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ESPAÇOS EDUCACIONAIS DO NEGRO NO BRASIL: A QUESTÃO DA
AFRODESCENDÊNCIA ADOTADA NAS POLITICAS AFIRMATIVAS DE
COTAS DA UNIVERSIDADES ESTADUAL DE MONTES CLAROS-
UNIMONTES
Tharcisio Barbosa de Souza Prates1
Tathiane Paraiso da Silva2
RESUMO
Entende-se que as ações afirmativas para a raça negra, especificamente neste trabalho, a
política de cotas, surge como uma forma de beneficiar grupos historicamente excluídos
da sociedade. Assim sendo, essas ações têm por objetivo ofertar oportunidades aos
negros que durante séculos lhe foi negada. Contudo, percebe-se que há uma
diferenciação entre politicas para negros e afrodescendentes, tendo em vista que pelas
abordagens conceituais adotadas no trabalho todo brasileiro pode se declarar como tal.
A metodologia de análise perpassa pelo âmbito qualitativo, pesquisas bibliográficas e
de campo através de entrevistas semiestruturadas aplicadas aos cotistas da modalidade
afrodescendente/carente do curso de Serviço Social e ao pró-reitor de ensino da referida
instituição. Diante disso, considera-se que o sistema de cotas para afrodescendentes,
estaria na verdade beneficiando todo brasileiro independentemente da cor, desde que
seja carente, já que esta é uma especificidade da modalidade em questão.
PALAVRAS CHAVE: Negro, Afrodescendente, Ações Afirmativas, Políticas de Cotas
1 Graduado em Serviço Social pela Universidade Estadual de Montes Claros- UNIMONTES; Residente do Programa
de Residência Multiprofissional em Saúde Mental – UNIMONTES. E-mail – tharcisiogalego@gmail.com
2 Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual de Montes Claros- UNIMONTES; Mestre em
Desenvolvimento Social PPGDS/ UNIMONTES; Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual de
Montes Claros – UNIMONTES. E-mail – tatymoc@hotmail.com
I- Introdução
O sistema de cotas raciais é uma medida implantada com o propósito de
reduzir as desigualdades sociais entre raças, criando oportunidades para aumentar a
diversidade racial no âmbito universitário. Ao longo dos séculos, tem predominado na
história da nossa sociedade a discriminação contra os negros, assim as ações afirmativas
surgem para favorecer um segmento historicamente discriminado e desfavorecido em
consequências de políticas e formas de dominação existentes no passado. Dessa
maneira, essas ações são inseridas na sociedade com o intuito de igualar as
oportunidades e inseri-los num contexto onde tenham seus direitos efetivados.
Essa é uma discussão que fortaleceu no Brasil após a participação na 3ª
conferência mundial de combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia e
intolerância correlata que aconteceu em 2001 na cidade de Durban na África do Sul. A
partir deste momento, alguns estados brasileiros começaram a implantar o sistema de
reserva de vagas raciais e sociais, visto que apesar das melhorias de condições de vida e
da ampliação das oportunidades, os negros ainda continuam sendo minoria nos espaços
de ensino superior.
Mediante essas discussões, vários sistemas educacionais de nível superior
adotaram por meio de leis, reserva de vagas para negros e afrodescendentes. Segundo o
Supremo Tribunal Federal (STF), 42,3% das universidades federais do país têm cotas
para negros e índios. O STF considerou constitucional a adoção de políticas de reserva
de vagas para garantir o acesso de negros e índios a instituições de ensino superior em
todo o país.
O estado de Minas Gerais em 2004, sancionou a lei 15.259/2004 que institui
o sistema de reserva de vagas na Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG e
na Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. Seguindo essa lei, a
Unimontes dispõe de 20% do total de vagas destinadas para quem se declarar
afrodescendentes, desde que seja carente (Art. 3° § 1, lei 15.259/2004). Portanto, o
candidato não precisará necessariamente ser negro para se inserir nesse sistema de
reserva de vagas, fazendo com que haja questionamentos sobre o principal motivo da
implementação desta na Unimontes, tendo em vista que a referida universidade não
apresentou mudança significativa entre brancos e negros mesmo após a efetivação da
lei.
Diante dessas duas circunstâncias, o presente trabalho justifica-se através de
analises ocorrida em estágio na Comissão Técnica de Concursos - COTEC, onde foi
possível perceber a contradição entre o ideal do sistema de reserva de vagas para negro
e o sistema de reserva de vagas para afrodescendentes/carente no qual é aderido pela
Unimontes, tendo em vista que o foco principal nas análises documentais para egresso
por cotas afrodescente/carente é a questão da renda e não da cor do candidato, uma vez
que basta somente a auto declaração. Tais análises também são importantes para melhor
compreensão sobre a diversidade racial no âmbito acadêmico e assim entender melhor
os benefícios do sistema de cotas raciais.
Portanto, o objetivo principal do trabalho é analisar a finalidade do sistema
de cotas raciais para afrodescendentes implantado na Universidade Estadual de Montes
Claros - UNIMONTES a partir da lei estadual 15.259/2004, fazendo uma contraposição
com as cotas destinadas a negros, visto que segundo o artigo 6 da lei 1.228/2010 que
institui o estatuto da igualdade racial onde prega que ações afirmativas são os
programas e medidas adotadas pelo estado e pela iniciativa privada para correção das
desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades (SILVA, 2004).
Perceber e diferenciar tais politicas é essencial para o trabalho.
A partir do levantamento e análise dos dados colhidos juntamente com o
referencial teórico utilizado, o trabalho contribuiu com essa discussão no sentido de
mostrar a deficiência da política afirmativa para afrodescendente na Universidade, tendo
em vista que não atende às demandas do movimento negro ao reivindicar maior
diversidade racial nas universidades. Percebe-se que o sistema para afrodescendente não
surte o mesmo efeito que as cotas específicas para negros, pois o público alvo de tais
políticas é diferenciado.
II- Espaços Educacionais do Negro no Brasil: Breve Retrospecto
As desigualdades de oportunidades referentes às raças e etnias existente em
nossa sociedade estão ligadas a um longo processo histórico. Para melhor compreensão
desse processo, faz-se necessário uma mínima compreensão sobre conceitos de raça.
Segundo Carneiro (1998) a definição de raça é:
a subdivisão de uma espécie, formada pelo conjunto de indivíduos com
caracteres físicos semelhantes, transmitidos por hereditariedade: cor da
pele, forma do crânio e do rosto, tipo de cabelo etc. Raça é um conceito
apenas biológico, relacionado somente a fatores hereditários, não
incluindo condições culturais, sociais ou psicológicas. Para a espécie
humana, a classificação mais comum distingue três raças: branca, negra e
amarela. (CARNEIRO, 1998, p.5).
De acordo com a autora, a raça está ligada a biologia do ser humano, não
incluindo fatores culturais, sociais, ou psicológicos. Assim, ela destaca três raças –
branca negra e amarela. Sabendo disso, é importante analisar a influência que esse
conceito interfere na sociedade, pois determinadas características físicas, como cor da
pele, tipo de cabelo, entre outras, influenciam e até mesmo determina o destino e o lugar
social dos sujeitos no interior da sociedade brasileira.
Segundo Silva (2004) o conceito de raça tem uma conotação política e é
utilizado com frequência nas relações sociais brasileiras. Silva (2004) corrobora a ideia
da autora citada acima, de que a raça está inteiramente ligada à parte biológica, porém é
utilizada politicamente para determinar a inferioridade de uma raça em relação à outra.
Nunca é demais lembrar o peso e o significado destes problemas para o negro no Brasil,
tendo em vistas que as demais raças, branca e amarela, tiveram um contexto histórico
bastante diferenciado, uma vez que o início da atividade geral de formação de atitudes
oferece uma interessante oportunidade para verificação das diversas formas de ação que
colaboram para a determinação desses sujeitos na sociedade.
Essa compreensão de raça citado por Silva (2004) e Carneiro (1998),
fundamenta a concepção de racismo, onde características biológicas determinam a
hierarquia entre os homens. Assim surge como forma de “eliminar” a raça negra a
política do branqueamento, que para Schwarcz (2010) surge como um ideal político, e é
base para um racismo científico. Segundo JACCOUD (2008), essa política surgiu no
Brasil para concretizar a superioridade branca.
É sabido que os conceitos sobre raças e até mesmo etnia e cor não se esgotam
apenas nesses conceitos apresentados, pois existem uma infinidade de bases teóricas que
nos ajudam a elucidar melhor essa discussão, mas para esse trabalho tornam-se
suficientes pois tem-se como objetivo proposto a perspectiva dos espaços educacionais
a partir da politica de cotas adotadas por algumas universidades públicas brasileiras.
O negro desde sua chegada ao Brasil sofre com discriminações e exclusões
da sociedade. Com relação à educação não foi diferente, já que no período escravocrata
a educação era voltada para uma elite, onde principalmente os negros eram excluídos.
De acordo com Silva e Silva (2005):
referir-nos à educação no Brasil, sob a ótica étnico-racial, somos levados
a tratar da desigualdade e da exclusão, no que tange ao acesso aos bancos
escolares, vividas pela população não-branca. Por mais de duzentos anos,
os africanos escravizados não tiveram nenhum tipo de oportunidade de
estudo (SILVA; SILVA, 2005, p.195).
Conforme a citação acima, quando se refere à educação brasileira no
período colonial, lembra-se de uma desigualdade ético-racial onde os negros
escravizados não tiveram nenhuma oportunidade de acesso ao estudo. Ainda de acordo
com Silva e Silva (2005) a escolarização neste período escravocrata era de privilégio e
responsabilidade de senhores e seus filhos homens.
A partir da lei do ventre livre sancionada em 1871, onde os filhos de
escravos nascidos a partir daquela data estavam livres da escravidão, surge uma
discussão do historiador da época Perdigão Malheiro3, onde apresenta a seguinte
questão: “que educação deve receber essas crianças que se tornarão os futuros cidadãos
do Império?”. Esse foi um dos primeiros momentos onde houve uma preocupação real,
no que diz respeito à educação do negro.
Se para os escravos era vedado à educação e o acesso às instituições
públicas de ensino, para seus filhos nascidos livres eram propiciado educação em
espaços compulsórios de formação para o trabalho, fossem orfanatos, fossem
Companhias de Aprendizes do Exército ou Armada (MENEZES e FILHO, 2007 apud
SANTANA E MORAIS, 2009). Dessa maneira, é visto que o ingresso do negro na
educação brasileira da época se deu não para a sua integração na sociedade, mas sim
para fortalecer interesses voltados a produção.
De Acordo com Santana e Morais (2009) por mais que no final do império
alguns negros conseguiram ter acesso às instituições escolares, mesmo que de forma
precária, o estado ainda era omisso no sentido de promover de forma efetiva a educação
das crianças negras nascidas pós à lei do ventre livre ou de ex-escravas, no entanto,
possibilitou que o déficit educacional se instituísse enquanto legado para os
descendentes de escravos, demostrando dessa forma uma desigualdade histórica entre o
acesso de negros e brancos na educação escolar.
Qualquer que seja o âmbito e a dimensão observados, negros e brancos
está desigualmente situado com relação ao acesso às oportunidades. É
3 Antônio Marques Perdigão Malheiros. Viveu entre 1788 e 1960. Jurídico brasileiro e ministro do
supremo tribunal de justiça durante o império brasileiro. Historiador.
assim no mercado de trabalho, na educação e em qualquer outro espaço
da vida brasileira. A herança da escravidão tem sido invocada como
argumento para justificar a situação presente de desvantagem da
população negra. No entanto, este argumento revela-se frágil diante do
longo tempo decorrido desde a extinção do trabalho escravo. A
fragilidade dessa explicação se evidencia quando se observa que as
precárias condições econômicas dos negros, no pós-abolição, não
diferiam muito daquela dos grupos de trabalhadores estrangeiros brancos
que chegaram ao Brasil. Hoje, boa parte da elite econômica, política e
intelectual do país é oriunda desses grupos de imigrante pobres, enquanto
que a situação da maioria da população negra manteve-se quase que
inalterada. Assim, não há como explicar as precárias condições de
existência dos negros hoje, a não ser pelo efeito devastador do racismo
(QUEIROZ, 2002, p.15 apud SANTANA E MORAIS 2009, p.54).
A citação de Queiroz (2002) comprova a desigualdade de oportunidade
entre brancos e negros no decorrer da história da sociedade brasileira. Para Queiroz, não
foi só a herança da escravidão que gerou e ainda gera essa desigualdade, já que mesmo
passando muito tempo desse período, hoje ainda há diferença de oportunidade do
acesso, o mais provável é que esse problema é causado pelo racismo tendo em vista que
os imigrantes europeus se encontravam na mesma condição de pobreza dos negros e
mesmo assim as oportunidades para essa classe se distanciou da condição do negro, pois
muitos desses grupos de imigrantes atualmente faz parte da elite brasileira, situação bem
contrária do negro dessa mesma época.
No século XX, mas precisamente na década de 30, o movimento negro
mobiliza um processo político e educacional entre os negros, já que as ações deste
movimento nesse período eram no sentido de incentivo à população afrodescendente
para a educação. Para Santana e Morais (2009), o movimento negro tinha a preocupação
em prolongar a questão educacional, para isso às ações eram divulgadas em jornais da
imprensa negra, com o objetivo de demonstrar ao negro o caráter emancipatório que a
educação teria nas suas vidas.
É inquestionável a importância da educação tanto para as elites quanto para
as massas (sejam em escolas públicas ou privadas), para tanto a mobilização do
movimento negro foi importantíssima para a sua inclusão nesses espaços de
socialização e aquisição de conhecimento. Além das mobilizações, boa parte dessas
conquistas se deve ao novo entendimento do Estado quanto à necessidade de investir
nesse setor como também um imperativo para o desenvolvimento econômico.
Apesar dos avanços quanto ao acesso e educação do negro, é certo que
muito ainda precisa mudar quanto ao ensino ofertado e ao racismo que ainda persiste
nas instituições escolares. Mesmo que o discurso do Estado seja de alcançar um nível de
educação democrática que respeite as diferenças e realmente inclua todos os cidadãos,
na prática muito tem-se que avançar quanto as práticas pedagógicas e educacionais.
III- O Sistema de Reserva de Vagas “Raciais” na Universidade Estadual de
Montes Claros – UNIMONTES
É possível afirmar que alguns avanços no que se refere à educação do negro
no Brasil, são resultados de luta travada pelo movimento negro brasileiro na busca de
direitos dessa população no país. Diante de um histórico cenário de exclusão do negro e
de outros grupos historicamente excluídos, surge a necessidade de se pensar politicas
que garantisse o mínimo de direitos a esses segmentos.
De Acordo com Gomes (2007), as ações afirmativas são políticas voltadas
para grupos historicamente excluídos da sociedade, são ações sugeridas ou imposta pelo
estado que visa combater as discriminações, minimizando as “diferenças” na qual o
processo histórico culminou. Ainda segundo Gomes (2007), é indispensável que haja
uma conscientização da sociedade acerca da necessidade de eliminar ou minimizar as
desigualdades sociais em detrimento das minorias. As ações afirmativas funcionam,
portanto, como um antídoto razoavelmente eficaz para combater esse mal, tendo em
vista que essas ações não conseguem eliminar por completo as desigualdades sociais.
Segundo Moehlecke (2002) As ações afirmativas destinadas aos negros no
Brasil, surgem como uma ação compensatória, como exemplo a política de cotas, na
qual se destina um percentual de vagas em universidades publicas para negros e
afrodescendentes como uma espécie de compensação a tudo que o negro viveu na
história do país. Ações compensatórias como essas das cotas surgiu ainda de acordo
com essa autora na década de 1980, quando o deputado federal Abdias do Nascimento
“formulou o primeiro projeto de lei propondo uma “ação compensatória” ao afro-
brasileiro em diversas áreas da vida social como reparação pelos séculos de
discriminação sofrida” (MOEHLECKE, 2004, p.758).
A política de cotas raciais para ingresso no ensino superior surgiu no Brasil
como efeito imediato da conferência de Durban. De acordo com Moehlecke (2002), o
governo brasileiro estava atento a demonstrar internacionalmente o seu interesse em
cumprir o que foi elaborado na conferência, em nome do principio de igualdade,
principalmente racial. Dessa maneira, algumas universidades públicas do país, tanto
estaduais quanto federais, instituem leis de reserva de vagas, com especificações a
critério das próprias universidades, onde se destinam vagas para negros e
afrodescendentes.
Essa ação afirmativa busca acelerar o processo de igualdade e diversificação nas
universidades públicas brasileiras, buscando assim, inserir cada vez mais os negros que
historicamente não teve a mesma oportunidade educacional. É importante ressaltar que
no Brasil, a raça negra é maioria na população, e o acesso à educação superior são para
poucos.
O sistema de cotas nas universidades públicas foi um grande avanço no
combate a desigualdade racial no Brasil, visto que essa conquista é decorrente de uma
ardente luta dos movimentos negros que durante anos agiu em defesa da população
negra, buscando combater o racismo que perdura até os dias de hoje.
A Unimontes aderiu ao sistema de reserva de vagas no ano de 2005 através
da lei 15259/2004 de 27/07/2004 na qual reserva no mínimo 45% das vagas para
afrodescendentes desde que sejam carentes, indígenas, portadores de deficiência e
estudantes que tenham estudado integralmente o ensino médio em escolas da rede
pública desde que sejam carentes. Desses 45%, 25% são destinados ao
afrodescendente/carente que de acordo com a lei carente aquele que possuir, no seu
âmbito familiar, renda per-capta inferior a um salário mínimo e o afrodescendente
aquele que se autodeclarar como tal.
Pode-se afirmar que a Unimontes tem uma importância significativa para a
região, já que, juntamente com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
compõe as únicas duas instituições a oferecerem cursos gratuitos em Montes Claros-
MG.
A discussão proposta nesse trabalho, em torno dos modos pelos quais tem se
dado a política de cotas na Universidade em questão, justifica-se pela relevância de seu
papel na sociedade em que se vê inserida, lembrando o potencial trazido por tal política,
de aumento das oportunidades de acesso ao ensino superior à população negra, de
resgate da cidadania e conquista de uma vida mais digna.
É visto que há uma grande diferença na relação entre as universidades
citadas na questão da reserva de vagas raciais, enquanto uma reserva exclusivamente
para a população negra, considerando a cor, a outra cobra apenas a autodeclaração como
sendo afrodescendente. Mas como diferenciar os negros dos afrodescendentes?
A diferenciação entre negros e afrodescendentes parte principalmente da
miscigenação que é fator importante da formação da sociedade brasileira, já que ela se
formou através da composição de três raças principais, brancos, negros e índios fazendo
com que a população brasileira se tornasse um povo de várias cores.
Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não
na alma e no corpo – há muita gente de jenipapo ou mancha mongólica
pelo Brasil – a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro.
[...] A influência direta, ou vaga e remota, do africano (FREYRE, 1990,
p.307 apud SANTOS, 2002, p.155).
De acordo com Freyre (1990), a miscigenação fez com que todo brasileiro,
independentemente da sua cor da pele ou cor do cabelo, carregasse um pouco da
descendência africana, com isso todo brasileiro pode ser considerado afrodescendente,
porém nem todos são negros.
Diferentemente do afrodescendente, o individuo para ser negro precisa
necessariamente ter a cor preta ou parda, conforme dito por Gomes (2007):
A discussão sobre relações raciais no Brasil é permeada por uma
diversidade de termos e conceitos (...) negros são denominados aqui as
pessoas classificadas como pretas e pardas nos censos demográficos
realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
(GOMES, 2007, p. 39 apud Rocha, 2010 p. 900).
O sistema da Unimontes ao reservar vagas para afrodescendentes permite
que pessoas “não negras” adentrem a Universidade fazendo que haja contrariedade
entre esses sistemas e a política de cotas criada inicialmente onde surge como uma
política compensatória.
O que é levado em consideração aqui é o pensamento de Oracy Nogueira,
onde percebe-se uma contradição em algumas políticas de reserva de vagas em
universidades públicas no Brasil, como por exemplo, o sistema implantado na
Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), que leva em consideração à
autodeclaração do candidato que queira concorrer à reserva de vagas racial da
instituição. Com isso, de acordo com toda a discussão, o sistema adotado na Unimontes
não favorece ao negro, mas sim, todo brasileiro que seja carente e se declare
afrodescendente. Sendo assim, percebe-se que a política de cotas “diversidade na
universidade” criada a partir da lei federal 10.558/2002 não funciona em plena forma
nesta universidade.
A fala do pró-reitor da universidade fortalece o que foi explicitado acima
quando perguntado se qualquer brasileiro independente da cor poderá concorrer à vaga
na categoria afrodescendente/carente:
Sim, por que afrodescendente como falamos inicialmente é o descendente
da África. A cor da pele é um indicativo, porém não o único. Mas é auto
relatada (Pró-Reitor de Ensino da Unimontes).
A questão entre a diferenciação do afrodescendente e do negro perpassa por
uma longa discussão, visto que são termos que se confundem. Percebe-se através das
entrevistas com os cotistas, que há divergências nas respostas quando perguntado o que
seria o afrodescendente, já que alguns disseram que estava ligado à raça negra, e outros
ao dizer que todo brasileiro é afrodescendente devido à mistura de raças,
compartilhando com a ideia de Freyre (1990).
Diante da discussão apresentada, através das entrevistas e embasado
principalmente na discussão de Gilberto Freyre (1990), é entendido que o sistema de
reserva de vagas afrodescendente/carente da Unimontes pode beneficiar qualquer
brasileiro que seja carente, contradizendo a diversidade racial prevista no sistema de
cotas para negros.
Tendo em vista a questão da reserva de vagas para afrodescendente da
Unimontes, foi questionado para o pró-reitor o motivo pelo qual a universidade não
adotou o sistema de cotas para negros, observando que dessa forma contemplaria o
objetivo principal deste sistema diversificando o ambiente acadêmico entre raças.
Surpreende-se pela resposta dada pelo entrevistado ao afirmar que:
na verdade no Brasil não tem negro. [...] por que ele atenderia a quem? É
pra atender qual público? Uma vez que o estado de Minas Gerais, tirando
as comunidades quilombolas que ai seria exclusivo pra ele, talvez seriam
um sistema de reserva de vagas para os quilombolas, mas tirando as
comunidades quilombolas onde eu acharia esses negros? (Pró-Reitor de
Ensino da Unimontes).
A ideia de que não existe negro no Brasil, como foi falado pelo pró-reitor
de ensino da Unimontes, perpassa para a discussão do mito da democracia racial, onde
afirma que não há mais raças puras em nossa sociedade devido o processo de
miscigenação que tivemos durante todo nosso processo histórico. Contudo, mesmo o
povo brasileiro sendo miscigenado, no qual teria deixado nossa população
“homogênea”, não é possível afirmar que tal mistura racial acabasse com a desigualdade
e discriminação que essa população sofreu e ainda sofre nos dias atuais. O combate
desta ideia “democracia racial” ganha força principalmente partir da década de 1970,
quando o movimento negro começa a enfrentar esse conceito, buscando desmitificar a
existência do racismo em nossa sociedade. Sendo assim, as ações afirmativas surge
como forma importante para que sejam superadas as desigualdades existentes entre
negros e brancos no país.
Diante dessa discussão, percebe-se que o sistema de reserva de vagas para
afrodescendente/carente da Unimontes não é uma cota racial, e sim uma cota social, já
que o candidato precisa comprovar apenas sua carência.
A Unimontes ao reservar vagas aos afrodescendentes que sejam carentes,
faz com que haja uma espécie de enegrecimento (oportunismo) da população invertendo
a situação apresentada por Ferreira (2012), onde a população negra para fugir do
racismo e preconceito se escondia atrás de termos como moreno. Como o sistema
obriga o candidato a se declarar como afrodescendente para concorrer a vaga, pessoas
de cor clara, que talvez em uma outra ocasião não se declararia como tal, passa a alegar
tal conceito para que possa se beneficiar desses sistema.
Esse oportunismo dificulta o processo de entrada dos estudantes que
realmente eram para ser beneficiados com as cotas nessa categoria, tendo em vista que
facilita a entrada de pessoas que não se enquadram em outra modalidade, como por
exemplo, os alunos que sempre estudaram em escola particular - que mesmo sendo
carente, tiveram a oportunidade de ter uma educação melhor que a ofertada pelo ensino
público - por não poderem concorrer a vagas na categoria de egressos de escola
pública/carente encontram na modalidade afrodescendente/carente uma brecha para sua
inserção na universidade.
As entrevistas com os cotistas do curso de serviço social da Unimontes
deixa isso explicito, já que quando perguntado aos entrevistados qual cor eles se
declaram, percebe-se que dois deles, visivelmente de pele clara, se declara como parda e
outra como negra, deixando claro que as pessoas mudam de opinião dependendo do
benefício individual que vão obter.
IV- Considerações Finais
De forma geral, o objetivo do trabalho era fazer uma analise crítica ao
sistema de reserva de vagas destinado para afrodescendente em boa parte das
universidades públicas desse pais, nesse caso especificamente da Universidade Estadual
de Montes Claros – UNIMONTES, tendo em vista que tal política se confunde com as
cotas raciais destinada especificamente para negros, que gera constrangimento aos
alunos, que não são negros, no qual se inseriram nesse sistema, pois a falta de
conhecimento da maioria faz com que surgem questionamentos sobre tal modalidade,
criticando o indivíduo de cor clara que ingressou por essa categoria.
As análises postas em todo trabalho, demonstrou que afrodescendente é todo
aquele originário da África, portando, todo processo histórico de colonização e
miscigenação ocorrido na sociedade brasileira, fez com que fosse impossível afirmar
que alguém, mesmo de cor clara, não tenha nenhuma descendência de africanos.
O que se buscou nessa pesquisa foi analisar a finalidade do sistema de
reserva de vagas afrodescendente/carente da Unimontes, tendo em vista que a grande
discussão no país é a eliminação da exclusão de uma raça do espaço acadêmico.
Portanto deve-se considerar que esses sempre estiveram em um patamar de
inferioridade imposta pela sociedade branca delegando sempre funções de pouco
prestígio e valor social. A inserção do negro no âmbito acadêmico possibilitaria,
portanto, maiores oportunidades, que sempre foram escassas ou nulas, a uma maior
ascensão social.
As políticas afirmativas vêm de encontro às demandas do movimento negro
que sempre reivindicou por uma igualdade de oportunidade entre raças, buscando
garantir direitos que sempre foi negado para essa população. As cotas raciais surgem
nesse contexto como uma vitória do movimento negro, pois pela primeira vez, a
discussão pautada em torno do negro, ultrapassou as barreiras do racismo.
Sabe-se que as cotas raciais é um assunto bastante debatido, tendo em vista
que existem numerosas discussões contra tal política, pois o principal questionamento
desses é que todos são iguais e possuem a mesma capacidade inserção na universidade.
Contudo percebe-se que, os negros sempre fizeram parte de um processo excludente,
onde as oportunidades não eram iguais entre brancos e negros e isso perpetua até os dias
atuais com varias manifestações e racismo com esses sujeitos.
A defesa desse posicionamento é justamente por considerar que o processo
de exclusão do negro em nossa sociedade, atenuou as oportunidades deste segmento,
por isso, as ações afirmativas surgem de forma compensatória a esse processo
discriminatório pelo qual foi imposta ao negro.
Considerando esses aspectos, surge a indagação sobre as cotas para
afrodescendente e não para negros, qual a finalidade? Uma vez que, tal política adotada
na Unimontes, ocorrida através da lei estadual 15.259/2004, beneficia somente o
candidato carente, dando brechas assim, àqueles que não sofrem preconceito devido sua
cor ratificando o que é explicitado por Oracy Nogueira (2006) como preconceito de
marca, ou seja, sofre discriminação os sujeito pertencentes a raça negra.
A própria instituição por considerar a demanda de negros insuficiente para a
universidade, segundo o pró-reitor de ensino, pois para ele só existe negros em
quilombos, revela a problemática gerada em torno dos termos utilizados para a reserva
de vagas, sem levar em consideração de fato os conceitos de tais elementos – negro e
afrodescendente, pois se o alvo é o público carente porque utilizar o termo
afrodescendente para nomear a categoria? A utilização desse termo só gera dúvidas e
questionamentos a respeito do sistema adotado pela instituição analisada.
Por fim, através das observações realizadas no presente trabalho, propõe-se
que a Unimontes insira o sistema de reserva de vagas para negro e não para
afrodescendente como está presente atualmente na universidade, visto que o atual
sistema não destina especificamente vagas para negros, já que todo brasileiro pode se
autodeclarar como tal, sendo assim pode-se afirma que a Unimontes reserva vagas para
o candidato carente, onde ser carente é a única especificidade deste sistema.
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