guilherme machado nunes
Post on 10-Jan-2017
231 Views
Preview:
TRANSCRIPT
1
SOBRE A POLÊMICA DA COOPTAÇÃO POLÍTICA: REFLEXÕES A PARTIR
DE DUAS GREVES OPERÁRIAS OCORRIDAS EM PORTO ALEGRE (1929 E
1935)
GUILHERME MACHADO NUNES
Mestrando do PPG- História - UFRGS
guilherme.mnunes@gmail.com
Introdução
O debate sobre a cooptação política é bastante recorrente na historiografia acerca
do movimento operário. Trabalhos recentes sobre a vida de alguns personagens tidos
como “pelegos” cooptados pelo governo (especialmente o governo Vargas)
problematizam essa questão e dão novo fôlego ao debate. Benito Bisso Schmidt – ao
trabalhar com Francisco Xavier da Costa e Carlos Cavaco, no Rio Grande do Sul - e
Joseli Mendonça Nunes – ao trabalhar com Evaristo de Moraes, no Rio de Janeiro –, por
exemplo, mostram que, mais do que cooptação, termo que muitas vezes foi usado para
descrever esse comportamento, muitos desses trabalhadores – sobretudo os socialistas e
os reformistas - de fato acreditavam que compor um governo que se demonstrava
interessado na questão social fosse o melhor caminho para garantir seus direitos e até
conquistar alguns novos. No nordeste temos o exemplo do jornalista e advogado baiano
Agripino de Nazareth, militante socialista que que também integrou o Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, do Governo Getúlio Vargas, a partir de 1931 (ver
CASTELLUCCI, 2012). A trajetória e as ideias de Evaristo de Moraes, advogado
carioca, ilustram bem essa postura:
Rejeitando a ideia de que as relações de trabalho fossem relações contratuais
firmadas entre iguais, Evaristo defendia a necessidade de que o Estado
regulasse tais relações, provendo os mais fracos da proteção necessária para
que a liberdade contratual […] não se traduzisse em mera opressão
desmedida. Harmonizar as forças em luta era, na sua concepção, uma forma
de configurar um quadro de maior justiça social. (MENDONÇA, 2007, p.
381)
O debate também se estende à classe trabalhadora como um todo. Durante muito
tempo se trabalhou com a noção de que o movimento operário era muito combativo
2
durante a Primeira República mas entrou em um estado de letargia com o governo
Vargas, sendo facilmente cooptado e manipulado, se rearticulando e voltando a aparecer
apenas nas famosas greves do ABC no final dos anos 1970. Contudo, muitos trabalhos
recentes têm analisado o movimento operário e mostrado sua atuação – inclusive através
de greves – ao longo dos anos 1930, 40, 50 e 60. O livro Na luta por Direitos: Estudos
recentes em História Social do Trabalho (FORTES, 1999), por exemplo, traz uma
compilação de artigos que ilustram essa perspectiva. O trabalho de Hélio da Costa nesse
livro se chama Trabalhadores, Sindicatos e suas Lutas em São Paulo entre 1943 e 1953,
enquanto que Alexandre Fortes estuda a atuação do sindicato dos metalúrgicos de Porto
Alegre entre 1931 e 1945 – e isso para citar apenas dois artigos da referida obra. Uma
pesquisa ainda mais recente é a dissertação de André Vinícius Mossate Jobim (JOBIM,
2013), que trabalhou com os ferroviários de Santa Maria nos anos 1950. O trabalho
mostra como o fato de serem simpatizantes do PTB não impediu os “ferrinhos” - como
eram conhecidos - de entrarem em greve três vezes ao longo dos anos 1950, período em
que o PTB governava o Rio Grande do Sul. Esses são apenas alguns exemplos de
estudos recentes que mostram que a classe trabalhadora não deixou de se articular ao
longo dos período varguista e do período populista por todo o Brasil. Os mais diversos
sindicatos, dos mais variados ofícios, tentaram se adequar à realidade e, de certa forma,
se mobilizar de diferentes maneiras ao longo de um período que lhes apresentou duas
ditaduras e uma industrialização cada vez maior do país, o que acentuava os conflitos
entre capital e trabalho.
Feita essa breve introdução, gostaria de discutir essas questões a partir de duas
greves que estou pesquisando. Ambas ocorreram em Porto Alegre e têm o setor têxtil
como protagonista – uma aconteceu em janeiro de 1929, a outra, em janeiro de 1935.
Breve preâmbulo sobre a legislação social1
O Brasil viveu um momento extremamente conturbado entre 1917 e 1920,
período em que eclodiram inúmeras greves ao redor do país e que marcou algumas
conquistas concretas para a classe trabalhadora. Ao mesmo tempo, o Estado mostrava
1 Ver MUNAKATA, 1981.
3
uma de suas faces mais repressoras. Contamos com uma historiografia tão vasta quanto
rica sobre o período e sobre esses episódios ao redor do país (Ver QUEIRÓS, 2012;
PETERSEN, 1979; OLIVEIRA, 2003; CASTEELUCCI, 2012; MATTOS, 2004;
VIANNA, 1999). Muito em virtude desse contexto, na virada dos anos 1910 para o
decênio seguinte surgiram as primeiras discussões sobre leis que regulamentassem as
relações de trabalho no Brasil. Depois de um período tão turbulento, em que o Estado
lançou mão de diversos artífices repressores (como a Lei de Repressão ao Anarquismo,
de 1921, e posteriormente a Lei Celerada, de 1927), o governo passou a cogitar a
intervenção no mundo privado do trabalho como uma tentativa de melhor desenvolver o
capitalismo no país e de “acalmar” a classe trabalhadora, concedendo-lhe alguns
benefícios pontuais (ver GOMES, 1979; PESAVENTO, 1988).
Somado a isso temos também a participação do Brasil no Bureau Internacional
do Trabalho, uma espécie de órgão motor da Organização Internacional do Trabalho,
fundado em outubro de 1919. Nas palavras de Edgard Carone, o BIT funcionava como
“mecanismo para manter a cordialidade ou o equilíbrio entre os interesses patronais e do
proletariado. Daí o acento conservador de suas medidas” (CARONE, 1989, p. 133).2
Como consequência desse processo, em 1919 foi promulgada a primeira Lei de
Acidentes de Trabalho, regulamentada em 1923. Nesse mesmo ano foi aprovada a Lei
Eloy Chaves - que criou as Caixas de Aposentadorias e Pensões para os ferroviários,
garantindo-lhes estabilidade aos dez anos de serviço - e foi instituído o Conselho
Nacional do Trabalho (CNT). Espécie de embrião do futuro Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, o CNT foi concebido como órgão consultivo dos Poderes
Públicos, que intermediava e conduzia os debates e os litígios trabalhistas com
representantes de patrões e empregados (ver SOUZA, 2007). Logo em seguida foram
elaboradas a Lei de Férias, em 1925, e o Código de Menores, em 1927 (ver FORTES,
2007; LIMA, 2005).
A Greve de janeiro de 1929
2 O autor também aponta que o caráter patronal da entidade se mostra quando analisamos os
participantes: nem sempre os operários enviavam delegados, enquanto que a classe patronal sempre
se fez representada.
4
A greve de 1929 tinha como única reivindicação o cumprimento da Lei de
Férias, que era descumprida regularmente pelos patrões ao redor de todo o país. O
argumento patronal (ao menos no Rio Grande do Sul, durante o episódio) era quase
sempre o mesmo, exemplificado aqui pela entrevista de Walter Gerdau ao jornal
Correio do Povo no dia 12 de janeiro de 1929, explicando o ocorrido:
De facto fora ele procurado por um grupo de operários que lhe manifestaram
[sic] o desejo de gozar dos benefícios oferecidos pela lei de férias. E embora
achando de justiça essa pretensão, ponderou a seus subordinados que a
inexistência da acção fiscalizadora do poder federal, a insegurança de ver esse
acto seguido pelas demais firmas concorrentes, tornavam, no momento,
impraticável a concessão solicitada.
A burguesia industrial, portanto, transferia a responsabilidade ao poder público,
incapaz de garantir o cumprimento de uma lei outorgada sem a garantia de fiscalização
condizente.
A parede contou com mais de mil adeptos, paralisando as atividades em diversas
fábricas da cidade – inclusive na A. J. Renner, a maior delas. O fato chama a atenção,
pois o evento não foi convocado por sindicato algum – o setor têxtil, maioria na greve,
sequer possuía um grande sindicato articulado nesse período.
O perfil dos trabalhadores e trabalhadoras que participaram é também bastante
curioso: não há qualquer indício de presença comunista ou anarquista. Os jornais de
grande circulação não mencionam “presenças extremistas”, e A Lucta (jornal de
orientação anarquista), por exemplo, só faz menção ao episódio para lamentar o
desfecho e os métodos usados:
Infelizmente, os operários desconhecendo o methodos de lucta efficaz,
deixaram se arrastar para o terreno do intervencionismo político e Estatal.
Assim ludibriados pelo charlatanismo, não deram ao movimento o caracter
que deveria ter. Faltaram elementos de orientação para conduzir o movimento
ao verdadeiro terreno [trecho ilegível] se alguma culpa nos pertence, aceitamo
la.3
A greve durou apenas dois dias. Tamanha efemeridade se deve à atuação do
governo do estado: no mesmo dia da sua eclosão, Getúlio Vargas, então Presidente do
Rio Grande do Sul, enviou Oswaldo Aranha, Secretário do Interior, para resolver o
3 A Lucta, Porto Alegre, abril de 1929, p. 2.
5
conflito. Aranha reconheceu o movimento como legítimo e garantiu que Vargas faria o
possível para que a fiscalização e, consequentemente, a Lei de Férias, fosse
implementada de fato em todo o Brasil. Apesar da descrença de dois operários do grupo
nas promessas de Aranha, o operariado encerrou a greve e voltou ao trabalho.
A lei continuou não sendo cumprida, mas apesar da derrota, alguns elementos
dessa greve merecem destaque. Em um evento como esse, questões como solidariedade,
identidade e formação de classe são perceptíveis (apenas dois meses depois, três dessas
mesmas fábricas entrariam novamente em greve, dessa vez, de forma prévia e
conjuntamente combinada exigindo melhores salários). Além disso, a greve
proporcionou uma interlocução direta entre operariado e Estado. Ao que tudo indica, tal
diálogo teve papel fundamental para que os trabalhadores – ao menos do setor têxtil –
passassem a enxergar no aparelho estatal mais um canal de reivindicações e de disputas.
Vemos aqui, portanto, um setor do movimento operário na Primeira República que
desejava sim a intervenção do Estado no “mundo do trabalho”, desde que isso lhes
garantisse melhoras concretas na condição de vida e de trabalho.
O começo dos anos 1930
Após a chegada de Vargas ao poder, em 1930, contudo, essa articulação entre
operariado e Estado esteve sujeita a uma série de variáveis, e essa política de
intervenção estatal e a ideia de conciliação de classes não foram unanimemente
recebidas pelo proletariado. Konrad (2013, p. 92) afirma que, no período, “houve um
intenso jogo de continuidades e rupturas não restritas pelo marco simbólico de 1930”.
Talvez uma das questões onde mais seja perceptível essas tensões seja a da repressão
por parte do Estado brasileiro no pós-30. Pinheiro (1991, p. 259) afirma que a violência
policial infligida às classes populares não diminuiu. Ao trazer uma fala de Salgado
Filho4 - então ministro do Trabalho, Indústria e Comércio - a lideranças patronais, o
autor mostra o esforço do ministro para esclarecer “que a legislação trabalhista não
significava o desaparecimento da ação da polícia, que iria intervir sempre que as reações
saíssem dos caminhos legais”.
4 Antigo titular da 4ª Delegacia Auxiliar da Polícia do Distrito Federal e chefe de polícia em 1931,
Salgado Filho se tornaria Ministro do Trabalho em 1932, substituindo Lindolfo Collor. Não deixa de
ser curioso que um ex-delegado tenha sido escolhido para tal incumbência.
6
Além disso, as deportações, expediente relativamente comum na Primeira
República, seguiram acontecendo. Como relata Pinheiro (1991, p. 260),
sob o disfarce da expulsão de estrangeiros residentes, alguns operários
militantes, brasileiros, serão exilados à força e enviados à Europa. Entre eles
estava Otávio Brandão. Em junho de 1931, foi tirado de uma prisão no Rio e
deportado, com a mulher Laura e três crianças, para Bremen, na Alemanha.
Vale lembrar que Brandão sequer compunha o Partido Comunista do Brasil –
havia sido expulso em 1930.
As contradições do novo governo eram latentes e percebidas pelo operariado.
Konrad (2013, p. 93) chama a atenção para a separação entre direitos sociais e direitos
civis. Estes eram completamente preteridos em relação àqueles, e essa constante tensão
acompanhou intrinsecamente o movimento operário ao longo do período. Uma boa
maneira de perceber esses movimentos é acompanhar o número de sindicatos
reconhecidos pelo Estado ao longo dos primeiros anos da década de 1930. Mattos
(2009, p. 64) mostra que de 1931 até 1933 o aumento foi significativo (de 32 para 141),
porém, até 1935 o número cairia a praticamente à metade: 73. Por quê? Algumas
respostas podem ser encontradas a seguir.
A greve de janeiro de 1935
Essa greve, por sua vez, ocorreu em um contexto bem diferente daquele da
ocorrida em 1929. Com a refundação da FORGS, em 1933, o movimento operário
gaúcho passou por uma nova fase de organização. Em seu congresso de refundação, a
Federação contou com mais de 50 entidades sindicais - sendo 17 reconhecidas pelo
recém criado Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (ver BARRETO, 1996, p.
122).
Dois pontos evidenciam uma posição notoriamente legalista da entidade nesse
momento: em primeiro lugar, sua postura inicial, que seria “lutar para que fosse
cumprida a legislação social e tentar influenciar o Estado para que novas leis fossem
promulgadas” (BARRETO, 1996, p. 14); em segundo lugar, quem fez o discurso de
abertura foi o Inspetor Geral do Trabalho no estado, Hernani de Oliveira. Essa nova
7
direção tinha uma postura de cooperação bem clara em relação ao MTIC, inclusive em
termos institucionais (muitos dos sindicatos filiados à entidade se oficializaram
conforme as regras do Estado).
Contudo, em outubro desse mesmo ano, um caso singular desgastou de
sobremaneira as relações entre operariado e MTIC: o “caso padeiral”. O referido
episódio trata-se da primeira grande greve pós-30 que Porto Alegre presenciou e teve
como motivação o descumprimento do Decreto n. 23.140/33 sobre as condições de
trabalho na indústria de panificação, que estabelecia, entre outros itens, a semana de
trabalho de 48 horas e o repouso dominical (ver FORTES, 2004, especialmente capítulo
8). Em reunião para tratar do tema, o Inspetor Regional do Trabalho, Hernani de
Oliveira, expulsou Policarpo Hibernon Machado, presidente da FORGS, alegando que a
entidade não estava regularizada pelo Ministério. A partir disso, em dezembro de 1933,
estourou a greve, que passou a exigir, também, a demissão do Inspetor.
Após 57 dias de greve, nem a legislação social foi cumprida, nem Oliveira foi
demitido. E pior: dos 350 trabalhadores grevistas, apenas seis foram readmitidos. Nas
palavras de Álvaro Barreto: “O caso padeiral mostrou os limites da legislação social e as
dificuldades que o movimento sindical teria para vencer a resistência dos patrões e, mais
do que isso, pôs em cheque a intenção do próprio MTIC em efetivar sua legislação.”
(BARRETO, 1996, p. 177).
A partir do momento em que essa política de cooperação não se demonstrou
profícua, o movimento operário gaúcho tentou novas formas de atuação. No congresso
de maio de 1934 (com mais participantes e mais cidades representadas do que em
1933), a FORGS elegeu uma nova diretoria. Em que pese uma maior aproximação com
o PCB – o que poderia servir de explicação para a radicalização e as novas ações da
entidade, em um primeiro momento -, a direção ainda contava com socialistas (como
João Vitaca, Constituinte Classista em 1934) e até getulistas, como Eurypedes Pereira.
Além disso, o barbeiro comunista Policarpo Machado já presidia a entidade em 1933,
período de colaboração da FORGS com o MTIC, evidenciando que o fato de a entidade
ser dirigida (ou mesmo conter outros membros) de uma determinada tendência política
não explica por si só a sua atuação ao longo dos diferentes momentos de sua trajetória.
Esse congresso aprovou o rompimento oficial com o MTIC, e a greve que
eclodiu no dia 12 de janeiro de 1935 está diretamente ligada a essa nova recomendação.
8
Como reivindicações, o Sindicato dos Operários em Fábrica de Tecidos tinha em pauta
o aumento e equivalência salarial entre homens e mulheres, efetivação do sábado inglês,
a referida Lei de Férias e melhores condições de trabalho e higiene (questão levantada
pelos metalúrgicos no congresso de maio de 1934). Segundo o comitê de greve, mais de
800 pessoas aderiram ao movimento.
Se dessa vez o operariado desejava negociar diretamente com os patrões, a
resposta patronal ia justamente na direção contrária. Os diretores da Cia. Fiação e
Tecidos Porto Alegrense, da Arrozeira Brasileira Limitada, da Fábrica Rio Guahyba e da
A. J. Renner, através do jornal Correio do Povo, emitiram o seguinte comunicado no
segundo dia de greve:
Havendo uma legislação social que regula o trabalho, os industriais não se
entenderão com grevistas e consequentemente todo o operariado que não se
apresentar até o dia 16, à hora regulamentar, será tido como tendo
abandonado o serviço e por isso o seu lugar será considerado vago.5
Dessa vez os trabalhadores e as trabalhadoras da fábrica Renner não aderiram à
greve.
A solidariedade patronal talvez se deva ao fato de A. J. Renner ter sido o
primeiro presidente do Centro da Indústria Fabril do Rio Grande do Sul, órgão classista
da burguesia industrial fundado em novembro de 1930.6
No dia 16, data-limite imposta pelo patronato para o fim da parede, os
metalúrgicos também se declaram em greve, em solidariedade aos têxteis. No dia 17 a
polícia resolve fechar o Sindicato dos Operários em Fábricas de Tecidos, pois tratavam-
se de “elementos extremistas, perturbadores da ordem pública”. No dia 18 foi a vez da
FORGS ser fechada, e os treze membros que se encontravam na sede da entidade foram
levados à delegacia e seu presidente, Policarpo Hibernon Machado, foi preso, e só posto
em liberdade após prometer que não mais se envolveria em “atividades extremistas”. A
5 Correio do Povo. Porto Alegre, 13/01/1935, p. 14, in: PETERSEN; LUCAS, 1992, p. 434.
6 Essa é uma questão interessante. A. J. Renner não só foi o primeiro presidente do CIFA-RS, mas
também foi um dos três fundadores. O livro de atas da entidade não menciona isso, apenas podemos
especular o quão significativo foi o fato de o empresário ter de lidar com duas greves no ano anterior
para que ele se empanhasse na criação de tal entidade. Evidentemente, porém, não podemos ignorar
que A.J. Renner era o maior industrial do Estado, fato que pode ter tido igual ou maior relevância. Ver
Livro de Atas do Centro da Indústria Fabril do Rio Grande do Sul 1930 – 1934.
9
repressão seguiu forte, resultando, de acordo com o Correio do Povo, em inúmeras
prisões e nas mortes do “agitador” dr. Mário Couto e do investigador João Vaz Primo.7
Depois de forte ação policial e exatos dez dias de paralisação, ambas as greves
se deram por encerradas sem que qualquer um dos pontos de reivindicação fosse
atendido. Contudo, no mesmo dia os operários em fábricas de mosaico de Porto Alegre
se declararam em greve, prolongando por mais alguns dias o desgaste entre operariado e
Estado.
A greve dos têxteis, portanto, não esteve sozinha. Todas as categorias tinham ao
menos uma reivindicação em comum: a não interferência do Estado nas negociações.
Dessa vez, os mesmos têxteis que desejavam a “intromissão” do Estado em 1929, agora
exigiam que as negociações se dessem diretamente com os patrões. Mas nem tudo foi
ruptura: a única categoria que tinha como reivindicação o cumprimento da Lei de Férias
era a dos têxteis, evidenciando a continuidade da experiência de 1929.
Vale ressaltar que nesse mesmo período - janeiro de 1935 – uma série de greves
assolou o país. Já no primeiro dia do ano, o jornal Diário de Notícias8 estampava
informações sobre a greve dos operários em construção civil de Santa Maria, que
reivindicavam aumento salarial. Ainda na mesma edição o Diário trazia uma notícia
referente à greve dos Correios no Rio de Janeiro e em São Paulo, movimento que vinha
desde dezembro de 1934. Perceber essas outras greves deflagradas no interior do Rio
Grande do Sul e em outras cidades do Brasil ajuda a compor essa totalidade e traçar um
grande panorama de insatisfações do operariado nacional. Só no estado do Rio de
Janeiro também declararam greve os marítimos de cabotagem (em razão do não
cumprimento de uma promessa de aumento salarial); os trabalhadores da cantareira, os
portuários de Angra dos Reis, os trabalhadores em fábricas de vidro de Niterói e os
“chauffeurs” da mesma cidade. Os “chauffeurs” de São Paulo também entraram em
greve e imediatamente foram seguidos pelos motoristas de ônibus.
É possível que cada uma dessas localidades tenha o seu próprio “caso padeiral”,
ou seja, algum evento que expôs os limites dessa nova legislação e que evidenciou, pelo
menos do ponto de vista da classe trabalhadora, as contradições entre discurso e prática
7 Correio do Povo, Porto Alegre. Do dia 15 ao dia 18 de janeiro de 1935, in: PETERSEN; LUCAS,
1992, p. 434-437.
8 As greves mencionas a seguir foram verificadas em Diário de Notícias, Porto Alegre, janeiro de
1935.
10
do Governo Federal.
Considerações finais
Em que pese as especificidades dos movimentos aqui analisados, essas greves
encontram eco ao redor do país e fazem parte de um todo, e, por isso, podem ajudar a
compreender melhor questões como a cooptação política dos trabalhadores. Dessa
forma, se podemos afirmar o pragmatismo que caracterizou as ações de Getúlio Vargas
ao longo de toda a sua vida política, tentando “cooptar” líderes do movimento operário
que o ajudaram a elaborar políticas voltadas à classe trabalhadora, sempre visando à
conciliação de classes, também podemos notar um pragmatismo do movimento
operário. Caracterizá-lo como combativo na Primeira República e “pelego” durante os
anos seguintes é algo que não se sustenta. Já após as eleições de Arthur Bernardes e de
Washington Luiz, a repressão por parte do Estado foi um grande fator de refluxo do
movimento operário organizado – mas esse, como vimos anteriormente, tentou agir de
outras formas para garantir melhorias em sua situação. Ao mesmo tempo, a partir de
1930, quando o governo federal está sob regência do dito “pai dos pobres”, o
movimento operário não se contentou simplesmente em receber de bom grado o que
esse governo lhe oferecia, atuando de diversas formas para conquistar melhores
condições de vida e de trabalho.
O Estado por sua vez, ao passo em que oferecia direitos sociais e trabalhistas
com a mão esquerda, oferecia com a outra um aparato repressivo que essencialmente
não se alterou com a virada de 1930. Essa dicotomia acompanhou e influenciou as
formas de agir do operariado organizado. Como lembrou Konrad, a realidade é muito
mais complexa do que um marco simbólico pode sugerir.
JORNAIS CONSULTADOS
Correio do Povo, Porto Alegre, dias 11-16 de janeiro de 1929.
Diário de Notícias, Porto Alegre, janeiro de 1935.
11
A Lucta, Porto Alegre, abril de 1929
BIBLIOGRAFIA
BARRETO, Álvaro Augusto de Borba. O Movimento Operário Rio-grandense e a
Intervenção Estatal: a FORGS e os Círculos operários. UFRGS, Dissertação (Mestrado
em História): Porto Alegre, 1996.
CARONE, Edgard. Classes Sociais e Movimento Operário. São Paulo: Ática, 1989.
CASTELLUCCI, Aldrin Armstrong Silva. Agripino de Nazareth e o movimento
operário da Primeira República. In: Revista Brasileira de História [On Line]. São Paulo,
v. 32, nº 64, p. 77-99 – 2012. Disponível em
<http://www.scielo.br/pdf/rbh/v32n64/06.pdf>. Acessado em 07/05/2014.
FORTES, Alexandre... [et al]. Na Luta Por Direitos: estudos recentes em história social
do trabalho. Campinas: Editora da Unicamp, 1999.
FORTES, Alexandre. Férias pra quê? In: Revista de História [On Line]. 12/09/2007.
Disponível em <http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/ferias-para-que>.
Acessado em 05/05/2013.
__________________. Nós do Quarto Distrito: a classe trabalhadora porto-alegrense
e a Era Vargas. Caxias do Sul, Educs; Rio de Janeiro: Garamond, 2004.
GOMES, Angela Maria de Castro. Burguesia e trabalho: Política e legislação social no
Brasil 1917-1937. Rio de Janeiro: Campus, 1979.
JOBIM, André Vinícius Mossate. Os ferroviários e o trabalhismo: as greves dos anos
cinquenta em Santa Maria. Dissertação (Mestrado em História) – UFRGS, Porto
Alegre, 2013.
KONRAD, Diorge Alceno; KONRAD, Gláucia Vieira Ramos. O Rio Grande do Sul e o
Brasil na Historiografia do Trabalho (1930-1945). In: Revista Mundos do Trabalho [On
Line]. Vol. 5, n. 10, julho-dezembro de 2013. Disponível em
<https://periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/article/view/1984-
9222.2013v5n10p91/26753>. Acessado em 14/06/2013.
LIMA, Marcos Alberto Horta. Legislação e Trabalho em Controvérsias
Historiográficas: o projeto político dos industriais brasileiros. Tese (Doutorado em
História) – Unicamp, Campinas, 2005.
MATTOS, Marcelo Badaró. Trabalhadores e Sindicatos no Brasil. São Paulo:
Expressão Popular, 2009.
12
MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Evaristo de Moraes Tribuno da República.
Campinas: Editora da UNICAMP, 2007.
MUNAKATA, Kazumi. A legislação trabalhista no Brasil. São Paulo: Brasiliense,
1981.
OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. Mobilização operária na República excludente: um
estudo comparativo da relação entre Estado e movimento operário nos casos de São
Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul nas duas primeiras décadas do século XX.
Dissertação (Mestrado em História) – UFRGS, Porto Alegre, 2003.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. A burguesia gaúcha: dominação do capital e disciplina
do trabalho: RS 1889-1930. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.
PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz. As greves no Rio Grande do Sul: 1890-1919. In: RS:
economia e politica. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979.
PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz; Lucas, Maria Elizabeth. Antologia do Movimento
Operário Gaúcho: (1870-1937). Porto Alegre : Ed. Universidade/UFRGS; Tchê, 1992.
PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégias da Ilusão: A Revolução Mundial e o Brasil,
1922-1935. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
QUEIRÓS, César Augusto Bubolz. Estratégias e identidades: relações entre governo
estadual, patrões e trabalhadores nas grandes greves da primeira república em Porto
Alegre (1917/1919). Tese (Doutorado em História) – UFRGS, Porto Alegre, 2012.
SOUZA, Samuel Fernando de. “Coagidos ou Subornados”: trabalhadores, sindicatos,
Estado e as leis do trabalho nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Unicamp,
Campinas, 2007.
VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e Sindicato no Brasil. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 1999.
top related