contribuiÇÕes À descolonizaÇÃo da economia polÍtica
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CONTRIBUIÇÕES À DESCOLONIZAÇÃO DA ECONOMIA POLÍTICA
INTERNACIONAL EM DIÁLOGO COM AS DIÁSPORAS NEGRAS LATINO-
AMERICANAS
Lúcia de Toledo França Bueno1
Pedro Henrique de Moraes Cícero2
RESUMO
As epistemologias centradas no restrito grupo dos povos colonizadores têm orientado a
concepção sobre a edificação do sistema capitalista em direção a uma produção de conhecimento com propósito universalista. Nesse sentido, este trabalho integra um movimento
de resistência que busca alocar as diferentes economias na divisão internacional do trabalho de forma a explicitar as hierarquias com base em critérios dicotômicos criadas pelas sociedades europeias com a intenção de subjugar as comunidades indígena e africana. Compreendendo que
o pensamento decolonial precisa ser tratado com dialética, este artigo propõe um diálogo entre a invenção da categoria “raça” como pilar da reprodução da lógica de acumulação do capital no âmbito do sistema-mundo e o projeto epistemológico racial-patriarcal baseado em
paradigmas norte-cêntricos. Tal proposta embasa-se na ressignificação do pensamento a partir de lugares étnico-raciais subalternos à luz de Ramón Grosfoguel, no conceito de “colonialidade
do poder” de Aníbal Quijano bem como nos apontamentos realizados por Lélia Gonzalez no que tange às especificidades do racismo latino-americano. Dessa forma, pretende-se explorar a complexidade da construção de hierarquias político-econômico-culturais no contexto das
diásporas negras que levaram à subalternização dos povos colonizados, enfatizando as relações de poder estruturalmente construídas na América Latina.
Palavras-chave: Epistemologias do Sul. Economia Política Internacional. Diásporas Negras.
Racismo epistêmico.
1 Graduanda em Relações Internacionais pelo Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade
Federal de Uberlândia (IERI-UFU). Pesquisadora bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas
Gerais (FAPEMIG) sob orientação do Profº Drº Pedro Henrique de Moraes Cícero, integrando o Grupo de Pesquisa
“Anticapitalismos e Sociabilidades Emergentes” e o Grupo de Estudos em Gênero e Relações Internacionais
(GENERI), coordenado pela Profª Drª Débora Figueiredo Mendonça do Prado.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0988847636189100. 2 Professor Doutor no Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia,
bem como do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da mesma Universidade. Atua em Projeto
de Colaboração Técnica junto ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados sobre as Américas no
Departamento de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Brasília (ELA/ICS/UnB). Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8859880397472253.
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1 INTRODUÇÃO
Compreende-se que as diásporas realizadas compulsoriamente pela população
escravizada possuem impactos significativos na atualidade. Há de se salientar, todavia, que o
foco deste trabalho não está em descrever o impacto do colonialismo na realidade dos países
periféricos, mas sim - e principalmente - propor um diálogo em relação às bases
epistemológicas comumente utilizadas em Economia Política Internacional nos dias de hoje,
campo interdisciplinar que se propõe a ser um espaço de congregação das contribuições
oferecidas por variadas áreas de estudos. As distintas formas de se produzir conhecimento e a
quem interessa a (re)produção de determinadas estruturas de pensamento são tópicos que
evidenciam a interconexão entre poder e conhecimento, componentes fortemente entrelaçados.
Parte-se da recusa à neutralidade axiológica a fim de enfatizar que a evasão formal das
estruturas de poder coloniais em função de um processo de descolonização, a saber, incompleto,
não corresponde à autonomia epistemológica dos povos marginalizados na ordem cultural-
político-econômica mundial.
É defendido que a forma como conceitualizamos a noção de “sistema-mundo” e o
caminhar do capitalismo global, elementos atravessados não apenas por questões político-
econômicas como também por aspectos culturais, embasa-se - predominantemente - em uma
linguagem eurocêntrica, mesmo quando os empenhos são direcionados ao entendimento das
margens desse sistema. Grosfoguel (2008) versa sobre a formulação histórica dessa concepção
ocidentalizada no que tange aos empreendimentos expansionistas europeus a partir do século
XV. O deslocamento do eixo central das rotas comerciais entre europeus e orientais,
anteriormente concentrado na região do Mediterrâneo, volta-se para o Oceano Atlântico.
Segundo Prado Júnior (1963), essa busca por novas rotas viáveis ocorre sob o contexto de
concorrência intraeuropeia por mercados e resulta na secundarização de esferas de poder que,
atualmente, conhecemos como os Estados-nação Alemanha e Itália em favor de pioneiros como
Espanha e Portugal, seguidas de ingleses, franceses e holandeses majoritariamente.
Observando estritamente a finalidade de expansão mercadológica, que constituía o
propósito europeu e - portanto - a leitura que seus representantes (descendentes) realizam, o
viés econômico da dominação e exploração europeias sobressai-se. A partir desta perspectiva,
o sistema-mundo que foi sendo construído e consolidado desde então coloca como questões
essenciais: captar a lógica econômica da obtenção de lucro, da extração de excedentes e da
acumulação de capital em escala global, aspectos que não seriam paralelos ou cruzados em
relação às relações sociais internacionais; não haveria uma rede de vieses, mas sim uma
hierarquia. Contudo, o caráter das estruturas de poder colonial é multifacetado e lidar com as
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instituições derivadas das mesmas apenas a partir de uma lente econômica parece reducionista
frente à complexa classificação, hierarquização e subjugação de populações inteiras a nível
mundial.
Nesse sentido, este artigo visa à análise das contribuições oferecidas pelo pensamento
decolonial para uma compreensão dos constrangimentos estruturais impostos à comunidade
colonizada nas Diásporas. Faz-se necessário, então, averiguar o sentido da invenção da ideia de
“raça” (entendida aqui como uma categoria social, não como diferenciação biológica), os
aspectos herdados do sistema colonial explanados com o conceito de “colonialidade do poder”
e as dimensões remotas e hodiernas do projeto racial-patriarcal o qual denomina-se -
preponderantemente neste campo de estudos - como o “sistema-mundo” capitalista. Também
parece relevante apontar que, neste artigo, não se avalia o surgimento de regimes de escravidão
ou servidão existentes ao redor do globo nos mais diversos períodos históricos, mas sim a
aplicação da invenção de raça em variadas relações sociais de produção como implementação
de uma hierarquia racial a nível mundial.
Tal instrumental teórico nos permite apontar - tanto no plano discursivo e ideológico
quanto no plano político-econômico e admitindo que ambos se interconectam – os percursos da
naturalização de valores impostos aos povos das Diásporas, focalizando (pontualmente) nas
experiências do caso brasileiro.
2 O PÓS-COLONIAL E O DECOLONIAL
Alguns eventos internacionais impulsionaram o surgimento do movimento literário,
teórico, político vislumbrado pelas visões pós-coloniais. Com a descolonização do continente
africano, o fim da Segunda Guerra Mundial e a intensificação no curso da globalização, os
desdobramentos históricos da segunda metade do século XX fizeram emergir muitas autoras e
autores, diaspóricos ou não, em busca de uma compreensão da realidade de povos à margem
do sistema. Em uma genealogia sucinta, Ballestrin indica uma bifurcação do pós-colonialismo:
Depreendem-se do termo “pós-colonialismo” basicamente dois entendimentos. O
primeiro diz respeito ao tempo histórico posterior aos processos de descolonização do
chamado “terceiro mundo”, a partir da metade do século XX. Temporalmente, tal
ideia refere-se, portanto, à independência, libertação e emancipação das sociedades
exploradas pelo imperialismo e neocolonialismo – especialmente nos continentes
asiático e africano. A outra utilização do termo se refere a um conjunto de
contribuições teóricas oriundas principalmente dos estudos literários e culturais, que
a partir dos anos 1980 ganharam evidência em algumas universidades dos Estados
Unidos e da Inglaterra. (BALLESTRIN, 2013, p. 90)
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Atenção especial deve ser dada às categorias basilares no âmbito do estudo sobre a
diferença. Tanto a vertente pós-colonial quanto a decolonial indicam um esforço zeloso visando
a uma percepção positiva quanto à diferença, tendo em vista que a colonização em si constituiu-
se como um encontro radical com o diferente. A experiência histórica traz consigo episódios e
processos nos quais se utilizou da diferença para projetar a desigualdade.
Uma cisão realizada por um conjunto heterogêneo de teóricos que lidam com a temática
colonial refere-se à prática acadêmica paradoxal do Grupo Latino-americano de Estudos
Subalternos. Embora tratassem da subalternidade sob um viés crítico, utilizavam como aparato
conceitual - preferivelmente - a literatura formulada por homens brancos que se situam no
cânone ocidental, perpetuando o uso da linguagem eurocêntrica em detrimento do uso de
importantes contribuições locais, julgando-as inferiores, acessórias ou insuficientes no
exercício de compreensão da realidade periférica. “Ao preferirem pensadores ocidentais como
principal instrumento teórico, traíram o seu objetivo de produzir estudos subalternos.”
(GROSFOGUEL, 2008, p. 116).
Levando em consideração esse “paradoxal risco de colonização intelectual da teoria
pós-colonial”, a teoria e prática decoloniais rompem epistemologicamente com o nacionalismo,
o colonialismo e os fundamentalismos tanto de regiões geograficamente inseridas no continente
europeu quanto nas margens. Por meio desta perspectiva, objetiva-se construir a
pluriversalidade em desfavor de conceitos que se propõem universalistas, neutros e objetivos
alicerçados nos paradigmas eurocêntricos (BERNARDINO-COSTA; GROSFOGUEL, 2016).
O decolonialismo, em vista disso, não corresponderia exatamente a uma ramificação do
pós-colonialismo ao passo em que nega sua eficácia e esquiva-se das implicações que o prefixo
“pós” pode trazer ao entendimento de que as estruturas político-econômicas culturais de poder
permanecem até os dias de hoje, podendo vir a sugerir a superação dos elementos imperialistas.
Não obstante uma suposta “descolonização” do mundo marginalizado, que apenas ocorreu na
dimensão jurídico-política concretizada pela mudança no regime político-econômico mundial
com os processos de independência na periferia, a esfera cultural-ideológica ainda traz gritantes
“feridas coloniais”. Para Luciana Ballestrin, o decolonialismo consiste em uma:
(...) radicalização do argumento pós-colonial no continente por meio da noção de ‘giro
decolonial’. (...) Defende a “opção decolonial” – epistêmica, teórica e política – para
compreender e atuar no mundo, marcado pela permanência da colonialidade global
nos diferentes níveis da vida pessoal e coletiva. (BALLESTRIN, 2013)
Em relação ao estudo ocidentalizado das experiências econômico-político-culturais
subalternas, Santiago Castro-Gomez (2003) - filósofo colombiano - cunhou o termo “ponto
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zero” como “o ponto de vista que se representa como não tendo um ponto de vista”, ou seja,
qualificando-se e colocando-se no palco como não situado temporal nem geograficamente.
Dessa forma, a tal conhecimento seria permitida a articulação dos termos de análise referentes
às esferas que compõem o sistema mundo moderno/colonial. Integram na construção do mito
da superioridade branco-europeia, por meio da figura do homem cartesiano, a supervalorização
da racionalidade como um dom concedido ao homem ocidental e que o condecoraria com
acesso e habilidade de análise universalistas, que alcançassem uma consciência universal e
explicativa de toda a realidade humana. Assim, a visão eurocêntrica é discutível quanto ao modo
de conceitualização do “sistema-mundo” capitalista, seja uma visão elaborada - formalmente -
a partir do Norte ou do Sul Global, tendo em vista que o enfoque recai sobre o locus da
enunciação e não sobre uma região geográfica de forma determinista (GROSFOGUEL, 2008).
Para tal autor, o locus de enunciação (ou o lugar geopolítico e corpo-político) de uma
perspectiva decolonial deve ser levado a sério especialmente ao se tratar das visões e
cosmologias que partem de lugares étnico-raciais e feministas subalternizados na busca por
novas propostas para a conceitualização do que é conhecido como sistema-mundo. Ao
distinguir “lugar epistêmico” de “lugar social”, coloca que “o fato de alguém se situar
socialmente no lado oprimido das relações de poder não significa automaticamente que pense
epistemicamente a partir de um lugar epistêmico subalterno”. Nesse sentido, alude ao já
referenciado Grupo latino-americano e a outras saliências intelectuais de esquerda periférica
que, ao se proporem universalistas, em busca de uma versão única de verdade, demonstram-se
epistemologicamente subservientes à lógica eurocêntrica de conhecimento. Recusando-se,
consequentemente, um determinismo concernente à localização geopolítica do enunciador, “o
que é decisivo para se pensar a partir da perspectiva subalterna é o compromisso ético-político
em elaborar um conhecimento contra-hegemônico” (GROSFOGUEL, 2008).
A partir dessa linha de pensamento, é possível projetar, estruturalmente e via de regra,
quais corpos-políticos (em termos de Fanon - 1967 - e Anzaldúa - 1987 -, emprestados por
Grosfoguel) terão suas enunciações projetadas e quais não em função do enredamento ou da
interseccionalidade político-econômico-cultural do sistema mundo patriarcal-capitalista-
colonial-moderno, organizado hierarquicamente a depender de recortes como raça,
identificação de gênero, classe, orientação sexual, linguísticos, espirituais. Ao não colocarmos
as interseccionalidades como ponto de discussão, a escusa ao destacamento do lugar epistêmico
e do corpo-político que enuncia, sendo assim, perpetua o modo subalternizante de produção de
conhecimento ocidentalizante “legítimo”.
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Em síntese, contrapondo-se ao pensamento colonialista, que pode ser expressado tanto
por visões de direita e imperialistas (explicitamente colonialistas) quanto por uma esquerda que
reproduz o pensamento norte-cêntrico, o decolonialismo emerge como um projeto alternativo
a partir da esquerda, anticolonial, antiimperialista, antipatriarcal que acata a diversidade
epistemológica intrínseca ao mundo como largada em direção ao desmantelando das
instituições coloniais de poder. Embora seja essencial, a dimensão econômica não pode ser
colocada como fundamentalmente superior às outras mencionadas. Em paralelo, é interessante
perceber que uma visão economicista das estruturas de poder sustentam o comportamento da
esquerda latino-americana, a qual se eximiu do debate racial e de gênero, priorizando a
emancipação classista em detrimento de um entendimento interseccional de tais demandas.
3 A INVENÇÃO DO CONCEITO DE RAÇA COMO PILAR DA REPRODUÇÃO
CAPITALISTA E IMPLICAÇÕES DA EPISTEMOLOGIA EUROCÊNTRICA
Esta seção intenta realizar um balanço teórico sobre a invenção do conceito de raça no
contexto das diásporas amefricanas a partir de uma leitura decolonial, buscando compreender
como e com quais propósitos surge o conceito de raça e se é possível delimitar um marco
temporal relativo ao surgimento de tal concepção, além de versar sobre as implicações, no nível
epistêmico, de tal construção eurocêntrica e das contribuições da professora e ativista negra
Lélia Gonzalez, brasileira, no que tange à categoria da Amefricanidade.
Os desafios epistemológicos à compreensão da lógica capitalista a partir de um lugar
epistêmico subalternizado remontam aos princípios da modernidade, sendo estes não referentes
ao período da Reforma, da Ilustração ou da Revolução Industrial, mas sim às tomadas
territoriais estratégias por parte da cristandade ibérica durante o longo século XVI (entre cerca
de 1450 e 1650) sobre porção significativa de um mundo sob domínio muçulmano.
Diferenciando mouros, judeus e cristãos mediante a invenção do critério de “pureza de sangue”,
a vitória significou muito mais do que êxito militar, correspondendo ao rompimento brusco
com as relações sociais de produção e os modos de produção anteriores a 1492
(BERNARDINO-COSTA; GROSFOGUEL, 2016). Tal movimento promoveu uma ruptura
estrutural na estrutura de dominação concebida com a introdução do sistema colonialista.
Para Quijano (2000), a ideia de raça consiste em uma criação estruturada mentalmente
por dominadores europeus, um instrumento de classificação básica da população. Apesar de
possuir origem e caráter colonial, o conceito da diferença racial atravessa séculos em função de
sua adaptabilidade aos diferentes ordenamentos econômico-político-culturais a nível global. De
acordo com o autor, a finalidade dessa invenção era a naturalização das relações coloniais de
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dominação. O objetivo último da hierarquia racial, portanto, seria atuar como um princípio
organizador da economia política e das diversas formas de poder referentes às relações sociais
e aos modos de produção diversos existentes.
A economia capitalista-racista-patriarcal que vinha se expandindo desde o século XV,
portanto, seria a “nova estrutura de controle do trabalho”, assentada sobre a divisão racial do
trabalho disposta estruturalmente. Nessa acepção, o cruzamento entre a inferiorização racial a
e divisão do trabalho amplifica, em escala global, o padrão “colonial/moderno, capitalista e
eurocentrado” de controle dos modos de produção, correlacionando os elementos mencionados
em função da reprodução do capital. A noção do cruzamento entre os elementos da
colonialidade do poder será pormenorizada na etapa seguinte deste artigo. (GROSFOGUEL,
2008; QUIJANO, 2000)
Mediante a “justificativa peculiar” do etnocentrismo colonial, Quijano (2000, p. 210)
aborda a criação do mito da supremacia europeia, mito este baseado em um ponto de vista no
qual os europeus não seriam apenas superiores, porém e - sobretudo - naturalmente superiores
aos povos não-europeus, descartando a tese de uma dominação e exploração sobre culturas
igualmente, ou mais, complexas do que as europeias no mesmo espaço temporal. Tal
perspectiva produziu um mito fundacional da versão eurocêntrica de modernidade em que os
europeus eram os “modernos da humanidade e de sua história, isto é, como o novo e ao mesmo
tempo o mais avançado da espécie” (QUIJANO, 2000, p. 212), colocando-se como criadores
exclusivos e protagonistas da modernidade. O autor ainda indica (em tradução disponibilizada
pelo Conselho Latino-americano de Ciências Sociais - CLACSO):
O notável disso não é que os europeus se imaginaram e pensaram a si mesmos e ao
restante da espécie desse modo – isso não é um privilégio dos europeus– mas o fato
de que foram capazes de difundir e de estabelecer essa perspectiva histórica como
hegemônica dentro do novo universo intersubjetivo do padrão mundial do poder.
(QUIJANO, 2000, p. 212)
Outra problemática da questão do mito fundacional eurocêntrico consiste no fato de os
europeus terem recorrido - e, em certa medida, continuarem recorrendo no campo
epistemológico - à patente da modernidade. De acordo com o mito fundacional mencionado, o
caminho para o desenvolvimento e modernização das sociedades estrearia por um estado de
natureza primitivo que seria interferido pelo processo civilizatório em direção a um modelo de
organização de Estado-nação nos paradigmas eurocêntricos; a civilização europeia/ocidental
seria o ápice do desenvolvimento em termos de modernização e racionalidade coletivas. Desta
forma, conforme pontua Grosfoguel (2008, p. 136), “a exploração e a dominação por parte das
metrópoles tornaram-se justificáveis em nome da ‘missão civilizadora’”, aspecto que também
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pode ser identificado pelo ângulo do “fardo do homem branco”, comumente associado ao
neocolonialismo e neolimperialismo dos séculos XVIII e XIX, já em diálogo com as teorias
evolucionistas positivistas. No que se refere ao dito momento histórico, Lélia Gonzalez
descreve a reformulação do mito fundacional como uma:
(...) tarefa de explicação racional dos (a partir de então) ‘costumes primitivos’, numa
questão de racionalidade administrativa de suas colônias. Agora, em face da
resistência dos colonizados, a violência assumirá novos contornos, mais sofisticados;
chegando, às vezes, a não parecer violência, mas verdadeira superioridade.
(GONZALEZ, 1988, p. 71)
O que Quijano irá demonstrar é que a modernização não é um fenômeno que possa ser
apanhado e patenteado pelos europeus, questionando o conceito de “modernidade” per se, dado
que técnicas de desenvolvimento científico-tecnológico podem ser elaboradas e implementadas
em quaisquer espaços temporais e geográficos, como foi o caso de inúmeras sociedades “alta
cultura” como nos países atualmente conhecidos como China, Índia, Egito e Grécia, bem como
as comunidades Maia-Asteca, bantu e congo, por exemplo. Apenas uma análise muito pouco
cuidadosa poderia nos levar a desvincular as noções de inovação, avanço, racionalidade-
científica, secularidade, dentre outras às significativas heranças deixadas por tais corpos sociais.
Há de se entender que o que foi elaborado não passou de uma ressignificação do termo
“modernidade”, ao passo em que o mesmo passou a designar diretamente a ocidentalização de
sociedades e culturas não europeias (QUIJANO, 2000)
O fato de a Europa haver atuado como “sede do processo de mercantilização da força
de trabalho”, ou seja, onde se desenvolveram a relação capital-salário como aspecto constitutivo
das novas relações sociais de produção e as novas identidades raciais dos colonizados, a partir
de onde se orquestrou a classificação racial, postularam que “a inferioridade racial dos
colonizados implicava que não eram dignos do pagamento salarial. Estavam naturalmente
obrigados a trabalhar em benefício de seus proprietários.” (QUIJANO, 2000, p. 207). Em
verdade, a escravidão baseada na discriminação racial foi estabelecida e organizada como
mercadoria propícia às necessidades da reprodução capitalista. Isso demonstra a
controversidade exposta ao equipararmos o mito fundacional eurocêntrico ao fato de o capital
sempre ter se articulado com múltiplas formas de trabalho.
O controle do trabalho no novo padrão de poder mundial constituiu -se, assim,
articulando todas as formas históricas de controle do trabalho em torno da relação
capital-trabalho assalariado, e desse modo sob o domínio desta. Mas tal articulação
foi constitutivamente colonial, pois se baseou, primeiro, na adscrição de todas as
formas de trabalho não remunerado às raças colonizadas, originalmente índios, negros
e de modo mais complexo, os mestiços, na América e mais tarde às demais raças
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colonizadas no resto do mundo, oliváceos e amarelos. E, segundo, na adscrição do
trabalho pago, assalariado, à raça colonizadora, os brancos. (QUIJANO, 2000, p. 208)
Realizar tal apontamento é indispensável na exposição da não-linearidade no que diz
respeito aos modos produção já existentes e que estão por vir. Além disso, nos permite
vislumbrar as múltiplas e mutáveis possibilidades de harmonização do capital tanto com formas
de trabalho assalariado quanto com formas coercitivas, pouco ou não-remuneradas, sendo que
ambas as métodos coexistiam simultaneamente nas mesmas regiões. Consoante Grosfoguel
(2008, p. 134), entende-se “capitalismo histórico” como um “sistema heterárquico” ou uma
“estrutura heterogênea”. Aqui, nosso interesse não recai sobre quantias referentes ao montante
salarial dos setores sociais remunerados, mas - exclusivamente - sobre o fato de que a invenção
da categoria “raça” serviu para a subjugação de comunidades inteiras a partir da hierarquia
racial.
Essa temática nos reaproxima da visão de Grosfoguel (2008) quando o mesmo menciona
que a “hierarquia étnico-racial global de europeus/não-europeus é parte integrante do
desenvolvimento da complexa divisão internacional do trabalho no sistema-mundo capitalista”,
não sendo a categoria “raça” um item adjacente, mas sim “constitutivo e indissociável da
divisão internacional do trabalho e da acumulação capitalista à escala mundial”. A perspectiva
trazida por este autor compreende uma contribuição substancial para a discussão da economia
política, especialmente em referência à geopolítica-econômica experienciada pelos Estados-
nações cuja composição étnico-racial estampa as Diásporas triangulares (África, América e
Europa).
Como implicações do surgimento de tal conceito, foram produzidas identidades sociais
novas para a experiência histórico-econômica. Definições identitárias que antes apresentariam
uma conotação quase que exclusivamente geográfica (em relação à origem do sujeito ou
coletivo) passaram a trazer em si mesmas associações com determinadas hierarquias, lugares
de enunciação e papeis sociais específicos destinados ao atendimento e reprodução do padrão
de dominação colonial apesar do passar dos séculos. A transmutação, regeneração e
reestruturação da inferiorização com base nos aspectos raciais tem sido tão bem sucedida em
sua penetração nas camadas sociais a ponto de tal instrumento ter atravessado séculos e deixado
para trás o próprio sistema colonialista dentro do qual a ideia de raça foi inventada. Sua
reprodução, contudo, não se caracteriza pelos mesmos elementos constituintes do conceito de
raça em seus primórdios: desenvolveram-se novas características e configurações histórico-
estruturais
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4 COLONIALIDADE DO PODER, PENSAMENTO DE FRONTEIRA E
TRANSMODERNIDADE: PROJETOS TRANSATLÂNTICOS ALTERNATIVOS
O Sul Global foi e continua sendo alvo de dominação epistemológica, ponto que não foi
desfeito com os processos de independência nas Américas. A estrutura de produção de
conhecimento da atualidade latino-americana - composta pelo conhecimento tido como
“legítimo” e seus destinatários - segue a tendência de reprodução dos modelos de produções
científicas e culturais trazidos pelos colonizadores. Ao longo desta etapa busca-se compreender
o conceito de “colonialidade do poder” colocado por Quijano e adscrever ao diálogo
formulações alternativas decoloniais no nível epistêmico, a saber, a noção de “pensamento
crítico de fronteira”, de Walter Mignolo.
Considerando analisar, teoricamente, as continuidades e rupturas das características da
modernidade e do colonialismo, a ideia de “colonialidade do poder” apreende a forma como se
repercute o colonialismo nas instituições temporalmente posteriores ao sistema colonial. A
colonialidade seria, justamente, constituída pelas estruturas de poder global existentes -
inclusive - com o fim do colonialismo. A diferenciação entre colonialismo e colonialidade é
possível a partir do momento em que compreendemos que, embora tenha ocorrido
descolonização latino-americana - expressa nos processos de independência e, assim, na
conformação dos Estados-nação marginalizados -, a mesma não passou da esfera jurídico-
política. Conforme interpretação realizada por Grosfoguel (2008, p. 126), a “colonialidade
permite-nos compreender a continuidade das formas coloniais de dominação após o fim das
administrações coloniais e pelas estruturas do sistema-mundo capitalista moderno/colonial.”
Em outros termos, ainda que tenha sido efetivada a retirada das instituições administrativas
coloniais sobre os territórios periféricos compreendidos pela dinâmica centro-periferia, a
persistência de elementos inventados com e a partir da modernidade exprime a incompletude
desse processo descolonizatório. (QUIJANO, 2000)
Caso fossemos utilizar as considerações de Giovanni Arrighi (1937-2009), podemos
dizer que sua herança gramsciana (Antonio Gramsci, 1891-1937), cuja escrita pauta-se não pela
manipulação de ideias, mas sim pela construção de consensos e-ou consentimentos, também
nos permite compreender a construção de uma falsa ideia de harmonia em função das mudanças
formais nos termos coloniais.
Para Quijano (2002), quatro são as dimensões da colonialidade do poder: o sexo, o
trabalho, a autoridade coletiva (ou pública) e a subjetividade-intersubjetividade e seus
respectivos recursos e produtos. A apresentação do termo em 1989 pelo referido autor já
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retratava a complexidade que um entendimento intelectualmente mais condizente com a
realidade periférica demandava.
Esta heterogeneidade não é simplesmente estrutural, baseada nas relações entre
elementos das mesmas época e idade. Já que histórias diversas e heterogêneas deste
tipo foram articuladas numa única estrutura de poder, é pertinente admitir o caráter
histórico-estrutural dessa heterogeneidade. Consequentemente, o processo de
mudança dessa totalidade capitalista não pode, de nenhum modo, ser uma
transformação homogênea e contínua do sistema inteiro, nem tampouco de cada um
de seus componentes maiores. Tampouco poderia essa totalidade desvanecer-se
completa e homogeneamente da cena histórica e ser substituída por outra equivalente.
A mudança histórica não pode ser unilinear, unidirecional, sequencial ou total. O
sistema, ou o padrão específico de articulação estrutural, poderia ser desmantelado.
Mas mesmo assim cada um ou alguns de seus elementos pode e haverá de rearticular-
se em algum outro padrão estrutural, como ocorreu, obviamente, com os componentes
do padrão de poder pré-colonial, digamos, no Tauantinsuiu. (QUIJANO, 2000, p. 223)
Grosfoguel (2008, p. 123) utiliza-se de contribuições de feministas negras
estadunidenses para analisar de forma minuciosa a colonialidade do poder: o termo
corresponderia a um enredamento ou interseccionalidade “de múltiplas e heterogêneas
hierarquias global (‘heterarquias’)”. Nesse sentido, os aspectos econômicos não deveriam ser
tidos como predominantes sobre os demais (raça, orientação sexual, identidade de gênero,
espiritualidade, epistemologia) uma vez que, a abordagem economicista aplicada à temática em
questão perpetua a lógica eurocentrada puramente mercadológica acerca das estruturas do
sistema, revelando-se insuficiente em sua capacidade explicativa de seu objeto de estudo.
Segundo Quijano (2000, p. 225), apenas “as necessidades do capital como tal, não esgotam,
não poderiam esgotar, a explicação do caráter e da trajetória dessa perspectiva de
conhecimento.”
As fronteiras disciplinares, aparentemente, dificultam que análises provenientes de áreas
tradicionalmente opostas dialoguem no que concerne a uma área cinzenta interseccional entre
ambas.
A crítica pós-colonial caracteriza o sistema capitalista enquanto sistema cultural. Estes
teóricos acreditam que a cultura é o fator constitutivo que determina as relações
econômicas e políticas no capitalismo global (Said, 1979). Por outro lado, a maioria
dos acadêmicos do sistema-mundo salienta a importância das relações econômicas à
escala mundial como fator constitutivo do sistema-mundo capitalista. (...) O fato é que
os teóricos do sistema-mundo sentem dificuldades em teorizar a cultura, enquanto os
teóricos pós-coloniais têm dificuldade em conceptualizar os process os político-
econômicos. (...) Assim, a bibliografia produzida de uma e outra banda oscila entre o
perigo do reducionismo econômico e o perigo do culturalismo. (GROSFOGUEL,
2008, p. 129-30)
O autor mencionado neste momento coloca, ainda, que ambas as “estratégias
ideológico-simbólicas” e “formas eurocêntricas de conhecimento” compõem a leitura do
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denominado, pela visão predominante no mundo da economia política, como o sistema-mundo
capitalista. Sugere-se, então, a adoção de uma saída a partir da margem, no sentido do loci
epistêmico anteriormente abordado. Dada a base decolonial de recusa aos fundamentalismos e
às propostas universalistas, a noção de “pensamento crítico de fronteira” pode ser sintetizada
em uma palavra: ressignificação. A busca pela descolonização do poder, do saber e do ser
estariam atreladas, na visão de Walter Mignolo, a uma terceira saída às respostas anteriores
(soluções explicitamente eurocêntricas e fundamentalismos terceiro-mundistas, sendo estes
essencialmente eurocêntricos, reprodutores de colonialidade de poder). A proposta de Mignolo
não se equipara a uma modernidade antimoderna, constituindo-se – por outro lado – como a
“resposta epistêmica do subalterno ao projeto eurocêntrico da modernidade”, redefinindo e
transcendendo a “retórica emancipatória da modernidade a partir das cosmologias e
epistemologias do subalterno, localizadas no lado oprimido e explorado da diferença colonial”.
Em alinhamento com a colocação realizada por Mignolo, Enrique D. Dussel traz a noção de
“transmodernidade” em “Filosofia da Libertação na América Latina”. Corroborando o
propósito de radicalização (no sentido de busca por e aproximação com as raízes ontológicas
das descolonizações), “a transmodernidade de Dussel visa concretizar o inacabado e incompleto
projeto novecentista da descolonização”. A fim de concretizar tal mecanismo ou estratégia, o
diálogo teórico-intelectual e articulação prática entre os pensadores críticos de diversas nações,
culturas e países devem ser realizados considerando a pluri-versalidade de concepções
referentes ao ordenamento econômico-político-cultural. Essa “multiplicidade de respostas”
existentes em função das atividades de lugares epistêmicos subalternizados promoveriam a
“diversidade enquanto projeto universal” tendo em vista o rompimento com elementos
ideológico-culturais do heterogêneo sistema capitalista. Esse empenho não corresponde a uma
contraposição direta em relação às estruturas de poder fruto da colonialidade do poder.
Distintamente, significa uma compreensão pragmática das instituições existentes simultânea à
aplicação da perspectiva decolonial sobre a mesma. (GROSFOGUEL, 2008)
Epistemologicamente, a ideia de colonialidade evidencia que a sociedade atual vive
sobre o peculiar legado de parte da estrutura de conhecimento do mundo moderno colonial
capitalista, com fundamentação no cânone de pensamento europeu e estadunidense. Para além
de uma concentração eurocêntrica de formulação e embasamento teórico, o ordenamento
mundial existente desde o período conhecido como os “30 Gloriosos”, na expressão de Eric
Hobsbawm, estágio de coexistência com a ascensão dos movimentos intelectuais pós e
decoloniais, nos permite falar em um padrão norte-cêntrico de dominação. É possível afirmar
que o cânone ocidental proveniente do Norte Global não buscou analisar a história da periferia
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do sistema global (retomando que esta análise refere-se, especificamente, ao caso latino-
americano).
Em analogia ao debate realizado no que diz respeito ao eurocentrismo, a importação
mecânica de estruturações de pensamento advindas do lugar epistêmico norte-cêntrico - como
se fossem suficientemente explicativas dos problemas locais em função de sua suposta
universalidade, neutralidade e objetividade - equivale a uma generalização das realidades
periféricas, tratando a periferia global como algo não-específico. O processo histórico de
formação econômico-político-cultural desses países é saqueado à medida em que suas próprias
referências de pensamento crítico são invisibilizadas dada a supremacia dos discursos
hegemônicos relativos a como se entender o sistema-mundo
patriarcal/capitalista/colonial/moderno. O uso dos três elementos supracitados distorce a
realidade latino-americana, além de desqualificar a forma de produção de conhecimento
assumidamente situada geopoliticamente, bem como os produtores de tais perspectivas.
5 CONCLUSÃO
Retoma-se o objetivo central empreendido ao longo do artigo, ou seja, buscar
compreender o curso de elaboração e implementação das estruturas político-econômico-
culturais tipicamente capitalistas em diálogo com as experiências diaspóricas dos povos
colonizados afro-latino-americanos, em especial nos eventos ocorridos na narrativa histórica
brasileira.
Certamente, a mobilização de recursos teórico-políticos da autora e dos autores que
constam no referencial bibliográfico congregam uma miríade de conceitos, concepções e
abordagens interdependentes que se articulam na formulação de uma crítica radical em
discordância diametral às teorizações e implicações da modernidade, pautada de maneira
eurocentrada.
Dois dos autores analisados, Quijano e Grosfoguel, apresentam um debate congruente
e, ao mesmo tempo, positivamente rico no que se refere às raízes da invenção da modernidade.
O primeiro recorre ao cruzamento relativo às relações dualísticas entre capital e trabalho
(hierarquia econômica) e entre a suposta superioridade europeia em detrimento dos não-
europeus, inferiorizados (hierarquia racial), destacando a noção de “colonialidade do poder”.
Assim, enfatiza-se o aspecto colonial intrínseco à modernidade, portanto demarcando
temporalmente o longo século XVI como o princípio de tal mecanismo do sistema colonialista,
embora seu marco histórico seja associado, comumente, aos séculos XVII e/ou XVIII.
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Além disso, o presente artigo objetivou enfatizar a continuidade de aspectos coloniais
na realidade pós-sistema colonialista. Tendo isso em vista, foi possível sustentar tal argumento
mediante análise sistêmica dos componentes econômicos, políticos e culturais coexistentes no
sistema capitalista por meio do conceito de colonialidade do poder. Foi possível visualizar que
a ausência da estrutura da administração colonial não implicou na supressão de diversas
instituições com base colonial, tal qual o racismo. De fato, sem a expansão colonial ibérica e,
posteriormente, de outras nações do continente europeu, provavelmente não haveria sistema
colonial e, portanto, não haveria a colonialidade encontrada nos dias de hoje. As estruturas
coloniais de poder global não desapareceram com o encerramento estritamente formal do
colonialismo, baseado nas instituições jurídico-políticas de regiões que não mais configuravam-
se como metrópoles, mas que haviam passado pelos processos de independência, adequando-
se às novas demandas estruturais do sistema em desenvolvimento. Ao contrário, as atuais
estruturas emergiram e se cristalizaram com o fim do mesmo próprio colonialismo.
Grosfoguel distancia-se de Quijano, contudo, pois este realiza uma leitura universalista
da decolonialidade, enquanto aquele busca um olhar pluri-versalista. Defende-se a existência
de uma diversidade epistêmica sobre a qual não seria adequado compelir aos outros que há uma
forma única e específica de se pensar a colonialidade, já que tal medida figura-se como uma
esquiva ao princípio de conhecimento situado temporal e geograficamente.
A possibilidade de realizar um balanço referente à descolonização da economia,
enfatizando – sincronicamente – aspectos geopolíticos e culturais, parece contemplar uma
lacuna em termos de debates na própria Academia, mesmo em determinados setores na
esquerda. O caráter heterogêneo dos conceitos de “enredamento” e “interseccionalidade”,
porém, compatibilizam-se com a complexidade relativa à compreensão, a nível epistêmico, do
sistema-mundo capitalista patriarcal/capitalista/colonial/moderno.
A partir do momento em que os acontecimentos na margem do sistema passam a ser
entendidos, em regra, como reverberações diretas ou indiretas dos marcos históricos centrais, a
diversidade de pensamento crítico existente na periferia é tomada pela dominação
epistemológica ou, em termos mais específicos, ao racismo epistemológico. As teorias próprias
da margem da ordem mundial, embora existam, não aparecem nas ementas das universidades
dessas mesmas regiões em favor de formulações a partir do Norte Global. Assim, inferioriza-
se o pensamento crítico de outra autora e autor de partes periféricas do mundo.
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REFERÊNCIAS
BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência
Política, nº11. Brasília, maio - agosto de 2013, pp. 89-117. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0103-33522013000200004> Acesso em: 02 out. 2017.
GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural de amefricanidade . In: Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, Nº. 92/93 (jan./jun.). 1988b, p. 69-82.
GROSFOGUEL, Ramón. Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos
pós‐ coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. Revista
Crítica de Ciências Sociais, n. 80, p. 115-147, 2008. ____________________; BERNARDINO-COSTA, Joaze. Decolonialidade e perspectiva
negra. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69922016000100002> Acesso em: 18. Abr. 2018.
PRADO JÚNIOR, Caio. A formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1963.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade, poder, globalização e democracia. Disponível em: < http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/novosrumos/article/view/2192/1812> Acesso em 02 out. 2017.
________________. Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. Disponível
em: <http://www.decolonialtranslation.com/espanol/quijano-colonialidad-del-poder.pdf> Acesso em 18 abr. 2018.
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