habermas - o discurso filosófico da modernidade_dozes lições (2002)
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7/25/2019 HABERMAS - O Discurso Filosfico Da Modernidade_Dozes Lies (2002)
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Jrgen Habermas
O discurso filosficoda modernidade
Doze lies
TraduoLUIZ SRGIO REPA
RODNEI NASCIMENTO
Martins FontesSo Paulo 2002
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Esta obra foi pubtiaitta originalm ente em alemo com o titulo
DER PHILOSOPHISCHE DtSKVRS DER MODERNE, por Suhrkamp Verias.
CopYrjthl
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CAPTULO I
A CONSCINCIA DE TEMPO DAMODERNIDADE E SUA NECESSIDADEDE AUTOCERTIFICAO
i
Na clebre introduo coletnea dos seus ensaios so
bre sociologia da religio. Max Weber desenvolve aquele"problema da histria universal" ao qual dedicou toda aobra cientifica de sua vida, a saber, por que fora da Europa"nem o desenvolvimento cientfico, nem o artstico, nem opoltico, nem o econmico seguem a mesma via de raciona
lizao que prpria do Ocidente" 1 . Para Max Weber aindaera evidente a relao interna, e no a meramente contigente, entre a modernidade e aquilo que designou como racio-nalismo ocidental 2 . Descreveu como "racional" aquele processo de desencantamento ocorrido na Europa que, ao des
truir as imagens religiosas do mundo, criou uma culturaprofana. As cincias empricas modernas, as artes tornadas
1. WEB ER, M. Die proleslantische Elhik (A tica protestante). Hcidel-berg, 1973, vol. I.
2. Cf. HAB ERMA S, J. Theorie des kommunikativen Ilandens (Teoria daao comunicativa). Frankfurt am Main. 1981, vol. 1, pp. 225 ss.
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autnomas e as teorias morais e jurdicas fundamentadas emprincpios formaram esferas culturais de valor que possibilitaram processos de aprendizado de problemas tericos, estticos ou prtico-morais, segundo suas respectivas legali-dades internas.
O que Max Weber descreveu do ponto de vista da racionalizao no foi apenas a profanao da cultura ocidental, mas, sobretudo, o desenvolvimento das sociedades mo-
dernas. As novas estruturas sociais so caracterizadas peladiferenciao daqueles dois sistemas, funcionalmente interligados, que se cristalizaram em torno dos ncleos organizadores da empresa capitalista e do aparelho burocrtico doEstado. Weber entende esse processo como a institucionalizao de uma ao econmica e administrativa racional comrespeito a fins. medida que o cotidiano foi tomado poresta racionalizao cultural e social, dissolveram-se tambm as formas de vida tradicionais, que no incio da moder
nidade se diferenciaram principalmente em funo das corporaes de ofcio. No entanto, a modernizao do mundo davida no foi determinada apenas pelas estruturas da racionalidade com respeito a fins. E. Durkheim e G. H. Meadviram que o mundo da vida racionalizado caracterizadoantes por um relacionamento reflexivo com tradies queperderam sua espontaneidade natural; pela universalizaodas normas de ao e Urna generalizao dos valores que liberam a ao comunicativa de contextos estreitamente deli
mitados, abrindo-lhe um leque de opes mais amplo; enfim,por modelos de socializao que se dirigem formao deidentidades abstratas do eu e que foram a individualizaodos adolescentes. Em linhas gerais, esse o quadro da modernidade tal como traado pelos clssicos da teoria social.
Hoje o tema de Max Weber posto sob uma outra luz,tanto pelo trabalho dos que o reivindicam para si, quanto dosque o criticam. Somente nos anos 50 a palavra "moderni-
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zao" foi int roduzida como termo tcnico. Desde iitocaracteriza uma abordagem terica que retoma a problemtica de Max Weber, reelaborando-a com os instrumentosdo funcionalismo sociolgico. O conceito de modernizaorefere-se a um conjunto de processos cumulativos e de reforo mtuo: formao de capital e mobilizao de recursos; ao desenvolvimento das foras produtivas e ao aumentoda produtividade do trabalho; ao estabelecimento do poder
poltico centralizado e formao de identidades nacionais; expanso dos direitos de participao poltica, das formasurbanas de vida e da formao escolar formal; seculariza-o de valores e normas etc. A teoria da modernizao efetua sobre o conceito weberiano de "modernidade" uma abstrao plena de conseqncias. Ela separa a modernidadede suas origens - a Europa dos tempos modernos - para estiliz-la em um padro, neutralizado no tempo e no espao,de processos de desenvolvimento social em geral. Alm dis
so, rompe os vnculos internos entre a modernidade e o contexto histrico do racionalismo ocidental, de tal modo queos processos de modernizao j no podem mais ser compreendidos como racionalizao, como uma objetivao histrica de estruturas racionais. James Coleman v nisso avantagem de no mais sobrecarregar o conceito de modernizao, generalizado na teoria da evoluo, com a idia deum acabamento da modernidade e, portanto, de um estadofinal, ao qual deveriam seguir-se desenvolvimentos "ps-mo-
dernos"3
.Sem dvida, a investigao desenvolvida nos anos 50 e
60 sobre a modernizao criou as condies para que a expresso "ps-moderno" pudesse circular tambm entre os
3. Artigo "Modernzation" (Modernizao). In: Encycl. Soe. Science (Enciclopdia cie cincias sociais), vol. 10, pp. 386 ss., aqui p. 476.
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cientistas sociais. Em face de uma modernizao que se move por si prpria e se autonomiza em sua evoluo, o observador social tem razes de sobra para se despedir do horizonte conceituai do nacionalismo ocidental em que surgiu amodernidade. Porm, uma vez desfeitas as relaes internasentre o conceito de modernidade e a sua autocompreenso,conquistada a partir do horizonte da razo ocidental, os processos de modernizao que prosseguem, por assim dizer,
automaticamente, podem ser relativizados desde o ponto devista distanciado do observador ps-moderno. Arnold Gehlensintetizou esta questo em uma frmula marcante: as premissas do esclarecimento* esto mortas, apenas suas conseqncias continuam em curso. Dessa perspectiva, uma ininterrupta modernizao social auto-suficiente destaca-se dosimpulsos de uma modernidade cultural que se tornou aparentemente obsoleta; ela opera apenas com as leis funcionais da economia e do Estado, da tcnica e da cincia, as
quais se fundem em um sistema pretensamente imune a influncias. A irresistvel velocidade dos processos sociais aparece, ento, como o reverso de uma cultura saturada, em estado de cristalizao. "Cristalizada", assim designa ArnoldGehlen a cultura moderna, pois "todas as possibilidades quecontm foram realizadas em seus elementos essenciais. Almdisso, as possibilidades contrrias e as antteses foram descobertas e integradas, de modo que doravante improvvelque as premissas venham a sofrer alteraes ... Se admitirmos essa idia, perceberemos a cristalizao' mesmo em um
* Aufklrung: o termo tem vrias tradues em portugus: luzes, filosofia das luzes, ilustrao, iluminismo, esclarecimento; alguns preferem no traduzi-lo, mantendo a forma alem. Adotamo? "lluminismo" quando o texto se refere ao movimento intelectual do sculo XVIII, mas "esclarecimento" quando setrata de um processo histrico mais amplo, prximo do que Habermas entende por racionalizao. (N. dos T.)
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domnio to espantosamente agitado e multicolorido comoo da pintura moderna" 4 . Como a "a histria das idias se encerrou", Gehlen pode constatar aliviado que "ns chegamos ps-histria"(ibicL, p. 323). Tal como Gottfried Benn, aconselha: "Conte com o que possuis." Esta despedida neocon-sei-vadora da modernidade refere-se, portanto, no dinmica desenfreada da modernizao social, mas sim superfciede uma autocompreenso cultural da modernidade aparente
mente ultrapassada5
.No entanto, entre os tericos que no consideram que
tenha ocorrido um desacoplamento entre modernidade e racionalidade, a idia da. ps-modernidade apresenta-se sobuma forma poltica totalmente distinta, isto , sob a formaanarquista. Reclamam igualmente o fim do esclarecimento, ultrapassam o horizonte da tradio da razo, da qual amodernidade europia entendeu outrora fazer parte, e fin
cam o p na ps-histria. Mas, diferente da neoconservado-ra, a despedida anarquista dirige-se modernidade como umtodo. Ao submergir esse continente de conceitos fundamentais, que sustentam o racionalismo ocidental de Max Weber,a razo revela sua verdadeira face - desmascarada comosubjetividade subjugadora e, ao mesmo tempo, subjugada,como vontade de dominao instrumental. A fora subversiva de uma critica la Heidegger ou la Bataille, que arranca o vu da razo para exibir a pura vontade de poder,
deve' simultaneamente abalar a redoma de ao na qual se
4. GEHLEN , A. "b er kulturelle Kristallisation" (Sobre a cristalizao cultural). In: Studitn zur Anthropologic itnd Soziohgie [Estudos sobre antropologia e sociologia). Neuwied, 1963, p. 321.
5. Um ensaio de H, E. Holthusen ("Heimweli nach Geschichte" (Nostalgia da histria). In: Mcrkttr, n. 430, dez. 1984, p. 916) leva-me a concluirque Gehlen poderia ter tomado de emprstimo o tenno "ps-histria" do seuparceiro intelectual Ilendrik de Man.
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objetivou socialmente o esprito da modernidade. Dessa perspectiva, a modernizao social no poder sobreviver ao fimda modernidade cultural de que derivou, no poder resistirao anarquismo "imemorial", sob cujo signo se anuncia aps-modernidade.
Por mais distintas que sejam essas verses da teoria daps-modernidade, ambas se distanciam do horizonte conceituai fundamental em que se formou a autocompreensoda modernidade europia. As duas teorias da ps-modernidade pretendem ter-se apartado desse horizonte, t-lo dei- 1xado para trs como horizonte de uma poca passada. Ora,Hegel foi o primeiro filsofo que desenvolveu um conceitoclaro de modernidade; em razo disso necessrio retornara Hegel se quisermos entender o que significou a relao
interna entre modernidade e racionalidade, que permaneceu evidente at Max Weber e hoje posta em questo. Temos de reexaminar o conceito hegeliano de modernidadepara podermos julgar se legtima a pretenso daqueles queestabelecem suas anlises sobre outras premissas. Em todocaso, no podemos descartar a priori a suspeita de que opensamento ps-moderno se arroga meramente uma posiotranscendental, quando, de fato, permanece preso aos pressupostos da autocompreenso da modernidade, os quais fo
ram validados por Hegel. No podemos excluir de antemoque o neoconservadorismo ou o anarquismo de inspiraoesttica est apenas tentando mais rha vez, em nome de umadespedida da modernidade, rebelar-se contra ela. Pode serque estejam simplesmente encobrindo com o ps-esclareci-mento sua cumplicidade com uma venervel tradio do con-tra-esclarecimento.
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Hegel emprega o conceito de modernidade, antes detudo, em contextos histricos, como conceito de poca: os"novos tempos" so os "tempos modernos" 6 . Isso corresponde ao uso contemporneo do termo em ingls e francs:por volta de 1800, modem times e temps modernes designam os trs sculos precedentes. A descoberta do
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na. Somente no curso do sculo XVIJI o limiar histrico emtorno de 1500 foi compreendido retrospectivamente COTIIOtalcomeo. Na qualidade de um teste, R. Koselleck formula aquesto de saber quando o nostrum aevum, o nosso tempo,passa a ser denominado nova aetas, os novos tempos 7 .
Koselleck mostra como a conscincia histrica, expressa no conceito de "tempos modernos" ou "novos tempos",constituiu uma perspectiva para a filosofia da histria: a
presentificao reflexiva do lugar que nos prprio a partirdo horizonte da histria em ;sua totalidade. Tambm o singular coletivo "Histria", que Hegel j utilizava naturalmente,- foi cunhado no sculo XVIII: "A 'poca moderna' confere ao conjunto do passado a qualidade de uma histriauniversal... O diagnstico dos novos tempos e a anlise daspocas passadas se correlacionam." 8 A isso correspondem anova experincia do progresso e da acelerao dos acontecimentos histricos e a compreenso da simultaneidadecronolgica de desenvolvimentos historicamente no simultneos 9. Constitui-se ento a representao da histria comoum processo homogneo, gerador de problemas; de modoconcomitante, o tempo experienciado como um recursoescasso para a resoluo dos problemas que surgem, isto ,como presso do tempo. esprito do tempo (Zei/geist), umdos novos termos que inspiram Hegel, caracteriza o presente como uma transio que se consome na conscincia da
acelerao e na expectativa da heterogeneidade do futuro:"No difcil ver", escreve Hegel no prefcio Fenome-nologia do esprito, "que nosso tempo um tempo de nascimento e de passagem para um novo perodo. O esprito
7. KOSELLECK, R. "Neuzeit" (poca moderna), ibid., 1979. p. 314.8. KOSE LLEC K, 1979, p. 32 7.
9. KOSELLECK, 1979, pp. 321- ss.
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rompeu com seu mundo de.existncia e representao e est ponto de submergi-lo no passado, e [se dedica] tarefa desua transformao ... A frivolidade e o tdio que se propagampelo que existe e o pressentimento indeterminado do desconhecido so os indcios de algo diverso que se aproxima. Essedesmoronamento gradual ... interrompido pela aurora, querevela num claro a imagem do novo mundo." 1 0
Uma vez que o mundo novo, o mundo moderno, se dis
tingue do velho pelo fato de que se abre ao futuro, o iniciode uma poca histrica repete-se e reproduz-se a cada momento do presente, o qual gera o novo a partir de si. Por isso,faz parte da conscincia histrica da modernidade a delimitao entre "o tempo mais recente" e a "poca moderna": opresente como histria contempornea desfruta de uma posio de destaque dentro do horizonte da poca moderna.Hegel tambm entende o "nosso tempo" como o "tempo maisrecente". Ele data o comeo do tempo presente a partir da
cesura que o Iluminismo e a Revoluo Francesa significaram para os seus contemporneos mais esclarecidos no final do sculo XVIII e comeo do XIX. Com esse "magnfico despertar" alcanamos, assim pensa ainda o velho Hegel,"o ltimo estgio da histria, o nosso mundo, os nossosdias"". Um presente que se compreende, a partir do horizonte dos novos tempos, como a atualidade da poca maisrecente, tem de reconstituir a ruptura com o passado como
uma renovao contnua. nesse sentido que os conceitos de movimento, que nosculo XVIII, juntamente com as expresses "modernidade"ou "novos" tempos, se inserem ou adquirem os seus novos
10. HEGEL, G. W. F. Suhrkamp-Wcrkausgabe, vol. 3, pp. 18-9. Dc aquiem diante citado como H.
11. H. , vol. X I I , p. 524 .
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12. KOSELLECK,R. "Erfahningsraum und Erwartungshorizont" (Campo deexperincia e horizonte de expectativa). In: KOSELLECK, 1979, pp. 349 ss.
13. BLUMENBERG, H. Legttimilt derNeiaeit (Legitimidade da Idade Moderna). Frankfurt am Main, 1966, p. 72.
significados, vlidos at hoje: revoluo, progresso, emancipao, desenvolvimento, crise, esprito do tempo etc. 1 2 Estasexpresses tornaram-se palavras-chave da filosofia hegelia-na. Elas lanam uma luz histrico-conceitual sobre o problema que se pe cultura ocidental com a conscincia histrica moderna, elucidada com o auxlio do conceito antit-tico de "tempos modernos": a modernidade no pode e noquer tomar dos modelos de outra poca os seus critrios de
orientao, ela tem de extrair de si mesma a sua normativi-dade. A modernidade v-se referida a si mesma, sem a possibilidade de apelar para subterfgios. Isso explica a susceti-bilidade da sua autocompreenso, Ia dinmica das tentativasde "afirmar-se" a si mesma, que prosseguem sem descansoat os nossos dias. H poucos anos, H. Blumenberg viu-sena necessidade de defender, com grande dispndio de indicaes histricas, a legitimidade ou o direito prprio da poca moderna contra aquelas construes que afirmam umadvida cultural da modernidade para com o legado do cristianismo e da Antigidade: "No evidente que se coloquepara uma poca o problema de sua legitimidade histrica,como tampouco evidente que ela se compreendia em geralcomo poca. Para a poca moderna o problema est latentena pretenso de consumar, ou de poder consumar, uma ruptura radical com a tradio e no equvoco que essa pretenso representa em relao realidade histrica, que nunca
capaz de recomear desde o princpio."1 3
Blumenberg citacomo prova uma passagem do jovem Hegel: "Exceto algumas tentativas anteriores, coube sobretudo aos nossos dias
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reivindicar como propriedade dos homens, ao menos emteoria, os tesouros generosamente entregues ao cu; masqual poca ter a fora para fazer valer esse direito e dele seapossar?" 1 4
no domnio da crtica esttica que, pela primeira vez,se toma conscincia do problema de uma fundamentao damodernidade a partir de si mesma. Isso fica claro quandoacompanhamos a histria conceituai do termo "moderno" 1 5 .O processo de distanciamento do modelo da arte antiga foiintroduzido, no incio do sculo XVIII, pela clebre Que-relle des anciens et des modernes16. O partido dos modernos insurge-se contra a autocompreenso do classicismofrancs, quando assimila o conceito aristotlico de perfeio ao de progresso, tal coajo este foi sugerido pela cincianatural moderna. Os "modernos" questionam o"sentido deimitao dos modelos antigos com argumentos histrico-crticos; em contraposio s normas de uma beleza absolu
ta, aparentemente supratemporal, salientam os critrios dobelo relativo ou condicionado temporalmente, articulandocom isso a autocompreenso do Iluminismo francs como ade um novo comeo de poca. Embora o substantivo moder-nitas (junto com o par antittico de adjetivos antiqui/mo-derni)) fosse empregado em um sentido cronolgico desdea Antigidade tardia, nas lnguas europias da poca moderna, o adjetivo "moderno" foi substantivado s muito mais
14. H., vol. I, p. 209.15. GUMBRECHT,H. U. Art. "Modern" (Moderno). In: BRUNNER,O,, C ON-
ZE, W. & KOSELLECK, R. (orgs.), Geschickllche Grundbegriffe {Conceitos histricos fundamentais), vol. 4, pp. 93 ss.
16 . JAUSS, H. R. "Ur spnmg und Bedeutung der Fortschrittsidee in der'Querelle des anciens et des modernes"'(Ongem e significado da idia de progresso na 'Querelle des anciens et des modernes'). In: K.UHN, H. & W lEDM A NN,F. (orgs.), Die Philosophie und die Frage nach dem Fortschrilt (A filosofia e aquesto do progresso). Munique, 1964, pp. 51 ss.
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tarde, aproximadamente nos meados do sculo XIX e, pela
primeira vez, ainda no domnio das belas-artes, Isso explicapor que as expresses Moderne ou Modernitt, modernit,
conservaram at hoje um ncleo de significado esttico, mar
cado pela autocompreenso da ar te de vanguarda 1 7 .
Para Baudelaire a experincia esttica cpnfundia-se,
nesse momento, com a experincia histrica da modern ida
de. Na experincia fundamental da modernidade esttica,
intensifica-se o problema da autofundamentao, pois aqui
o horizonte da experincia do tempo se reduz subjetivida
de descentrada, que se afasta das convenes cotidianas. Para
Baudelaire, a obra de arte moderna ocupa, por isso, um lu
gar notvel na interseco do eixo entre atualidade e eterni
dade: "A modernidade o transitrio, o efmero, o contigen
te, a metade da arte, sendo a outra o eterno e o imutvel." 1 8
O ponto de referncia da mo de rn id ad e jtorna-se agora uma
atualidade que se consome a si mesma, custando-lhe a ex
tenso de um perodo de transio, de um tempo atual, constitudo no centro dos te mp os mod er no s :e que dura algu ma s
dcadas. O presente no pode mais obter sua conscincia de
si com base na oposio a uma poca rejeitada e ultrapassa
da, a umafigura do passado. A atualidade s pode se cons
tituir como o ponto de interseco entre o tempo e a eterni
dade. Com esse contato sem mediao entre o atual e o eterno,
certamente a modernidade no se livra do seu carter prec-
1 7. No que se segue, ap io- me em JAUS S, H. R . "Litera rische Traditi on
und gegenwrtiges Bewusstsein der Modernitt" (Tradio li terria e cons
cincia atual da modernidade). In; Literaturge.schichte ais Provokation (Hist
ria da literatura como provocao). Frankfurt am Mai n, 1 9 7 0 , pp. 1 1 ss. Cf.
tambm: JAU SS, H . R . In: FRIEDEBURG & HA BE RM AS, 1 9 8 3 , pp . 9 5 ss.
18 . BAUD ELAI RE, Ch. "Der Maler des mod eme n Lebens". In: Ges.
Schriften ed. M. Bruns (Melzer). Darmstadt, 1982, vol, I . ( trad., Snhre a mo
dernidade. So Paulo, Paz e Terra, 1996, p . 25). Baseio-me cm JAUSS, 1970,pp. 5 0 ss.
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rio, m as sim da sua trivial idade: na concepo de Ba ud el ai re ,
ela aspira a que o momento transitrio seja reconhecido como o passado autntico de um presente futuro 1 ". A moder
nidade afirma-se como aquilo que um dia ser clssico; " c ls
sico", de agora em diante, o "claro" da aurora de um novo
mundo, que decerto no ter permanncia, mas, ao contr
rio, sua primeira entrada em cena selar tambm a sua des
truio. Essa compreenso do tempo, radicalizada mais uma
vez no surrealismo, justif ica a afinidade entre a modernida
de e a moda.Baudelaire parte do resultado da clebre querela dos
antigos e modernos, mas desloca, de maneira caracter st ica,
o peso do belo absoluto e do belo relativo: "O belo cons
titudo por um elemento eterno, invarivel ... e de um ele
mento relativo, circunstancial, que ser . . . sucessiva ou
combinadamente, a poca, a moda, a moral, a paixo. Sem
este segundo, que como o invlucro aprazvel, palpitante,
aperitivo do divino manjar, o primeiro elemento seria indigesto, inaprecivel, no adaptado e no apropriado natu
reza humana ." 2 0 Enquanto crtico de arte, Baudelaire subli
nha na pintura moderna o aspecto "da beleza fugaz e passa
geira da vida presente, do carter daquilo que o leitor nos
p e r m i t iu ch am ar ' M o d e r n id ad e ' " 2 ' . Baudelaire coloca entre
aspas a palavra "Modernidade"; consciente do novo uso,
terminologicamente peculiar , desse termo. Em conseqn
cia disso, a obra autntica est radicalmente presa ao instantedo seu surgimento; exatamente porque se consome na atua-
19. "E m pou cas palav ras , para que toda mo de rni da de seja digna dc tor
nar-se antigidade, necessrio que dela se extraia a beleza misteriosa que a
vida humana involuntar iamente lhe confere." (BAUDELAIRE, Ces. Schrifen,
vol. IV. p. 288; trad., p. 26.)
20. BAUDELAIRE. Ges. Schriften, vol. IV, p. 271; trad.. p. 10.
21. BAUDELAIRE, GCS. Schn/ien. vol. IV, p 32 5; trad., p. 70.
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lidade, ela pode deter o fluxo constante das trivialidades,romper a normalidade e satisfazer o anseio imortal de bele
za durante o momento de uma ligao fugaz do eterno com
o atual.
A beleza eierna revela-se apenas sob o disfarce dos cos
tumes de poca. Benjamin ir se referir mais tarde a essa
caracter st ica com a expresso "imagem dialtica". A obra
de arte moderna encontra-se sob o signo da unio do autn
tico com o efmero. Esse carter de atualidade justifica tambm a afinidade da arte com a moda, com o novo, com o
ponto de vista do ocioso, do gnio assim como da criana,
que no dispem da proteo constituda por formas de per
ce p o convenc iona is e por isso so ab and ona dos ;se m defe
sa aos ataques da beleza e dos estmulos transcendentes,
ocultos naquilo que h de mais cotidiano. O papel do dndi
consiste ento em colocar na ofensiva, de modo esnobe, esse
tipo de extracotidianeidade que ele experimenta, em mani
fest-la com meios provocativos 2 2 . O dndi combina o cio
e a moda com o prazer de provocar espanto, sem nunca ele
mesmo ficar espantado. E o especialista do prazer fugaz do
momento, do qual aflora o novo: "Ele busca esse algo, ao qual
se permitir chamar de Modernidade; pois no me ocorre
melhor palavra para exprimir a idia em questo. Trata-se,
para ele, de tirar da moda o que esta pode conter de potico
no histrico, de extrair o eterno do transitrio." 2 3
Walter Benjamin retoma esse motivo para tentar en
contrar uma soluo para o problema paradoxal de como
obter critrios prprios valendo-se da contingncia de uma
22. "Todos participam do mesmo carter de oposio e revolta, todos
so representantes do que h de melhor no orgulho humano, dessa necessida
de, muito rata nos homens de nosso tempo, de combater e destruir a trivialida-
de." BAUDELAIRE, Ges. Schrijien, vol. IV, p. 302; trad., p. 51.23. BAUDELAIRE, Ges. Schrfien, vol. IV, p. 284; tracf?p. 24.
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modernidade que se tornou eminentemente transitr ia. En
quanto Baudelaire se contentara com a idia de que a constelao de tempo e eternidade se realiza na obra de arte au
tntica, Benjamin quer retraduzir essa experincia esttica
fundamental em uma relao histrica. Constri o conceito
de " tempo-presente" (Jetztzeif), em que se depositaram os
fragmentos de um tempo messinico ou acabado, com a
ajuda do tema da mmesis, que se tornou, por assim dizer,
tnue e que fora pressentido nos fenmenos da moda: "A
Revoluo Francesa se via como uma Roma ressurreta. Elacitava a Roma antiga como a moda cita um vesturio anti
go. A moda tem um faro para o atual, onde quer que ele es
teja na folhagem do antigamente. Ela um salto de tigre em
direo ao passado. . . . O mesmo salto, sobo livre cu da
histria, o salto dialtico da Revoluo, como o concebeu
M a r x . " 2 4 Benjamin no se rebela apenas contra a empresta
da normatividade de uma compreenso da histr ia que re
sulta da im it a o de mo de lo s "passados; ele luta ig ua lm en tecontra aquelas duas concepes que, j no terreno da com
preenso rnoderna da histr ia, interrompem e neutralizam a
provocao do novo e do absolutamente inesperado. Ele se
volta, por um lado, contra a idia de um tempo homogneo
e vazio, preenchido pela "obstinada f no progresso" do evo-
lucionismo e da filosofia da histria, mas tambm, por outro,
contra aquela neutralizao de todos os critrios que o his-
toricismo opera quando encerra a histria em um museu edesfia "entre os dedos os acontecimentos, como as contas de
um rosr io" 2 5 . O modelo Robespierre, que, citando a Roma
antiga, invocou um passado correspondente, carregado de
24. BENJ AMI N, W. " be r den Begriff der Geschich te". In: Ces. Schriften,
vol. I, 2, p. 701. Trad., "Sobre o conceito da histria". In: Obras escolhidas.
So Paulo, Brasiliense, vol. I, p. 230.
25 . Ibid., p. 704; trad., p. 232.
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18 JRGEN HABERMAS
tempo-presente, para romper o continuum inerte da histria.
Assim como ele tenta deter o curso inerte da histria pormeio de um choque produzido de maneira surrealista, a mo
dernidade diluida em atualidade tem de colher sua normati-
vidade das imagens refletidas de passados incitados, to logo
alcance a autenticidade de um tempo-presente. Estes no se
ro mais percebidos como passados or iginariamente exem
plares. O modelo baudelairiano do criador de moda focali
za antes a criatividade que ope ao ideal esttico de imitao
dos modelos clssicos o ato do pressentimento clarividentcde tais correspondncias.
Excurso sobre
as teses de filosofia da histria de Benjamin
No fcil classificar a conscincia do tempo expres
sa nas teses benjaminianas de filosofia da histria2 0
. Inconfundveis so as experincias surrealistas e os motivos da
mstica ju dai ca que est abel ece m uma pecul iar al iana com
o conceito de "tempo-presente". Dessas duas fontes se ali
menta aquela idia de que o instante autntico de um presen
te inovador interrompe o continuum da histria e se desprende
de seu curso homogneo. Tal como ocorre na unificao
mstica com a chegada do Messias, a iluminao profana do
choque fora a uma suspenso, a uma cristalizao do acon
tecer momentneo. Para Benjamin no se trata apenas da
renovao enftica de uma conscincia para a qual "cada se
gundo a porta estreita pela qual podia penetrar o Messias"
(tese 18). Pelo contrrio, Benjamin inverte a orientao ra
dical para o futuro, que em geral caracteriza a poca moder-
26. In: Ges. Sclvifien, vol. I, 2; trad., pp. 222 ss.
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O DISCURSO FILOSFICO DA MODERNIDADE
na, sobre o eixo do "tempo-presente", a tal ponto que ela
transferida para uma orientao, ainda mais radical, para opassado. A expectativa do novo no futuro s se cumpre por
m e i oda reminiscnciade um passado opr imido . Benjaminentende o sinal de uma suspenso messinica do acontecer
como "uma oportunidade revolucionria de lutar por um
pa ss ad o op ri mi do " (Tese 17). ,
No quadro de suas investigaes sobre a histria dos
conceitos, R. Koselleck caracter izou a conscincia moderna
do tempo, entre outros modos, mediante a diferena crescente entre o "campo de experincia"-e o "horizonte de ex
pectativa": "Segundo minha tese, amplia-se progressivamen
te na poca moderna a diferena entre experincia e expec
tativa; mais precisamente, a poca moderna s se deixa
compreender como um tempo novo desde o momento em
que as expectativas comeam a se afastar cada vez mais de
todas as experincias feitas at ento." 2 7 A especfica orien
tao para o futuro da poca moderna s se forma na medida em que a modernizao social escancara o campo de
experincia de mundos da vida de expresso rural e artesa-
nal, prprio da velha Europa^ o mobiliza e desvaloriza como
diretriz que regula as expectativas. O lugar dessas experin
cias legadas pelas geraes precedentes ocupado ento por
aquela experincia do progresso, que confere ao horizonte
de expectativa, at ai ancorado com firmeza no passado, uma
"qualidade histr ica nova, que sempre pode ser encobertapela u topia" 2 8 .
Sem dvida, Koselleck desconhece o fato de que o con
ceito de progresso serviu no apenas para a secularizao
de esperanas escatolgicas e a abertura utpica do horizon-
27. KOSELLECK, R. "Erfahrungsraum urid Erwartungshorizont" (Campo
dc experi ncia e horizont e de expect ativa ") In: KOSEL LEC K, 1979, p. 359.
28. KOS EL LE CK . R, 1979, p, 363.
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20 JRGEN HABERMAS
te de expectativas, mas tambm para mais uma vez obstruir,
com o auxlio de construes teleolgicas da histria, o fu
turo visto comofonte de inquietude. A polmica de Benjamin contra o nivelamento da apreenso que o materialismo
histrico faz da histria, em termos de teoria da evoluo so
cial, dirige-se a uma tal degenerao da conscincia de tem
po da modernidade, aberta ao futuro. Onde o progresso coa
gula, tomando-se norma histrica, eliminada da relao do
presente com o futuro a qualidade do novo, a nfase no co
meo imprevisvel . Nesse sentido, para Benjamin o histor i-
cismo meramente um equivalente funcional da filosofiadairhistria. O historiador emptico e que compreende tudo
rene a massa de fatos, isto , o curso objetivado da histria
em uma simultaneidade ideal, para preencher desse modo
"o tempo vazio e homogneo". A relao do presente com o
futuro assim privada de toda relevncia para a compreen
so do passado: "O materialista histrico no pode renunciar
ao conceito de um presente que no transio, mas pra
no tempo e se imobiliza. Porque esse conceito define exatamen te aquele presente em que ele mesmo escreve a histria.
O historicista apresenta a imagem 'eterna' do passado, o ma
terialista histrico faz desse passado uma experincia nica"
(Tese 16),
Veremos que a conscincia moderna do tempo, medi
da que se articula em documentos literrios, sempre volta a
se afrouxar, e que sua vitalidade continuamente renovada
por um pen sam ent o radical ment e histr ico: dos jov ens he-gelianos at Heideggcr, passando por Nietzsche e Yorck von
Warthenburg. O mesmo impulso determina as teses de Ben
j am in ; se rvem renovao da conscincia m od e rn a do tem
po. Ma s Be nja mi n sent ia- se insatisfei to c om a vari ante "do
pensamento histrico que at ento era considerado radical.
O pensamento radicalmente histrico pode se caracterizar pela
idia de histria da recepo (Wirkungsgeschichte). Nietzsche
I
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O DISCURSO FJL O S FICO DA MODERNIDA DE' 2 1
deu-lhe o nome de considerao crtica da histria. O Marxdo 18 Brumrio praticou esse tipo de pensamento histrico,
o Heidegger de Ser e tempo ontologizou-o. De fato, reco
nhece-se ainda algo de evidente mesmo na estrutura coagu
lada no existencial da historicidade: aberto ao futuro, o ho
r izonte de expectativas determinadas pelo presente coman
da nossa apreenso do passado. Ao nos apropriarmos de
experincias passadas para a orientao no futuro, o autn
tico presente se preserva como local de prosseguimento datradio e da inovao, visto que uma no possvel sem a
outra, e ambas se amalgamam na objetividade de um con
texto histr ico-receptivo.
Ora, h diferentes verses dessa idia de histria da re
cepo, segundo o grau de continuidade e descontinuidade
a ser garantido ou produzido: uma verso conservadora (Ga-
damer), uma conservadora-revolucionria (Freyer) e uma re
volucionria (Korsch). Porm o olhar orientado para o futuro dirige-se sempre do presente para um passado que est
ligado, enquanto pr-histria, a nosso respectivo presente,
como por meio da corrente de um destino universal. Para
essa conscincia, dois momentos so constitutivos: de um
lado, o arco histrico-receptivo de um acontecer contnuo
da tradio, no qual mesmo o ato revolucionrio assenta
do; e, de outro, a pr ed om in n ci a do hori zont e de expec tati
vas sobre o potencial de experincias histricas que podeser apropriado.
Benjamin no discute explicitamente essa conscincia
histrico-receptiva. Mas seus textos permitem concluir que
ele desconfia igualmente tanto do tesouro dos bens culturais
legados, que devem passar a ser posse do presente, como
tambm da assimetria da relao entre as atividades apro-
priadoras de um presente orientado para o futuro e os obje
tos apropriados do passado. Em virtude disso, Benjamin prope uma drstica inverso entre o horizonte de expectativa
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e o campo de experincia. Atribui a todas as pocas passa
das um horizonte de expectativas insatisfeitas, e ao presente orientado para o futuro designa a tarefa de reviver na re-
miniscncia um passado que cada vez lhe seja corresponden
te, de tal modo que possamos satisfazer suas expectativas
com nossa dbil fora messinica. De acordo com essa inver
so, dois pensamentos podem se combinar: a convico de
que a continuidade dos contextos de tradio instituda tan
to pela barbrie quanto pela cultura 2 9 , e a idia de que cada
gerao do presente carrega a responsabilidade no apenaspelo destino das geraes futuras, mas tambm pelo destino,
sofrido na inocncia, das geraes passadas. Essa necessidade
de redeno das pocas passadas, que mantm suas expec
tativas apontadas para ns, lembra aquela representao, fa
miliar s mstica s ju dai ca e protestante, da res ponsab il ida de
do homem pelo destino de um deus que, no ato da criao, re
nunciou sua onipotncia em benefcio da liberdade do ho
mem, tornando-a igual sua.
Mas essas correlaes com a histria das idias no
explicam muito. O que Benjamin tem em mente a idia al
tamente profana de que o universalismo tico tambm tem
de levar a srio as injustias j suce did as e, evid ent em ent e,
irreversveis; de que h uma solidariedade das geraes com
seus antepassados, com todos aqueles que foram feridos
pela mo do homem em sua integridade fsica e pessoal; e deque essa solidariedade apenas pela reminiscncia pode ser
efetuada e comprovada. A fora libertadora da rernemora-
o no deve servir aqui, como desde Hegel at Freud, para
dissipar o poder do passado sobre o presente, mas para dis-
29. "Nunca houve um monumento da cultura que no fosse tambm um
monumento da barbrie. E, assim como a cultura no est isenta de barbrie,
no o , tampouco, o processo de transmisso da cultura" (Tese 7).
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O DISCURSO FILOSFICO DA MODERNIDADE 23
sipar a culpa do presente para com o passado: "Uma vez que
irrecupervel uma imagem do passado que ameaa desaparecer com cada instante presente que no se reconhece
visado por ela" (Tese 5).
No contexto dessa primeira lio, esse excurso deve
mostrar como Benjamin entretece motivos de procedncias
inteiramente diversas, a fim de radicalizar mais uma vez a
conscincia histr ico-receptiva. O desacoplamento entre o
horizonte de expectativas e o potencial de experincia trans
mitido possibilita antes de tudo, como mostra Koselleck, aoposio entre um tempo novo, que vive com seus prprios
direitos, e aquelas pocas passada? com as quais a era mo
derna rompeu. Com isso se alterou especif icamente a cons
telao do presente na relao com o passado e o futuro. Por
um lado, sob a presso dos problemas que afluem do futu
ro, um presente convocado para a atividade histor icamente
responsvel predomina sobre um passado de que se apropria
por interesse prprio; por outro, um presente que se tornousimplesmente transitrio se v prestando contas por suas in
tervenes e omisses ante o futuro. Ora, quando Benjamin
estende essa responsabilidade orientada para o futuro s po
cas passadas, aquela constelao se altera outra vez: agora a
relao extremamente tensa com as alternativas do futuro,
em princpio abertas, tange de imediato a relao com um
passado que , por sua vez, mobilizado pelas expectativas.
A presso dos pro bl em as do futuro intensif ica-se ju nt am en te com aquela do futuro que passou (e no se realizou). Ao
mesmo tempo, porm, o narcisismo oculto da conscincia
histrico-receptiva corrigido por esse movimento de rota
o. No mais apenas as geraes futuras, mas tambm as
passadas podem reivindicar a dbil fora messinica da ge
rao presente. A reparao anamnsica de uma injustia,
que de fato no pode ser desfeita, mas ao menos reconciliada
vir tua lme nte pela rem ini sc enc ia, i ntegra o pres ente no con-
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texto comunicativo de uma solidariedade histr ica univer
sal . Essa anamnese consti tui o contrapeso descentralizadorem face da perigosa concentrao da responsabil idade com
a qual a conscincia moderna do tempo, voltada apenas para
o futuro, sobrecarregou um presente problemtico: que cons
titui, por assim dizer, o n de uma trama 3 0 .
III
Hegel foi o primeiro a tomar como problema filosfico
o processo pelo qual a modernidade se desliga das sugestes
normativas do passado que lhe so estranhas. Certamente,
na linha de uma crtica da tradio que inclui as experin
cias da Reforma e do Renascimento e reage aos comeos da
cincia natural moderna, a filosofia dos novos tempos, da
escolstica tardia at Kant, j expressa a autocompreenso
da modernidade. Porm apenas no final do sculo XVIII o
problema da autocertificao da modernidade se aguou a
tal ponto que Hegel pde perceber essa questo como p ro
blema filosfico e, com efeito, como o problema fundamen
tal de sua filosofia. O fato de uma modernidade sem mode
los ter de estabilizar-se com base nas cises por ela mesma
produzidas causa uma inquietude que Hegel concebe como
"a fonte da necessidade da f i losofia"
3 1
. Quando a modern i-
30. Cf. o estudo de PEUKERT, H. "Aporie anamnetischer Solidaritat"
(Aporia da solidariedade anamnsca). In: Wissenhaftstheorie, Handhmgs-
theorie, Fundamentale Theologie (Teoria cia cincia, teoria da ao, teologia
fundamental). Dsseldorf, 1976, pp. 273 ss. E tambm minha rplica a H.
Ottmann, in; HABERMAS, J. Vorstudien undErgnzungcn zur Theorie des kom-
munikativen Handelns (Estudos prvios e complementos para a teoria da
ao comunicalivu). Frankfurt am Mai n, 1984, pp. 514 ss.
31. H., vol. II, p. 20.
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dade desperta para a conscincia de si mesma, surge uma ne
cessidade de autocertificao, que Hegel entende como anecessidade da filosofia. Ele v a filosofia diante da tarefa
de apreender em pensamento o seu tempo, que, para ele, so
os tempos modernos. Hegel est convencido de que no
possvel obter o conceito que a filosofia forma de si mesma
independentemente do conceito f i losfico da modernidade.
Antes de tudo, Hegel descobre o princpio dos novos
tempos: a subjetividade. Valendo-se desse princpio explica
simultaneamente a superior idade do mundo moderno e suatendncia crise: ele faz a experincia de si mesmo como o
mundo do progresso e ao mesmo tempo do esprito alienado.
Por isso, a primeira tentativa de levar a modernidade ao nvel
do conceito or iginalmente uma cr t ica da modernidade.
De modo geral , Hegel v os tempos modernos caracte
rizados por uma estrutura de auto-relao que ele denomina
subjetividade: "O princpio do mundo moderno em geral
a liberdade da subjetividade, princpio segundo o qual todosos aspectos essenciais presentes na totalidade espiritual se
desenvolvem para alcanar o seu direito ." 3 2 Quando Hegel
caracteriza a fisionomia dos novos tempos (ou do mundo mo
derno) , elucida a "subjetividade" por meio da "l iberdade" e
da "reflexo": "A grandeza de nosso tempo o reconheci
mento da liberdade, a propriedade do esprito pela qual este
est em si consigo mesmo." 3 3 Nesse contexto a expresso
subjetividade comporta sobretudo quatro conotaes: a) individualismo: no mundo moderno, a singularidade infinita
mente particular pode fazer valer suas pretenses 3 4 ; b) direi
to de crtica: o princpio do mundo moderno exige que aqui-
of
32. H., vol. VII, p. 439, mais documentao no art . "Moderne Welt" (O
mundo moderno), Obras, vol. de ndices, pp. 417 ss.
33. H., vol. XX, p. 329'.1
34. H., vol. VII , p. 31 1.
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lo que deve ser reconhecido por todos se mostre a cada umcomo algo leg t imo 3 5 ; c) autonomia da ao: prprio dos
tempos modernos que queiramos responder pelo que faze
m o s 3 6 ; d) por f im, a prpria^/osq/ia idealista: Hegel consi
dera como obra dos tempos modernos que a filosofia apreen
da a idia que se sabe a si mesma 3 7 .
Os acontecimentos-chave histricos para o estabeleci
mento do princpio da subjetividade so a Reforma, o Ilu-
minismo e a Revoluo Francesa. Com Lutero, a f religiosa tornou-se reflexiva; na solido da subjetividade, o inundo
divino se transformou em algo posto por ns 3 8 . Contra a f
na autoridade da predicao e da tradio, o protestantismo
afirma a soberania do sujeito que faz valer seu discerni
mento: a hstia no mais que farinha, as relquias no so
mais que ossos 3 9 . Depois, a Declarao dos Direitos do Ho
mem e o Cdigo Napolenico realaram o princpio da liber
dade da vontade como o fundamento substancial do Estado,em detrimento do direito histrico: "Considerou-se o direi
to e a eticidade como fundados no solo presente da vontade
do ho me m, j que outrora exis tia m ape nas co mo man da
mento de Deus, imposto de fora, escrito no Antigo e no Novo
Testamento, ou presentes na forma de um dieito especial em
velhos pergaminhos, enquanto privilgios, ou em tratados." 4 ' 0
Alm disso, o princpio da subjetividade determina as
manifestaes da cultura moderna. Primeiramente, isso valepara a cincia objetivante que, ao mesmo tempo, desencan
ta a natureza e liberta o sujeito eognoscente: "Assim todos
35. H., vol. VII, p. 485.
36. H., vol. XVIII, p. 493
37. H., vol. XX, p. 458.
38. H., vol. XVI, p. 349.
39. H vol. XII, p. 522.40 . Ibid.
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os milagres foram contestados; pois a natureza agora umsistema de leis conhecidas e reconhecidas, no qual o homem
est em casa, e s considerado onde ele se sente em casa;
ele l ivre pelo conhecimento da natureza." 4 1 Os conceitos
morais dos tempos modernos so talhados para reconhecer
a liberdade subjetiva dos indivduos. Fundam-se, por um
lado, no direito do indivduo de discernir como vlido o que
ele deve fazer; por outro, fundam-se na exigncia de que
cada um persiga os fins do bem-estar particular em consonncia com o bem-estar de todos os outros. A vontade sub
jet iva ganha au tono mia sob leis un iversais ; m as "s na von
tade, enquanto subjetiva, pode a liberdade, ou a vontade que
em si, ser efetiva" 4 2 . A arte moderna revela a sua essncia
no romantismo; a forma e o contedo da arte romntica so
determinados pela absoluta inter ior idade. Levada ao con
ceito por Friedrich Schlegel, a ironia divina espelha a expe
rincia de si de um eu descentrado, "para o qual todos oslaos esto rompidos e que somente quer viver na felicida
de que o gozo de si mesmo proporciona" 4 3 . A auto-realiza-
o expressiva torna-se o princpio de uma arte que se apre
senta como forma de vida: "Porm, segundo este princpio,
eu s vivo como artista se toda minha ao e exteriorizao
. . . permanecerem para mim apenas como aparncia e assu
mirem uma forma que fique totalmente sob meu poder." 1 4
A realidade efetiva somente alcana a expresso artstica narefrao subjetiva da alma sentimental: ela "uma mera
aparncia por meio do Eu".
Na modernidade, portanto, a vida religiosa, o Estado e
a sociedade, assim como a cincia, a moral e a arte transfor-
4 1 . Ibiil.
42. H., vol. VII, p. 204.43. H., vol. XIII, p. 95.
44. H., vol. XIII, p. 94.
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mam-se igualmente em personificaes do princpio da sub-
j e t i v i d a d e4 5
. Sua estrutura apreendida enquanto tal na filosofia, a saber, como subjetividade abstrata no cogito ergo
sum de Descartes e na figura da conscincia de si absoluta
em Kant. Trata-se da estruUira da auto-relao do sujeito cog-
noscente que se dobra sobre si mesmo enquanto objeto para
se compreender como em uma imagem especular , justamen
te de modo "especulativo". Kant toma essa abordagem da
filosofia da rele.xo como base de suas trs "Crticas". Ele
faz da ra z o o su pr em o tribun al ante o qual dev e se jus ti ficar tudo aquilo que em princpio reivindica validade.
Com a anlise dos fundamentos do conhecimento, a
crtic a da ra zo pur a as su me a tarefa, de critica r o ma u uso
de nos sa facul dade de conh eci men to, , talh ada para a rela o
com fenmenos. Kant substitui o conceito; substancial de ra
zo da tradio metafsica pelo conceito de uma razo cin
dida em seus momentos, cuja unidade no tem mais que um
carter formal. Ele separa do conhecimento terico as facul dad es da razo prti ca e do ju z o e assenta cada uma dela s
sobre seus prprios fundamentos. Ao fundar a possibilidade
do conhecimento objetivo, do discernimento moral e da ava
liao esttica, a razo crtica no s assegura suas prprias
faculdades subjetivas e torna transparente^ arquitetnica da
azo, mas ta mb m as su me o pape l de um ju iz supr em o pe -
45 . Cf. o re su mo no 124 da Filosofia do direito: "O direito da liber
dade subjetiva constitui o ponto central e crtico que marca a diferena entre a
Antigidade e os tempos modernos. Esse direito, em sua infinitde, pronun
ciado no cristianismo e converteu-se em princpio universal e efetivo de uma nova
forma do mundo. Fazem parte de suas configuraes mais prximas o amor, o
romantismo, a meta da eterna felicidade do indivduo etc, em seguida a mo
ralidade e a boa conscincia, depois outras formas que se destacam em parte
como princpios da sociedade civil e como momentos da constituio polt ica,
que, em parte, se apresentam de um modo geral na histria, particularmente na
histria da arte, da cincia e da filosofia" (H., vol. VII, p. 233).
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rante o todo da cultura. Como dir mais tarde Emil Lask, a
filosofia delimita, a partir de pontos de vista exclusivamente formais, as esferas culturais de valor enquanto cincia e
tcnica, direito e moral, arte e crtica de arte, legitimando-as
no interior desses limites 4 6 .
At o final do sculo XVIII, a cincia, a moral e a arte di
ferenciaram-se institucionalmente tambm como reas de ati
vid ade em que ques t es de verda de, d e jus ti a e de gosto so
examinadas de modo autnomo, isto , sob seus aspectos es
pecficos de validade. Por um lado, essa esfera do saber seisolara totalmente da esfera da f e, por outro, das relaes
sociais jur idi cam ent e organizadas assim como do convvio
cotidiano. Nesses mbitos reconhecemos precisamente as
esferas que Hegel compreender mais tarde como expres
ses do princpio da subjetividade. Na medida em que a
reflexo transcendental, na qual o princpio da subjetivida
de se apresenta, por assim dizer, em sua nudez, reivindica
ao me sm o tem po comp et nci a jur di ca perante essas esferas,Hegel v na filosofia kantiana a essncia do mundo moder
no concentrada como em um foco.
IV
Kant expressa o mundo moderno em um edifcio de
pensamentos. De fato, isto significa apenas que na filosofiakantiana os traos essenciais da poca se refletem como em
um espelho, sem que Kant tivesse conceitifado a moderni
dade enquanto tal. S mediante uma viso retrospectiva He
gel pode entender a filosofia de Kant como auto-interpreta
o decisiva da modernidade. Hegel visa conhecer tambm o
46. E. Kant, Critica da razo pura, B 779.
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que restou de impensado nessa expresso mais refletida da
poca: Kant no considera como ciscs as diferenciaes
no interior da razo, nem as divises formais no interior da
cultura, nem em geral a dissociao dessas esferas. Por esse
motivo, Kant ignora a necessidade que se manifesta com as
separaes impostas pelo princpio da subjetividade. Essa ne
cessidade se impe filosofia assim que a modernidade se
concebe como uma poca histrica, assim que toma cons
cincia da ruptura com os passados exemplares e da neces
sidade de haurir de si mesma tudo que normativo, enquan
to problemas histricos. Coloca-se ento a questo de saber
se o princpio da subjetividade e a estrutura de conscincia
de si que lhe imanente so suficientes como fonte de orien
taes normativas, se bastam para "fundar" no apenas a cin
cia, a moral e a arte, de um modo geral, mas ainda estabilizar
uma formao histrica que se desligou de todos os com
promissos histricos. Agora a questo saber se da subjeti
vidade e da conscincia de si podem obter-se critrios prprios ao mundo moderno e que, ao mesmo tempo, sirvam
para se orientar nele; mas isso significa tambm que possam
ser aptos para a crtica de uma modernidade em conflito con
sigo mesma. Como possvel construir, partindo do esprito
da modernidade, uma forma ideal interna que no se limite a
imitar as mltiplas manifestaes histricas da modernidade
nem lhes seja exterior?
Posta a questo desse modo, a subjetividade se revela umprincipio unilateral. Com efeito, este possui orna fora in
dita para gerar uma formao da liberdade subjetiva e da
reflexo e minar a religio, que at ento se apresentava como ,
o poder unificador por excelncia. Mas esse mesmo princ
pio no tem fora suficiente para regenerar no mdium da
razo o poder unificador da religio. A orgulhosa cultura
reflexiva do Iluminismo rompeu com a religio e "a ps ao
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lado de si ou se ps ao ladodela" 4 7 . O rebaixamento da reli-
gio conduz a uma dissociao entre f e saber que o Ilu-minismo no capaz de superar por meio de suas prprias
foras. Por isso aparece na Fenomenolgia do espirito sob
0 ttulo de mundo do esprito alienado de si 4 8 : "Quanto mais
progride a formao, mais diverso o desenvolvimento das
manifestaes vitais em que a ciso pode se entrelaar, maior
o poder da ciso mais insignificantes e estranhos ao
to do da for ma o so" os esfor os da vid a (outr ora a cargo
da religio) para se reproduzir em harmonia."4 0
Essa frase provm de um escrito polmico contra
Reinhold, o chamado Differenzschrift, de 180 1, em que He ge l
concebe a harmonia dilacerada da vida como sendo o desa
f io prtico e a necessidade da f i losofia 5 0 . A circunstncia
de que a conscincia do tempo se destacou da totalidade e o
esprit o se alieno u de seu si const itui par a ele ju st am en te
um pressuposto do f i losofar contemporneo. Outro pressu
posto necessrio sobre o qual a filosofia pode empreendersua tarefa , para Hegel, o conceito de absoluto, tomado de
emprstimo inicialmente de Schell ing. Com ele, a f i losofia
pode assegurar de antemo a meta de apresentar a razo co
mo o poder unificador. A razo deve certamente superar o
estado de ciso em que o princpio da subjetividade arre
messara no s a prpria razo ims* tambm "o sistema in
teiro das relaes vitais". Com sua crtica, dirigida diretamen-
47. H vol. II, p. 23.
48. H., vol. III, pp. 362 ss.
49. H vol. II, p. 22.
50. "Quando o poder de unificao desaparece da vida do homem, e as
antteses perdem sua relao vital e reciprocidade e ganham independncia,
origina-se a necessidade da filosofia. At aqui esta necessidade foi uma con
tingncia; porm, sob a ciso dada, a tentativa necessria de superar a oposi
o entre subjetividade e objetividade fixas e de conceber como um devir o
ser-que-deveio do mundo intelectual e real" (H., vol. II , p. 22).
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32i JRGEN HABERMAS
te aos sistemas filosficos de Kant e Fichte, Hegel quer, ao
mesmo tempo, encontrar a au tocompreenso da modern ida
de que neles se exprime. Ao criticar as oposies filosficas
entre natureza e esprito, sensibilidade e entendimento, enten-
d mejito e razo, razo prtica e razo terica, juzo e imagi
nao, eu e no-eu, finito e infinito, saber e f, Hegel pre
tende responder crise que est na ciso; da prpria vida. De
outro modo, a crtica filosfica no se poderia propor a sa
tisfao da necessidade que a suscitou objetivamente. A crti
ca ao idealismo subjetivo , ao mesmo,tempo, a crtica deuma modernidade que s por esse caminho pode se certificar
do seu conceito e, com isso, estabilizar-se sobre si mesma.
Para isso, a crtica no pode nem deve se servir de outro ins
trumento seno daquela reflexo na qual reconhece a mais
pura expresso do princpio dos novos tempos*1. S a moder
nidade deve se fundar por seus prprios meios, ento Hegel
tem de desenvolver o conceito crtico de modernidade, par
tindo de uma dialtica imanente ao prprio princpio do esc larecimento .
Veremos comoJHegel executa esse programa e, com isso,
enreda-se em um dilema. Uma vez efetuada a dialtica do
esclarecimento, o impulso para a crtica do tempo presente
se esgotar, impulso que, entretanto, a colocou em movi
mento. De incio, preciso mostrar o que se oculta naquela
"antecmara da f i losofia", em que Hegel acomoda "o pres
suposto do absoluto". Os motivos da filosofia da unificao
re mo nt am s experin cias de cr ise do jo ve m Hegel . Elas
esto atrs da convico de que a razo pode ser convocada,
enquanto puder reconciliador, contra as positividades da po-r ca dilacerada. No entanto, a verso mito-potica de uma re
concil iao da modernidade, que Hegel par ti lha inicialmen-
51. H., vol. II. pp. 25 ss.
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te com Hlderlin e Schelling, permanece ainda presa aos
passados exemplares do cristianismo primitivo e da Antigi
dade. Somente durante o perodo de Jena, Hegel consegue,
com o seu prprio conceito de saber absoluto, uma posio
que lhe permite ultrapassar os produtos do esclarecimento -
arte romntica, religio racional e sociedade burguesa -, sem seorientar por modelos estranhos. Com esse conceito de abso
luto, He gel ret roc ede , todavia, em rel a o s intui es de j u
ventude: pensa em superar a subjetividade dentro dos limi
tes da filosofia do sujeito. Disso resulta o dilema de ter de ne
gar afinal autocompreenso moderna a possibilidade de uma
crtica da modernidade. A crtica subjetividade dilatada em
potncia absoluta transforma-se ironicamente em repreen
so do filsofo estreiteza de esprito dos sujeitos, que aindano compreenderam sua filosofia nem o curso da histria.
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