formaÇÃo de redes nas mÍdias sociais: processos, relaÇÕes e capital social
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FORMAÇÃO DE REDES NAS MÍDIAS SOCIAIS: PROCESSOS, RELAÇÕES E
CAPITAL SOCIAL
Por Monica Franchi Carniello
Resumo
Uma das características do ambiente midiático contemporâneo é a possibilidade relacional viabilizada pelas mídias estruturadas em rede. Esse artigo tem como objetivo discutir o processo de formação de redes nas mídias digitais, de maneira a compreender como se articulam a sociabilidade e os processos de formação de capital social nesse contexto. Para tal, foi construída uma revisão de literatura pautada no conceito de redes, no ambiente midiático contemporâneo e na concepção de capital social. A pesquisa caracteriza-se como exploratória, com abordagem qualitativa e coleta de dados por meio de entrevistas, conduzidas com atores sociais atuantes em redes em ambiente on line. Verificou-se que um dos representativos elos de ligação da sociedade é a informação, uma vez que é o compartilhamento de informações que agrupa as redes nas mídias sociais, fomentando o capital social de ponte.
Palavras-chave: comunicação digital; redes; capital social; mídias sociais.
Introdução
A inovação tecnológica é uma característica marcante do século XX, que altera
vários campos da atuação humana, dentre as quais as mídias. O processo de digitalização
dos meios de comunicação, que viabilizou a reestruturação organizacional midiática para
a forma de rede, ampliou o acesso dos usuários, gerou novas possibilidades de produção
de conteúdo, difundiu as ferramentas de produção de conteúdo, rompeu com a
hegemonia dos grandes grupos de mídia e, portanto potencializou em grande dimensão a
comunicação humana. Ao ampliar os fluxos comunicativos, necessariamente promove a
interação social e gera novas oportunidades de socialização que extrapolam os limites
geográficos, configurando uma espacialidade interacional específica.
Esse contexto, que se consolida na primeira década do século XXI, quando as
especificidades do que se denomina cultura digital se delineiam com mais precisão,
resulta em formas de interação e agrupamentos sociais específicos, bem como em diversas
aplicações da comunicação digital por parte de indivíduos, instituições formais e não
formais.
Os agrupamentos humanos se estruturam em redes sociais, compreendidas como
“estruturas dinâmicas e complexas formadas por pessoas com valores e/ou objetivos em
comum, interligadas de forma horizontal e predominantemente descentralizada”
(SOUZA; QUANDT, 2008, p.34). Em ambiente midiático, as redes se tornam ainda mais
evidentes como uma dimensão da sociedade contemporânea, e os fluxos de comunicação
são elemento essencial dessa forma de organização humana.
As perspectivas e abordagens sobre esse processo sociocomunicativo advém de
áreas do conhecimento distintas, tais quais a Psicologia, Sociologia, Antropologia,
oscilando entre posicionamentos que foram elencados com Heim (1999, p.31-45) como
realistas ingênuos, idealistas e céticos. Independente do olhar analítico adotado, é fato que
o tema é passível de estudo devido a presença ostensiva das mídias no cotidiano,
permeando relações de trabalho, consumo e pessoais. Segundo Wolton, 2003, p.107), as
novas tecnologias "estão em todos os lugares, no trabalho, no lazer, nos serviços, na
educação..."
O foco dessa pesquisa está nas relações manifestadas nas mídias sociais, que
consistem nas mídias que em sua essência se constituem como colaborativas. “Refiro-me
às mídias sociais como o conjunto de todos os tipos e formas de mídias colaborativas”
(TORRES, 2009, p. 113). Mayfield (2007, s/p) afirma que "as mídias sociais constituem
ferramentas com características Web 2.0, ou seja, possibilitam a elaboração, o intercâmbio
e o compartilhamento de experiências, comentários, dentre outros, instituindo uma
conectividade entre fonte e recepção" Se possuem a integração entre os usuários como
premissa, viabilizam, portanto, relações sociais entre indivíduos, o que por sua vez
possibilita a formação de redes sociais, compreendidas como agrupamentos de usuários
com origens, finalidades e atuações distintas. Como a convergência das mídias implica a
circulação e reconfiguração das mensagens entre as mídias, que operam em uma
plataforma única, a digital, a distinção do conteúdo e usos torna-se mais sutil e difícil de
identificar, em função da hibridização de sua finalidade.
O objetivo desse artigo é discutir o processo de formação de redes nas mídias
digitais, de maneira a compreender como se articulam a sociabilidade e os processos de
comunicação nesse contexto e sua relação com formação de capital social. Para tal, faz-se
necessário abordar os conceitos de redes sociais e sua tipologia; de mídias sociais; bem
como de capital social, que se ambientam no contexto midiático contemporâneo.
1. Referencial teórico
1.1. Caracterização do contexto midiático contemporâneo
Para compreender as relações entre mídia e tecnologia, toma-se como referência
conceitual a definição de Pross (1971), que estabeleceu uma categorização das mídias que
permite a compreensão da evolução das mídias e tecnologias de comunicação
desenvolvidas pelo homem.
A proposição de Pross está na classificação das mídias em primária, secundária e
terciária. A mídia primária pode ser compreendida como o próprio corpo e suas
potencialidades físicas, sensoriais e cognitivas, já que, nessa instância, o processo de
comunicação se dá sem o uso de quaisquer aparatos. O diálogo presencial é a melhor
ilustração da mídia primária.
Já na mídia secundária o emissor faz uso de aparatos para se comunicar, tais
quais papel e caneta, por exemplo, e o emissor decodifica a mensagem sem a necessidade
de qualquer aparato. Nessa fase a tecnologia já se faz presente no processo de
comunicação, cuja mediação imprime maior grau de complexidade aos fluxos
comunicacionais.
Na chamada mídia terciária, ainda segundo Pross, emissor e receptor fazem uso
de aparatos para a viabilização do processo de comunicação, o que contempla as mídias
eletrônicas e digitais, todas pautadas em complexos aparelhos de codificação e
decodificação. Ressalta-se que as três dimensões midiáticas coexistem na sociedade.
Conforme tecnologias passaram a ser utilizadas com fins de ampliação dos fluxos
de comunicação, novas possibilidades de interação se delineiam. Essas possibilidades de
interação, bem como a própria concepção de interatividade, se refletem nas teorias da
comunicação que foram formuladas a partir dos estudos midiáticos.
Retomando uma das teorias da comunicação de massa pioneiras, datada do
início do século XX, a Teoria Hipodérmica, definida como “um processo iniciado nos
meios de comunicação, que atingem os indivíduos provocando determinados efeitos”
(ARAÚJO, 2007, p.126) bem reflete uma primeira leitura que concebia os fluxos de
comunicação como via de mão única, e as mídias como onipotentes. As características das
mídias existentes na época conduziram a essa leitura das mídias, bem como o estado da
arte dos conceitos e estudos sociológicos vigentes na época. Em tal concepção, obviamente
superada, a presença de interatividade é mínima e talvez pouco percebida e discutida,
uma vez que o conceito se forma de maneira mais consistente em um período posterior.
Nas teorias que sucedem essa primeira abordagem da comunicação, especialmente da
escola norte-americana, observa-se uma gradual ruptura com a concepção de um receptor
passivo, o que abre uma porta para a reflexão sobre a interatividade das mídias.
McLuhan (1974) permeia, de certo modo, a perspectiva de interatividade ao
categorizar os meios de comunicação em meios quentes e meios frios. Segundo o autor, o
meio quente prolonga um único de nossos sentidos, com uma alta saturação de dados
(por ele denominado de “alta definição”) como é o caso da fotografia e do rádio, que não
deixam muita coisa a ser complementada ou preenchida pelo receptor da mensagem.
Verifica-se, portanto, a identificação de baixa interatividade. Já os meios frios, segundo
McLuhan (1974), proporcionam mais envolvimento, com maior profundidade e expressão
integral, dentre os quais estão o telefone e a fala. Verifica-se um maior nível de
interatividade nos meios frios. Para o autor, os meios quentes excluem e os meios frios
incluem.
Tal concepção reflete um contexto midiático pautado prioritariamente nas mídias
eletrônicas e impressas, que consolidaram a comunicação de massa, que se reconfigura
com o advento das mídias digitais estruturadas em rede. “Os meios de comunicação de
massa constituem apenas uma pequena parte de uma indústria da informação que é cada
vez mais dependente das ferramentas de distribuição da Internet para entregar seus
produtos” (DIZARD JUNIOR, 1998, p.25). A concepção da comunicação de massa implica
na baixa interação entre emissor e receptor e entre receptor e mensagem, premissas da
interatividade. No contexto contemporâneo da comunicação emissor e receptor não
existem mais isoladamente, emergindo a figura do emissor-receptor.
Apesar da superação da categorização de McLuhan (1974) em meios quentes e
meios frios, o autor nos deixa uma perspectiva para nortear a atualização do seu
pensamento no novo cenário midiático, ao afirmar que "os efeitos da tecnologia
comunicativa não ocorrem aos níveis das opiniões e dos conceitos: eles se manifestam nas
relações entre os sentidos e nas estruturas da percepção"(Mc LUHAN, 1971, p.52).
A convergência das mídias resultou em uma unidade de plataforma, a linguagem
digital, porém gerou também uma multiplicidade de aparelhos, todos compatíveis com
uma metamídia: o computador. As mídias adquiriram a possibilidade da emulação, ou
seja, de incorporação de uma a outra, apropriando-se de suas funções e possibilidades.
A tecnologia trouxe também o chamado « tempo zero da comunicação »,
aproximando o processo de comunicação mediado por máquinas ao tempo real. Com o
rompimento das fronteiras do tempo e do espaço, tudo passa a ficar exposto.
Uma das diferenças entre as chamadas novas mídias em relação às mídias
tradicionais, conforme destaca Manovich (2001), é a representação numérica, ou seja,
todas as informações das mídias digitais podem ser colocados em termos matemáticos,
podem ser manipulados e programáveis. A representação digital faz com que toda
imagem seja inerentemente mutável, criando signos eternamente modificáveis. Se as
mídias analógicas foram necessárias para o funcionamento de uma sociedade de massa,
que consagrou a emergência e consolidação da atividade publicitária, a maleabilidade das
mídias digitais vai proporcionar exatamente a possibilidade de interferência da
mensagem (manipulação) por parte dos usuários
A modularização ou estrutura fractal das mídias também é uma característica
específica das mídias digitais. As combinações dos “módulos” podem se dar de infinitas
formas, como é o caso do conteúdo da world wide web. Essa possibilidade combinatória
reformula o olhar do espectador, que desenvolve novos processos cognitivos de leitura
baseados na não-linearidade da informação.
Outro ponto característico das mídias digitais, ainda conforme Manovich (2001),
é a questão da automação. Nas novas mídias, várias operações de criação, manipulação e
acesso são desempenhados pelas máquinas e softwares, o que elimina, pelo menos em
parte, o processo criativo, ou o desloca para outras fases do processo.
Miconi (2008, p.146) observa que vivemos uma fase prolongada de transição, "na
qual as velhas e as novas formas de comunicação se entrelaçam e se sobrepõem num
duplo movimento de adequação das mídias generalistas e alguns tipos de inovações [...] e
de enquadramento de algumas estruturas tradicionais de sentido nas novas plataformas
[...]."
É fato que as mídias digitais proporcionaram leituras distintas do mundo.
"The interface shapes how the computer users conceives of the computer itself. [...] By
organizing computer data in particulars ways, the interface provides distinct models of the world".
(MANOVICH, 2000, p.64-65)
É nesse contexto, marcado pela co-produção de conteúdo, viabilizado pela
interatividade, que se ambientam as chamadas comunidades virtuais, grupos que se
relacionam por meio das mídias sociais, constituindo redes sociais. "A Internet permite
conversas entre seres humanos que eram simplesmente impossíveis em uma era de
comunicação de massas" (LEVINE et al., 2000, p.12). Tais possibilidades relacionais
modificam a formação e os processos sociais.
Segundo Di Felice (2008, p.20) o elemento midiático e os aspectos tecnológicos
sempre modificaram a vida pública, transformando o "acesso ao debate e à participação
em um fato técnico-comunicativo".
Esse contexto remodela a sociedade contemporânea, que passa a se configurar
como uma "sociedade em rede"(CASTELLS, 1996).
1.2. A perspectiva da sociedade em rede
As redes se configuram como uma nova forma de organização das atividades
humanas, potencializadas e evidenciadas pelos sistemas de comunicação
contemporâneos. Castells (1996) compreende esse fenômeno como uma nova estrutura
social, que fundamenta o que ele designou de "sociedade em rede".
É possível identificar alguns dos principais efeitos da sociedade em rede, entre
eles o processo de individualização das mídias, o que Miconi (2008) nomeou como
personal media, que se refere à "customização" do conteúdo midiático à escala individual.
Outro efeito é a emergência de novas formas de agregação social, foco de estudo dessa
pesquisa, viabilizado pela estrutura de comunicação em rede.
Ao compreender a sociedade contemporânea com uma organização na qual a
rede é a estrutura principal, Castells (1996) visualiza a Internet como viabilizadora de uma
configuração social, superando a leitura simplista de resumi-la em um sistema fractal.
Importante ressaltar que o conceito de rede extrapola os limites da mídia, e sim se aplica à
estrutura social como um todo, evitando uma leitura determinista de que a mídia define a
organização sociedade, negligenciando as outras variáveis que incidem sobre a dinâmica
social.
As redes constituem uma proposta democrática de realização do trabalho coletivo e de circulação do fluxo de informações, elementos essenciais para o processo cotidiano de transformação. [...] Uma estrutura em rede – que é uma alternativa a estrutura piramidal – correspondente também ao que seu próprio nome indica: seus integrantes se ligam horizontalmente a todos os demais, diretamente ou através dos que os cercam (WHITAKER, 2007, p. 4).
Segundo Duarte, Quandt e Souza (2008, p.14), "[...] grande parte das estruturas
cognitivas, infra-estruturais e sociais, em um futuro próximo, funcionará sob a forma de
redes, ou estarão sob sua influência direta". Tal configuração social impacta nos valores e
estruturas organizacionais existentes até então. Conforme Rifkin (2000, p.11), "essa nova
era vê as redes tomarem o lugar dos mercados e a noção de espaço substituir a de
propriedade" [tradução da autora].
Torna-se necessário compreender como são articuladas as redes. Rheingold (2002)
destaca características da organização das pessoas na era digital:
- ausência de um controle centralizador imposto;
- autônoma natureza das subunidades;
- alta conectividade entre as subunidades, e
- casualidade não-linear de iguais influenciando iguais. [tradução nossa]
Castells (1996, p.191), responsável por cunhar e disseminar o termo "sociedade
em rede"em ambiente acadêmico, identifica cinco tipos de redes, sob a perspectiva da
nova economia: redes de fornecedores; redes de produtores; redes de clientes; redes de
alianças; redes de cooperação tecnológica.
O conceito de rede pode ser identificado em sistemas estruturais de seres vivos,
bem como ser transposta para o campo social, enfoque desse estudo. Capra (2008, p.22)
afirma que “redes sociais são, acima de tudo, redes de comunicação que envolvem
linguagem simbólica, restrições culturais, relações de poder etc.”. Ora, se são sistemas de
comunicação, com o advento das mídias digitais, as redes sociais foram potencializadas. O
autor destaca ainda que “os sistemas sociais trocam informações e ideias em redes de
comunicação”. Para ele, as redes sociais fundamentam-se no reino do sentido. E
fortalecida, assim, a relação das redes sociais com a comunicação, expressa na emergência
das mídias sociais. Portanto, a emergência das redes afeta estruturalmente a sociedade, no
campo cognitivo e organizacional.
Nesse trabalho, ressalta-se a distinção entre redes sociais e mídias sociais,
partindo da premissa de que as redes sociais existem também em ambiente off line.
"Redes sociais são estruturas dinâmicas e complexas formadas por pessoas com
valores e/ou objetivos em comum, interligadas de forma horizontal e predominantemente
descentralizada" (SOUZA e QUANDT, 2008, p.34). As mídias sociais são elementos
potencializadores de formação de redes sociais.
Souza e Quandt (2008, p. 35) destacam algumas características gerais das redes
sociais, com ênfase nas que se formam e/ ou atuam por meio das mídias sociais:
- redes sociais podem assumir diferentes formatos e níveis de formalidade no
decorrer do tempo.
- redes sociais podem surgir em torno de objetivos diversos: políticos,
econômicos, culturais, informacionais, entre outros.
- redes sociais informais são baseadas em alto fluxo de comunicação e
inexistência de contratos formais reguladores do resultado das interações.
É fato que , "com as novas tecnologias de informação e comunicação, as redes se
tornaram um dos fenômenos sociais mais proeminentes de nossa era" (CAPRA, 2008,
p.18). Tal contexto amplia as possibilidades de formação e interação das redes sociais,
uma vez que a possibilidade de comunicação é elemento essencial para que os elementos
que compõem a rede compartilhem significados, o que evidencia a dimensão simbólica
das redes sociais.
1.3. Processo relacional em ambiente midiático: redes e mídias sociais
Uma abordagem simplista das mídias sociais, permeada pelo senso comum, seria
a atribuição às mídias a todo o processo social vivenciado na contemporaneidade.
Consiste em um erro analítico isolar o objeto de seu contexto, o que resulta em um recorte
excessivo da pesquisa. É fato que as mídias estão presentes de forma intensa na sociedade
atual, no entanto é relevante ressaltar que "não devemos cair no equívoco de julgar que
as transformações culturais são devidas apenas ao advento de novas tecnologias e novos
meios de comunicação e cultura" (Santaella, 2003, p.24).
Bourdieu (2007) confirma tal posicionamento:
Contra todas as formas do erro 'interaccionista' o qual consiste em reduzir as relações de força a relações de comunicação, não basta notar que as relações de comunicação são, de modo inseparável, sempre relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo, do poder material ou simbólico acumulado pelos agentes (ou pelas instituições) envolvidos nessas relações [...]
(BOURDIEU, 2007, p.11)
Portanto, para compreender a formação de grupos e as relações sociais em
ambiente midiático, torna-se necessária a consideração da articulação desses grupos em
outros espaços relacionais, independente desses espaços existirem em ambiente on ou off
line.
Não se trata da negação de que as mídias sociais tem um papel determinante nas
relações sociais contemporâneo, mas sim de evitar a consideração isolada do espaço
relacional das mídias sociais. Santaella (2008, p.21) denomina esses espaços de espaços
intersticiais, uma vez que " eles têm a tendência de dissolver as fronteiras rígidas entre o
físico, de um lado, e o virtual, de outro, criando um espaço próprio que não pertence nem
propriamente a um, nem ao outro". Ressalta-se que "sem que os espaços físicos e os
espaços digitais anteriores deixem de existir, cria-se, na verdade, um terceiro tipo de
espaço, inteiramente novo [...]" (SANTAELLA, 2008, p.22). Tal afirmação reforça a
importância dos espaços sociais previamente existentes ao surgimento das mídias sociais
como elementos que constituem e influenciam diretamente a formação de grupos em
ambiente midiático.
Já Planells (2002) decompõe o conceito de ciberespaço, ao destacar a sua
imaterialidade física e sua condição de espaço praticado. Para o autor, "este espacio (social)
del que nos ocupamos se caracteriza por existir en una dimensión que no tiene existencia material,
física" (PLANELLS, 2002, p.237). Em relação ao espaço praticado, o autor destaca o caráter
eminentemente social do ciberespaço. "La referencia a un (ciber)espacio praticado nos pone
sobre la pista de una cualidad ontológica determinante del ciberespacio en general: su paticularidad
eminentemente social" (PLANELLS, 2002, p.240).
A esse espaço Castells (1999) atribui o nome de "espaço dos fluxos", no qual as
relações interculturais, economicas e sociais ocorrem em tempo real. "O espaço de fluxos é
a organização material das práticas sociais de tempo compartilhado que funcionam por
meio de fluxos" (CASTELLS, 1999, p.436)
Para compreender o lugar das mídias sociais nas relações sociais, Ferreira (2008)
propõe o conceito de midiatização, resultante da relação entre dispositivos, processos
sociais e processos de comunicação. Enfatiza a relação de influência bilateral entre esses
elementos, reforçando a interconexão entre as variáveis.
Os dispositivos são configurados conforme determinados processos sociais, mas também são por ele configurados; que os dispositivos afetam os processos de comunicação, assim como são delineados por esses; e que os processos de comunicação e a produção social estão em relação, inclusive no que se refere às práticas sociais estruturadas e às distribuições das condições de existência individuais e institucionais (FERREIRA, 2008, p. 2-3).
A partir dessas reflexões, torna-se possível entender que no ambiente das mídias
digitais podem ser formadas redes sociais, mas que estas não dependem exclusivamente
das mídias para serem viabilizadas. "Rede social é gente, é interação, é troca social. É um
grupo de pessoas, compreendida através de uma metáfora de estrutura, a estrutura da
rede social" (RECUERO, 2009, p.29). Com o advento das mídias sociais, as redes existem,
dialogam, atuam também em ambiente on line, que se constitui como uma outra
espacialidade relacional. Lemos (2008) a nomeia de espaço informacional, que consiste em
múltiplas camadas de conexão entre o físico e o virtual. É fato que as relações e práticas
sociais ocorrem em simultaneidade em espaços físicos e virtuais.
Retomando Planells (2002, p.241),
Este ciberespacio como espacio praticado se caracteriza por la maleabilidad de los contenidos sociales y por la flexibilidad de los vínculos sociales. Esto se ve posibilitado, a su vez, por la no materialidad física, que permite un tráfico de sociabilidades y juegos identitarios fluido, líquido, liberado de muchas de las barreras físicas que la distancia o el cuerpo han impuesto, tradicionalmente, sobre la sociabilidad humana.
Tal contexto incita a reflexão sobre o tipo de relações, ou laços, que são
estabelecidos nesses ambientes informacionais. Wolton (2003, p.103) se posiciona ao
afirmar que "estimulam-se indivíduos organizacionais ‘sem rosto’ (ou seria outro rosto?),
a virtualização das relações e dos diálogos. É a “era das solidões interativas” segundo que
Wolton". Tal concepção homogeniza as relações possíveis via mídias digitais. Defendo a
ideia de que há uma variedade de relações que podem ocorrem no espaço informacional,
que depende , entre outros fatores, de como essa relação se articula também fora do
espaço virtual. Daí o intento desse artigo, que propõe uma discussão sobre a relação social
nas mídias sociais e a formação de capital social, de maneira a permitir uma leitura
metodológica que abranja a gama relacional que ocorre em ambiente on line.
A partir da instauração de um fluxo permanente de comunicação midiática e do desdobramento de múltiplas conexões entre usuários, instituições e sistemas, entre suportes de interfaces dinâmicas, há formas de relacionamento surgindo e sendo estabelecidas no âmbito de uma nova cultura midiática. (NICOLAU, 2008, p.2)
As mídias sociais são mais do que facilitadoras nas relações sociais, uma vez que
essas relações trazem mudanças significativas nas próprias relações. A própria
possibilidade de criar e compartilhar mensagens com velocidade altera os discursos dos
grupos. "Social media has exploded as a category of online discourse where people create content,
share it, bookmark it and network at a prodigious rate" (ASUR;. HUBERMAN, 2010, s/p).
Para compreender como se articulam as relações sociais nas mídias sociais, faz-se
necessário compreender os elementos que as caracterizam. Segundo Recuero (2009), as
redes sociais se compõem de dois elementos, os atores sociais, denominados "nós", e suas
conexões, que são os laços sociais e interações (RECUERO, 2009). Tais redes sociais podem
se constituir tanto fora quanto no espaço das mídias sociais que, conforme já abordado,
geram uma terceira dimensão. Uma das conseqüências do advento das mídias sociais é a
exposição, a visibilidade que os grupos adquirem, acrescido da mobilidade, uma vez que
é possível fazer parte de redes independente da localização geográfica. Santaella (2007)
afirma que a internet minimizou, progressivamente, os obstáculos materiais que
dificultavam a troca de informações, o que provocou uma transmutação da percepção do
tempo e espaço e da concepção dos modos de viver e de se relacionar.
As plataformas nas quais operam as mídias digitais em geral permitem:
construir um perfil público ou semi-público em um sistema interligado, articular uma lista de outros usuários com os quais eles compartilham uma conexão, e ver e cruzar suas listas de conexões e aquelas feitas por outros no sistema (BOYD & ELLISON, 2007, s/p).
Tais relações possuem níveis distintos de força e constituição. Marques (1999,
p.46) afirma que “a análise de redes nos permite identificar detalhadamente os padrões de
relacionamento entre atores em uma determinada situação social, assim como as suas
mudanças no tempo”. O autor afirma ainda que as redes são estruturadas por “vínculos
entre indivíduos, grupos e organizações construídos ao longo do tempo. Esses vínculos
têm diversas naturezas, e podem ter sido construídos intencionalmente, embora a sua
maioria tenha origem em relações herdadas de outros contextos” (MARQUES, 1999, p.46).
Recuero (2009) propõe os conceitos de laço, interação e relação social como
elementos das redes sociais. Segundo Wasserman e Faust apud Recuero (2009), laço é
aquilo que estabelece ligação entre dois atores. A autora explicita ainda que "Um laço é
composto por relações sociais, que por sua vez, são constituídas por interações sociais.
Uma interação social é aquela ação que tem um reflexo comunicativo entre o indivíduo e
seus pares" (RECUERO, 2009, p.1-2).
Elias (1994), ao propor um conceito de sociedade que superasse a ideia de
conjunto de indivíduos, se apoia na ideia de rede.
É a essa rede de funções que as pessoas desempenham umas em relação a outras, a ela e nada mais, que chamamos 'sociedade'. Ela representa um tipo especial de esfera. Suas estruturas são o que denominamos 'estruturas sociais'. E, ao falarmos em 'leis sociais' ou 'regularidades sociais', não nos referimos a outra coisa senão a isso: às leis autônomas das relações entre as pessoas individualmente consideradas. (ELIAS, 1994, p.23)
Essas relações, no caso das redes sociais digitais, são parcialmente definidas pela
mídia social, que possui regras e ferramentas que regulam o processo. Para compreender
as redes, assim como para compreender a sociedade, é preciso pensar na estrutura do
todo para compreender as partes individuais. "[...] é necessário desistir de pensar em
termos de substâncias isoladas únicas e começar a pensar em termos de relações e
funções" (ELIAS, 1994, p.25). Nesse aspecto, Castells (1999) foi assertivo ao propor uma
leitura da sociedade a partir de sua estruturação em rede.
Pelas abordagens apresentadas, infere-se que as constituições relacionais das
redes são múltiplas. Essa ideia é reforçada por Marques (1999, p.46) ao afirmar que "o
pressuposto central da análise de redes sociais [...] é o de que o social é estruturado por
inúmeras dessas redes de relacionamento pessoal e organizacional de diversas naturezas".
Transpõe-se essa perspectiva para as redes atuantes nas mídias sociais.
Bauman (2003, p.17) não usa o termo redes, mas apresenta uma perspectiva de
agrupamento a partir do conceito de comunidade, por ele definida como "entendimento
compartilhado do tipo natural e tácito". Tal entendimento é o que ocorre, de forma
natural, nas redes sociais em ambiente midiático que se formam espontaneamente. Não
se aplica a redes criadas intencionalmente, com finalidade mercadológica ou institucional,
mas sim às redes que se formam a partir de interesses comuns de indivíduos. Para
compreender a variedade de possíveis agrupamentos nas redes sociais digitais, partindo
da premissa da variação relacional, faz-se necessário estabelecer parâmetros para definir a
origem, tipologia e objetivos dos grupos, tema abordado a seguir.
Carniello (2012) propõe uma parametrização dos grupos que atuam no espaço
interacional das mídias sociais. Tal sistematização é uma concepção metodológica que
visa fornecer subsídio para os estudos da área, bem como organizar o conhecimento já
produzido sobre o assunto. Para tal, foram usados conceitos e parâmetros já propostos
por autores, bem como sugeridas novas proposições.
Conforme Carniello (2012), a parametrização proposta contempla as seguintes
dimensões das redes que atuam nas mídias sociais:
- quanto ao objetivo: refere-se à intencionalidade do grupo, a finalidade com a
qual foi criado, independente da gênese ser decorrente de relações sociais anteriores ou
terem se iniciado no espaço das mídias sociais. Propõe-se categorizar as redes em
comerciais, institucionais, pessoais e temáticas. As comerciais referem-se a empresas que
fazem uso das mídias sociais para divulgação de ofertas, buscando conquistar clientes e
efetivar ações de venda, caracterizando a finalidade mercadológica. As institucionais
também se referem a redes formadas por empresas/ organizações, mas que buscam
apresentar a estrutura da empresa com o intuito de promover uma imagem institucional
e/ou mesmo dialogar com seus públicos, sem a finalidade comercial imediata. A terceira
categoria refere-se a redes formadas por pessoas físicas e, por fim, identificam-se os
grupos de base temática, cuja formação se deu por um interesse comum a algum assunto,
como, por exemplo, uma rede de pessoas que apreciam o cinema nacional. As redes
sociais “são comumente produzidas cm um propósito, seguindo determinado design, e
incorporam determinado sentido (CAPRA, 2008, p.23), o que se relaciona diretamente
com o objetivo da rede.
- quanto ao fluxo de comunicação: refere-se ao uso dos recursos de comunicação
das mídias sociais, partindo da premissa da potencialidade colaborativa desses meios.
Capra (2008) define as redes sociais como redes de comunicação, evidenciando sua
dimensão simbólica. Para propor tal categorização, parte-se da ideia de Galindo (2002),
que distingue reatividade de interatividade. Para o autor, interatividade implica em uma
bidirecionalidade, o que significa que ser interativo é ser imprevisível, ou seja, ter
comunicação de mão dupla com a ativa participação dos atores. Adaptando essa ideia,
propõe-se a categorização dos fluxos de comunicação em um grupo que atua nas mídias
sociais como reativos, participativos e colaborativos. O fluxo reativo indicaria as respostas
de membros do grupo a partir de um estímulo de outro membro do grupo, tal qual uma
pergunta ou a solicitação de uma tarefa. O fluxo participativo seria a manifestação
voluntária dos membros do grupo ao emitir mensagens, sem a necessidade de um
estímulo de outro ator/ liderança do grupo. Já o fluxo colaborativo seria o uso da
potencialidade máxima das ferramentas das mídias sociais que resultariam em uma
concepção de um discurso coletivo, no qual um ator pode complementar e interferir
diretamente na mensagem do outro, tal qual a construção de um texto literário coletivo.
- quanto aos laços sociais: segundo Granovetter apud Recuero (2009), os laços
sociais podem ser categorizados em fortes e fracos.
Laços fortes são aqueles que se caracterizam pela intimidade, pela proximidade e
pela intencionalidade em criar e manter uma conexão entre duas pessoas. Os laços fracos, por outro lado, caracterizam- se por relações esparsas, que não traduzem proximidade e intimidade (RECUERO, 2009, p.2).
- quanto à tipologia dos vínculos: cabe nesse item verificar se os elos são formais
ou informais. Para ilustrar um vínculo informal, cita-se o exemplo de um grupo de
amigos. “As estruturas informais são redes de comunicação fluídas e flutuantes” CAPRA,
2008, p. 26). Um vínculo formal pode ser expressa por um grupo de profissionais que
formam uma rede para discutir um projeto em construção.
- quanto à institucionalização: nesse aspecto, é observado se o grupo é
institucionalizado, o que caracteriza a posição do grupo na sociedade. Um grupo de
condôminos organizado pelo síndico que discute as questões relativas ao condomínio é
um grupo institucionalizado, uma vez que o condomínio existe formalmente, possui
estatuto com regras de conduta e normas e é reconhecido legalmente pelo município. Já
um grupo de amigos não é institucionalizado.
- quanto à temporalidade: identifica de o grupo/ rede é efêmera, criada a partir
de um tema por acontecimento pontual, ou se é duradouro, pautado em relações que
perduram;
- quanto à constituição: considera a gênese da rede, ao verificar se esta se deu no
espaço das mídias sociais ou se é decorrente de uma história social anterior e que passou a
atuar também no espaço das mídias sociais, ganhando visibilidade e novas possibilidades
relacionais entre os atores.
- quanto aos atores no grupo: identificação dos papeis desempenhados pelos
atores, suas inter-relações on e off line e a estrutura hierárquica das relações on e off line,
que pode ser centralizada ou descentralizada.
Atores são considerados mais centrais quando apresentam uma quantidade maior de relacionamentos com um número maior de atores da rede, ou desempenham um papel social caracterizado por alta conectividade com outros atores, ou estão em posição hierárquica superior, ou apresentam maior amplitude de abrangência nos seus elos ou, ainda, apresentam alta conectividade com atores chave na conexão entre subgrupos da rede. Se todos os membros do grupo possuem graus semelhantes de conectividade, a rede é predominantemente descentralizada. (SOUZA; QUANDT, 2008, p. 34-35)
O Quadro 1 sistematiza a parametrização proposta para as redes sociais que
atuam em ambiente midiático.
Quadro 1 - Parametrização das redes sociais em ambiente midiático
Dimensões Categorias
quanto ao objetivo Comerciais
Institucionais
Pessoais
Temáticas
quanto ao fluxo de comunicação
Reativos
Participativos
Colaborativos
quanto aos laços sociais
Fortes
Fracos
quanto à tipologia dos vínculos
Formal
Informal
quanto à institucionalização
Institucionalizados
Não institucionalizados
quanto à temporalidade
Efêmeros
Duradouros
quanto à constituição
Relacionados à uma história social anterior
Formados/ oriundos em ambiente on line
quanto aos atores Possuem relacionamento off line
Possuem relacionamento apenas on line
Possuem relacionamento on e off line
Estrutura hierárquica do grupo em ambiente off line
Estrutura hierárquica do grupo em ambiente on line
Fonte: Carniello (2012, p.8).
A partir da compreensão da variedade relacional que as redes sociais podem
assumir em ambiente on line, retoma-se o objetivo do artigo que consiste na discussão
sobre a relação entre redes nas mídias sociais e formação de capital social. Para tal, torna-
se necessária a conceituação de capital social.
1.4. Redes e formação de capital social
As relações sociais desencadeadas pelo sistema midiático em rede geram
agrupamentos que podem resultar em constructos sociais representativos. A questão gira
em torno do tipo de relação que quais resultados sociais tais agrupamentos podem gerar.
Para fundamentar teoricamente essa discussão, tomaremos por base o conceito de capital
social.
Tal termo ganhou maior visibilidade em âmbito acadêmico a partir da década de
1980, quando Pierre Bourdieu (1980) lança o conceito de capital social, definido-o como
um ativo individual, que resulta na possibilidade do alcance de objetivos que,
individualmente, seriam difíceis ou impossíveis de atingir. As bases conceituais do capital
social haviam sido lançadas anteriormente, em especial nos estudos de Tocqueville que,
apesar de não usar o termo propriamente dito, conduziu estudos em meados do século
XIX, nos Estados Unidos, sobre relações sociais, enfatizando a busca de objetivos comuns
por grupos das comunidades, os mecanismos usados e os resultados alcançados”
(MELIM, 2007, p. 51). O termo, ainda que mencionado na obra de Jane Jacobs (1961) e
outros autores, ganha visibilidade especialmente no final do século XX.
A partir da década de 1990, o Banco Mundial incorpora o conceito de capital
social, equiparando-os em termos de importância aos outros tipos de capital que incidem
sobre projetos de desenvolvimento de uma sociedade, sendo eles o capital natural, o
capital financeiro e o capital humano. D´Araújo (2010, p.10) define capital social como “a
capacidade de uma sociedade de estabelecer laços de confiança interpessoal e redes de
cooperação com vistas à produção de bens coletivos.” Ora, a comunicação é o processo
viabilizador para estabelecimento de relações sociais, que podem resultar em laços de
confiança. Se as formas de comunicação foram potencializadas, infere-se que o espaço
para as relações sociais também foi ampliado.
É nessa espacialidade que se formam vínculos sociais, que podem assumir
formatos distintos e níveis de formalidade diversos no decorrer do tempo. É a intensidade
dos vínculos que fomenta a formação de capital social. Compreende-se por capital social
como um conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à participação em
uma rede durável de relações de reconhecimento mútuo (BOURDIEU, 1980). O acúmulo
de capital social que uma pessoa dispõe depende do alcance da rede de relações que
constrói.
Coleman (1988 apud MELIM, 2007) afirma que há relação entre a formação do
capital social e o tipo de estrutura social que une os grupos. Essa variabilidade das
relações sociais, que se reproduz no espaço midiático, fundamenta a problemática desse
artigo, pautada na seguinte questão: como se estabelece a relação entre redes nas mídias
sociais e formação de capital social? Que tipo de capital social é formado nas redes em
ambiente midiático?
Segundo Moraes (2003) o capital social compõe-se das relações sociais
institucionalizadas, que são resultantes de práticas culturalmente incorporadas em
determinada sociedade, que de alguma maneira cooperam para aumentar a força da
sociedade.
Já Bourdieu (1980) define o capital social como uma força agregadora dos
recursos, reais ou potenciais, que tornavam possível o sentimento de pertencimento às
determinadas instituições ou grupos. Tais agrupamentos, pautados na cooperação e
confiança, permitem que os grupos atinjam objetivos que, individualmente, seriam
impossíveis ou muito difíceis de se atingir.
Rosas e Cândido (2008, p. 74-75) definem capital social como "sendo aquele
relacionado às diversas formas, condições e possibilidades de interação, parceria e
cooperação entre as instituições, entre as pessoas, e entre as instituições e as pessoas, a
partir de práticas de reciprocidade e relações de confiança entre eles".
Para Matos (2009, p. 35)
o capital social é visto como componente da ação coletiva, ativando as redes sociais. Ele representa um conjunto de elementos com os quais uma classe social garante sua reprodução, incluindo o capital econômico, o capital cultural [...], o capital simbólico [...]. O conjnto desses tipos de capital circula em redes sociais e possui características que justificam a adoção do termo capital: passibilidade de acumulação (capital mobilizável), convertibilidade (capital humano transformado em capital social) e reciprocidade (indicadores de confiança).
Para Coleman apud Matos (2009, p.36), há três características constituintes do
capital social: as expectativas e obrigações que fundamentam a confiança entre os
membros da rede; a estrutura social para gerar os fluxos de informação, e as normas que
regem o processo. No caso das mídias sociais, a circulação de informações torna-se intensa
e favorável para a formação de capital social. As normas, no entanto, são redigas e
limitadas às possibilidades tecnológicas das mídias sociais e a confiança dependerá de
variáveis de constituição do grupo. Portanto, o espaço das mídias sociais é favorável , mas
não mandatório, na formação de capital social.
O Banco Mundial, na década de 1990, corroborou com conceito de capital social,
relacionando-o às instituições, relações e normas sociais que dão qualidade às relações
interpessoais em uma sociedade.
O capital social pode ser categorizado a partir de três dimensões de capital social:
- bonding social capital (capital social de ligação), que deriva de ligações entre
pessoas com características sociodemográficas semelhantes, como família, vizinhos,
amigos (PUTNAN, 2000);
- bridging social capital (capital social de ponte), que se forma a partir de
agrupamentos de pessoas de origens étnicas ou profissionais distintas (PUTNAN, 2000);
- linking social capital (capital social de conexão) composto pela interrelação entre
pessoas de classes sociais menos favorecidas e indivíduos que têm posições de
autoridade, como partidos políticos, bancos, e enfim, agrupamentos que se configuram
como diferenciais de poder para aqueles que o possuem (WOOLCOCK; NARAYAN,
1999).
Uphoff (2000) propõe outra nomenclatura para o capital social, categorizando-o
em estrutural e cognitivo. O capital social estrutural relaciona-se com os formatos de
organização social existentes na sociedade, formais ou informais, que se constituem como
instrumentos de desenvolvimento das comunidades, normalizando as relações sociais,
definindo papeis e regras de maneira a viabilizar o comportamento cooperativo.
Já o capital social cognitivo é resultado de processos mentais fortalecidos pela
cultura e ideologia de um grupo, por normas sociais, valores, atitudes e crenças, que por
sua vez também colaboram para uma conduta cooperativa. Confiança, solidariedade e
reciprocidade são valores comuns para o estabelecimento das relações sociais que, se
partilhadas entre os membros do grupo, promovem as condições para que os indivíduos
trabalhem em prol do bem comum (UPHOFF, 2000).
Tais concepções servirão de parâmetro para compreender o tipo predominante
de capital social gerado pelas redes das mídias digitais, um dos objetivos específicos deste
trabalho que permitirá estabelecer a relação entre mídias sociais e capital social.
A relação entre mídias sociais e capital social é assunto passível de estudo, que
despertou interesse de pesquisadores mas que ainda suscita discussão. Uma hipótese
sobre essa relação é levantada por Matos (2009, p. 140), ao afirmar que
a internet suplementaria e ampliaria o capital social ao se adicionar à configuração existente de comunicação e mídia, para facilitar as relações sociais correntes e os movimentos seguidos de engajamento cívico e socialização.
Recuero (2005) afirma que a comunicação mediada por computador aumenta a
conexão entre as pessoas, aumentando assim o senso de comunidade. No entanto, a mera
existência do canal de comunicação em rede não é suficiente para garantir a constituição
de laços fortes de relação, nem a sedimentação de capital social nesse ambiente.
Defendo que, para compreender a relação entre capital social e mídias sociais, é
preciso ampliar o conceito de capital social para além das relações pessoais físicas/
presenciais. De fato, se nos atermos ao conceito tal qual compreendido atualmente, as
mídias sociais tem seus limites na formação de capital social, visto que elas possibilitam a
intensa troca de informações, o que não necessariamente resultará no acúmulo de capital
social. No entanto, em uma sociedade no qual a informação é um ativo intangível, ter
acesso rápido e privilegiado à informação pode ser um fator de extremam relevância
social. Matos (2009, p.150) valida esse argumento ao afirmar que
a Internet pode estar contribuindo para novas formas de interação em diferentes tipos de comunidade, mas que o uso generalizado de indicadores e padrões de medida do capital social pode não ser adequado para captar o impacto dessas novas formas de comunicação em todas as 'localidades'.
As dimensões que são consideradas pela proposição de mensuração de capital
social elaborada pelo Banco Mundial (2003) aborda as seguintes dimensões:
Quadro 2 - Dimensões do capital social
Dimensões Conteúdo
Grupos e redes Refere-se à natureza e extensão do indivíduo em organizações sociais, redes formais e
informais. É a dimensão mais associada ao capital social.
Confiança e solidariedade
Busca dimensionar a relação entre os membros dos grupos sociais dos quais participa. Os tipos
de questões propostas priorizam as relações possíveis em grupos de proximidade
geográfica. torna-se necessário adaptá-las para mídias sociais em ambiente on line.
Ação coletiva e cooperação
Considera como os indivíduos trabalham em conjunto em prol de uma causa ou situação de crise. Também priorizam as relações possíveis
em grupos de proximidade geográfica.
Informação e comunicação
Diz respeito ao acesso às mídias e informação, premissa para viabilizar a formação de capital social. No caso das redes social em ambiente
digital, o acesso às mídias é fundamental.
Coesão e inclusão social Mensura a equidade ou diferenças sociais dos membros que compõem os grupos.
Autoridade e ação política
Mensura o empoderamento, felicidade e influência do indivíduo nas ações coletivas e na
situação política.
Fonte: Adaptado pela autora de Banco Mundial (2003, p.8)
Para o alcance dos objetivos dessa pesquisa, propõe-se o método a seguir.
2. Método
A pesquisa caracteriza-se como exploratória, de abordagem qualitativa, com
coleta de dados por meio de análise documental e entrevista. Exploratória por tratar de
um assunto que, por sua atualidade, é passível de estudo mais aprofundado.
Quanto à abordagem, a pesquisa é classificada como qualitativa, visto que
pressupõe uma investigação de processos e aspectos sociologicamente construídos e que
não são mensuráveis numericamente.
Foram realizadas entrevistas estruturadas com membros ativos participantes dos
grupos selecionados como amostra. O instrumento de coleta de dados foi composto por
22 questões, e contemplo as dimensões do capital social, conforme Quadro 3. Foram
consideradas as dimensões, mas o instrumento de coleta de dados foi elaborado
especificamente para essa pesquisa, visto que se fez necessário considerar o fato das redes
estudadas estarem em ambiente on line.
Quadro 3 – Estrutura do instrumento de coleta de dados
Dimensões Questões Comentário
Grupos e redes 1,2,4,5,6,20,21,22 Objetivou-se compreender a gênese da rede, a relação on line - off
line da rede e a participação dos
entrevistados em outras redes
Confiança e solidariedade
7,8 Objetivou-se compreender a dimensão das relações de confiança
entre os atores da rede
Ação coletiva e cooperação
9,10,11 Objetivou-se compreender o tipo de
mobilização e/ou articulação dos membros
participantes da rede
Informação e comunicação
3,13,17,18 Objetivou-se identificar como ocorrem os fluxos de comunicação da rede,
além da mídia social estudada
Coesão e inclusão social
16 Objetivou-se identificar a homogeneidade do perfil
social dos grupos
Autoridade e ação política
12,14,15,19 Objetivou-se identificar a dimensão que o grupo
adquiriu via mídias sociais e seu poder de articulação e ação na
sociedade
Fonte: Elaborado pela autora, 2012.
Como população da pesquisa foram considerados os grupos existentes na rede
social Facebook, que é de grande utilização em escala mundial. O Facebook foi a mídia
social escolhida por apresentar um grande crescimento dos usuários no Brasil, conforme
Gráfico 1
Gráfico 1 – Minutos de uso por visitante Fonte: Comscore, 2010
Por se tratar de pesquisa qualitativa e, portanto, não há compromisso com a
representatividade amostral, foi estabelecida uma amostra mínima de 20 entrevistas,
usando como critério da amostra por saturação e foram realizadas 23 entrevistas. Glaser &
Strauss originalmente conceituaram saturação teórica como sendo a constatação do
momento de interromper a captação de informações (obtidas junto a uma pessoa ou
grupo) pertinentes à discussão de uma determinada categoria dentro de uma investigação
qualitativa sociológica. (FONTANELLA; RICAS; TURATO, 2008, p.18). Ressalta-se o
caráter qualitativo da pesquisa, ao detacar que "para efeito de análise dos dados, as
relações entre os atores são consideradas tão fundamentais quanto os próprios atores"
(HANEMANN apud SOUZA e QUANDT, 2008, p. 33).
A escolha dos entrevistados se deu por intencionalidade, a partir da análise
documental da atividade do grupo ao qual o entrevistado pertence na rede social. A
identidade dos entrevistados foi preservada e os mesmos foram nomeados, no artigo,
como Entrevistado 1 (E1), Entrevistado 2 (E2) e assim sucessivamente. As entrevistas
foram pré-agendadas por mensagem pelo Facebook, por meio de envio de um texto de
apresentação da pesquisa e convite para participação. Após aceite, cada entrevista foi
realizada por meio do chat do Facebook. As entrevistas foram realizadas entre julho e
setembro de 2012.
3. Resultados e Discussão
Os resultados, decorrentes das entrevistas realizadas com atores de redes nas
mídias sociais, foram organizados a partir das dimensões consideradas nos estudos de
capital social.
3.1. Dimensão Grupos e redes
Nessa dimensão, objetivou-se compreender a gênese da rede, a relação on line - off
line da rede e a participação dos entrevistados em outras redes.
A primeira questão referia-se às finalidades dos grupos. Ressalta-se que foram
selecionados apenas grupos categorizados como temáticos, ou seja, que se reuniram
espontaneamente e não por ação comercial ou institucional de uma empresa. Os assuntos
abordados são os mais diversos, permitindo o compartilhamento de interesses comuns em
uma escala muito mais ampla do que na era da comunicação de massa. Os agrupamentos
sociais foram potencializados, com o intuito de divulgar, debater e saber das novidades,
segundo a fala dos entrevistados. Ter acesso à informação e um espaço para se manifestar
é percebido como um valor social, algo importante e que faz parte da rotina dos atores
presentes nas mídias sociais e condizente com a sociedade contemporânea estruturada em
rede, na qual a circulação de informação é um valor. Na fala dos entrevistados
reproduzidas (E18 e E20) abaixo, verifica-se que o acesso rápido à informação é
compreendido como uma vantagem a ser alcançada pelo agrupamento.
"Unir os jogadores e reunir dicas e novidades" (E18).
"A finalidade do curso é informar mais rápido do que e-mail, e não somente isso,
trocar informações, dicas de cursos, vagas de empregos" (E20).
Nessa fala observa-se que ter acesso à informação nova e algo almejado, é uma
vantagem propiciada pela rede de pessoas com interesses comuns. Condiz com o conceito
de capital social de Bourdieu (1980), que afirma que o agrupamento resulta na
possibilidade do alcance de objetivos que, individualmente, seriam difíceis ou impossíveis
de atingir.
O objetivo de divulgação também aparece como uma finalidade do grupo na fala
de vários entrevistados, o que significa que ser visto, ser conhecido é algo que pode ser
alcançado por meio da formação de redes nas mídias sociais.
A segunda questão valida também o pensamento de que a informação é vista
como um valor. Ao se questionar sobre a motivação da formação dos grupos, é ressaltado
a necessidade do coletivo como base para a troca de informações.
"Tendo em vista que os jogos sociais demandam que você tenha vários vizinhos e
contato social, os grupos do Facebook são uma ótima ferramenta para encontrar pessoas
para te ajudar a jogar. Como tenho muitos amigos no Facebook que jogam diversos jogos,
sempre os adiciono para encontrarem novos vizinhos e isso acaba tornando o grupo
grande". (E18) Verifica-se que há vantagem individual e coletiva na formação dos grupos,
conforme Bourdieu (1980).
Abaixo são reproduzidas outras falas de entrevistados que revelam as
motivações para formação dos grupos em ambiente midiático.
"Ter mais um canal de divulgação de nosso espaço"(E15). Nesse grupo, que já
existia off line, a mídia social é um canal de divulgação.
"A motivação maior foi meu amor pela cidade e ver a situação precária que ela se
encontra, também fui muito motivado pelas aulas da faculdade que me fizeram perceber
como as mídias sociais mudam o ambiente em que vivemos" (E17).
"Criar o grupo iria facilitar ficar sabendo de programas parecidos e de talvez
combinarmos de ir juntos"(E2).
Importante ressaltar que em muitos casos a iniciativa em criar uma rede social na
plataforma Facebook partiu de uma atitude individual. Também se destaca o fato de
alguns entrevistados relatarem que o processo foi simples, referindo-se à usabilidade da
ferramenta, sem racionalizar o processo social de formação dos grupos. "Simples, criei,
convidei algumas pessoas, sugeri que as mesmas fossem adicionando outros membros, e
assim fui expandindo"(E9).
Quanto ao processo de formação, verifica-se duas vertentes distintas: grupos que
existiam em ambiente off line e foram criados com fins de ampliar a visibilidade,
divulgação ou simplesmente facilitar a comunicação entre os membros participantes; e
grupos que foram criados em ambiente on line. Para os grupos que possuíam uma história
social anterior, a mídia social é compreendida como um facilitador, uma extensão de
relações previamente existentes. Para os grupos que surgiram em ambiente on line, a
mídia social foi um viabilizador de um tipo de relação social que provavelmente não
aconteceria sem a existência da mídia. Dos grupos que nasceram on line, são raros aqueles
que estendem sua atuação para além do ambiente midiáticos.
Quanto ao tempo de existência dos grupos, verifica-se que pelo fato de a
ferramenta Facebook ser relativamente recente, a maioria dos grupos não ultrapassa os
dois anos de existência. Somente redes que existiam anteriormente em ambiente off line ou
em outras mídias sociais tem um tempo de existência maior.
Em relação à participação em outros grupos nas mídias sociais, o comportamento
é bem variado, oscilando entre pessoas que participam de outras redes nas mídias sociais
e outras que não participam de outros grupos. Uma especificidade é que apenas dois
entrevistados afirmaram participar de outros grupos off line. "Nenhum... só do Sampa
Azul mesmo"(E15).Tal fato demonstra que os entrevistados associam as redes sociais ao
ambiente midiático, não identificando os grupos que não fazem uso de mídias sociais
como redes, tais quais família, grupos religiosos, entre outros. Tal perspectiva imprime no
senso comum uma associação direta entre redes e mídias sociais.
3.2. Dimensão confiança e solidariedade
Quando questionados sobre a confiança nos membros do grupo, a maioria
afirma confiar, mas referindo-se ao compartilhamento de informações. "Sim, até porque
todas as informações são postas à prova por todos os que comentam" (E6). "sim, acredito
que as dicas, ou respostas, são confiáveis. Normalmente são debatidas por mais que uma
pessoa, o que torna as informações mais democráticas"(E18).
Essa troca de informações, por sua vez, é parcialmente regulada pela própria
dinâmica da mídia social, cujas ferramentas permitem ou não determinadas intervenções.
"Cultura, então, emerge da rede de comunicações entre indivíduos e, assim que emerge,
produz restrições a suas ações. Em outras palavras, as regras de comportamento que
restringem as ações dos indivíduos são produzidas e continuamente reforçadas pela
própria rede de comunicações" (CAPRA, 2008, p.23-24). Existe um acordo tácito coletivo
de como usar o Facebook, e outras regras mais específicas podem ser instituídas pelo
grupo, que se auto regula. "Uma rede social ou comunidade produz e conserva um limite
cultural, não material, que impõe restrições ao comportamento de seus membros"
(CAPRA, 2008, p.28).
Não há menção de elos de confiança que extrapolem a troca de informações, com
exceção de alguns grupos que tem uma história social anterior fora das mídias sociais.
Verifica-se que há um limite relacional entre os membros de grupos nas mídias sociais no
quesito confiança, que se limita ao que a mídia pode proporcionar: a facilidade na troca de
informações. O ambiente midiático, por si só, não induz a elos de confiança mais fortes,
que, quando estabelecidos, ocorrem em outros espaços relacionais das redes, que
coexistem com o espaço das mídias sociais.
3.3. Dimensão ação coletiva e cooperação
Referente a cooperação, quando questionados se um membro do grupo já ajudou
outro, os que citam situações se referem sempre à ajudo por meio da troca de informações.
"Sim, sempre existem casos assim. Diariamente pessoas perguntam sobre
dúvidas quanto ao jogo, e membros acabam respondendo. Eu acredito que este seja o
conceito básico do grupo. Membros se ajudando"(E18).
"Sim, já aconteceu. Uma moradora de um bairro afastado reclamou muito de que
sua rua estava sem iluminação, e toda vez que chegava do trabalho tinha gente usando
drogas e se prostituindo, sem contar o lixo que as pessoas jogavam lá. Postamos uma foto
da rua num dia a noite, e mandamos nosso pedido a Prefeitura para que providências
fossem tomadas, passou 3 dias e a Prefeitura colocou poste, limpou o mato da calçada e o
problema que a colega tinha acabou"(E17).
"No sentido de dar informações, esclarecimentos, dicas ou ingressos sobrando,
sim"(E2).
Verifica-se, nas falas dos entrevistados, que a ação coletiva e cooperação está
pautada na troca de informações e não se expande para outras dimensões além da
finalidade objetiva do grupo. Em muitos casos, as pessoas não se conhecem pessoalmente
e não tem outras referências sociais do grupo além do explicitado no grupo, o que limita
os laços de confiança para aquilo que o ambiente das mídias sociais pode propiciar: troca
de informações.
3.4. Dimensão informação e comunicação
Alguns dos grupos analisados existiam em outra mídia social, como blogs, Orkut
ou sites, mas a maioria aderiu ao ambiente on line após a emergência do Facebook. Mesmo
aqueles que já existiam on line, confirmam que com a migração para a plataforma
Facebook a repercussão do grupo foi ampliada. "Existia um grupo no Messenger, mas não
surtia tanto efeito quanto com o grupo do Facebook"(E20). Tal situação permite afirmar
que a mídia social Facebook, no caso, por suas características, usabilidade e recursos
disponibilizados de fato ampliou as possibilidades relacionais entre as pessoas, uma vez
que houve a criação de grupos cuja gênese está no ambiente da mídia social. Capra (2008,
p.28) reforça a importância das mídias no processo relacional ao afirmar que "com as
novas tecnologias de informação e comunicação, as redes se tornaram um dos fenômenos
sociais mais proeminentes de nossa era".
3.5. Dimensão coesão e inclusão social
A dimensão coesão e inclusão social é um item que, nas redes das mídias sociais,
não possui muito peso. A maioria dos grupos afirma haver uma diversidade de perfis
sociais entre os membros, mas as informações sobre esse perfil são restritas. "Há perfis
sociais distintos" (E9). Alguns grupos afirmam não ter conhecimento detalhado sobre o
perfil social. Há duas leitura para esse fenômeno: as mídias sociais são inclusivas, no
sentido de que não reproduz necessariamente as relações de diferenciação social da
sociedade. Com requisitos mínimos, como a capacidade de leitura e o acesso à Internet,
pessoas com perfis sociais diversos estão aptas a participar de grupos que compartilhem
interesses comuns. Essa variável - perfil social - não é representativa quando se trata de
troca de informações. A segunda leitura é que essa aceitação social ocorre exatamente pelo
fato de, geralmente, não haver um contato maior que extrapole os limites das mídias
sociais. Supõe-se que em ambiente off line essa convivência de pessoas com perfis sociais
distintos não necessariamente se reproduziria tal qual nas mídias sociais. Verifica-se que
os grupos que existiam off line antes de formar a rede nas mídias sociais têm perfis sociais
mais homogêneos.
Intere-se que as mídias sociais aproximam o diálogo e viabilizam a troca de
informações entre pessoas que teriam poucas chances de convivência e contato próximo
no ambiente off line.
3.6. Dimensão autoridade e ação política
O maior ganho das redes nas mídias sociais é o da visibilidade, o que, em
algumas situações, pode resultar em elemento de pressão ou ação, como é o caso dos
grupos Sapucaí Mirim Jovem e Usuários do Metrô de São Paulo. O elemento de ação, no
entanto, parte sempre da informação. "Ficou mais fácil a procura sobre novidades, a
concentração em um só lugar ajudou a todos nesse assunto pois já sabem onde ir para
procurar esse esclarecimento"(E6). "A praticidade e rapidez de se conectar e a rapidez no
compartilhamento de informações"(E7).
A maioria dos grupos não é institucionalizada. Vale lembrar que a amostra de
grupos selecionada foi a de grupos temáticos (CARNIELLO, 2012), que se formam
espontaneamente na rede e não decorrentes de uma ação mercadológica ou institucional
de uma empresa. Portanto, verifica-se que é um comportamento usual das redes temáticas
manterem-se informais. Esse fato reforça que o vínculo principal entre os membros é a
troca de informação na plataforma midiática, situação para a qual a formalização é
desnecessária.
Avaliando as dimensões abordadas nas entrevistas, verifica-se que predomina o
bridging social capital (capital social de ponte), que, conforme Putnan (2000) se forma a
partir de agrupamentos de pessoas de origens étnicas ou profissionais distintas. Não há
laços mais fortes para grupos que se formaram essencialmente nas mídias sociais além da
cooperação, reciprocidade e confiança no processo de compartilhamento de informações.
Redes que apresentam outros vínculos extrapolam os limites das mídias sociais. O fato do
elo de ligação entre os membros do grupo estar pautado prioritariamente na troca de
informações não significa que o capital social não exista, uma vez que indivíduos e grupos
conseguem atingir objetivos que, sem a presença nas mídias sociais, seriam mais difíceis
ou impossíveis de se atingir. No entanto é um capital social de ponte, pois liga pessoas de
características sociais distintas em torno de um assunto em específico, sem laço mais
sólidos no caso de grupos que existem exclusivamente nas mídias digitais. Essa
característica dessas redes pautadas no compartilhamento de informações, em uma
primeira leitura pode parecer de baixo capital social, se considerarmos os aspectos
teóricos que fundamentam o conceito. No entanto, defendo a ideia de que é necessário
atualizar o conceito para o contexto midiático contemporâneo, no qual a informação é um
ativo intangível e de alto valor. Fazer parte de redes que detém informações relevantes
pode ser, no cenário atual, uma forma de sociabilidade que viabiliza uma série de
objetivos, o que condiz com a premissa do capital social. Essa situação não minimiza a
importância das relações de cooperação entre vizinhos, família e outros grupos ou
instituições sociais. Ela coexiste com as relações sociais de outros espaços, inaugurando
uma nova espacialidade relacional que não substitui as anteriores, mas abre
possibilidades de outras formas de relações que, como vimos, está pautada no
compartilhamento de informações, um ativo de valor do mundo contemporâneo. Além
disso, a estrutura de comunicação digital em rede possibilitou a ampliação dos
interlocutores, que são escolhidos prioritariamente a partir da afinidade no
compartilhamento de informações, deixando de lado outros aspectos do perfil social.
Pode-se afirmar que, um importante elo de ligação da sociedade atual é a informação, que
estabelece vínculos em uma relação possível apenas por meio das mídias sociais. Há uma
fragmentação dos interesses, que são direcionados para interlocutores com afinidade
temática.
- bridging social capital (capital social de ponte), que se forma a partir de
agrupamentos de pessoas de origens étnicas ou profissionais distintas (PUTNAN, 2000);
Considerações finais
Este capítulo (discorrido no formato de artigo científico) teve como objetivo
discutir o processo de formação de redes nas mídias digitais, de maneira a compreender
como se articulam a sociabilidade e os processos de formação de capital social nesse
contexto. A busca de suporte teórico e caminhos metodológicos para fundamentar e
compreender o cenário midiático contemporâneo faz parte do universo da pesquisa
acadêmica no campo da comunicação, uma vez que "um aspecto que singulariza essas
tecnologias é sua capacidade de engendrar novas formas de sociabilidade, novas formas
de ação social, e o que nos interessa aqui mais proximamente, novas formas de produção
de si, novos processos de subjetivação" (CALVINO, 2009, p.46).
Com a convergência das mídias, que passam a ser pautadas na linguagem digital,
conceitos anteriormente delineados se dissolvem ou se remodelam, uma vez que os fluxos
de comunicação ganham novos contornos. Cabe aos pesquisadores de comunicação
identificar, conceituar e compreender as características que fundamentam esse cenário,
bem como discutir as mudanças geradas em vários campos da sociedade, entre elas nas
formas de agrupamento social, objeto desse artigo.
Dentre os grupos estudados, no entanto, é possível verificar grupos que se
constituíram a partir de uma rede existente em ambiente off line e outros cuja gênese é
essencialmente on line. A maioria dos grupos que se originou nas mídias sociais sem um
vínculo social anterior restringe suas atividades ao meio digital, não existindo encontros
presenciais ou com encontros esparsos e pontuais, pautados mais na realização de um
objetivo do grupo do que na figura pessoal dos membros. Relacionando com os tipos de
capital social, verifica-se uma relação direta entre a gênese do grupo e o tipo de capital
social predominante. Entre os grupos existentes nas mídias sociais cuja origem é pautada
em grupos sociais anteriormente existentes tende a predominar o bonding social capital
(capital social de ligação), uma vez que este que este deriva de ligações entre pessoas com
características sociodemográficas semelhantes.
Já nos grupos que se formaram exclusivamente em ambiente on line, tende a
predominar o bridging social capital (capital social de ponte), que se forma a partir de
agrupamentos de pessoas de origens étnicas ou profissionais distintas. Nesse caso, o
agrupamento de pessoas socialmente distintas se dá por um tema de interesse comum,
mas essa ligação via mídias sociais não é forte o suficiente ou não demanda o
agrupamento presencial off line para que seus objetivos sejam alcançados.
Partindo da premissa de que o capital social pode ser compreendido como um
ativo individual, que resulta na possibilidade do alcance de objetivos que,
individualmente, seriam difíceis ou impossíveis de atingir (BOURDIEU, 1980), verifica-se
que os membros dos grupos, em geral, conseguem, em função da rede criada, obter
benefícios com o grupo ao manterem-se informados sobre o assunto de interesse.
Aqueles que existiam em ambiente offline anteriormente mantém as atividades e
afirmam que o grupo ganhou mais visibilidade após criação do perfil no Facebook. A
visibilidade é compreendida como uma vantagem, algo valioso, constituindo um objetivo
coletivo do grupo, alcançado pela rede criada, portanto, por meio de capital social.
Ao relatarem sobre o processo de criação do grupo no Facebook, a maioria dos
entrevistados se limitou a descrever a simplicidade do uso da ferramenta. Verifica-se que
a mídia, pelo fato de ser acessível e amigável quanto à utilização, acaba por favorecer as
iniciativas de criação de grupos. A mídia em si, por sua estrutura colaborativa, fomenta a
criação de redes, inclusive entre pessoas com características sociodemográficas distintas,
potencializado a formação de capital social de ponte (bridging).
No aspecto confiança, verificou-se que os entrevistados dizem confiar nos
membros participantes, mas observa-se que essa confiança, em geral, se limita ao ato de
postar informações livremente no perfil. Tal aval se dá pela própria estrutura da mídia
social, no caso o Facebook, e na aceitação de suas regras de funcionamento. É um acordo
tácito dos usuários, que compartilham com o modus operandi da mídia .
Quanto à participação de outras redes, os respondentes, em sua maioria,
afirmaram não participar de redes em ambiente off line. Verifica-se que eles não
identificam os grupos aos quais pertencem, como família, trabalho, vizinhos, amigos
como redes sociais. Para eles, a formação de redes é um processo que se dá por meio das
mídias sociais.
Refletindo sobre a relação entre formação de capital social e as redes em
ambiente midiático, verifica-se um fenômeno que é característico desse cenário, o que
pode ser denominado de fragmentação social a partir do critério informação. Se em um
período anterior às mídias digitais estruturadas em rede todos os assuntos do cotidiano
social eram compartilhados com um círculo relativamente restrito de pessoas que
compunham o rol de convivência de um indivíduo, no contexto atual os interlocutores
podem ser agrupados e selecionados conforme afinidade de interesse na informação, e,
em muitos casos, esse é o único vínculo entre os participantes de uma rede. No entanto,
esse vínculo é suficiente para que os objetivos daquele indivíduo em relação ao grupo do
qual participa seja atingidos, mesmo porque seus objetivos estão diluídos por vários
grupos de interesse, on line e off line, e não concentradas apenas em um círculo restrito de
convivência. O fato de o vínculo nas redes ser mais pontual, não impede que seja gerado
capital social a partir dessa relação, no entanto, predominará o capital social de ponte
(bridging), sem, necessariamente, um maior estreitamento das relações fora das mídias
sociais.
À guisa de conclusão, são sistematizados abaixo os principais aspectos
observados referente à relação entre redes nas mídias sociais e capital social:
- as redes temáticas das mídias sociais são pautadas prioritariamente no elemento
informação. A segmentação dos grupos se dá prioritariamente pautado no tipo de
informação de interesse, desconsiderando outros aspectos do perfil social dos membros;
- os agrupamentos nas mídias sociais são muito mais numerosos, visto que as
pessoas buscam grupos variados conforme temas de interesse. Se antes da emergência das
mídias sociais todos os assuntos de interesse eram compartilhados por grupos limitados
de pessoas, com os quais havia uma convivência social presencial mais ou menos intensa,
as mídias sociais permitem a formação de grupos conforme interesse e especialização em
outros temas. Há uma pulverização dos eixos de ligação, cuja base de segmentação é a
informação. Um dos representativos elos de ligação da sociedade é a informação;
- apesar de as ligações das mídias sociais, na maioria das vezes, se limitarem ao
compartilhamento de informações, com limites na construção de laços mais fortes nessa
espacialidade relacional, pode-se afirmar que há formação e acúmulo da capital social,
com ênfase no capital social de ponte, uma vez que o acesso à informação é um valor da
sociedade contemporânea e permite o alcance de objetivos individuais e grupais.
Identificou-se a necessidade de atualizar o conceito e, principalmente, os instrumentos de
mensuração de capital social para esse novo cenário midiático, que impacta na estrutura
relacional da sociedade.
A pesquisa apresentada é um ponto de partida conceitual e metodológico que
visa contribuir com estudos sobre as mídias sociais, buscando romper com visões que
homogeneizam e exaltam a emergência das redes sociais na Internet como um fenômeno
isolado e universal, em sim propõe um olhar mais detalhado sobre os tipos de redes,
vínculos e laços que existem no espaço das mídias sociais sem desconectá-los da história
social do grupo fora do ambiente midiático e da formação de capital social. Sugere-se a
replicação desse estudo em todos os tipos de grupos existentes nas mídias digitais, em
pesquisas futuras.
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