curso de religião (obra póstuma inacabada), gustavo corção
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7/28/2019 Curso de Religio (Obra pstuma inacabada), Gustavo Coro
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CURSO DE RELIGIOPOR GUSTAVO CORO
O texto deste "Curso de Religio", que aqui apresentamos com exclusividade, Coro deixouinacabado, embora o tenha continuado verbalmente em suas aulas em nossa sede. O leitorque quiser prosseguir com os estudos, contudo, no se ver prejudicado se, com o auxlio debons livros, prosseguir do ponto em que este texto termina.
INTRODUO
1. PRIMEIRAS MOTIVAES
Um grupo de moos nos procurou para pedir a organizao de um curso de
religio, complementado por outros cursos humansticos. A alegao desses
moos no podia ser melhor. Dizem que suas atividades so to
absorventes que no permitem a elevao da mente e a dilatao do
esprito, sem a qual, por mais nobre que seja a tarefa, corre sempre o
homem o risco de se desumanizar.
Admiramo-nos todos da sabedoria desses moos que, em tempo de
ativismos e secularizaes, sabem que, sem o amor de Deus, corrompe-se o
amor humano, e sem a bssola da boa doutrina no h quem chegue a bom
porto.
Dedicamos este livro, de incio, aos seus primeiros inspiradores, e depois atodas as pessoas de boa vontade que se acharem em anlogas
circunstncias. E assim fica entendido que esta prolongada conversao
sobre as coisas de Deus dirige-se a pessoas que tenham um mnimo de
conhecimento de catecismo, e um mdio nvel secundrio, e que sintam,
como aqueles primeiros, a necessidade de uma coordenao e de um
aperfeioamento de seu saber. Ficamos assim dispensados de prolongar o
encarecimento e a necessidade de tal estudo.
2. POSIO DO HOMEM
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Os vrios seres que compem o universo existem e movem-se, cada um a
seu modo, cumprindo sua funo segundo sua natureza e as tendncias
nela inscritas. Pode-se dizer tambm que, cada um a seu modo, obedece e
louva a Deus. Nesse grande conjunto csmico observam-se certos seres
especiais que, por assim dizer, se segregam em si mesmos e se destacamdos cosmos: so os seres vivos, que muito mais do que os inorgnicos se
caracterizam por essa integridade. Cada ser vivo, embora pertencendo ao
universo pela comunidade da matria (so compostos de oxignio, carbono,
etc. como outros seres no vivos podem ser), e embora pertencendo
comunidade da espcie, se destaca por sua unidade, por sua inteireza e por
sua organizao defensiva de tal integridade.
Um grau maior de perfeio possuem os seres vivos animais: so sujeitos
de conhecimento sensvel. Cada um deles, alm daquela integridade em
que se fecha, realiza esta outra maneira de ser um centro. Um gato, pelo
fato de possuir os sentidos que lhe trazem, no apenas o calor, a umidade,
ou algum outro efeito fsico do mundo exterior, mas tambm uma
representao interna desse mundo, possui uma perfeio nova que o
destaca do mundo vegetal.
Com mais este ttulo de destaque e autonomia, o animal irracional est bem
inserido na espcie e no meio, e tem em suas tendncias naturais todos os
instintos para se desincumbir bem de seu papel no drama da existncia. O
gato pode se desavir com o co, ou pode devorar o rato, mas nenhumdesses animais se deter a fazer cogitaes sobre o que , o que deve
fazer, e de onde veio e para aonde ir.
Este o privilgio do homem. Dotado de uma nova e especfica perfeio, a
racionalidade, de natureza espiritual, o homem um ser que nunca estar
vontade no mundo, como estariam os ratos num mundo sem gatos ou os
gatos num universo sem ces, porque, de certo modo, maior do que o
mundo. No possui, a no ser para as funes de sua natureza inferior, os
instintos afinados para necessidades vitais de sua tendncia. O homem um ser que nasce fabulosamente rico, coroado com a imagem e
semelhana de Deus, e miseravelmente desvalido e pobre. E ao longo da
vida manter sempre esse binmio de opulncia e misria: ser sempre
maior do que o mundo pela espiritualidade da alma, mas tambm estar
sempre na posio de quem tem a racionalidade e a liberdade para procurar
escolher os caminhos de sua misso, e tambm para conhecer e querer
praticar atos de obedincia e louvor de Deus.
No poderemos progredir ou sequer viver nossa religio se no possuirmos
uma forte noo do que o homem, e de qual sua posio em face do
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mundo. E decididamente no poderemos viver o cristianismo se nos
entregarmos m filosofia que nega a nota especfica, a espiritualidade da
alma, e a conseqente transcendncia do homem sobre o mundo. O
secularismo ou temporalismo que hoje, como erva daninha, quer abafar a
videira do Cristo (como se possvel fosse ao homem tal vitria), tem estascaractersticas, e concebe o homem como parte do cosmos, imanente,
imerso na comunidade csmica.
De todos os seres da natureza o homem o nico que se interroga e que se
nega. Bastaria este fato para advertir o empirista, o imanentista, o
materialista, de que alguma incongruncia existe entre o homem e o resto
da criao. No alongaremos demais estas consideraes pelo fato de nos
dirigirmos a pessoas que j tm a convico da especificidade do humano.
Adiante, se Deus permitir, voltaremos ao assunto para mais fundas
pesquisas. No momento gravemos este imperativo: para agir, para amar,
para viver em todos os planos o homem precisa adquirir um saber.
3. CINCIA E SABEDORIA
Convm distinguirmos bem essas duas castas do saber. H um saber que
tem por objeto os fenmenos, as causas prximas ou as correlaes, as
medidas e as relaes entre elas. Temos assim a fsica, a qumica, a
biologia, a matemtica, e as vrias outras cincias chamadas empricas
(fundadas na experincia) ou tambm positivas. O erro do positivismo deAugusto Comte consistiu no valor mximo atribudo a essas cincias em
detrimento do valor menor dado Filosofia e Teologia.
Para ns, estas cincias mais altas, por causa do valor e da dignidade de
seus objetos, merecem o nome de Sabedoria. Versam sobre todas as coisas,
mas sob um ngulo mais profundo do que o das cincias do fenmeno.
Tomemos um exemplo a psicologia. Com essa mesma denominao, h
duas psicologias, a emprica e a racional ou filosfica. Note-se que o termo
emprico, em nossa linguagem filosfica, no tem o sentido pejorativo dalinguagem comum, onde emprico quase sinnimo de a-cientfico. Para
ns esse termo designa o conhecimento cientfico fundado na observao e
na experincia.
A psicologia emprica ou experimental (ou cientfica se quiserem) tem por
objeto as manifestaes apreciveis (empiricamente) das paixes da alma,
ou as emoes; e procura, sem recursos prprios em seus domnios,
discernir as manifestaes normais e as anormais. Freqentemente se
enganar, tomando por anormal uma normalssima reao motivada, isto
sim, por alguma circunstncia anormal. O psiclogo praticante da psicologia
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experimental, se se fechar aos ensinamentos de critrios mais altos,
querer chamar de normais as reaes mais encontradias, e chamar de
doente o indivduo que apresentar srias inconformidades com o meio em
que vive. Querer, em suma, e como ideal supremo, inserir as pessoas nos
quadros existentes. Ora, esses quadros podem estar e freqentementeesto gravemente deteriorados como to bem assinala Erich Fromm em
Sane Society.
E como que podemos ns saber o que normal e o que no ? A
experincia e a estatstica s nos dizem se tal coisa ou no muito
encontradia, mas esse critrio no nos diz decisivamente se tal coisa
normal ou anormal. (Dois Amores e Duas Cidades. Agir, pg. 72, vol. 2).
Para decidir esse ponto temos de recorrer a um saber mais alto: a psicologia
racional que nos diz o que a alma humana, e a filosofia moral que nos
proporciona os princpios e critrios para a avaliao dos atos humanos.
A teologia nos ensinar ainda mais: ela nos dir como Deus quer ser
conhecido e amado, e como Ele faz questo, zelosamente de ser bem
identificado, no ters outros deuses diante de minha Face, (Ex. 20,
3) e bem obedecido. E por a j se v que essas formas de saber so mais
decisivas e importantes para o homem do que todos os conhecimentos que
lhe asseguram certo domnio sobre os seres da natureza inferior. Ai do
mundo se os homens quiserem possuir cada vez mais Cincias a respeito
das coisas e cada vez menos Sabedoria da alma e de Deus!
O estudo e progresso no saber mais alto tm uma dificuldade que uma
facilidade, ou vice-versa. Expliquemo-nos: A Sabedoria, ao contrrio da
Cincia do fenmeno, um saber global em que o conhecimento de cada
parte implica o conhecimento das outras. Tomemos a Fsica: podemos
estudar a mecnica deixando para ulterior estudo a Termodinmica ou a
tica, sem que essa protelao prejudique a compreenso da primeira
parte. Na matemtica, na geometria, por exemplo, o estudo progride
vetorialmente, partindo de definies e postulados, e conquistandogradativamente novas relaes mtricas ou novas propriedades das figuras.
Progride-se nestas cincias quando se conhecem mais coisas.
Na Filosofia no sabemos bem por onde comear. Podemos comear pela
Lgica, pressupondo, porm, algum conhecimento metafsico ou
psicolgico. Reciprocamente poderamos comear pela Metafsica, ou pela
Psicologia (racional), pressupondo algum conhecimento de Lgica. Seria
impossvel o estudo da Filosofia se de algum modo, embora imperfeito, no
conhecssemos todos os seus captulos. Felizmente temos no senso
comum, ou no exerccio da razo espontnea, uma primeira elaborao
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geral que nos permite a vaga viso do todo quando nos detemos no estudo
de uma das partes. Progride-se nesse saber mais alto no por saber mais
coisas, mas por saber mais a fundo as mesmas coisas. O progresso das
cincias empricas extensivo; o da filosofia (e teologia) intensivo.
Nas cincias fsicas tambm existe certa interdependncia entre as vrias
partes, mas essa globalizao vem mais das Teorias interpretativas do
que da experincia; e assim sendo eu diria que a dita globalizao vem do
teor filosfico (Filosofia da Natureza) que existe em todas as teorias
interpretativas.
4. A SAGRADA DOUTRINA
Tambm neste domnio no saberamos como comear se no partisse de
Deus a iniciativa primeira. Nossa religio repousa sobre esse dado
fundamental da iniciativa primeira, sem o qual poderamos pensar em Deus
entre as categorias filosficas, mas no poderamos conhec-lo como Amigo
ntimo. Para isto foi preciso que Ele tivesse, repetidamente, a iniciativa
primeira. Essa primeira descida de Deus, autor da F, se faz de dois modos:
no princpio exterior consubstanciado na Revelao; e pelo princpio
exterior da Graa. Mais adiante voltaremos a este binmio; no momento
basta-nos imaginar que Deus nos deu uma notcia exterior, que se acha
compendiada na Sagrada Escritura e na Tradio, e logo nos deu, no mais
ntimo de nossa inteligncia, a capacidade de adivinhar o divino daRevelao e de crer nele de todo o corao.
Posto o problema nestes termos temos a mesma dificuldade anteriormente
apontada no curso de Filosofia. Como comear o estudo da Sagrada
Doutrina? Que itinerrio seguir?
Nossa religio um universo espiritual imenso, e um imenso universo
cultural. Podemos passar a vida inteira estudando o cristianismo, sua
doutrina, seu culto, sua liturgia, suas fontes, e mais as repercusseshistricas e culturais de seus vinte sculos de civilizao, de Tradio, de
estudo de arte, sem lograrmos saber uma pequenina frao do que j foi
pensado e dito em torno do mesmo tema central aparentemente to pobre:
um homem galileu foi crucificado, morto e sepultado, sob Pncio Pilatos.
De todas as linhas possveis, podemos destacar trs linhas principais, trs
roteiros bem demarcados por Aquele mesmo que teve a primeira iniciativa
de tal instruo. Estes trs roteiros correspondem a um mtodo clssico que
est muito longe de ter dado os ltimos frutos, como pretendem os
modernistas.
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So os seguintes:
Teologia Dogmtica
Conhecimento dos artigos de f.Creio em Deus Pai todo poderoso.
Teologia Moral
Conhecimento da Vontade de Deus.
Dez mandamentos. Seja feita a sua vontade....
Teologia Asctica e Mstica
Conhecimento dos apelos de Deus vida de perfeio:
Sede perfeitos como Vosso Pai celestial perfeito.
Estudaremos aqui a primeira linha, ou seja, a Teologia Dogmtica. O roteiro
nos dado por este pequenino e maravilhoso compndio de f, que
atribudo aos primeiros apstolos, e por isso chamado de Smbolo dos
Apstolos.
Eis o texto que devemos reter e repetir como orao e ato de f:
CREIO
em Deus Pai Todo Poderoso, Criadordo Cu e da Terra;
e em Jesus Cristo um s seu Filho,
Nosso Senhor
o qual foi concebido pelo do Esprito Santo,
nasceu de Maria Virgem,
padeceu sob o poder de Pncio Pilatos,
foi crucificado, morto
e sepultado;
desceu aos infernos,ao terceiro dia ressurgiu dos mortos,
subiu aos Cus, est sentado direita
de Deus Pai Todo Poderoso,
de onde h de vir a julgar os vivos e mortos;
CREIO
no Esprito Santo,
na Santa Igreja Catlica,
na comunho dos Santos,
na remisso dos pecados,
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na ressurreio da carne,
na vida eterna.
Tentaremos seguir este roteiro clssico fazendo de vez em quando
exploraes transversais que nos levem a apreciar o efeito do dogma navida moral e na vida da piedade ou da santificao. Assim procuraremos
escapar rigidez excessiva dos compndios clssicos, sem prejuzo da
nitidez da doutrina.
Convm ainda aqui um reparo que assinale bem a diferena entre o
enunciado de artigos de f, ou a simples exposio, como se costuma fazer
nos catecismo, e o tratamento propriamente teolgico. Em ambos os casos
temos proposies de f com o mesmo objeto, a saber, o dado revelado. O
Smbolo dos Apstolos e um tratado de Teologia Dogmtica (as
primeiras partes da Suma Teolgica, por exemplo) afirmam as mesmas
verdades, mas do-lhe tratamento diferente. O Smbolo apresenta as
verdades da f de um modo meramente expositivo, enquanto o Tratado ou
a Suma trabalha o dado revelado procurando suas conexes vitais, sua
organizao em corpo doutrinal. Costumamos dizer que o objeto da Teologia
o dado revelado enquanto conexo.
Cabe aqui uma observao sobre os dois mtodos principais da elaborao
teolgica: o primeiro, exemplificado pela Suma, o da Teologia
Especulativa; o segundo o da Teologia Positiva ou Histrica.
Na primeira, a conexo e a organicidade dos artigos de f procurado com
especulao racional: o telogo especulativo raciocina para obter maior
riqueza de conexes e de concluses teolgicas. E a estrutura elementar
desse raciocnio (usando o esquema silogstico de Aristteles) o seguinte:
1 MAIOR de f.
2 MENOR de razo.
3 CONCLUSO concluso teolgica.
Essa concluso teolgica que parte da premissa de f e usa a infalibilidade
lgica da razo, pode ser outro artigo de f revelada (e neste caso temos o
lucro de uma conexo), ou uma verdade no revelada (que pode ser
revelvel, isto , implicitamente revelada ou no) e neste caso temos o
lucro de uma explicitao ou de uma concluso teolgica.
Com este trabalho de Teologia Especulativa entende-se que possa dilatar-
se, para nosso conhecimento, o campo da dogmtica sem que em si mesmo
ele rompa a consumao da obra de Cristo. O dogma no evolui, no muda.
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A Revelao, como veremos a seguir, est encerrada. Mas para ns evolui
o aprofundamento do depsito Sagrado.
Na Teologia Positiva ou Histrica, que expe a Doutrina ao sabor da Histria
Sagrada, a conexo menos lgica, menos clara, mas mais sugestiva evital. Para a catequese infantil parece-nos melhor a perspectiva da Teologia
Positiva; para o estudo mais profundo e mais slido parece-nos melhor o
itinerrio da Teologia Especulativa.
5. VANTAGENS DA CONEXO DOUTRINAL
As vantagens da conexo doutrinal so evidentes: no somente favorecem
a reteno das verdades de f, que desconexas constituiriam atos de pura e
isolada memorizao, como tambm, e principalmente, favorecem a
resistncia do corpo doutrinal semelhana do que ocorre nos processos de
resistncia nos organismos vivos. Alm disso, o corpo doutrinal bem
estruturado e dotado de conexes vivas, produz nas profundezas da alma
um estado de harmonia e paz que facilitar muito o desenvolvimento das
virtudes e o crescimento em perfeio. O dogma bem assimilado, bem
conectado, bem colocado, bem constelado, bem sistematizado o dogma
bem trabalhado pelo estudo e pela meditao um gerador de piedade e
de fervor religioso.
Para isto acontecer, porm, indispensvel colocar a especulao teolgicacomo uma forma de conversao religiosa, ou como uma atividade de filial
ateno s palavras de um pai afetuoso. No se pode estudar teologia como
quem estuda geometria descritiva, ou clculo integral. A sabedoria ser
sempre obra de inteligncia irmanada a um ato de amor. Ningum ser
telogo sem f, ningum sustentar a f sem a caridade. Mais adiante
entenderemos melhor essas coisas. No momento basta reter a necessidade
de uma atitude amorosa do esprito para o bom proveito das verdades de
f, que devem sempre produzir em ns ressonncias de orao, como se
estivssemos a falar dentro de uma imensa nave.
Em contradio diremos que talvez se expliquem as muitas aberraes que
hoje se observam na Igreja no apenas pela diminuio de f, mas antes
disso pela diminuio das prticas que resguardam a f: o estudo e a
meditao. Com o estudo articulamos melhor os vrios dados que compem
o corpo doutrinal; com a meditao e a vida de orao fixamos em ns,
fazemos substncia de nossa substncia a doutrina santa e doce que, sendo
um Verbo de Deus afeioado alma humana, ser tambm uma outra
maneira de termos em ns o Corpo de Cristo.
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Sem esse resguardo, e sem aquelas conexes que traz o estudo, a doutrina
ser em ns um sistema de idias bambo e mal encaixado. Ao primeiro
solavanco da vida, quem no religou os dados de sua religio, quem no
assimilou o que engoliu, vomitar tudo, e sair procurando outros alimentos
para sua pobre alma vazia.
Agarremo-nos ns ao que temos, porque a vida de F no consiste
essencialmente em procurar, em inquirir, em pesquisar, e em renovar as
experincias mentais; o progresso verdadeiro do homem de F consiste sim,
e essencialmente, em procurar mas em procurar acrscimos de proveito
a partir do que j temos como dom de Deus.
Recentemente, em La Documentation Catholique, n 1522, 4 18 de
agosto de 1968, sob o ttulo Religion verticale et religion horizontale,
lemos uma alocuo pronunciada por Sua Santidade Paulo VI. Nessa
alocuo o Papa frisa bem que a f no uma interminvel procura, que a
f consiste essencialmente numa posse: A f antes de tudo uma posse: o
crente j est em posse de certas verdades supremas que lhe vm da
palavra de Deus (...). Para o crente tudo se passa como se, no meio da
obscuridade e da confuso, visse uma luz acender-se nele.... Mais adiante
acrescenta que esse dado primeiro, esse dom de Deus, pede progresso e
crescimento, e nos lembra duas palavras admirveis de Santo Agostinho:
Se o amor cresce, a busca dAquele que ns j achamos tambm deve
crescer e depois: Achamos Deus para o procurar mais intensamente.
CAPTULO I
CREIO...
1. A PALAVRA CHAVE
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Antes de analisarmos sucessivamente os vrios artigos do Smbolo dos
Apstolos precisamos compreender bem a importncia e o sentido exato da
primeira palavra, que est para o conjunto dos artigos como a clave para a
partitura musical.
Mas a palavra em questo, creio, tem aqui uma especial ressonncia, um
especial sentido que difere do que lhe habitualmente atribudo. Nos textos
comuns quando digo creio quero dizer que sei alguma coisa de um modo
que inclui uma margem de dvida. Crer, nesse sentido comum e natural,
um saber impreciso, anterior certeza.
O humano saber tem vrios matizes, vrios graus de imperfeio antes de
atingir a certeza clara em que repousa o assentimento perfeito. O termo
creio usado sempre para designar um assentimento com temor de erro,
uma esperana, uma suposio, e nunca uma certeza. Quase diramos que
o termo designa uma incerteza e uma inquietao, e, portanto um estado
de esprito que se presta pouco a um ato de f. E por a se concluiria que o
termo chave de nossa f deve ter a, no Smbolo dos Apstolos um sentido
oposto ao que tem na linguagem comum. E isto verdade, porque no
podemos admitir a idia de uma margem de dvida num ato de f. Por que
ento usar a palavra que habitualmente significa o oposto do que queremos
aqui significar? Porque na verdade o creio da f sobrenatural tem certa
semelhana com o creio da linguagem comum. Se no podemos admitir
um ato de f com margem de dvida podemos, entretanto, admitir um atode f com alguma imperfeio, alguma obscuridade de nossa parte. Deus
diz, no duvidamos, mas vemos mal. Por enquanto vemos s em sinais
e enigmas.
Para entendermos melhor as dessemelhanas e as semelhanas que
existem entre o creio da linguagem comum e o creio da f, temos de
abrir um tpico para consideraes um pouco mais extensas sobre os
itinerrios da razo humana em busca das certezas.
2. CERTEZAS E INCERTEZAS
Todos ns nos guiamos na vida por certas coisas que sabemos com
certeza, e outras que sabemos com graus diversos de incerteza. Os
filsofos nos ensinam que o critrio supremo da certeza a evidncia com
que uma determinada verdade se impe aos nossos sentimentos ou nossa
inteligncia. Os cticos diro que esse critrio falso e que na verdade
somos todos enganados e nos movemos entre sombras. Esse exagero do
ceticismo vem do fato incontestvel de serem obscuros e imperfeitos os
nossos conhecimentos; mas o conhecimento pode ser certo e imperfeito.
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Tomemos um exemplo sensvel: eu conheo o professor Francisco e sei,
com certeza, que ele est sentado diante de mim. Este conhecimento
sensvel, no caso visual, certo, mas no perfeito porque no sei tudo
nem vejo tudo da referida pessoa. Tomemos um exemplo cientfico: os
metais so condutores de eletricidade ou o calor dilata os corpos. Essasproposies tambm so certas, mas tambm no so perfeitas porque no
sabemos tudo a respeito desses fenmenos. As certezas mais perfeitas que
possumos so aquelas que envolvem princpios universais: tudo o que
age, age por uma causa, o todo maior do que as partes, duas
quantidades iguais a uma terceira so iguais entre si. Essas mais perfeitas
certezas que possumos so a certeza metafsica e a certeza
matemtica. Essas certezas podem ser espontneas, ou axiomticas, e
desde logo evidentes; ou demonstradas por um raciocnio perfeito e
tornadas evidentes na concluso. primeira espcie pertencem os
chamados axiomas, e segunda os teoremas como este: a soma dos
ngulos internos do tringulo (na geometria de postulados euclidianos)
igual a dois retos. A certeza matemtica mais perfeita do que a
metafsica porque esgota todas as significaes envolvidas; a certeza
metafsica mais perfeita em razo de seu objeto e no plano mais alto e
mais rico em que se estabelece. Abaixo de ambas est a certeza fsica que
nos vem da intuio dos sentidos, a que nos referimos atrs.
Sistematizemos:
CERTEZA METAFSICA, inicial ou terminal.
CERTEZA MATEMTICA, inicial ou terminal.
CERTEZA FSICA, direta e intuitiva.
Abaixo desta temos as certezas cientficas (fsica, qumica, biolgica, etc.)
que s so certezas pela verificao experimental, ou pela induo dos
casos observados. Tomemos para exemplo um fenmeno universalmente
admirado pela certeza com previsto; um eclipse. Ser correto dizer que os
eclipses so determinados com preciso matemtica? No. Com precisomatemtica s podemos enunciar as realidades imateriais das formas
matemticas. Posso dizer que a tangente de um crculo perpendicular ao
raio que passa pelo ponto de tangncia. Esta proposio tem um rigor
matemtico. Se agora tomssemos um compasso, construssemos um
crculo (agora fsico), e com a rgua trassemos a tangente e o raio,
poderia acontecer que os dois ngulos formados sejam 89 59 e 90 01 ou
895959 e 900001. Se eu trabalhasse com extremo rigor fsico
conseguiria erro cada vez menor, preciso cada vez maior, mas jamais
alcanaria a absoluta preciso matemtica.
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A fsica, por causa da matria envolvida em seus fenmenos, s conhecida
em grau aproximado. E quanto maior for a densidade de dados, maior ser
a impreciso, ou a dificuldade de preciso. O prestgio que cerca os eclipses
vem do simples fato de se tratar de um fenmeno muito isolado e muito
isento de perturbaes. O sistema planetrio que habitamos fica a distnciaprodigiosa dos outros sistemas que possivelmente existam, e por isso
extremamente pequena a probabilidade de uma interferncia de corpo
estranho que venha perturbar a regularidade de nosso relgio planetrio.
Mas essa interferncia no impossvel; o eclipse previsto para o ano de
3000 poder no se realizar, ou se realizar atrasado ou adiantado. E por a
se v que a certeza astronmica no tem o rigor e o absoluto das certezas
metafsicas e matemticas.
medida que se adensa o teor material, e medida que o fenmeno se
torna mais complexo, mais incerta se torna a cincia. Tomemos como
exemplo agora a atitude do mdico diante de um doente que sente tais e
tais coisas. Inicialmente, ao entrar no quarto do doente o mdico est na
estaca zero, mas sua ignorncia no igual a dos leigos na matria que
cercam o doente: ele dispe de uma cincia da normalidade do organismo
humano graas qual poder iniciar a procura, a sada da pura ignorncia.
O segundo passo, proporcionado pelo quadro de sintomas bem explorado,
o de uma dvida entre este ou aquele diagnstico. No terceiro passo h a
forte suspeita, isto , a ntida preferncia para um dos termos da dvida:
diramos que est na pista da certeza. Poder chegar at a convico deque est diante de tal ou qual doena bem determinada. Mas esse
diagnstico ainda no tem por si a evidncia, e, portanto ainda no uma
certeza absoluta. Ser a opinio, ser uma hiptese de trabalho que se
confirmar ou no na continuao do tratamento. Em muitos casos o
mdico poder pedir exames que quase lhe permitam o pronunciamento
categrico sem temor de erro. Uma radiografia, por exemplo, pode
evidenciar a presena de um corpo estranho em algum rgo, a biopse e o
exame microscpico podero evidenciar o mau carter do tumor. Estar
diante da certeza absoluta? Os puristas poderiam objetar: ainda no, porqueo mdico no tem certeza fsica nem metafsica de que os exames em
questo pertencem efetivamente ao caso particular que examina. Ele no
fez os exames pessoalmente, ele no acompanhou a revelao da chapa,
etc., etc. Em termos rigorosos diramos que todo esse conjunto de
confianas tcitas e informuladas, forma o que chamamos certeza moral.
Essa certeza moral, ou de segunda mo, est em todos os atos e decises
de nossa vida, ocupam uma rea imensa de nossa cincia das coisas e dos
homens. Mais adiante voltaremos a esse problema. Agora, voltando ao caso
do mdico, imaginemos um diagnstico de cncer, com a certeza quase
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absoluta que muitas vezes chamamos simplesmente de certeza, que est
diante de um cncer. Perguntem-lhe agora qual a causa do cncer, e qual
sua teraputica: o mdico mostrar logo a situao de dvida em que se
acha o problema, longe da suspeita e da opinio.
3. A F HUMANA.
Entre as coisas que sabemos de modo incerto, com maior ou menor
probabilidade de acerto, vamos distinguir agora:
a) as coisas que sabemos por ns mesmos;
b) e as coisas que sabemos por outro.
As primeiras, de que j falamos no tpico anterior, so aquelas que, para
chegarem certeza, tero de chegar evidncia racional ou evidncia
emprica dos sentidos. Mesmo nessas aquisies diretas, em que nosso
olhar ou nossa prpria inteligncia que v, pode haver interposio de
outras pessoas. No caso anterior vimos que o mdico no tem certeza
metafsica da relao entre a radiografia e a doente. H ainda outro caso de
interposio de pessoa, que no diminui a apropriao da certeza: o caso
do que sabemos porque o professor nos ensinou. Este caso precisa ser
cuidadosamente examinado e divido em dois:
a) sei isto porque o professor me ensinou, e no tenho nenhummeio de ver por mim mesmo se isto verdade ou no; neste
caso o porque o professor me ensinou o prprio critrio de
meu saber;
b) sei que a soma dos ngulos do tringulo (na geometria de
postulados euclidianos) igual a dois retos porque o professor
me ensinou. Neste caso o porque o professor me ensinou s
tem carter de circunstncia: ainda que dificilmente pudssemos
aprender a matemtica inteira sem o professor, o critrio dacincia reside na viso clara que tenho da demonstrao. No
momento em que vi, em que compreendi, o professor
desapareceu e eu estou diante da verdade que se tornou minha
prpria verdade.
O segundo caso recai no que j dissemos no tpico anterior: mas o primeiro
nos leva a considerar um caso muito importante e extremamente difundido
de cincia: o que repousa na autoridade, na confiana que em outro
depositamos. Chamemo-lo de f humana. Tudo o que sabemos, sabemo-lo
primeiro por f humana; poucas so as coisas que sabemos por ns
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mesmos, e dessas, poucas so as que sabemos com certeza, e
pouqussimas as que sabemos com certeza e perfeio.
A f humana o menor dos critrios do saber cientfico; o argumento de
autoridade, com j dizia Santo Toms, o mais fraco dos argumentos. Oestudioso ganha maturidade de esprito medida que passa da f humana
para o conhecimento prprio. Pode-se, entretanto, acrescentar que s
crescer normalmente o esprito que soube esperar a hora conveniente de
ver com seus prprios olhos. A situao ideal entre o professor e o aluno
aquela em que o professor tem empenho de liberar o aluno e v-lo nadar
sozinho, e em que o aluno tem o maior empenho de aproveitar o tempo de
receber e de ouvir. Ser preciso assinalar que o drama de nosso tempo
produz exatamente o contrrio? H professores (demais) cujo sonho ardente
o de teleguiar multides de jovens; e h jovens (demais) que aos dezoito
anos j sabem tudo, e paradoxalmente (e sem saber o que fazem) se
deixam guiar como autmatos.
A f humana est exilada no domnio das cincias; mas est em sua terra
natal na vida social e na convivncia poltica. Por mais que a amarga
experincia nos prove que os homens mentem e atraioam, no h
possibilidade de estruturar um corpo poltico na base da pura desconfiana.
Ponderem bem e considerem a imensa rea de coisas que sabemos, e que
utilizamos, porque outros nos disseram. Obedecemos ao mdico por f
humana; casamo-nos por f humana; marcamos encontros; fundamosinstituies, debruamos sobre as crianas por f humana (e no caso
tambm pela certeza que temos de que devemos praticar o bem e evitar o
mal); votamos por f humana; sabemos que existe o Vietnam por f
humana; e assim por diante.
O mecanismo psicolgico da f humana complexo e variado: compe-se
de um ato de inteligncia (um assentimento) com critrio em um ato por
sua vez composto de inteligncia e vontade (a confiana no outro). Essa
confiana no outro (pai, professor, autor, informante, etc.) no cega nemincondicional; ela nasce do que sabemos dele, do que nos parece ele digno
de crdito. O bom funcionamento da f humana depende essencialmente do
bom discernimento que nos leva a ouvir a pessoa que merece ser ouvida; o
mau funcionamento, que constitui a impostura generalizada das pocas de
crise produzido pelas correntes de difamao e pelas outras de falsa
glorificao. Nos tempos modernos a febre publicitria, e o seu
mercantilismo, tornam quase impraticveis as instituies sociais e polticas
que dependem da f humana. O exerccio da autoridade se enfraquece e
substitudo pela demagogia inculcadora de mentiras.
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Nossa vida religiosa no consiste em atos de f humana, e at se pode dizer
que somos muito exigentes nessa matria, mas no deixa de sofrer grandes
aflies quando sentimos abalados os vnculos normais de estima e
respeito, e, sobretudo quando vemos funcionar mal a camada social de
onde espervamos as melhores lies.
4. A F DIVINA
Depois de todas essa consideraes voltamos ao CREIO que est no eixo de
todos os artigos de f. Trata-se de um assentimento parecido com o de f
humana: creio nisto, naquilo, etc., porque um Outro me disse.... Temos a
a combinao do mais pobre dos critrios de certeza (o da autoridade), e a
mais rica e alta das fianas (a do prprio Deus). Destarte, aquele
assentimento em confiana que, no caso de tratar-se de homem para
homem, freqentemente revela seu fundo de misria, est aqui
transfigurado, por tratar-se de uma comunicao de Deus para o homem,
mas assim mesmo conserva, da parte do homem, seu aspecto de misria.
Apesar do infinito valor da Autoridade, o ato de f sempre para ns
obscuro e enigmtico: Vemos agora em sinais e enigmas.
Mas agora cabe aqui a pergunta: como sabemos que isto nos foi dito por
Deus? Ou ento: como sabemos que a Revelao de origem divina? Se
fomos ns mesmos, ou os papas, ou os apstolos que discerniram o divino
na Revelao, ento fomos ns que julgamos e que decidimos aceitar aAutoridade reveladora, e, portanto, ser ainda humano (e, portanto
enganador por falta da evidncia) o principal do ato de f divina.
Completa-se o processo do ato de f divina com o princpio interno que nos
vem do prprio Deus, que nos d a sua Revelao e que nos capacita, no
interior da alma, nas profundidades, nas razes de nossas faculdades
espirituais, para aderirmos de toda a alma, de todo o corao e de todo o
entendimento, s verdades reveladas. Representando a inteligncia
humana por um olho, e lembrando que toda a comunicao divina nos veiopor seu Verbo, poderamos traar este esquema de nosso ato de F:
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Esta nova pupila que nos permite discernir e ver o divino a virtude
teologal infusa da F divina.
Deus nos atende assim de dois modos: d-nos a notcia externa de seus
mistrios, e d-nos a possibilidade interna de nivelarmos nossa inteligncia
para tal objeto. Mais adiante veremos melhor a riqueza interior que nos vem
dos dons divinos. Desde j convm fixarmos, numa primeira aproximao, a
seguinte noo: o que Deus d alma humana que aceita seus misteriosos
convites (Levanta-te minha amiga, minha bela, e vem!. Ct. 2, 10)
uma qualidade divina, uma marca que excede nossa natureza, que
sobrenatural. Essa marca ou qualidade habitual se chama graa
santificante. Alm dessa forma nova e habitual, Deus d, para todos os
atos sobrenaturais, uma fora, moo, chamada graa atual. Desse
organismo sobrenatural resultam as virtudes e os dons. As virtudes
teologais so a F, a Esperana e a Caridade. Todas elas esto voltadas
para Deus e para o convvio a Ele nos chama.
A F tem por objeto as verdades reveladas.
A Esperana tem por objeto as promessas de vida Eterna.
A Caridade tem por objeto Deus mesmo e seu Amor.
Voltemos composio de nosso ato de F sobrenatural e observemos que
Deus no revela os seus mistrios a cada um de ns, pessoalmente. A
Revelao que se formou gradativamente no Antigo Testamento e que se
consumou com a obra de Cristo e se encerrou na morte do ltimo apstolo
um patrimnio do Povo de Deus. Os primeiros apstolos tiveram a noo
exata de serem uma hierarquia portadora de um Sagrado Depsito
doutrinal. medida que a Igreja se organiza com suas sucessivas vitrias
sobre as heresias dos primeiros sculos, v-se crescer a conscincia de umMagistrio portador das jias da divina revelao. E gradativamente o Povo
de Deus aprendeu a dizer assim:
CREIO nisto, nisto e naquilo PORQUE DEUS REVELOU,
e porque a Santa Madre Igreja ensina.
Analisemos este enunciado. A parte constituda pelos vrios artigos de F
(isto, isto, aquilo, etc.) , digamos assim (usando o hilemorfismo
aristotlico) a matria de nossa F. O PORQUE DEUS ENSINOU a razo
formal de nossa F. O porque a Igreja ensina o circunstancial, mas um
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circunstancial sine qua non. DEUS quis que a Igreja que instituiu fosse o
instrumento de nossa salvao, e instrumento sine qua non. Mas no a
Igreja que nos salva, Deus; nem a Igreja que nos revela, Deus.
E porque ter Deus estabelecido assim o plano de nossa salvao? Nopodemos penetrar os desgnios de Deus, mas podemos procurar certas
razes que entre si vinculem e harmonizem as verdades da F. Podemos
dizer que Deus afeioou seu plano por nossa natureza, que melhor do que
ns Ele conhece. E assim concebeu o plano de nossa redeno em torno do
Verbo Encarnado, em que o prprio Deus assume nossa natureza.
No ato de F, e na posio instrumental da Igreja, h uma considerao
parecida com o ato de conhecimento da razo natural. A inteligncia se
serve dos sentidos, como de seu instrumento: nada est na inteligncia que
no tenha passado pelos sentidos; mas no so os sentidos que conhecem
as notas inteligveis das coisas, a inteligncia.
Tornemos a dizer: a razo formal de nosso CREIO a procedncia divina, e
nesta razo formal, neste essencial de f, como ensina Santo Toms de
Aquino, no entra nada de criado, nem a Igreja, nem os apstolos, nem os
anjos, nada a no ser DEUS: nihil aliud quam Veritas Prima.
5. TUDO OU NADA
Retomemos o esquema estrutural do Credo: Creio em (a, b, c,...) porque
Deus revelou. E consideremos o seguinte: no em cada um dos artigos a,
b, c,... , ponderados e examinados em seus ttulos de credibilidade, que ns
cremos primeiramente, essencialmente na palavra de Deus. Este o
eixo a que se referem, e em que se prendem os artigos a, b, c,...; de onde
conclumos o seguinte: no podemos abandonar um s desses artigos,
porque se eu disser que no creio em c, por exemplo, no somente desse
que eu descreio, e sim do critrio essencial, do motivo formal de nossa F
sobrenatural, isto , da palavra de Deus. E se descreio da palavra de Deusdescreio de todos os outros artigos como revelados. Continuarei a crer na
coleo de artigos de minha escolha, mas ento esse CREIO no ser mais
de F divina, e sim de F humana.
Vamos mais longe: se pretendermos crer com F divina no dado revelado
(Sagrada Escritura e Tradio) com livre interpretao, como querem os
protestantes, e com desprezo pelo que ensina a Igreja, novamente camos
no mesmo engano mortal. No divino esse modo de crer que contraria to
afrontosamente a vontade de Deus, claramente expressa nos evangelhos:
Ide, ensinai a todos os povos, e batizai-os em nome do Pai, do
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Filho e do Esprito Santo, ensinando-os tambm a observar meus
mandamentos e eu estarei convosco at o fim do mundo. (Mt. 28,
19).
aos discpulos, e, portanto ao colgio apostlico, e, por conseguinte Igreja que Jesus d o divino diploma para ensinar as verdades de Deus.
E da se conclui o que era de esperar. Uma vez que o critrio de nosso
assentimento de F divina, ou teologal, a palavra de Deus, primeiro
anunciada pelos profetas, e depois, na plenitude dos tempos confirmada e
completada pelo prprio Verbo Divino, temos de aceitar todos os artigos, e
temos de nos submeter ao condicionamento do Magistrio, sem o qu
perdemos aquele critrio e com ele todo o valor divino de nossa F.
Estamos diante de uma opo sem igual no mundo, e podemos dizer que
Deus espera de ns uma rendio incondicional: tudo ou nada.
H inmeras situaes humanas em que a soluo acertada um meio
termo. Assim acontece quando, por exemplo, queremos regular o uso dos
bens materiais; e assim tambm acontece quando devemos navegar entre
escolhos. Seria, entretanto um erro gravssimo supor que a boa soluo est
sempre no meio termo ou na bissetriz. Costuma-se hoje criticar, apostrofar
as pessoas que em certas situaes de dilema tomam posies
extremadas ou radicais. H tambm inmeros casos em que o acerto
est num extremo e no no meio. A integridade e a totalidade da F estonesse caso.
A F divina constituir para ns a mais bela e adamantina intolerncia; ou a
maior das exigncias feitas aos homens. Seria insustentvel se Deus
mesmo, para tanto, no nos desse a fora interna, a virtude teologal, viso
obscura, mas certa, semente de vida eterna, mas j eternidade diante de
Deus. E para ns especialmente grato lembrarmo-nos de que aparelho, de
que obra, nos vm essa energia espiritual a Cruz de nosso Salvador.
6. F SOBRENATURAL
J mais de uma vez aludimos a esta caracterstica essencial de nossa F. Ela
consiste no teor divino da qualidade criada por Deus nas almas dceis, ou
melhor, consiste no carter sobrenatural de tudo o que deriva da F
divina. Trata-se, pois, de uma qualidade, de uma faculdade, e de operaes
que no pertencem ordem da natureza e sim ordem da graa. E
essa ordem, esse domnio, e essa vida que chamamos de sobrenatural.
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Mas adiante, no momento azado de estudar esses problemas da moral e da
psicologia sobrenatural, completaremos, ou melhor, dilataremos essas
noes. Agora, no podemos dispensar uma referncia mnima a esse
dualismo da vida crist: no podemos prosseguir o estudo de nosso Credo
sem esta advertncia: estamos no domnio das verdades sobrenaturais, cujaaltitude e cuja pureza um dos nossos principais pontos de honra. Mais de
uma vez, ensinando aos seus discpulos, Jesus reage vivamente quando
algum deles tenta puxar para baixo (hoje diramos: horizontalizar) as coisas
da F divina. Um belo exemplo o dia em que o Cristo institua o papado e
elegeu Pedro, primeiro pontfice.
Quando chegavam regio da Cesareia de Filipe, Jesus interrogou seus
discpulos: Quem dizem que o Filho do homem? E eles responderam:
Dizem uns que Joo Batista, outros Elias, outros Jeremias ou algum dos
demais profetas. E Ele: E vs? quem dizeis vs que eu sou? Simo Pedro,
tomando a palavra disse: Vs sois o Cristo, Filho de Deus vivo. Jesus lhe
respondeu: Bem-aventurado s tu, Simo Bar-Jona, porque no foi a carne
e o sangue que te revelaram isto, mas meu Pai que est nos cus. E eu te
digo que tu s pedra, e sobre essa pedra edificarei minha Igreja e as portas
do inferno no prevalecero contra ela. E eu te darei as chaves dos cus....
(Mt. 16, 13).
Mas logo aps, quando anunciava sua paixo, e quando Pedro
intempestivamente quer julgar a obra de Deus com seus critrios, eis a vozsevera que ouve nosso primeiro bom Papa:
Voltando-se para Pedro, Ele diz: Afasta-se de mim Satans! tu me
escandalizas porque (agora) no tens o instinto das coisas de Deus, e sim o
das coisas dos homens.
Saibamos ns, dia a dia, fora de orao, meditao, freqncia dos
sacramentos e estudo, possuir cada vez mais vivo o sentir das coisas de
Deus com os critrios da F pura; e saibamos, com todas as armas doCristo, nos defender do erro principal de nosso tempo, que consiste em
julgar com critrios humanos e temporais as coisas de Deus e da religio
que Ele mesmo nos ensinou. A grande heresia, a grande tentao de nosso
tempo reside nessa temporalizao ou horizontalizao do cristianismo.
Por outro lado, e at por causa do flagelo do naturalismo (que quer
destruir o sobrenatural), lembremo-nos que devemos aos nossos irmos o
benfazejo testemunho de Cristo, e a saudvel refrao nas obras temporais
dos princpios santos que nos purificam o corao.
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CAPTULO II
... EM DEUS PAI TODO PODEROSO
1. O INSTINTO DE DEUS
Em todas as pocas, em todas as civilizaes e em todos os quadro
histricos encontramos sempre no homem, manifestada dos modos mais
variados, a obsessiva idia, a inevitvel crena a que daremos aqui o nome
de instinto de Deus. Pode-se dizer que o homem sempre se moveu entre
duas convices fundamentais nem sempre, entretanto, bem ajustadas: a
primeira lhe dizia que era ele o Rei do mundo visvel, com direito e
capacidade eficaz de exercer o domnio sobre a natureza inferior; a segunda
lhe dizia que ele no era senhor de si mesmo, de sua vida e de sua sorte, e
que o prprio domnio exercido sobre a natureza inferior no era pleno e
absoluto, ao contrrio, pendia de um poder mais alto a que tudo est
submetido.
Nas civilizaes primitivas, onde era frgil o senhorio do homem sobre os
elementos da natureza inferior, entende-se bem que tenha sido o temor a
principal motivao do instinto de Deus. Assim que, movidas pela
insegurana, essas primitivas civilizaes inventaram mil modos de contarcom o apoio das misteriosas potncias escondidas para os negcios da vida
terrestre, e outros mil modos de conjurar as transcendentais irritaes
sobre-humanas, que explicariam as doenas, as calamidades e a derrota
nas armas. Podemos dizer que foi o medo que, primeiro, inventou os
deuses? O poeta pago, materialista, arrogantemente isolado do grande
consenso, deixou-nos este escrnio: primus in orbe deo fecit timor. Nas
civilizaes mais apuradas, tomemos a Grcia no seu esplendor, no o
medo do trovo ou dos animais ferozes que leva a mente humana a buscar
instncias mais altas. A tragdia grega nos mostra motivaes maisprofundas que se traduzem nestes poucos termos: o homem no senhor
de sua sorte. Povoaram os gregos, o cu de deuses intermedirios e quase
humanos, vistosos e claros, mas atrs deles sentiam a presena de um
destino transcendente e at implacvel: moira; e atrs desse decreto
imutvel sentiam ou escondiam o ignoto deo, a quem Scrates quis
obedecer.
Diremos ns, ento, com So Joo Damasceno que o conhecimento da
existncia de Deus naturalmente infuso em todos os seres?.
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Concluiramos ns que evidente a existncia de Deus?
No. A idia de Deus e de sua existncia no evidente, no inata, no
universal como a cincia dos primeiros princpios, nem pode ser anterior
experincia como pretenderam os telogos, como Santo Anselmo, quetentaram a demonstrao apriorstica da existncia de Deus. O que
podemos desde j dizer que Deus se torna visvel nos seus efeitos, e que a
primeira noo, ingenuamente revestida de uma imagerie que depender
da cultura dos povos, um patrimnio universal do senso comum, isto ,
das primeiras e mais espontneas elaboraes da razo tiradas da
experincia.
Existe o mundo exterior nossa conscincia.
O homem se distingue de todos os animais por algo que lhe especfico.
Os filhos devem honrar pai e me.
Existem realidades invisveis.
Deus existe.
Eis a diversas proposies desse primeiro cabedal de sabedoria, no
sistematizado, no integrado em forma de Cincia filosfica, mas j
compendiado numa espcie de credo fundamental da razo natural. Nos
tpicos seguintes tentaremos resumir o tratamento filosfico desse
problema que se inscreve na chamada Teodicia ou tambm Teologia
Natural, onde veremos que, independentemente da F sobrenatural quenos trs um conhecimento mais ntimo de Deus, a simples razo natural j
alcana algum conhecimento de Deus, imperfeito mas certo, e at alcana,
por vrios caminhos, a demonstrao de sua existncia.
Antes de deixarmos este tpico queremos frisar um ponto: os homens que
foram levados a crer num ente supremo pelo medo, ou pelo sentimento de
desamparo, foram mais sensatos e mais inteligentes do que os outros que
deles zombaram. No princpio foi o medo que fabricou os deuses, disse o
materialista pago. E da? Foi efetivamente o medo que motivou, queprovocou o despertar de anseios mais altos da alma; e foi efetivamente o
estado cultural de cada povo que influiu na paramentao da idia central.
Nada disso, entretanto, a no ser para os tolos, mostra que falsa a idia
por causa dos sentimentos menores que a provocaram, e por causa da
variedade de smbolos de que se revestiram. A prpria variedade de
manifestaes prova a existncia de uma idia comum; e o itinerrio que
tomam sempre as motivaes emocionais prova que est na natureza das
coisas, na realidade das coisas, a explicao de tal tendncia.
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Pouco inteligente, muito pouco sensata, ser a atitude produzida nos
homens por certas correntes da histria. Pelo fato de medirem os cus e a
terra, e de fabricarem veculos velozes, os homens se esqueceram dos
antigos temores e da antiga sabedoria, se viciaram a viver no exguo p-
direito de suas realizaes tcnicas e por isso, com prodigiosa insensatez,passaram a dispensar qualquer apelo mais alto, e se puseram de p na
crosta do mundo como se fossem senhores de sua vida e de sua sorte. A
eliminao de Deus pelos transistores e naves espaciais realmente muito
menos razovel e inteligente do que a procura de Deus motivada pelo medo
e pelo sentimento de dependncia.
2. A EXISTNCIA DE DEUS
A noo adivinhada e rusticamente apresentada pelo senso comum deve
ser agora apurada em termos mais rigorosos. Neste tpico, como no
anterior, no abordamos ainda o objeto da F sobrenatural que o mesmo
Deus dos filsofos, visto em maior profundidade, como s se tornou possvel
pela Graa e pela Revelao; no falamos de Deus-Trino e sim de Deus-Uno,
termo da investigao feita com a razo natural.
A Igreja, traduzindo bem a vontade de Deus, no se contenta com a difuso
da notcia sobrenatural, vista somente com sobrenaturais recursos; ela
defende os direitos da razo e faz questo fechada de concatenar a vida da
F na vida da inteligncia. Fides qurens intellectus, dizia Santo Anselmo,tido por iniciador da Escolstica. A F procura a inteligncia. O Conclio
Vaticano I, presidido por Pio IX, e bruscamente dissolvido pela Guerra
Franco-Prussiana, decretou um vigoroso antema contra os que negam
inteligncia humana a possibilidade de um conhecimento de Deus e at de
uma prova de sua existncia.
Existem cinco vias, cinco itinerrios clssicos para a demonstrao
metafsica da existncia de Deus. Tornemos a dizer que no se trata de
demonstrar um artigo de F, que, como diz o Apstolo (Heb. 11, 1): aconvico das coisas que no se vem, e sim de chegar certeza da
existncia de um Ente Supremo, pelos caminhos que o mesmo apstolo
aponta. As perfeies invisveis de Deus se tornaram visveis inteligncia
por meio de suas obras. Por onde se v que os apurados itinerrios da
demonstrao metafsica da existncia de Deus partem da experincia, e
seguem a mesma direo das primeiras elaboraes mais ou menos
rsticas do senso comum.
3. AS CINCO VIAS
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A exposio das famosas cinco vias da demonstrao metafsica da
existncia de Deus, desenvolvidas dentro da corrente aristotlico-tomista,
(ver Santo Toms, Suma Teolgica, I, Q. 2 a 3) envolve dificuldades e
terminologia filosfica que exige preparao prvia.
Tentaremos resumir e simplificar:
PRIMEIRA VIA
Partimos do fato universalmente observado: tudo se move. Entenda-se aqui
o verbo mover no apenas no sentido de deslocamento, mas tambm no
amplo sentido de mudana qualquer. Tudo se move: ora, tudo o que se
move, por outro movido. Com efeito, nada se move por aquilo que est
em potncia para o movimento que produz, e sim pelo que est em ato,
porque mover fazer alguma coisa passar de potncia ao ato, e nada
pode passar da potncia ao ato a no ser por algo que j esteja em ato.
Lembremos aqui a diviso aristotlica de importncia capital: todos os seres
(criados) so compostos de potncia e ato, isto , so j plenamente o que
so (em ato), e sero eventualmente o que podem ser (em potncia). Ora,
se admitssemos que cada ser pode por si mesmo, e em cada linha de
potncia-ato, passar da possibilidade plenitude, no existiria tal diviso, e
tudo seria por si mesmo tudo o que pode ser. E ento tudo seria,
considerado sob o mesmo ngulo, ao mesmo tempo em potncia e em ato,o que absurdo. E ento, para mover-se, o mvel precisa de um motor, o
qual, por sua vez, sendo tambm composto de potncia e ato, movido por
outro, e este por outro ainda, e assim por diante. O inteiro universo, no
espao e no tempo, um encadeamento de coisas movidas umas pelas
outras. Diramos que um jogo de empurra indefinidamente prolongado.
Mas esse prolongamento, esse recurso ao infinito no explica o movimento
de todos os seres compostos de potncia e ato: impe-se razo a
existncia de algo que mova sem necessidade de ser movido. Tal ser, Motor
imvel, ou Ato-puro, aquele supremo Ser a que damos o nome de Deus.
Para tornar mais acessvel o itinerrio desta demonstrao e a invalidez do
recurso ao infinito nmero de elos, imaginemos um comboio de trem de
ferro em que cada carro empurrado, e no se v em nenhum a razo do
prprio movimento. Claro que tanto faz considerar 40 ou 4.000 carros, se
nenhum deles tem o princpio do motor. Mas no se julgue, nesta imagem,
que uma locomotiva explicaria cabalmente o movimento mecnico dos
vages sem necessidade de explicar o prprio. Longe de ser o motor capaz
por si mesmo de explicar o movimento dos vages, a locomotiva por sua
vez empurrada pelo mecanismo de transformao de energia trmica em
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mecnica, o qual, por sua vez foi empurrado por uma srie de fenmenos
qumicos, trmicos e mecnicos na formao do depsito de carvo, da
crosta da Terra, etc., etc.
V-se assim que, pela via da concatenao dos seres compostos empotncia e ato chega-se necessidade de um Ato-puro ou Motor imvel.
SEGUNDA VIA
A segunda via, paralela e anloga primeira, usa a noo de causa eficiente
em vez de usar o movimento. Observamos nas coisas sensveis que existe
uma ordem, uma concatenao de causas eficientes. O que no se encontra
e o que no nos parece possvel que uma coisa do universo sensvel seja
causa dela mesma, pois isto nos levaria a supor que ela seria anterior a si
mesma, o que impossvel. Mas tambm no possvel que tal
encadeamento remonte ao infinito, porque na srie de causas eficientes a
primeira causa das intermedirias, e as intermedirias so causa do
ltimo termo, qualquer que seja o nmero dos intermedirios, sejam eles
numerosos ou raros.
Do outro lado, se suprimirmos a causa suprimiremos os efeitos. Logo, se
no existe a primeira, na ordem das causas, no haver ltima nem
intermedirias. Ora, remontar ao infinito na srie de causas equivale a
suprimir a primeira: em conseqncia no haveria nem efeito ltimo nemcausas intermedirias, o que evidentemente falso. Necessariamente,
ento, a razo exige a Causa Primeira, que ns chamamos Deus.
TERCEIRA VIA
A terceira prova se tira da condio dos seres que so contingentes ou
necessrios. Existem em todo o universo seres contingentes, isto , que
existem mas poderiam no existir; ou melhor, que no tm em si mesmo a
razo de existir. No podemos conceber um universo de seres puramentede aventura ou acaso, e sem nenhuma conexo de necessidade, como quer
uma corrente materialista. A unio de um casal humano pode ser fecunda
ou estril, o filho pode nascer e pode no nascer, e o filho que nasce este
e no aquele por um acaso (j que de muitos modos pode o vulo feminino
ser fecundado). Esse filho que nasce mas poderia no nascer
contingente, no tem em si mesmo tudo para por si s existir. Mas se
nasceu, necessariamente nasceu de um casal humano; tem ento outro sua
razo de ser. O universo inteiro, como disse Jacques Maritain, uma
combinao de natura (necessidade) e aventura (contingncia). Prendem-se
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os seres por esses elos de dependncia; mas novamente diremos que no
se explicaria o universo pelo prolongamento desse encadeado at o infinito.
A congnita fraqueza de todos os seres que vemos, como que pendurados,
exige a existncia de um Ser que em si mesmo tenha sua razo de existir:um ser a-se. E esse ser que chamamos Deus.
QUARTA VIA
Esta quarta via procede dos graus de perfeio que se observam as coisas.
V-se realmente mais ou menos por toda a parte. O universo
hierarquizado e pode-se dizer sem nenhum artifcio que a planta tem uma
perfeio que os minerais no possuem; que os animais tm no
conhecimento sensvel uma perfeio que as plantas ignoram; e que o
homem tem no conhecimento racional uma perfeio que todo o universo
visvel no possui. Ora, o mais e o menos se diz das coisas na medida
diversa em que se aproximam daquilo que realiza a mxima perfeio.
Haver pois algo que soberanamente verdadeiro, soberanamente bom,
soberanamente nobre e tambm, por conseqncia, soberanamente ser.
Dir-se- que o escalonamento ascendente de todos os gneros aponta para
a Suprema Perfeio, que ns chamamos Deus.
QUINTA VIA
A quinta via, diz Santo Toms, remonta a Deus pelo governo das coisas. Ns
vemos que as coisas privadas de conhecimento agem em vista de um fim.
Basta observar as plantas e os animais para ver que no agem ao acaso e
sim segundo uma tendncia que busca o melhor. Consideremos, por
exemplo, a astcia com que as espcies vegetais procuram espalhar as
sementes e atir-las o mais longe possvel da sombra materna e mortfera:
esta inventa um pra-quedas, para cair devagar e oferecer ao vento
maiores oportunidades, aquela inventa uma cpsula explosiva que atira assementes distncia, sem falar nas rvores que confiam aos pssaros e s
abelhas a disseminao que lhes assegura o bem da espcie.
Ora, aquilo que est privado de inteligncia no pode tender a um fim seno
por um agente dotado de inteligncia. Haver ento uma Inteligncia
Suprema governando todas as coisas. E esse agente governador do
mundo que chamamos Deus.
4. A FORA DE PERSUASO DAS CINCO VIAS
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Bastar a leitura atenta dessas cinco vias para convencer algum da
existncia de Deus? No creio que algum respondesse afirmativamente a
essa pergunta. Ns respondemos: no, sem hesitar. Mas ento no
demonstram realmente? Respondemos: demonstram, mas no
demonstram facilmente para todos, nem, em todos, penetram em toda aprofundidade da alma de modo a produzir um abalo em todas as razes da
inteligncia, da vontade e do afeto.
No creio que a exposio de uma dessas vias demonstrativas da existncia
de Deus pudesse converter um descrente: de incio ele no est habituado a
se mover bem entre os princpios metafsicos a implicados; alm disso,
dada a obnubilao da inteligncia trazida pelo pecado original, e dada a
abstrao mental trazida pela confuso cultural do mundo, sem falar nos
interesses afetivos mobilizados pela perigosa aproximao de uma
verdade cheia de conseqncias, o valor demonstrativo do raciocnio no
chega a conquistar a ateno profunda e vital do esprito prisioneiro. Menos
controvertido me parece o valor dessas demonstraes metafsicas para o
homem de F. Elas no traro um acrscimo de F divina, mas traro
harmonia entre a F e a inteligncia que destarte se v envolvida, e como
que levada homenagem devida s coisas da F. Para ns, que mal ou bem
j vivemos as verdades reveladas, bom sabermos at onde alcana a
razo e at onde devem nossas faculdades naturais se elevar na procura de
uma viso melhor de tudo luz da idia de Deus. Dissemos que o
tratamento filosfico da existncia de Deus harmoniza a vida interior docrente; acrescentamos agora que dignifica sua inteligncia. Sem algum
estudo filosfico, sem alguma especulao teolgica (sempre feita com
instrumental filosfico) ficaramos, para a vida da F, na situao dos
imaturos. Essa situao no boa para a salvaguarda da F. Nos dias que
correm encontramos muitos homens que ocuparam a inteligncia com toda
a sorte de conhecimentos exigidos por suas profisses, mas conservaram-se
infantis no catecismo de que s conhecem rudimentos memorizados. Na
primeira volta do caminho da vida largaro a bagagem que lhe parece ser
mera lembrana de coisas idas e vividas, que os anos no trazem mais.
5. OS ARGUMENTOS MORAIS E PSICOLGICOS
Como falaremos de Deus, de sua existncia e de suas perfeies, s
crianas, e aos adolescentes que se aproximam de ns com boa
inquietao?
Antes de tudo, em termos de senso-comum, isto , de idias que resultam
das primeiras elaboraes de nossa razo. s crianas menores falaremos
pelo exemplo do respeito que temos ao Pai do Cu. Sem grande
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inconveniente (apesar de tudo o que dizem os modernos racionalistas da
pastoral catequtica) podemos usar imagens, desde que envolvidas no
sentimento de respeito que ser, para a criana, a principal descoberta. Ela
est habituada a ver nos pais a mais alta instncia do quadro familiar, e
agora, diante do respeito que os pais demonstram pelo Pai do Cu, ela sesente solicitada a ultrapassar os quadros visveis e rotineiros de sua vida.
Em relao ao adulto sem f que nos procura, a atitude semelhante, mas
mais rica de recursos: comeamos pelos lados do senso comum; conforme
as circunstncias usaremos ou no recursos apologticos da defesa da
credibilidade (os vinte sculos da Igreja, a vida religiosa de homens famosos
nas artes e nas cincias, etc.); mas a melhor abordagem proporcionada
pelos argumentos psicolgicos e morais que no demonstram mas
condicionam e abalam mais profundamente as pessoas do que uma
demonstrao metafsica.
Tomemos, por exemplo, a idia de contingncia (Terceira Via) moral e
psicologicamente condicionada. Cada um de ns sente agudamente essa
essencial dependncia de nosso ser em contraste como o alto valor, a alta
dignidade de que somos portadores em face de todo o mundo fsico. Ns
medimos o universo, pesamos os astros, desvendamos os tomos,
liberamos as energias escondidas na matria, mas todos esses ttulos de
glria se contrapem a uma congnita e essencial debilidade. Somos, mas
poderamos no ser. Cada um que nasce o que por uma composio delei e de acaso, um e outro fora de nosso alcance. Nascemos sem ser
ouvidos, aqui estamos, e em cada momento a composio de ser e no ser
manifesta a mais aguda dependncia. Eu, to autnomo, to eu, sou assim
uma leve coisa pendurada no sei at quando, nem sei em qu.
E assim, gemendo, a alma sobe procura duma razo de ser das coisas que
em si mesmas no tm a prpria razo de ser. Hoje estou aqui, hoje fao
previses, clculos, programas, e ouso estender por dias e at anos os
meus projetos insensatos. De repente cruzam-se as rbitas, as minhas e asde outro fenmeno qualquer, e eu tombo.
Nossa infinita dependncia pede explicaes, nosso instinto de imortalidade
da alma, nossa idia de valores que transcendem rotina da vida (e pelos
quais vale a pena dar a vida), tudo nos pede explicaes. A que vim? O que
sou? Aonde vou? Nosso corao inquieto, como disse Santo Agostinho, s
em Deus encontrar verdade e paz. E pelo solcito aproveitamento de
todos esses anseios da alma que podemos aproximar de Deus quem se
aproxima de ns.
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Alguns textos de inspirao divina ou humana podero ajudar a alma
inquieta: Senhor, diante de vs sou como um verdadeiro nada... como
tivestes lembrana de mim para me criar?. So Francisco de Sales usa essa
considerao para sua primeira meditao na Introduo Vida Devota:
Considera que h tantos anos no existias, e teu ser era um verdadeironada. Onde estvamos ns, minha alma, nesse tempo? O mundo j durara
tanto, e de ns no tinha sequer notcias....
Glosando esses sbios motes, escrevemos estas linhas em que se traduzem
as interrogaes angustiadas de um personagem:
Mas naquele tempo eu no existia. Minha me brincava com boneca. Se
por hiptese algum lhe gritasse ao ouvido o meu nome: Jos Maria! Jos
Maria! Ela no teria nenhum sobressalto materno. Eu no era. Nem havia
necessidade de que fosse. O ar do mundo no tinha o menor frmito que
me denunciasse e que me anunciasse. No havia papel cado no cho de
que pudesse dizer: foi o Jos Maria. No havia um livro esquecido numa
cadeira de que pudesse afirmar: do Jos Maria. Nada. Nada. Um nada
branco, transparente, inocente, indolor. Um no ser de que ningum se
poderia lastimar, de que ningum se poderia espantar....
(Lies de Abismo Cap. X).
Por outro lado sou obrigado a reconhecer que medi as distncias dos astros,
compus peras, constru monumentos, desmontei tomos, como se minharaa tivesse o domnio sobre todas as coisas um domnio gradualmente
conquistado, mas, ainda assim, verdadeiro e cada vez maior. Tenho
inteligncia para medir, compor, analisar, e ao mesmo tempo tenho a sorte
frgil das moscas. Poderei razoavelmente pensar tamanho absurdo?
Poderei pensar que seja, como homem, e por puro acaso, o nico ser
inteligente do Cosmos? Poderei pensar que a pura matria, na sua cega
loteria, alcance sucessivamente formas perfeitas que no estavam na
memria e na inteno dos inocentes tomos de hidrognio? Poderei pensar
que no houve inteno, que no houve finalidade na elaborao de umolho? Ou ento deverei dizer que vejo porque tenho olhos e jamais que
tenho olhos para ver?
Todas essas consideraes, que desenvolvem as idias essenciais contidas
naquelas cinco vias, adaptam-se assim as exigncias psicolgicas e morais
de nossa alma, e nos levam a enfrentar uma opo decisiva: ou
prolongamos suas conseqncias e nos aproximamos da idia de Deus; ou
nos detemos e volvemos rotina da vida dispostos a no levar avante tais
investigaes que j pressentimos cheias de exigncias.
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6. EXPERINCIAS DA ALMA
Depois das demonstraes da existncia de Deus, e dos argumentos
morais e psicolgicos, isto depois da especulao metafsica e dialtica
que procura transmitir uma convico com jogos de argumentos, convmagora mencionar as experincias profundas da alma que normalmente nos
levam ao encontro de Deus. H a experincia da admirao diante da
beleza das coisas e a experincia do gosto da verdade, mas acima de todas
h a experincia profunda do bem por si mesmo amado e desejado. Por
qu? Em nome do que me inclino eu diante do Bem, por si mesmo amado e
desejado? Cada homem normal j fez mil vezes essa experincia profunda
na qual sente que no o interesse direito prprio ou alheio que est em
jogo. Quem salva com risco de vida uma criana desconhecida no encontra
nenhuma das motivaes invocadas uma cabal explicao. O imperativo do
bem, livre e amorosamente obedecido, uma das mais profundas e
reveladoras experincias da alma: nela se v um como que instinto certo de
Deus.
Medito durante a noite em meu corao. (Sl. 76, 7).
Podemos dizer que essa iluminao espiritual, essa conversao no ntimo
da alma que predispe o homem para os argumentos, para as
demonstraes, e para a vida da F desabrochada. Ai do homem que se
entrega trepidao constante da vida e foge do silncio-fecundo!
7. NATUREZA E ATRIBUTOS DE DEUS
A filosofia nos ensina que as coisas so para ns inteligveis pela forma,
que , nas coisas, esprito ou reflexo de esprito. Em si mesmas, as coisas
sero mais inteligveis medida que se imaterializam; mas para ns essa
luz de inteligibilidade passa por um mximo no nvel proporcionado a nossa
natureza. Assim que para ns o mximo de clareza se encontra na cincia
fsica, que estuda as formas ou as essncias das coisas corporais, ou nacincia matemtica onde a quantidade, categoria prpria dos seres
materiais, se encontra em estado de decantao abstrata. Da por diante, e
medida que se espiritualiza o ser, cresce nele o fulgor da inteligibilidade,
mas diminui para ns a percepo, como se a luz excessiva nos ofuscasse.
Os antigos diziam que a inteligncia humana, a mais baixa das inteligncias,
padece de certa nictalopia, que v melhor nos ambientes de sombras.
Temos olhos de coruja, e por isso o Sol dos seres, que Deus, visto
dentro de uma grande ofuscao.
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Alm disso, o conbio em que vivem sempre em ns o conhecimento
racional e o sensvel, a cada instante nos estorva. Sim, a cada instante
queremos imagens das coisas espirituais. Mais adiante, quando chegarmos
ao ponto de Encarnao do Verbo, veremos que Deus se relacionou conosco
de modo a atender a exigncia de totalidade de nossa natureza dual.Teremos ento nos Sinais Sagrados uma visibilidade de nosso comrcio com
Deus.
Mas agora, enquanto permanecemos no domnio mais filosfico do que
religioso, preparemo-nos para manter a inteligncia isenta de qualquer
representao sensvel.
Ns diremos a seguir que Deus bondade infinita, infinita inteligncia,
diremos que todo poderoso, que governa o mundo, mas antes de tudo isto
devemos comear pela idia de ser que abrange universalmente, e
analogicamente, tudo o que . E nesta linha podemos dar o primeiro e
principal titulo filosfico de Deus: o ser por excelncia, o ser pleno, o ser
que tem em si mesmo a sua prpria razo: o ser A-SE; e essa aseidade de
Deus, achada pelo filosofo, corresponde bem ao nome que de si mesmo deu
Jav a Moiss: Ego sum qui sum. Eu sou aquele que sou.
Em torno deste primeiro nome filosfico poderamos colocar os outros que
se prendem a eles e que nos foram dados nas vias demonstrativas: ATO
PURO, CAUSA PRIMEIRA, SER A-SE.
Pensemos agora nos atributos de Deus, que dividiremos em negativos e
positivos. Temos, de fato dois modos de erguer o pensamento a Deus, ou
por sucessiva eliminao de imperfeies, ou por procura de perfeies que
existem nas criaturas, mas em Deus atingem grau supremo.
Os atributos negativos so:
SIMPLICIDADE, ou imaterialidade, que exclui qualquer idia decomposio;
IMUTABILIDADE, que exclui a idia de mudana;
ETERNIDADE, que exclua idia de durao;
IMENSIDADE, que exclui a limitao de lugar;
INFINIDADE, que exclui limitao de qualquer perfeio sua;
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UNIDADE, que como a conseqncia lgica de todas as
outras: Deus uno e nico. (Note-se desde j que essa unidade
se refere natureza de Deus, e no exclui a Trindade de Pessoas
vista na F).
Os atributos positivos de Deus so aqueles a que somos levados a pensar
quando seguimos o itinerrio da Quarta Via. Enquanto as outras nos
levavam a sucessivas excluses e nos obrigavam a pensar num supremo
absolutamente isento de tais limitaes, a Quarta Via nos traa o itinerrio
dos graus de perfeio. E nesse itinerrio Deus nos aparece como o Vivo
dos vivos, com infinita capacidade de conhecimento e de amor.
inevitvel, em todas essas consideraes, um certo antropomorfismo, pelo
qual fazemos um Deus nossa imagem. Precisamos usar aqui os mais
fecundos e elsticos recursos da analogia para conseguirmos balbuciar
alguma coisa sobre as perfeies divinas, e devemos anotar que essa
analogia, por audaciosa que seja, no um simples malabarismo verbal, e
sim uma forma de conhecimento circunscrito s coisas visveis e
mensurveis, podemos partir das criaturas, dos efeitos e remontar s
causas supremas.
O apstolo Paulo, para exprimir a transcendncia das perfeies divinas
disse: Ele habita numa luz inacessvel, e nenhum mortal o viu nem pode
v-lo aqui (no mundo) tal como Ele em si-mesmo. (I Tm. 6, 16) Mas omesmo apstolo tambm disse que as perfeies invisveis de Deus se
tornaram visveis inteligncia por meio de sua obra. (Rm. I, 20).
Partimos de sua obra para a demonstrao de sua existncia e para a
enumerao de suas perfeies negativas; agora, para o enunciado das
perfeies positivas partiremos daquela obra mais alta em que o Criador
deixou mais viva a marca de sua imagem e semelhana. Antropomorfismo,
artifcio de criao de figuras homlogas, haveria, e houve todas as vezes
que o esprito humano se contentou com meras metforas que norealizavam a decolagem espiritual que s o conhecimento metafsico pode
proporcionar.
Com a F, a alma humana galga todas essas dificuldades e diz: Abba, Pai!.
Ou diz: Creio em Deus Pai... ou ainda, como o prprio Cristo nos ensinou:
Pai nosso, que estais no cu.... Mas a prpria inteligncia reclama seus
direitos e consegue, no mais tenso de seus exerccios, balbuciar alguma
coisa sobre as perfeies divinas a partir das perfeies humanas. E as duas
afirmaes se completam e se amparam: o ttulo de Pai ajuda a inteligncia
a manter a difcil proporcionalidade de analogia entre o quase nada da
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criatura e o Tudo do Criador; e a elevao da inteligncia ajuda a ver na F
um Pai que transcende todo o universo: o Pai nosso, que est no cu.
Eis as chamadas perfeies positivas de Deus:
SAPINCIA Quo magnficas so tuas obras Senhor, tudo
fizeste com grande sapincia. (Sl. 103, 24).
ONIPOTNCIA Tudo o que quis Deus fez, no cu, na terra, no
mar e em todos os abismos. (Sl. 134, 6).
JUSTIA Tu s justo, Senhor, e teus decretos so equnimes,
e tu os promulgaste segundo a justia e a exata verdade. (Sl.
119, 137).
SANTIDADE Tu s s Santo... (Glria, Lit. da Missa).
BONDADE E MISERICRDIA Como misericordioso o
Senhor para quem o teme. (Sl. LIX, 3).
(Srie CADERNOS PERMANNCIA - 1979)
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