Colegio en cuyo ámbito territorial actúe. E o nº 2: “Se entiende que vulnera el presente Código Deontológico, aquella publicidad que comporte, entre otros supuestos […d-] Hacer referencia directa o indirectamente a clientes del propio Abogado que utiliza la publicidad o a asuntos llevados por éste, o a sus éxitos o resultados – […f-] Establecer comparaciones con otros abogados o con sus actuaciones concretas o afirmaciones infundadas de auto alabanza.
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actos de concorrência desleal todos os que contrariem as normas tanto estatais como
autonómicas tuteladoras da leal concorrência e em especial, entre outros, qualquer
prática de captación directa ou indirecta de clientes que atente contra a dignidade das
pessoas ou a função social da advocacia 19.
(iv)
Na Itália rege o Codice Deontologico Forense 20.
O artº 5 logo estabelece os deveres de probidade, dignidade e decoro, nos quais o
advogado deve inspirar-se na sua conduta21.
O Codice não fala sequer de publicidade: o artº 17 refere-se a informações sobre o
exercício profissional, consentindo ao advogado fornecê-las, desde que correctas e
verdadeiras e com respeito pela dignidade e pelo decoro da profissão e das obrigações
de segredo e de reserva. É significativa esta ligação ao dever de decoro, aliás presente
noutros locais, nomeadamente na determinação (artº 17) de que, quanto à forma e às
modalidades, a informação deve respeitar a dignidade e o decoro da profissão; e de
que, em todo o caso, não deve assumir sinais de publicidade enganosa, elogiativa ou
comparativa; ou na proibição de oferecer, sem para tal ser solicitado, uma prestação
19 “1. El Abogado no puede proceder a la captación desleal de clientes. 2. Son actos de competencia desleal todos aquellos que contravengan las normas tanto estatales como autonómicas que tutelen la leal competencia y en especial los siguientes: […] b) Toda práctica de captación directa o indirecta de clientes que atenten a la dignidad de las personas o a la función social de la Abogacía”. 20 Aprovado em 17-04-1997, foi alterado em 16-10-1999 e em 26-10-2002. O Consiglio Nazionale Forense procedeu a recente alteração, em 27-01-2006, sendo desta última a versão dos textos citados aqui. Está disponível em www.consiglionazionaleforense.it , onde poderá ler-se uma sinopse das alterações através da comparação dos dois textos. 21 “Articolo 5. Doveri di probità, dignità e decoro. – L'avvocato deve ispirare la propria condotta all'osservanza dei doveri di probità, dignità e decoro. I - Deve essere sottoposto a procedimento disciplinare l'avvocato cui sia imputabile un comportamento non colposo che abbia violato la legge penale, salva ogni autonoma valutazione sul fatto commesso. II - L'avvocato è soggetto a procedimento disciplinare per fatti anche non riguardanti l'attività forense quando si riflettano sulla sua reputazione professionale o compromettano l' immagine della classe forense. III- L'avvocato che sia indagato o imputato in un procedimento penale non può assumere o mantenere la difesa di altra parte nello stesso procedimento.
45
personalizada, ou seja, dirigida a uma pessoa determinada para um assunto específico
(ib. nº III) 22.
Nas suas relações com a comunicação social o advogado deve guiar-se por critérios de
equilíbrio e moderação (misura) na concessão de entrevistas, com respeito dos deveres
de discrição e reserva. Em qualquer caso, é proibido enfatizar a sua própria capacidade
profissional, fornecer o nome dos seus clientes, solicitar artigos de imprensa ou
entrevistas, seja em órgãos de informação ou quaisquer outros meios de difusão,
incluindo a convocação de conferências de imprensa (excepto estando em causa a
defesa do cliente) 23.
Por fim, é proibido o aliciamento ou angariação (accaparamento) de clientes, no
sentido de ser vedada a oferta de prestações profissionais a terceiros e, em geral,
qualquer actividade dirigida à aquisição de relações de clientela, por meio de agências
ou de provedores ou outros meios ilícitos 24.
13 Tornemos então ao caso em apreço neste processo disciplinar.
22 ART. 17. - Informazioni sull’attività professionale. – L’avvocato può dare informazioni sulla propria attività professionale. Il contenuto e la forma dell’informazione devono essere coerenti con la finalità della tutela dell’affidamento della collettività. Quanto al contenuto, l’informazione deve essere conforme a verità e correttezza e non può avere ad oggetto notizie riservate o coperte dal segreto professionale. L’avvocato non può rivelare al pubblico il nome dei propri clienti, ancorché questi vi consentano. Quanto alla forma e alle modalità, l’informazione deve rispettare la dignità e il decoro della professione. In ogni caso, l’informazione non deve assumere i connotati della pubblicità ingannevole, elogiativa, comparativa. [...] III. E’ altresì vietato all’avvocato offrire, senza esserne richiesto, una prestazione personalizzata e, cioè, rivolta a una persona determinata per un specifico affare.[...]”. 23 “ART. 18. - Rapporti con la stampa. – Nei rapporti con la stampa e con gli altri mezzi di diffusione l’avvocato deve ispirarsi a criteri di equilibrio e misura nel rilasciare interviste, per il rispetto dei doveri di discrezione e riservatezza.[...] II. In ogni caso, nei rapporti con gli organi di informazione e con gli altri mezzi di diffusione, è fatto divieto all’avvocato di enfatizzare la propria capacità professionale, di spendere il nome dei propri clienti, di sollecitare articoli di stampa o interviste sia su organi di informazione sia su altri mezzi di diffusione; è fatto divieto altresì di convocare conferenze stampa fatte salve le esigenze di difesa del cliente.[...]”. 24 ART. 19. - Divieto di accaparramento di clientela. – È vietata l’offerta di prestazioni professionali a terzi e in genere ogni attività diretta all’acquisizione di rapporti di clientela, a mezzo di agenzie o procacciatori o altri mezzi illeciti”.
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A entrevista no Jornal A... – periódico que tem vindo a destacar, tratar e conhecer
temas respeitantes a importantes sociedades de advogados – começa com o Sr
Jornalista a perguntar ao entrevistado: “Voltou à B... em força para assumir o
«marketing»?”. E as primeiras palavras do arguido são para declarar que tem uma
grande “sensibilidade ao marketing”, que geriu empresas, tem “outras preocupações
além da advocacia” e que, acabado que foi o seu bastonato, passara “a coordenar a
equipa de imagem e comunicação externa” da sociedade de advogados a que pertence.
A qual – acrescenta, por solicitação do jornalista – tinha contratado pessoas para as
relações com a imprensa.
E foi este enquadramento que jornalista e entrevistado ofereceram a qualquer comum
leitor: o coordenador de marketing da B... (da “equipa de imagem e comunicação
externa”) acabava de tomar contacto com a imprensa para prestar declarações. Nessa
qualidade.
Agora, o arguido quer tapar o sol dos factos com a peneira de diáfanas explicações. O
facto notório nisto tudo, porém, é que ele deu a entrevista para falar da sua
sociedade, com os resultados verbalizados que estão à vista: a pretexto ou propósito
dela é que falou do tema – dos temas – de que procurou mais tarde, emendando a mão,
traçar uns contornos ora mais ou menos fantasiosos, ora outro tanto chegados à
realidade.
No texto e no contexto do seu discurso a sociedade B... é o protótipo dum conceito,
sim, mas é o protagonista posto em cena pelo arguido, auto-desobrigado de pudores
onde se exigia pudor – e contenção no convencimento da absolvição intuitu personnae,
quando convinha antecipar o risco de que achassem ao afirmante o pecado de falta de
decoro.
Seja como for, as afirmações estão lá, indisfarçáveis, não escondidas, mas às claras:
elas são o fenómeno disciplinar; e estão ali embrulhadas com considerações
manifestamente secundárias em relação ao pretendido auto-engrandecimento –
considerações que são o epifenómeno dificilmente relevante. O auto-engrandecimento
não adorna simplesmente um “exemplo” (B...), desligado de tudo, a se; é o próprio
“exemplo” a engrandecer-se para atingir ou justificar um objectivo – obviamente a
obtenção de encomenda de serviços profissionais.
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Voltamos aqui à questão da “oposição” texto-contexto, já aflorada 25.
Quem faz a contextuação é ele, o entrevistado, não o jornalista (este, quando muito, o
provocador). Não pode queixar-se de que lhe analisem como “corpo de delito” – e nem
está mal a expressão – textos por ele integrados no contexto. Salvo erro, os
especialistas falam, em Linguística, em “contextualizar” no sentido de criar um texto
que contenha determinada palavra, expressão ou enunciado de ideia, geralmente para
dirimir a aceitabilidade da unidade linguística introduzida. O contexto é o ambiente,
isto é, o conjunto tanto das unidades que precedem como das que vêm a seguir a uma
unidade determinada. Ou então, no rasto dos psicólogos, dir-se-á do contexto ser
material verbal que qualifica ou esclarece o significado de uma unidade igualmente
verbal (palavra, frase, afirmação)
No caso vertente, foi – e continuamos a entender que é – possível e legítimo analisar as
palavras extraídas do contexto porque tem perfeito cabimento uma apreciação context
free. Dizendo simplesmente: o conjunto das declarações produzidas pelo arguido em
nada altera o significado jurídico-disciplinar daquelas enunciações; para o efeito duma
eventual descaracterização como ilícito, nem as qualifica nem as esclarece.
As coisas são o que são e por isso esta entrevista deu nas reacções de que o escrito O
Sismo e os Sismógrafos se apercebeu e nos dá conta e memória. Escrito este que não
explica as afirmações da entrevista: contrasta-as de maneira implacável. O artigo do
arguido pode não dizer rigorosamente nada a milhares de advogados – e estamos certos
de que não dirá –, mas está elaborado com talento, consistente, argumentativo,
informador e aparentemente bem informado: não diz o mesmo que a entrevista, diz
outra coisa, insindicável, e muito melhor, concorde-se ou não. Na entrevista foi o que
se sabe e o que dissemos segundo o nosso entender: o Advogado e o Bastonário
perderam uma excelente oportunidade de produzir silêncio. Ali, no artigo, le charme
opère.
A entrevista seria, em si e no seu todo – e até pelo simples facto de existir nos precisos
termos em que a vemos – deontologicamente sindicável. Por muito que discorra, se
25 Supra nº 10/j).
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zangue com o Conselho e se desnorteie para tentar convencer-nos de que, madrugando,
amanhece mais cedo, o arguido quer que o Estado e as grandes empresas contratem
a B... e é isso mesmo que diz e justifica com a panóplia do marketing e publicidade
mais desconforme. Com rigor: desconforme, porque não resiste ao confronto com a
singelíssima e facílima postura de se abster – por razões de decoro, reserva e medida.
14 Uma apreciação crítica elementar da prova conduz, além do mais, às seguintes
asserções conclusivas:
a. A afirmação, na dita entrevista, de que a sociedade de advogados conhecida por
B... deve ser “sempre consultada” – com referência à declaração de que trabalhou
para o Estado percentualmente menos do que justificaria a sua dimensão – significa
e denota estimulação ou concitação do Estado e das grandes empresas públicas a
corresponderem à sua pretensão de, no futuro, entregarem àquela sociedade
serviços (ou mais serviços) profissionais próprios de advogado.
b. Segundo as regras da experiência, essa afirmação, conjugada com outras referidas,
só com esse significado pode ter sido entendida por qualquer declaratário normal.
c. A pretensão citada foi tornada pública em órgão de comunicação social; e por parte
de um bastonário da Ordem dos Advogados de elevada notoriedade e prestígio
públicos; e foi acompanhada das afirmações acima transcritas – as quais são, em
síntese, que aqueles grandes clientes devem justificar porque não escolhem a
sociedade a que pertence; que são “os maiores”; que “não há nenhum escritório
português ou estrangeiro que justifique mais ser consultado”; e também de
referências encomiásticas a concretos serviços prestados.
d. Correspondendo ou não a uma realidade objectiva, não se patenteando a
compatibilidade com outro entendimento, tudo constitui comportamento de
conteúdo persuasivo e de auto-engrandecimento e comparação, o qual é contrário
aos usos, costumes e tradições profissionais de reserva, decoro, solidariedade e
cortesia relativamente ao conjunto dos advogados portugueses, que qualquer
advogado reconhece e aceita, e tem a obrigação de reconhecer e aceitar, como
dever geral da profissão;
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e. Esse comportamento é objectivamente apto a causar prejuízo ao prestígio da
advocacia.
O arguido diz que, se assim fosse, estaria a agir desajeitadamente. Estaria, como
alvitra (nº 25, fls 62), “longe de garantir com segurança o sucesso dos seus intentos,
porventura ainda mais longe de conseguir o cliente do que se nada tivesse tornado
público”? Hábil, o argumento, porém perverso, por corromper a realidade elementar
das coisas. Estamos certos de que não (estava). A pretensão lógica que, com um pouco
mais de condescendente respeito pelo entendimento alheio, nos deveria “outorgar”
seria outra: entre o não dizer rigorosamente nada acerca da B... – como poderia e
deveria ter feito – e o mínimo agitar de águas… preferiu, como mais interessante,
simplesmente lançar a pedrada para o charco 26.
15 A apontada circunstância de não haver uma tradição doutrinal consistente quanto à
matéria da solicitação de clientes até nos deixa livres para buscar a fundamentação do
entendimento expendido num critério apenas razoável. Desde logo com a noção de que
lidamos com coisas muito simples.
Não solicitar clientes, por si ou por interposta pessoa, é um dever do advogado para
com a comunidade (artº 85º/2/h) do EOA/ 2005) 27. Porque é algo que repugna à sua
função social, a qual lhe confere especiais dignidade e responsabilidades
(nomeadamente, no seu comportamento público e profissional, a de cumprir pontual e
escrupulosamente os deveres estatutários e todos aqueles que a lei, os usos, costumes
e tradições profissionais lhe impõem) (cfr artº 83º/1).
O Codice italiano atrás citado contém uma norma de encerramento segundo a qual as
suas disposições específicas constituem exemplificações dos comportamentos mais
26 Curiosamente, o étimo latino de “solicitar”, sollicitare, significa “agitar”, “mexer com força”. 27 O artº 78º/f) do EOA/1984 dizia diferentemente: “f) Não solicitar nem angariar clientes, por si nem por interposta pessoa”. A eliminação da referência à angariação não tem explicação à vista e parece-me negativa. Por certo que não passa a ser permitida a angariação de clientes; e sendo duvidoso, no mínimo, que solicitação e angariação de clientela signifiquem ou sejam a mesma coisa, melhor teria sido deixar o texto como estava, para desfazer equívocos.
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recorrentes e não limitam o âmbito de aplicação dos princípios gerais expressos 28.
Entendemos que isto é um princípio matricial da advocacia e tem aplicação entre nós
sem necessidade de consagração específica de semelhante norma. Basta correr o
elenco dos princípios gerais onde se nomeiem ou pressuponham a dignidade, o decoro,
a reserva, os interesses gerais da advocacia, o respeito pela sua função social, a
solidariedade… – basta isso para nos apercebermos de que a contradita não é possível
em tal matéria.
O arguido considera estas coisas – estamos a ver porque ele o diz expressamente – “a
quintessência do mais envelhecido conservadorismo”, vício de “cinzentismo” e coisas
quejandas. Conservadorismo? Cinzentismo? Que resposta podem dar-lhe os
“conservadores”? Que há quem não ache, quem pense de modo diferente: que uma
adequada forma de viver com decência no meio do mercadejo empinado como filosofia
de vida, afinal provinciano – que anda na sociedade do mundo a rondar a advocacia –, é
a atença aos valores e aos princípios, aos velhos e de fiar. A advocacia levou muito
tempo e gastou muito esforço a tê-los consolidados; é preciso atermo-nos a eles e
praticá-los, com firmeza, sem evasivas nem disfarces. Parece-nos bem que só assim a
advocacia moderna poderá contribuir para que sejam transportados para o futuro como
valioso legado.
Visto isso, é simples de concluir que solicitar clientela é pura e simplesmente procurar
o cliente, diligenciar atraí-lo, qualquer que seja o meio, provocá-lo para que entregue
ao solicitante a prestação de serviço profissional. É natural que assim seja.
Também o pecado é natural. Mas é ilícito, como é ilícita a solicitação de clientes
quando a solicitação é contrária ao comum decoro, feita à custa de afirmações
jactanciosas de auto-engrandecimento, sem medida, de referências encomiásticas a
concretos serviços prestados, de conteúdos persuasivos e de comparação, em
contradição com os usos, costumes e tradições profissionais (aquelas de reserva,
decoro, solidariedade e cortesia relativamente ao conjunto dos advogados), que
28 “DISPOSIZIONE FINALE – ART. 60. - Norma di chiusura. – Le disposizioni specifiche di questo codice costituiscono esemplificazioni dei comportamenti più ricorrenti e non limitano l’ambito di applicazione dei principi generali espressi”.
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qualquer advogado reconhece e aceita, e tem a obrigação de reconhecer e aceitar,
como dever geral da profissão, sob risco de causar prejuízo ao prestígio da advocacia.
Por isso o arguido violou, duma assentada, o disposto nos artºº 110º, 85º/2/h), 86º/a) e
83º/1 do EOA/2005.
O arguido quer empurrar-nos a dar-lhe razão num ponto: a advertência proposta na
douta acusação não seria a pena adequada à gravidade dos factos, por defeito. Talvez
tenha razão. E é adequado lembrar, em latim que antigamente se entendia no foro sem
que parecesse jactância, que nemo prudens punit, quia peccatum est, sed ne peccetur.
De facto, a prevenção geral e a especial poderiam aconselhar punição mais gravosa.
Mas isso está fora de questão: não se poderia ir além do libelo. O arguido não deveria
aqui ser condenado com pena superior à de advertência.
II. QUANTO AO PROCESSO DISCIPLINAR Y…/06
16 A 22-12-2005 reuniu este Conselho Superior da Ordem dos Advogados, com a presença
de todos os seus membros – excepto o Sr Conselheiro Dr Vasco Vieira de Almeida – e do
Sr Bastonário Dr Rogério Alves. Na agenda da reunião constava o visionamento do
programa “Negócios...”, transmitido pela TELEVISÃO em 11-12-2005, e a ponderação e
eventual deliberação sobre o teor das pronúncias do ora arguido em tal programa.
Entretanto, havia sido distribuído por todos os Membros do Conselho um conjunto de
documentos que iriam ficar a fazer parte da acta de tal reunião, como anexos, a saber:
a. Reprodução de uma entrevista concedida pelo Sr Presidente do CS, publicada pelo
Diário C... de 7 de Dezembro anterior;
b. Reprodução de um texto publicado no caderno L..., do Jornal A... dessa mesma
data, respeitante à acusação deduzida contra o ora arguido no processo disciplinar
D/9/05;
c. Reprodução de um texto publicado no caderno L..., do Jornal A... de 14-12-2005,
com referências à entrevista concedida pelo ora arguido ao programa Negócios...,
transmitido pela TELEVISÃO, acima referido;
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d. Cópia de uma carta remetida pelo mesmo ao Sr Presidente deste Conselho, com
data de 07-12- 2005.
Constam da acta as seguintes declarações do Sr Presidente do Conselho Superior, no
que releva para o presente processo:
“O Senhor Presidente disse, de seguida, que, não obstante ser ele, pessoalmente, visado
em parte substancial das pronúncias do Senhor Bastonário Dr. J..., entendia ser seu dever
limitar a apreciação do conteúdo dessas pronúncias ao plano institucional, na medida em
que elas sejam, se o forem, susceptíveis de ser qualificadas como infracções – de regras de
natureza deontológica - prejudiciais ao prestígio da Ordem, dos órgãos desta ou da
advocacia. Por isso era sua intenção abster-se de, pessoalmente, participar do Senhor
Bastonário Dr. J... quer para efeitos de perseguição disciplinar quer para fins de
perseguição criminal, já que, em seu entender, não devem relevar, nas presentes
circunstâncias, as divergências pessoais que possam existir entre os advogados Luís
Laureano Santos e J.... Essa polémica nada contribuiria para o prestígio da Ordem.
Dado que na presente sessão se iria seguir o visionamento do programa televisivo com a
entrevista do Senhor Bastonário Dr. J... pretendia deixar lavrados, desde logo, os
seguintes esclarecimentos:
“… A certo passo do programa o entrevistado afirma que o presidente do Conselho Superior (quando o informou da instauração do processo disciplinar e ele, entrevistado, lhe mostrou indignação) lhe terá dito “não se preocupe, você agora é notificado, diz qualquer coisa e isto acaba tudo arquivado, vai-se tudo resolver, não tem importância nenhuma”. E rematou: “é evidente que é a palavra dele contra a minha, mas as pessoas conhecem-me e se calhar também o conhecem a ele…”. Os esclarecimentos que agora se pretendem prestar traduzem-se nas seguintes referências breves, sem outros comentários: (1) Não é verdade que o presidente do Conselho Superior tenha dito o que o Senhor Bastonário Dr. J... refere que ele lhe disse; nem faria sentido que o tivesse dito depois de ter acabado de o informar de que o processo havia sido instaurado, adiantando desde logo o resultado da votação que conduziu à maioria que determinou a instauração do processo. (2) Na carta que o Senhor Bastonário Dr. J... dirigiu ao presidente do Conselho Superior com data de 3 de Junho de 2005 (distribuída, a pedido do remetente, a todos os membros deste Conselho) - na qual o remetente expressa viva indignação a respeito do processo disciplinar instaurado - nenhuma menção se faz a essa estranha “promessa” do presidente do Conselho Superior. Se tal “promessa” tivesse existido não teria deixado, seguramente, de ser aí assinalada, entre os muitos demais agravos registados pelo Senhor Bastonário Dr. J....
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(3) Na carta/resposta que o presidente do Conselho Superior remeteu ao Senhor Bastonário Dr. J... com data de 23 de Junho de 2005 (igualmente distribuída por todos os membros do Conselho Superior), a propósito da alegada indignação emergente de o arguido não ter sido especificamente ouvido antes de o processo ter sido instaurado, convidou-se o Senhor Bastonário Dr. J... a participar da instrução do processo prestando todos os esclarecimentos que entendesse necessários, úteis ou convenientes, adiantando-se que seria de considerar perfeitamente admissível que tais esclarecimentos pudessem levar o Relator e o Conselho Superior a concluir não haver lugar sequer à elaboração de libelo, se lhes fosse gerada a convicção de que o processo deveria ser arquivado. (4) Ao receber esta resposta, se outra tivesse sido a posição definida pelo presidente do Conselho Superior na conversa telefónica assinalada em (1), seguramente que o Senhor Bastonário Dr. J... não teria deixado de a relevar como “contradição” e de a sublinhar na correspondência seguinte. Nas cartas do Senhor Bastonário Dr. J... de 17 de Novembro de 2005 e 7 de Dezembro seguinte – ambas dirigidas ao presidente do Conselho Superior e que são do conhecimento dos membros do Conselho - não se surpreende qualquer alusão nem à pretensa “promessa” mencionada em (1) nem à posição assumida pelo presidente do Conselho Superior relatada em (3). (5) Finalmente não deixa de ser oportuno chamar a atenção para a forma que revestiu a pronúncia do Senhor Bastonário Dr. J... na entrevista dada ao programa televisivo. Afirmou o que acima se transcreveu e, no mesmo passo, desde logo deu por certo que seria a sua palavra contra a do presidente do Conselho Superior, mesmo antes de ter sido ouvida “a palavra” deste. Isto é, ao dizer o que disse, o Senhor Bastonário Dr. J... já sabia que “a palavra do presidente do Conselho Superior” não iria coincidir com a que ele, entrevistado, estava a proferir. Foram logo duas, em uma: a afirmação e o seu desmentido.”
17 Tendo-se procedido ao visionamento da gravação do dito programa, alguns Srs
Conselheiros entenderam que ficassem registadas as suas declarações, quer por via de
textos que os próprios elaboraram quer por resumo. Assim:
Do Sr Prof. Doutor José Lebre de Freitas:
“Fui um dos elementos do Conselho que votou contra a instauração de processo disciplinar ao Sr. Bastonário Dr. J.... Entendi na altura que, não obstante a insensatez das declarações por este produzidas, não era manifesta a existência de matéria susceptível de constituir objecto de sanção disciplinar, devendo, por outro lado, atender-se ao facto de o Dr. J... ter desempenhado um prestigioso mandato ao serviço de todos nós. As novas declarações prestadas pelo Dr. J... fazem-me, porém, repensar a posição tomada, pois, além de não me parecer bem a discussão pública dum processo que está em curso, me sinto com elas ofendido. Em primeiro lugar, sinto-me ofendido, como advogado, por o Dr. J... afirmar que as maiores sociedades de advogados têm “uma experiência muito maior nessas matérias”, isto é, em qualquer matéria, visto a afirmação respeitar à contratação de advogados pelo Estado para qualquer tipo de causa ou assunto. Trata-se, reiteradamente, de afirmações publicitárias que não respeitam os colegas que trabalham fora das maiores sociedades de advogados. Em segundo lugar, embora não tenha votado a abertura de processo disciplinar, sinto-me
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ofendido, como membro do Conselho Superior, pelas afirmações e insinuações feitas acerca da actuação do órgão, cuja deliberação foi tomada com total respeito pelas regras e no sentido que a maioria entendeu ser o mais correcto. Quero, pois, com desgosto embora, deixar hoje expressa a minha concordância com o prosseguimento do processo disciplinar, no qual há que valorar devidamente os novos factos agora ocorridos”
Do Sr Prof. Doutor Sérvulo Correia:
«Recordarão os Senhores Membros deste Conselho Superior que, quando foi trazida à sessão uma comunicação do Conselho Geral relativa a declarações do Senhor Dr. J... a um meio de comunicação social, pedi ao Senhor Presidente - que logo ma concedeu - escusa de intervir no procedimento de exame liminar de tais declarações e em qualquer outro que, sobre o mesmo objecto, eventualmente se viesse a seguir. Fi-lo, nos termos do artigo 48º, nº1, do Código do Procedimento Administrativo, por considerar que, tendo entrado recentemente em controvérsia pública com o referido Colega, também por motivo de declarações por ele feitas a um jornal, poderia, independentemente da pureza subjectiva das minhas intenções, vir a entender-se que aquele evento motivava, no plano objectivo, razoáveis suspeitas da minha isenção. A situação de escusa mantem-se, pelo que continuarei a não tomar parte em quaisquer discussões ou deliberações no seio do órgão que tenham a ver com a determinação da hipotética responsabilidade disciplinar do Sr. Dr. J.... Estas circunstâncias não me desobrigam, porém, do meu dever de solidariedade institucional para todos os Colegas que neste momento compõem o Conselho Superior da Ordem dos Advogados. Tendo sido recentemente proferidas novas declarações públicas pelo Sr. Dr. J..., que põem em causa alguns dos membros deste órgão em virtude da sua participação na tramitação do procedimento, e estando eu necessariamente apartado do respectivo número pelas razões agora relembradas, pretendo deixar claro: 1) Que manifesto a minha inteira solidariedade institucional a todos os Colegas que participaram nos debates e votações, independentemente do sentido em que o fizeram, em clima de saudável pluralismo e todos eles animados pelo inequívoco propósito do desempenho dos seus cargos nos termos da lei e para a melhor aplicação dos valores deontológicos da advocacia; 2) Que me permito destacar entre os membros do Conselho Superior, com todos os quais assim me declaro solidário, as pessoas do Ilustre Presidente e dos Colegas incumbidos de funções de relator, onerados por força das circunstâncias com incómodas tarefas que, por certo, não ambicionariam, mas cujo exercício as responsabilidades do «munus» lhes impõem».
Pelo Sr Dr Eurico Heitor Consciência
foi referido, em resumo, que o Conselho deverá ponderar com serenidade as questões suscitadas pelas intervenções do Senhor Dr. J... e, assim, adiar para próxima sessão a deliberação que venha a ser tomada sobre tal matéria. Perante o teor da entrevista televisiva e o teor da carta de 7 de Dezembro, reserva-se no direito de, no que lhe diz respeito, tomar as medidas que entender adequadas.
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Do Sr Dr Rui Chancerelle de Machete:
“1. Os desenvolvimentos registados após a entrevista dada a um jornal diário (em 7.12.2005) pelo Senhor Bastonário J... e objecto de apreciação nesta sessão de Conselho Superior por um lado, a crescente intimidade resultante da relação de trabalho e de amizade existentes com o Senhor Dr. J..., por outro, levam-me a entender dever pedir dispensa de intervir, quer no procedimento disciplinar já instaurado contra aquele Bastonário, nos termos do art.º 48, n.º 1 do CPA, quer na análise em curso neste Conselho Superior da actual controvérsia. 2. Na situação presente, muito delicada e melindrosa para todas as personalidades e Órgãos envolvidos e sem prejuízo de me abster de quaisquer juízos sobre o caso concreto, desejo reiterar a solidariedade institucional que mantenho para com todos os Membros do Órgão a que tenho a honra de pertencer e fazer votos para que seja possível em curto período encontrar soluções equilibradas e justas que ponham fim a tão perniciosa controvérsia."
O Sr Dr Carlos Guimarães
disse, em resumo, que, em sua opinião, deverá ser instruído, de imediato, processo disciplinar contra o Senhor Dr. J..., uma vez que a eventual infracção está concretizada. Contudo, caso assim se não entenda, deverá ser nomeado relator, a fim de elaborar parecer sobre o assunto
Do Sr Dr Manuel Castelo Branco:
- que embora se tenha pronunciado contra a instauração do Processo disciplinar ao Bastonário J..., está solidário com a decisão maioritária tomada pelo Conselho, com o Presidente do Conselho Superior e com o Conselheiro Relator. - que, em seu entender, tudo deveria ser feito no sentido de evitar que este processo cause danos ao prestígio da Ordem, do Dr. J... e dos advogados em geral. Por isso, dá todo o seu apoio às iniciativas que o Bastonário Rogério Alves ou os membros do Conselho Superior decidam promover e que se destinam a pacificar as relações entre a Ordem dos Advogados e o Bastonário J....
Do Sr Dr Augusto Aguiar-Branco:
“Tendo tomado conhecimento do teor da carta endereçada em 7 de Dezembro corrente pelo Sr. Dr. J... ao Sr. Presidente do Conselho Superior e do teor da entrevista televisiva, entendo que o Conselho deverá: 1. Esclarecer e confirmar que a deliberação do Conselho Superior que determinou a instauração de processo disciplinar ao Sr. Dr. J... foi tomada, de forma válida, por maioria, pelo que todos os membros do Conselho Superior são solidários com a manifestação de vontade assim expressa por este Órgão; 2. Repudiar as afirmações do Sr. Dr. J... contidas na citada carta, por não corresponderem à verdade as ilações que delas se pretende retirar; 3. Manifestar o total apoio e solidariedade ao Sr. Presidente do Conselho Superior, Sr. Dr. Luís Laureano Santos;
56
4. Manifestar o total apoio e solidariedade ao Sr. Bastonário da Ordem dos Advogados, Sr. Dr. Rogério Alves.”
Do Sr Dr Virgílio Vasconcelos Ribeiro:
"Pela presidência da Ordem passaram figuras ilustríssimas, como (não querendo citar os vivos) o Prof. Barbosa de Magalhães, o Prof. Adelino da Palma Carlos, o Dr. Ângelo de Almeida Ribeiro. Foram grandes vultos da Advocacia, do Direito e da Cultura. Nem por isso - ou, talvez, mesmo por isso -, nenhum deles se julgou, em momento algum, maior do que a sua Ordem. Até esses, na humildade da sua sabedoria, tiveram sempre como certo que parte da sua grandeza lhes advinha do honorabilíssimo cargo que haviam desempenhado na Ordem dos Advogados. Aqueles que são menos sábios, como eu e tantos outros homens comuns, deveriam, pelo menos, estar disponíveis para aceitarem o convite à reflexão que Oscar Wilde nos legou no seu poema-fábula sobre Narciso e o Lago. As Ninfas da Floresta, ao reconfortarem o Lago pela perda de Narciso, perceberam finalmente que o Lago, em cujas águas Narciso, exultante, via reflectida a sua beleza, não o apreciara por ser belo, mas tão-só, porque no espelho dos seus olhos, via ele - o Lago - a sua própria beleza reflectida (But I loved Narcissus because, as he lay on my banks and looked down at me, in the mirror of his eyes I saw ever my own beauty mirrored). Não era, pois, de esperar que o Sr. Dr. J..., um antigo Bastonário, pudesse vir a pronunciar-se publicamente, nos jornais e na televisão, sobre a Ordem e os seus Órgãos, pelo modo como o tem feito, sem receio nem pudor de lhes ferir a dignidade e o prestígio público. Nunca antes, algum dos que se haviam honrado no cargo de Bastonário ousou achar-se investido de um estatuto de excepção que tal permitisse. A História registará. Urge que se saiba que tal estatuto não existe. Entendo que isso mesmo deve ser dito definitivamente, do alto da maior força institucional que a Ordem pode reunir – o conjunto dos Bastonários vivos. Não creio que seja tolerável que a coesão dos Órgãos da Ordem continue a ser desafiada e que a imagem institucional da Ordem continue à mercê da imprevidência de quem lhe causa estes riscos. Ao Senhor Presidente do Conselho Superior dou a minha solidariedade pessoal. Tenho aqui testemunhado a sua inexcedível correcção na condução das tarefas deste Órgão. Aos meus Exmos. Colegas que têm arcado com os trabalhos relacionados com a tramitação do processo referente ao Sr. Dr. J..., devo agradecer, porque também a mim honram, ao cumprirem dedicadamente as suas obrigações."
O Sr Dr Miguel Galvão Teles
disse que conhece bem tanto o Senhor Presidente do Conselho Superior, Dr. Luís Laureano Santos, como o Senhor Bastonário, Dr. J..., e que é amigo de ambos. Na base desse conhecimento, não tem dúvida sobre que, no que toca ao andamento do processo disciplinar, a verdade é dita pelo Dr. Luís Laureano Santos. Referiu ainda que, como é sabido, votou contra a instauração do processo disciplinar, por nada mais senão entender que carece de fundamento suficiente. Considera-se, todavia, solidário com a decisão do Conselho Superior e lamenta que o
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comportamento do Senhor Bastonário esteja, de alguma maneira, a reduzir a razão que ele, Dr. Miguel Galvão Teles, julgou ter quando votou a não instauração do processo disciplinar.
O Sr Dr Carlos Aguiar
disse, em resumo, que o que mais o chocava era o teor da última carta dirigida pelo Senhor Bastonário J... ao Senhor Presidente, datada de 7 de Dezembro. Defendeu que já nesta sessão deveria ser tomada deliberação manifestando o mais vivo repúdio sobre o conteúdo dessa carta e expressou a sua total solidariedade com o Senhor Presidente, principal visado por essa mesma carta.
Do ora relator, Alberto Jorge Silva:
“A entrevista em causa, em como a carta do Senhor Bastonário Dr J... datada de 07-12-2005 e outras peças anteriores (carta de datada de 17-11-2005 e declarações publicadas no Jornal A... de 7 e 14-12-2005) criam uma situação gravíssima, tanto subjectivamente – por causa da pessoa do seu autor e da sua qualidade de bastonário – como objectivamente – por configurar desconsideração da Ordem dos Advogados e uma agressão gratuita ao seu prestígio. Se tal sempre seria censurável se proveniente de qualquer advogado, passa a ser intolerável se protagonizada por um bastonário, para mais com a notoriedade e a projecção pública que justamente tem o Sr Dr J.... Não estão em causa ofensas a esta ou aquela pessoa, em si mesmas assunto que a cada um dirá respeito, pois essencial é que o Sr Dr J... tem andado a tomar atitudes autêntica, despropositada e para mim de todo inesperadamente sediciosas contra órgãos da Ordem democraticamente eleitos, aos quais ele e qualquer advogado devem respeito e consideração. Na verdade, refere-se à acusação contra ele deduzida com palavras como “absurdo”, “idiota” e “falta de coragem”; falseia, por divulgação pública, requisitos da acção disciplinar cuja inexistência não desconhece nem pode desconhecer, insinuando que não deveria ter sido iniciado o procedimento dada a ausência de participação (artº 118º/2 do EOA/2005) e que lhe era devida uma audiência prévia, sendo que a legislação aplicável não prevê uma coisa nem outra, assim agredindo o prestígio da Ordem e do Conselho Superior em particular; como não acredito que pretenda, para si, um tratamento privilegiado em matéria disciplinar, volta a desprestigiar a Ordem acusando o Conselho Superior de ter demorado vários meses a acusá-lo de modo formal, sempre publicamente mas omitindo causas objectivas da situação, como a intercorrência de dois meses de férias judiciais e o decurso obrigatório de prazos legais, além da grande pendência transitada para este Conselho, em especial os 130 processos de laudo herdados do Conselho Geral a que presidiu; quebrou, como alguém referiu, a velha tradição e tácito consenso de que um ex-bastonário não critica quem lhe sucede nem os outros órgãos da Ordem; imputa ao Conselho Superior ter, através do seu Presidente, deixado violar o segredo quanto à instauração do processo; ofende gravemente o Conselho acusando-o de o ter condenado sumariamente antes de o ter julgado, insinuando junto da opinião pública a falsa ideia de que a fundamentação da instauração do processo disciplinar e depois a da acusação equivalem, intramuros, à prévia condenação de um advogado arguido; permite-se afirmar que a acusação só
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surgiu por ele próprio ter exercido pressões nesse sentido, declaração novamente ofensiva do prestígio da Ordem e do seu supremo órgão jurisdicional; deprecia uma deliberação que incorpora e põe manifesta a vontade colectiva do Conselho, apodando-a de “actuação de 11 membros”, com quem se diz indignado e ofendido, menoscabo que, ele sim, constitui de novo pública difamação da integridade de todos os seus membros, com a intolerável arrogância de insinuar a divisão deles em duas partes, uma facção que o ataca e outra que não o ofende porque se opôs à instauração do processo disciplinar. É minha opinião que em face disto, pelo menos, este Conselho deve considerar existir matéria com relevância disciplinar a acrescer à que está já a ser objecto de instrução. É também meu entendimento o seguinte: Do ponto de vista disciplinar os novos comportamentos do Senhor Bastonário J... justificam a afirmação – aliás do próprio – de que a pena de advertência a que a acusação se refere pode não ser adequada. Esta pressupõe a existência de faltas leves e tem em vista evitar a sua repetição; o Sr Dr J... fez questão de se encarregar de nos chamar a atenção, desde já, para o facto de que essas faltas as repete de forma a merecer no mínimo um juízo de reprovação ou a considerar-se aumentado o peso das infracções (cfr artº 125º/ 2 e 3 do EOA/2005). Como é sabido (artº 110º), comete infracção disciplinar o advogado ou advogado estagiário que, por acção ou omissão, violar dolosa ou culposamente algum dos deveres consagrados no EOA, nos respectivos regulamentos e nas demais disposições legais aplicáveis. Como é sabido (artº 86º/a)) constitui dever do advogado não prejudicar os fins e prestígio da Ordem dos Advogados e da advocacia. Como é sabido (artº 107º/1/a)), constitui dever dos advogados nas suas relações recíprocas proceder com a maior correcção e urbanidade, abstendo-se de qualquer ataque pessoal, alusão deprimente ou crítica desprimorosa, de fundo ou de forma. E, no exercício da profissão, deve proceder com urbanidade, nomeadamente para com os colegas, magistrados, árbitros, peritos, testemunhas e demais intervenientes nos processos, e ainda funcionários judiciais, notariais, das conservatórias, outras repartições ou entidades públicas ou privadas. Se isto é assim nas relações entre advogados e no exercício da profissão, não há-de deixar de o ser quando as relações se estabelecem entre o advogado e os órgãos da Ordem investidos de funções jurisdicionais e de direcção. Conforme o comando do artº 83º do EOA, porque é indispensável à administração da justiça, o advogado deve ter um comportamento, tanto profissional como público, adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no seu Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem. Claro que a honestidade, probidade, rectidão, lealdade, cortesia e sinceridade são obrigações profissionais – como o são fora do exercício da profissão. Com fundamento em todas estas considerações, entendo que o Conselho Superior não deve dar qualquer tipo de resposta pública ou privada aos pronunciamentos do Sr Dr J.... Penso que se impõem dois tipos de reacções institucionais da Ordem. Ao Bastonário Sr Dr Rogério Alves sugerirei, se ele mo permitir, propor-se obter uma posição conjunta dos Senhores Bastonários nos termos do artº 39º/4 do EOA. Sem embargo de que desconheço o teor da acusação, pois o pouco que me é dado saber é através do pronunciamento do arguido em órgãos da comunicação social, ao Plenário do Conselho Superior proponho que determine o seguinte: a)- A junção ao processo disciplinar actualmente pendente dos textos e a gravação áudio e vídeo acima referidas com as declarações do Senhor Bastonário Dr J...;
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b)- A ampliação da matéria da acusação com o que resulta dessas declarações, ampliação que deverá ser considerada alteração substancial dos factos, nos termos gerais de direito, devendo o arguido ser notificado para se pronunciar, tudo de harmonia com as normas processuais penais subsidiariamente aplicáveis. c)- Em alternativa, a instauração de novo processo disciplinar com o mesmo objecto. As tomadas de posição públicas do Sr Bastonário Dr J... podem constituir violação do carácter não público do processo disciplinar. Com efeito, apesar de o nº 1 do artº 120º do EOA dizer que o processo é secreto até à acusação, isso parece não significar que este seja público ou possa ser objecto de livre divulgação pública – à semelhança exacta do que se passa com o processo penal – fora dos casos em que o próprio Estatuto prevê a publicidade. É o que duas circunstâncias parecem inculcar: primeira, ao relator compete autorizar a informação pública da pendência de processo disciplinar contra advogado determinado, sem identificar os factos e a fase processual; segunda, apenas mediante requerimento em que se indique o fim a que se destinam, pode o conselho competente, ou algum dos seus membros, autorizar a passagem de certidões em qualquer fase do processo, para defesa de interesses legítimos dos requerentes, podendo condicionar a sua utilização, sob pena de o infractor incorrer no crime de desobediência, e sem prejuízo do dever de guardar segredo profissional (nºs 4 e 5). A ser correcto este entendimento, os comportamentos públicos do arguido poderão constituir ilícito disciplinar, o que no meu entender o Conselho Superior deve averiguar. Há finalmente um aspecto de carácter pessoal a merecer-me uma reflexão da qual faço questão fique registo. O Sr Dr J... declarou que, quando lhe comunicou por telefone a deliberação de lhe ser instaurado processo disciplinar, o Sr Dr Luís Laureano Santos lhe disse “você agora é notificado, diz qualquer coisa e isto acaba tudo arquivado”. Repito que não sei que “qualquer coisa” disse o ora arguido; nem faço ideia se o processo vai ou não ser arquivado sem sanção. Sei que não foi isso que lhe disse o Colega Dr Luís Laureano Santos. O Sr Dr J... ao que parece estava à espera que o desmentissem, pois logo declarou também: “É evidente que é a minha palavra contra a dele”. Estranha antecipação. Em psicanálise chama-se a isto, creio eu, um “acto sintomático”; este, que qualquer pessoa atenta vai valorar como entender, não teria importância se não fosse a forma intolerável como continuou a declaração: “as pessoas conhecem-me e se calhar também o conhecem a ele…”. Pois pretendo que fique registado que conhecendo bem o Sr Dr Luís Laureano Santos e pior o Sr Dr J..., sei que dos dois não é o Sr Dr Laureano Santos quem falta à verdade.”
O Sr Dr Jorge de Abreu
disse, em resumo, que a matéria em apreciação é grave e complexa e, por isso, é grande a sua preocupação, considerando que, a não ser tratada com muita cautela, poderá transformar-se num “furacão”. Entende que o Conselho deve assumir opções racionais e objectivas diferentes das que tem tido o Bastonário J..., cujas posições resultarão de um empolamento emocional, de algum modo compreensível, e de uma atracção por excessiva exposição mediática que também não se coaduna quer com o exercício da profissão, quer com a postura que a Ordem e os seus órgãos devem ter. Sugeriu que não houvesse por parte do Conselho respostas ou comentários para o
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exterior, de forma a não agravar a situação. E que se dê ao caso uma tramitação objectiva como a que caberia ao processo de qualquer outro advogado, que não um Bastonário, devendo o mesmo ser decidido no mais curto espaço de tempo. Sugeriu ainda que se evitassem encontros conciliatórios por parte do Bastonário ou de membros do Conselho, pelos inconvenientes que resultariam de uma subsequente mediatização dos mesmos.
Do Sr Dr António Ribeiro de Carvalho:
“Congratulo-me com a posição, que aliás nunca havia posto em dúvida, assumida pelos Srs. Conselheiros que, não tendo votado favoravelmente o Parecer que propunha a instauração de Processo disciplinar ao Bastonário Dr. J..., manifestaram inteira solidariedade com a deliberação que veio a ser tomada. Comungo dos receios manifestados pelo Dr. Jorge de Abreu quanto a um aproveitamento indevido pelo Bastonário Dr. J... relativamente ao almoço a três que, proposto pelo Dr. Alfredo Castanheira Neves, foi aceite pelo Bastonário Dr. Rogério Alves. Finalmente subscrevo o repúdio, unanimemente aqui manifestado pelos Srs. Conselheiros que me precederam, pelas declarações do Bastonário Dr. J... ao Canal 2 da RTP, que acabámos de visionar, manifestando a convicção de que, havendo duas versões quanto à conversa na altura mantida pelo Presidente do Conselho Superior, Dr. Luís Laureano Santos, e o Bastonário Dr. J..., se alguém fala verdade é o Dr. Luís Laureano Santos, cuja honestidade e rectidão de carácter conheço desde os tempos da Faculdade.”
Do Sr Dr Luís Telles de Abreu:
“O facto de eu - tal como outros membros deste Conselho – ter votado em sentido contrário à deliberação de instaurar o processo disciplinar em causa contra o Sr. Dr. J... não significa que não entenda que foram infelizes as afirmações pelo mesmo formuladas e que estiveram na origem da dita deliberação. Reafirmo que essas afirmações se me afiguram infelizes e, até, em parte, ininteligíveis. Acredito, mesmo, que tenha existido uma falta de correspondência entre o texto integral de tais afirmações e a vontade real do Sr. Dr. J.... É lamentável o entendimento de que a deliberação de instaurar o processo disciplinar foi decisão de “11” dos membros deste Conselho. Obviamente, foi uma decisão do Conselho Superior como órgão colegial. Lamento sinceramente a situação a que se chegou, a qual se afigura altamente lesiva dos interesses da nossa classe em geral. O assunto está a tomar proporções imprevistas e imprevisíveis que a todos prejudicam. Sendo, como sempre fui, conciliador e defensor de consensos, preconizo, mesmo agora, uma solução que tente ultrapassar as proporções surgidas e evitar consequências ainda mais gravosas para a nossa classe.”
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Do Sr Dr Fernando Cabrita:
“Considero despropositadas e lamentáveis as declarações públicas proferidas pelo Sr. Bastonário, Dr. J..., sobre o processo disciplinar que lhe foi instaurado. Se pode entender-se, até pela experiência jornalística do visado, que este poderia estar a exprimir os seus pontos de vista, no uso do direito da liberdade de imprensa, a verdade é que, a um Bastonário que recentemente deixou o cargo, exige-se serenidade, bom senso e parcimónia nas opiniões que emita, sobretudo sobre matéria delicada como a que originou a presente situação. Este Conselho, após aprofundada discussão e prevalecendo a opinião da maioria, deliberou legal e democraticamente, instaurar processo disciplinar ao Sr. Dr. J..., sejam quais forem as consequências que daí possam vir a decorrer. Não faz nenhum sentido, o modo como o visado vem agora reagir, quer em entrevista pública à TELEVISÃO, quer pela carta remetida em 7 de Dezembro último, ao Presidente deste Conselho, em tom acintoso, chocarreiro mesmo e ainda insultuoso, quer relativamente à pessoa do Presidente, quer também ao próprio órgão Conselho. Salvo o devido respeito, o Sr. Bastonário J... não devia publicitar a matéria constante do processo disciplinar em curso e menos ainda vir ofender gratuitamente, quer o Conselho, quer o seu Presidente. Fui um dos “onze” que subscreveu a instauração do processo e não posso deixar de reiterar a orientação do sentido do voto por mim expresso, face às expressões agora contidas na infeliz carta dirigida ao Presidente deste Conselho Superior. É a segunda vez que tenho a honra de pertencer a este órgão, tal como já fiz parte do Conselho Geral presidido pelo anterior Bastonário, Dr. António Pires de Lima, que muito prestigiou a Ordem com a sua actuação. Não me recordo, nos mandatos que exerci, de alguma vez, assistir a uma manifestação de tamanha desconsideração pela nossa Ordem e respectivos órgãos. Concordo assim plenamente com a intervenção do nosso Colega Professor Doutor Lebre de Freitas de que os novos factos agora trazidos a conhecimento devam ser devidamente valorados, para efeitos disciplinares. Expresso ainda toda a minha solidariedade para com o nosso Presidente, bem como para com os Relatores que, no exercício do seu munus, intervieram no processo. Concordo igualmente com a convocação de uma reunião entre os anteriores Bastonários, na esperança de que estes, com a sua sagacidade, experiência e prestígio, possam contribuir para apaziguar o presente conflito, por forma a evitar maiores e mais graves danos à nossa Ordem.”
Do Sr Dr José Rodrigues Braga:
“Considero profundamente lamentáveis as posições públicas do Senhor Bastonário J... em relação ao processo disciplinar em curso, gravemente atentatórias do prestígio da nossa Ordem e dos seus órgãos, nomeadamente deste Conselho Superior. Confesso que legitimamente esperava que, com serenidade e elevação, apresentasse no processo o seu ponto de vista em relação às suas controversas declarações que este Conselho, como órgão colegial, considerou maioritariamente susceptíveis de enquadramento disciplinar, defendendo o ponto de vista oposto e demonstrando, eventualmente, a falta de razão daquele entendimento (já que, obviamente, a
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instauração do processo não representou qualquer condenação prévia, como seria injurioso negar). Infelizmente optou por vir discutir o processo na praça pública, tecendo lamentáveis e menos verdadeiras considerações, e lançando descabelados ataques a Colegas que lhe deveriam merecer todo o respeito. Trata-se de uma atitude inédita por parte de um Bastonário, susceptível, pela sua repercussão pública, de causar gravíssimos danos no prestígio da Ordem dos Advogados. É que, como me habituei a constatar ao longo de mais de 40 anos em que exerço a advocacia, as declarações públicas dos grandes Advogados que têm desempenhado as posições de Bastonário sempre tiveram um importante e justificado impacto na opinião pública, contribuindo em grande medida para o prestígio de que a Ordem merecidamente goza no nosso País. Por isso, creio que se impõe uma clara reacção institucional. E penso que a ela deverão ser convocados os nossos antigos e prestigiados Bastonários ainda felizmente vivos, que constituem autênticos pilares da nossa advocacia, e cuja palavra esclarecida e serena muito poderá contribuir para desdramatizar a situação e reparar os danos causados à nossa Ordem. Finalmente, desejo expressar, como os demais membros deste Conselho o fizeram, toda a solidariedade ao nosso Presidente e aos Colegas especialmente visados nas infelizes e injustas declarações do Senhor Bastonário J...”.
Da Sra Dra Luísa Novo Vaz:
“Ouvida a entrevista à TELEVISÃO e lidos os textos, da autoria do Senhor Bastonário Dr. J..., é meu dever dizer o seguinte: A) Calha conhecer o Sr. Dr. Luís Laureano Santos há vários anos e desse conhecimento sei que é pessoa de Honra e de Verdade. Por isso, lhe presto homenagem e lhe dou incondicional solidariedade. B) Igual homenagem e não menos sentida solidariedade aos Senhores Relatores do processo, Srs. Drs. Alberto Jorge Silva e Eurico Consciência, particular e injustamente visados nas ditas comunicações. C) As declarações do Sr. Dr. J... põem em causa o prestígio da OA e dos seus órgãos e justificam, pela repercussão pública que tiveram e pela qualidade da pessoa que as proferiu, que os Senhores Bastonários se pronunciem. D) Subscrevo inteiramente – e com igual sentimento – a declaração do Sr. Dr. José Rodrigues Braga e declaro-me em total solidariedade com o Conselho, seja qual for a deliberação que, sobre a matéria em discussão, vier a ser tomada.”
Da Sra Dra Maria Clara Lopes:
“Primeiro: Quero manifestar o meu orgulho de pertencer a este Conselho Superior constituído, como expressei, por pessoas de bem. Efectivamente a forma como tem decorrido a sessão e como todos os Colegas se pronunciaram honra-nos a todos. Segundo: Quero relevar especialmente a declaração do Dr. Miguel Galvão Teles a qual, com sua licença, obviamente inteiramente corroboro e, por isso, igualmente voto. Terceiro: Quero declarar que lamento profundamente o comportamento do J... pelas declarações feitas na TV mas e sobretudo a forma como se dirigiu ao nosso Presidente
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na carta de 7 de Dezembro, carta que, pelas expressões usadas e declarações menos verdadeiras aí prestadas, considero insultuosa quer do nosso Presidente quer de todos os membros do Conselho Superior. Quarto: Quero declarar que estou com todos os Conselheiros no sentido de que a nossa deliberação de instauração de processo disciplinar ao J... foi uma deliberação colegial, e que, cumpre ressaltar, nenhum dos conselheiros que votaram contra a instauração do processo, como consta das respectivas declarações de voto, qualificou de aceitável o comportamento do J.... Quinto: Concordo que sobre todos os factos ocorridos se devem pronunciar os ex-bastonários como foi sugerido. Sexto: entendo que a gravidade dos factos ocorridos justifica a instauração de novo processo disciplinar ao J....”
18 Dado o adiantado da hora, foi suspenso o debate e designado o dia 13 de Janeiro
seguinte para o seu prosseguimento e tomada de deliberações. Porém, tal só aconteceu
na reunião do dia 24-02-2006, na qual estiveram presentes os Srs Conselheiros e as Sras
Conselheiras Luís Laureano Santos, Augusto Aguiar Branco, Heitor Consciência, Lebre de
Freitas, Luísa Novo Vaz, Maria Clara Lopes, Carlos Aguiar, Alberto Jorge Silva, José
Rodrigues Braga, Carlos Guimarães, Rui Machete, Fernando Cabrita, Manuel Castelo
Branco, Virgílio Ribeiro e Ribeiro de Carvalho, tendo faltado os Senhores Dr Vasco
Vieira de Almeida, Prof. Doutor Sérvulo Correia, Dr Luís Telles de Abreu, Dr Miguel
Galvão Teles e Dr Jorge de Abreu.
O Conselho tomou conhecimento de que Senhor Relator do processo disciplinar D-9/05
ordenara a extracção de certidão do “anexo” à defesa oferecido, nesses autos, pelo ora
arguido e, por considerar que em tal “anexo” se contém matéria injuriosa, determinara
que tal certidão fosse presente ao Presidente do Conselho Superior para os fins que
fossem tidos por convenientes.
Tomou igualmente conhecimento de que, tendo anunciado com antecedência aos
Membros do Conselho que era sua intenção propor a instauração deste novo processo
disciplinar, o Sr Presidente havia solicitado, a quem não pudesse estar presente e
pretendesse que a sua posição ficasse a constar da acta, que lhe fizesse chegar o teor
da respectiva declaração, tendo recebido duas mensagens, uma do Sr Dr Miguel Galvão
Teles e outra do Sr Dr Jorge de Abreu.
A do Sr Dr Miguel Galvão Teles, com o seguinte teor, na parte que interessa ao presente
processo:
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“[…] Recebi o seu mail, enviado em 20 de Fevereiro, sobre a eventualidade de novo processo disciplinar ao Bastonário Dr. J.... […] não poderei estar presente na reunião do Conselho Superior de sexta-feira próxima. […] Quanto à referida eventualidade, mantenho a posição de que só excepcionalissimamente deve o Conselho Superior instaurar processos disciplinares por sua iniciativa, isto é, independentemente de participação. A circunstância de, sem participação, ter sido instaurado um processo disciplinar contra o Dr. J... preclude que agora se considerem razões que, neste caso, porventura justificassem a instauração de processo independentemente de queixa. Nestes termos, votarei a instauração de processo se, e apenas se, o Colega Dr. Heitor Consciência informar o Conselho de que a comunicação que a este fez quanto ao texto apresentado pelo Dr. J... no processo disciplinar em curso constitui uma participação. Aceitaria, então, que a matéria da entrevista à TELEVISÃO fosse agregada, por conexão […]”.
A do Sr Dr Jorge de Abreu, com o seguinte teor, na parte que interessa ao presente
processo:
“[…] Não poderei estar presente na próxima reunião do Conselho Superior […] Quanto ao ponto da instauração de novo processo disciplinar ao Bastonário J..., dada a gravidade do assunto, gostaria que fosse comunicada ao Conselho a minha posição, solicitando que ficasse a constar da acta. 1. Aquando da deliberação que aprovou a instauração do processo disciplinar contra o Bastonário J..., votei contra a mesma por entender que a entrevista dada ao Jornal A... não integrava ilícito disciplinar, discordando assim do parecer do nosso Colega Dr. Alberto Jorge Silva. 2. Em minha opinião, aprovado o parecer, a atitude do Conselho deveria ter sido a de remeter o mesmo ao Bastonário e ao Conselho Geral que solicitara o referido parecer. 3. Perfilho inteiramente a posição do nosso Colega Dr. Rui Machete que chamou a atenção do Conselho para a perversidade de ser o mesmo Conselho a julgar um processo a que dá origem como participante a si próprio, da eventual infracção, ao que falta cobertura legal nos termos das competências definidas no artigo 43º do Estatuto. 4. A instauração do processo disciplinar em curso por iniciativa do nosso Conselho veio a meu ver, por uma via incorrecta, colmatar a falta de iniciativa de outros órgãos da Ordem que podiam se assim o entendessem tê-lo instaurado, e a falta de iniciativa de vários advogados que criticaram acusatoriamente o Bastonário J... sem terem tido a iniciativa legítima de apresentar uma participação disciplinar, em atitude coerente, digna e independente apanágio da nossa profissão. 5. Na nossa penúltima reunião chamei a atenção para o crescendo mediático que poderia ocorrer quanto ao processo em curso e quanto a outros que lhe pudessem suceder decorrentes das posições do Bastonário J... assumidas publicamente e no processo. Esse mediatismo tão caro ao referido Bastonário e consequência das suas outras actividades, pelo menos passadas, no campo da política e do jornalismo, não dignificará a Ordem nem a nossa profissão. Outras declarações e outros factos ocorrerão que podem vir a dar causa a novos processos disciplinares que acima de tudo irão contribuir para o desprestígio de todos nós.
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6. Quanto às declarações do Bastonário J... no “anexo” à defesa são a meu ver excessivas mas escritas na turbulência de uma defesa por parte de quem se dedicou generosamente à nossa Ordem, deixando no fim do seu mandato obra feita nomeadamente no campo legislativo e em múltiplas iniciativas inovadoras e se sente gravemente injustiçado. Nessa medida, e pelo que já se referiu, o Conselho não deveria avaliar tais declarações na vertente dos sentimentos e das emoções relativamente aquilo que pode ser considerado ofensivo, mas deixar à iniciativa individual qualquer nova participação, julgando rápida e eficazmente o processo em curso que em minha opinião tem sido injustificadamente demorado. 7. Como último ponto, receio que a instauração de novo processo disciplinar, ou a abrangência de novas eventuais infracções naquele que está em curso depois de “encerradas sem êxito as diligências”, promovidas pelo Bastonário Júlio Castro Caldas, indicia também algum tipo de negociação que não se coadunaria com o que deve ser a postura do nosso Conselho, que irá agora apreciar a instauração de novo processo disciplinar por se terem encerrado sem êxito as referidas diligências. 8. Espero que estas reflexões tenham alguma utilidade para o debate. As mesmas decorrem de uma análise objectiva que procurei fazer e que pondera essencialmente tudo o que possa pôr em causa o prestígio da profissão e da nossa Ordem. (…)”
O Sr Dr Eurico Heitor Consciência esclareceu, ali mesmo, que, ao proferir o seu
despacho (como relator do processo D-9/05) ordenando a passagem e remessa ao Sr
Presidente da certidão com o teor do “anexo” à defesa subscrito pelo Sr Bastonário
J..., procedera em termos institucionais e não pessoais, com o objectivo de ser
instaurado a este um novo processo disciplinar.
19 Considerando as posições já assumidas na reunião do Conselho de 22-12-2005,
procedeu-se à votação da proposta. E, por maioria (13 votos a favor e 1 contra 29), foi
deliberado instaurar estoutro processo disciplinar (D-4/06)
O Sr Dr Manuel Castelo Branco quis que ficasse a constar em acta a seguinte declaração
de voto de vencido:
“Voto contra, com os fundamentos expendidos pelo Senhor Dr. Jorge de Abreu na declaração pelo mesmo apresentada ao Senhor Presidente.”
O Senhor Presidente proferiu então o seguinte despacho:
a) Certifiquem-se extractos das actas da sessão do Conselho de 22 de Dezembro de 2005
(com os respectivos anexos) e da presente sessão, na parte que respeita às declarações
29 O Sr Conselheiro Dr Rui Machete não votou pelas razões explicitadas na reunião de 22-12-2005.
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produzidas pelo Senhor Bastonário Dr. J... (na entrevista que concedeu à TELEVISÃO, programa “Negócios...”, transmitido em 10 de Dezembro de 2005), às pronúncias dos Membros deste Conselho sobre o tema, à deliberação ora tomada e ao presente despacho;
b) Juntem-se esses extractos à transcrição, em texto, da entrevista televisiva e à certidão extraída do processo disciplinar D-9/05, integrando o “anexo” à defesa, da autoria do Senhor Bastonário Dr. J...;
c) Autue-se todo esse expediente como processo disciplinar; d) Em face da pendência do processo disciplinar nº D-9/05 contra o Senhor Bastonário Dr.
J... e do disposto nos art.ºs 144º-1 (nomeação de Relator) e 145º (apensação) do EOA/2005, distribuo o novo processo disciplinar ao Senhor Vice-Presidente deste Conselho, Dr. Eurico Heitor Consciência, como Relator.
e) Notifique-se o Senhor Bastonário Dr. J... da instauração do novo processo disciplinar, com cópia de todo o expediente autuado.”
20 Por ofício expedido ao ora arguido em 04-03-2006, foi ele notificado nos termos
ordenados.
Por despacho de 16 seguinte o Sr Dr Eurico Heitor Consciência, Vice-Presidente do
Conselho Superior e Relator do presente processo veio pedir escusa, o que lhe foi
deferido por despacho do Sr Presidente do dia 20 seguinte que, do mesmo passo,
nomeou em sua substituição o também aqui relator.
Por despacho de 21-03-2006 foi ordenada a apensação deste processo ao nº D-9/05, o
qual tem o mesmo arguido. O despacho foi devidamente notificado.
Na mesma data foi declarada aberta a instrução e mandado notificar o arguido desse
facto; e bem assim, dado ser obrigatório ouvi-lo nesta fase (artº 146º/7 EOA), para se
pronunciar nos termos e para os efeitos daquela norma legal.
Em 28-03-2006 veio o arguido responder à notificação dizendo carecer de sentido
pronunciar-se nesta fase. Alegou já não poder evitar a instauração do processo; e, bem
assim, não podia ainda defender-se da “concretização adequada dos factos que lhe são
imputados”. Pelo que aguardaria “a notificação do despacho de acusação” para se
pronunciar. A mesma posição assumida no outro processo, portanto.
21 Posto isso, não se tendo visto necessidade de praticar quaisquer actos instrutórios, foi a
instrução dada por finda e elaborado despacho de acusação nos termos constantes de
fls 228 a 231 com o teor seguinte:
1º Na entrevista concedida ao jornalista S... no programa Negócios... da TELEVISÃO, pelas 23 horas de 10-12-2005, o arguido proferiu as seguintes palavras: “[É] completamente
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absurda, é mesmo idiota dizer que eu estava através duma entrevista pública a solicitar, a dizer ‘ó Estado, trabalha comigo’”.
2º Ao proferir essas palavras o arguido quis referir-se ao teor da acusação contra ele deduzida no processo disciplinar nº X…/05 pendente neste Conselho Superior.
3º Era o seguinte o contexto de tais afirmações: Jornalista: “Não pensa, por exemplo, que esta situação do seu colega de profissão António Vitorino o prejudicou sobretudo a ele? Precisamente porque não há, ele é vítima dessa falta de transparência? Bastonário J...: “Aí é um exemplo… como é que, aliás, uma das minhas… eu não vou avançar a minha defesa. Mas uma das razões que eu digo é completamente absurda, é mesmo idiota dizer que eu estava através duma entrevista pública a solicitar, a dizer ‘Ó Estado, trabalha comigo’. Porque nesse caso em que o Sr Dr António Vitorino não solicitou coisa nenhuma, foi contactado por uma empresa privada. Embora com capitais públicos. E isso chegou a dar um inquérito parlamentar.” (Fls 44)
4º Na mesma entrevista, o arguido proferiu as seguintes palavras: “Mandaram para os jornais ou deixaram que aparecesse nos jornais que eu tinha um processo disciplinar. Portanto, violando o segredo. Aquilo que nós os advogados censuramos quantas vezes à investigação criminal” (fls 46).
5º Em carta datada de 07-12-2005, endereçada ao Presidente do Conselho Superior, Dr Luís Laureano Santos, recebida na Ordem dos Advogados por fax no dia 19 seguinte, cujo conteúdo o seu autor quis que fosse tornado público, o Sr Bastonário J... afirmou que aquele “[deixou] revelar o dever de segredo […] da decisão do CS de [lhe] instaurar um processo” (fls 31).
6º Nessa carta afirma, referindo-se ao Conselho Superior, “que [o] condenou sumariamente sem [o] ouvir”;
7º E que “deixou divulgar para a praça pública tal condenação”
8º Em carta dirigida ao semanário Z... e neste publicada em 30-12-2005, o arguido, declarando-se “indignado e ofendido com 11 dos 20 membros do Conselho Superior”, afirma de novo que estes “deixaram violar o segredo do processo” (fls 224).
9º No texto da autoria do arguido anexo à defesa no processo disciplinar nº D-9/05 (cópia a fls 155 a 196), o facto referido no artigo 6º é repetido pelo menos nos seguintes passos e com as seguintes palavras: - “uma votação no Conselho Superior que pré-condenou o acusado” (nº 3); - “discussão e deliberação condenatória prévia pelo Conselho Superior sem audição do ora acusado” (nº 5); - “o facto é que ‘os 11’ - tendo acesso a essas declarações, nem por isso deixaram de condenar o acusado” (nº 6).
10º Na mesma peça, reportando-se ao identificado processo, o arguido refere-se ora ao comportamento do Conselho Superior, ora ao de membros deste (que votaram favoravelmente o parecer com cópia a fls 65 a 69), ora ao do primeiro relator daquele processo disciplinar nº D-9/05 como uma “indignidade” (nºs 5, 10, 13); uma “espantosa manipulação” (nº 10); uma utilização de “argúcias e habilidades” (nº 7); uma atitude de
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“coacção irresistível” sobre o relator (nº 11); uma “imaginação [savonarolesca]” (nº 29); uma “escolha [de factos] maldosamente feita para permitir dar foros de verosimilhança à acusação” (nº 45); uma “falta de vergonha descontextualizante” (nº 65); um denotado e evidente “espírito persecutório” (nº 66); uma “lamentável perseguição que envergonha quem a pratica” (nº 97).
11º O arguido refere-se à maioria que, com os seus votos, aprovou o parecer com cópia a fls 65 a 69, sempre como “os 11”; e com as seguintes expressões, além de outras: que “não tem ilusões quanto aos 11”; “que lhe são indiferentes”; acusa-os repetidamente de o punirem por delito de opinião; “"os 11" estão para além da sensatez e do bom senso, sentindo-se ungidos”; “os preclaros "os 11" - guardiões de um templo que só existe na imaginação "savanarolesca" [sic] que os caracteriza”; “o mais leve traço de bom senso (coisa que mesmo "os 11" provavelmente possuem, em maior ou menor dose)”; “de tão grande descontextualização nem "os 11'' e o seu "relatoriador" se lembraram”; “este processo disciplinar aberto ao acusado tinha um objectivo e baseava-se numa raiva”, “a raiva surgia da inassimilada derrota eleitoral sofrida pelo actual presidente do Conselho Superior e por alguns de "os 11" e de outras raivas avulsas de não derrotado na altura, mas que ouviram o que mereceram e não gostaram em lugares insulares e adjacentes”; “"os 11" são a quintessência do mais envelhecido conservadorismo”; “o aventureir ismo de "os 11" conduziu a um beco sem saída”.
12º A propósito da dedução da acusação referida, o arguido declarou ao jornalista P…, do Jornal A..., e este publicou-o em 07-12-2005, que os do Conselho Superior têm “falta de coragem”; que “pedirem uma advertência é um insulto, só mostra que o Conselho Superior não tem coragem, depois de todo o barulho que fizeram”; que teve de “enviar uma carta muito violenta ao presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados para que a acusação saísse” (fls 30).
13º Em 25-02-2006 o arguido redigiu e enviou para vários órgãos da comunicação social um documento que foi publicado pelo menos na secção denominada L... do periódico Jornal A... de 01-03-2006 com a seguinte redacção (cfr fls 225): “Pelo ‘Z...’ tomei conhecimento de que ‘a Ordem dos Advogados instaurou ontem [sexta-feira] um segundo processo disciplinar’ contra mim. O rigor informativo deste órgão de comunicação social não me permite duvidar da veracidade da notícia. O fundamento de tal processo será o facto de eu ter acusado ‘a Ordem de estar a ter falta de respeito e falta de coragem’. Sobre esta notícia digo o seguinte: 1. Lamento que pela segunda vez comigo o Conselho Superior da Ordem dos Advogados (CS) permita, em clara e frontal violação da lei, que seja violado o segredo dum processo. 2. Lamento que o CS permita que aconteça, comigo e pela segunda vez, aquilo que muitas vezes os Advogados censuram à investigação criminal: os arguidos serem notificados pelos jornais. 3.É falsa a imputação. Não acusei de nada a Ordem dos Advogados. Por muitos que alguns membros do CS não gostem, sou Bastonário da Ordem dos Advogados. Acusei realmente de ‘falta de respeito e de coragem’ alguns membros do CS, por razões que serão conhecidas quando do julgamento público do primeiro processo disciplinar que me foi movido. 4. Mais uma vez sou acusado por um mero delito de opinião, mais uma vez sou perseguido, porque me não perdoam o esforço de modernização, de luta contra o conservadorismo e de reformismo que foi feito pela equipa que protagonizei durante três anos. E mais uma vez sou sumariamente condenado perante a opinião pública antes de me
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poder defender. Registo esta factualidade para todos os efeitos, mas não a quero comentar, por simples e total desinteresse em relação a quem assim actua. 5. Neste segundo processo, membros do CS queixam-se, instruirão, acusarão, julgarão e condenarão. Não tenciono defender-me, pois entendo que a minha participação só iria dar credibilidade ao que o não merece. 6. Estou enjoado com tudo isto. É-me completamente indiferente o que decidam. Apenas espero que a formal decisão condenatória possa ser mais rápida do que no primeiro processo, em que continuo a aguardar a marcação do julgamento. 7. Tendo sido notificado pelos jornais deste processo, uso o mesmo sistema para notificar os que decidiram perseguir-me. Lisboa, 25 de Fevereiro de 2006 J... (Bastonário da Ordem dos Advogados)”
14º Com os comportamentos descritos o arguido violou algum dos deveres deontológicos consagrados na lei, porquanto: a. As suas declarações (importante parte delas através de órgãos de comunicação social) criam, no seu conjunto e cada uma delas, uma situação gravíssima, tanto subjectivamente – por causa da pessoa do seu autor e da sua qualidade de bastonário e vogal do conselho geral – como objectivamente – por configurar desconsideração da Ordem dos Advogados e uma agressão persistente ao seu prestígio. b. Na verdade, seria censurável se proveniente de qualquer advogado, é-o muito mais porque protagonizada por um Bastonário, sobretudo com a notoriedade e a projecção pública do arguido Sr Dr J.... c. Trata-se de faltas de consideração para com órgãos da Ordem dos Advogados legitimados nos termos da lei, os quais ele e qualquer advogado devem respeitar, abstendo-se de comportamentos atentatórios do crédito, do prestígio e da confiança que lhes é tributado, ou de para tal contribuírem, por se tratar de bens jurídicos especialmente protegidos até pela lei penal (cfr artº 187º do CPen). d. E de faltas de consideração para com membros do Conselho Superior, investidos em funções jurisdicionais e de autoridade pública, constituindo actos atentatórios da honra especialmente qualificados e agravados, por se tratar de bens jurídicos também de modo especial protegidos até pela lei penal (artºº 180º/1, 181º/1, 182º, 183º/1/a) e 2 e 184º do CPen). e. Desprestigia a Ordem dos Advogados acusando o Conselho Superior de ter demorado vários meses a acusá-lo de modo formal, publicamente, mas omitindo causas objectivas da situação, as quais bem conhece e não podia desconhecer. f. Imputa ao Conselho Superior e ao seu Presidente ter deixado violar o segredo quanto à instauração do processo. g. Ofende gravemente o Conselho acusando-o de o ter condenado sumariamente antes de o ter julgado, insinuando junto da opinião pública a falsa ideia de que a fundamentação da instauração do processo disciplinar e depois a da acusação equivalem, intramuros, à prévia condenação de um advogado arguido. h. Desconsidera a Ordem dos Advogados e o Conselho Superior, seu supremo órgão jurisdicional, tratando como pusilânimes os membros deste, ao afirmar que a acusação só surgiu por ele próprio ter exercido pressões nesse sentido. i. Deprecia uma deliberação que incorpora e põe manifesta a vontade colectiva do Conselho, apodando-a de “actuação de 11 membros”, com quem se diz indignado e ofendido, menoscabo que, ele sim, constitui de novo pública difamação da integridade de todos os seus membros, insinuando a divisão deles em duas partes, uma facção que o ataca por “delito de opinião” e o “persegue” com “raiva”; e outra que não o ofende porque se opôs à instauração do processo disciplinar.
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j. Sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirma publicamente factos inverídicos, capazes de ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança que são devidos à Ordem dos Advogados e ao seu Conselho Superior. l. Com divulgação pública, refere requisitos da acção disciplinar cuja inexistência não desconhece nem pode desconhecer, designadamente que não deveria ter sido iniciado o procedimento, dada a ausência de participação, e que lhe era devida uma audiência prévia, sendo que a legislação aplicável não prevê uma coisa nem outra, assim agredindo o prestígio da Ordem dos Advogados e do Conselho Superior em particular.
15º O arguido Bastonário Dr J..., com os comportamentos, descritos prejudicou os fins e prestígio da Ordem dos Advogados e da advocacia e violou o dever imposto pelo artº 86º/a) do EOA (L 15/2005, de 26-01).
16º
Violou os deveres, consagrados no artº 107º/1/ a) do mesmo EOA, de correcção e urbanidade, tendo produzido ataques pessoais a membros do Conselho Superior, investidos de funções jurisdicionais e de direcção, em relação aos quais fez alusões deprimentes e críticas desprimorosas, de fundo ou de forma; com o que infringiu também os deveres de rectidão e lealdade, previstos no nº 2 do artº 83º, por bem saber que lhes está vedado pronunciar-se e que por isso não poderiam responder-lhe.
17º Infringiu o comando do artº 83º, nº 1, do EOA, por ter tido um repetido e persistente comportamento público desconforme com a dignidade e responsabilidades da função de advogado.
18º O arguido actuou da forma descrita sabendo bem que praticava actos infringentes de deveres de carácter deontológico, mesmo assim persistindo no seu comportamento, que continuadamente vem repetindo ao longo de meses, no processo disciplinar nº 9/05, em jornais, em televisão e na rádio.
19º São circunstâncias atenuantes o exercício efectivo da advocacia por um período superior a cinco anos, sem qualquer sanção disciplinar, e bem assim as que resultarem da prova que venha a ser produzida (artº 127º EOA/2005).
20º São circunstâncias agravantes o carácter doloso da sua actuação, a acumulação de infracções, a publicidade, a reiteração e a qualificada exigibilidade ao arguido de que se comportasse de outro modo, dada a circunstância de ter desempenhado na Ordem dos Advogados os cargos de vogal do Conselho Geral (1996-1998) e de Bastonário (2002-2004) e a sua notória influência junto da opinião pública (artºº 128º e 130º/1 do EOA/2005).
21º A pena de suspensão prevista nos artºº 125º/1/e) e 126º/5 do EOA/2005 é aqui abstractamente aplicável, quer à acumulação de infracções quer a cada uma delas singularmente considerada, por se tratar de casos de culpa grave.
22 Notificado da acusação, o arguido veio “informar” não pretender “apresentar defesa
nos termos do artigo 152º” nem desejar “solicitar novas diligências, nos termos do
artigo 153º. E requerer que o relator elaborasse no prazo de 10 dias o relatório final e
que o julgamento se realizasse em 30 dias, referindo os artºs 154º e 156º do EOA.
71
Informou ademais não pretender “constituir defensor” e que “estará presente na
audiência pública onde exercerá o direito que lhe é conferido pelo nº 6 do artigo 156º”.
Visto que constituiu advogado, foi convidado a esclarecer se revogava a procuração e,
em caso afirmativo, se a revogação abrangia os substabelecimentos, com a prevenção
de que, se e enquanto nada dissesse, se considerava que o mandato se mantinha. Não
esclareceu o que se pretendia.
Não foram realizadas quaisquer diligências ao abrigo do disposto no artº 153º/1 do EOA.
23 No respeitante à matéria em causa neste processo nº D-4/06, o Pleno do Conselho
Superior delibera julgar provado o seguinte:
1º
Na entrevista concedida ao jornalista S... no programa Negócios... da TELEVISÃO, pelas
23 horas de 10-12-2005, o arguido proferiu as seguintes palavras: “[É] completamente
absurda, é mesmo idiota dizer que eu estava através duma entrevista pública a
solicitar, a dizer ‘Ó Estado, trabalha comigo’”.
2º
Ao proferir essas palavras o arguido quis referir-se ao teor da acusação contra ele
deduzida no processo disciplinar nº D/9/05 pendente neste Conselho Superior.
3º
Era o seguinte o contexto de tais afirmações:
Jornalista: “Não pensa, por exemplo, que esta situação do seu colega de profissão
António Vitorino o prejudicou sobretudo a ele? Precisamente porque não há, ele é
vítima dessa falta de transparência?
Bastonário J...: “Aí é um exemplo… como é que, aliás, uma das minhas… eu não vou
avançar a minha defesa. Mas uma das razões que eu digo é completamente absurda, é
mesmo idiota dizer que eu estava através duma entrevista pública a solicitar, a dizer
‘Ó Estado, trabalha comigo’. Porque nesse caso em que o Sr Dr António Vitorino não
solicitou coisa nenhuma, foi contactado por uma empresa privada. Embora com
capitais públicos. E isso chegou a dar um inquérito parlamentar.” (Fls 44)
72
4º
Na mesma entrevista, o arguido proferiu as seguintes palavras: “Mandaram para os
jornais ou deixaram que aparecesse nos jornais que eu tinha um processo disciplinar.
Portanto, violando o segredo. Aquilo que nós os advogados censuramos quantas vezes à
investigação criminal” (fls 46).
5º
Em carta datada de 07-12-2005, endereçada ao Presidente do Conselho Superior, Dr
Luís Laureano Santos, recebida na Ordem dos Advogados por fax no dia 19 seguinte,
cujo conteúdo o seu autor quis que fosse tornado público, o Sr Bastonário J... afirmou
que aquele “[deixou] revelar o dever de segredo […] da decisão do CS de [lhe]
instaurar um processo” (fls 31).
6º
Nessa carta afirma, referindo-se ao Conselho Superior, “que [o] condenou
sumariamente sem [o] ouvir”;
7º
E que “deixou divulgar para a praça pública tal condenação”.
8º
Em carta dirigida ao semanário Z... e neste publicada em 30-12-2005, o arguido,
declarando-se “indignado e ofendido com 11 dos 20 membros do Conselho Superior”,
afirma de novo que estes “deixaram violar o segredo do processo” (fls 224).
9º
No texto da autoria do arguido anexo à defesa no processo disciplinar nº D-9/05 (cópia
a fls 155 a 196), o facto referido no artigo 6º é repetido pelo menos nos seguintes
passos e com as seguintes palavras:
- “uma votação no Conselho Superior que pré-condenou o acusado” (nº 3);
- “discussão e deliberação condenatória prévia pelo Conselho Superior sem audição do
ora acusado” (nº 5);
- “o facto é que ‘os 11’ - tendo acesso a essas declarações, nem por isso deixaram de
condenar o acusado” (nº 6).
73
10º
Na mesma peça, reportando-se ao identificado processo, o arguido refere-se ora ao
comportamento do Conselho Superior, ora ao de membros deste (que votaram
favoravelmente o parecer com cópia a fls 65 a 69), ora ao do primeiro relator daquele
processo disciplinar nº D-9/05 como uma “indignidade” (nºs 5, 10, 13); uma “espantosa
manipulação” (nº 10); uma utilização de “argúcias e habilidades” (nº 7); uma atitude
de “coacção irresistível” sobre o relator (nº 11); uma “imaginação [savonarolesca]” (nº
29); uma “escolha [de factos] maldosamente feita para permitir dar foros de
verosimilhança à acusação” (nº 45); uma “falta de vergonha descontextualizante” (nº
65); um denotado e evidente “espírito persecutório” (nº 66); uma “lamentável
perseguição que envergonha quem a pratica” (nº 97).
11º
O arguido refere-se à maioria que, com os seus votos, aprovou o parecer com cópia a
fls 65 a 69, sempre como “os 11”; e com as seguintes expressões, além de outras: que
“não tem ilusões quanto aos 11”; “que lhe são indiferentes”; acusa-os repetidamente
de o punirem por delito de opinião; “"os 11" estão para além da sensatez e do bom
senso, sentindo-se ungidos”; “os preclaros "os 11" - guardiões de um templo que só
existe na imaginação "savanarolesca" [sic] que os caracteriza”; “o mais leve traço de
bom senso (coisa que mesmo "os 11" provavelmente possuem, em maior ou menor
dose)”; “de tão grande descontextualização nem "os 11'' e o seu "relatoriador" se
lembraram”; “este processo disciplinar aberto ao acusado tinha um objectivo e
baseava-se numa raiva”, “a raiva surgia da inassimilada derrota eleitoral sofrida pelo
actual presidente do Conselho Superior e por alguns de "os 11" e de outras raivas
avulsas de não derrotado na altura, mas que ouviram o que mereceram e não gostaram
em lugares insulares e adjacentes”; “"os 11" são a quintessência do mais envelhecido
conservadorismo”; “o aventureirismo de "os 11" conduziu a um beco sem saída”.
12º
A propósito da dedução da acusação referida, o arguido declarou ao jornalista P…, do
Jornal A..., e este publicou-o em 07-12-2005, que os do Conselho Superior têm “falta
de coragem”; que “pedirem uma advertência é um insulto, só mostra que o Conselho
Superior não tem coragem, depois de todo o barulho que fizeram”; que teve de
74
“enviar uma carta muito violenta ao presidente do Conselho Superior da Ordem dos
Advogados para que a acusação saísse” (fls 30).
13º
Em 25-02-2006 o arguido redigiu e enviou para vários órgãos da comunicação social um
documento que foi publicado pelo menos na secção denominada L... do periódico
Jornal A... de 01-03-2006 com a seguinte redacção (cfr fls 225):
“Pelo ‘Z...’ tomei conhecimento de que ‘a Ordem dos Advogados instaurou ontem
[sexta-feira] um segundo processo disciplinar’ contra mim. O rigor informativo deste
órgão de comunicação social não me permite duvidar da veracidade da notícia. O
fundamento de tal processo será o facto de eu ter acusado ‘a Ordem de estar a ter
falta de respeito e falta de coragem’.
Sobre esta notícia digo o seguinte:
1. Lamento que pela segunda vez comigo o Conselho Superior da Ordem dos Advogados
(CS) permita, em clara e frontal violação da lei, que seja violado o segredo dum
processo.
2. Lamento que o CS permita que aconteça, comigo e pela segunda vez, aquilo que
muitas vezes os Advogados censuram à investigação criminal: os arguidos serem
notificados pelos jornais.
3.É falsa a imputação. Não acusei de nada a Ordem dos Advogados. Por muitos que
alguns membros do CS não gostem, sou Bastonário da Ordem dos Advogados. Acusei
realmente de ‘falta de respeito e de coragem’ alguns membros do CS, por razões que
serão conhecidas quando do julgamento público do primeiro processo disciplinar que
me foi movido.
4. Mais uma vez sou acusado por um mero delito de opinião, mais uma vez sou
perseguido, porque me não perdoam o esforço de modernização, de luta contra o
conservadorismo e de reformismo que foi feito pela equipa que protagonizei durante
três anos. E mais uma vez sou sumariamente condenado perante a opinião pública
antes de me poder defender. Registo esta factualidade para todos os efeitos, mas não
a quero comentar, por simples e total desinteresse em relação a quem assim actua.
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5. Neste segundo processo, membros do CS queixam-se, instruirão, acusarão, julgarão
e condenarão. Não tenciono defender-me, pois entendo que a minha participação só
iria dar credibilidade ao que o não merece.
6. Estou enjoado com tudo isto. É-me completamente indiferente o que decidam.
Apenas espero que a formal decisão condenatória possa ser mais rápida do que no
primeiro processo, em que continuo a aguardar a marcação do julgamento.
7. Tendo sido notificado pelos jornais deste processo, uso o mesmo sistema para
notificar os que decidiram perseguir-me.
Lisboa, 25 de Fevereiro de 2006
J... (Bastonário da Ordem dos Advogados)”
14º
O arguido Bastonário Dr J..., com os comportamentos descritos prejudicou os fins e
prestígio da Ordem dos Advogados e da advocacia.
15º
Foi sabendo que não tinha fundamento para reputar verdadeiros os factos a que se
reportava que o arguido actuou como consta dos números 5º a 9º supra.
16º
O arguido exerce a profissão de advogado, sem qualquer sanção disciplinar, há cerca de
30 anos, pois foi inscrito definitivamente na Ordem em 31-03-1977.
17º
O arguido desempenhou na Ordem dos Advogados os cargos de vogal do Conselho Geral
(1996-1998) e de Bastonário (2002-2004).
18º
O arguido é pessoa influente junto da opinião pública, sendo muito conhecido como
comentador e colunista em órgãos de comunicação social.
19º
Ao proferir as afirmações constantes dos artigos 1º e 2º, e em especial ao usar a palavra
“idiota” naquele contexto, o arguido sabia que estava mais do que a atingir na sua
honra e consideração o advogado que foi relator do processo e é Vice-Presidente do
Conselho Superior, no exercício das suas funções e por causa de ter elaborado como
elaborou a acusação contra si deduzida, a atingir, através dessa crítica desprimorosa e
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alusão deprimente, o prestígio e a credibilidade de todo o Conselho Superior e,
reflexamente, da Ordem dos Advogados.
20º
Ao proferir as afirmações constantes dos artigos 4º, 5º, 7º, 8º e 13º (sub 1 e 2),
declarando que os do Conselho Superior “mandaram” ou “deixaram” que fosse
publicamente divulgada a existência de processo disciplinar – ou pelo menos lançando a
suspeita disso –, o arguido sabia que estava a dar azo a que os declaratários das suas
palavras ficassem a pensar que o Conselho Superior é pelo menos indiferente à violação
do segredo do processo, sabendo também que assim prejudicava o prestígio da Ordem
dos Advogados.
21º
Ao proferir as afirmações constantes dos artigos 6º e 9º e outras de teor semelhante,
querendo dizer que era vítima duma condenação prévia a processo disciplinar e sem
contraditório, o arguido sabia que estava a dar azo a que os declaratários das suas
palavras ficassem a pensar que o Conselho Superior actua de forma ilegal,
designadamente com parcialidade, sem rigor nem objectividade, desse modo
prejudicando o exercício da actividade que lhe está confiada, própria da jurisdição
disciplinar, sabendo também que assim prejudicava o prestígio da Ordem dos
Advogados.
22º
Ao proferir as afirmações dos artigos 10º e 11º, imputando à maioria dos membros do
Conselho Superior (que votou e por ter votado deliberação a ele alegadamente
desfavorável) actos de “indignidade”, “manipulação” de factos, “habilidades”, coacção
sobre o relator, dolo, “falta de vergonha”, “aventureirismo”, perseguição à sua pessoa
por motivos de “raiva” e vingança e outros semelhantes, o arguido sabia que, através
dessas críticas e alusões desprimorosas e deprimentes, estava a dar azo a que os
declaratários das suas palavras ficassem a pensar que o Conselho Superior actua de
forma ilegal, designadamente com parcialidade, sem rigor nem objectividade, desse
modo prejudicando o exercício da actividade que lhe está confiada própria da
jurisdição disciplinar, sabendo também que assim prejudicava o prestígio da Ordem dos
Advogados.
77
23º
Ao proferir as declarações constantes do artigo 12º, imputando aos membros do
Conselho Superior “falta de coragem” por só o terem acusado sob pressão de uma carta
“muito violenta” que enviou ao seu Presidente, o arguido sabia que estava a dar azo a
que os declaratários das suas palavras ficassem a pensar que o Conselho Superior actua
de forma ilegal, indigna e pusilânime, desse modo prejudicando o exercício da
actividade que lhe está confiada, própria da jurisdição disciplinar; sabia também que
assim prejudicava o prestígio da Ordem dos Advogados.
24º
O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta
era proibida e punida por lei.
Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto que antecede
A decisão de dar como provado o referido sob os artigos 1º a 13º funda-se nos
documentos e fontes que em cada caso são indicados.
A prova referida nos números 16º e 17º resulta do documento extraído do registo
pessoal do arguido na Ordem dos Advogados.
O constante do número 18º é facto público e notório.
A prova do que está nos artigos 14º, 15º e 19º a 24º resulta da convicção formada
perante os restantes factos assentes e com fundamento nas regras da experiência (cfr
artº 127º do CProcPen). Não pode ser de outro modo: o arguido sabia e não lhe era
permitido desconhecer que não podia abrigar-se em qualquer imunidade; que as
afirmações produzidas não podem deixar de ser entendidas, por qualquer normal
declaratário, como desconformes com regras comuns de convivência social pacífica,
pacificada e civil, especialmente impostas a um advogado, e até de natureza criminal;
ou pelo menos previu tal desconformidade como possível, conformando-se, sim, com o
resultado; foi membro do Conselho Geral e Bastonário da Ordem dos Advogados; é
público e notório que o arguido é pessoa muito inteligente e culta, experiente
advogado, observador e analista atento de comportamentos do domínio político,
judiciário e social em geral; assim como é público e notório que comportamentos como
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os descritos prejudicam necessariamente os fins e o prestígio da Ordem dos Advogados
e da advocacia, por terem idoneidade e capacidade para ferir a credibilidade e a
confiança na instituição e nos seus órgãos que têm a cargo a jurisdição disciplinar.
24 O arguido vem acusado de ter violado os preceitos dos artºº 86º/a), 107º/1/ a) e 83º/ 1
e 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Dizem eles:
─Artº 86º/a):
Constitui dever do advogado para com a Ordem dos Advogados “não prejudicar os fins
e prestígio da Ordem dos Advogados e da advocacia […]”.
─Artº 107º/1/a):
Constitui dever dos advogados nas suas relações recíprocas “proceder com a maior
correcção e urbanidade, abstendo-se de qualquer ataque pessoal, alusão deprimente
ou crítica desprimorosa, de fundo ou de forma”.
─Artº 83º:
“1-O advogado é indispensável à administração da justiça e, como tal, deve ter um
comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da
função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no
presente Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições
profissionais lhe impõem.
2-A honestidade, probidade, rectidão, lealdade, cortesia e sinceridade são obrigações
profissionais.”
A responsabilidade disciplinar é independente da responsabilidade criminal (artº 111º
do EOA). Porém, pode relevar em processo disciplinar (porventura relevará sempre) um
comportamento eventualmente subsumível a normas de carácter penal. Desde logo
porque o advogado, como qualquer cidadão, deve obediência à lei e respeito pelos bens
jurídicos protegidos nos tipos penais. Por consequência, interessa para a apreciação do
comportamento do arguido, concretamente aquele em análise no presente processo,
conhecer certas disposições legais de carácter criminal, a saber as de seguida citadas,
todas pertencentes ao Código Penal:
79
─“Artº 180º - Difamação
1-Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de
suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou
consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão
até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias. […]”
─“Artº 181º - Injúria
1-Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita,
ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena
de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias. […]”
─“Artº 182º - Equiparação
À difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens
ou qualquer outro meio de expressão”.
─“Artº 183º - Publicidade e calúnia
1-Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180º, 181º e 182º:
a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua
divulgação […] as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos
seus limites mínimo e máximo.
2-Se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido
com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias”.
─“Artº 184º - Agravação
As penas previstas nos artigos 180º, 181º e 183º são elevadas de metade nos seus
limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea j) do nº
2 do artigo 132º, no exercício das suas funções ou por causa delas […]” 30.
─“Artº 187º - Ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço
1-Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou
propalar factos inverídicos, capazes de ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a
confiança que sejam devidos a pessoa colectiva, instituição, corporação, organismo
30 Isto é, na parte , do citº artº 132º/2/j), que aqui nos interessa, “membro […] de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, […] cidadão encarregado de serviço público […]”.
80
ou serviço que exerça autoridade pública, é punido com pena de prisão até 6 meses
ou com pena de multa até 240 dias.
2-É correspondentemente aplicável o disposto:
a) No artigo 183º; e
b) Nos nºs 1 e 2 do artigo 186º”.
Haverá que atender também, portanto, à seguinte disposição:
─“Artº 186º - Dispensa de pena
1-O tribunal dispensa de pena o agente quando este der em juízo esclarecimentos ou
explicações da ofensa de que foi acusado, se o ofendido, quem o represente ou
integre a sua vontade como titular do direito de queixa ou de acusação particular, os
aceitar como satisfatórios. […]”
[A dispensa de pena consiste no facto de “o tribunal declarar o réu culpado mas não
aplicar qualquer pena” (artº 74º/1 do CPen). Atente-se em que, para tanto, diz o nº 3
deste artº 74º, quando uma norma “admitir, com carácter facultativo, a dispensa de
pena, esta só tem lugar se no caso se verificarem os requisitos contidos nas alíneas do
nº 1”. Ou seja, os seguintes: “a) A ilicitude do facto e a culpa do agente forem
diminutas; – b) O dano tiver sido reparado; e – c) À dispensa de pena se não opuserem
razões de prevenção”. Sem embargo, JOSÉ DE FARIA COSTA entende que estes
requisitos da parte geral do CP não são exigíveis no quadro normativo do artº 186º,
pois estamos aqui “perante uma particular e autónoma disciplina da dispensa da
pena” (Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, pp 667-669)]
Ou seja, é susceptível de punição criminal, como difamação ou injúria, toda a ofensa
que consista na imputação dum facto a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita,
ou na formulação sobre ela dum juízo, facto ou juízo, esses, ofensivos da sua honra ou
consideração, quer a ofensa seja verbal, quer feita por escrito, gestos, imagens ou
qualquer outro meio de expressão; e de punição agravada, se praticada através de
meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação, sendo-o especialmente se o
crime for cometido através de meio de comunicação social.
Diferente e acrescida agravação cabe quando – e para falar só na parte que é aqui
pertinente – o ofendido é membro de serviço ou organismo que exerça autoridade
81
pública ou cidadão encarregado de serviço público – como é manifestamente o caso dos
membros do Conselho Superior da Ordem dos Advogados.
Finalmente, punição autónoma dessa é susceptível de sofrer quem afirmar ou propalar
factos inverídicos, capazes de ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança
que sejam devidos a pessoa colectiva, instituição, corporação, organismo ou serviço
que exerça autoridade pública – o que é obviamente aplicável à Ordem dos Advogados.
Segundo a doutrina consagrada neste preceito, as pessoas colectivas, os organismos e
os serviços podem ser sujeitos passivos de crimes contra a honra, isto é, tanto o deste
artº 187º, como qualquer outro, especialmente os crimes de difamação e de injúria. Já
assim era entendido antes da introdução deste preceito pelo DL 48/95, de 15-03.
Porém, o bem jurídico especialmente protegido pelo artº 187º já não é a honra, antes o
crédito, o prestígio e a confiança 31-32.
Torna-se evidente que a prática de actos que preenchem cada um dos tipos criminais é,
por maioria de razão, susceptível de punição disciplinar se se verificarem os requisitos
gerais respectivos. Que mais não fosse, por infracção do dever geral de cumprimento
das leis.
25 Nos termos do artº 110º do EOA, “[c]omete infracção disciplinar o advogado ou
advogado estagiário que, por acção ou omissão, violar dolosa ou culposamente algum
dos deveres consagrados no presente Estatuto, nos respectivos regulamentos e nas
demais disposições legais aplicáveis”. Prevaricar disciplinarmente é assim desrespeitar
um dever decorrente do carácter social da função de advogado; por isso a infracção
disciplinar é atípica. “A regra da tipicidade das infracções só vale, qua tale, no domínio
do direito penal, pois no domínio dos demais ramos do direito público sancionatório,
designadamente, no direito disciplinar, as exigências da tipicidade fazem-se sentir em
menor grau: as infracções não têm aí que ser tipificadas” 33.
31 Cfr M. MAIA GONÇALVES, Código Penal Português Anotado, notas ao artº 187º. Para o direito anterior a esta alteração, vd a 7ª edição da mesma obra, anotação 4 ao artº 164º, p 442. 32 Pode ver-se, sobre o âmbito subjectivo de aplicação do artº 187º, o ARGuim de 04-07-2005, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/af6ff7d7f52c3645802570900049c2a9?OpenDocument 33 Sic, sumário do Ac STJ de 31-03-2004 [AZEVEDO RAMOS], acessível em www.dgsi.pt, processo 03A1891
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Nas infracções disciplinares, é próprio dos respectivos “conceitos” serem
indeterminados, de modo a poderem ser-lhes subsumidos, de forma alargada, factos e
situações, bastando a existência de critérios legais para a determinação concreta da
sanção 34.
Já na acusação se adiantou o entendimento de que, com os comportamentos ali
descritos e agora provados, o arguido violou algum dos deveres deontológicos
consagrados na lei. E que as suas declarações (importante parte delas através de órgãos
de comunicação social) criam, no seu conjunto e cada uma delas, uma situação
gravíssima. Em primeiro lugar, por causa da pessoa do seu autor e da sua qualidade de
bastonário e vogal do conselho geral; depois por configurar desconsideração da Ordem
dos Advogados e uma agressão persistente ao seu prestígio.
Um por um, qualquer dos comportamentos expostos, seria censurável se proveniente de
qualquer advogado; é-o muito mais porque a situação é protagonizada por um
Bastonário, sobretudo com a notoriedade e a projecção pública do Sr Dr J...: o próprio
assim publicamente o reconheceu ao “pedir” para si pesadas sanções.
Trata-se de faltas de consideração para com o Conselho Superior da Ordem dos
Advogados, legitimado nos termos da lei, o qual ele e qualquer advogado têm obrigação
de respeitar, abstendo-se de comportamentos atentatórios do crédito, do prestígio e da
confiança que lhes são tributáveis, ou de para tal contribuírem, por se tratar de bens
jurídicos especialmente protegidos até pela lei penal (cfr artº 187º do CPen).
Não interessa para o presente processo encarar à parte os meros actos ad hominem,
designadamente no que poderia ser visto como faltas de consideração para com este ou
aquele membro do Conselho, em todo o caso investido em funções jurisdicionais e de
autoridade pública, actos atentatórios da honra especialmente qualificados e
agravados, por se tratar de bens jurídicos também de modo especial protegidos até
34 Tal ocorre sem risco de inconstitucionalidade, como já decidiu o Tribunal Constitucional. Ver, v.g., os Acs nºs 481/2001 e 384/2003, cuja doutrina é a seguinte: “[...] Não falta, pois, às normas em causa aquele mínimo de determinabilidade que as faria incorrer em violação do princípio invocado no acórdão recorrido [trata-se do Acórdão n.º 91/01], sendo certo que a caracterização do ilícito disciplinar, de modo a desejavelmente poder abranger uma multiplicidade de condutas censuráveis, exige, por vezes, o uso de conceitos indeterminados na definição do tipo. [...]”. O mais recente remete para aquele e está disponível em www.tribunalconstitucional.pt .
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pela lei penal (artºº 180º/1, 181º/1, 182º, 183º/1/a) e 2 e 184º do CPen). Isso é apenas
actuação instrumental que não merece tratamento autónomo.
Interessa sim o que desprestigia a Ordem dos Advogados.
Ademais imputando-se ao Conselho Superior ter demorado vários meses a acusá-lo de
modo formal, fazendo-o publicamente, mas omitindo notórias causas objectivas da
situação, as quais bem conhece e não podia desconhecer; e que deixou violar o segredo
quanto à instauração do processo.
Interessa sim o que ofende gravemente esse órgão jurisdicional, acusado de ter
condenado sumariamente antes de ter julgado, insinuando-se junto da opinião pública
a falsa ideia de que a fundamentação da instauração do processo disciplinar e depois a
da acusação equivalem, intramuros, à prévia condenação de um advogado arguido.
Interessa sim o que desconsidera a Ordem dos Advogados e o Conselho Superior, seu
supremo órgão jurisdicional, ao tratarem-se como pusilânimes os membros deste, ao
afirmar-se que a acusação só surgiu por ele próprio, arguido, ter exercido pressões
nesse sentido. E ao depreciar-se uma deliberação que incorpora e põe manifesta a
vontade colectiva do Conselho, apodando-a de “actuação de 11 membros”, com quem
o arguido se diz indignado e ofendido, menoscabo que, ele sim, constitui de novo
pública difamação da integridade de todos os seus membros, insinuando a divisão deles
em duas partes, uma facção que o ataca por “delito de opinião” e o “persegue” com
“raiva”; e outra que não o ofende porque se opôs à instauração do processo disciplinar.
Interessa sim que, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, ele
afirma publicamente factos inverídicos, capazes de ofenderem a credibilidade, o
prestígio ou a confiança que são devidos à Ordem dos Advogados e ao seu Conselho
Superior.
Assim, com divulgação pública, refere requisitos da acção disciplinar cuja inexistência
não desconhece nem pode de modo nenhum desconhecer: refere, designadamente, que
não deveria ter sido iniciado o procedimento, dada a ausência de participação; e que
lhe era devida uma audiência prévia – e o certo é que a legislação aplicável não prevê
uma coisa nem outra, assim agredindo o prestígio da Ordem dos Advogados e do
Conselho Superior em particular.
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Não estamos perante o exercício do direito de crítica ou de opinião técnico-jurídica;
trata-se de imputações que, objectivamente, têm idoneidade e capacidade de violação
daqueles valores, como qualquer homem comum, normal e diligentemente alcançará.
Todo o comportamento supra descrito é especialmente deplorável porque, assumindo-o
publica, reiterada e dolosamente, o arguido sabia muito bem que os do Conselho não
poderiam dar, por dever de reserva, nem a ele a resposta adequada nem ao público
o preciso esclarecimento 35. Deste modo desrespeita as obrigações de rectidão e
lealdade que – nem seria necessária tal explicitação – lhe estão impostas pelo nº 2 do
artº 83º citº 36. Com a acrescida agravante de, mutatis mutandis, lhe assentarem como
uma luva as palavras de ANTOINE GARAPON (O Guardador de Promessa – Justiça e
Democracia, Instituto Piaget, p 65, referidas no entanto a juízes vedetas: “Alguns
indivíduos servem-se dos média para se libertarem da tutela hierárquica”.
26 Mas – mais uma vez! – será que o Sr Bastonário J... está a ser “perseguido” por “delito
de opinião”, como ele diz?
Claro que não. Não dedicaremos a tal questão senão as seguintes brevíssimas e básicas
considerações, referindo-a ao direito de expressão de opiniões consagrado não só
constitucionalmente como em documentos internacionais respeitantes aos direitos
humanos 37.
35 Anotamos com profunda tristeza que, em entrevista ao Rádio Clube, o arguido, afirmando sem rebuço que não se iria defender neste processo – o que constitui direito que lhe assiste –, declarou que o faria porque os do Conselho Superior não mereciam qualquer credibilidade. 36 Não esteve sozinho nesta série de atitudes públicas, infelizmente. É desgostante, de facto, termos tido de suportar o episódio do “abaixo-assinado”, acto livre de quem o promoveu e de quem a ele aderiu, claro está, mas com a chocante circunstância de aí se verem assinaturas de advogados que pertenceram a anteriores conselhos de deontologia e superiores. Realmente, há solidariedades e tomadas de partido que causam inquietação. Que terão ficado a pensar desse acto os cidadãos que lhe prestaram atenção e os advogados em especial? Que péssimo serviço prestado à Ordem; que admirável inutilidade; que pena não merecer resposta. 37 “Artigo 37º - (Liberdade de expressão e informação) 1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações. 2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura. 3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei. 4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.”
85
A Constituição dá conta dos limites ao exercício desse direito, prevendo desde logo a
existência de infracções cometidas em tal exercício, considerando-as submetidas aos
princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação (nº 3). Porque tem
realmente de haver limitações, em nome aliás da finalidade social de tal direito, a
saber, a formação duma opinião pública, nuclear do Estado de Direito Democrático 38.
O arguido, na parte em que se pronunciou publicamente, agindo de modo emocional e
em fuga à racionalidade, não deu ajuda ao esclarecimento nem à formação duma
opinião pública sobre o assunto; prejudicou certamente esse valor, deformando-a.
Sabe-se lá se será alguma vez possível, através de algum esclarecimento a partir da
divulgação pública deste julgamento, recuperar o que se perdeu.
Ora, os advogados estão sujeitos a algo aparentemente paradoxal, consistente em, por
um lado, gozarem de imunidades no exercício do mandato e do patrocínio (artº 208º da
ConstRep 39); e, por outro, verem introduzida por via estatutária deontológica uma
espécie de “agravação” da postura de responsabilidade exigida no exercício do direito
de liberdade de expressão, especificadamente quando não se trate do exercício do
mandato ou do patrocínio – como acontece no caso em apreço. São exactamente
limites profissionais ou derivados dessa condição profissional 40.
Poderá o arguido invocar, na espécie, a circunstância de uma situação de auto-defesa
(espécie de “auto-patrocínio”, passe a contradição nos termos) para chamar a seu favor
o privilégio ou imunidade concedidos ao defensor advogado?
De modo algum, salvo o devido respeito por melhor juízo. O arguido que opta por
defender-se a si próprio não adquire ipso facto o estatuto de advogado ou de defensor,
ainda que profissional desse ofício; pelo contrário, mantém os direitos e os deveres
comportamentais próprios do estatuto de arguido. Não está então a exercer, por conta
38 Cfr artº 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem 39 “Artigo 208º(Patrocínio forense) - A lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça”. 40 Muito interessante e desenvolvido, quase exaustivo, versa esta problemática, mas no que respeita aos juízes, o Ac. do Conselho Permanente do CSM de 09-11-2004. Em versão integral em Subjudice – Justiça e Sociedade, nº 32, Jul-Set 2005, pp 127 e ss. Este número da revista é inteiramente dedicado ao tema “Ética Judicial”.
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própria, uma função assimilável à de patrocínio ou mandato forense, antes
simplesmente dando execução ao direito, mais elementar, de fazer a sua própria
defesa. O que não é a mesma coisa. De resto, nos autos a defesa esteve a cargo de
advogados constituídos. É caso para alertar que ne bis in idem.
Há aqui imperativos de elementar bom senso. Havemos de pensar admissível que, no
acto de se defender, um arguido possa correr o risco de cometer faltas quiçá mais
graves do que as libeladas? Nem faria sentido o arguido ter obrigações de correcção e
respeito para com os julgadores e ficar dispensado da sua observância desde que
travestido em defensor de si próprio. Tem-nas porque é arguido, independentemente
daquele aliud.
O estatuto de arguido e o de defensor são, nesse particular, incompatíveis. Assim está
assente na doutrina e jurisprudência mais ou menos pacificamente; e tem-se vindo a
ter por adquirido que, em processo penal, nem sequer se aplica o princípio legal
segundo o qual os advogados e os magistrados podem advogar em causa própria 41. “Os
poderes que por lei são atribuídos ao defensor não são conciliáveis com a sua posição
de arguido” 42.
28 Umas quantas notas, antes de concluir, sobre um problema que já foi aflorado numa
outra perspectiva (supra nº 10-g., pp 31 e ss), mas ao qual convém voltar. Agora, para
ver se o Conselho Superior, por imposição constitucional de salvaguarda objectiva do
dever de imparcialidade, está impedido de julgar esta “causa” por ser ofendido – ou
constituir um conjunto de ofendidos com legitimidade assimilável à do assistente em
processo penal.
A questão de inconstitucionalidade normativa é esta, por conseguinte: é
inconstitucional a norma do artº 43º/1/c) do EOA quando interpretada no sentido de
que a competência aí conferida se mantém mesmo que sejam ofendidos membros ou
um membro do Conselho Superior ou ele próprio?
41 Em anotação ao Ac citado na nota seguinte (p 501) vêm referidos vários arestos: do STJ de 03-05-1989 (procº 39 899); do TRL de 11-06-1990 (procº 25 679); do TRP de 12-06-1991 (procº 40 975) e de 12-02-1992 (procº 915084). Mais recentemente, v.g. Ac STJ de 24-09-2003 (procº 03P1112), em (http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0bfc1711ecf2bcac80256e450056db5d?OpenDocument ) 42 Ac STJ de 19-03-1998 (procº 103/98), BMJ 475º-499.
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O preceito diz o seguinte: “Compete ao Conselho Superior, reunido em sessão plenária
[…j]ulgar os processos disciplinares em que sejam arguidos o Bastonário, antigos
Bastonários e membros actuais do Conselho Superior ou do Conselho Geral”.
A norma sujeita a escrutínio de inconstitucionalidade seria portanto esta:
Compete ao Conselho Superior, reunido em sessão plenária, julgar processo
disciplinar em que seja arguido antigo Bastonário que tenha ofendido o
próprio Conselho ou um ou vários dos seus membros.
28.1. Liminarmente, há que dizer que, a quem tem funções jurisdicionais a
desempenhar, se impõe que não se deixe adormecer. De facto, se tal expediente
em análise procedesse sempre, estava descoberta a forma de paralisar sem
apelo nem agravo o Conselho Superior quando e nos casos em que ele actue
como única instância de julgamento. Bastava que um advogado arguido – e
quanto pior melhor, está visto – se destravasse, sem peias nem segunda escolha,
em ofensas aos seus julgadores para que eles se vissem forçados a declarar-se
impedidos e se rendessem à vitoriosa e escandalosa impunidade: eis a negação e
a anulação do desiderato constitucional e legal.
28.2. A norma do artº 267º/1 da Constituição manda que a Administração Pública seja
estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das
populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva,
designadamente por intermédio de associações públicas e outras formas. No que
a estas associações respeita, elas só podem ser constituídas para a satisfação de
necessidades específicas, não podem exercer funções próprias das associações
sindicais e têm organização interna baseada no respeito dos direitos dos seus
membros e na formação democrática dos seus órgãos.
Por outro lado, nos termos do artº 268º/4 e 5 da CRP 4 é garantido aos
administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses
legalmente protegidos, incluindo, além do mais, a impugnação de quaisquer
actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma.
88
28.3. Actualmente por força da L 15/2005, de 26-01, é “atribuição da Ordem dos
Advogados [… e]xercer, em exclusivo, jurisdição disciplinar sobre os advogados e
advogados estagiários” [artº 3º/g)]. Mas “[o]s actos praticados pelos órgãos da
Ordem dos Advogados no exercício das suas atribuições admitem os recursos
hierárquicos previstos no […] Estatuto” (artº6º/1). Finalmente “[d]os actos
praticados pelos órgãos da Ordem dos Advogados cabe, ainda, recurso
contencioso para os tribunais administrativos 43, nos termos gerais de direito”
(artº 6º/3).
Ou seja, derivando-o de preceito constitucional que especialmente o autoriza, o
Estado “transferiu” para a Ordem dos Advogados, de modo exclusivo, a função
de exercer poder disciplinar sobre os advogados; mas “devolveu” aos tribunais,
integralmente, a função de soberania que é a de administrar a justiça (artº
202º/1 da CRP), aliás em consonância com o direito de acesso aos tribunais que
a todos é assegurado no artº 20º/1 da ConstRP.
Em última análise, e na consideração desta inarredável possibilidade de recurso
ao poder judicial, as decisões disciplinares finais da Ordem dos Advogados mais
não são do que mero substrato material prévio e objecto da eventual decisão do
tribunal. Basta que para tanto seja intentada a competente acção de
impugnação.
28.4. Em conclusão: o que é principal é que a satisfação do princípio da
imparcialidade se verifique enquanto está pendente a devolução da decisão
disciplinar a um tribunal nos termos do artº 6º/3 do EOA. Num primeiro
momento, mais nenhum problema de compatibilidade constitucional se
colocaria.
No entanto, é necessário prosseguir.
43 Evidentemente, hoje o meio próprio é, não um recurso, mas a acção administrativa especial (L15/2002, de 22-02, artºº 2º/1 e 2/d), 4º/2/a), 46º/2/a) e 47º/2/a)).
89
28.5. Desde logo, porque, nos termos do artº 142º do EOA, aos impedimentos, escusas
e recusas do relator e demais membros do conselho com competência disciplinar
são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras constantes do Código de
Processo Penal 44.
O legislador processual penal, no respeito pelos direitos dos arguidos, consagrou
como fundamental o princípio do juiz natural que pressupõe que intervirá na
causa o juiz que o deva ser segundo as regras de competência legalmente
estabelecidas para o efeito. O princípio do juiz natural, com consagração
constitucional (artº 32º/9 da Constituição), não foi estabelecido em função do
poder de punir, mas somente para protecção da liberdade e do direito de defesa
do arguido, só podendo ser afastado quando outros princípios ou regras,
porventura de maior ou igual dignidade, o ponham em causa, como sucede, vg
quando o juiz natural não oferece garantias de imparcialidade e isenção no
exercício da sua função 45.
A legislação ordinária abriu mão dessa regra quando? Somente em circunstâncias
muito precisas e bem definidas, tidas por sérias e graves, e, irrefutavelmente
denunciadoras de que o juiz natural deixou de oferecer garantias de
imparcialidade e isenção. Especificadamente, os casos em que se aplica o
regime de impedimentos do artºº 39º e 40º do CPP, devendo o próprio juiz
declarar-se impedido; e aqueles em que é admissível o pedido de recusa ou de
escusa, nos termos dos artºº 43º a 46º.
28.6. Já vimos que, face à estrutura do processo disciplinar na OA, nem todos os
motivos de impedimento, recusa ou escusa do CPP têm ali aplicação, sem que
daí resulte violação do direito constitucional de audiência e defesa (supra nº
10.g).
44 O incidente é resolvido no prazo máximo de 8 dias pela entidade que designou o relator e, caso seja julgado procedente, é logo designado um novo relator. Se o impedimento, recusa ou escusa respeitar a membro do conselho que não seja o relator, o incidente é decidido pelo respectivo presidente ou por quem o substitua. 45 Neste sentido – e no seguinte no texto –, cfr Ac STJ de 30-10-2000 [SIMAS SANTOS], processo 03P3469.
90
Porém, no CProcPen é sempre motivo de impedimento o previsto no artº 23º: se
num processo for ofendido um magistrado enquanto pessoa com a faculdade de
se constituir assistente ou parte civil, e para o processo devesse ter
competência, por força das disposições anteriores, o tribunal onde o magistrado
exerce funções, é competente o tribunal da mesma hierarquia ou espécie com
sede mais próxima, salvo tratando-se do Supremo Tribunal de Justiça. Assim, do
mesmo passo que é dito qual o tribunal competente, consagra-se o princípio do
nemo judex in propria causa, ficando o juiz ofendido impedido de intervir no
julgamento do seu ofensor.
Será que este princípio se aplica na hipótese que nos ocupa? Melhor: há aqui
algum problema de inconstitucionalidade?
Entendemos que não há nem se aplica, pelas razões apontadas: visto que o
Conselho Superior julga no exercício de competência exclusiva conferida por lei
e como única instância, o princípio da imparcialidade considera-se satisfeito se o
for enquanto está pendente a devolução da decisão disciplinar a um tribunal nos
termos do artº 6º/3 do EOA.
Seria de todo incongruente criar e atribuir, com respaldo constitucional, uma
jurisdição e uma competência disciplinares e depois não permitir que fossem
exercitadas, em nome do princípio da imparcialidade, ficcionando uma espécie
de imanência de parcialidade – esta por sua vez em nome da salvaguarda das
aparências (“mais do que sê-lo é preciso parecê-lo”).
28.7. Dum ponto de vista constitucional, na ponderação de interesses próprios do
Estado de Direito Democrático – o da necessidade da valoração duma aparência
de imparcialidade e o do dever de efectivo exercício duma atribuição
fundamental duma associação pública – deve prevalecer este último que, antes
do mais, assegura a própria viabilidade do processo e da jurisdição em causa.
Tal não provoca qualquer ofensa ao direito a um processo equitativo em
conformidade com o artº 20º/4 da CRP; nem conflitua com o artigo 32º/1, da
91
Constituição da República Portuguesa (nos termos do qual "o processo criminal
assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso").
De facto, se ambos os preceitos impõem – e é assim também num processo
sancionatório 46 – que seja assegurada a imparcialidade das entidades que
dominam cada uma das suas várias fases (pois que sem essa imparcialidade nem
há processo equitativo nem é possível afastar o risco para o arguido de,
nomeadamente, só serem coligidas provas desfavoráveis e tomadas decisões que
o prejudiquem) – se assim é, daí não deriva necessariamente (como se “pela
natureza das coisas”) que uma entidade julgadora que se encontre na concreta
situação aqui em análise seja ipso facto presumida parcial – e, pior, sem
remédio nem recurso. Basta – mais uma vez! – termos presente aquela efectiva
possibilidade de devolução da causa a um órgão de soberania “tribunal” com
plena jurisdição.
28.8. É aliás consabido que os contornos concretos da imparcialidade não vêm
estabelecidos na Constituição, nem em relação à entidade que conduz e realiza
o inquérito e deduz a acusação, nem em relação ao julgador; isto é, não existe
em sede constitucional critério algum que permita aferir quando é que uma
dessas entidades pode ou não ser considerada imparcial, devendo a lei, todavia,
assegurar um núcleo mínimo que garanta essa imparcialidade, salvaguardando as
aparências formais que relevam da dimensão objectiva da imparcialidade 47.
Ora, se a qualidade de ofendido do magistrado se situa indiscutivelmente dentro
desse núcleo mínimo, aliás tutelado pelo artigo 23º do CPP, o mesmo não se
pode dizer no caso que nos ocupa. É que, seja ofendido o Conselho Superior, ou
o conjunto dos seus membros, ou algum ou alguns deles, o sistema encontra-se
bem defendido de qualquer quebra de imparcialidade através (ainda uma outra
vez…) da possibilidade de judicialização da causa nos termos do artº 6º/3 do
EOA.
46 Cfr nº 10 do artº 32º da CRP. 47 Neste sentido, Acórdão nº 581/00 do Tribunal Constitucional [MARIA HELENA BRITO] (nº 13), de 20-12-2000, proc. n.º 1083/98. Acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20000581.html
92
Não há aí nenhuma questão de constitucionalidade; tão-só se há-de verificar
judicialmente, se for caso disso, a compatibilidade concreta de
comportamentos instrutórios ou judicantes com o princípio da
imparcialidade, mandando-se corrigir o que tiver de o ser.
O que significa a procedência de tese contrária? É muito simples, significa de
duas uma: ou a bênção constitucional a uma insuportável imunidade, ao parto
duma classe de cidadãos escapados à jurisdição disciplinar consagrada na lei;
ou a necessidade de criação, paralelamente à dos existentes (os órgãos da classe
A), de órgãos alternativos (os da classe B) com jurisdição disciplinar exclusiva
para o caso de ofendido ser o “juiz natural” da classe A. Pior do que isso: “e
assim sucessivamente” – órgão das classes C, D, E…
Na enxurrada purificadora de tal cruzada de imparcialidade pura e dura – com
algo de emasculatório – irá arrastada a Ordem dos Advogados. Mas, já agora, vai
também o Conselho Superior da Magistratura, por exemplo e pelo menos.
29 Claro que se, nos presentes processos, algum membro do Conselho se sentisse
pessoalmente ofendido, deveria declarar-se impedido ou pedir escusa. Quem está
impedida é a pessoa, não o órgão. Não nos parece que seja o caso, sendo certo
apenas que houve declarações expressas em sentido contrário, como dos autos se
alcança, sobretudo com invocação do fundamento de que não ofende quem quer se o
putativo ofendido não o sente. O que o Conselho Superior não pode fazer é demitir-
se de julgar, como a lei lhe manda, as ofensas feitas a ele próprio, pois que é a Ordem
dos Advogados que está assim em causa, melhor, para usar as palavras sugestivas do
artº 187º do Código Penal, está em causa a credibilidade, o prestígio e a confiança que
lhe são devidas.
O que primordialmente está em crise aqui – conquanto porventura através de, em
parte, actos objectivamente ofensivos da honra e consideração de pessoas singulares –
é esse aludido bem jurídico, heterogéneo na sua tripla composição, cujo núcleo
93
(“denominador comum” ou “cimento agregador” 48) se prende com a ideia de bom
nome da Ordem dos Advogados. Esta instituição tem “uma vida real que a comunidade
é capaz de julgar” 49, sendo que pelas suas acções – nomeadamente através do
exercício da sua autoridade pública – ela pôde ir construindo os valores da
credibilidade, do prestígio e da confiança. Se o “bom nome” da Ordem é posto em
causa, diminui o “suporte indesmentível para que a credibilidade, o prestígio e a
confiança possam existir”, piora a imagem real que os cidadãos dela têm 50.
As garantias de defesa (das quais também decorre a exigência constitucional da
imparcialidade) não postulam a exclusão da intervenção num processo disciplinar dos
membros da Conselho Superior quando ele próprio ou a Ordem dos Advogados sejam
“ofendidos”. É o que acontece se os tribunais forem o ofendido de um crime de injúrias
ou outro equiparado: só os tribunais podem julgar esse crime e, dentro destes, só os
juízes podem julgar. Também se a Ordem dos Advogados ou o Conselho Superior forem
o ofendido de infracção disciplinar de natureza similar, só a Ordem dos Advogados e
esse Conselho podem julgar a causa. Identicamente, se o Tribunal Constitucional for
ofendido num crime, isso não o impede (não pode impedir) de apreciar alguma questão
de constitucionalidade que se suscite nesse processo. Isto é: se os tribunais julgam
crimes contra eles cometidos, se o Tribunal Constitucional aprecia questões de
constitucionalidade suscitadas em processos relativos a crimes de que seja o ofendido,
então também o Conselho Superior deve poder proceder do mesmo modo, quando ele
próprio seja o ofendido em sede disciplinar.
Com o várias vezes anunciado “benefício” de que, no caso da Ordem, a sua actividade
é sempre sindicável pelos competentes órgãos do poder judicial.
30 É manifesto que o arguido efectivamente violou o dever imposto pelo artº 86º/a) do
EOA (L 15/2005, de 26-01). Desde logo por via da infracção acessória dos deveres,
consagrados no artº 107º/1/ a) do mesmo EOA, de correcção e urbanidade (ataques
48 JOSÉ DE FARIA COSTA, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, p 677) em texto que aqui seguimos de perto. 49 ID., Ib., p 676. 50 ID. Ib,, p 678.
94
pessoais a membros do Conselho Superior, no exercício das funções jurisdicionais em
que estão investidos e por causa delas, em relação aos quais fez alusões deprimentes e
críticas desprimorosas, de fundo ou de forma). Com o que infringiu também, como já
ficou referido (supra, nº 25), os deveres de rectidão e lealdade, previstos no nº 2 do
artº 83º, por bem saber que ao Conselho Superior em geral e a cada um dos seus
membros em particular está vedado pronunciar-se e que por isso não poderiam
responder-lhe. Infringiu o comando do artº 83º, nº 1, do EOA, por ter tido um repetido e
persistente comportamento público desconforme com a dignidade e responsabilidades
da função de advogado.
As violações de cada um dos deveres foram múltiplas. A título ilustrativo, diremos que,
se se tratasse de julgamento penal, e dependendo da perspectiva, estaríamos
eventualmente em face da prática de quatro crimes – pelo menos… – de ofensa a pessoa
colectiva, organismo ou serviço p.p. pelo artº 187º/1 (com ou sem a qualificação
estabelecida na al. a) do seu nº 2)…
31 Nos termos do disposto no artº 104º/4 do EOA revogado pela L 15/2005, de 26-01, eram
punidos com multa os casos de negligência constituindo infracções disciplinares em
matéria de, entre outras, cumprimento de deveres legais, usos e tradições profissionais
(artº 76º), de obrigações para com outros advogados e julgadores (artºs 86º e 87º) de
faltas de urbanidade (artº 89º). E o nº 5 desse artº 104º considerava casos de culpa
grave a que cabia a pena de suspensão a violação de deveres para com a comunidade e
para com a Ordem dos Advogados.
Não vai a tal especificação o actual Estatuto. Com efeito, o artº 126º/1 estabelece que
“[n]a determinação da medida das penas deve atender-se aos antecedentes
profissionais e disciplinares do arguido, ao grau da culpa, às consequências da infracção
e a todas as demais circunstâncias agravantes e atenuantes”. E refere-se depois em
termos genéricos às diversas penas. Assim:
“2 - A pena de advertência é aplicável a faltas leves no exercício da advocacia, com
vista a evitar a sua repetição.
3 - A pena de censura é aplicável a faltas leves no exercício da advocacia e consiste
num juízo de reprovação pela infracção disciplinar cometida.
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4 - A pena de multa é aplicável aos casos de negligência, sendo fixada em quantia certa
em função da gravidade da falta cometida.
5 - A pena de suspensão é aplicável aos casos de culpa grave e consiste no afastamento
total do exercício da advocacia durante o período de aplicação da pena.
6 - As penas de expulsão e de suspensão por período superior a três anos só podem ser
aplicadas por infracção disciplinar que afecte gravemente a dignidade e o prestígio
profissional”.
Manda o EOA atender, como se viu, aos antecedentes profissionais e disciplinares do
arguido, ao grau da culpa, às consequências da infracção e a todas as demais
circunstâncias agravantes e atenuantes.
O arguido nunca sofreu punição disciplinar em cerca de 30 anos de advocacia e prestou
à Ordem dos Advogados relevantes serviços no exercício de cargos elevados.
Sobre os antecedentes profissionais do Sr Dr J... nenhuma prova foi produzida. Mas do
facto de ter desempenhado aqueles elevados cargos dirigentes na Ordem, incluindo o
de bastonário, podemos presumir com toda a segurança a existência dum elevado
estatuto profissional, reconhecido pelos seus pares – como aliás é facto público e
notório.
O comportamento do arguido, se não intencionalmente dirigido à realização de
infracção disciplinar, caracteriza-se pelo menos pela persistente não aceitação da sua
censurabilidade.
Agravam tal comportamento a acumulação de infracções, a publicidade, a reiteração e
a qualificada exigibilidade de que se comportasse de outro modo, dadas as apontadas
circunstâncias de ter desempenhado na Ordem dos Advogados os cargos de vogal do
Conselho Geral (1996-1998) e de Bastonário (2002-2004) e a sua notória influência junto
da opinião pública (artºº 128º e 130º/1 do EOA/2005).
O presente caso é reconhecidamente único e, nessa medida, histórico: um bastonário
está a ser julgado disciplinarmente pelos seus pares e poderá ser condenado e ter de
cumprir pena dessa natureza. E cumpriria, na conformidade da proposta encarada pelo
relator, quatro meses e meio de proibição absoluta de exercer a sua actividade
profissional de advogado, como agora é público.
96
Assim não entende o Pleno deste Conselho Superior.
Não é adequada nem necessária a aplicação e o cumprimento da sanção sugerida. As
circunstâncias diminuem muito acentuadamente essa necessidade.
Verdadeiramente, seriam duas as considerações que colocariam a fasquia da punição no
nível da suspensão do exercício da actividade: o carácter doloso da actuação em
exame; as exigências de prevenção geral, a indicação (para a generalidade dos
advogados) no sentido de uma punição tão exemplar quanto a singularidade do caso, já
que a Ordem tem de prestar públicas contas sobre se adequadamente protege o
património deontológico que lhe está confiado, seja quem for que prevarique.
Para quê uma pena já bem grave como é a de suspensão? Um Bastonário terá cometido
infracção disciplinar; foi-lhe movida acção disciplinar, sem hesitações de espécie
alguma, contra tentativas – completamente frustres, aliás – de pressão que todas as
pessoas de bom senso, bom gosto e boa-fé reconheceram absolutamente inúteis e no
mínimo deslocadas. Quer dizer, a Ordem dos Advogados não precisa de se basear
fundamentalmente em razões de prevenção geral para levar a cabo as funções
disciplinares e disciplinadoras que lhe estão confiadas; e os advogados tendem a ser
mais generosos do que justiceiros face a comportamentos deontologicamente
reprováveis, ainda que às vezes marcados pelo dolo.
Se o paradigma abstracto da pena fosse aquele da suspensão, justificar-se-ia no caso,
em suma, uma atenuação especial de algum modo análoga à aplicação da doutrina
consagrada nos artºº 72º e 73º do CPen, por as circunstâncias singulares do caso
diminuírem, por forma que ao Pleno parece muito acentuada, a necessidade em
concreto dessa pena.
Tudo visto, ponderadas todas as faladas circunstâncias do caso, valorando sobretudo a
globalidade do comportamento em análise em vez de nos perdermos na sua
atomização, entende o Pleno do Conselho Superior da Ordem dos Advogados que a
sanção adequada é a de censura, com publicidade.
Posto o que, e em conclusão, no processo D-9/05 caberia a pena de advertência;
enquanto no processo D-4/06 seria aplicável a de censura.
97
Nos termos do disposto no artº 130º/1 do EOA, verifica-se a acumulação de infracções
sempre que duas ou mais sejam cometidas antes da punição de infracção anterior.
Todavia, não pode ser aplicada ao mesmo advogado mais de uma pena disciplinar pelas
infracções apreciadas em mais de um processo, quando apensados [nº 2/c)].
É este o caso dos autos. À acumulação de infracções não pode corresponder uma
acumulação de penas, seja sob que forma for. Tanto a advertência como a censura,
sanções de natureza diferente, não têm nem suportam expressão quantitativa; e sendo
a censura pena superior na hierarquia normativo-estatutária, consome a advertência.
32 DECIDINDO, o Pleno do Conselho Superior da Ordem dos Advogados:
A)- Condena o Senhor Bastonário Dr J... na pena única de censura, prevista nos artigos
125º/1/b) e 126º/3 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº
15/2005, de 26 de Janeiro, por violação dos deveres consignados nos artigos 110º,
85º/2/h), 86º/a) e 83º/1 do mesmo Estatuto; e bem assim por infracção do
estipulado nos seus artigos 86º/a), 107º/1/a), 83º/2 e 83º/1.
B)- Ao abrigo do disposto no artigo 137º/1, segunda parte, do mesmo Estatuto,
determina que seja dada publicidade à aplicação da pena nos termos do nº 2 do
mesmo preceito.
Lisboa, 26 de Julho de 2006.
Alberto Jorge Silva (relator) (com declaração de voto junta)
Luís Laureano Santos
Augusto Aguiar-Branco (com declaração de voto junta)
Eurico Heitor Consciência
Vasco Vieira de Almeida (vencido, nos termos da declaração de voto junta)
Maria Clara Lopes
Carlos Aguiar (vencido em parte, nos termos da declaração de voto junta)
Luís Telles de Abreu (vencido em parte, nos termos da declaração de voto junta)
José Rodrigues Braga (com declaração de voto junta)
Luísa Novo Vaz
98
Miguel Galvão Teles (vencido em parte, nos termos da declaração de voto junta)
Fernando Cabrita
Carlos Guimarães (com declaração de voto junta)
António Ribeiro de Carvalho
Virgílio Vasconcelos Ribeiro
Jorge de Abreu (vencido, nos termos da declaração de voto junta)
DECLARAÇÕES DE VOTO
Declaração do relator Alberto Jorge Silva sobre o seu voto na deliberação do Conselho
Superior prévia à elaboração do acórdão.
Não obstante as propostas que formulei no relatório a que se refere o artº 154º do Estatuto
da Ordem dos Advogados, votei a decisão e os fundamentos deste acórdão final por duas
principais razões: porque se trata de pena unitária que não considera a punibilidade de
infracções parcelares; e também porque, tendo sido derrotada, como é evidente, a minha
proposta de aplicação da suspensão do exercício da advocacia, com naturalidade aderi ao
consenso formado em torno da pena de censura com publicidade pelos Senhores
Conselheiros que, tal como eu, votaram a existência de ilícito culposo punível quanto ao
“segundo” processo disciplinar (Y…/06).
No entanto, propendia para outras soluções e fundamentos. É meu dever deixá-lo
explicado como segue.
Quanto à questão da falta não censurável de consciência da ilicitude
É-me completamente indiferente que na audiência de julgamento o arguido tenha
alardeado a mais básica das ignorâncias consistente na confusão entre erro sobre a
ilicitude não censurável e inimputabilidade (ou quase-inimputabilidade, o que quer que
isso seja). Podemos, ele e eu, ele ou eu, padecer de erros quanto à ilicitude; mas, que se
saiba, nem ele nem eu somos inimputáveis por causa disso: e assim lhe resolvo o dilema
com que nos brindou a ambos no calor da refrega consigo próprio.
99
O que já me não é indiferente é a questão que suscitei e conduzia ao arquivamento do
processo com fundamento em erro não censurável do arguido quanto à ilicitude do seu
comportamento. Não aceite pelo Pleno do Conselho Superior a proposta que apresentei
quanto à decisão sobre os factos pertinentes, é óbvio que, face à matéria considerada
provada só podia ter votado, como votei, a aplicação da pena de advertência anunciada na
acusação.
No entanto, continuo a pensar que estava certo o entendimento que propugnei.
Entendi propor se considerasse provado que, agindo embora de forma deliberada, livre e
consciente, o arguido desconhecia que a sua conduta era proibida e punida por lei, antes
estava convencido de que era permitida, julgando que se limitava a expressar livremente
opiniões pessoais. E que se comportara nos termos descritos, nomeadamente, também por,
pelo menos atendendo ao que declarou, se ter habituado a presenciar condutas idênticas
de colegas de profissão, sem que fosse suscitada a responsabilidade disciplinar destes.
Pretendi também, simetricamente, se entendesse como não provado que ele tinha actuado
com consciência de que ao produzir as afirmações proferidas, nas circunstâncias em que o
foram, estava a praticar acto proibido e sancionado por normais legais reguladoras da
deontologia dos advogados.
E isto com o fundamento em que há nos autos elementos que legitimamente nos
permitiriam concluir isso. De resto, sempre as dúvidas (ao menos as dúvidas) acerca de tal
ponto se imporiam, e de forma muito séria, a quem tem de julgar, em especial atendendo
ao teor do escrito O “Sismo” e os Sismógrafos, onde não tive qualquer dificuldade em ver
patente a sinceridade do autor, nomeadamente se devendo notar o facto de ter sido
produzido antes da instauração do processo disciplinar. Depois, há o teor da defesa de fls
90 a 131, da autoria do próprio: tem contra si quer a desvantagem de ter nascido após o
início da acção disciplinar – isto é, não beneficia do carácter quase “descomprometido” e
da espontânea naturalidade daquele artigo –, quer alguns vícios inadmissíveis, pois mais
parece um manifesto em linguagem inaceitável (o que constituiu objecto de análise no
processo apenso); mas acaba, conquanto tão-somente in utilibus, por corresponder à
reprodução e glosa quer da teoria expendida no artigo quer ao aproveitamento de ideias
perfilhadas dentro deste Conselho. Ademais o arguido acrescenta declarações “baseadas”
(?) em documentos que legitimam o ponto 15º dos factos que eu entendia provados (isto é,
100
que se comportara nos termos descritos, nomeadamente, também por, pelo menos
atendendo ao que declarou, se ter habituado a presenciar condutas idênticas de colegas de
profissão, sem que fosse suscitada a responsabilidade disciplinar destes) (vd p. exº fls 113
e ss).
Visto isso, haveria que atender a que ao exercício do poder disciplinar da Ordem dos
Advogados, em tudo o que não for contrário ao estabelecido no Estatuto e respectivos
regulamentos, são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código Penal, em matéria
substantiva (artº 123º/a) do EOA/2005). Importava pois atender a que o artº 17º/1 do CPen
dispõe o seguinte, ao tratar do erro sobre a ilicitude: “Age sem culpa quem actuar sem
consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável”.
Segundo entendimento corrente, constitui matéria de facto saber se o agente actua com
erro e sem consciência da ilicitude – e tal factualidade estaria provada, segundo a
proposta; mas já é de direito a questão de saber se tal erro é ou não censurável.
Ora, pensei, o arguido não agiu com culpa porque não é censurável o seu erro acerca da
ilicitude do comportamento aqui apreciado.
Referi que, conforme ensina o Professor JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, segundo o direito
português é “a verdadeira falta de consciência do ilícito – reveladora duma dissintonia
entre a atitude pessoal do agente e a concepção do legislador relativamente aos valores
jurídico-penalmente protegidos –, não o mero erro sobre a proibição que, quando não
censurável, constitui uma causa de exclusão da culpa” 51.
O que torna não censurável a falta de consciência do ilícito, no caso do arguido e neste
processo, “apesar do erro da sua consciência-ética”, é a persistência nele “de uma atitude
geral de fidelidade ao direito” 52.
Lembrei que o mesmo Mestre de Direito já na sua tese de doutoramento fizera o enunciado
dum critério – hoje bem conhecido – para aferir da não-censurabilidade da falta de
consciência da ilicitude 53. Sabendo que a redacção do artº 17º citº serve de positivação e
consagração das suas concepções no assunto, fica inteiramente legitimada a utilização do
51 JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Temas Básicos da Doutrina Penal – 9º Tema: Acerca do Tratamento do Erro no Sistema Penal Moderno, Coimbra Editora, 2001, p 304. 52 Op. cit., p 306. 53 ID., O Problema da Consciência da Ilicitude em Direito Penal, 2ª ed., Coimbra Editora, 1978, pp 362-364.
101
preceito e da doutrina neste local em que estamos. Tentei depois tirar conclusões disso
para o caso concreto, tendo em conta a necessária adaptação por estarmos tratando de
ilícito disciplinar e não penal. Como segue.
Não está comprovado que a falta de consciência da ilicitude não se deve no caso vertente
a “uma qualidade desvaliosa” e jurídico-disciplinarmente relevante da personalidade do
arguido. Resta apurar se se verifica, como ficou dito, “a manutenção no agente, apesar
daquela falta, de uma recta consciência ético-jurídica, fundada em uma atitude de
fidelidade ou correspondência a exigências ou pontos de vista de valor juridicamente
relevantes” 54.
Pensei e afirmei então: verificam-se aqui os “requisitos daquela rectitude e da
respectiva atitude”. Pelos seguintes motivos:
a. Como a discussão inicial neste Conselho revelou e ficou documentado; como está
patente nos textos considerados (artigo O “Sismo”..., o “anexo” à defesa produzido
pelo arguido); como se alcança de alguma falta de “afinação” de conceitos emergente
dos textos de direito comparado acima extractados e, por outro lado, da alteração da
redacção na passagem do EOA de 1984 para o de 2005 –, não há dúvida de que a
matéria central do ilícito (a da solicitação de clientes) prestava-se ou presta-se a que
sobre ela “conflituem diversos pontos de vista de valor juridicamente relevantes” 55.
b. A solução dada pelo arguido à questão da ilicitude corresponde a um “ponto de vista
de valor juridicamente reconhecido por forma a poder dizer-se que ele conduziria à
licitude da conduta se não fosse a situação de conflito anteriormente aludida” 56. De
facto, é patente que o Sr Bastonário J... se convenceu – erradamente, embora – de que
não só podia como devia expressar livremente a sua “opinião”, e do modo como o fez,
em assunto em que está em causa, no seu entender, vertente importante da vida das
grandes sociedades portuguesas de advogados, em especial nas suas relações com os
grandes clientes, como o Estado e as empresas de grande dimensão.
c. Embora preterindo no caso presente o cumprimento de deveres deontológicos antes
referenciados, e por muito estranho que isso pareça, é indubitável e por todos
54 ID., ib., p 362-363. 55 Op. citº, p 363 56 Ib..
102
conhecido que ele vem desde há tempos tentando concretizar em práticas e políticas
no interior da Ordem aquilo que para ele corresponde a modernas “exigências do
direito”, designadamente no que concerne a profissão de advogado em geral e as
sociedades de advogados em especial. Não creio que esteja, por isso, antes do tempo,
mas parece-me bem que está fora daquele em que vive a maioria esmagadora dos
advogados portugueses. Razão pela qual esse propósito ou esses esforços em
acompanhar tais exigências constituem o “fundamento da falta de consciência da
ilicitude” 57.
Era por isso meu parecer que o primeiro processo disciplinar devia ser simplesmente
arquivado, absolvendo-se o arguido dos factos de que vinha acusado, isto é, por ter
actuado sem culpa, por falta de consciência não censurável, ética e deontologicamente,
da sua ilicitude.
É o que mantenho, completamente indiferente, repito, às manifestações de “erro sobre a
doutrina e a lei” quer as provindas do arguido quer aquelas com que nos obscureceram
avulsas eminências dadas à pronúncia sem estudo nem cuidado. Aos meus Colegas do
Conselho acompanhei na votação final – gostosamente e com muita honra na companhia –
porque, como disse, alterada a decisão sobre a matéria de facto pertinente, não vi outra
solução que não fosse tirar as consequências devidas da prática de infracções.
Para que conste.
Quanto à questão da natureza e da medida da pena aplicável
Propus a aplicação da pena de suspensão pelo período de 4 meses e 15 dias, justificando-o
da forma que me pareceu acertada e que não vale a pena repetir aqui, onde haveria de
surgir como fenómeno quase exótico. Em suma, ponderadas todas as circunstâncias do
caso, atento o resultado da conjugação de atenuantes e agravantes e o grau elevado da
culpa (dolo), com tal medida julguei que se satisfariam de modo equilibrado e justo as
necessidades de prevenção geral e especial, fim a ter primordialmente em conta.
57 Ib..
103
Assim propus. Mas o Pleno entendeu doutro modo e deliberou aplicar a pena de censura.
De novo obviamente, teria de a votar também, por me parecer sobretudo necessário um
juízo de reprovação. Da discussão a que se procedeu apareceu-me a acrescida razão de
que qualquer reprovação a um advogado que teve na Ordem tamanhas responsabilidades
avantaja o peso específico da sanção que lhe seja aplicada. Dum ponto de vista da
prevenção especial, dir-se-á que por certo o sancionado a sentirá tanto como uma longa
suspensão, assim se demonstrando a necessária proporcionalidade; na perspectiva dos fins
da prevenção geral se encarregou de pronunciar o acórdão em conformidade com o
deliberado.
Braga, 26 de Julho de 2006.
Declaração de voto do Vice-Presidente Dr Augusto Aguiar-Branco
Voto favoravelmente a sanção da pena única de censura, com a publicitação
prevista no artigo 137, número 1, do E.O.A., subscrevendo na sua generalidade o conteúdo
do Acórdão, com as seguintes excepções quanto ao mesmo conteúdo: assim, não subscrevo
o
1. Último parágrafo da alínea c), a páginas 27, quando refere: «Além de mais,
deveríamos esperar do respeito e da elegância de maneiras que fossem contagiosas, o que
facilita a sua aprendizagem. Não o demonstrou até agora o arguido, como se verifica.»;
2. O primeiro parágrafo da alínea d), a páginas 27, quando refere: «…, em
persistente diatribe, …»;
3. Quinto parágrafo da alínea d), a páginas 27, desde «infelizmente…» até
«…desde logo demarcado», e «…- mas a inútil sobranceria do arguido se recusa a aceitar-
…».
Declaração de voto do Vogal Dr José Rodrigues Braga
1. Relativamente ao primeiro processo, divergindo da proposta do Exm.º.
Relator, votei a condenação na pena de advertência proposta na acusação.
104
Fi-lo, porque perfilho o entendimento de que não cabe (como creio que
felizmente a esmagadora maioria dos advogados portugueses pensa também) no actual
quadro deontológico dos advogados portugueses, plasmado no nosso Estatuto, a solicitação
de clientes e a utilização de meios captatórios de clientela e de serviços profissionais,
nomeadamente através da pública afirmação de competências e eficácia profissional, de
auto-engrandecimento e comparação com outros profissionais do foro.
Não ignorando a realidade incontornável do “marketing” actual das grandes
sociedades prestadoras de serviços, entre as quais as sociedades de advogados de maior
dimensão, tenho como certa a necessidade da existência de limites, que correspondem,
aliás, ao decoro, à reserva, ao respeito recíproco e à solidariedade que devemos
salvaguardar e o Estatuto impõe, e que diferenciam a nossa actividade de outras de
carácter mercantil.
Na entrevista concedida ao Jornal A... de 06/04/2006 o Senhor. Bastonário J...
não se limita a sustentar a sua opinião pessoal sobre o modo como o Estado e as grandes
empresas públicas (clientes que lhe são naturalmente apetecidos) devem contratar
serviços jurídicos de advogados – opinião que, embora menos correcta do meu ponto de
vista, tem obviamente toda a liberdade de exprimir (embora ela possa ser chocante).
O problema, porém, é que não se limita a exprimir tal opinião em abstracto,
afirmando aí expressamente a “obrigação” de o fazerem consultando sempre a sociedade
de que ele faz parte (e um núcleo restrito das restantes duas maiores), apoiando essa
“imposição” em afirmações laudatórias da sua grandeza e qualidade profissionais, que
imporia mesmo a “necessidade” de “justificar” a sua eventual não escolha – afirmações
que, a passarem incólumes e provindas de alguém com a notoriedade e a responsabilidade
do Senhor Bastonário J..., permitiriam que qualquer advogado se sentisse legitimado para
formular idêntica “exigência” no âmbito geográfico da sua actuação, designadamente em
relação à contratação de serviços jurídicos pelas Câmaras Municipais ou até pelas Juntas
de Freguesia.
Foram estes factos (e não aquela opinião em abstracto) que, apreciados pelo
colectivo do Conselho Superior, foram maioritariamente considerados susceptíveis de
integrar ilícito disciplinar no quadro do actual Estatuto, e levaram, por isso, à decisão de
serem sindicados através da instauração do respectivo processo.
105
Provados os factos constantes da acusação, não considero existir qualquer causa
de exclusão da ilicitude ou da culpa, nomeadamente o erro sobre a ilicitude, que, aliás, do
meu ponto de vista, nunca seria desculpável.
2. Por outro lado, logo a partir da instauração do processo, optando por não
apresentar aí razões que pudessem contrariar o entendimento maioritário do Conselho, o
Sr. Bastonário J... veio para a praça pública – nomeadamente através do meio privilegiado
da televisão – lançar toda uma série de descabeladas acusações e diatribes contra os
membros do Conselho que, no seu entendimento do seu dever perante a Classe, tinham
tido a ousadia de instaurar o processo disciplinar, assumindo publicamente uma atitude de
rebelião e desafio, revelando publicamente o mais profundo desprezo pelo Órgão a que
estatutariamente compete julgar a conduta disciplinar dos seus membros, em termos que
não podia deixar de impôr a necessidade da instauração de novo processo disciplinar –
atitude, aliás, que manteve e exacerbou na “defesa” que pessoalmente apresentou no
processo, em insólito paralelo e contraste com a apresentada pelos seus ilustres
advogados.
Tenho por isso como certo que a conduta do Senhor Bastonário J..., apreciada
no âmbito do segundo processo disciplinar, merece reprovação, sendo absolutamente
injustificável pelo pretenso exercício de qualquer direito de defesa, cujo excesso, muitas
vezes compreensível, nunca poderá ultrapassar os limites incontornáveis que impeçam a
subversão do sistema de justiça.
Seguramente que o próprio Senhor Bastonário J..., quando for capaz de apreciar
friamente a situação com suficiente distanciamento, serenidade e espírito auto-crítico,
reconhecerá que a sua conduta não o honrou, e constituiu um péssimo exemplo para os
seus pares que lhe confiaram as funções de Bastonário.
Certo é, no entanto, que, apesar da gravidade da sua conduta, agravada ainda
pelo modo como se conduziu na audiência de julgamento, não deverá, do meu ponto de
vista, deixar de relevar o exercício das funções de representação máxima da classe,
durante o seu mandato como Bastonário, com empenho, elevação e prestígio
reconhecidos, pelo que considero justificar-se a atenuação especial da pena que
abstractamente lhe caberia, tendo por isso votado a pena de censura.
106
Declaração de voto do Vogal Dr Miguel Galvão Teles
1. Votei vencido quanto à decisão do primeiro processo disciplinar e, em parte, quanto à
fundamentação do Acórdão no que respeita ao segundo. Mas votei favoravelmente a
conclusão.
2. Lamento, de novo, que se tenha decidido instaurar processo disciplinar contra o
Bastonário Dr. J..., pela entrevista dada ao Jornal A.... Uma deliberação do Conselho
Superior com algum tom critico mas de não instauração de processo teria sido
justificada e suficiente. Mas as coisas foram o que foram.
Assinale-se que não existiu, em meu juízo, qualquer participação disciplinar, seja da
parte do Senhor Bastonário, seja da parte do Conselho Geral. Não faltou só o nomen
juris. Faltou a expressão objectivada de propósito. Se alguém tivesse dúvida, poderia
ter-se, pelo menos, perguntado ao Conselho Geral qual era o sentido da comunicação.
3. No meu voto de vencido relativo à deliberação de instauração de processo disciplinar
exprimi o entendimento de que uma interpretação razoável da lei não conduzia à
qualificação da entrevista concedida pelo Dr. J... como infracção disciplinar.
É evidente que as coisas nunca são inteiramente nítidas – pretas ou brancas. O Acórdão
salienta agora que a entrevista foi dada pelo Dr. J... na qualidade de coordenador de
marketing da B.... Não creio que tudo o que foi dito na entrevista seja recondutível a
essa qualidade; mas tem de se admitir que a mesma esteve presente.
De qualquer modo, mantenho que não se encontra caracterizada solicitação de
clientela. Não é o facto de o Estado ser já cliente da B..., como o é de outros
escritórios, que o exclui: a proibição constante do EOA abrange seguramente a
tentativa de captação de casos no que toca a um cliente com pluralidade de
advogados. O que sucede é que, conforme resulta da própria resenha de direito
comparado feita no Acórdão, a solicitação de clientela (que não se traduza em mera
107
publicidade) exige uma concretização quanto ao cliente ou quanto aos casos (na
situação sub judice quanto aos casos), que não se verifica. É óbvio que a frase “se não
nos escolherem é preciso que justifiquem”se mostra perturbadora; mas trata-se,
segundo julgo, de uma boutade.
A questão torna-se mais delicada quando a entrevista seja considerada da perspectiva
do auto-elogio (“auto” respeitante à sociedade). O Estatuto proíbe a publicidade por
auto-engrandecimento ou por comparação (art. 89º, nº 4, al. a)). Subtil e
inteligentemente, a acusação invoca uma proibição de auto-engrandecimento e de
comparação fora da publicidade “directa”. A verdade, porém, é que a comparação
feita na entrevista é perfeitamente objectiva e do conhecimento público: a B... é, em
número de profissionais, a maior sociedade de advogados portuguesa. E, no que toca a
qualidade, ninguém pode ser considerado proibido de, em limites razoáveis, dizer bem
do seu próprio escritório. Está na natureza das coisas.
4. Por estas razões, voto vencido quanto à decisão do processo disciplinar nº D-9/05. Em
meu juízo, o Bastonário Dr. J... deveria ser absolvido.
5. Bem mais melindrosa é a matéria relativa ao processo disciplinar nº D-4/06.
No processo disciplinar anteriormente referido, foi junta aos autos uma defesa
subscrita por dois mandatários constituídos pelo Dr. J.... Trata-se de uma peça
cuidadosamente elaborada, que toca todos os pontos críticos e dignifica a profissão.
Não obstante a defesa apresentada pelos seus advogados, o Bastonário Dr. J... quis
juntar aos autos um texto contendo “a sua perspectiva pessoal sobre a factualidade da
acusação”. Trata-se, em rigor, de uma segunda defesa, aliás como tal identificada no
seu próprio título. O relator, em nome da ideia de oferecer todas as oportunidades ao
arguido, optou por não mandar desentranhar aquele segundo texto, que constituiu uma
violenta diatribe contra o Conselho Superior pela deliberação de instaurar o primeiro
processo disciplinar.
108
Entretanto, o Dr. J... concedeu, em 11 de Dezembro de 2005, uma entrevista ao
jornalista S..., no programa da TELEVISÃO “Negócios...”.
Na sua reunião de 24/02/06, o Conselho Superior deliberou instaurar segundo processo
disciplinar ao Bastonário Dr. J..., tendo como referências principais o mencionado
texto junto à defesa e esta entrevista.
6. Não tenho nenhuma objecção quanto a considerar provados os factos “puros”
constantes dos artigos 1º a 14º do nº 23 do Acórdão, consubstanciados, aliás, em textos
escritos ou em fala gravada. Tão pouco tenho dúvida quanto a que muitas das
expressões referidas no Acórdão são ofensivas do Conselho Superior. Resta saber se
concretizam ilícito disciplinar.
7. O Acórdão afasta a aplicabilidade, no caso, das imunidades de patrocínio (têm-nas os
mandatários do Dr. J...) e com razão. Sem discutir se, em processo disciplinar, vale a
figura do advogado em causa própria, a ideia de patrocínio pressupõe alteridade, que
falta na intervenção do próprio arguido. Mas, quando o arguido se defende a si próprio,
está a praticar actos processuais de defesa. A função própria desta, quando exercida
pelo arguido, terá um âmbito justificador mais limitado do que quando exercida em
patrocínio, mas algum efeitos justificador existe, que acresce às características
próprias da expressão em “estado de animosidade”, referidas no parecer do Prof.
Joaquim Gomes Canotilho presente nos autos. E o documento intitulado “a minha
defesa contra uma acusação ofensiva”, da autoria do Bastonário Dr. J..., embora
“excedente”, foi admitida nos autos como peça de defesa.
Grande parte dos termos utilizados no documento poderão considerar-se
disciplinarmente justificados por razão de defesa, desde que a função justificativa
desta seja admitida em termos amplos.
8. Simplesmente, há afirmações que são, em si mesmas, pura e simplesmente inaceitáveis
e injustificáveis, qualquer que seja a perspectiva – a do discurso em “estado de
animosidade”, a da defesa, até a do patrocínio.
109
Nos autos encontra-se uma afirmação nessas condições. Refiro-me ao passo constante
do nº 83º do atrás mencionado documento, onde se diz: “Este processo disciplinar
aberto ao acusado tinha um objectivo e baseava-se numa raiva. (…) A raiva surgia da
inassimilada derrota eleitoral sofrida pelo actual presidente do Conselho Superior e
por alguns de “os 11” (…)” (crf. Art. 11º da Acusação). Com tal passo ligam-se depois
afirmações de “coacção irresistível” sobre o relator (nº 11 do documento e art. 11º da
Acusação), que se pressupõe feita por quem se encontraria dominado pela raiva.
O que está em jogo não é a afirmação ser falsa – o signatário, que foi mandatário do
actual presidente do Conselho Superior nas eleições para bastonário em que aquele foi
derrotado pelo Dr. J..., sabe-o; não é a circunstância de haver membros que votaram
contra a instauração de processo disciplinar e que nessas eleições apoiaram o actual
presidente do Conselho Superior; não é sequer a ofensa pessoal feita a membros do
Conselho Superior, de que estes prescindiram. O Conselho Superior não é um órgão
jurisdicional, mas é um órgão (administrativo) de julgamento. Não se pode
impunemente atribuir a um órgão de julgamento intento prevaricatório. Se o
Bastonário Dr. J... quisesse invocar um tal pretenso intento, que usasse os meios
próprios facultados pela lei.
O que o Bastonário Dr. J... fez é um atentado à dignidade do Conselho Superior
enquanto órgão. O facto prejudica “os fins e o prestígio da Ordem dos Advogados” e
constitui assim violação, e injustificável e injustificada, de dever consignado na alínea
a) do artigo 86º do Estatuto.
9. Acresce que, na entrevista concedida à TELEVISÃO, a qual não tinha função de defesa,
o Bastonário Dr. J... qualificou uma parte da acusação deduzida no primeiro processo
disciplinar como idiota, o que constituiu igualmente a ofensa do mesmo dever, ainda
que muito menos grave.
110
10. O facto referido no número 8 é suficiente para fundamentar a sanção disciplinar de
censura, razão pela qual, não estando de acordo com a proposta de suspensão
constante do relatório, votei a sanção aplicada pelo Acórdão.
11. Discordo de algumas outras afirmações constantes do Acórdão, que não vale a pena
estar a referir. Mencionarei apenas o que se diz a propósito do abaixo-assinado de
apoio ao Bastonário Dr. J.... Sem fazer aqui qualquer juízo, preferiria que o Acórdão
tivesse omitido as passagens em que o abaixo-assinado aparece referido.
12. Pessoalmente, custa-me muito a posição que entendi dever tomar, pela amizade que
tenho pelo Dr. J... e pela consideração que devo ao cargo de Bastonário que, com toda
a dignidade, exerceu. É, porém, a servidão da função de julgamento que aceitei e à
qual me submeto.
Declaração de voto de vencido do Vogal Dr Vasco Vieira de Almeida
1. Processo disciplinar nº X…/05
Voto vencido pelas razões seguintes:
1.1. Como tive ocasião de referir na minha declaração que, por não ter estado presente,
enviei à reunião do CS de 20 de Maio de 2005, fui frontalmente contra a abertura
deste processo disciplinar pela razão então invocada - o facto de, em meu entender,
a entrevista e artigo do Bastonário Dr. J... manifestarem o simples exercício de um
livre direito de opinião não constituindo matéria sancionável. Dou por reproduzidos
aqui todos os argumentos então apresentados.
E esta razão substantiva considero-a tão clara e suficiente que entendi não ser
necessário aduzir qualquer outra. Mas não quero deixar de sublinhar que partilho
inteiramente as declarações de voto nessa mesma reunião emitidas relativamente à
questão constitucional da diminuição dos direitos de defesa e à atitude que o CS
deveria ter adoptado face à ambígua carta que ao seu Presidente foi dirigida pelo
Bastonário Dr. Rogério Alves em 27 de Abril de 2005, pela qual se informava que o
111
Conselho Geral tinha decidido submeter a entrevista “à apreciação do CS”, mas “não
(…) no pressuposto” de que o seu teor representasse infracção disciplinar, embora
por outro lado “por razões que foram sendo desfiadas no Conselho Geral” se
entendesse que “a matéria deveria ser objecto de apreciação”.
1.2. Quanto à peça “A minha defesa contra uma acusação ofensiva”, ela coloca-nos a
questão do entendimento da amplitude do direito de defesa. Antes de mais considero
que a livre expressão de opiniões e crítica sobre as instituições públicas é um pilar
essencial de todo o regime democrático. Como é óbvio, tal não significa a ausência
de limites, mas obriga a uma ponderação cuidadosa desses mesmos limites.
Não me revejo no estilo dos documentos ou intervenções da autoria do Dr. J..., que
considero em vários casos excessivos, mas não pode deixar de analisar-se, por um
lado, o contexto e as circunstâncias que produziram a peça em causa, e, por outro, a
sua caracterização ou não, como consubstanciando delitos disciplinares.
Relativamente ao contexto, há duas observações a fazer:
a) Um processo gera fatalmente tensões que podem levar a excessos de linguagem
e ao libertar de emoções, muito particularmente se tiver carácter disciplinar,
com repercussões óbvias na imagem pública e profissional do arguido;
b) Este facto é mais relevante e neste caso agravado na medida em que, na minha
perspectiva, não havia qualquer razão para a instauração do processo, por total
ausência de ilicitude nos actos praticados. Quanto a mim, essa circunstância
gerou uma situação de injustiça à partida que explica a veemência da defesa e
justifica a necessidade de o julgador agir com redobradas serenidade e
tolerância, sem susceptibilidades, não tomando a critica violenta ou até injusta,
como ofensa à honra ou à consideração.
Quanto à caracterização, entendo que as menções feitas pelo Bastonário Dr. J... ao
CS como órgão e aos seus membros, algumas das quais considero despropositadas e
tendo na base processos de intenção, não constituem crimes de injúria ou difamação,
112
nem violação de deveres deontológicos, mas antes formulação, porventura
exagerada, de argumentos de defesa, de forma emotiva e confrontacional, como tal
devendo ser considerada no contexto indicado.
Não creio por isso que devam ser tomadas pelo CS como desrespeito ou ofensa as
afirmações do arguido mas antes como expressões de indignação proferidas no calor
do exercício do direito de defesa. Esta qualificação, dada a relevância do princípio,
não deve ser afastada e deve ser apreciada com bom senso e isenção.
E não basta para afastar a aplicabilidade destes conceitos ao caso concreto,
distinguir, como faz o Parecer, entre os privilégios do advogado quando no exercício
do patrocínio e as normas a que deve obedecer quando arguido em processo, penal
ou disciplinar, discussão que não cabe aqui, até porque entendo que um arguido,
qualquer arguido, tem o direito de protesto e de crítica dos actos e decisões do
Tribunal.
Mas na lógica maioritariamente adoptada, seria interessante saber se os termos
utilizados nos documentos produzidos pelo Bastonário Dr. J..., o tivessem sido pelos
seus advogados constituídos, os passariam a ser aceitáveis.
Pode dizer-se, em resumo, que muitos dos problemas criados por este caso provêem
do erro original da instauração deste primeiro processo, o que gerou aliás uma
contradição de fundo entre a gravidade da acusação e a pena votada. Considerando
não ter existido qualquer ilicitude, voto o arquivamento do processo.
Por esta razão não votarei qualquer outro ponto dos autos.
2. Processo disciplinar nº Y…/06
Voto vencido pelas razões a seguir:
2.1. O segundo processo assenta basicamente em intervenções produzidas pelo Bastonário
Dr. J... nas seguintes ocasiões:
a) Afirmações feitas ao Jornal A... de 7 de Dezembro de 2005;
b) Entrevista ao programa Negócios... em 11 de Dezembro de 2005;
c) Documento publicado no Jornal A... de 1 de Março de 2006;
113
d) Carta enviada ao Presidente do CS em 7 de Dezembro de 2005.
Nos três primeiros casos estamos perante afirmações, algumas delas discutíveis, feitas em
estilo polémico, de crítica ao Conselho Superior e aos seus membros. Goste-se ou não (e
pessoalmente não gosto), correspondem ao tipo de intervenções que uma sociedade ultra-
mediatizada e sensacionalista promove, instiga e aceita, mas não constituem infracção
disciplinar.
Mas deve separar-se o tom, do exercício desse direito de crítica às instituições – neste caso
a um órgão da Ordem dos Advogados e àqueles que o integram – no contexto de um
processo disciplinar sem fundamento. A disciplina não pode ser usada como um travão à
discordância, sobretudo em situações confrontacionais, com o argumento de que estamos
num Estado democrático e perante órgãos eleitos.
A legitimidade democrática existe, não apenas para permitir a possibilidade pacífica de
divergência, mas assenta nessa mesma divergência.
E é precisamente por terem essa legitimidade, que a reacção a ataques, por parte das
instituições, deve ser comedida e equilibrada.
Não considero, pelas razões apontadas, ter havido substância que justificasse a instauração
do segundo processo, que constitui a repetição do erro cometido em relação ao primeiro.
Quanto às referências públicas e à carta do Bastonário Dr. J... ao Presidente do Conselho
Superior Dr. Luís Laureano Santos, e às afirmações feitas quanto ao relator dos processos,
Dr. Alberto Jorge Silva, elas contêm, quanto a mim, ataques injustos, mas o facto é que
nenhum destes Colegas declarou sentir-se ofendido, ou recorreu, como era seu direito, aos
meios disciplinares ou criminais competentes. Resta-me, por isso, renovar-lhes a minha
solidariedade e consideração.
Nestes termos – tal como no primeiro processo – entendo não ter havido qualquer ilicitude,
devendo ser arquivado o processo.
Por esta razão, não participo na votação sobre qualquer outro ponto dos autos.
24 de Julho de 2006
114
Declaração de voto do Vogal Dr Carlos Aguiar
Votei favoravelmente a pena aplicada, por entender que a conduta do Senhor Bastonário
Dr. J... e os factos provados no segundo processo a justificam. Ressalvo, todavia, que, no
que concerne à matéria objecto do primeiro processo, continuo a considerar que não
houve qualquer ilicitude na actuação do Senhor Bastonário Dr. J..., pelo que a pena
aplicada é, no meu entender, justificada tão-só no âmbito do segundo processo.
Lisboa, 21 de Julho de 2006.
Declaração de voto do Vogal Dr Luís Telles de Abreu
Muito embora sempre tenha entendido e manifestado que foram infelizes as afirmações
formuladas pelo Bastonário Senhor Dr. J... que estiveram na origem da deliberação de
contra o mesmo intentar processo disciplinar, tomada pelo Conselho Superior na sua
reunião de 20 de Maio de 2005, desde sempre e sucessivamente lamentei a situação a que
se chegou e a sua evolução, as quais se me afiguraram e afiguram altamente lesivas dos
interesses da nossa classe em geral, bem como do prestígio da advocacia e da Ordem dos
Advogados.
Relativamente ao dito processo disciplinar, considerando os antecedentes profissionais do
arguido, bem como o grau de culpa deste, entendo que ao Bastonário Senhor Dr. J... deve
ser aplicada a pena de advertência e que a execução desta deve ser suspensa por um
período de um ano.
Quanto ao segundo processo disciplinar, afigura-se-me que as afirmações constantes da
defesa do Senhor Dr. J... não foram emitidas com intuito ofensivo, integrando-se na
liberdade de expressão e sendo justificadas pelo direito daquele à sua defesa.
Lisboa, 21 de Julho de 2006.
115
Declaração de voto de vencido do Vogal Dr Jorge de Abreu
Processo X…/05
Voto vencido pelas razões invocadas aquando da votação da instauração do processo
disciplinar, e basicamente por entender que as declarações prestadas aos meios de
comunicação social através de uma entrevista e de um artigo jornalístico não integram
uma conduta que possa ser qualificada como solicitação de clientela, e ser assim
disciplinarmente relevante, pelo que o processo devia ter sido mandado arquivar.
Processo Y…/06
Voto vencido pelas razões seguintes, e que sucintamente se expõem:
A) As expressões usadas pelo Senhor Bastonário J... quer na sua defesa no processo, quer
naquelas publicitadas mediaticamente, não podem por si só integrar qualquer ilícito
disciplinar uma vez que em nosso entender, embora nalguns casos excessivas, foram
proferidas no exercício do seu direito de defesa, no âmbito do primeiro processo
disciplinar em que aliás no parecer do relator foi proposto o arquivamento.
B) Nenhum dos visados directa e pessoalmente pelo emprego de tais expressões, participou
pessoalmente contra o Senhor Bastonário e vários manifestaram formalmente não terem
ficado ofendidos pelo emprego de tais expressões abundante e repetidamente citadas no
parecer do relator (e no acórdão).
C) Se não houve membros do Conselho Superior ou de outros órgãos que manifestassem
ofensa, nomeadamente através de participações, não se poderá autonomizar uma ofensa
aos órgãos, pois não foi a estes ou contra estes, nomeadamente contra o Conselho
Superior, que as expressões foram dirigidas mas sim, contra os seus membros.
D) Mas em todo o caso, ao proferir as afirmações reproduzidas o Senhor Bastonário J... deu
expressão (porventura excessiva mas não infractora) dos seus mais profundos sentimentos
116
pessoais, sentindo-se severamente injustiçado no primeiro processo em que foi proposta
até a sua absolvição.
E) Por utilização de expressões idênticas ou até mais graves produzidas por advogados na
defesa dos direitos dos seus constituintes, tem este Conselho Superior mandado arquivar
processos ou confirmado decisões de arquivamento, como nos autos R/46/06 e R/85/06,
onde neste último se transcreve parte de uma decisão do Conselho de Deontologia de
Lisboa, do teor seguinte:
“No exercício do mandato o advogado deve ter uma ampla liberdade de expressão
que lhe permite o uso de expressões mais veementes, uma crítica empolada e até
excessiva na defesa dos direitos dos constituintes”
E por maioria de razão, quando o advogado se defende em causa própria, não se poderá
defender que o mesmo não pode exercer de pleno os seus direitos como advogado no uso e
abuso de tais expressões, e depois vir a punir-se o mesmo à luz dos dispositivos aplicados
aos advogados, previstos nos Estatutos.
Nestes termos em relação ao segundo processo, também votaríamos o seu arquivamento.
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