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GRAMATICALIZAÇÃO E ORDENAÇÃO DE ADVÉRBIOS EM -MENTE/MENT NO
PORTUGUÊS E NO FRANCÊS: UMA ANÁLISE HISTÓRICA
NATHALIE PIRES VLCEK
UFRJ/2011
ii
GRAMATICALIZAÇÃO E ORDENAÇÃO DE ADVÉRBIOS EM -MENTE/MENT NO
PORTUGUÊS E NO FRANCÊS: UMA ANÁLISE HISTÓRICA
por
NATHALIE PIRES VLCEK
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para obtenção do Título de Mestre em Linguística. Orientador: Prof. Doutor Mário Eduardo Martelotta
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2011
iii
DEFESA DE DISSERTAÇÃO
VLCEK, Nathalie Pires. A gramaticalização de advérbios em -mente/ment no português e no
francês: uma análise histórica. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2011. 107 folhas.
Dissertação de Mestrado em Linguística.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________________
Orientador: Professor Doutor Mário Eduardo Martelotta – Linguística – UFRJ
_________________________________________________________________
Professora Doutora Maria Maura Cezario – Linguística – UFRJ
_________________________________________________________________
Professor Doutor Marcelo Jacques de Moraes – Neolatinas – UFRJ
_________________________________________________________________
Professora Doutora Vera Lúcia Paredes Pereira da Silva – Linguística – UFRJ
_________________________________________________________________
Professora Doutora Mariângela Rios de Oliveira – Linguística - UFF
iv
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao povo brasileiro que contribuiu de forma significativa à minha
formação e estada nesta Universidade. Esta pesquisa é uma pequena forma de retribuir o
investimento e a confiança em mim depositados.
v
AGRADECIMENTOS
Agradeço enormemente ao grupo de pesquisa D&G, no qual trabalho há anos, com
principal admiração e cumplicidade pelas queridas Karen Alonso, Priscilla Mouta e Natalia
Ilse. Agradeço incansavelmente aos auxílios técnicos, burocráticos, teóricos, pessoais e
sempre carinhosos da Professora Maura Cezario, que tanto me ensinou como me portar, como
me importar e como me manter feliz, além de produtiva.
Agradeço a todos os meus amigos queridos, Carol, Musa e Felipe acima de tudo, e aos
meus familiares, mãe, pai, irmãos, sogra, cunhados; e principalmente ao meu marido Danilo,
que sempre me deu apoio e incentivo para fazer o que faço hoje. O coitado aprendeu muita
linguística, assistiu a muita aula, admirou muito gráfico e imprimiu muito rascunho. Não
posso esquecer das minhas amigas Luana e Julie, que tão prontamente sempre me apoiaram
numa crença em mim maior que a minha própria.
Agradeço principal e repetidamente ao meu orientador Mário Martelotta, que confiou
em mim desde cedo, que é meu amigo, que me empurra para cima sempre na ousadia, mas
que sempre me chama atenção para a importância de ser claro e simples ao invés de
complicado; para a importância de se estudar muito e de se amar o que faz e de se trabalhar
em grupo. Agradeço a ele por todos os parágrafos que ele leu e modificou e pelos poucos que
ele leu e gostou de primeira. Agradeço pela confiança, pelo tempo, pela responsabilidade que
sempre depositou em mim e pela sua forma única de me fazer crescer como ser humano
adulto, responsável e apaixonado, e muito, muito faminto de pesquisa. Agradeço pelo seu
exemplo como professor, que me formou e me ajudou no concurso e no exercício do cargo de
substituta de UFRJ, atividade que, embora tenha roubado tempo da minha pesquisa, me
amadureceu muito as ideias.
vi
Agradeço a outros professores que mudaram a minha vida, mas para não citar todos,
uso apenas como exemplo a ser seguido Isabella Bocaiúva, Celso Novaes e Marcelo Jacques.
Agradeço aos professores geniais, de conteúdo e de espírito, que me ensinaram que apesar de
a linguística ser muito difícil, ela vale a pena ser perseguida: obrigada Vera Paredes e Maria
Luiza Braga.
Agradeço amigos de pesquisa funcional, Julia Nunes e Julia Langer; e amigos de
pesquisa gerativa, Sara Abrahão. Agradeço a colegas externos à linguistica, como a
professora Ângela Correa e os muitos companheiros e simpáticos funcionários da UFRJ.
Não agradeço a Deus porque os gerativos podem achar que estou falando em
Chomsky. Mas agradeço a qualquer ideia metafísica que comporte toda a sorte que tenho tido
na minha vida, dentre elas, a oportunidade de fazer um mestrado em linguística na UFRJ,
acompanhada de tanta gente maravilhosa e competente. Agradeço, enfim, e muito, a todos
que me ajudaram na produção deste trabalho.
Ainda além, agradeço a todos os meus alunos que me acompanharam na grande vitória
e desafio que foi o primeiro semestre do curso noturno; e a todos os meus colegas de classe no
mestrado, que acompanharam todas as minhas dúvidas, insights e delírios. Sempre com muito
carinho.
Poderia ficar agradecendo aqui para todo o sempre, mas isso não seria prudente.
Agradeço então a você, leitor, seja você a banca ou um estudante do futuro, por esse voto de
confiança: o seu tempo. Este trabalho é sem dúvida o meu mais precioso fruto de uma longa
jornada na pesquisa da epistemologia funcionalista e da análise em colocação dos advérbios.
vii
E contudo – a estranha contradição para aqueles que crêem no tempo – a historia geológica nos mostra que a vida não é mais que um curto episódio entre duas eternidades de morte e que, nesse próprio episódio, o pensamento consciente não durou e não durará mais que um momento. O pensamento não é mais que um clarão em meio a uma longa noite. Mas esse clarão é tudo. (Henri Poincaré, em O Valor da Ciência, tradução de Maria Helena Martins)
viii
RESUMO
VLCEK, Nathalie Pires. A gramaticalização de advérbios em -mente/ment no português e no
francês: uma análise histórica. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2011. 107 folhas.
Dissertação de Mestrado em Linguística.
Este trabalho propõe uma análise dos valores dos advérbios qualitativos em -
mente/ment, bem como suas tendências de ordenação em sentenças do português, com uma
inicial comparação com o francês. A observação da ordenação desses itens implica considerar
os diferentes valores que eles apresentam, e por isso o trabalho prevê uma análise das
extensões semânticas que caracterizam seus usos. A base teórica do trabalho é a teoria da
gramaticalização tanto no que se refere aos processos de extensão de sentido dos advérbios
estudados, quanto no que concerne à sua ordenação - já que os níveis de encaixamento das
cláusulas em que eles ocorrem constituem um fator que também influencia sua colocação
efetiva na sentença.
ix
ABSTRACT
VLCEK, Nathalie Pires. A gramaticalização de advérbios em -mente/ment no português e no
francês: uma análise histórica. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2011. 107 folhas.
Dissertação de Mestrado em Linguística.
The aim of this document is to provide an analysis of the values of qualitative adverbs –
ment/ment, as well as their trends of ordering in Portuguese, with a small comparison with
French sentences. These item’s ordering observation, implies considering the different values
which they represent, therefore the project foresees the analysis of the semantic extensions
which characterises its use. The theoretical basis of this work is the grammaticalization theory
regarding both the extension sense process of the studied adverbs, and it’s ordering - since the
placing levels of the terms in which they occur establish a factor that also influences its
effective use is a sentence.
x
SUMÁRIO LISTA DE TABELAS ......................................................................................................................... xiv
LISTA DE FIGURAS E GRÁFICOS .................................................................................................. xv
1. Introdução .................................................................................................................................... 13 1.1. Objetivos e hipóteses ............................................................................................................ 14
2. Revisão da Literatura e alguns “pitacos .................................................................................... 17 2.1. O problema da definição dos advérbios ............................................................................. 18
2.1.1. Ausência de definição para a classe: ............................................................................... 20 2.1.2. Aglomerados de sentidos sobrepostos: ............................................................................ 22 2.1.3. Graus de representatividade: ........................................................................................... 24 2.1.4. Ausência de fronteiras nítidas: ........................................................................................ 28 2.1.5. A categoria linguística dos advérbios é prototipicamente prototípica! ........................... 29
2.2. O problema da classificação dos advérbios em –mente/ment : o que propõe a tradição, como podemos interpretá-la e o quanto devemos criticá-la. ....................................................... 31
3. Pressupostos Teóricos .................................................................................................................. 39 3.1. Uma postura epistemológica consciente ............................................................................. 39 3.2. A corrente funcionalista ...................................................................................................... 44 3.3. A teoria da gramaticalização ............................................................................................... 46
3.3.1. Uma proposta para os estudos de gramaticalização ........................................................ 48 3.3.2. Gramaticalização entre cláusulas .................................................................................... 51 3.3.3. Gramaticalização e unidirecionalidade ........................................................................... 55
4. METODOLOGIA E CORPUS ................................................................................................... 59 4.1. As variáveis utilizadas .......................................................................................................... 59
4.1.1. As Posições observadas: .................................................................................................. 59 4.1.2. O grau de gramaticalização da cláusula .......................................................................... 60
4.2. Os corpora utilizados ............................................................................................................ 60
5. Análise de Dados .......................................................................................................................... 63 5.1. Ordenação dos qualitativos em português ......................................................................... 63
5.1.1. Século XVIII ................................................................................................................... 64 5.1.2. O século XIX ................................................................................................................... 69 5.1.3. Uma visão geral do fenômeno ......................................................................................... 75
5.2. Ordenação dos advérbios qualitativos em –ment no francês ........................................... 77 5.2.1. Suposições gerativas acerca da ordenação do advérbio intra-sentencial modificador do Sintagma Verbal em inglês, francês e português: uma discussão e várias hipóteses ................... 77 5.2.2. As tendências de ordenação do advérbio qualitativo em –ment no francês dos séculos XVII, XVIII e XX ......................................................................................................................... 83
5.3. A gramaticalização dos advérbios qualitativos em -mente/ment e o surgimento de modalizadores .................................................................................................................................. 86
5.3.1. Frequência: da formação dos advérbios qualitativos em –mente/-ment ao seu enfraquecimento frente ao valor modalizador .............................................................................. 88 5.3.2. Gramaticalização e iconicidade ....................................................................................... 92
6. . CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 101 6.1. Sobre a ordenação dos advérbios em –mente/ment ......................................................... 101
6.1.1. Pequeno parênteses para reflexão acerca de questões levantadas anterioremente ........ 102 6.2. Sobre a gramaticalização de advérbios em –mente/ment ............................................... 106 6.3. Conclusões iniciais de um próximo trabalho ................................................................... 107
7. BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................... 109
xi
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Quadro sinótico da natureza prototípica da categoria dos advérbios ...................... 30
Tabela 2: Distribuição das posições dos advérbios qualitativos em –mente no português do
século XVIII em função dos diferentes tipos de cláusula ....................................................... 65
Tabela 3: Distribuição das posições dos advérbios qualitativos em –mente no português do
século XVIII, incluindo informações sobre a presença e ausência de sujeito ....................... 67
Tabela 4: Distribuição dos advérbios qualitativos em –mente na primeira fase do século XIX
do português ............................................................................................................................ 70
Tabela 5: Distribuição dos advérbios qualitativos em –mente na segunda fase do século XIX
do português ............................................................................................................................ 70
Tabela 6: Distribuição dos advérbios qualitativos em –mente na terceira fase do século XIX
do português ............................................................................................................................ 70
Tabela 7: Distribuição das posições dos advérbios qualitativos em –ment no francês do século
XVIII ....................................................................................................................................... 83
Tabela 8: Distribuição das posições dos advérbios qualitativos em –ment no francês do século
XVII ........................................................................................................................................ 84
Tabela 9: Distribuição das posições dos advérbios qualitativos em –ment no francês do século
XX ........................................................................................................................................... 85
Tabela 10: Tabela sobre os reflexos do parâmetro força de AGR em diferentes línguas .... 104
Tabela 11: Tabela com resumo das propriedades apontadas por Haegerman e Guéron (1999)
como consequências do traço força de AGR ........................................................................ 104
Tabela 12: Sugestões de algumas mudanças no português, relacionadas ao traço força de
AGR ...................................................................................................................................... 105
xii
LISTAS DE FIGURAS E GRÁFICOS
Figura 1: Representação esquemática do continuum léxico-gramática ................................. 27
Figura 2: Uma análise de definição prototípica para os advérbios consequentemente, meio e
rapidamente ............................................................................................................................ 30
Figura 3: Combinação de traços dependência e encaixamento, segundo Hopper e Traugott,
2003 ......................................................................................................................................... 52
Figura 4: Imagem ilustrativa do uniforme escolar masculino do Colégio D. Pedro II,
estabelecido por decreto em 1837, discutido como um dos símbolos da reforma de ensino e
militância política da época .................................................................................................... 72
Figura 5: Tabela com compilação e re-análise dos dados de Moraes Pinto (2008) sobre
ordenação dos qualitativos em –mente no português arcaico dos séculos XVI e XVII .......... 75
Figura 6: Representação arbórea de onde o advérbio intra-sentencial seria gerado segundo a
tradição formal ........................................................................................................................ 78
Figura 7: Modelo de Faculdade da Linguagem baseado em interpretação do Programa
Minimalista (Chomsky, 1995) ................................................................................................ 79
Gráfico 1: Relação da distribuição de pré-posições e pós-posições em função da presença ou
ausência de sujeito expresso em posição pré-verbal no século XVIII do português .............. 68
Gráfico 2: Porcentagens de ocorrências das diferentes ordenações dos qualitativos em –mente
nos séculos XVIII e XIX do português ................................................................................... 71
Gráfico 3: Porcentagem de pós-posições de advérbio qualitativo em –mente no português
escrito do Brasil do século XV ao século XX ......................................................................... 76
Gráfico 4: Porcentagem de anteposições de advérbio em relação ao verbo em cláusulas mais
gramaticalizadas no português escrito do Brasil do século XV ao século XX (não houve dados
do século XX) ......................................................................................................................... 76
13
1. Introdução
Este trabalho desenvolve uma pesquisa acerca das tendências de ordenação de
advérbios qualitativos em -mente em textos portugueses do século XIII e XIX, e esboça uma
comparação da situação com os advérbios em -ment em textos do francês dos séculos XVII e
XVIII, levando em consideração a situação atual e hipóteses sobre situações anteriores em
ambas as línguas. Justificamos os diferentes períodos analisados nas línguas em questão
devido à hipótese, que será apresentada com maior detalhe mais adiante na dissertação, de que
a mudança que aconteceu na língua portuguesa no século XIX aconteceu em períodos
anteriores na língua francesa.
Advérbios qualitativos seriam aqueles que estariam ligados diretamente ao verbo,
expressando o modo como a ação se dá – como em 01, em que o advérbio cruellement indica
o modo cruel como fizeram morrer a pessoa de que se fala.
(01) (...) dequoy ils furent tellement indignez, qu’ils l’ont fait mourir cruellement, Le corps a esté porré par la Ville, (...). 1 TRAD: (…) com o que eles ficaram tão indignados, que o fizeram morrer cruelmente, O corpo foi trazido/apodrecido pela cidade, (…)
O trabalho se desenvolve com base na teoria da gramaticalização, que sugere uma
forte regularidade translinguística2 da mudança, no sentido de as ordenações mais antigas se
restringirem a sentenças mais conservadoras do ponto de vista da ordenação vocabular. Além
disso, já que como acompanhando as diferentes ordenações percebemos também o surgimento
de novos usos, a teoria da gramaticalização, fortemente discutida nesta dissertação, também
está presente na clássica afirmação de que um item lexical vai assumindo progressivamente
valores gramaticais em função da atuação de processos cognitivos no ato da comunicação.
1 GALLICA, XVII 2 O termo ‘translinguístico’ é uma tradução do inglês ‘cross-linguistic’, que designa um fenômeno que ocorre em várias línguas.
14
Buscando identificar uma regularidade na mudança linguística, proponho nesta
dissertação não apenas confirmar as tendências já detectadas em trabalhos anteriores, tanto no
que se refere à colocação quanto à polissemia; mas também começar uma investigação sobre
se as tendências que observamos para os textos portugueses também se aplicam à análise do
francês. Além disso, a análise da ordenação dos advérbios qualitativos em -mente/ment ganha
nesta dissertação um propósito forte do ponto de vista da epistemologia linguística.
1.1. Objetivos e hipóteses
O objetivo central do trabalho é, resgatando o que foi dito anteriormente, compreender
como se dá a gramaticalização dos advérbios em -mente do português, analisando não só as
suas ordenações e o tipo de cláusula em que aparecem, mas também suas trajetórias de
mudança semântica ao longo da história. A análise comparativa com o francês é pequena,
devido a pouca quantidade de textos e a dificuldade de analisar contextos ambíguos que
encontramos; mas deverá ser capaz de apontar a existência de processos translinguísticos e,
portanto, regulares de gramaticalização e também de indicar especificidades do processo em
cada uma das línguas estudadas, o que é previsto pela própria teoria. Além disso, o presente
trabalho procura evidenciar com bastante clareza e precisão a escolha a linha funcional da
linguística para a análise destes fenômenos. Propomos, portanto, os seguintes objetivos:
a) analisar textos em língua francesa e portuguesa, contribuindo para um projeto
maior de análise da ordenação dos advérbios qualitativos;
b) levantar e analisar dados em textos de língua francesa e portuguesa e iniciar
uma comparação entre as trajetórias de gramaticalização dos advérbios em -
mente/ment do português e do francês, a fim de buscar aspectos
translinguísticos da gramaticalização e também de investigar as especificidades
de cada língua;
15
c) observar se o grau de gramaticalização da cláusula em que ocorrem os
advérbios em -mente/ment com valor qualitativo influencia sua ordenação nas
duas línguas estudadas;
d) descrever essas trajetórias e analisá-las sob a luz da teoria da gramaticalização,
reparando a relação íntima entre a mudança no escopo do advérbio e o
surgimento de novos usos;
e) discutir os fenômenos citados em outras abordagens linguísticas e propor uma
justificativa para a escolha da linha funcional da linguística.
Esses objetivos estão associados às seguintes hipóteses:
a) os processos de gramaticalização, por refletirem aspectos cognitivos que não
estão necessariamente associados a esta ou àquela língua, devem se manifestar
– com alguma especificidade relativa a características de cada língua – no
português e no francês;
b) existe uma trajetória unidirecional advérbio interno à cláusula > advérbio
sentencial > marcador discursivo (Traugott e Dasher: 2005), tanto em
português quanto em francês, assim como uma trajetória unidirecional
advérbio interno à cláusula > advérbio conjuntivo, que também se manifesta
nas duas línguas;
c) existe uma tendência de mudança na ordenação dos advérbios qualitativos em -
mente/ment, que migram da posição pré-verbal para a posição pós-verbal ao
longo dos séculos, tanto no português quanto no francês. Esta mudança se
iniciaria nas cláusulas menos gramaticalizadas (como, por exemplo, nas
coordenadas) e posteriormente alcançaria as mais gramaticalizadas (como, por
exemplo, as completivas), que são mais resistentes à mudança;
16
d) como há uma interação entre sintaxe, pragmática e semântica, ocorrerá,
paralelamente aos fenômenos levantados nas hipóteses a e b, uma mudança no
sentido dos advérbios partindo do seu valor mais concreto para outro mais
abstrato e subjetivo;
e) os diferentes paradigmas linguísticos existentes atualmente possuem limitações
e alcances que tornam o diálogo entre teorias, muitas vezes, essencial. Para a
análise de um elemento como o advérbio, os modelos baseados no uso parecem
ser mais adequados, já que levam em consideração a existência de categorias
prototípicas; a mudança através da gramaticalização, da iconicidade e dos
sentidos implicados pelos diferentes usos.
17
2. Revisão da Literatura e alguns “pitacos
O principal objetivo deste capítulo é tratar das definições, classificações e tendências
de ordenação dos advérbios qualitativos em -mente/ment. Apesar de este trabalho se vincular
à linha funcional da linguística, levantarei importantes contribuições de outras linhas teóricas
para esta análise.
É bem verdade que seria apropriado compor uma obra de fim de curso que tivesse
uma clara revisão da literatura seguida de uma meticulosa exposição dos pressupostos
teóricos que preparariam os meus leitores e avaliadores para a análise de dados. Isso, porém,
se demonstrou perto do impossível ao lidar com o tema proposto. Omitir a teoria dos
protótipos da linguística cognitiva e a sistematização sintática da linguística gerativa da
discussão em torno da ordenação e gramaticalização dos advérbios teria um custo de
oportunidade3 muito alto. Porém, algumas dessas descobertas não podem fazer parte dos
pressupostos teóricos de um trabalho sob a orientação do funcionalismo norte-americano4;
assim como seria pouco provável que se encaixassem na revisão da literatura sem
estranhamento.
Considerei que os leitores merecem saber quais decisões metodológicas foram
tomadas, já que a escolha de um caminho metodológico muitas vezes implica na não-escolha
dos demais. Apesar de o presente texto prender-se à análise funcional da linguística, acho
importante apresentar também a visão gerativa da questão e fazer algumas comparações que
ajudam a justificar sua escolha.
É inferível, portanto, que a análise de dados comece desde o primeiro parágrafo da
revisão da literatura quando me proponho a destrinchar diferentes linhas teóricas perfilando
somente aquilo que interessa para o estudo do fenômeno da ordenação e polissemia dos 3 O Custo de Oportunidade representa o custo associado a uma determinada escolha medido em termos da melhor oportunidade perdida (Paulo Nunes, 2009). 4 Digo algumas, pois a teoria dos protótipos é já bastante utilizada por funcionalistas; assim como já se vê também em algumas análises funcionais a incorporação de determinadas descobertas da linguística formal.
18
advérbios qualitativos e modalizadores em -mente/ment em francês e português. Além disso, a
análise de dados já é esboçada também nos pressupostos teóricos, pois ao escolher quais
pontos da linguística funcional são relevantes para chegarmos às hipóteses e objetivos
apresentados na introdução, a análise já avança em muito na parte em que, acredito, ela seja
mais significativa para a comunidade linguística. Resta, portanto, nas partes finais do
trabalho, contabilizar esses dados e analisá-los qualitativamente, buscando revelar como a
língua aponta, de fato, algumas tendências que esbocei somente na teoria anteriormente.
Romper com a separação estanque das “partes” do trabalho de dissertação é esperado,
mas é necessário até para que se possa, com o próprio texto, comprovar o que é defendido em
todo o trabalho: a divisão de elementos em categorias estanques é não só simplificadora,
como também, em parte, impossível. Assim, acredito que todo pesquisador tenha tido vontade
de fazer o mesmo. Por que dar este passo a mais? Uma vez, uma professora de Filosofia
Antiga me tirou metade dos pontos de uma prova em que eu não tinha errado nada, porque
não ousei. Simplificar um fenômeno com fins didáticos depois que já nos deparamos com a
sua complexidade no mundo é o maior erro que um pesquisador pode cometer. Lembro-me de
pensar depois que ela deveria ter-me dado zero.
2.1. O problema da definição dos advérbios
“Pourquoi choisir l’adverbe, classe réputée pour son caractère « intraitable » (…) ?”5
Qualquer que seja a área de pesquisa do linguista, a categoria dos advérbios é
reconhecidamente de difícil definição por não ser muito homogênea. Givón (2001) chega a
afirmar que esta é a classe que apresenta menos aspectos universais devido a sua função
linguística ora lexical e ora gramatical.
5 Por que escolher o advérbio, classe conhecida por seu caráter “intratável” (...)? (tradução minha) de: GOES, Jean. Introduction. In: L’adverbe: un pervers polumorphe. Artois Presses Université, 2005.
19
São tantos e tão diferentes os subtipos de advérbios que, muitas vezes, é difícil definir
a categoria. Parece não haver uma única característica que ocorra em todos esses itens,
definindo-os como uma classe discreta e de fronteira nítida. Um caminho promissor para a
resolução deste impasse parece ser a teoria dos protótipos, pois esta parece mostrar uma série
de questões pertinentes e esclarecedoras para o tratamento dos advérbios. Partamos em busca
destas questões.
A teoria dos protótipos teve sua versão mais sistemática e empírica (Taylor: 1995)
com o trabalho de Eleanor Rosch (1973, 1975 e 1978), e ficou conhecida como um
rompimento com as tradicionais condições necessárias e suficientes da lógica aristotélica.
Negando a visão de que todo elemento de uma mesma categoria compartilharia as mesmas
características, o trabalho de Rosch chamou a atenção para o fato de que na categoria pássaro
haveria itens mais representativos (como pardal) do que outros (como pinguim). Além disso,
a diferença de representatividade desses itens foi atribuída ao reflexo dos modelos idealizados
que os falantes teriam dessas categorias. Assim, os itens mais radiais da categoria seriam os
menos representativos dela, enquanto um item prototípico seria aquele que compartilharia
mais características com os outros membros dessas categorias e menos características com os
membros de categorias distintas.
A teoria dos protótipos se tornou extremamente cara aos linguistas pois, apesar de não
contribuir muito para a formalização das categorias, é essencial para os outros pressupostos
metodológicos esperados pelas teorias linguísticas: adequação descritiva, profundidade
explicativa e produtividade (Geeraerts, 1989). Além disso, a teoria permite aos pesquisadores
facilmente aplicar suas intuições sobre flexibilidade, variedade de sentidos e fuzziness
(difusão); além de poder ser aplicada em diversos aspectos da linguística. Por isso a teoria dos
protótipos possibilita uma análise mais apurada da classificação e do próprio entendimento
20
dos advérbios, uma vez que abarca também a análise de elementos periféricos, antes
marginalizados pela abordagem categórica, como veremos um pouco mais adiante.
Geeraerts (1989) propõe que a teoria dos protótipos é, em si mesma, um conceito
prototípico e apresenta quatro características frequentemente mencionadas como típicas da
prototipicalidade: (i) categorias prototípicas não podem ser definidas por um único conjunto
de condições necessárias e suficientes; (ii) categorias prototípicas possuem uma estrutura de
semelhança por familiaridade, ou seja, sua estrutura semântica tem a forma radial de um
aglomerado de sentidos sobrepostos; (iii) categorias prototípicas exibem diferentes graus de
pertencimento de seus constituintes, ou seja, nem todos os membros são igualmente
representativos; e (iv) categorias prototípicas têm fronteiras difusas.
Se nos atentarmos para essas quatro características, chegaremos à conclusão de que a
classe dos advérbios é prototipicamente prototípica, ou seja: possui as quatro características
típicas de um conceito prototípico. Vejamos como:
2.1.1. Ausência de definição para a classe:
Desde a tradição greco-latina, os estudos da linguagem veem o advérbio como termo
invariável modificador de verbo. Até hoje, nossas gramáticas estão impregnadas por vestígios
desses conceitos:
O ADVÉRBIO é, fundamentalmente, um modificador do verbo. (Cunha & Cintra, 2001) Un adverbe est un mot ou un groupe de mots inveriable qui modifie le sens d’un mot ou le sens d’une phrase.6 (Delatour, Jennepin, Duford & Teyssier, 2004)
6 Tradução minha: O advérbio é uma palavra invariável que modifica o sentido de uma palavra ou de uma frase.
21
Estas definições corriqueiras precisam ser revistas em dois aspectos fundamentais: o
seu escopo exclusivamente verbal (definição de Cunha & Cintra) e a sua invariabilidade
(definição de Delatour, Jennepin, Duford & Teyssier).
Sobre a questão da invariabilidade, como sabemos, em muitas línguas já se encontram
casos de concordância do advérbio com um sintagma nominal perto dele:
(2) a. Maria está toda molhada. b. Maria está meia cansada.
Embora apenas 2a seja reconhecida pela gramática tradicional, sabemos que ambas as
formas são gramaticais no português oral - e escrito também, se tomarmos autores mais
antigos do Brasil. Além disso, outras línguas atestam este fenômeno, como o francês (3):
(3) Des personnes nouvelles venues.7
Merece ainda maior atenção a questão de o advérbio ser ou não, por definição, um
item modificador do verbo. Martelotta (inédito) afirma que somente no Renascimento surge a
ideia de que os advérbios possam caracterizar outras classes, e assim emerge uma grande
dificuldade em caracterizá-los numa só classe. Com a gramática de Soares Barbosa editada
em Portugal em 1982, surge a visão hoje difundida em nossas gramáticas de que o advérbio
modifica o verbo, o adjetivo e outro advérbio. Esta nova definição de advérbio coloca nesta
classe uma série de itens novos, que não estão, muitas vezes, intimamente relacionados com o
verbo. Hoje já existem muitos linguistas que estudam advérbios modificadores de toda a
cláusula.
Adverb. A Word of a class whose characteristic role is traditionally that modifying a verb or a verb phrase: e.g. badly in He wrote it badly, where (in different accounts) it modifies either wrote or the phrase wrote it. (…) On the grammar of English and many similar languages, an adverb is effectively a
7 Exemplo de Raemdonck, 1995.
22
word that modifies anything other than a noun. Thus badly above; certainly in Certainly I’ll come, where it modifies I’ll come. (MATTHEWS, 2005)
Martelotta (inédito) traz alguns exemplos de advérbios sentenciais, que não se referem
ao verbo, mas à toda a sentença:
(4) a. Certamente, vai chover amanhã. b. Felizmente, não choveu. c. Francamente, eu não gosto de chuva.
Esses seriam casos em que ocorreria nitidamente um posicionamento ou uma atitude
do falante em relação àquilo que fala. Assim, seriam classificados em modalizadores
epistêmicos, afetivos e pragmáticos (respectivamente 4a, 4b e 4c). Entraremos mais
precisamente na questão da classificação dos advérbios qualitativos e modalizadores nas
próximas seções do trabalho, mas, por ora, é importante perceber que nos três casos do
exemplo 4 temos uma relação de extensão do uso nos advérbios sentenciais, já que estes
advérbios modalizadores são provenientes de valores qualitativos; como também discutiremos
mais adiante.
2.1.2. Aglomerados de sentidos sobrepostos:
Pesquisas em linguística funcional propõem uma tendência de o advérbio cujo escopo
é o verbo (exemplo 5) de aparecer junto ao verbo; enquanto advérbios cujo escopo é toda a
cláusula tenderiam por ordenações mais variadas, incluindo posições distantes do verbo
(exemplo 6).
(5) As pesquisas indicam consistentemente que gays e lésbicas têm uma crescente aceitação na sociedade dos EUA.8
8 Jornal O Globo, versão virtual, texto publicado em 3 de Agosto de 2009. (http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2009/08/03/lideres-episcopais-de-la-sagram-dois-bispos-homossexuais-757081753.asp)
23
(6) Felizmente, a maioria dos incômodos da TPM podem ser amenizados com algumas mudanças no cotidiano.9
Embora a maioria das gramáticas escolares brasileiras listem os dois itens sublinhados
nos exemplos acima como advérbios de modo, podemos perceber algumas diferenças básicas
entre eles. A primeira, no que diz respeito à sua colocação, já que o item consistentemente
aparece próximo ao verbo e o item felizmente aparece afastado deste. A segunda, no que diz
respeito aos valores semânticos que estes possuem, já que o item consistentemente aparece
com um valor referencial, ligado ao mundo objetivo, significando “indicar de modo
consistente”; enquanto o item felizmente aparece com um valor abstrato, ligado ao mundo
inter-subjetivo, transmitindo assim o sentimento do falante sobre aquilo que ele diz.
Em termos teóricos, essas diferenças se explicam por dois pressupostos fundamentais
da linguística funcional: (i) o princípio da iconicidade - mais especificamente o subprincípio
da integração (Givón, 1990) e (ii) a teoria da gramaticalização (Hopper e Traugott, 2003;
Cezario, Martelotta e Votre, 2004).10 O subprincípio da integração observa a tendência de
codificar linguisticamente junto o que é operado cognitivamente junto. Os pressupostos
levantam, portanto, a hipótese de que advérbios modificadores do verbo (ex.: qualitativos)
tendem a aparecer próximos do sintagma verbal, enquanto advérbios modificadores de toda a
cláusula (ex.: modalizadores) não seguiriam esta tendência. Baseiam também uma análise na
teoria da gramaticalização, já que propõem uma trajetória unidirecional (advérbio interno à
cláusula > advérbio sentencial) que guia o comportamento desses advérbios através da
diacronia das línguas (Traugott e Dasher, 2005).
A Linguística Cognitiva acredita, porém, que, se olharmos atentamente para a
metáfora que ocorre com o advérbio em questão (pois junto com a mudança de escopo há uma 9 Jornal O Globo, versão virtual, texto publicado em 30 de Julho de 2009. (http://oglobo.globo.com/vivermelhor/mulher/mat/2009/07/30/mudancas-acentuadas-de-humor-durante-tpm-podem-indicar-transtornos-de-ansiedade-757038019.asp) 10 Abordaremos essas duas questões com maior detalhe nos pressupostos teóricos da dissertação.
24
mudança de sentido), veríamos mais. Em outras palavras, acredita que estaríamos perdendo
muito se a tratássemos apenas como uma mudança diacrônica, pois o efeito da flexibilidade
semântica sincrônica do item deve ser levado em consideração também (visto que as
extensões metafóricas sincrônicas podem ser baseadas em diversos atributos enciclopédicos
do falante).
Assim, dentro desta perspectiva, quando olhamos atentamente para os sentidos
possíveis dos advérbios, deparamo-nos com aglomerados sobrepostos de sentidos que
licenciam seus mais diversos usos. Um advérbio como o item felizmente no exemplo 6
expressa a emoção do falante sobre aquilo que fala; uso que se tornou possível a partir de um
advérbio que tem como base um sentimento “feliz” (vê-se que, segundo Martelotta (Inédito),
advérbios cujas bases não eram sentimentos, mas certezas, geraram advérbios que expressam
a atitude epistêmica do falante, como certamente, e não a sua emoção). Ou seja, podemos
supor a existência de um aglomerado de sentidos latentes na própria sincronia dos advérbios.
É importante repararmos que a linguística funcional não descarta a hipótese cognitiva
de que o efeito da flexibilidade semântica sincrônica do item deve ser levado em
consideração; mas aponta para o fato de que, se há unidirecionalidade e este fenômeno é
translinguístico; a mudança não parte de um aglomerado de sentidos possíveis no dado item,
mas de uma série de processos previstos no fenômeno de gramaticalização. Assim, a mudança
diacrônica não perde seu posto como principal forma de interpretar fenômenos de mudança
como os que envolvem os diferentes advérbios.
2.1.3. Graus de representatividade:
Chomsky, maior expoente da linguística gerativa, distingue no Programa Minimalista
(1995) dois tipos de advérbio: os advérbios pertencentes à categoria lexical (gerados na
25
posição de especificador do sintagma verbal11) e os advérbios pertencentes à categoria
funcional (gerados, segundo Cinque (1999) nos nódulos aspectuais da Camada Flexional12).
As consequências dessa afirmativa são numerosas, já que a linguística gerativa dá
conta de formas bastante diferentes – a depender da linha teórica do pesquisador – para
entradas lexicais e funcionais no processamento da linguagem. Pode-se dizer que a proposta
de Chomsky induz pesquisadores a lidar com os diferentes advérbios de formas diferentes, já
que o léxico seria arbitrário e idiossincrático, enquanto as categorias funcionais obedeceriam
a um conjunto de princípios universais.
A maior dificuldade colocada pela questão das diferentes origens arbóreas13 dos
advérbios é que, se a divisão da classe em duas bem distintas - uma funcional e uma lexical –
é necessária (já que um item que pertence a uma classe não poderia, de forma alguma, ser
representativo da outra classe; por exemplo, um advérbio de IP14 não pode representar a
classe dos advérbios de VP15 e vice-versa); o que fazer com advérbios que aparecem na língua
tanto como advérbio de VP como advérbio de IP? Esse é o caso de tristemente nos exemplos
abaixo:
(7) A mãe e a irmã choravam tristemente... 16
(8) Parece que desde o último dia 12 de maio essa liderança também chega tristemente aos
níveis da violência urbana e à ação mortífera do crime organizado. ... 17
11 Doravante SV. 12 Doravante IP. 13 Como a sintaxe da sentença é normalmente representada por esquema de árvores, utilizamos a expressão “arbórea” para nos referirmos ao mapeamento de estruturas linguísticas na operação sintática. 14 Advérbio de IP é a terminologia da linguística gerativa para tratar de advérbios gerados na camada flexional (Inflexional Phrase). 15 Advérbio de VP é a terminologia da linguística gerativa para tratar de advérbios gerados no sintagma verbal (Verbal Phrase) 16 R. Correia, apud Celso Cunha, 2003 17 wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape/...
26
Enquanto em 7 o advérbio tem um valor de indicar de que modo choram a mãe e a
irmã; em 8 o advérbio revela um sentimento de tristeza que o falante tem acerca dos dados
que apresenta na sentença. Em termos mais “gerativos”, o advérbio em 7 seria gerado no VP
enquanto o advérbio em 8, no IP – mas qual a relação entre eles?
Dentre as tentativas de resposta e os silêncios do modelo formal para esta questão,
somente com Costa (2004), haverá uma proposta clara de relacionar sintaxe e semântica em
linguística gerativa, afirmando que, a depender do tipo de advérbio e da posição deste na
sentença, haverá um número possível de interpretações do mesmo – sendo, para alguns
advérbios, possível tanto uma leitura funcional (como a teoria formal chama o valor subjetivo
de atitude do falante) como uma lexical (como chama o valor referencial de modo em que
ocorreu a ação).
Esta afirmativa parece colocar em questão a proposta da cisão da categoria do
advérbio em duas classes distintas pela linguística gerativa e parece apontar para uma visão
mais moderna deste paradigma linguístico, capaz de ver a importância do estudo da semântica
para a compreensão de alguns fenômenos dos quais a sintaxe não dá conta. Costa, porém,
continua apontando para a autonomia da sintaxe e para a arbitrariedade da língua, o que,
muitas vezes em seus trabalhos, parece uma conclusão precipitada.
Esta questão, porém, não parece ser um problema para posturas baseadas no uso, quer
funcional ou cognitiva, de compreender a linguagem. Com a proposta de um continuum
(Brinton e Traugott: 2005) do léxico para a gramática, estando substantivos e adjetivos no
pólo lexical enquanto preposições e verbos auxiliares estariam no pólo gramatical; a categoria
linguística dos advérbios poderia ser imaginada centro deste continuum; pois não é
prototipicamente nem lexical nem gramatical.
27
Figura 1: Representação esquemática do continuum léxico-gramática.
Esta proposta resolve também outra questão pertinente no que tange à análise dos
advérbios da linguística formal. Um dos traços prototípicos de uma categoria lexical é ser
uma classe aberta; enquanto categorias gramaticais costumam ser classes fechadas. Para a
linguística gerativa, há uma grande questão a ser superada: o projeto cartográfico de Cinque e
Rizzi (2008), que chama a atenção para o fato de que definir as classes fechadas como
funcionais (em oposição a classes abertas como lexicais) é uma tarefa que se torna
insustentável no tratamento dos advérbios – já que desde Cinque (1999), não parece haver
uma tendência advérbios de VP serem uma classe mais aberta ou mais numerosa do que a de
advérbios do IP.
Esta tarefa não é impossível, porém, se pensarmos em classes lexicais e gramaticais
como um continuum e, se colocássemos a categoria linguística dos advérbios como não
representativa nem de uma nem de outra, já que seus usos oscilam entre significados mais
representacionais do mundo (como o advérbio qualitativo rapidamente) e significados mais
associados a questão da interação entre falante e ouvinte (como o advérbio modalizador
infelizmente):
A categoria dos advérbios é reconhecidamente a menos homogênea e, portanto, a mais difícil de ser definida. Em função disso, de acordo com Givón (2001), não surpreende que os advérbios sejam a classe que, translinguisticamente, apresenta menos aspectos universais, podendo estender-se pelos planos morfológico, léxico e sintático. Essa versatilidade, provavelmente, se relaciona ao fato de os advérbios funcionarem num plano de utilização da língua que oscila entre o campo representacional, típico do léxico, e a área da gramática, relacionada à orientação intersubjetiva que normalmente se associa aos elementos de caráter gramatical. (Martelotta, inédito)
28
Nosso próximo passo seria, porém, algo ainda mais difícil: definir quais seriam os
advérbios mais representativos dessa categoria difusa que é a dos advérbios. Antes de se
estabelecer quais seriam os mais representativos tipos de advérbio da categoria, precisaríamos
estabelecer quais seriam as características mais prototípicas de um advérbio, e isso parece não
ser consensual.
Porém, como já mostramos no presente trabalho, os advérbios são compreendidos
tradicionalmente como itens modificadores do verbo. Sendo assim, poderíamos propor que
advérbios qualitativos (exemplo 7) são mais prototípicos do que advérbios sentenciais
(exemplo 8); muito embora, devido à natureza intersubjetiva dos advérbios sentenciais, esses
sejam muito mais frequentes nos textos analisados. O critério para definir este advérbio como
o mais prototípico deve ser debatido com maior cautela, mas se dá, em grande parte, a partir
de um centro “ideal” que nós, pesquisadores e falantes, temos do que seria um advérbio.
Sobre os exemplos 7 e 8, apresentados acima, especificamente, lembramos que nossa
proposta seria não de imaginar uma ausência de relação entre as duas formas de tristemente,
mas propor que, após uma trajetória diacrônica de gramaticalização do advérbio interno à
clausula em alguns contextos se tornar um advérbio sentencial, as duas formas de tristemente
sobrevivem na sincronia da língua como autônomas e independentes. Assim, o advérbio do
exemplo 7 é mais representativo da categoria dos advérbios (qualificando a ação) do que o
advérbio do exemplo 8 (sentencial e de natureza intersubjetiva).
2.1.4. Ausência de fronteiras nítidas:
Até o presente momento, podemos perceber que a categoria dos advérbios é de difícil
definição. Mas, mais do que isso, muitas vezes, há uma grande dificuldade de delimitar quais
seriam os elementos que a comporiam. Vejamos alguns casos em que a categoria dos
advérbios não tem fronteira nítida que a distinga de outras categorias linguísticas:
29
Alguns trabalhos em linguística tentam fazer uma análise dos chamados adjetivos
adverbializados, ou seja, adjetivos que, em contexto sintático-semântico típico de predicativo,
permanecem invariáveis, apresentando comportamento adverbial (Barbosa, 2006; Hummel,
1999a, 2001a). Seriam casos como Ela fala alto, A cerveja que desce redondo, Ela jogou sujo
com você etc. Em uma análise categorial dos advérbios, seria impossível dar conta destes
elementos mas, em uma análise devedora da noção de prototipicalidade, podemos dizer que
são elementos radiais, já que não possuem algumas características do advérbio prototípico e
compartilham características com outra categoria, a dos adjetivos.
Alguns trabalhos em linguística visam a analisar advérbios que estabelecem relações
entre cláusulas (Martelotta, inédito), como a relação de consequência em Comeu muito,
consequentemente passou mal. Este advérbio possuiria uma característica prototípica da
classe das conjunções, e não da dos advérbios: a de ter como função organizar as sentenças do
texto.
2.1.5. A categoria linguística dos advérbios é prototipicamente prototípica!
O que as seções anteriores do trabalho (de 2.1.1 a 2.1.4) tentaram demonstrar foi que
não há nenhum atributo necessário e suficiente que dê conta da classificação dos advérbios
como uma categoria estanque. Nem a forma (invariabilidade) nem a função (modificador de
verbo) foram capazes de dar conta de todos os elementos que orbitam a categoria dos
advérbios. Não há, porém, uma frustração nisso, muito pelo contrário, há uma descoberta:
categorizar os advérbios não significa determinar atributos necessários e suficientes, mas sim
“considerar o quanto as características da categoria em questão se aproximam das
características estruturais e pragmático-discursivas ideais para aquela categoria” (Martelotta,
inédito).
30
Características prototípicas da
prototipicalidade Os advérbios
têm essas características?
Por quê?
Ausência de definição para a classe + Se pensarmos em todos os tipos de advérbios ( não apenas nos em –mente/ment), nem a forma invariável
nem o escopo verbal (clássicas definições dos advérbios) parecem dar conta da definição da classe.
Aglomerados de sentidos sobrepostos
+ Sentidos mais objetivos levam sistematicamente a sentidos intersubjetivos, que podem coexistir na
sincronia da língua. Graus de representatividade + Advérbios mais prototípicos, como os qualitativos,
são mais representativos da categoria do que advérbios que compartilham traços de outras
categorias, como advérbios conjuntivos. Ausência de fronteiras nítidas + Não há fronteiras nítidas na distinção entre advérbios
e outras classes, como conjunções, adjetivos etc. Tabela 1: Quadro sinótico da natureza prototípica da categoria dos advérbios.
Assim, a ausência de um dos atributos prototípicos dos advérbios não elimina sua
classificação como tal, mas o afasta do centro prototípico estipulado pelo linguista. Na
categoria dos advérbios, podemos dizer que não há nenhuma propriedade suficiente ou
necessária que distinga seus elementos das demais categorias linguísticas, o que não é um
problema, já que a teoria dos protótipos permite a visão de uma categoria em forma de rede de
similaridades entrelaçadas. Um exemplo deixaria mais clara a ideia: os advérbios meio,
consequentemente e rapidamente são membros de uma mesma classe, mas meio e
rapidamente não compartilham nenhum atributo em comum. Porém, rapidamente
compartilha com meio o atributo da função predicativa (modificador de adjetivo ou de verbo)
e com consequentemente o atributo da invariabilidade.
Figura 2: Uma análise de definição prototípica para os advérbios consequentemente, meio e rapidamente.
Invariabilidade conseqüentemente
rapidamente
meio/meia Função predicativa
31
Estender a figura 02 para todos os demais advérbios significa compreender que a
categoria linguística dos advérbios é esquemática e, em grande parte, indeterminada. A
definição do centro desta categoria merece um estudo além dos objetivos e possibilidades
desse trabalho, mas esta análise com certeza teria que se debruçar arduamente nos diferentes
usos que organizam os advérbios em nossa língua, buscando as relações de semelhanças e
dessemelhanças que os caracterizam. Por isso, a seção seguinte do trabalho se fixará em
advérbios em –mente/ment, que já são facilmente definíveis pela forma, e que estão previstos
na análise desta pesquisa.
2.2. O problema da classificação dos advérbios em –mente/ment : o que propõe a
tradição, como podemos interpretá-la e o quanto devemos criticá-la.
Embora para Cunha & Cintra (2001) o advérbio seja fundamentalmente um
modificador do verbo, os autores assumem também que este possa modificar adjetivos,
advérbios ou, raramente, uma oração. Interessante notar que, apesar de fazer esta ressalva, os
autores separam os advérbios que modificam a oração em uma seção que não é a dos
advérbios, mas a de palavras denotativas.
Segundo os autores, a Nomenclatura Gramatical Brasileira distingue sete tipos de
advérbios para classificá-los: advérbios de afirmação, de dúvida, de intensidade, de lugar, de
modo, de negação e de tempo. Afirmam ainda que a própria NGB acrescenta outros três tipos:
de ordem, de exclusão e de designação; sendo estes dois últimos tipos incluídos numa
categoria à parte porque não modificam verbo, adjetivo ou outro advérbio, os quais os autores
tratam como palavras denotativas.
Dentre estes tipos, nem todos foram listados em sua gramática com exemplos de
advérbios em -mente. Apenas os de afirmação (certamente, efetivamente, realmente), de
32
dúvida (possivelmente, provavelmente), de modo (fielmente, levemente e, segundo os
autores, a maior parte dos advérbios terminados em -mente), de ordem (primeiramente,
ultimamente) e de exclusão (somente).
Por inúmeras razões já apontadas, esta classificação é restrita e incompleta. A mais
evidente delas é que, embora basear-se na ideia acessória que expressam os advérbios (Cunha
e Cintra: 2001) seja recorrente e, muitas vezes necessário, esquece-se de perceber se o valor
do advérbio é subjetivo ou referencial, além de ignorar-se se seu escopo é o verbo ou a
cláusula. Se considerássemos estas duas condições, certamente e efetivamente poderiam não
ocupar a mesma classificação.
Mas, uma das coisas mais interessantes que a nossa análise de dados pretende mostrar
é que, apesar do que dizem as gramáticas e o senso comum, a maior parte dos advérbios em -
mente no português não são advérbios qualitativos (de modo, como as gramáticas
chamariam), mas modalizadores.
Rocha Lima (2005) lista cinco tipos de advérbios e somente um deles não recebe
exemplo com advérbio em -mente, os advérbios de lugar. Os outros quatro são os seguintes:
advérbio de dúvida (provavelmente, eventualmente), de intensidade (excessivamente,
demasiadamente), de tempo (anteriormente, diariamente, imediatamente) e de modo (casos o
autor chama já de adjetivos adverbializados com o sufixo -mente ou sem ele, como em “Ela
fugia com os olhos, ou falava áspero”, em que áspero ocupa o lugar de asperamente).
Grevisse (1986) distingue os advérbios da língua francesa em três espécies partindo do
ponto de vista semântico: os adverbes de manière (aos quais se somam os adverbes de degré
e os adverbes de négation), os adverbes d’aspect (que, segundo o autor, são próximos muitas
33
vezes dos adverbes de manière e dos adverbes de temps), e os adverbes marquant une
relation logique.
É importante destacar que o autor descarta do grupo dos advérbios as chamadas mots-
phrases e, consequentemente, os chamados adverbes de phrase, já que eles se aproximam das
mots-phrases pois são elementos incidents.
Compreender a origem dos advérbios em -mente/ment pode, muitas vezes, nos auxiliar
a melhor classificá-los. Martelotta (inédito) traz uma série de argumentos diacrônicos que nos
possibilitam, como veremos adiante, fundamentar a classificação dos advérbios em
argumentos mais convincentes do que uma ingênua leitura sincrônica de seus sentidos. Este
parece ser o objetivo de Grévisse, que faz uma breve explanação sobre os processos de
formação dos advérbios em -ment no francês, chamando a atenção para a história dos
advérbios dérivés en –ment sur des adjectifs, afirmando que o processo continua produtivo, já
que casos como sportivement, mondialement, planetairement, artisanalement,
caractériellement são do século XX. A origem adjetival dos advérbios citados nos revela uma
natureza mais lexical na origem dos advérbios.
Grévisse aponta ainda para a interessante observação que esta derivação não pode ser
vista como automática, já que muitos adjetivos não tem uma forma em -ment correspondente,
como concis, content, fâche, mobile, tremblant, vexé, entre outros. Adjetivos de cor não
podem ser derivados em advérbios em -ment, exceto vertement no sentido figurado
(bruscamente); e essa restrição de valoração também se aplica a advérbios de forma
(rondement e carrément), que também só podem ser usados no sentido figurado (suavemente
e completamente, respectivamente). Ainda sobre a produtividade da derivação, faz um
comentário bastante pertinente de que alguns autores “se arriscam” às vezes fabricando
advérbios que não existem na língua usual:
34
(9) Qu’est-ce que tu as là? lui demanda le bonhomme en désignant bourrument du bout de son bâton la main [...] (Châteaubriant, Brière, I). TRAD.: O que você tem aí? lhe perguntou o homem apontando/ designando rispidamente com a ponta de sua vara a mão.
Grévisse não dá, porém, grandes passos na classificação destes advérbios, citando
apenas que existem diferentes tipos, mas não os rotulando, além de afirmar que são advérbios
em -ment. Acredito que isso se dê, em grande parte, pela astuta percepção, por parte do
gramático, de que a classe dos advérbios não apresenta características gramaticais lineares.
Com esta hipótese, e, portanto, assumindo uma visão diferente da tradicional, a
linguística funcional proporá desenvolver uma análise que parte do pressuposto de que a
chamada “classe dos advérbios” compreende uma categoria fluida, que contempla os mais
diferentes elementos, como vimos na seção a respeito da prototipicalidade dos advérbios.
Interessante é notar que, agora, além de perceber isso, vamos tentar estudar como esta
categoria se re-molda a cada momento, adaptando-se a situações comunicativas do discurso.
Martelotta (inédito) apresenta uma vasta classificação de advérbios (não só os em -
mente), dividindo-os em dois grandes grupos: (i) um grupo centrado nos qualitativos –
incluindo os próprios advérbios qualitativos, modalizadores (epistêmico, deôntico, afetivo e
pragmático), de verificação, de instrumento, de meio, conjuntivos e de atitude do sujeito e (ii)
um grupo centrado nos aspectuais – incluindo os próprios aspectuais, circunstanciais de
tempo (de referência fixa, dêitico e discursivo) e circunstanciais locativos (de referência fixa,
dêitico e discursivo).
Obviamente, não são todos os tipos de advérbios que encontram uma ocorrência com
advérbio em –mente/ment; em nenhum momento de nossa análise encontramos, por exemplo,
um advérbio de circunstância locativa com este sufixo. Nosso trabalho se focará nos dois
pólos da trajetória qualitativo > modalizador, preocupando-se básica e primeiramente com
35
estes dois advérbios, embora vários outros tipos encontrem grandes números de advérbios em
–mente/ment.
Assumimos em nossa análise que o advérbio qualitativo é o tipo mais representativo
da categoria dos advérbios em -mente. Esta afirmativa traz à tona a questão acerca da
discussão se existe ou não um “centro” das categorias linguísticas. Afirmar a existência deste
centro seria ou (i) afirmar a existência de uma essência de ser das coisas ou (ii) afirmar que o
conhecimento humano cria um centro para referência da organização do mundo objetivo em
categorias. Assumimos a segunda hipótese, baseados na asserção de Tomasello (2003), de que
a aquisição e estruturação das categorias linguísticas em paradigmas é resultado da
observação que os usuários fazem de seus traços semânticos, dos seus papéis na comunicação,
e de suas características estruturais.
Assim, como o advérbio qualitativo contém os traços típicos18 das definições de
advérbios (função predicativa que atua sobre a ação verbal), ele é tomado por nós como o
prototípico dentre os advérbios e, consequentemente, dentre os advérbios em -mente. Os
traços que definem o advérbio qualitativo prototípico são: ser invariável, ter função
predicativa (modificar outro elemento da sentença); relacionar-se semanticamente com a ação
verbal, fornecendo informações referenciais sobre a cena.
(10) Veículos trafegam lentamente na Barata Ribeiro.19
O advérbio qualitativo do exemplo 10 indica o modo como ocorre a ação de trafegar:
de modo lento. O item se relaciona intimamente com o verbo, modificando-o ao indicar uma
informação da cena que a sentença descreve.
18 Martelotta (inédito). 19 Portal de Notícias UOL, 2010: http://maplink.uol.com.br/v2/noticias/2010/01/04/veiculos-trafegam-lentamente-na-barata-ribeiro-109615.htm
36
Podemos perceber pelo exemplo que o uso desses elementos é caracterizado por uma
natureza mais objetiva da cena. Se tentarmos analisar casos de advérbios qualitativos em –
mente que tenham como alvo20 não verbos, mas adjetivos (11), substantivos (12), outros
advérbios (13) ou toda a cláusula (14), veremos que o valor semântico original já se torna
bastante subjetivado e que sua função no contexto discursivo já passa a ser outra que não
predicar (como intensificar em 11 e excluir em 12) ou descrever (como mostrar a atitude do
falante acerca daquilo que diz em 13 ou caracterizar a atitude do sujeito em 14), dificultando a
análise destes como advérbios que indicam modo ou que modificam o verbo, ou seja, como
qualitativos.
(11) Nossa noite foi perfeitamente brilhante.21
(12) Ela não é somente uma menina mostrando vídeos no you-tube.22
(13) Acho que David Beckham está realmente bem.23
(14) Como esconder inteligentemente o seu pulo de cerca?24
Castilho e Castilho (2002) estabelecem uma distinção entre dois componentes da
sentença: o dictum (componente proposicional, constituído de sujeito e predicado) e o modus
(componente modal, correspondente à qualificação do conteúdo de acordo com o julgamento
do falante).
Se observarmos o exemplo 15, veremos que o advérbio certamente não modifica o
sujeito (não significa que sejam corretos os personagens velhacos) nem o predicado (não
20 Usamos aqui a palavra “alvo” e não “escopo” pois acreditamos, como veremos nas próximas seções do trabalho, que mesmo que alguns advérbios possam ter como alvo um substantivo (por exemplo), sua atuação se dá no nível da sentença ou do discurso. 21 Blog pessoal, 2009: http://somente-pra-voce-l.blogspot.com/2009/10/nossa-noite-foi-perfeitamente-brilhante.html 22 Blog pessoal, 2006: http://www.bluebus.com.br/show/1/71786/e_ela_nao_e_somente_uma_ menina_mostrando_videos_no_youtube 23 Portal de Notícias FutNet, 2009: http://www.futnet.com.br/futebolinternacional/futebolitaliano/ noticias/?085574 24 Site de encontros, s/d: http://www.central-encontros.com.br/conselhos-para-solteiros/como-esconder-pulo-cerca-intro.htm
37
significa que estes são subestimados de forma correta); mas que funciona como uma
intervenção do falante qualificando o conteúdo do enunciado. Em outras palavras, o advérbio
em 15, que é um modalizador, modifica a componente modal da sentença, expressando a
certeza que o falante tem de que os personagens velhacos são subestimados em determinada
situação.
(15) O mundo da ficção é cheio de personagens velhacos, que aparentemente não exprimem
muito respeito e certamente são subestimados quando enfrentam algum oponente. 25
Vlcek e Martelotta (2009) apontam para o fato de que esses advérbios são sentenciais,
e não verbais, pois modificam o conteúdo transmitido no nível da sentença. Esta seria a maior
diferença entre modalizadores e qualitativos (que modificam a ação verbal).
A relação dos advérbios modalizadores e dos qualitativos se torna bastante clara se
pensarmos no fenômeno com um olhar diacrônico, o que será melhor explicado nos
pressupostos teóricos. Lembremo-nos por hora que alguns trabalhos de linguística histórica
(Moraes Pinto: 2008, Vlcek e Martelotta, 2009) apontam para o fato de que o surgimento de
advérbios modalizadores se dá em um processo em que advérbios qualitativos deixam de
funcionar no nível sintático e ampliam seu escopo para o discurso, o que é conhecido como a
trajetória advérbio interno à cláusula > advérbio sentencial > marcador discursivo (Traugott
e Dasher: 2005; Traugott, 1995).
Em diferentes estudos linguísticos (Ilari et alii 1996; Neves: 2000; Castilho e Castilho:
2002; Moraes Pinto, 2008; Martelotta, inédito), o termo advérbio modalizador compreende
advérbios epistêmicos (certamente), que expressam uma avaliação de verdade sobre aquilo
que é dito; advérbios deônticos (obrigatoriamente), que são característicos por expressar uma
25 Blog pessoal, 2009: http://www.interney.net/blogs/melhoresdomundo/2009/11/16/top_mdm_velhotes_ que_certamente_te_enche/
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obrigatoriedade entre os fatos; advérbios afetivos (felizmente), que exprimem reações
emotivas do falante sobre aquilo que ele diz; e os advérbios pragmáticos (resumidamente),
que descrevem a postura comunicativa do falante.
Todos esses advérbios têm em comum alguns traços que os definem como
modalizadores: (i) são predicativos, pois modificam a proposição; (ii) são sentenciais, pois
não modificam somente a ação verbal, mas o todo o conteúdo transmitido na sentença; e (ii)
são intersubjetivos, pois seu uso não está veiculado à descrição da cena, como com os
qualitativos, mas à atitude do falante acerca daquilo que diz diante de seu interlocutor, ou
seja, esses advérbios refletem um posicionamento avaliativo do falante em relação àquilo que
fala: o advérbio epistêmico reflete o modo como o falante vê o mundo, o advérbio deôntico
reflete a visão de uma inevitabilidade entre fatos; o advérbio afetivo é ainda mais subjetivo,
pois indica o sentimento que o falante tem a respeito da proposição; e o advérbio pragmático
tem uma natureza inter-subjetiva, pois reflete uma preocupação do falante com a recepção que
o ouvinte fará da proposição.
Agora, imagino, tenha ficado mais claro para o leitor a importância dos advérbios
qualitativos e modalizadores, que são o objeto de estudo deste trabalho. O mais prototípico
dos advérbios em -mente/ment sofre um processo unidirecional e translinguistico de
gramaticalização, assumindo valores intersubjetivos no discurso.
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3. Pressupostos Teóricos
3.1. Uma postura epistemológica consciente
Talvez uma das maiores distinções entre o pólo formalista e o pólo funcionalista da
linguística contemporânea seja a defesa e a rejeição (respectivamente) da autonomia da
sintaxe. Enquanto a linguística formal acredita que a sintaxe seja autônoma e, portanto,
arbitrária; para os estudos funcionalistas, ela é motivada.
Filosoficamente, esta antiga discussão remete à famosa discussão entre Parmênides e
Heráclito. Enquanto para Parmênides a mudança seria apenas aparente e ao filósofo caberia
buscar o que há de universal e imutável no Ser; para Heráclito, a única coisa de constante no
Universo seria a mudança. Desde o mais remoto instante da filosofia ocidental, esta é uma das
maiores dicotomias do nosso pensamento: tudo muda e a essência é uma aparência, como
afirmava Heráclito; ou a mudança é aparente e “o que é é, o que não é não é”, como afirmava
Parmênides?
Heráclito, audacioso pensador originário26, afirma em pleno século VI a.C. que o
papel de quem investiga é esperar pelo inesperado, ou seja, é olhar atentamente para a
mudança. Esta discussão ganha diferentes nomes até hoje em diferentes ciências, e não é
difícil prever que os estudiosos da linguística baseada no uso27, dentro os quais se encontra a
linguística funcional a que se filia este trabalho, se encaixariam, mais adequadamente, como
herdeiros da filosofia heraclítica.
Heráclito não só afirma que a mudança é inevitável, como afirma que é papel do
pensador é esperar pela mudança: “Se não esperar, não encontrará o inesperado, sendo não
encontrável e inacessível.” Neste sentido, a linha funcionalista da linguística se distingue
26 Nome utilizado para referir-se aos filósofos pré-socráticos. Tradução do termo para o português por Carneiro Leão. 27 O termo linguística baseada no uso é uma tradução para o correspondente em inglês usage-‐based linguistics, explorado no livro Usage based models of language editado por Michael Barlow e Suzanne Kemmer em 2000. Segundo os autores, o termo usage-‐based foi introduzido por Langacker (1987).
40
drasticamente do formalismo por buscar regularidades nas mudanças das línguas naturais
(identificar trajetórias, propor motivações para elas etc.) ao invés de simplesmente ignorá-las.
O fragmento abaixo parece transparecer essa postura epistemológica, embora já em
terminologia científica da linguística atual.
Haspelmath (2004), em uma reflexão acerca da unidirecionalidade não apenas na gramaticalização, mas também em outras áreas da mudança linguística, argumenta que é necessário identificar universais da mudança nas línguas. O argumento do autor reside principalmente na ideia de que o numero de fatores que atuam na mudança é tão grande – e nós podemos prever tão poucos deles -, que a maioria dos fenômenos de mudança pareceria um conjunto de acidentes históricos. (Martelotta, 2010)
O que defendem os parágrafos anteriores, em linhas gerais, é que o próprio momento de
surgimento das diferentes correntes linguísticas se relacionam a diferentes posturas
epistemológicas. Durante séculos, a filosofia defendeu ser absurdo afirmar que “o não ser é”.
Como disse Nietzsche, o surgimento da filosofia (desde Sócrates) representou o predomínio
do “espírito apolíneo” (deus da racionalidade) em detrimento do “espírito dionisíaco” (deus
do excesso). A filosofia do século XIX se movimenta, pela primeira vez em séculos, para
criticar o racionalismo (cujos maiores representantes seriam Descartes e Kant) e buscar
alternativas de pensamento menos aprisionantes. Assim surgiu o idealismo alemão, assim
defendeu Schopenhauer e para isso lutou com palavras Nietzsche. Não é em vão que este,
bem como muitos “filhos” da fenomenologia, referia-se a Heráclito como a atitude filosófica
esquecida que deveria ser resgatada.
Em busca da relação entre a consciência autônoma em si mesma e o real, a filosofia
abriu os olhos para analisar a linguagem. A filosofia contemporânea é, em grande parte,
resultado desta ruptura nascida no século XIX, pois nem racionalistas nem empiristas
acreditam que essa busca possa ser feita sem que se dê destaque ao estudo do discurso em si.
Surgiram teorias como a filosofia analítica da linguagem (Fregue), a semiótica (Pierce), o
positivismo lógico (círculo de Viena), o estruturalismo (Saussure), a antropologia linguística
41
(Sapir e Whorf) e a teoria gerativa de Chomsky. A obra de Wittgenstein, teórico da Filosofia
da Linguagem, é um exemplo bastante representativo deste momento (diz-se com frequência
que a própria teoria dos protótipos corresponderia a uma visão linguística da proposta
epistêmica de Wittgenstein, que refutaria a visão aristotélica de categorização)28.
Não é, portanto, tão ousado propor um elo entre muitas teorias científicas hoje (teoria
dos protótipos ou relatividade geral) e a filosofia do século XIX com seu movimento de
ruptura com o racionalismo e buscar novas alternativas de pensamento. Como este debate não
é o objetivo central do presente trabalho, aqui daremos vida também a essa separação; e
partiremos para uma análise linguística mais prototípica. Imagino que aqui surja diante do
leitor uma pergunta inevitável: se o funcionalismo e o gerativismo são reflexos de
perspectivas filosóficas de bases diferentes, como – depois disto postulado – podemos nos
afastar do debate filosófico? A resposta é bastante simples: afirmar qualquer coisa além do
que já foi dito seria não só um trabalho hercúleo como também um trabalho duvidoso – pois
(i) os paradigmas linguísticos citados possuem pressupostos teóricos incompatíveis, e (ii) cada
vez mais a metodologia linguística se afasta do discurso filosófico.
É importante, porém, que o leitor deixe essa discussão com uma pergunta a ser discutida
ao longo do trabalho: o que significa a língua mudar em uma direção? Significa, acima de
tudo, a possibilidade de o pesquisador não só identificar na língua real e em constante
mudança uma regularidade, mas também dar a esta regularidade na mudança o peso de sua
teoria; e não optar pela postura, também valida – porém divergente – de observar a língua
como uma entidade abstrata cuja mudança nada mais é do que um acidente histórico. Foi
28 É preciso tomar cuidado com este tipo de afirmação, por diversas razões. Mas, o mais importante e o mais perigoso aspecto de se fazer uma ponte entre linguística e filosofia da linguagem é que elas não são a mesma coisa. Há, além de muitas diferenças, uma diferença fundamental: enquanto a primeira busca estudar o real (a linguagem humana) pautada num determinado método científico; a segunda busca, como toda atividade filosófica, estudar um modo específico de considerar o real, sendo este real, no caso, a relação entre mundo e linguagem (Marcondes: 2000).
42
tendo em mente a postura epistemológica que se implica ao adotar a vertente funcional da
linguística que tomamos esta decisão. Do ponto de vista mais especificamente linguístico, esta
discussão nasce com o nascimento da linguística em si, e se estende ao longo de toda a
historia desta ciência.
A linguística funcionalista vê a estrutura gramatical das línguas como um reflexo do ato
da comunicação como um todo. A gramática funcional não descarta a situação da
comunicação, os participantes e as suas intenções comunicativas. Embora assim como
Chomsky e Saussure, a linguística funcional divide a língua em gramática e discurso,
considera as regularidades daquela como provenientes deste, ou seja, do próprio uso da
língua, e também de pressões cognitivas que nele se manifestam. A vertente funcionalista da
linguística vê a língua pelo seu caráter dinâmico, prevendo, portanto, a mudança. Mas não
apenas observa a mudança, como também procura nela padrões de regularidade. A gramática
influencia o discurso e o discurso influencia a gramática. Como na filosofia de Heráclito, a
mudança é uma forma de permanecer (através da revelação) e de ir embora (através do
rompimento). Neste sentido, ao buscar detectar a mudança gradual na posição dos advérbios e
detectar seus ganhos semânticos ao longo do processo de gramaticalização, estamos partindo
em busca de uma regularidade na mudança; estamos simplesmente esperando o inesperado.
Não queremos aqui, de modo algum, colocar duas correntes linguísticas frente a frente
e afirmar que uma está ultrapassada enquanto a outra segue no “caminho verdadeiro”. O
objetivo desta pequena comparação é deixar claros os pressupostos básicos que uso no
presente trabalho, já que nem todos os pressupostos linguísticos são compartilhados entre
teorias.
Acrescento ainda que a linguística gerativa teve um papel fundamental na construção
da linguística contemporânea, inclusive nas análises funcionalistas, em grande parte por
43
somar à adequação descritiva da linguística saussureana, uma grande adequação explicativa.
Para os estudos da linguagem de tradição formalista, a linguística não deveria se preocupar
com as dimensões sócio-política ou normativa; mas sim com os estados mentais que
corresponderiam a saber uma língua, abstraindo as diferenças entre os falantes. A partir da
célebre criação da imagem de um falante ouvinte ideal em uma comunidade homogênea, os
estudos da linguagem poderiam transcender as questões de variação, cujas razões seriam
extralinguísticas, e poderiam ser semelhantes aos estudos da mente humana de forma geral:
baseados em leis necessariamente universais. Portanto, ao afirmar que o objeto de estudo do
linguista é a competência, e não o desempenho; os estudos gerativos se contrastam
drasticamente com os estudos funcionalistas, cujo maior objeto de estudo é a relação entre a
gramática e o discurso.
Definindo o principal papel da linguagem como sendo a comunicação; os
funcionalistas vêem a gramática como um conjunto de regularidades decorrentes das
habilidades cognitivas e interativas dos homens, bem como da ritualização ou automatização
das estratégias que aparecem com alta frequência no discurso. O discurso, por sua vez, é
caracterizado como o uso da língua em situação real de comunicação, sendo ele o responsável
por impulsionar as habilidades cognitivas e interativas que se ritualizam ou automatizam
construindo a gramática e otimizando a comunicação.
O que pretendo ter deixado claro com este pequeno debate sobre os vácuos de poder
ao longo da história da filosofia é que toda pesquisa está necessariamente vinculada a algum
entendimento do que é fazer ciência e, consequentemente, a definição que o cientista tem o
seu objeto de estudo, no nosso caso, a língua, influencia sim nos resultados e conclusões de
nossas pesquisas. O que podemos fazer? Podemos (i) jogar a toalha e desistir pois a verdade é
inacessível, ou (ii) ignorar a base filosófica de nossas escolhas e achar ver a verdade em um
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universo em que outras teorias não teriam valor ou, (iii) neste caso, a minha escolha, tomar
consciência da postura cientifica que adotamos e dividi-la com o leitor, para que este possa
optar seguir ou refutar.29
3.2. A corrente funcionalista
Um conhecido marco considerado como o nascimento da linguística moderna é o
Cours de Linguistique Générale de Saussure, em que a língua é vista como um sistema.
Saussure, ao propor a distinção entre Langue e Parole e objetivar estudar somente a langue,
restringiu a análise linguística a uma “rede de dependências internas em que se estruturam os
elementos da língua”.30 As influências de cunho pragmático-discursivos a que as línguas
estariam sujeitas não seriam, portanto, objeto de estudo da linguística.
Herdeira da visão saussuriana, a escola estruturalista da linguística não foi, porém, um
movimento unificado. Dirven e Fried (1987, apud Martelotta e Areas 2003) afirmam que
poder-se-ia dividir esses modelos teóricos em um pólo funcionalista - cuja análise se basearia
no estudo da função linguística no ato da comunicação - e um pólo formalista - cuja análise se
basearia no forma linguística.
Sobre o pólo formalista, podemos dizer que se caracterizaria, principalmente, por
tomar a língua como um objeto autônomo cuja estrutura independe de seu uso em situações
comunicativas reais. Nesta linha teórica se enquadra a obra de Bloomfield, por exemplo,
assim como a tão conhecida, e posterior, teoria gerativa de Chomsky a que nos referimos em
seções anteriores do trabalho.
29 Essas três posturas foram traduzidas por Poincaré (1995) nas posturas do nominalismo (a ciência é feita apenas de convenções), do anti-intelectualismo (a inteligência deforma tudo o que toca) e no anti-ceticismo (se considera a inteligência como irremediavelmente impotente, é apenas para reservar o papel mais importante a outras formas de conhecimento). 30 Martelotta e Areas (2003)
45
O pólo funcionalista, por sua vez, se caracteriza por uma concepção da língua como
um instrumento de comunicação. Segundo Martelotta e Areas (2003), a postura do pólo
funcionalista é identificada em diversos autores de escolas pós-saussurianas da Europa do
século XX, como Martinet, Trubetzkoy, Halliday e Dik. Nos Estados Unidos, por sua vez,
houve uma grande dominação da tendência formalista, embora alguns autores como
Langacker e Lakoff, que aderiram à Linguística Cognitiva, caminham em sentido a uma
análise mais funcional. Primeiramente, precisamos nos atentar para algumas áreas da
linguística, como os estudos de mudança diacrônica, que denunciavam as limitações dos
modelos teóricos da gramática gerativa. Destaca-se o nome de Elizabeth Closs Traugott, que
buscando alternativas teóricas mais adequadas aos fenômenos de mudança linguística, adota a
teoria da gramaticalização, focalizando os aspectos semântico-pragmáticos da mudança.
A teoria da gramaticalização, como veremos mais adiante, supõe que as formas
linguísticas são extensões de usos de outras formas devido a processos unidirecionais de
mudança motivados pelo uso e por fatores de ordem cognitiva. Ou seja, a língua não vista
como autônoma e arbitrária, como havia colocado a linguística formal.
A obra de Gillian Sankoff e Penélope Brown, publicada em 1976, é considerada como
um marco do surgimento dos trabalhos funcionalistas nos EUA. Em “The origins of syntax in
discours: a case study of Tok Pisin relatives”, as autoras conferem às motivações discursivas
o surgimento de estruturas sintáticas de relativização de um pidgin de Papua-Nova Guiné.
Outra obra de importância relevante para o surgimento da postura funcionalista é a publicação
de Givón, em 1979, do livro “From discourse to syntax: a grammar as a processing
strategy”, em grande parte motivado pelas descobertas acima mencionadas e, também, pela
bandeira “anti-gerativista” necessária para afirmar uma postura diferente à dominante na
academia naquele tempo.
46
O termo funcionalismo ganhou força nos Estados Unidos a partir da década de 1970, passando a servir de rótulo para o trabalho de linguistas como Sandra Thompson, Paul Hopper e Talmy Givón, que passaram a advogar uma linguística baseada no uso, cuja tendência principal é observar a língua do ponto de vista do contexto linguístico e da situação extralinguística. De acordo com essa concepção, a sintaxe é uma estrutura em constante mutação em consequência das vicissitudes do discurso. (Martelotta e Areas, 2003)
O presente trabalho, por dever muito (senão quase tudo!) à teoria da gramaticalização,
se filia ao que costumamos chamar de funcionalismo norte-americano de base givoniana;
citando frequentemente autores como Traugott, Hopper, e Thompson. Evidentemente este
nome traz consigo limitações geográficas que não se justificam e, dentro desta mesma linha
teórica, encontram-se grandes autores também caríssimos ao trabalho, mas de diversas
origens, como Hummel, Heine, Kouteva, entre outros. Hoje, pode-se ainda dizer que parece
haver uma tendência nas academias de desfazer as dicotomias entre os paradigmas, o que se
evidencia, por um lado, no novo papel dos sistemas de interface do novo modelo gerativista e;
por outro lado, na tendência dos funcionalistas de se inserirem no que chamamos de
Linguística Baseada no Uso. Esta última, que contemplaria não apenas os estudiosos do
funcionalismo da costa oeste dos Estados Unidos ou seus “filiados” da Europa, mas também
importantes autores da Linguística Cognitiva como Tomasello e Goldberg. A presente
dissertação adota, portanto, esta terminologia mais ampla, e assim se insere nos modelos de
linguagem baseados do uso.
3.3. A teoria da gramaticalização
Hopper e Traugott (2003) chamam a atenção para duas questões bastante pertinentes
na linguística atual: qual a relação entre as duas instâncias do verbo go na sentença 16 e; o
que faria com que 17a e 17b fossem possíveis, mas que 18 fosse agramatical?
(16) Bill is going to go college after all.
47
(17) a. Bill is going to college after all. b. Bill is gonna go to college after all. (18) * Bill’s gonna college after all.
Uma primeira resposta seria perceber que o verbo auxiliar expressando futuro
imediato deriva historicamente do verbo de movimento go em um contexto extremamente
específico. A metáfora do tempo como “um objeto pelo qual nós passamos” é bastante
frequente translinguisticamente, (Lakoff e Johnson , 1980); bem como muitas são as línguas
que desenvolvem uma construção de futuro cujo verbo auxiliar é oriundo do verbo de
movimento ir.
Não podemos, portanto, supor que as duas ocorrências de go em 16 sejam apenas
palavras que “coincidiram” de ter a mesma forma, nem tampouco podemos acreditar que
sejam exatamente a mesma palavra, já que se comportam de formas diferentes (17a, 17b e
18).
Analogamente, muitos são os casos em que advérbios de valor mais referencial, em
geral modificadores do predicado; passam a assumir valores mais abstratos, modificando toda
a oração. Moraes Pinto (2008) observou, ao analisar textos do português arcaico, que o
advérbio certamente permitia um valor qualitativo, ligando-se ao verbo (19); mas que ao
distanciar-se do verbo sintaticamente distanciava-se também do verbo semanticamente,
passando a imprimir um grau de certeza do autor sobre o fato descrito, modalizando toda a
oração (20).
(19) Çarrada a vista da [carne per ciguydade, a outra vista da] alma mais certamente chegua ao Senhor Deus (20) E tam bem se faz por o que sabemos que se aconteceo em algũũ feito, penssarmos o que se pode fazer em outro, ainda que nom sejam semelhantes. E o receo que vem nas cousas per tal parte, nunca traz erro; por que a rrazom sempre manda fazer o que bem he, e recear todo contrairo. E sse recearmos o que nom he de temer, certamente nom se faz per aazo da
48
rrazom, mais per myngua de sabermos o que he bem, ou nom querer obrar o que dereitamente entendemos. Da mesma forma como em 19 e 20 podemos ver um advérbio se tornar um outro tipo
de advérbio na história da língua, é possível também que o advérbio sofra decategorização, ou
seja, mude de classe gramatical. Observemos o exemplo do item francês autrement, que em
21 é um advérbio de modo, expressando “pensar de outro modo”; enquanto em 22, mais
gramaticalizado, é uma conjunção que indica adversidade.
(21) Toi, tu penses qu’il n’y a que l’argent qui compte. Moi, je pense autrement.31 TRAD: Você, você pensa que só o dinheiro conta. Eu, eu penso de outra forma. . (22) Je prends toujours des notes pendant le cours. Autrement, j’oublie ce que le professeur a dit.32 TRAD: Eu faço sempre anotações durante o curso. De outra forma/ Caso contrário, eu esqueço o que o professor disse.
Esta análise permite a compreensão dos chamados “advérbios ambíguos” sem colapsar
a teoria já que, uma forma mais gramaticalizada da construção (22) pode coexistir na língua
com a sua forma menos gramaticalizada (21).
3.3.1. Uma proposta para os estudos de gramaticalização
Antes de nos concentrarmos nos processos de gramaticalização que envolvem os
advérbios estudados neste trabalho, passemos por uma pequena propedêutica para os estudos
de gramaticalização.
O termo gramaticalização foi introduzido por Meillet em 1912 (apud: Heine, 1991),
quando este argumentou a favor da existência de dois tipos de surgimento para novas formas:
a inovação analógica e a gramaticalização. Antes disso, porém, outros teóricos já haviam
31 Cours de civilisation française de la Sorbonne. 32 Idem.
49
percebido que o vocábulo abstrato é historicamente derivado de lexema concreto (Condillac e
Rousseau, apud: Heine 2003) e que flexões verbais derivam-se de palavras independentes
(Condillac, apud: Heine, 2003).
Givón, na década de 70, inovou os trabalhos de gramaticalização elevando-a o
conceito de simples parte da linguística diacrônica para o status de um processo contínuo:
discurso > sintaxe > morfologia > morfofonêmica > zero > discurso. Na década de 90,
surgiram inúmeros trabalhos em gramaticalização. Heine (1991) descreve o processo a partir
de conceitos originais (source concepts) que dão origem a elementos mais abstratos. Desta
forma, por exemplo, partes do corpo se tornam fontes para metáforas (Ele é o cabeça do
grupo).
Uma das questões que estão no cerne da teoria da gramaticalização é o aspecto
unidirecional do fenômeno (a questão da unidirecionalidade do processo de gramaticalização
será mais amplamente discutida em outras seções do trabalho). Acredita-se que o processo se
dê do concreto para o abstrato e do léxico para a gramática, e não ao contrário. Hopper e
Traugott (2003) chegam a definir gramaticalização como um processo de mudança linguística
através do qual itens lexicais e construções passam a assumir funções gramaticais, ou
elementos gramaticais passam a exercer funções ainda mais gramaticais. Assim, no caso da
construção com o verbo go indicando futuro em inglês (exemplos 16 a19 da seção 3.3), não
seria o verbo go que teria se gramaticalizado, mas sim toda a construção be + go + ing + to
no contexto [verbo de movimento + progressivo + cláusula indicando finalidade] (Bybee,
2003).
O processo de gramaticalização evolveria quatro mecanismos (Heine: 2003; Heine e
Kuteva, 2005): dessemantização (perda de conteúdo semântico), extensão (uso em novos
contextos), decategorização (perda de propriedades características das formas fontes) e erosão
50
(redução fonética). Mesmo nenhum desses processos sendo específicos da gramaticalização,
eles podem ser vistos como componentes de um único processo geral de mudança linguística.
Este processo geral de mudança linguística, a gramaticalização, passa por três
estágios: (i) uma expressão linguística A é recrutada para cumprir gramaticalização, (ii) esta
expressão adquire um segundo padrão de uso B, que apresenta ambiguidade em relação a A, e
(iii) A se perde e agora há apenas B. Assim, poderíamos inferir sobre nossos exemplos de 12
a 15 (ver seção 2.3): I’m going to London to marry Bill. > I’m going to (London) to marry
Bill. > I’m going to marry Bill > I’m gonna marry Bill.
Este padrão (A > A, B > B) não é obrigatório para todos os processos de
gramaticalização. Muitos deles não chegam a (iii). Assim, algumas vezes, enquanto uma
forma se mantém gramaticalizada em alguns contextos, mantém sua forma de origem em
outros contextos, o que explica a gramaticalidade de 13b e a agramaticalidade de 14 (ver
seção anterior).
Quando um item se gramaticaliza, é normal que se torne mais frequente (Hopper e
Traugott, 2003). Bybee (2003) nos chama a atenção, porém, para o fato de que a frequência
não é apenas um resultado da gramaticalização, mas também é um fator que contribui para o
processo. Retornando ao nosso exemplo 12, dentre as várias construções com verbos que
expressam movimento e poderiam expressar propósito, só a construção com go se
gramaticalizou e isso se deu, segundo a autora, devido à alta frequência deste item verbal.
Os advérbios qualitativos em -mente perdem a sua frequência ao longo dos séculos no
português atual. Uma pesquisa informal33 por advérbios em -mente em diferentes sites de
busca atuais (como Google ou Bing) demonstram que os pouquíssimos advérbios em -mente
qualitativos que se encontram hoje no português atual estão condicionados a títulos e não ao
33 O que chamamos aqui de pesquisa informal é somente para indicar ao leitor a origem destas hipóteses. A confirmação destas é feita com maior rigor a partir de um corpus específico do francês e do português atuais, obtidos nos sites Vie de Merde e Vida de Merda, dos quais falaremos mais adiante.
51
corpo do texto. Em francês, por sua vez, embora sejam mais raros do que muitos outros tipos
de advérbios, eles aparecem com uma maior frequência, como veremos adiante.
3.3.2. Gramaticalização entre cláusulas
O discurso não consiste de frases isoladas sem contexto, mas sim de unidades
interligadas, que compreendem diversas atividades linguísticas, como comentário, descrição,
ordem e outros. Essas unidades são geralmente expressas em cláusulas e todas as línguas
naturais têm mecanismos para organizá-las em cláusulas mais complexas. Porém, a forma de
uma “cláusula complexa” pode mudar radicalmente entre línguas ou entre falantes e situações
discursivas de uma só língua, de simples justaposições relativamente independentes a
construções complexas e dependentes (Hopper e Traugott, 2003).
Muitos estudos de cláusulas complexas sugerem uma forte distinção entre
coordenação e subordinação. Esta distinção, bastante tradicional, é a encontrada atualmente
nas nossas gramáticas, em diversas línguas, como francês, português, inglês e outras. Esta não
é a visão que adotaremos aqui. Mas, para estudarmos as clausulas complexas, precisamos
definir esses tipos de construções.
Se fossemos definir sintaticamente a cláusula complexa, poderíamos dizer que se trata
de uma unidade composta por mais de uma cláusula. Segundo Hopper e Traugott (2003), a
cláusula complexa consiste de uma “nuclear” e uma ou mais nucleares adicionais ou uma ou
mais cláusulas “marginais”, relativamente dependentes, que não podem aparecer sozinhas,
mas que exibem diferentes graus de dependência. Os autores argumentam ainda que essas
cláusulas marginais podem ser diferenciadas por um aspecto semântico: as que funcionam
como complementos, as que funcionam como modificares de nomes, e as que funcionam
como modificadores do sintagma verbal ou de toda proposição. Seriam, respectivamente, o
que as gramáticas tradicionais brasileiras chamam de subordinadas substantivas, adjetivas e
52
adverbiais; e as francesas de propositions subordonnées complétives, propositions
subordonnées relatives e propositions subordonnée adverbiales; respectivamente.
Hopper e Traugott (2003) propõem que uma cláusula possa ter três níveis de
encaixamento: a parataxe, a hipotaxe e a subordinação - correspondendo esta ordem a uma
disposição crescente deste nível de encaixamento.
Figura 3: Combinação de traços dependência e encaixamento, segundo Hopper e Traugott, 2003.
Ao estabelecer estes três níveis de encaixamento, Hopper e Traugott (2003) rompem
com a visão bipartida do encaixamento entre clausulas e inovam com uma visão tripartida. A
“parataxe” configuraria uma relativa independência; a hipotaxe uma interdependência; e a
subordinação, uma dependência completa. De acordo com os autores, podemos inferir uma
trajetória de gramaticalização em direção a estruturas mais encaixadas (parataxe > hipotaxe >
subordinação), sendo a subordinada mais gramatical que a hipotaxe e esta mais gramatical
que a parataxe.
Devemos nos atentar agora para um outro fator: existe uma relação entre o nível de
gramaticalização da cláusula e, por um lado, seus aspectos formais e, por outro, suas
características informacionais. No que diz respeito a questões de ordem formal, podemos
pensar, como vimos, no nível de encaixamento entre as cláusulas. A parataxe, ou
independência relativa, não é nem dependente semanticamente nem encaixada (engloba os
casos tradicionalmente chamados de justaposição e coordenação); a hipotaxe ou
interdependência é a situação em que cláusulas são dependentes, mas não são encaixadas
53
(casos tradicionalmente conhecidos como subordinação adverbial e as adjetivas explicativas);
a subordinação ou encaixamento é a situação em que há dependência e encaixamento entre
cláusulas (que englobam casos tradicionalmente conhecidos como subordinadas substantivas
e as adjetivas restritivas).
De acordo com Givón (1979), existe uma maior liberdade e variedade de elementos
significativos nas cláusulas em que a complexidade pressuposicional é baixa. Desta forma, a
cláusula principal, declarativa, afirmativa, ativa é vista pelo falante (comparada a outros
tipos de cláusula) como menos difícil para o seu ouvinte determinar as referências. Givón
afirma que as variantes mais pressuposicionais exibem maior complexidade sintática, maiores
restrições distribucionais e tendem a exibir um maior conservadorismo sintático (mais
comumente na área da mudança de ordenação). Afirma também que a cláusula de menor
pressuposicionalidade é a mais neutra e a mais frequente no discurso. Outros autores, como
Matsuda (1998) e Bybee (2002) também demonstraram o caráter conservador das cláusulas
subordinadas.
Estas informações são caras a este trabalho já que, somadas, levou pesquisadores
como Martelotta (2004; 2005; 2006), Martelotta e Vlcek (2006) a proporem que as cláusulas
gramaticalizadas – que seriam mais restritas distribucionalmente e mais complexas
sintaticamente (Givón, 1979) – tendem a ser mais conservadoras, apresentando as tendências
de distribuição dos advérbios qualitativos, entre eles os advérbios em -mente, mais antigas, e
uma maior resistência à mudança.
Como cláusulas interrogativas, negativas e passivas são muito pouco frequentes na
língua, a hipótese do maior conservadorismo sintático parece ser mais facilmente estudada na
oposição entre clausulas mais gramaticalizadas (hipotaxe e subordinação) e menos
54
gramaticalizadas (principais, justaposições e coordenações), para a qual nos baseamos na
explicada proposta de Hopper e Traugott (2003).
Antes de passarmos a questão de como essas hipóteses se aplicam especificamente à
questão dos advérbios, pensemos um pouco mais na questão da pressuposição, que será
revisitada ao longo do trabalho. Por pressuposição entendemos o conjunto de informações que
estão fora da sentença e que são assumidas pelo falante como evidentes ou indiscutíveis, ou
seja, o pressuposto tende a refletir o conhecimento presumido como conhecido ou
compartilhado. Segundo Givón (1979), construções mais pressuposicionais tenderiam a
apresentar ordenação mais conservadora dos elementos argumentais. Martelotta (2005; 2006)
estende esse raciocínio para analisar as características de ordenação de elementos gramaticais
apontando para o fato de que o nível de encaixamento ou gramaticalização da cláusula tem
influência sobre as tendências de ordenação de advérbios qualitativos. O português arcaico
caracteriza-se por uma variação na colocação dos advérbios, ou seja, apresenta advérbios
qualitativos nas posições pré e pós-verbais em todos os tipos de cláusulas, com uma
predominância para a anteposição do advérbio, sobretudo em clausulas mais gramaticalizadas.
Por outro lado, textos a partir do século XIX apresentam cada vez menos anteposições de
advérbios, que ficam cada vez mais restritas a cláusulas mais gramaticalizadas. Isso sugere
que, de fato, os parâmetros de pressuposicionalidade podem também ajudar a descrever
mudanças no comportamento diacrônico dos advérbios, no que diz respeito à sua ordenação.
Givón (1990) ainda nos acrescentaria que a redução das subordinadas refletiria um nível
maior de integração. Desse modo uma estrutura como quero falar é, por apresentar o segundo
verbo na forma reduzida, mais gramaticalizada do que a estrutura quero que ele fale.
55
3.3.3. Gramaticalização e unidirecionalidade
Martelotta (2010) aponta para a importância da propriedade unidirecional da
gramaticalização, chamando a atenção para os chamados casos de degramaticalização e anti-
gramaticalização. Enquanto fenômenos de degramaticalização seriam aqueles em que
acontecem movimentos inversos ao de gramaticalização, como a palavra inglesa bus, oriunda
da terminação característica do dativo plural latino de omnibus; isso não constituiria um
argumento de enfraquecimento da gramaticalização como fenômeno translinguístico
recorrente. Contra-exemplos como esse, arduamente garimpados pelos estudiosos contrários à
teoria, confirmam a importância da hipótese devido não só ao seu baixíssimo número de
ocorrências, mas também devido ao fato de que não seriam casos em que se daria uma
reversão do movimento ou antigramaticalização, nos termos de Haspelmath (2004), visto que
é impossível recuperar um sentido que já se perdeu.
Repare que assumimos aqui a visão da teoria da gramaticalização como uma teoria do
desenvolvimento de formas gramaticais, e não como uma teoria da linguagem ou da mudança
linguística (Heine: 2003, apud: Martelotta, 2010). Esta informação é importante pois nos
permite colocar a gramaticalização lado a lado com outros processos de mudança linguística,
como a lexicalização por exemplo.
O que daria, então, à teoria da gramaticalização esta possibilidade de tão bem
descrever alguns fenômenos de mudança linguística? Em grande parte o caráter unidirecional
do processo de gramaticalização e o fato de não ser abrupta, mas sim um processo gradual
com passos variáveis. Em outras palavras, ao afirmar que uma mudança é unidirecional
estamos afirmando que ela não é arbitrária, mas que segue uma trajetória que se evidencia
devido a determinadas motivações funcionais ou cognitivas; e, ao afirmar que este processo é
gradual e com passos variáveis, estamos afirmando que não se trata de uma mudança de
parâmetro decorrente, por exemplo, de uma interpretação alternativa dos dados pela criança
56
em processo de aquisição. Martelotta (2010) nos chama a atenção para o fato de que “embora
as crianças tenham seu papel no processo de mudanças, muitos exemplos de gramaticalização
parecem ser iniciados por adultos”.
Esta unidirecionalidade em “passos lentos” pode se dar em mudanças fonéticas
(Hopper e Traugott: 2003, Haspelmath: 2004) ou, como nos interessa mais para o presente
trabalho, em uma regularidade na mudança semântica em geral, não apenas nos processos de
gramaticalização (Traugott e Dasher: 2005, Heine e Kuteva, 2005). Se retomarmos dois dos
quatro mecanismos da gramaticalização, veremos como essas unidirecionalidades são
evidentes nos fenômenos estudados: enquanto a erosão fonética se caracteriza pela perda de
substância fonética, a dessemantização se caracterizaria por uma perda de valor
representacional dos elementos envolvidos - que adquirem função de natureza pragmático-
discursiva.
Atentemo-nos para a unidirecionalidade na mudança semântica. É comum advérbios
de modo adquirirem, ao longo da história da língua, valor de modalizador, como em 23 e 24,
mas não se conhece um caso contrário, em nossos dados para este advérbio nas análises do
português.
(23) Eufis felismente aminha Viagem ecomo medei bem nella ja / estou anciozamente suspirando pela a tornar arepetir paraese / Continente; (...)34 (24) Felizmente, o incidente foi resolvido da melhor forma (…) 35
Para bem compreendermos o exemplo acima e o caráter unidirecional que a sua
análise nos informa, precisamos nos concentrar em analisar separadamente o exemplo 23 e o
exemplo 24, como duas “fotos” estáticas, mas não podemos nos esquecer de que estudamos
um processo dinâmico de mudança linguística.
34 PHPB-RJ, Documentos da Administração Privada (séc. XVIII) 35 Ciência Hoje online, 2007
57
No exemplo 23, vê-se um advérbio qualitativo, que contém diversos traços típicos36
das definições de advérbios (função predicativa que atua sobre a ação verbal). O advérbio
qualitativo em -mente prototípico tem função predicativa de modificar outro elemento da
sentença e se relaciona semanticamente com a ação verbal, fornecendo informação referencial
sobre a cena. Logo, em função de outras ocorrências semelhantes encontradas nos corpora,
assumimos que o advérbio felismente apresenta, no exemplo 23, valor qualitativo, indicando o
modo como se deu ação do verbo que modifica (fazer de modo feliz). Esse uso não existe
atualmente, visto que hoje o advérbio felizmente hoje é um advérbio modalizador (24).
Os advérbios a que chamamos de modalizadores (epistêmicos, deônticos, afetivos e
pragmáticos) têm em comum algumas características prototípicas, como o fato de serem
predicativos, pois modificam a proposição; serem sentenciais, pois não modificam somente a
ação verbal, mas todo o conteúdo transmitido na sentença; e, o mais importante, são
intersubjetivos, pois seu uso não está veiculado à descrição da cena, como com os
qualitativos, mas à atitude do falante acerca daquilo que diz diante de seu interlocutor, ou
seja, esses advérbios refletem um posicionamento avaliativo do falante em relação àquilo que
fala: o advérbio epistêmico reflete o modo como o falante vê o mundo, o advérbio deôntico
reflete a visão de uma inevitabilidade entre fatos; o advérbio afetivo é ainda mais subjetivo,
pois indica o sentimento que o falante tem a respeito da proposição; e o advérbio pragmático
tem uma natureza inter-subjetiva, pois reflete uma preocupação do falante com a recepção que
o ouvinte fará da proposição. No exemplo 24, o advérbio revela como o falante se sente
36 Assumimos em nossa análise que o advérbio qualitativo é o tipo mais representativo da categoria dos advérbios em –mente. Esta assunção traz a tona a questão já colocada no presente trabalho acerca da discussão se existe ou não um “centro” das categorias linguísticas. Afirmar a existência deste centro seria ou (i) afirmar a existência de uma essência de ser das coisas ou (ii) afirmar que o conhecimento humano cria um centro para referência da organização do mundo objetivo em categorias. Assumimos a segunda hipótese, baseados na asserção de Tomasello (2003), de que a aquisição e estruturação das categorias linguísticas em paradigmas é resultado da observação que os usuários fazem de seus traços semânticos, dos seus papéis na comunicação, e de suas características estruturais.
58
acerca daquilo que fala: ele está feliz porque não houve complicações na resolução do
incidente.
Vlcek e Martelotta (2009) ressaltam o fato de que advérbios modalizadores são
sentenciais, e não verbais (como os qualitativos), pois modificam o conteúdo transmitido no
nível da sentença. A relação dos advérbios modalizadores e dos qualitativos se torna bastante
clara se pensarmos no fenômeno com um olhar diacrônico e unidirecional: alguns trabalhos
de linguística histórica (Moraes Pinto: 2008, Vlcek e Martelotta: 2009) parecem indicar que o
surgimento de advérbios modalizadores se dá em um processo em que advérbios qualitativos
deixam de funcionar no nível sintático e ampliam seu escopo para o discurso, o que é
conhecido como a trajetória advérbio interno à cláusula > advérbio sentencial > marcador
discursivo (Traugott e Dasher: 2005; Traugott, 1995).
A trajetória advérbio interno à cláusula > advérbio sentencial se verifica, por exemplo,
com determinados advérbios qualitativos em -mente, que desenvolvem valores modalizador
de atitude epistêmica (ex.: certamente), modalizador de atitude proposicional (ex.: felizmente)
e modalizador de atitude pragmática (ex.: francamente), entre outros - a trajetória contrária
não é, por sua vez, verificada em línguas naturais!
É importante destacar que essa diferença de valores dos itens em estudo implica
colocações diferentes. Esse é um dos aspectos que apontam para a importância da teoria da
gramaticalização (Traugott e Dasher: 2005) na elaboração da pesquisa proposta.
59
4. METODOLOGIA E CORPUS
4.1. As variáveis utilizadas
As ocorrências dos advérbios estudados foram analisadas tanto pela posição que
ocupam na cláusula, como pelo grau de gramaticalização da cláusula em que aparecem.
4.1.1. As Posições observadas:
Em relação ao verbo que possuem como alvo, a distribuição dos advérbios estudados
pode se dar em três diferentes posições:
4.1.1.1. Posições pré-verbais:
a) Advérbio + Verbo (AV)
(25) Dezejarei queV ossam ercê esteja mais convalecido, equetenha todas / Aquellaz [
espaço] felicidades, queeu muito verdad eira mente lhedezejo.37
4.1.1.2. Posições pós-verbais
a) Verbo + Advérbio (VA):
(26) (...) dequoy ils furent tellement indignez, qu’ils l’ont fait mourir cruellement, Le corps a esté porré par la Ville, (...). 38 TRAD: (…) com o que eles ficaram tão indignados, que o fizeram morrer cruelmente, O corpo foi trazido/apodrecido pela cidade, (…)
b) Verbo + X + Advérbio (VXA)
(27) Estimarei queDeos Guarde aVossaMerce felismente por muitos annos. Registro
deCuritiba 12 deOutubro 15 de 1794 [ espaço] [ espaço] Devossamerce Amigo eaffetuozo
Criado. 39
37 PHPB- RJ, séc. XVIII, documentos particulares, nº5 38 GALLICA, XVII – previamente apresentado como exemplo 01. 39 PHPB-RJ, séc. XVIII, Cartas comum II-35,25,32
60
4.1.2. O grau de gramaticalização da cláusula
Como discutido na revisão da literatura, o grau de gramaticalização da cláusula pode
inferir na tendência de ordenação dos advérbios qualitativos em –mente/ment. Hopper e
Traugott (2003), sobre a gramaticalização entre clausulas, afirmam que podemos pensar em
um nível de encaixamento entre as cláusulas, a parataxe ou independência relativa, não é nem
dependente nem encaixada (engloba os casos tradicionalmente chamados de justaposição e
coordenação); a hipotaxe ou interdependência é a situação em que cláusulas são dependentes,
mas não são encaixadas (casos tradicionalmente conhecidos como subordinação adverbial e
as adjetivas explicativas); a subordinação ou encaixamento é a situação em que há
dependência e encaixamento entre cláusulas (que englobam casos tradicionalmente
conhecidos como subordinadas substantivas e as adjetivas restritivas). As cláusulas menos
gramaticalizadas seriam mais suscetíveis à mudança do que as mais gramaticalizadas, que
seriam mais encaixadas e, portanto, mais cristalizadas. Em Givón (1990) e Cezario (2001),
encontra-se a proposta de que entre as subordinadas que são mais gramaticalizadas são as
reduzidas, o que nos permite esperar que as inovações mais antigas fiquem não só mais
restritas às clausulas subordinadas e hipotáticas, mas que elas, dentro destas, fiquem mais
restritas às reduzidas.
Os diferentes graus de gramaticalização discutidos se encontram, na análise de dados:
cláusulas menos gramaticais (cláusulas independentes, principais e paratáticas) e mais
gramaticais (cláusulas hipotáticas e subordinadas).
4.2. Os corpora utilizados
Os corpora utilizados para análise do português estão disponíveis em versão
eletrônica pelo grupo Para uma Historia do Português Brasileiro (PHPB-RJ) em seu site –
ainda em construção –, e no site do Estação da Luz e no site do Corpus Informatizado do
61
Português Medieval (CIPM). O corpus conta com documentos oficiais, cartas oficiais e
pessoais, cartas da administração pública, de comércio e de militares. Os textos foram escritos
em diversas regiões do Brasil, como Rio de Janeiro, Paraná, Minas Gerais, São Paulo, Bahia,
Pernambuco e Santa Catarina.
Já os textos utilizados para a análise do francês merecem uma pequena reflexão acerca
da historia da língua francesa e de como se formou o francês que conhecemos hoje nos livros
didáticos, nos famosos escritores e nos grandes jornais. O texto mais antigo atribuído à língua
francesa é o juramento de estrasburgo40, de 842; embora sejam mais famosas as chansons de
geste que deram origem à literatura francesa. O ano de 1539 foi decisivo para a história da
língua, quando o rei Francis I criou a ordenança de Villers-Cotterêts, segundo a qual a língua
oficial em textos administrativos e judiciais deixava de ser o latim e passava a ser o francês. O
francês passou também por um outro momento, em que se deu um longo processo de
unificação, regulação o chamado “processo de purificação da língua”, em grande parte
motivado pelo movimento literário da Pléiade.41 A língua francesa oficial é, portanto, o
resultado de um grande controle da Academia Francesa, além dos poderes da padronizada
escola pública desde o período napoleônico característica da cultura francesa. Por estes
motivos, optamos por analisar o francês apenas a partir do século XVII, e não retroceder mais
do que isso; tendo em vista que nosso trabalho não poderia abrir mais um tentáculo de
raciocínio para destrinchar uma longa e não unânime noção do que seria, de fato, a língua
francesa em tempos anteriores a este.
40 Os conhecidos Serments de Strasbourg são importantíssimos documentos por serem os primeiros escritos a atestar a existência do Français occidentalle (língua que deu origem ao Français d’oïl) e de um dialeto germânico. O documento tratava de uma aliança entre os dois netos de Charlemagne: Charles de Chauve e Louis de Germanique. A escolha das línguas se deu, em grande parte, para garantir o entendimento dos soldados da fidelidade com que estavam se comprometendo. 41 Instituição chamada Academia Francesa que foi criada em 1634 por Richelieu e contava com mais de quarenta membros, cada qual com direito e poder de expressar sua opinião acerca de ordenação, estrangeirismo, e outros assuntos.
62
Os dados analisados nos séculos XVII e XVIII do francês foram retirados do corpus
online do site gallica, que dispõe periódicos e revistas de diferentes naturezas, como
literários, jurídicos, de comunicação, políticos e outros. Infelizmente, grande parte dos textos
do século XVII e XVIII não disponibilizavam uma versão digitalizada, então, muitas das
transcrições para caracteres do computador a partir da fotografia do manuscrito ficaram por
minha conta, o que lamentavelmente pode ter causado incorreções.
A análise destes textos antigos, tanto do português como do francês, exige um
conhecimento do estágio atual das duas línguas. Os dados do português atual foram em parte
retirados de diversos trabalhos como Martelotta (2006) e Moraes Pinto (2008) e os do francês
atual foram levantados a partir de diferentes jornais franceses, como Le Monde, Le Figaro e
Le Parisien; e de alguns blogs pessoais da França. Uma análise comparativa entre o português
e o francês atuais foi ainda proposta na dissertação baseando-se em textos do site brasileiro
Vida de Merda e seu correspondente francês Vie de Merde. Ainda sobre alguns dados
utilizados em capítulos anteriores da dissertação, foram retirados de jornais e portais de
notícia e relacionamento brasileiros (como G1 e UOL) ou franceses (já citados). No caso de
alguns exemplos mencionados para contrastar com usos praticamente inexistentes no estagio
atual da língua, algumas poucas vezes recorremos a gramáticas.
63
5. Análise de Dados
Comecemos nosso percurso nas análises de dados com a ordenação dos qualitativos
em português, para assim infiltrarmos algumas importantes asserções das seções anteriores do
trabalho no tema proposto. Depois, munidos de um maior entendimento entre a relação da
teoria e dos dados que propomos analisar nesta dissertação, passaremos a uma pequena
análise do francês, a fim de descobrir se o que apontamos para o português também se aplica
para esta língua. Não podemos encerrar análise de dados sem percorrer também pela
polissemia que perpassa a história dos advérbios qualitativos nestas duas línguas, já que as
diferentes ordenações implicam também diferentes usos; lembrando-nos que, aqui mais uma
vez, a análise da língua portuguesa norteará nossas hipóteses, mas a comparação com a língua
francesa nos aponta aspectos translinguísticos das afirmativas anteriores.
5.1. Ordenação dos qualitativos em português
Comparando as diferentes tendências de ordenação dos advérbios qualitativos nas
fases evolutivas do português, Martelotta (2006) demonstra que na fase arcaica advérbios
qualitativos em -mente aparecem tanto em posição pré-verbal como pós-verbal. Exemplos
destes padrões de ordenação ainda podem ser vistos no século XIX, como demonstram os
exemplos de pré-posição (28) e posposição (29) abaixo:
(28) Queirão elles pois | aceitar este publico testemunho de meu reconhecimento, | que mais efficazmente será provado por meu constante | disvelo pela causa do Paraná, (...)42 (29) Agradeço-lhe cordealmen- | te o interesse que tem to- | mado com os meos sobrinhos | não regateando emcomodos e | sacrificios43.
Martelotta (2006) evidencia também que, nas cláusulas mais gramaticalizadas (28)
(hipotáticas e subordinadas), se concentram as ocorrências pré-verbais, enquanto nas menos 42 Paraná, 19 de Dezembro (1855) 43 Carta 14 (1893), In: Cartas identificadas e Cadastradas da Família Loureiro.
64
gramaticais, a ordenação seria mais livre. Acrescenta ainda que no português atual,
predominaria uma forte tendência a ocorrências pós-verbais, tanto em mais gramaticalizadas
como em menos gramaticalizadas (30):
(30) A medida que seu estado de saúde piorava, Cazuza trabalhava incessantemente, já
sabendo que o tratamento não poderia estender sua vida por muito mais tempo.44
Pretendemos aqui demonstrar e analisar que esta tendência, típica do português atual
(Martelotta, 2006; Moraes Pinto, 2008), de o advérbio qualitativo em -mente aparecer
posposto ao verbo, é o resultado de uma mudança das tendências de ordenação desses itens
que migram da posição pré-verbal latina para a pós-verbal ao longo dos séculos. A teoria
parte da hipótese de que a mudança teria atingido antes as cláusulas menos gramaticalizadas,
mais suscetíveis à mudança (GIVÓN, 1979; MATSUDA, 1998; BYBEE, 1998) para, somente
depois, atingir também cláusulas mais gramaticalizadas, que são mais conservadoras.
Vale destacar que trabalhos anteriores, como Martelotta (2004) sobre bem e mal,
Benedito (2008) sobre mal e Moraes Pinto (2008) sobre qualitativos em –mente; parecem
indicar que no português arcaico dos séculos XVI e XVII, as posições pré-verbais eram
comuns, o que não se revela no português atual. Alem disso, estas predominavam já nas
cláusulas mais gramaticalizadas, que seriam, por hipótese, mais conservadoras.
5.1.1. Século XVIII
Comecemos com a análise do século XVIII, período em que a mudança ainda não
havia se delineado com tanto rigor na língua, como mencionamos anterioremente e como
44 JB online (2005)
65
demonstraremos mais adiante. A tabela abaixo demonstra a distribuição dos qualitativos em -
mente em textos do século XVIII:
SÉC. XVII Cláusulas menos
gramaticalizadas Cláusulas mais
gramaticalizadas TOTAL AV 6 25 31 VA 6 15 35 VXA 0 14
TOTAL 12 54 66
Pela tabela, é possível detectar algumas tendências, como, por exemplo, a relativa
equivalência de ocorrências pré-verbais (46% do total de 66 advérbios qualitativos) e pós-
verbais (54% deste mesmo total). Este equilíbrio aponta para o fato de o século XVIII ser um
século de certo “equilíbrio” de forças na mudança da tendência analisada, que não mais se
configura com predominância de ocorrências pré-verbais (como no latim) nem tampouco com
predominância quase total de pós-verbais (que começa a se configurar no século XIX e se
consagra no português de hoje).
É bastante importante reparar que, das 31 ocorrências pré-verbais, apenas 6 (16%)
ocorreram em cláusulas menos gramaticalizadas (justapostas, principais ou coordenadas);
distribuindo-se as demais pelas cláusulas com maior grau de gramaticalização (hipotáticas e
subordinadas). Este resultado aponta para a confirmação da hipótese mencionada de que a
ordenação mais antiga aparece com mais frequência nas cláusulas mais gramaticalizadas do
que menos gramaticalizadas. Voltaremos a essa hipótese com maior detalhe quando fizermos
uma análise do português ao longo dos séculos.
Após uma primeira visada nos dados, o leitor pode ser levado supor que a presença do
sujeito na posição pré-verbal deslocaria o advérbio para a posição pós-verbal. Digo isto pois,
Tabela 2: Distribuição das posições dos advérbios qualitativos em -mente no português do século XVIII em função dos diferentes tipos de cláusulas.
66
em algumas apresentações do desenvolvimento desta pesquisa, esta foi uma válida e preciosa
crítica. Esta proposta que identifica no elemento pré-verbal uma “força” de deslocação do
advérbio para a posição pós-verbal, que pode ser lida também em Mattos e Silva (1989) e
Pádua (1960). Dentro desta visão, a posição pós-verbal do advérbio seria característica da
presença de um elemento antes do verbo:
(31) Eufis felismente aminha Viagem ecomo medei bem nella ja / estou anciozamente
suspirando pela a tornar arepetir paraese / Continente; (...)45
e a posição pré-verbal do advérbio seria característica da ausência de um elemento antes do
verbo:
(32) Com oadiantam ento / daNau pa ra seporpromta afazer asuaviagem, não setem
Retardado / comamolestia doComm andante porq ue o segundo Cap itam deMareGuerra; /
tem com toda[ a]eficacia posivel procurado s[ uprir] aq uela falta, porem / Sem embargo do
[ meu] bando pa ra a partida daNau, edepublicamente / ter dito por m uitas vezes aos
negociantes odia emqueella deve partir, não / temsido posivel entrar nosCofres, nemhumsó
Real, (...)46
Utilizo os dados do século XVIII para verificação desta teoria, pois (i) há maior
quantidade de textos disponíveis do que nos séculos anteriores e (ii) no século XIX, a
mudança nas tendências de ordenação dos advérbios em questão já adquire um delineamento
mais definitivo. Uma análise detalhada dos dados obtidos no século XVIII nos revela, como
demonstra a tabela, com maior nitidez, que a hipótese em questão não se verifica.
45 Documentos da administração privada 46 idem
67
Todos os tipos de cláusula TOTAL
SXAXV 11 11 Anteposição do advérbio mesmo com sujeito
expresso em posição pré-verbal: 11 ocorrências em um universo de 34 pré-
posições, ou seja, 32%. AV 17
23 (Anteposição do advérbio sem sujeito expresso em posição pré-verbal).
AXVXS 3 AXV 1
(V)AV 2 SVXA 7 8 (Pós-posição do advérbio com sujeito
expresso em posição pré-verbal). SVAX 1 VXA 25
27 Pós-posição do advérbio mesmo sem sujeito
expresso em posição pré-verbal: 27 ocorrências em um universo de 35 pós-
posições, ou seja, 77%.
VSA 1 VAXS 1
Tabela 3: Distribuição das posições dos advérbios qualitativos em -mente no português do século XVIII, incluindo informações sobre a presença e ausência de sujeito.
Ao observarmos a tabela47, percebemos que a presença de sujeito anteposto ao verbo
(19 casos) não impede a pré-posição do advérbio em 11 ocorrências.
(33) Dezejarei queV ossam ercê esteja mais convalecido, equetenha todas / Aquellaz [
espaço] felicidades, queeu muito verdad eira mente lhedezejo.48
Ou seja, em apenas 8 casos de sujeito pré-posto ao verbo (40%) o advérbio se encontra
posposto ao mesmo. Da tabela também podemos depreender que 66% (23 casos) das 34
ocorrências pré-verbais se dá com a ausência de sujeito nesta posição. Isso não parece ser
fruto de uma “não ocupação” da posição pré-verbal, mas sim de um maior grau de
encaixamento dessas orações: orações subordinadas tendem a não apresentar sujeito exposto.
Observando os gráficos abaixo, que revelam ilustrativamente uma certa equivalência
entre os percentuais de presença ou ausência do sujeito expresso na posição pré-verbal em
cláusulas com anteposição e pós-posição do advérbio, podemos verificar mais uma vez que 47 As ordenações apresentadas na tabela não fizeram parte da metodologia do trabalho por se tratarem de um pequeno aprofundamento da questão da ordenação dos advérbios qualitativos em –mente, objetivando somente refutar uma hipótese; não sendo esta investigação parte do objetivo central do trabalho. 48 Documentos da administração privada
68
não é possível confirmar a hipótese de que a presença / ausência de sujeito ou outro elemento
antes do verbo seja uma variável a ser considerada na ordenação dos advérbios qualitativos
em -mente no período estudado.
Gráfico 1: Relação da distribuição de pré-posições e pós-posições em cláusulas em função da presença ou ausência de sujeito expresso em posição pré-verbal no século XVIII do Português.
O gráfico acima demonstra uma relativa maior presença em termos percentuais de
cláusulas com sujeito expresso nas ocorrências de pré-posição do advérbio (34%) do que nas
de pós-posição (24%); o que já parece apontar para a não confirmação da hipótese da
presença do sujeito como elemento de movimentação do advérbio para a posição pós-verbal.
Porém, esse diferencial percentual é muito pequeno.
Antes de finalizarmos a análise do século XVIII, é preciso mencionar que
encontramos 4 casos, não mencionados na tabela, em que entre o advérbio e o verbo aparecia
um outro elemento. Somando estes casos aos já mencionados VXA, isso representaria um
total de 25% das, agora, 72 ocorrências desses advérbios no século XVIII. Este resultado, se
contrastado com a ausência de ocorrências AXV e VXA dos séculos seguintes do português,
aponta para uma mudança na direção da tendência do português atual, em que os qualitativos
se colocam quase categoricamente ao lado do verbo (normalmente após esse elemento). Os
casos de AXV, diferentemente dos de VXA, não foram mencionados na tabela (nem na
69
metodologia) visto que em todos os quatro casos, assim como no exemplo 34, o elemento que
se colocou entre o advérbio e o verbo foi um outro advérbio de modo.
(34) (...) o | dito rapaz Em Seupoder, ao qual dá oSuplicante proptissimaExecuçáo como |
tem obidiente Sudito deVossa Excelencia, em cuja prezença poem ao mesmo tempo |
om[deteriorado o tam ilicito, e impraticavel comque fortiva eviolentamente foi tirado | da
Aldea, edaCazadoSuplicante odito rapaz (...).49
5.1.2. O século XIX
Antes de mais nada, devo repetir mais claramente o que vem sendo levantado em
seções anteriores da dissertação. A análise da ordenação dos qualitativos em –mente em
português é grande devedora e aliada da hipótese de que o século XIX foi o século em que se
concretizaram inúmeras mudanças no português do Brasil. A mudança da ordenação dos
advérbios qualitativos em -mente, que transmutaram da posição pré-verbal típica do latim
para a posição pós-verbal típica do português atual se consolidou, desta forma, neste século.
Principalmente por esta razão, incorporamos a divisão do PHPB-RJ do século em três
diferentes fases e demos procedimento à análise de dados baseando-a, em grande parte, nisto.
As três diferentes fases compreenderiam textos do período (i) de 1808 a 1840, a
primeira fase; (ii) textos de 1841 a 1870, a segunda fase; e (iii) de 1871 a 1900, a terceira e
última fase. As três tabelas abaixo demonstram a distribuição dos qualitativos em –mente em
textos das três fases do século XIX:
49 PHPB-RJ, séc. XVIII, aldeamento de índios
70
Séc. XIX (1808-1840)
Cláusulas menos gramaticalizadas
Cláusulas mais gramaticalizadas TOTAL
AV 1 21 22 (42%)
VA 5 25 30 (57%)
TOTAL 6 (11%) 46 (88%) 52 Tabela 4: Distribuição das posições dos advérbios qualitativos em -mente na primeira fase do século XIX do português.
Séc. XIX (1841-1870)
Cláusulas menos gramaticalizadas
Cláusulas mais gramaticalizadas TOTAL
AV 2 26 28 (38%)
VA 16 29 45 (61%)
TOTAL 18 (24%) 55 (75%) 73 Tabela 5: Distribuição das posições dos advérbios qualitativos em -mente na segunda fase do século XIX do português.
Séc XIX (1871- 1900)
Cláusulas menos gramaticalizadas
Cláusulas mais gramaticalizadas TOTAL
AV 1 6 7 (12%) VA 20 29 49 (87%)
TOTAL 21 (37 %) 35 (62%) 56
Tabela 6: Distribuição das posições dos advérbios qualitativos em -mente na terceira fase do século XIX do português.
Comecemos com a primeira fase. Observando a tabela, mesmo considerando a
quantidade de ocorrências pequena, podemos perceber a tendência a um certo equilíbrio na
distribuição dos advérbios pelas posições pré e pós-verbais (56% de ocorrências pós-verbais e
44% de ocorrências pré-verbais) em 52 ocorrências. É importante destacar que das 22
ocorrências de AV, apenas uma (4,5%) ocorre em cláusula menos gramaticalizada:
(35) Quanto à censura, que nos faz a respeito | do que dissemos sobre os Eleitores nós
cordialmente lhe | agradecemos por isso que não foi da nossa intenção chocar | o melindre
de alguém... 50
50 PBPB-RJ, Cartas de Redatores, nº8 (1ª fase)
71
Já na segunda fase, diferentemente do que ocorreu na primeira, podemos observar uma
predominância mais significativa de ocorrências pós-verbais (61% de 73 ocorrências) em
relação às ocorrências pré-verbais (apenas 39% deste mesmo número).
Esses dados sugerem que já na segunda fase do século XIX se dá uma considerável
diminuição de posições pré-verbais, que ficam praticamente restritas a cláusulas mais
gramaticalizadas (somente 7,1 % das 28 ocorrências pré-verbais ocorreram em clausula
menos gramaticalizadas); o que nos permitiria entrever que neste período a ordenação dos
advérbios em português começa a se delinear dentro da atual tendência.
Nesta tabela da terceira fase, por sua vez, registra-se um predomínio praticamente
absoluto das ocorrências pós-verbais em relação a ocorrências pré-verbais. Foram
encontrados 49 casos pós-verbais num universo de 56 ocorrências, o que nos garantiria a
porcentagem de 87%! Repare-se que apenas 1 entre 8 das poucas ocorrências pré-verbais se
deu em cláusula menos gramatical.
Destacamos também que, assim como nas demais fases do século XIX, não há
ocorrências de posição VXA, o que aponta para a hipótese de uma tendência casa vez maior
do advérbio se dar ao lado do verbo.
Uma cuidadosa análise do século XIX nos
mostraria, portanto, que esse século foi decisivo para a
consolidação da mudança na tendência de ordenação
desses advérbios em português.
O gráfico 2 ilustra as mudanças na tendência de
ordenação desses advérbios ao longo do século XIX.
Lembrando das tendências quase categóricas de o advérbio ocupar a posição pós-verbal no
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
sécXVIII
séc XIX1
séc XIX2
séc XIX3
pós-verbal
pré-verbal
Gráfico 2: Porcentagens de ocorrência das diferentes ordenações dos qualitativos em –mente nos séculos XVIII e XIX do português.
72
português atual (Moraes Pinto, 2008), esses dados sugerem que o século XIX foi o momento
em que se concretizou a mudança da ordenação dos advérbios qualitativos em -mente, que
transmutaram da posição pré-verbal típica do latim para a posição pós-verbal típica do
português atual.
Uma curta observação sobre a história do século XIX no país pode nos auxiliar a
contextualizar a análise sobre a ordenação dos advérbios em -mente, relacionando-a à
importante hipótese de que este período foi marcante para consolidação de diversas outras
mudanças em nossa língua (Tarallo: 1991/ 1993 e Pagotto: 1998); tendo em vista o projeto
romântico unificador característico deste período de nossa história.
Muito embora questões mais específicas da história de nosso país sejam mais
frequentes em estudos de historiografia, não acredito que a linguística possa se despir deste
tipo de análise sem comprometer seu rigor científico com isso. Por isto mesmo, proponho um
breve, porém suficiente para o suporte da hipótese em questão, passeio pelo que a
historiografia atual afirma a respeito do século XIX (Fausto, 2003; Hollanda, 2000; Cervo,
2008).
A preocupação com a formação de uma identidade nacional brasileira no período do
Império se refletiu na arte tanto na criações de escolas como na literatura romântica. Diz-se
que se tratava de um temor pelas “forças centrífugas” que se haviam
evidenciado no período regencial (diversas revoltas regionais
espalhadas pelo país). Assim, o chamado período da regência una de
Araújo Lima (1837 a 1840) foi o primeiro a se preocupar
enormemente com o projeto de construção de uma identidade
nacional. O pensamento era bastante simples: uma vez que a elite
Figura 4: Imagem ilustrativa do Uniforme escolar masculino do Colégio D. Pedro II, estabelecido por decreto em 1837, discutido como um dos símbolos da reforma de ensino e militância política da época.
73
nacional se considerasse nacional, deixaria de se ver como uma defensora de interesses
regionais da elite baiana, pernambucana ou sulista, etc.
Mesmo tendo sido muito importante no período do regresso, como mencionamos
ainda agora, o projeto de construção nacional foi o pilar da política interna durante todo o
Império (1822-1889), e teve seu lugar de destaque máximo durante o reinado de D. Pedro II.
Para a construção desta identidade nacional, foram criados institutos com este fim (o Colégio
Pedro II em 1837), o IHGB em 1838, entre outros), que tinham o mesmo fim: viabilizar a
difusão de um projeto cultural nacional para evitar rebeliões nas gerações futuras a partir (i)
da socialização das elites e do ensino, e (ii) da construção de uma história oficial e de um
ideal unificador cultural (com base nas cortes). Até hoje, o ensino brasileiro é fortemente
marcado por esses ideais de unificação cultural que privilegia uma pequena elite, cujos frutos
são realidades como o preconceito linguístico que se constrói nas nossas escolas.
Aproximemos agora não só a historiografia e a linguística, mas também as ciências
literárias. O Romantismo também teve por sua vez um papel fundamental na construção desta
história e desta identidade nacional. Bosi (2007) chega a afirmar que o ufanismo romântico
possibilitou o primeiro momento em que a literatura deixa de ser feita no Brasil para ser uma
literatura do Brasil. Podemos compreender esta importância do movimento romântico em
parte porque nossa natureza é descrita, nossa língua é abrasileirada e nossos heróis são
construídos; e em parte também porque todo este projeto estético nasce não da imitação de
um problema europeu (como foi o caso do arcadismo), mas de uma tentativa de superação de
um problema político nacional: a criação de nossa identidade. Assim, não é apenas na
literatura que se vê surgir o projeto romântico, mas também nas muitas cartas de membros das
elites que tentavam, neste complexo período político de um Brasil fragmentado, recorrer a
auxílios políticos da capital do Império através de cartas e anúncios nos jornais. Nessas cartas,
74
verdadeiros apelos políticos, era importante pertencer, formal e ideologicamente, a uma elite
nacional que gradativamente moldava o serviço público brasileiro.
Assim, a par do que nos informa a historia da literatura brasileira e os estudos de nossa
história política, podemos assumir uma hipótese para o porque de o século XIX ser tão
definitivo para diversas mudanças do português51. A ideia de construir uma “força centrípeta”
que unificasse as divergências regionais do país focava seus esforços nas elites que, de certa
forma, ameaçavam a unidade de Império caso continuassem lutando pelos interesses de suas
províncias. E, junto com a preocupação de centralizar o poder e de unificar as elites, veio um
contexto histórico que propiciou a consolidação de uma norma do português a ser utilizado
por estas elites, que viriam a estudar e a se socializar nos mesmos centros de ensino e a
trabalhar em funções públicas que respondiam, cada vez mais, à metrópole.
Esmiuçando os detalhes que o século XIX poderia nos oferecer em termos de analise
de dados, e também interessados por algumas tendências perceptíveis no século XIX,
analisamos também essas tendências apenas em cartas de leitores e de redatores de jornais do
século XIX. Detectamos com maior precisão o fenômeno gradual que consolidou a mudança
na tendência de ordenação destes advérbios, ao analisar somente algumas cartas de leitores e
redatores, separadamente, nos jornais do século XIX (Martelotta e Vlcek, 2006).
Encontramos, na primeira fase, mais ocorrências de posições pré-verbais do que nas
demais fases, tanto em leitores quanto em redatores. Além disso, as cartas de leitores somente
apresentaram ocorrências pré-verbais na primeira fase do século XIX, o que pode ser um
indício de como se deu, nesse século, a mudança nas tendências de ordenação em direção ao
uso praticamente categórico da pós-posição característica do português atual. 51 Obviamente, não foi o projeto romântico que determinou a direção tomada pela ordenação dos advérbios qualitativos em –mente no português, mas foi este o grande pivô da padronização de novas e antigas tendências no século XIX, fazendo do período em questão um momento de extrema importância para a história do português do Brasil.
75
Mais interessante, porém, é reparar que, neste mesmo trabalho, identificamos que
textos mais formais tendem a utilizar ordenações mais antigas, pois encontramos mais
anteposições dos advérbios em estudo nas cartas de redatores, escritas por pessoas que
trabalham nesses jornais e reproduzem o ideal de escrita por eles veiculados. Assim, as
ocorrências pré-verbais encontradas exclusivamente nas cartas de redatores nas 2a e 3 a fases
podem ser interpretadas como um uso conservador e de caráter formal, corroborando para
nossa hipótese de que o século XIX foi decisivo na caracterização da ordenação dos advérbios
qualitativos em -mente no português do Brasil.
5.1.3. Uma visão geral do fenômeno
Para uma visão mais geral do fenômeno, a fim de re-testarmos nossa hipótese
situando-a em um contexto histórico que compreendesse um número maior de séculos,
recorremos algumas analises de trabalhos sobre o assunto e re-analisamos os dados de Moraes
Pinto (2008) a respeito da ordenação dos qualitativos em -mente no português arcaico e nos
séculos XVI e XVII, compilando-os em tabelas de acordo com nosso interesse de estudo.
Figura 5: Tabela com compilação e re-análise dos dados de Moraes Pinto (2008) sobre ordenação dos qualitativos em -mente no português arcaico e nos séculos XVI e XVII.
76
Pude ver uma maior incidência de pós-posições (280 casos) do que de pré-posições
(91 casos) no português arcaico. É importante atentar também ao fato de que nesta fase ainda
encontramos, dentre as anteposições, 33 ocorrências (36%) em cláusulas menos
gramaticalizadas. Esta proporção cai para 17% no século XVIII, em que das 35 ocorrências de
anteposição do advérbio, apenas 6 ocorreram em cláusulas mais gramaticalizadas, como
demonstramos anteriormente. Estas observações corroboram a hipótese de que a ordenação
mais antiga, a anteposição do advérbio, fica cada vez mais restrita às cláusulas mais
gramaticalizadas, que são mais conservadoras.
Construí também uma análise gráfica a fim de tentar compreender com maior precisão
nossa hipótese de que a mudança se inicia pelas cláusulas menos gramaticalizadas para
somente depois atingir as mais gramaticalizadas; já que isso implicaria uma persistência das
ordenacoes mais antigas nas cláusulas mais conservadoras, enquanto seu desaparecimento
seria mais perceptível nas cláusulas menos conservadoras.
Gráfico 3: Porcentagem de pós-posições de advérbio qualitativo em -mente no português escrito do Brasil do século XV ao século XX.
Gráfico 4: Porcentagem de anteposições de advérbio em relação ao verbo em cláusulas mais gramaticalizadas no português escrito do Brasil do século XV ao século XX (não houve dados no século XX52).
Apesar de os gráficos 3 e 4 nos mostrarem que houve maior incidência de cláusulas
mais gramaticalizadas não só nas pré-posições, mas também nas pós-posições do advérbio, 52 Moraes Pinto (2008) só registrou 9 (de 165 ocorrências) como anteposições do advérbio ao verbo no século XX, todas extraídas de textos religiosos, o que aponta, em uma análise da língua baseada no uso, para um fator estilístico, e por isso não foram contabilizadas em nosso trabalho.
77
devemos considerar que essa porcentagem não muda ao longo dos séculos, o que demonstra
que esta tendência (a mais inovadora) é mais livre para ocupar diversos tipos de cláusulas
(gráfico 3), enquanto a ordenação mais antiga se restringe, cada vez mais, às cláusulas mais
gramaticalizadas (gráfico 4), chegando a praticamente desaparecer no português atual.
5.2. Ordenação dos advérbios qualitativos em –ment no francês
A análise de outras diferentes áreas da pesquisa linguística, mais especificamente a
linguística gerativa, apontam para o fato de que em francês atual não há possibilidade de o
advérbio qualitativo em –ment aparecer em posição pré-verbal. Ao analisarmos as tendências
de ordenação destes advérbios, começamos nossa análise então pelo século XVIII, motivados
a encontrar o período de concretização da mudança de posição destes advérbios em algum
século anterior da língua.
5.2.1. Suposições gerativas acerca da ordenação do advérbio intra-sentencial modificador
do Sintagma Verbal em inglês, francês e português: uma discussão e várias
hipóteses
“Languages are the best mirror of the human mind” (LEIBNIZ, apud CHOMSKY,
1986), “language is a dialect with an army and a navy” (atribuído a Max Weinreich, apud
CHOMSKY, 1986). Essas duas famosas citações que percorrem os corredores dos centros de
estudos linguísticos definem bem como, ao longo desses estudos, foram muito divergentes as
visões acerca do que seria o objeto de estudo da linguística.
78
Para os estudos da linguagem de tradição formalista, os
estudos da linguagem não deveriam se preocupar com as
dimensões sócio-políticas ou normativas, mas, sim, com os estados
mentais que corresponderiam a saber uma língua, abstraindo as
diferenças entre os falantes. A partir da célebre criação da imagem
de um falante ouvinte ideal em uma comunidade homogênea, os estudos da linguagem
poderiam transcender as questões de variação, cujas razões seriam extralinguísticas, e
poderiam ser semelhantes aos estudos da mente humana de forma geral: baseados em leis
necessariamente universais.
Ao rever seu modelo de princípios e parâmetros e substituí-lo pelo programa
minimalista, a análise gerativa dá destaque à questão da ordenação dos advérbios intra-
sentenciais como os analisados no presente trabalho, ilustrando o problema com as
divergências de ordenação entre o inglês e o francês. Enquanto o francês teria somente a
posição pós-verbal licenciada (Jean embrasse souvent Marie), em inglês só seriam
gramaticais sentenças com o advérbio em posição pré-verbal (John often kisses May).
Figura 6: Representação arbórea de onde o advérbio intra-sentencial seria gerado segunda a tradição formal.
79
Para Chomsky - baseando-se em e
criticando outros textos sobre o assunto - o que
aconteceria nesses casos seria que o advérbio seria
sempre gerado na posição de especificador do
sintagma verbal (figura 6) e que, em francês, o
verbo se movimentaria para checar o traço de
concordância (AGR) antes do vértice que separa a
sintaxe visível da sintaxe coberta (figura 7).53 Em inglês, como o traço é fraco, ele pode ser
checado somente depois do vértice, não influenciando na forma fonética. Embora para a
linguística formal o verbo é que seja aquele a se mover, podemos reparar mesmo a partir deste
resumo extremamente simplificado duas grandes questões: primeiro, a postulação do spell-
out, que elimina o antigo modelo baseado em estrutura superficial + estrutura profunda e;
segundo, a diminuição da autonomia da faculdade da linguagem no novo modelo já que, o
que obriga o verbo a checar caso em francês antes do spell-out é o fato de o traço e AGR
nesta língua ser forte e que os traços fortes não podem ser lidos pelos sistemas de interface.
Muitos chegam a afirmar, com um grande exagero (prefiro acreditar) que este seria o início de
53 Para o leitor não habituado com a terminologia utilizada pela linguística gerativa exposta nesta página, basta pensar da seguinte forma: o modelo de faculdade da linguagem formal é feita de léxico e sintaxe. O léxico é um conjunto de elementos lexicais, cada um deles um sistema de traços (que especificam propriedades semânticas, fonéticas e sintáticas idiossincráticas). A sintaxe, por sua vez, seria um processo de operação inconsciente, constituído de duas operações básicas: concatenar e mover. Assim, as operações (sintáticas) que acontecem antes do vértice que separa as operações da componente fonética (estabelece interface com o sistema articulatório perceptual) das operações da componente lógica (estabelece interface com o sistema conceptual) afetam tanto na forma lógica como na forma fonética, ou seja, tudo o que acontece entre o léxico e o spell-‐out é a sintaxe aberta ou visível. Porém, tudo o que acontece entre o spell-‐out e a forma lógica é a sintaxe coberta, ou seja, não é visível na forma fonética. Aplicando esta teoria à discussão dos advérbios, percebemos que as operações de movimento do verbo em inglês acontecerem somente depois do vértice, e portanto não são visíveis na forma fonética, sendo exclusivas da forma lógica. Em francês, como o verbo se movimenta antes do spell-‐out, esse movimento é visível, pois reflete na forma fonética. Deste modo, a teoria gerativa alcança um equilíbrio muito buscado em suas análises entre a adequação descritiva e explicativa da linguística, pois enquanto a forma lógica em todas as línguas é a mesma; as diferenças nas formas fonéticas das diferentes línguas se explicam por operações na sintaxe coberta.
Figura 7: Modelo de Faculdade da Linguagem baseado em nossa interpretação do Programa Minimalista (Chomsky, 1995).
80
uma funcionalização da teoria chomskyana. Independente das conclusões e das possíveis (e
impossíveis comparações) que estes dois modelos (o formal e o funcional) possam ter, é
inegável a importância do estudo do fenômeno da ordenação dos advérbios na construção do
modelo teórico.
Vale a pena, para nós, questionar em qual padrão se encaixaria o português atual, visto
que, por um simples julgamento de gramaticalidade, poderiam muito provavelmente nossos
falantes validar ambas as formas54:
(36) a. João beija frequentemente Maria.
b. João frequentemente beija Maria.55
Apontando para esta hipótese, Costa (2009) afirma que, a maioria dos advérbios
qualitativos (aqueles que não são ambíguos entre seu valor qualitativo e modalizador) pode
ocorrer em posição pré-verbal ou pós-verbal em português.
Mas, se a posição do verbo em relação ao advérbio é um reflexo, na língua-E, de
computações que acontecem na língua-I56, é preciso que se desvende qual é o padrão e
ordenação do português do Brasil para, a partir desta informação, formular hipóteses que
permitam economia descritiva e adequação explicativa para o fenômeno nas diferentes
línguas naturais.
54 O texto aqui supõe um teste off-line, já que em um teste online talvez pudéssemos supor que o falante de português validaria ambas as formas, mas que demoraria um pouco mais para validar a posição pré-verbal. 55 Mesmo não chamando, em nossa análise de dados, advérbios como frequentemente como advérbios de modo, utilizamos uma tradução “literal” dos exemplos de Pollock retomados por Chomsky a fim de não “distorcer” a teoria. Baseamos a legitimidade deste exemplo para ilustrar a tendência de advérbios qualitativos no texto de Pollock em que este lista quais advérbios teriam ou não a tendência de seguir este padrão. 56 A distinção língua-E e língua-I é aqui utilizada como proposta por Chomsky (1986): sendo a língua-E aquela afetada por dimensões sócio-política ou teleológica-normativa e a língua-I aquela que corresponde aos estados mentais de se saber uma língua.
81
Quando falamos em advérbios intra-sentenciais modificadores do VP57; nos referimos
somente a advérbios gerados como determinantes do VP e cujo valor semântico se relaciona
única e exclusivamente com o verbo. Um advérbio que não é gerado no sintagma verbal pode
encontrar diferentes opções de ordenação (POLLOCK, 1989; ILARI et alii, 1996), o que
envolveria fenômenos outros que não o movimento do verbo em direção à camada flexional.
É importante destacar que o que chamamos aqui então de advérbio intra-sentencial é uma
categoria ainda não claramente especificada na literatura gerativa, e, por isso, focaremos a
análise nos advérbios de modo, já que estes são prototipicamente aqueles que mais se
relacionam com o verbo58.
Assim, seguindo os pressupostos minimalistas, uma questão ainda maior seria
observar a posição do verbo em relação ao advérbio em português, mas também analisar
implicações dessa resposta, já que a ordenação é uma das consequências de um parâmetro
maior. Observando alguns dados do português contemporâneo (corpus D&G oral e escrito do
Rio de Janeiro), chamou-nos a atenção que não houve nenhum caso de advérbio qualitativo
em -mente que ocorresse anteposto ao verbo, independente do tipo de verbo, tanto em
sentenças finitas (37) como não finitas59 (38). Chegamos a afirmar, portanto, que o português
57 Sigla em inglês para Sintagma Verbal. 58 Não seriam, portanto, pertinentes para esta análise, advérbios que indicam tempo (ontem) ou lugar (aqui), já que estes (i) não caracterizam a natureza da ação, apenas indicando onde e quando ela se deu e (ii) sua ordenação, como já aponta Pollock (1989), não segue as mesmas restrições que os advérbios anteriormente mencionados. Acrescento ainda que advérbios que veiculam noção de inclusão/exclusão (somente), negação (não) e focalização (mesmo) também não podem ser analisados nesta perspectiva, pois (i) ao invés de modificarem o verbo, atuam sobre a suposição de verdade da proposição (ILARI et alii: 1996) e (ii) seu padrão de ordenação também não segue o padrão dos advérbios acima descritos (POLLOCK, 1989). Os advérbios aspectuais também não são pertinentes para a análise aqui presente, já que seriam gerados nos “novos” nódulos da camada flexional (CINQUE E RIZZI, 2008), estando sujeitos a outra computação. Não seriam também de nosso interesse advérbios modificadores da sentença (felizmente, ele chegou); bem como advérbios modificadores de adjetivos ou outros advérbios (ela é bastante bonita), já que estes não são gerados na posição de especificador do verbo, pois seu escopo não é o verbo (JACKENDOFF, 1972; MORAES PINTO, 2008; VLCEK E MARTELOTTA, 2009). 59 Entendendo aqui sentenças não finitas como aquelas em que o verbo não recebe conjugação; ou seja, não somente a forma do infinitivo, mas também a do exemplo 38, em que há uma sentença gerundiva.
82
teria um padrão Verbo-Advérbio60. Em outras palavras, o movimento do verbo se daria na
sintaxe visível em português.
(37) (...) aí chegando lá tive a maior decepção... fiquei sabendo que a minha irmã gostava do mesmo menino... e que:: ela já estava namorando com ele... aí... tudo bem... eu chorei... né? disfarçadamente lá... porque eu fiquei chateada... minha irmã... pô... sabendo que eu gostava dele... aprontou... aí o pessoal falou assim “pô... você vai ficar nessa? sai dessa... procura outro... (Corpus D&G, Niterói, narrativa de experiência pessoal, 15 anos, ensino fundamental)
(38) …então chegando na hora do almoço... né? pulando drasticamente aí a:: coisa... chegando na hora do almoço... uma amiga minha... né? (Corpus D&G, Niterói, narrativa de experiência pessoal, 35 anos, ensino superior)
Este resultado foi também identificado nas análises de Moraes Pinto (2008) do
português escrito do século XX, anteriormente citadas em nosso trabalho. Assim, ficaríamos
tentados a afirmar que, em português, o verbo se move para AGR antes do spell-out, tanto em
sentenças finitas quanto em sentenças infinitas. Esta conclusão, numa primeira visada, poderia
implicar a hipótese de que o traço de concordância em português seja forte (embora outras
análises também precisassem ser feitas). O problema que encontra a linguística gerativa, e que
nossa análise baseada no uso pretende enfrentar; é que a análise formal encontra um problema
bastante grave quando analisa séculos em que há variação entre as duas posições pois isto
indicaria a co-existência de dois parâmetros diferentes para o mesmo traço. Como
discutiremos um pouco mais adiante, a análise da mudança linguística do ponto de vista
funcional permite uma maior compreensão do fenômeno em questão, sem esbarrar na
incompatibilidade de traços.
60 Martelotta (2004) em uma análise do português escrito atual demonstrou a ocorrência categórica dos advérbios bem e mal na posição pós-verbal.
83
5.2.2. As tendências de ordenação do advérbio qualitativo em –ment no francês dos
séculos XVII, XVIII e XX
Partindo das hipóteses levantadas pela análise colocada, a ordenação dos advérbios
qualitativos em francês na posição pós-verbal é mais do que uma tendência, mas uma regra
consolidada; enquanto no português, em alguns tipos de texto, a antiga ordenação pré-verbal,
ainda que rara, ainda possa ser encontrada. Essas afirmativas nos trouxeram a luz à hipótese
de que a mudança possa ter ocorrido em períodos anteriores da história do francês.
De fato, analisando textos de jornais literários, jurídicos e políticos do francês do
século XVIII, não encontramos nenhuma ocorrência de anteposição de advérbios qualitativos
em -ment, somente posposições (39).
(39) c’étoit lui qui avoit tort; je le ramenai aisément à ses pieds: (...) TRAD: era ele que estava errado; e eu lhe dei uma lição61 com facilidade: (...)
Séc. XVIII Cláusulas menos
gramaticalizadas Cláusulas mais
gramaticalizadas TOTAL VA 5 8 13
VXA 0 2 2 TOTAL 5 10 15
Tabela 7: Distribuição das posições dos advérbios qualitativos em -ment no francês do século XVIII.
As ocorrências encontradas foram pós-verbais, tanto nas esperadas cláusulas menos
gramaticalizadas (39), como nas em que se esperava poder haver ainda anteposição do
advérbio, ou seja, nas mais gramaticalizadas, e por isso, mais conservadoras (40). Essa
constatação nos levou, mais uma vez, a imaginar que a mudança em francês tenha ocorrido
ainda em etapas mais anteriores da língua, já que mesmo nas cláusulas mais conservadores
não encontramos nenhum caso sequer de anteposição, ordenação típica do latim.
61 Faire les pieds à quelq’un, traduzido como lui donner une bonne leçon, lui apprendre à vivre.
84
(40) Aimant beaucoup, elle apprenait chaque jour à penser elle avoir une si grande horreur pour la coquetterie, qu'elle croyoit qu'on ne pouvoit plus plaire innocemment lorsqu'on aimoit une fois: elle craignoit ce que les autres cherchent.
TRAD: Amando muito, ela aprendeu a cada dia a pensar ela ter um tão grande horror pela coqueteria, que ela acreditava não ser mais possível agradar inocentemente quando já se amou uma vez: ela temia o que os outros procuram.
Recorremos, portanto, ao século XVII, a fim de confirmar a hipótese de que houve, na
história da língua francesa, uma mudança na tendência de ordenação destes advérbios. Afinal,
quando não encontramos algo, em linguística histórica, há de se atentar para o fato de que
talvez isso confirme a hipótese de inexistência deste tipo de dado mas, por outro lado, talvez
isso só confirme que não encontramos este tipo de dado nos corpora de que dispúnhamos e,
no caso desse trabalho, como o leitor já deve ter percebido, o corpus fora razoavelmente
reduzido devido a dificuldade de encontrar textos históricos não exclusivamente literários e já
digitalizados em língua francesa.
A análise do século XVII, porém, se mostrou bastante reveladora e importante para
nossa hipótese de que a mudança dos advérbios em –mente/-ment da posição pré-verbal para a
pós-verbal teria um caráter translinguístico.
Séc. XVII Cláusulas menos
gramaticalizadas Cláusulas mais
gramaticalizadas TOTAL AV 1 6 7 VA 7 16 23
VXA 1 2 3 TOTAL 9 24 33
Tabela 8: Distribuição das posições dos advérbios qualitativos em -mente no francês do século XVII.
Ao encontrarmos algumas raras pré-posições (41), constatamos que, no século XVII,
ainda se poderia encontrar anteposições dos advérbios qualitativos em -ment no francês. Esse
fato, somado à inexistência deste tipo de ocorrência em séculos posteriores da língua, coloca a
85
trajetória de ordenação dos itens estudados na mesma análise do português, embora em outro
momento da história.
(41) Il faut necessairement qu’un homme de peu, qui s’échappe iusque’à ce point d’insolence que de Porter les mains ou d’attenter par quelque autre voye moins brutalle à l’honneur d’vn Prince du Sang, soit resolu de perdre la vie, parce qu’il ne peut pas esperer de la sauuer apres le succez de son dessein; & cette necessite de perir ou il s’engage visiblement fait voir qu’il est sol, par ce que s’il estoit sage, (...) TRAD: É necessariamente preciso que um homem de poucos recursos, que escapa a esse ponto de insolência de levar as mãos ou de atentar por algum outro meio menos brutal à honra de um Príncipe de Sangue; esteja resolvido a perder a sua vida porque ele não pode ter esperança de salvá-la após o sucesso de seu plano: e essa necessidade de perecer em que ele se engaja visivelmente faz ver que ele está só, pois se ele fosse sábio, (...)
A existência destas anteposições, ainda que raras, nos permite supor que a língua
francesa também tenha tido um estágio de coexistência entre anteposições e posposições e,
assim como o português, evoluiu para uma predominância da posição pós-verbal, como
pudemos verificar na análise do francês atual.
Assim, como último passo, a fim de comprovar a hipótese de que a posição pós-verbal
é categórica na língua francesa nos dias de hoje, analisamos textos jornalísticos do francês
atual, além de dois blogs pessoais. Não encontramos nenhum caso de anteposição do advérbio
qualitativo em relação ao verbo, apontando para o fato de que atualmente o português e o
francês têm a posição pós-verbal como a preferida para estes itens na sentença.
Séc. XX Cláusulas menos
gramaticalizadas Cláusulas mais
gramaticalizadas TOTAL VA 15 11 26
Tabela 9: Distribuição das posições dos advérbios qualitativos em -mente no francês do século XX.
(42) Aujourd'hui, ma fille commence à lire correctement et, lors d'une pause pipi sur une aire d'autoroute, elle a lu à voix haute sur la porte des toilettes : (…)62
62 Francês atual, blog pessoal.
86
TRAD: Hoje minha filha começa a ler corretamente e na hora de uma pausa para fazer xixi em uma área de repouso da estrada, ela leu em voz alta na porta do banheiro: (…).
(43) (...) Après avoir fait ce qu'il avait à faire dans sa litière, il [mon chat] se nettoie naturellement les pattes... dans l'aquarium.63 TRAD: (…) Depois de fazer o que tinha que fazer na sua caixinha, ele [meu gato] naturalmente limpa as patas ... no aquário.
5.3. A gramaticalização dos advérbios qualitativos em -mente/ment e o surgimento de
modalizadores
Além de ocorrer uma mudança na tendência de ordenação dos advérbios analisados,
podemos notar também que alguns deles também apresentam uma variação semântica.
No exemplo 44, vê-se um advérbio qualitativo, que contém diversos traços típicos64
das definições de advérbios (função predicativa que atua sobre a ação verbal). O advérbio
qualitativo em –mente/ment prototípico tem função predicativa de modificar outro elemento
da sentença e se relaciona semanticamente com a ação verbal, fornecendo informação
referencial sobre a cena. Em função de outras ocorrências semelhantes encontradas nos
corpora, assumimos que o advérbio felismente apresenta, no exemplo 44, valor qualitativo,
indicando o modo como se deu ação do verbo que modifica (fazer de modo feliz). Esse uso
não existe atualmente, visto que hoje o advérbio felizmente é um advérbio modalizador (45).
(44) Eufis felismente aminha Viagem ecomo medei bem nella ja / estou anciozamente suspirando pela a tornar arepetir paraese / Continente; (...) 65
63 Idem. 64 Assumimos em nossa análise que o advérbio qualitativo é o tipo mais representativo da categoria dos advérbios em -mente. Esta afirmativa traz à tona a questão já colocada no presente trabalho acerca da discussão se existe ou não um “centro” das categorias linguísticas. Afirmar a existência deste centro seria ou (i) afirmar a existência de uma essência de ser das coisas ou (ii) afirmar que o conhecimento humano cria um centro para referência da organização do mundo objetivo em categorias. Assumimos a segunda hipótese, baseados na asserção de Tomasello (2003), de que a aquisição e estruturação das categorias linguísticas em paradigmas é resultado da observação que os usuários fazem de seus traços semânticos, dos seus papéis na comunicação, e de suas características estruturais. 65 Documentos da Administração Privada
87
(45) Felizmente, o incidente foi resolvido da melhor forma (…)66
De fato, nossas pesquisas demonstraram que determinados advérbios qualitativos em -
mente desenvolvem valores conjuntivo (ex.: consequentemente/contrairement), modalizador
de atitude epistêmica (ex.: certamente/sûrement), de atitude proposicional (ex.:
felizmente/heureusement) e de atitude pragmática (ex.: francamente/franchement), entre
outros. Em geral, junto a este processo de polissemia e de mudança de ordenação, acontece
uma expansão do escopo, no sentido de que o advérbio deixa de se relacionar especificamente
com o verbo (46), ou seja de ser parte do predicado e passa a modificar toda a cláusula,
funcionado como uma modificador da proposição (47).
(46) Pour agir plus sûrement, je me rendis chez lui dans le dessein de le questionner67.
(47) Excuse moi, tu as sûrement déjà répondu à cette question, mais Ipomée, ça vient d’où?
C’est joli.68
No exemplo 46, observado no século XVIII da língua francesa, o advérbio em questão
se relaciona exclusivamente com o verbo, indicando uma forma certa, correta, de agir; já no
exemplo 47, observado em um blog pessoal da atualidade, relacionando-se com toda a oração,
o advérbio em questão perde seu valor qualitativo e assume valor modalizador, ao expressar a
certeza que o falante tem de que aquilo sobre o qual ele fala é certo, é verdadeiro.
Martelotta (2008) aponta para o fato da existência de uma trajetória de
gramaticalização envolvendo construções adverbiais que leva as construções qualitativas a
assumirem valor de modalizador, passando a expressar o posicionamento epistêmico do
66 Ciência Hoje online, 2007 67 Gallica, XVIII 68 Francês atual, blog pessoal (http://www.formspring.me/dwam/q/1471565159)
88
falante em relação ao que está falando (Traugott e Dasher: 2005). Segundo os autores, essa
trajetória unidirecional pode ser caracterizada do seguinte modo: advérbio interno à cláusula
> advérbio sentencial > marcador discursivo.
5.3.1. Frequência: da formação dos advérbios qualitativos em –mente/-ment ao seu
enfraquecimento frente ao valor modalizador
Bybee (2003) é pioneira ao propor uma sistematização do papel da frequência nos
processos de gramaticalização e observar que (i) a frequência de uso leva ao enfraquecimento
da força semântica pelo hábito; (ii) ocorre redução fonética e fusão fonológica com a
repetição; (iii) a frequência condiciona uma autonomia maior para a construção, o que
significa que os componentes individuais da construção perdem ou enfraquecem suas
associações com outros usos dos mesmos itens; (iv) a perda da transparência semântica leva
ao uso da construção a novos contextos; (v) a autonomia do sintagma frequente o torna mais
entranhado na língua, preservando as características morfossintáticas antigas.
A autora afirma que a construção be going to sofreu mudança na frequência de tipo.
Saiu de um contexto mais específico, encontrado no inglês de Shakespeare, em que só
aparecia em sentenças cujos sujeitos eram animados e podiam se mover; e se estendeu para
um contexto mais geral, típico do inglês atual, em que a construção pode aparecer incluindo
todos os inanimados e os seres que não se movem.
Mais uma vez, podemos aplicar a questão colocada pela gramaticalização dos
advérbios em questão, mas em um estágio anterior. Voltemos a sua formação. Demonstramos
que (Campos e Martelotta, 2010) advérbios qualitativos em –mente/ment surgiram a partir da
concordância em gênero, número e caso do substantivo latino mens, no caso ablativo, mente, a
um adjetivo modificador deste substantivo. Inicialmente, mente designava apenas atividade
psíquica, mental, alma, espírito; assim, adjetivo + mente. formavam um sintagma nominal,
89
em que o adjetivo modificava a natureza do substantivo. Sendo assim, o uso desta estrutura se
restringia a contextos em que o sujeito fosse humano, individuado e também singular (48),
visto que apenas humanos e individuados possuem uma mente (cérebro), ou seja, se restringia
ao sentido original do substantivo. No entanto a frequência desta estrutura passou a ser maior
na fase medieval da língua latina, posterior à fase clássica. E nesta fase medieval, o contexto
de uso desta estrutura começou a ampliar-se, permitindo relacionar-se com outros sujeitos em
contextos não esperados, como por exemplo, não humanos (49), que não fossem individuados
(50) ou que não estivessem no singular (51).
(48) “sede o diuinius ipsa sompniat archana rerum celique profunda mente Plato, sensumque Dei perquirere templat.” Trad.: mas Platão imagina as próprias coisas celestes com a mente mais profunda que ele (Aristóteles), e tenta procurar o sentimento de Deus. (Anticlaudianus)
(49) “Haec autem apostolicus mente voluntária et intenta ut accepit, in omnibus se promisit mandatis parere sanctorum precibus.” Trad.: Assim, visto que o ato apostólico retomou estas coisas voluntária e com a mente atenta, e prometeu que estaria presente nos mandamentos de todos os santos. (Historia Hierosolymitanae Expeditionis)
(50) “Procedunt portis Siculi, non star eferentes, Egressique foras audaci mente repugnant”. Trad.: Os Siculos saem pelas portas, postos para fora e recriminam com a mente audaciosa. (Gesta Roberti Wiscardi)
(51) “Quam etiam reges sereníssima mente excipientes, papae et episcoporum mandatis in nullo tunc refragati sunt” Trad.: Os reis que vieram depois se opuseram com a mente sereníssima aos pedidos dos papas e dos bispos. (Richeri Historiarum)
É importante destacarmos também que o processo de formação destes advérbios prevê
uma fixação na ordem dos constituintes da construção, uma vez que o substantivo mente, item
lexical, se tornará um sufixo, item gramatical, este tenderá a vir imediatamente posposto ao
adjetivo modificador. Esta regularização ocorre também por uma questão de aumento na
frequência. Podemos contrastar a ordenação mais livre do latim clássico (52) com ordenações
mais regulares de fases posteriores à língua clássica, como a fase medieval e etapas
posteriores (53) e (54):
90
(52) “Mente tibi laeta studuit parere poeta.” Trad.: O poeta aplicou-se em obedecer-te com a mente alegre. (Latim clássico)
(53) “In celo mente beata viuat et in terris peregrinet corpore solo”. Trad.: Depositado na terra, que viva no céu com a mente feliz e que só o corpo peregrine nas terras.
(54) “Hec autem Sanctissimi Patres et Predecessores vestri sollicita mente pensantes ipsum Regnum et populum” Trad.: Desse modo os Santíssimos padres e seus predecessores que examinam com a mente solicita o próprio reino e o povo.
Este processo se tornou extremamente produtivo, substituindo a forma já existente e
disponível na língua latina para formação de advérbios de base adjetival, em que se somava
ao adjetivo às desinências -e -o para palavras de tema em -u/-o e o sufixo -ter para palavras de
tema em –e.
Quando um item se gramaticaliza, é normal que se torne mais frequente (Hopper e
Traugott, 2003). Bybee (2003) nos chama a atenção, porém, para o fato de que a frequência
não é apenas um resultado da gramaticalização, mas também é um fator que contribui para o
processo. Retornando aos nossos exemplos (15, 16 e 17), dentre as várias construções com
verbos que expressam movimento e poderiam expressar propósito, só a construção com go se
gramaticalizou e isso se deu, segundo a autora, devido a sua alta frequência.
Analogamente, os advérbios qualitativos em -mente perdem a sua frequência ao longo
dos séculos no português e no francês atuais, dando lugar a uma grande proliferação de
advérbios modalizadores. Uma pesquisa informal por advérbios em -mente em diferentes sites
de busca atuais (como Google ou Bing) demonstram que os pouquíssimos advérbios em -
mente qualitativos que se encontram hoje no português atual estão condicionados a títulos e
não ao corpo do texto. Em francês, por outro lado, ainda há bastante incidência de advérbios
qualitativos em –ment, já que o uso do que chamamos de adjetivos adverbializados é listado
91
nas gramáticas de francês como uma forma marcada e; como vimos na revisão da literatura,
esta nova forma é bastante presente no português de hoje.
A fim de tornar mais clara esta percepção que tive ao longo das pesquisas, verificamos
a frequência de advérbios qualitativos e modalizadores em –mente/ment no português e no
francês atuais. Os dados foram retirados do site “vida de merda”, por ter um correspondente
em francês “vie de merde” e por ser uma boa amostra da língua já que se trata de depoimentos
espontâneos de pessoas das mais diferentes idades, em uma linguagem bastante informal. O
site, tanto a versão francesa quanto a versão brasileira, são construídos de tal forma que há um
espaço para que toda a comunidade participe contando porque a sua vida é ou está um
fracasso e há também um blog, em que alguém responsável pelo mesmo publica informações
sobre o site, sobre as postagens e outras coisas.
No site em francês, a quantidade de advérbios, não só qualitativos, em -ment foi de
144 num universo de 13166 palavras, ou seja, aproximadamente 1%. Em português, por sua
vez, num universo de 90000, 36 eram advérbios em -mente, ou seja, aproximadamente 0,04%.
O que demonstra (i) um índice muito baixo de recorrência deste sufixo em ambas as línguas,
como havíamos levantado anteriormente, e (ii) que em francês, a ocorrência de advérbios em
–ment é bastante superior a ocorrência de advérbios em –mente no português.
Mas o interessante é verificar, dentro deste universo de palavras, quantos são os
advérbios qualitativos. Em francês, essa porcentagem é de 0,7% e em português, apenas
0,01%. Em outras palavras (ou em outros números), enquanto em francês 70% dos advérbios
em –ment são qualitativos, em português, somente 25 % dos advérbios em -mente são
qualitativos.
Concluímos destes dados que os advérbios qualitativos, embora ainda não muito
frequentes em francês, são comparativamente muito menos frequentes em português. A partir
disso, bolamos a hipótese de que os adjetivos adverbializados mencionados em capítulos
92
anteriores do texto teriam ocupado esta função em português, mas não em francês. Talvez
devido ao fato de que em língua francesa este tipo de construção seja marcada, vista como
típico da fala adolescente. Já no que se refere a uma incidência maior de modalizadores do
que de qualitativos, acreditamos na hipótese de que isso se deve ao fato de que os advérbios
em -mente sejam criticados pelas editoras do Brasil em traduções do francês69 e em revisões
sejam de livros ou de jornais nacionais. Desta forma, somente modalizadores e outros tipos de
advérbios em –mente (que não os qualitativos) permanecem, pois é inviável (ou marcado) na
língua retirar o sufixo –mente de alguns advérbios, como um modalizador, mas sim de um
qualitativo (Ele chegou rápido/rapidamente; Certamente/Certo (?), a crise acabará em
breve.)
5.3.2. Gramaticalização e iconicidade
Como pretendemos demonstrar nesta seção, quanto mais afastado da ação verbal está
o valor semântico dos advérbios, mais este se permite afastar do verbo. Mas, para bem
delinearmos esta hipótese, precisamos nos familiarizar com um conceito muito caro aos
estudos funcionais da linguagem: o princípio da iconicidade.
Assumir a existência de uma motivação funcional para as estruturas linguísticas, sejam
elas de base cognitiva ou sócio-culturais, significa assumir que a linguagem é icônica.
A noção de que a linguagem reflete o pensamento que, por sua vez, reflete a realidade
do mundo exterior é uma visão que remonta à lógica aristotélica, embora para Aristóteles a
linguagem fosse icônica num sentido mais trivial do que para a linguística atual. Pierce (apud:
Givón 1990) trouxe a noção de que a sintaxe humana não é arbitrária, mas sim isomórfica
69 Em trabalhos de tradução que tive a oportunidade de fazer para editoras, como José Olympio, no trabalho “A Rive Gache”, constava nos manuais uma observação específica para quem faria a tradução a partir do francês, instruindo-nos a substituir todas as formas em –ment por adjetivos adverbializados do português.
93
com o seu designatum mental. Isso não significa dizer que a sintaxe de uma língua é
totalmente icônica, mas sim que ela é substancialmente icônica, ou seja, motivada; e não
arbitrária, como acreditou-se (e ainda se acredita) na linguística formal.
Os estudiosos de uma linguística baseada no uso, como vimos, se caracterizam, em
grande parte, pela rejeição da linguagem como sistema arbitrário e autônomo, em prol de uma
explicação funcional.
A noção de iconicidade está relacionada ao princípio de que as línguas, de alguma forma, refletem o pensamento, que, por sua vez, se espelha na realidade externa, referente ao mundo biossocial em que vivemos. Essa proposta se opõe à visão, típica dos linguistas do pólo formalista, para quem a arbitrariedade constitui a marca da linguagem humana, em oposição à comunicação animal, que seria icônica. (Martelotta, 2006)
Pode-se entender, portanto, o Princípio da Iconicidade como a propriedade das estruturas
de uma língua de refletirem a concepção que temos da nossa experiência. Assim, afirmar que
a linguagem é icônica significa assumir que a estrutura linguística revela as propriedades de
conceitualização que o homem faz do mundo.
O princípio da iconicidade pode ser codificado nas diferentes línguas de diferentes
maneiras, o que muitas vezes poderia levar alguns teóricos a imaginar uma verdadeira
arbitrariedade onde, na verdade, existem sub-princípios. Existem três importantes sub-
princípios relacionados ao princípio da iconicidade e cada um deles revela uma relação entre a
estrutura linguística e o modo como a mente humana processa as informações do universo em
que vivemos.
O sub-princípio da ordenação sequencial prevê a existência de tendências de ordenação
nas diferentes línguas naturais, como o fato de as informações novas tenderem a ocorrer no
final da frase. O sub-princípio da quantidade, por sua vez, prevê que o tamanho da estrutura
gramatical depende do tamanho da informação que esta pretende expressar, assim, o que é
simples ou esperado pode ser expresso por expressões menos complexas. Já o sub-princípio
94
da proximidade torna-se mais relevante para o presente trabalho, pois prevê que os conceitos
que concebemos mentalmente juntos tendem a aparecer codificados de forma mais integrada
na sintaxe, ou seja, o que está mentalmente junto ou afastado, está também sintaticamente
junto ou afastado, respectivamente.
Este sub-princípio é caro a este trabalho pois, como já aponta Martelotta (2006), a
ordenação dos advérbios de modo, mais intimamente ligados ao verbo, não é livre; visto que
este tende a vir ao lado do verbo:
(55) a. Ele joga bem. b. * Bem ele joga.
Mas, cabe ainda reparar o fato de que a estrutura 55b só é agramatical se compreendermos
bem como um advérbio de modo. Se interpretássemos o item bem como um advérbio
sentencial (ou como um marcador discursivo), a estrutura se tornaria não só gramatical, mas
extremamente produtiva em português contemporâneo.
Em outras palavras, a estrutura 55b só seria gramatical em português se o item bem não
for um advérbio qualitativo. Isto pois, sendo um advérbio sentencial (e não um advérbio intra-
sentencial) o seu escopo seria toda a cláusula, e não apenas o verbo. Logo, pelo sub-princípio
da proximidade, este advérbio poderia aparecer afastado do verbo, diferentemente do
advérbio de modo (55a), cuja noção está intimamente ligada ao verbo.
O mesmo parece ocorrer com advérbios qualitativos e modalizadores. Enquanto os
primeiros tendem a aparecer cada vez mais próximos ao verbo (56); os advérbios
modalizadores tendem a afastar-se do verbo (57), muitas vezes preferindo as margens da
cláusula.
(56) J’avois vêcu jusqu’alors avec elle dans cette familiarité, auq l’indifférence & l’estime rendent naturelle & réciproque : mon amour m’avoit ôté jusqu’au pouvoir de l’aborder librement : tout étoit devenu contrainte , ¶ tout étoit amour.
95
TRAD: Eu havia vivido até então com ela nesta familiaridade; que a indiferença e a estima tornam natural e recíproca: meu amor me havia tirado até mesmo o poder de abordá-la livremente: tudo havia se tornado coerção/ constrangimento, tudo era amor.
(57) J’allois voler chez elle; au mepris de toutes les idees que cette démarche pourroit Donner à s abarbare mere : heureusement le carrosse sortit au meme instant , & j’exécutai mon destein. TRAD: Eu ia voar para a casa dela, a despeito de todas as ideias que esta atitude pudesse despertar em sua mãe bárbara: felizmente a carruagem saiu no mesmo instante, e eu executei meu plano.
No exemplo 56 percebemos que o advérbio librement, de valor qualitativo, segue
diretamente o verbo aborder; enquanto no exemplo 57, em que o advérbio heureusement
possui um valor mais intersujetivo, indicando que a pessoa que diz está feliz com o aquilo que
conta, o advérbio aparece na margem da cláusula.
Este raciocínio de tendências de ordenação motivadas pela proximidade cognitiva dos
elementos em questão soluciona uma questão mal resolvida pela linguística formal, como
veremos agora.
5.3.2.1. Um problema do qual a iconicidade parece dar conta
A questão da posição dos advérbios na sentença e da implicação das diferentes
posições em (i) seu escopo e (ii) seu sentido é de grande importância para a teoria linguística
contemporânea e não é uma preocupação exclusiva da linguística funcional.
Muitos autores de linguística gerativa, vertente de grande difusão acadêmica,
estudaram o fenômeno de forma detalhada e precisa. Jackendoff (1972) inovou os estudos
formalistas quando apontou para o fato de que, dependendo da posição do advérbio na
sentença, este poderia ter escopos diferentes:
(58) John cleverly/clumsily dropped his cup of coffee. (59) Cleverly/clumsily (,) John dropped his cup of coffee. (60) John dropped his cup of coffee cleverly/clumsily.
96
Segundo Jackendoff, em inglês, o advérbio em -ly poderia ocorrer em três posições:
inicial (58), final (59) e em posição auxiliar (60). A partir da ocorrência desses advérbios
nessas três posições, poder-se-ia distingui-los em várias classes.
Seriam seis diferentes grandes classes de advérbios em –ly (análogos aos nossos
advérbios em –mente/-ment). Uma classe de advérbios seria aquela cujos advérbios pudessem
ocupar as três posições e seus sentidos se modificassem de acordo com o a posição (cleverly);
outra classe seria aquela em que os advérbios poderiam ocupar as três posições, mas seu
sentido continuaria o mesmo (quickly). Jackendoff cita ainda (i) advérbios que só podem
ocupar a posição inicial ou de posição auxiliar (evidently), (ii) advérbios que só podem ocupar
a posição final e a auxiliar (completely), (iii) advérbios que só podem ocupar a posição final
(terribly) e (iv) advérbios que só podem aparecer em posição auxiliar (merely).
É importante destacar que, para Jackendoff, o exemplo 58 é ambíguo, podendo
corresponder em significação ao exemplo 59 (it was clever of John to drop his cup of coffee)
ou ao exemplo 60 (the manner in witch John dropped his cup of coffee was clever).
Jackendoff afirma portanto ser o exemplo 59 um caso em que o advérbio cleverly expressa
alguma informação adicional sobre o sujeito, não limitando seu escopo somente ao sintagma
verbal – afirmativa esta muitíssimo cara a este trabalho pois, mesmo em uma linha teórica um
pouco distante, aponta para a percepção do fenômeno de que diferentes colocações
implicariam diferentes sentidos.
Motivado pelas inúmeras questões que vêm à tona com o projeto cartográfico
gerativista (teoria que tenta mapear as estruturas linguísticas) e a grande dificuldade em
inserir os advérbios na “árvore”, Cinque e Rizzi (2008) propõem que há uma diferença básica
no local de geração dos advérbios cujo escopo é o verbo e aqueles cujo escopo é toda a
proposição. Enquanto os primeiros seriam gerados na posição de especificador do sintagma
97
verbal (Chomsky 1995), os segundos seriam gerados na camada flexional. Esta poderia ser
dividida em inúmeros nódulos e cada nódulo (aspecto, frequência, pressuposição do falante,
etc) teria uma posição de especificador disponível para um advérbio ocupar (Cinque, 1999).
João Costa (2004, 2009), porém, faz uma pequena problematização para a questão
colocada por Cinque. Não parece ser tão fácil definir até que ponto o sentido do advérbio
estaria no léxico e até que ponto estaria na posição em que este foi gerado. Enquanto alguns
advérbios apresentariam o mesmo sentido independente da posição (exemplo 61), outros
advérbios (chamados de ambíguos) teriam seu sentido drasticamente alterado – e por isso,
caso a leitura desejada para o advérbio seja de subject orientation e não de um advérbio de
modo, as possibilidades de posicionamento dele seriam menores70 (exemplo 62).
(61) a. O João propositadamente tinha estado a falar com os amigos.
b. O João tinha propositadamente estado a falar com os amigos.
(62) a. O João estupidamente tinha estado a falar com os amigos.
b. ? O João tinha estupidamente estado a falar com os amigos.
c. * O João tinha estado a falar com os amigos estupidamente.
Apesar de reconhecer que nem a sintaxe pura nem a semântica pura poderiam dar
conta das tendências de ordenação dos advérbios em português, João Costa, devido a sua
formação formalista, ainda defende a autonomia da sintaxe, ou seja, sua arbitrariedade e
modularidade.
70 Como será demonstrado neste trabalho, uma análise funcionalista desses exemplos defenderia não uma menor possibilidade de posições para os advérbios sentenciais (exemplo 62), mas sim uma maior liberdade de posicionamento, já que estes não precisariam estar imediatamente próximos ao verbo, como os advérbios de modo (exemplo 61). Talvez o grande fator para as distintas posições não seja apenas a base teórica, mas a natureza do exemplo utilizado por João Costa. Quando lidamos com análise de dados reais (como no caso do presente trabalho) encontramos resultados, às vezes, diferentes daqueles que encontramos quando trabalhamos com exemplos criados para dar conta da teoria, como é o caso do texto de Costa (2009).
98
Podemos tirar da análise de João Costa (2009) a importante observação de que o fato
de alguns advérbios qualitativos em -mente modificadores do VP (sintagma verbal) não
poderem aparecer distantes do verbo em português europeu (exemplo 38). Isso, em linguística
gerativa, parece difícil de ser explicado se pensarmos que alguns advérbios (como tristemente,
por exemplo) podem aparecer em ambas as posições e seriam, portanto, gerados em locais
diferentes da árvore.
Tomemos os exemplos (63) e (64). Perceba-se que são ambos existentes no português
atual, mas embora sua forma seja a mesma, não podemos assumir que os seus sentidos
também o sejam. Em (63), há um advérbio de modo modificador do verbo; enquanto em (64)
há um advérbio sentencial que traz alguma informação sobre como o falante se sente em
relação ao que diz. Perceba-se que em (64), o advérbio, que não está relacionado
especificamente com o verbo (e sim com toda a cláusula), não aparece próximo ao verbo,
como em (63) (em que o escopo do item é o sintagma verbal).
(63) A mãe e a irmã choravam tristemente...71 (64) Parece que desde o último dia 12 de maio essa liderança também chega tristemente aos níveis da violência urbana e à ação mortífera do crime organizado. ...72
É demasiado interessante perceber que, assim como nos exemplos (63) e (64)
podemos identificar uma certa tendência de o advérbio modificador do verbo aparecer
próximo a ele e do advérbio modificador da cláusula de ocorrer distante dele; podemos
identificar também casos em que esta tendência já se tornou uma regra (65).
(65) * O João tinha estado a falar com os amigos estupidamente.73
71 R. Correia, apud Celso Cunha, 2003. 72 wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape/.../
99
Dois pontos teóricos fundamentais serão utilizados, pela linguística funcional, para
esclarecer este fenômeno: o princípio da iconicidade (Givón, 1990) e a teoria da
gramaticalização (Hopper e Traugott, 2003; Cezario, Martelotta e Votre, 2004). Utilizando o
princípio de iconicidade para observar a tendência de codificar linguisticamente junto o que é
operado cognitivamente junto, levantamos, portanto, a hipótese de que advérbios
modificadores do verbo (como os qualitativos) tendem a aparecer próximos do sintagma
verbal, enquanto advérbios modificadores de toda a cláusula (como os modalizadores) não
seguiriam esta tendência. Baseamos também este trabalho na teoria da gramaticalização, já
que temos conhecimento do fato de que há uma trajetória unidirecional (advérbio interno à
cláusula > advérbio sentencial) que guia o comportamento desses advérbios através da
diacronia das línguas (Traugott e Dasher, 2005). Como a observação da tendência de
ordenação dos advérbios (próxima ou distante do verbo) implica também considerar os
diferentes valores que estes apresentam, a análise funcional prevê um estudo das extensões
semânticas que caracterizam seus usos, unidirecional do mais representacional em direção ao
mundo inter-subjetivo do falante.
Esta análise permite a compreensão dos chamados “advérbios ambíguos” sem colapsar
a teoria já que uma forma mais gramaticalizada da construção pode coexistir na língua com a
sua forma não gramaticalizada, como vimos em seções anteriores do trabalho (exemplos 43 e
66).
(66) Dans ce que l’on appelle la médecine d’école (…) Par contre, dans la GNM il y a 98 % de survivants. Mais ces 98% ne s’appliquent pas, naturellement aux cas ayant déjà été traités au poison ou en cours de « traitement » (...). TRAD: No que chamamos de medicina de escola (...) Em compensação, na GNM há 98% de sobreviventes. Mas esses 98% não se aplicam naturalmente aos casos que já foram tratados com veneno ou em processo de “tratamento” (...).
O advérbio naturellement no exemplo 66 não tem mais o valor de o modo natural com
que o gato limpou as patas, como no exemplo 43, mas sim um uso em que é expressada a
atitude do falante acerca daquilo que diz, que acredita ser esperado pelo ouvinte. Observemos
100
que em alguns casos, o processo de gramaticalização pode envolver, como vimos nos
pressupostos teóricos, mudança na categoria da construção em questão (67 e 68, previamente
apresentados como exemplos 21 e 22):
(67) Toi, tu penses qu’il n’y a que l’argent qui compte. Moi, je pense autrement.74 TRAD: Você, você pensa que não há dinheiro que só o dinheiro conta. Eu, eu penso de outra forma.
(68) Je prends toujours des notes pendant le cours. Autrement, j’oublie ce que le professeur a dit.75 TRAD: Eu faço sempre anotações durante o curso. De outra forma / caso contrário, eu esqueço o que o professor disse.
Enquanto em 67 o item francês autrement é um advérbio de modo, expressando
“pensar de outro modo”; em 68, mais gramaticalizado, é uma conjunção que indica
adversidade.
74 Cours de civilisation française de la Sorbonne. 75 Idem.
101
6. . CONSIDERAÇÕES FINAIS
6.1. Sobre a ordenação dos advérbios em –mente/ment
A análise proposta por esta dissertação espera ter chegado à conclusão de que –
enquanto a tendência atual tanto do português quanto do francês é a posposição dos advérbios
qualitativos em –ment/ment – houve uma alteração na tendência de ordenação destes itens ao
longo da historia das línguas estudadas. No português, a pós-posição teve seu
desaparecimento ao longo do século XIX, enquanto, nos textos que analisamos do francês, as
últimas ocorrências foram vistas no século XVII.
Em ambas as línguas, os dados analisados parecem corroborar para com a hipótese de
que esta mudança começa nas cláusulas menos gramaticalizadas, mais suscetíveis à mudança,
para somente depois atingir as mais gramaticalizadas.
Além de inserir esta pesquisa em uma análise das diferentes tendências de ordenação
dos advérbios ao longo da história do português e do francês, esta pesquisa traz duas
importantes contribuições para grandes questionamentos linguísticos não plenamente
resolvidos pela linguística atual, principalmente pela linguística formal.
A questão, por exemplo, de uma tendência de ordenação pré-verbal que foi substituída
pela pós-verbal implicaria uma analise gerativa, na mudança da força do traço de
concordância entre gerações. O que daria, então, ao processo de gramaticalização esta
possibilidade de tão bem descrever alguns fenômenos de mudança linguística de forma como
a linguística formal não parece ser capaz? Em grande parte o seu caráter unidirecional e o fato
de não ser abrupta, mas sim um processo gradual com passos variáveis. Em outras palavras,
ao afirmar que uma mudança é unidirecional estamos afirmando que ela não é arbitrária, mas
que segue uma trajetória que se evidencia devido a determinadas motivações funcionais ou
102
cognitivas; e, ao afirmar que este processo é gradual e com passos variáveis, estamos
afirmando que não se trata de uma mudança de parâmetro decorrente, por exemplo, de uma
interpretação alternativa dos dados pela criança em processo de aquisição. Martelotta (2010)
nos chama a atenção para o fato de que “embora as crianças tenham seu papel no processo de
mudanças, muitos exemplos de gramaticalização parecem ser iniciados por adultos”.
Por outro lado, é vital que expressemos aqui que a única explicação da motivação
funcional para que o advérbio tenha deixado a posição pré-verbal nessas línguas para assumir
a posição pós-verbal seja a questão da mudança de ordenação padrão em busca de maior
expressividade – enquanto a análise gerativa traz uma clara e precisa justificativa para a
mudança desta posição, que seria na verdade uma consequência, provavelmente, da mudança
de um parâmetro no português e no francês: de um traço de concordância fraco para um traço
de concordância forte. Aqui o leitor deve ainda refletir novamente sobre a obrigatoriedade do
sujeito e a sua relação com a forca de concordância, dentro do modelo gerativo. Façamos este
parênteses antes de encerrar o trabalho.
6.1.1. Pequeno parênteses para reflexão acerca de questões levantadas anterioremente
Para a análise gerativa, os advérbios basicamente não se movem (Edmonds, apud:
Cinque e Rizzi, 2008), exceto em fenômenos de topicalização, focalização etc. As variações
translinguísticas entre diferentes ordens entre advérbios e verbos (aqui chamadas padrão VA e
AV) são devidas ao movimento do verbo na camada flexional (Cinque e Rizzi, 2008).
Considerando que o verbo se moveria (ou não), antes do spell-out, para diferentes heads e que
todas as línguas selecionam suas heads de um inventário universal, pode-se afirmar que a
hierarquia de determinados elementos na árvore sintática é determinada, em grande parte, por
restrições de movimento do verbo. Assim, chegamos a duas conclusões básicas. Chegamos
assim a uma nova conclusão (observando os dados da diacronia do português sob a luz da
103
cartografia gerativa): estes dados poderiam também apontar para uma mudança no parâmetro
do português, que deixaria de ter AGR fraco e passaria a ter AGR forte. Porém, para fazermos
esta afirmação, outras pesquisas, que incluíssem a análise de outros fenômenos, teriam que ser
feitas. E essas discussões perpassariam outras já levantadas no trabalho. Passemos então a
discutir quais seriam elas.
Como já foi mencionado no presente trabalho, o padrão de ordenação Verbo-Advérbio
ou Advérbio-Verbo que diferencia algumas línguas é, para o programa gerativo, uma
consequência da parametrização do movimento do verbo em diferentes momentos da
computação linguística (antes e depois do spell-out). Vimos também que a força do traço de
concordância de uma língua está relacionado com o movimento do verbo de tal forma que a
força de AGR atrairia os verbos em francês para a camada flexional antes do spell-out,
enquanto em inglês, a fraqueza de AGR impediria os verbos lexicais de se moverem
(Haegerman e Guéron, 1999). Podemos, também afirmar que, em português, os verbos
lexicais sobem para AGR antes do spell-out.
Mas isso talvez ainda seria pouco para postularmos a hipótese de que AGR é fraco em
português. Precisaríamos, portanto, recorrer a algumas outras evidências. Isto pois, se
acreditamos que os diferentes valores para os parâmetros constituem as diferenças
paramétricas entre os sistemas gramaticais das línguas naturais, podemos supor também que
estas propriedades interajam entre si e com os princípios inatos da Gramática Universal (UG).
Haegerman e Guéron (1999) apontam para o fato de que, ao identificar determinadas
propriedades em uma língua, podemos pressupor muitas outras. Seria o caso do parâmetro
força de concordância no caso do movimento do verbo, que se percebe pela posição à
esquerda ou à direita do advérbio em que o verbo pode aparecer nas diferentes línguas. Além
da parametrização do traço de AGRs forte ser responsável pela posição Verbo-Advérbio
104
(típica do francês e do português) e da parametrização do traço de AGRs fraco ser
responsável pela ordenação Advérbio-Verbo (típica do inglês) no caso de advérbios intra-
sentenciais; os autores também chamam a atenção para outros parâmetros que podem levar a
outras mais propriedades. O traço da concordância de nome também influencia, de forma
análoga, a posição em que o nome aparece em relação ao adjetivo. Em língua em que o AGR
é forte, como o francês, o nome sobe, aparecendo na antes do adjetivo; e em línguas em que o
AGR é fraco, como o inglês, o nome só subiria depois do spell-out.
Inglês Francês Português AGR (verbo) fraco forte ?
movimento de V para AGR sintaxe coberta sintaxe visível sintaxe visível AGR (nome) fraco forte ?
movimento de N para AGR sintaxe coberta sintaxe visível sintaxe visível Tabela 10: Tabela sobre os reflexos da parâmetro força de AGR em diferentes línguas.
De uma forma análoga, podemos também inferir que, dentro desta visão, o traço de
concordância de nome seja forte em português, colocando mais uma vez o português ao lado
do francês (ordenação Nome-Adjetivo) em contraste com o inglês (ordenação Adjetivo-
nome), uma língua de AGR fraco. Outro feixe de propriedades que Haegerman e Guéron
(1999) apontam como consequências de algum traço de AGRs são as que definem as
propriedades básicas das línguas com padrão pro-drop e as diferencia das demais línguas.
Feito isso, chegam à importante conclusão de que, ao saber se AGRs76 é rico ou pobre em
uma determinada língua, podemos pressupor outras propriedades que se seguem:
italiano inglês francês riqueza de AGRs sim não não
possibilidade de sujeito nulo sim não não expletivo visível não sim sim
sujeito pós-verbal sim não não complementizador na sintaxe visível sim não não
Tabela 11: Tabela com resumo das propriedades apontadas por Haegerman e Guéron (1999) como consequências do traço força de AGR.
76 Como foi mencionado em outra nota de rodapé, para Chomsky; o fato de algumas línguas terem concordância Sujeito-Verbo e outras têm concordância Verbo-Objeto gera a necessidade de existirem dois traços de concordância distintos: AGRs e AGRo.
105
Em português contemporâneo, podemos dizer que a riqueza de AGRs é um parâmetro
que parece estar sofrendo mudança. Percebe-se que, enquanto as gramáticas tradicionais
listam uma flexão verbal rica, o português falado atualmente é marcado por uma flexão verbal
bastante pobre. Além, disso, as propriedades que podemos tipicamente prever nas línguas
como consequência do parâmetro da riqueza de AGRs parecem também, em português,
estarem sofrendo mudanças:
Tabela 12: Sugestões de algumas mudanças no português, relacionadas ao traço força de AGR.
Se fizermos então uma análise detalhada do português falado no Brasil, poderemos
inferir que a língua apresentou características de uma língua de AGRs rico no passado, mas
que cada vez mais apresenta propriedades de uma língua de AGRs pobre. Não parece,
portanto, absurdo considerar que uma língua possa, na sua diacronia, mudar o valor atribuído
a um traço e que, em consequência desta mudança, inúmeras propriedades suas possam (e
tendam a) sofrer alterações. Este parece ser o caso da riqueza de AGRs no português do
77 DUARTE, Maria Eugênia. Do pronome nulo ao pronome pleno: a trajetória do sujeito no português do Brasil. In: ROBERTS, Ian e KATO, Mary A. (orgs) Português Brasileiro – uma viagem diacrônica. 2 ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1996 78 Idem. 79 É preciso remarcar que esta parece ser a única propriedade, no português atual do Brasil, que não é típica de uma língua com AGRs pobre.
português riqueza de AGRs sim > não Ao analisar dados de texto oral, percebe-se cada vez mais
em português um empobrecimento da flexão verbal.77 possibilidade de sujeito
nulo sim > não Até mesmo por conta do empobrecimento da flexão verbal,
cada vez mais o português do Brasil parece exigir a presença de um sujeito expresso.78
expletivo visível não79 sujeito pós-verbal sim > não Ocorre quase exclusivamente em verbos inacusativos ou
por fatores estilísticos. complementizador na
sintaxe visível não
106
Brasil. Não seria, portanto, absurdo, afirmarmos também a possibilidade da mudança
diacrônica da forca de AGRs no português do Brasil, levando em consideração que uma das
propriedades decorrentes deste parâmetro (a ordenação verbo-advérbio) nos indicaria isso.
Proponho, num resumo telegráfico, uma pequena comparação entre as línguas citadas e
investigadas nesta seção do trabalho; inglês teria um AGRs fraco e pobre; o francês, por sua
vez, teria um AGRs forte e pobre; enquanto o italiano teria um AGRs forte e rico. O
português parece, até o momento em que se encontra esta pesquisa, ter um AGRs forte e
pobre.
A grande questão, que se coloca mais uma vez neste trabalho, é que – enquanto a
análise funcional parece não dar conta da explicação de determinados fatores, como a razão
da mudança da ordenação e a relação desta com a presença/ausência do sujeito e ouros traços
– é a própria análise funcional que parece dar conta de outros momentos obscuros da análise
em que a teoria gerativa é fraca.
6.2. Sobre a gramaticalização de advérbios em –mente/ment
O modelo funcional, sustentado pela teoria da gramaticalização e pelos princípios da
iconicidade, parece dar conta de um problema mal resolvido pela linguística formal: a questão
da posição dos advérbios na sentença e da implicação das diferentes posições em (i) seu
escopo e (ii) seu sentido. Muitos autores de linguística gerativa, vertente de grande difusão
acadêmica, estudaram o fenômeno de forma detalhada e precisa. Cinque e Rizzi (2008)
propõem que há uma diferença básica no local de geração dos advérbios cujo escopo é o
verbo e aqueles cujo escopo é toda a proposição. Enquanto os primeiros seriam gerados na
posição de especificador do sintagma verbal (Chomsky 1995), os segundos seriam gerados na
camada flexional. Esta poderia ser dividida em inúmeros nódulos e cada nódulo (aspecto,
107
frequência, pressuposição do falante, etc) teria uma posição de especificador disponível para
um advérbio ocupar (Cinque, 1999). Costa (2004, 2009), porém, faz uma pequena
problematização para a questão colocada por Cinque. Não parece ser tão fácil definir até que
ponto o sentido do advérbio estaria no léxico e até que ponto estaria na posição em que este
foi gerado. Enquanto alguns advérbios apresentariam o mesmo sentido independente da
posição (O João propositadamente tinha estado a falar com os amigos. / O João tinha
propositadamente estado a falar com os amigos.), outros advérbios (chamados de ambíguos)
teriam seu sentido drasticamente alterado (O João (estupidamente) tinha estado a falar
(estupidamente) com os amigos com os amigos.)
Utilizando o princípio de iconicidade para observar a tendência de codificar
linguisticamente junto o que é operado cognitivamente junto, levantamos, portanto, a hipótese
de que advérbios modificadores do verbo (como os qualitativos) tendem a aparecer próximos
do sintagma verbal, enquanto advérbios modificadores de toda a cláusula (como os
modalizadores) não seguiriam esta tendência. Como a observação da tendência de ordenação
dos advérbios (próxima ou distante do verbo) implica também considerar os diferentes valores
que estes apresentam, a análise funcional prevê um estudo das extensões semânticas que
caracterizam seus usos, unidirecional do mais representacional em direção ao mundo inter-
subjetivo do falante. Esta análise permite a compreensão dos chamados “advérbios ambíguos”
sem colapsar a teoria já que uma forma mais gramaticalizada da construção pode coexistir na
língua com a sua forma não gramaticalizada.
6.3. Conclusões iniciais de um próximo trabalho
O que pretendemos defender nessas breves considerações finais sobre os possíveis
debates acerca das questões que levantamos neste trabalho é que a ordenação dos advérbios
em -mente na história do português traz importantes conclusões para a linguística. Além das
108
que foram levantadas ao longo do trabalho - (i) os advérbios qualitativos em mente/ment
sofreram uma mudança gradual na sua tendência de ordenação, que deixou de ser pré-verbal,
típica do latim, para ser pós-verbal, típica do português e do francês atuais; (ii) o século XIX
foi crucial na mudança não só da tendência de ordenação dos advérbios em –mente no
português, mas foi um século importante para a consolidação de mudanças no português do
Brasil; (iii) as mudança na tendência de ordenação dos advérbios em –ment ocorreu em um
período anterior ao ocorrido em português, provavelmente no século XVII; (iv) existe uma
trajetória unidirecional advérbio interno à cláusula > advérbio sentencial - também outras
questões bastante pertinentes, embora mais genéricas podem ser levantadas a partir desta
análise: (v) como processo de gramaticalização acompanha um processo de subjetificação dos
sentidos, não é possível estudar a gramática de uma língua sem considerar seu uso real no
discurso nem tampouco desvincular o estudo da sintaxe do estudo da semântica e, como
mencionado no início do primeiro capítulo (vi) as categorias com que lidamos em ciência,
inclusive as categorias linguísticas (como a própria dos advérbios) não podem ser vistas como
estanques e com propriedades suficientes e discretas. Há mais uma conclusão, talvez bastante
inconclusiva, a que esta pesquisa nos levou: é impossível fazer uma análise minimamente
razoável dos fenômenos que englobam a ordenação e gramaticalização de advérbios
qualitativos em –mente/ment sem levar em consideração um diálogo entre teorias, a princípio,
incompatíveis. Nesse ponto, espero ter deixado clara a importância de Point-Carré para o
presente trabalho: “O pensamento não é mais que um clarão em meio a uma longa noite”, e
aceito as limitações de minha análise fortemente guiada pela linha funcional. “Mas esse
clarão é tudo”: É, porém, a partir da análise detalhada de uma linha teórica e da aceitação de
que esta não é o fim, que chegaremos mais longe em trabalhos futuros. Daí minha
contribuição.
109
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