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A Santa S
CARTA ENCCLICA
REDEMPTO RIS MISSIO
DO SUMO PONTFICE
JOO PAULO II
SOBREA VALIDADE PERMANENTE
DO MANDATO MISSIONRIO
Venerveis Irmos e carssimos Filhos
saudaes e Bno Apostlica!
INTRODUO
1. A MISSO DE CRISTO REDENTOR, confiada Igreja, est ainda bem longe do seu pleno
cumprimento. No termo do segundo milnio, aps a Sua vinda, uma viso de conjunto da
humanidade mostra que tal misso est ainda no comeo, e que devemos empenhar-nos com
todas as foras no seu servio. o Esprito que impele a anunciar as grandes obras de Deus!
Porque se anuncio o Evangelho, no tenho de que me gloriar, pois que me foi imposta esta
obrigao: ai de mim se no evangelizar! (1 Cor9, 16).
Em nome de toda a Igreja, sinto o dever imperioso de repetir este grito de S. Paulo. Desde o
incio do meu pontificado, decidi caminhar at aos confins da terra para manifestar esta solicitude
missionria, e este contacto directo com os povos, que ignoram Cristo, convenceu-me ainda mais
da urgncia de tal actividade a que dedico a presente Encclica.
O Conclio Vaticano II pretendeu renovar a vida e a actividade da Igreja, de acordo com as
necessidades do mundo contemporneo: assim sublinhou o seu carcter missionrio,
fundamentando-o dinamicamente na prpria misso trinitria. O impulso missionrio pertence,
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pois, natureza ntima da vida crist, e inspira tambm o ecumenismo: que todos sejam um (...)
para que o mundo creia que Tu Me enviaste (Jo17,21).
2. J so muitos os frutos missionrios do Conclio: multiplicaram-se as Igrejas locais, dotadas do
seu bispo, clero e agentes apostlicos prprios; verifica-se uma insero mais profunda das
Comunidades crists na vida dos povos; a comunho entre as Igrejas contribui para um vivointercambio de bens e dons espirituais; o empenhamento dos leigos no servio da evangelizao
est a mudar a vida eclesial; as Igrejas particulares abrem-se ao encontro, ao dilogo e
colaborao com os membros de outras Igrejas crists e outras religies. Sobretudo est-se a
afirmar uma nova conscincia, isto , a de que a misso compete a todos os cristos, a todas as
dioceses e parquias, instituies e associaes eclesiais.
No entanto, nesta nova primavera do cristianismo no podemos ocultar uma tendncia
negativa, que, alis, este Documento quer ajudar a superar: a misso especfica ad gentesparece estar numa fase de afrouxamento, contra todas as indicaes do Conclio e do Magistrio
posterior. Dificuldades internas e externas enfraqueceram o dinamismo missionrio da Igreja ao
servio dos no-cristos: isto um facto que deve preocupar todos os que crem em Cristo. Na
Histria da Igreja, com efeito, o impulso missionrio sempre foi um sinal de vitalidade, tal como a
sua diminuio constitui um sinal de crise de f.[1]
A distancia de vinte e cinco anos da concluso do Conclio e da publicao do Decreto sobre a
actividade missionria Ad gentes, a quinze anos da Exortao ApostlicaEvangelii nuntiandidePaulo VI, de veneranda memria, desejo convidar a Igreja a um renovado empenhamento
missionrio,dando, neste assunto, continuao ao Magistrio dos meus predecessores. [2] O
presente Documento tem uma finalidade interna: a renovao da f e da vida crist. De facto, a
misso renova a Igreja, revigora a sua f e identidade, d-lhe novo entusiasmo e novas
motivaes. dando a f que ela se fortalece! A nova evangelizao dos povos cristos tambm
encontrar inspirao e apoio, no empenho pela misso universal.
Mas o que me anima mais a proclamar a urgncia da evangelizao missionria que elaconstitui o primeiro servio que a Igreja pode prestar ao homem e humanidade inteira, no
mundo de hoje, que, apesar de conhecer realizaes maravilhosas, parece ter perdido o sentido
ltimo das coisas e da sua prpria existncia. Cristo Redentor como deixei escrito na
primeira Encclica revela plenamente o homem a si prprio. O homem que a si mesmo se
quiser compreender profundamente (.. ) deve aproximar-se de Cristo (...) A Redeno, operada
na cruz, restituiu definitivamente ao homem a dignidade e o sentido da sua existncia no mundo
. [3]
No faltam certamente outros motivos e finalidades: corresponder a inmeros pedidos de um
documento deste gnero; dissipar dvidas e ambiguidades sobre a misso ad gentes,
confirmando no seu compromisso os benemritos homens e mulheres que se dedicam
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actividade missionria e todos quantos os ajudam; promover as vocaes missionrias; estimular
os telogos a aprofundar e expor sistematicamente os vrios aspectos da misso; relanar a
misso, em sentido especfico, comprometendo as Igrejas particulares, especialmente as de
recente formao, a mandarem e a receberem missionrios; garantir aos no cristos, e
particularmente s Autoridades dos Pases aos quais se dirige a actividade missionria, que esta
s tem uma finalidade, ou seja, servir o homem, revelando-lhe o amor de Deus manifestado emCristo Jesus.
3. Povos todos, abri as portas a Cristo!O Seu Evangelho no tira nada liberdade do homem, ao
devido respeito pelas culturas, a tudo quanto de bom possui cada religio. Acolhendo Cristo,
abris-vos Palavra definitiva de Deus, quele no qual Deus se deu a conhecer plenamente e nos
indicou o caminho para chegar a Ele.
O nmero daqueles que ignoram Cristo, e no fazem parte da Igreja est em contnuo aumento;mais ainda: quase duplicou, desde o final do Conclio. A favor desta imensa humanidade, amada
pelo Pai a ponto de lhe enviar o Seu Filho, evidente a urgncia da misso.
Por outro lado, a poca que vivemos oferece, neste campo, novas oportunidades Igreja: a
queda de ideologias e sistemas polticos opressivos; o aparecimento de um mundo mais unido,
graas ao incremento das comunicaes; a afirmao, cada vez mais frequente entre os povos,
daqueles valores evanglicos que Jesus encarnou na sua vida: paz, justia, fraternidade,
dedicao aos mais pequenos; um tipo de desenvolvimento econmico e tcnico sem alma, que,em contrapartida, est a criar necessidade da verdade sobre Deus , o homem e o significa do da
vida.
Deus abre, Igreja, os horizontes de uma humanidade mais preparada para a sementeira
evanglica. Sinto chegado o momento de empenhar todas as foras eclesiais na nova
evangelizao e na misso ad gentes. Nenhum crente, nenhuma instituio da Igreja se pode
esquivar deste dever supremo: anunciar Cristo a todos os povos.
CAPTULO I
JESUS CRISTO NICO SALVADOR
4. A tarefa fundamental da Igreja de todos os tempos e, particularmente, do nosso como
lembrei, na minha primeira Encclica programtica a de dirigir o olhar do homem e orientar a
conscincia e experincia da humanidade inteira, para o mistrio de Cristo . [4]
A misso universal da Igreja nasce da f em Jesus Cristo, como se declara no Credo: Creio em
um s Senhor, Jesus Cristo, Filho Unignito de Deus, nascido do Pai antes de todos os sculos
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(...) E por ns homens, e para nossa salvao, desceu dos cus. E encarnou pelo Esprito Santo
no seio da Virgem Maria, e Se fez homem . [5] No acontecimento da Redeno est a salvao
de todos, porque todos e cada um foram compreendidos no mistrio da Redeno, e a todos e
cada um se uniu Cristo para sempre, atravs deste mistrio : [6] somente na f, se fundamenta e
compreende a misso.
No entanto, devido s mudanas dos tempos modernos e difuso de novas ideias teolgicas,
alguns interrogam-se: ainda actual a misso entre os no cristos? No estar por acaso
substituda pelo dilogo interreligioso? No se dever restringir ao empenho pela promoo
humana? O respeito pela conscincia e pela liberdade no exclui qualquer proposta de
converso? No possvel salvar-se em qualquer religio? Para qu, pois, a misso?
Ningum vai ao Pai, seno por Mim (Jo 14, 6)
5. Remontando s origens da Igreja, aparece clara a afirmao de que Cristo o nico salvador
de todos, o nico capaz de revelar e de conduzir a Deus. As autoridades religiosas judaicas, que
interrogam os Apstolos sobre a cura do aleijado, realizada por Pedro, este responde: em
nome de Jesus Nazareno, que vs crucificastes e Deus ressuscitou dos mortos, por Ele que
este homem se apresenta curado diante de vs (... ) E no h salvao em nenhum outro, pois
no h debaixo do cu qualquer outro nome dado aos homens que nos possa salvar (Act4,
10.12). Esta afirmao, dirigida ao Sindrio, tem um valor universal, j que, para todos judeus
e gentios , a salvao s pode vir de Jesus Cristo.
A universalidade desta salvao em Cristo afirmada em todo o Novo Testamento. S. Paulo
reconhece, em Cristo ressuscitado, o Senhor: Porque, ainda que haja alguns que so
chamados deuses, quer no cu quer na terra, existindo assim muitos deuses e muitos senhores,
para ns h apenas um nico Deus, o Pai de Quem tudo procede e para Quem ns existimos; e
um nico Senhor, Jesus Cristo, por meio do Qual todas as coisas existem, e igualmente ns
existimos tambm (1 Cor8, 5-6). O nico Deus e o nico Senhor so afirmados em contraste
com a multido de deuses e de senhores que o povo admitia. Paulo reage contra opolitesmo do ambiente religioso do seu tempo, pondo em relevo a caracterstica da f crist:
crena num s Deus e num s Senhor, por Aquele enviado.
No Evangelho de S. Joo, esta universalidade salvfica de Cristo compreende os aspectos da Sua
misso de graa, de verdade e de revelao: o Verbo a Luz verdadeira que a todo o homem
ilumina (Jo1, 9). E ainda: ningum jamais viu Deus: o Filho nico, que est no seio do Pai,
que O deu a conhecer (Jo1, 18; cf. Mt11, 27). A revelao de Deus tornou-se definitiva e
completa, na obra do Seu Filho Unignito: Tendo Deus falado outrora aos nossos pais, muitasvezes e de muitas maneiras, pelos profetas, agora falou-nos, nestes ltimos tempos, pelo Filho, a
Quem constituiu herdeiro de tudo, e por Quem igualmente criou o mundo (Heb1, 1-2; cf.Jo14,
6). Nesta Palavra definitiva da Sua revelao, Deus deu-se a conhecer do modo mais pleno: Ele
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disse humanidade Quem . E esta auto-revelao definitiva de Deus o motivo fundamental
pelo qual a Igreja , por sua natureza, missionria. No pode deixar de proclamar o Evangelho,
ou seja, a plenitude da verdade que Deus nos deu a conhecer de Si mesmo.
Cristo o nico mediador entre Deus e os homens: h um s Deus e um s mediador entre
Deus e os homens, Jesus Cristo Homem, que se deu em resgate por todos. Tal o testemunhoque foi dado no tempo devido, e do qual eu fui constitudo pregador, apstolo e mestre dos
gentios na f e na verdade. Digo a verdade, no minto (1 Tim2, 5-7; cf. Heb 4, 14-16). Os
homens, portanto, s podero entrar em comunho com Deus atravs de Cristo, e sob a aco
do Esprito. Esta Sua mediao nica e universal, longe de ser obstculo no caminho para Deus,
a via estabelecida pelo prprio Deus, e disso, Cristo tem plena conscincia. Se no se excluem
mediaes participadas de diverso tipo e ordem, todavia elas recebem significado e valor
unicamente da de Cristo, e no podem ser entendidas como paralelas ou complementares desta.
6. contrrio f crist introduzir qualquer separao entre o Verbo divino e Jesus Cristo. S.
Joo afirma claramente que o Verbo, que no princpio estava com Deus , o mesmo que se
fez carne (Jo1, 2. 14). Jesus o Verbo encarnado, pessoa una e indivisa: no se pode separar
Jesus, de Cristo, nem falar de um Jesus da histria que seria diferente do Cristo da f . A
Igreja conhece e confessa Jesus como Cristo, o Filho de Deus vivo (Mt16, 16): Cristo no
diferente de Jesus de Nazar; e este o Verbo de Deus feito homem, para a salvao de todos.
Em Cristo, habita corporalmente toda a plenitude da divindade (Col2, 9) e da Sua plenitude
todos ns recebemos (Jo1, 16). O Filho Unignito, que est no seio do Pai (Jo1, 18), oFilho muito amado, no qual temos a redeno e a remisso dos pecados (...) Aprouve a Deus que
n'Ele residisse toda a plenitude, e por Ele fossem reconciliadas Consigo todas as coisas,
pacificando, pelo sangue da sua cruz, tanto as criaturas da terra como as do cu (Col1, 13-14.
19-20). Precisamente esta singularidade nica de Cristo que Lhe confere um significado
absoluto e universal, pelo qual, enquanto est na Histria, o centro e o fim desta mesma
Histria: [7] Eu sou o Alfa e o mega, o Primeiro e o Ultimo, o Princpio e o Fim (Ap22, 13).
Se lcito e til, portanto, considerar o mistrio de Cristo sob os seus vrios aspectos, nunca sedeve perder de vista a Sua unidade. medida que formos descobrindo e valorizando os diversos
tipos de dons, e sobretudo as riquezas espirituais, que Deus distribuiu a cada povo, no podemos
separ-los de Jesus Cristo, o Qual est no centro da economia salvadora. De facto, como pela
encarnao, o Filho de Deus se uniu de alguma forma a todo o homem , assim devemos
acreditar que o Esprito Santo oferece a todos, de um modo que s Deus conhece, a
possibilidade de serem associados ao mistrio pascal , [8] o plano divino recapitular em
Cristo todas as coisas que h no cu e na terra (Ef1, 10).
A f em Cristo uma proposta liberdade do homem
7. A urgncia da actividade missionria deriva da radical novidade de vida, trazida por Cristo e
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vivida pelos Seus discpulos. Esta nova vida dom de Deus, e, ao homem, -lhe pedido que a
acolha e desenvolva, se quiser realizar integralmente a sua vocao, conformando-se a Cristo.
Todo o Novo Testamento se apresenta como um hino vida nova, para aquele que cr em Cristo
e vive na Sua Igreja. A salvao em Cristo, testemunhada e anunciada pela Igreja, auto-
comunicao de Deus. O amor no s cria o bem, mas faz participar tambm na prpria vida de
Deus: Pai, Filho e Esprito Santo. Com efeito, aquele que ama quer dar-se a si mesmo . [9]
Deus oferece ao homem esta novidade de vida. Poder-se- rejeitar Cristo e tudo aquilo que Ele
introduziu na histria do homem? Certamente que sim; o homem livre: ele pode dizer no, a
Deus. O homem pode dizer no, a Cristo. Mas permanece a pergunta fundamental: lcito faz-
lo? lcito, em nome de qu? . [10]
8. No mundo moderno, h tendncia para reduzir o homem unicamente dimenso horizontal.
Mas o que acontece ao homem que no se abre ao Absoluto? A resposta est na experincia decada homem, mas est tambm inscrita, na histria da humanidade, com o sangue derramado
em nome de ideologias e regimes polticos que quiseram construir uma humanidade nova
sem Deus. [11]
De resto, a quantos se mostram preocupados em salvar a liberdade de conscincia, o Conclio
Vaticano II responde: a pessoa humana tem direito liberdade religiosa (...) Todos os homens
devem viver imunes de coaco, em matria religiosa, quer da parte de pessoas particulares,
quer de grupos sociais ou qualquer poder humano, de tal forma que ningum seja obrigado a agircontra a sua conscincia, nem impedido de actuar de acordo com ela, privada ou publicamente,
s ou associado . [12]
O anncio e o testemunho de Cristo, quando feitos no respeito das conscincias, no violam a
liberdade. A f exige a livre adeso do homem, mas tem de ser proposta, j que as multides
tm o direito de conhecer as riquezas do mistrio de Cristo, nas quais toda a humanidade
assim o acreditamos ns pode encontrar, numa plenitude inimaginvel, tudo aquilo que
procura, s apalpadelas, a respeito de Deus, do homem, do seu destino, da vida e da morte, daverdade (... ) por isso que a Igreja conserva bem vivo o seu esprito missionrio, desejando at
que ele se intensifique, neste momento histrico que nos foi dado viver . [13] No entanto,
necessrio acrescentar, citando ainda o Conclio, que todos os homens, pela sua prpria
dignidade, j que so pessoas, isto , seres dotados de razo e vontade livre, e
consequentemente de responsabilidade pessoal, so impelidos pela sua natureza, e moralmente
obrigados a procurar a verdade, e antes de tudo a que se refere religio. Tm tambm
obrigao de aderir verdade conhecida, e ordenar toda a sua vida segundo as exigncias da
verdade . [14]
A Igreja sinal e instrumento de salvao
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9. A primeira beneficiria da salvao a Igreja: Cristo adquiriu-a com o Seu sangue (cf. Act20,
28) e tornou-a Sua cooperadora na obra da salvao universal. Com efeito, Cristo vive nela, o
seu Esposo, realiza o seu crescimento, e cumpre a Sua misso atravs dela.
O Conclio deu grande realce ao papel da Igreja, em favor da salvao da humanidade. Enquanto
reconhece que Deus ama todos os homens e lhes d a possibilidade de se salvarem (cf. 1 Tim2,4), [15] a Igreja professa que Deus constituiu Cristo como nico mediador e que ela prpria foi
posta como instrumento universal de salvao. [16] Todos os homens, pois, so chamados a
esta catlica unidade do Povo de Deus (...) qual, de diversos modos, pertencem ou esto
ordenados quer os fiis catlicos, quer os outros crentes em Cristo, quer universalmente todos os
homens, chamados salvao pela graa de Deus . [17] necessrio manter unidas, estas
duas verdades: a real possibilidade de salvao em Cristo para todos os homens, e a
necessidade da Igreja para essa salvao. Ambas facilitam a compreenso do nico mistrio
salvfico, permitindo experimentar a misericrdia de Deus e a nossa responsabilidade. Asalvao, que sempre um dom do Esprito, exige a colaborao do homem, para se salvar tanto
a si prprio como aos outros. Assim o quis Deus, e por isso estabeleceu e comprometeu a Igreja
no plano da salvao. Este povo messinico diz o Conclio estabelecido por Cristo como
uma comunho de vida, amor e verdade, serve tambm, nas mos d'Ele, de instrumento da
redeno universal, sendo enviado a todo o mundo, como luz desse mundo e sal da terra . [18]
A salvao oferecida a todos os hom ens
10. A universalidade da salvao em Cristo no significa que ela se destina apenas queles que,
de maneira explcita, crem em Cristo e entraram na Igreja. Se destinada a todos, a salvao
deve ser posta concretamente disposio de todos. evidente, porm, que, hoje como no
passado, muitos homens no tm a possibilidade de conhecer ou aceitar a revelao do
Evangelho, e de entrar na Igreja. Vivem em condies socioculturais que o no permitem, e
frequentemente foram educados noutras tradies religiosas. Para eles, a salvao de Cristo
torna-se acessvel em virtude de uma graa que, embora dotada de uma misteriosa relao com
a Igreja, todavia no os introduz formalmente nela, mas ilumina convenientemente a sua situaointerior e ambiental. Esta graa provm de Cristo, fruto do Seu sacrifcio e comunicada pelo
Esprito Santo: ela permite a cada um alcanar a salvao, com a sua livre colaborao.
Por isso o Conclio, aps afirmar a dimenso central do Mistrio Pascal, diz: isto no vale
apenas para aqueles que crem em Cristo, mas para todos os homens de boa vontade, no
corao dos quais opera invisivelmente a graa. Na verdade, se Cristo morreu por todos e a
vocao ltima do homem realmente uma s, isto , a divina, ns devemos acreditar que o
Esprito Santo oferece a todos, de um modo que s Deus conhece, a possibilidade de seremassociados ao Mistrio Pascal . [19]
No podemos calar-nos (Act 4, 20)
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11. Que dizer ento das objeces, atrs referidas, relativamente misso ad gentes?
Respeitando todas as crenas e todas as sensibilidades, devemos afirmar antes de mais, com
simplicidade, a nossa f em Cristo, nico Salvador do homem f que recebemos como um dom
do Alto, sem mrito algum da nossa parte. Dizemos com S. Paulo: eu no me envergonho do
Evangelho, o qual poder de Deus para salvao de todo o crente (Rm1, 16). Os mrtires
cristos de todos os tempos tambm do nosso deram e continuam a dar a vida paratestemunhar aos homens esta f, convencidos de que cada homem necessita de Jesus Cristo, o
Qual, destruindo o pecado e a morte, reconciliou os homens com Deus.
Cristo proclamou-se Filho de Deus, intimamente unido ao Pai e, como tal, foi reconhecido pelos
discpulos, confirmando as suas palavras com milagres e sobretudo com a ressurreio. A Igreja
oferece aos homens o Evangelho, documento proftico, capaz de corresponder s exigncias e
aspiraes do corao humano: e ser sempre a Boa Nova . A Igreja no pode deixar de
proclamar que Jesus veio revelar a face de Deus, e merecer, pela cruz e ressurreio, a salvaopara todos os homens.
pergunta porqu a misso?, respondemos, com a f e a experincia da Igreja, que abrir-se ao
amor de Cristo a verdadeira libertao. N'Ele, e s n'Ele, somos libertos de toda a alienao e
extravio, da escravido ao poder do pecado e da morte. Cristo verdadeiramente a nossa paz
(Ef2,14), e o amor de Cristo nos impele (2 Cor5, 14), dando sentido e alegria nossa vida.
A misso um problema de f, a medida exacta da nossa f em Cristo e no Seu amor por ns.
A tentao hoje reduzir o cristianismo a uma sabedoria meramente humana, como se fosse a
cincia do bom viver. Num mundo fortemente secularizado, surgiu uma gradual secularizao
da salvao , onde se procura lutar, sem dvida, pelo homem, mas por um homem dividido a
meio, reduzido unicamente dimenso horizontal. Ora ns sabemos que Jesus veio trazer a
salvao integral, que abrange o homem todo e todos os homens, abrindo-lhes os horizontes
admirveis da filiao divina.
Porqu a misso? Porque a ns, como a S. Paulo, nos foi dada esta graa de anunciar aosgentios a insondvel riqueza de Cristo (Ef3, 8). A novidade de vida n'Ele Boa Nova para o
homem de todos os tempos: a ela todos so chamados e destinados. Todos, de facto, a buscam,
mesmo se s vezes confusamente, e tm o direito de conhecer o valor de tal dom e aproximar-se
dele. A Igreja, e nela cada cristo, no pode esconder nem guardar para si esta novidade e
riqueza, recebida da bondade divina para ser comunicada a todos os homens.
Eis por que a misso, para alm do mandato formal do Senhor, deriva ainda da profunda
exigncia da vida de Deus em ns. Aqueles que esto incorporados na Igreja Catlica devem-sesentir privilegiados, e, por isso mesmo, mais comprometidos a testemunhar a f e a vida crist
como servio aos irmos e resposta devida a Deus, lembrados de que a grandeza da sua
condio no se deve atribuir aos prprios mritos, mas a uma graa especial de Cristo; se no
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correspondem a essa graa por pensamentos, palavras e obras, em vez de se salvarem,
incorrem num julgamento ainda mais severo . [20]
CAPTULO II
O REINO DE DEUS
12. Deus, rico em misericrdia, Aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai. Foi o Seu
prprio Filho Quem, em Si mesmo, no-l'O manifestou e deu a conhecer , [21] Isto escrevi-o eu,
no incio da Encclica Dives in misericordia, mostrando como Cristo a revelao e a encarnao
da misericrdia do Pai. A salvao consiste em crer e acolher o mistrio do Pai e do Seu amor,
que se manifesta e oferece em Jesus, por meio do Esprito. Assim se cumpre o Reino de Deus,
preparado j no Antigo Testamento, realizado por Cristo e em Cristo, anunciado a todos os povospela Igreja, que actua e reza para que ele se realize de modo perfeito e definitivo.
Na verdade, o Antigo Testamento atesta que Deus escolheu para Si e formou um povo, para
revelar e cumprir o Seu plano de amor. Mas, ao mesmo tempo, Deus criador e Pai de todos os
homens, atende s necessidades de cada um, estende a Sua bno a todos (cf. Gn 12, 3) e
com todos selou uma aliana (cf. Gn9, 1-17). Israel faz a experincia de um Deus pessoal e
salvador (cf. Dt 4, 37; 7, 6-8; Is43, 1-7), do Qual se torna testemunha e porta-voz, no meio das
naes. Ao longo da sua histria, Israel toma conscincia de que a sua eleio tem umsignificado universal (cf por ex.: Is 2, 2-5; 25, 6-8; 60, 1-6; Jer3, 17; 16, 19).
Cristo torna presente o Reino
13. Jesus de Nazar levou o plano de Deus ao seu pleno cumprimento. Depois de ter recebido o
Esprito Santo no baptismo, Ele manifesta a sua vocao messinica nestes moldes: percorre a
Galileia, pregando a Boa Nova de Deus: 'Completou-se o tempo, o Reino de Deus est perto!
Arrependei-vos, e acreditai na Boa Nova' (Mc1, 14-15; cf. Mt4, 17; Lc4, 43). A proclamao e
a instaurao do Reino de Deus so o objectivo da Sua misso: pois foi para isso que fui
enviado (Lc4, 43). Mais ainda: o prprio Jesus a Boa Nova , como afirma logo no incio da
misso, na sinagoga da Sua terra natal, aplicando a Si prprio as palavras de Isaas, sobre o
Ungido, enviado pelo Esprito do Senhor (cf. Lc4, 14-21). Sendo Ele a Boa Nova , ento em
Cristo h identidade entre mensagem e mensageiro, entre o dizer, o fazer e o ser. A fora e o
segredo da eficcia da Sua aco est na total identificao com a mensagem que anuncia:
proclama a Boa Nova no s por aquilo que diz ou faz, mas tambm pelo que .
O ministrio de Jesus descrito no contexto das viagens na Sua terra. O horizonte da misso
antes da Pscoa concentra-se em Israel; no entanto, Jesus oferece um novo elemento de
importncia capital. A realidade escatolgica no fica adiada para um remoto fim do mundo, mas
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http://-/?-http://-/?-http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_30111980_dives-in-misericordia.htmlhttp://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_30111980_dives-in-misericordia.htmlhttp://-/?-http://-/?- -
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est prxima e comea j a cumprir-se. O Reino de Deus aproxima-se (cf. Mc1, 15), roga-se que
venha (Mt6, 10), a f j o descobre operante nos sinais, isto , nos milagres (cf. Mt11, 4-5), nos
exorcismos (cf. Mt12, 25-28), na escolha dos Doze (cf. Mc 3, 13-19), no anncio de Boa Nova
aos pobres (cf. Lc4, 18). Nos encontros de Jesus com os pagos, fica claro que o acesso ao
Reino se faz pela f e converso (cf. Mc1, 15), e no por mera provenincia tnica.
O Reino, inaugurado por Jesus, o Reino de Deus: o prprio Jesus revela Quem este Deus,
para o Qual usa a expresso familiar Abba , Pai (Mc 14, 36). Deus, revelado especialmente
nas parbolas (cf. Lc15, 3-32; Mt20, 1-16), sensvel s necessidades e aos sofrimentos do
homem: um Pai cheio de amor e compaixo, que perdoa e d gratuitamente os benefcios que
Lhe pedem.
S. Joo diz-nos que Deus amor (1Jo4, 8.16). Todo o homem, por isso, convidado a
converter-se e a crer no amor misericordioso de Deus por ele: o Reino crescer na medidaem que cada homem aprender a dirigir-se a Deus, na intimidade da orao, como a um Pai (cf. Lc
11, 2; Mt23, 9), e se esforar por cumprir a Sua vontade (cf. Mt7, 21).
Caractersticas e exigncias do R eino
14. Jesus revela progressivamente as caractersticas e as exigncias do Reino, atravs das suas
palavras, das suas obras e da sua pessoa.
O Reino de Deus destina-se a todos os homens, pois todos foram chamados a pertencer-lhe.
Para sublinhar este aspecto, Jesus aproximou-se sobretudo daqueles que eram marginalizados
pela sociedade, dando-lhes preferncia, ao anunciar a Boa Nova. No incio do Seu ministrio,
proclama: fui enviado a anunciar a Boa Nova aos pobres (cf. Lc4, 18). As vtimas da rejeio e do
desprezo, declara: bem-aventurados vs, os pobres (Lc6, 20), fazendo-lhes, inclusive, sentir
e viver j uma experincia de libertao, estando com eles, partilhando a mesma mesa (cf. Lc5,
30; 15, 2), tratando-os como iguais e amigos (cf. Lc7, 34), procurando que se sentissem amados
por Deus, e revelando deste modo imensa ternura pelos necessitados e pecadores (cf. Lc15, 1-32).
A libertao e a salvao, oferecidas pelo Reino de Deus, atingem a pessoa humana tanto nas
suas dimenses fsicas como espirituais. Dois gestos caracterizam a misso de Jesus: curar e
perdoar. As mltiplas curas provam a Sua grande compaixo face s misrias humanas; mas
significam tambm que, no Reino de Deus, no haver doenas nem sofrimentos, e que a Sua
misso, desde o incio, visa libertar as pessoas daqueles. Na perspectiva de Jesus, as curas so
tambm sinal da salvao espiritual, isto , da libertao do pecado Realizando gestos de cura,Jesus convida f, converso, ao desejo do perdo (cf. Lc5, 24) Recebida a f, a cura impele
a ir mais longe: introduz na salvao (cf. Lc18, 42-43). Os gestos de libertao da possesso do
demnio, mal supremo e smbolo do pecado e da rebelio contra Deus, so sinais de que o
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Reino de Deus chegou at vs (Mt12, 28).
15. O reino pretende transformar as relaes entre os homens, e realiza-se progressivamente
medida que estes aprendem a amar, perdoar, a servir-se mutuamente. Jesus retoma toda a Lei,
centrando-a no mandamento do amor (cf. Mt22, 34-40; Lc10, 25-28). Antes de deixar os seus,
d-lhes um mandamento novo : amai-vos uns aos outros como Eu vos amei (Jo13, 34; cf.15, 12). O amor com que Jesus amou o mundo tem a sua expresso suprema, no dom da Sua
vida pelos homens (cf. Jo15, 13), que manifesta o amor que o Pai tem pelo mundo (cf. Jo3, 16).
Por isso a natureza do Reino a comunho de todos os seres humanos entre si e com Deus.
O Reino diz respeito a todos: s pessoas, sociedade, ao mundo inteiro. Trabalhar pelo Reino
significa reconhecer e favorecer o dinamismo divino, que est presente na histria humana e a
transforma. Construir o Reino quer dizer trabalhar para a libertao do mal, sob todas as suas
formas. Em resumo, o Reino de Deus a manifestao e a actuao do Seu desgnio desalvao, em toda a sua plenitude.
Em Cristo ressuscitado, o Reino cum pre-se e proclamado
16. Ao ressuscitar Jesus dos mortos, Deus venceu a morte, e n'Ele inaugurou definitivamente o
Seu Reino. Durante a vida terrena, Jesus o profeta do Reino e, depois da Sua paixo,
ressurreio e ascenso aos cus, participa do poder de Deus, e do Seu domnio sobre o mundo
(cf Mt28, 18; Act2, 36; Ef1, 18-21). A ressurreio confere mensagem de Cristo, e a toda aSua aco e misso, um alcance universal. Os discpulos constatam que o Reino j est presente
na pessoa de Jesus, e pouco a pouco vai-se instaurando no homem e no mundo, por uma
misteriosa ligao com a Sua pessoa. Assim depois da ressurreio, eles pregam o Reino,
anunciando a morte e a ressurreio de Jesus; Filipe, na Samaria, anunciava a Boa Nova do
Reino de Deus e do nome de Jesus Cristo (Act8, 12). Paulo, em Roma, anunciava o Reino de
Deus e ensinava o que diz respeito ao Senhor Jesus Cristo (Act28, 31). Tambm os primeiros
cristos anunciam o Reino de Cristo e de Deus (Ef5, 5; cf. Ap 11, 15; 12, 10), ou ento o
Reino eterno de Nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo (2 Ped1, 11). Sobre o anncio deJesus Cristo, com o Qual o Reino se identifica, se concentra a pregao da Igreja primitiva. Como
outrora, preciso unir hoje o anncio do Reino de Deus(o contedo do kerigma de Jesus) e a
proclamao da vinda de Jesus Cristo(o kerigma dos apstolos). Os dois anncios
completam-se e iluminam-se mutuamente.
O R eino em relao a C risto e Igreja
17. Hoje fala-se muito do Reino, mas nem sempre em consonncia com o sentir da Igreja. Defacto, existem concepes de salvao e misso que podem ser designadas antropocntricas
, no sentido redutivo da palavra, por se concentrarem nas necessidades terrenas do homem.
Nesta perspectiva, o Reino passa a ser uma realidade totalmente humanizada e secularizada,
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onde o que conta so os programas e as lutas para a libertao socio-econmica, poltica e
cultural, mas sempre num horizonte fechado ao transcendente. Sem negar que, a este nvel,
tambm existem valores a promover, todavia estas concepes permanecem nos limites de um
reino do homem, truncado nas suas mais autnticas e profundas dimenses, espelhando-se
facilmente numa das ideologias de progresso puramente terreno. O Reino de Deus, pelo
contrrio, no deste mundo (...) no daqui debaixo (Jo18, 36).
Existem tambm concepes que propositadamente colocam o acento no Reino,
autodenominando-se de reino-cntricas , pretendendo com isso fazer ressaltar a imagem de
uma Igreja que no pensa em si, mas dedica-se totalmente a testemunhar e servir o Reino. E
uma Igreja para os outros dizem como Cristo o homem para os outros. A tarefa da
Igreja orientada num duplo sentido: por um lado promover os denominados valores do Reino
, como a paz, a justia, a liberdade, a fraternidade, por outro, favorecer o dilogo entre os povos,
as culturas, as religies, para que, num mtuo enriquecimento, ajudem o mundo a renovar-se e acaminhar cada vez mais na direco do Reino.
Ao lado de aspectos positivos, essas concepes revelam frequentemente outros negativos.
Antes de mais, silenciam o que se refere a Cristo: o Reino, de que falam, baseia-se num
teocentrismo , porque como dizem Cristo no pode ser entendido por quem no possui a
f n'Ele, enquanto que povos, culturas e religies se podem encontrar na mesma e nica
realidade divina, qualquer que seja o seu nome. Pela mesma razo, realam o mistrio da
criao, que se reflecte na variedade de culturas e crenas, mas omitem o mistrio da redeno.Mais ainda, o Reino, tal como o entendem eles, acaba por marginalizar ou desvalorizar a Igreja,
como reaco a um suposto eclesiocentrismo do passado, por considerarem a Igreja apenas um
sinal, alis passvel de ambiguidade.
18. Ora este no o Reino de Deus, que conhecemos pela Revelao: ele no pode ser
separado de Cristo nem da Igreja.
Como j se disse, Cristo no s anunciou o Reino, mas, n'Ele, o prprio Reino se tornou presentee plenamente se realizou. E no apenas atravs das Suas palavras e obras: o Reino manifesta-
se principalmente na prpria pessoa de Cristo, Filho de Deus e Filho do Homem, que veio 'para
servir e dar a Sua vida em resgate por muitos' (Mc10, 45) . [22] O Reino de Deus no um
conceito, uma doutrina, um programa sujeito a livre elaborao, mas , acima de tudo, uma
Pessoa que tem o nome e o rosto de Jesus de Nazar, imagem do Deus invisvel. [23] Se
separarmos o Reino, de Jesus, ficaremos sem o Reino de Deus por Ele pregado, acabando por
se distorcer quer o sentido do Reino, que corre o risco de se transformar numa meta puramente
humana ou ideolgica, quer a identidade de Cristo, que deixa de aparecer como o Senhor, aQuem tudo se deve submeter (cf. 1Cor 15, 27).
De igual modo, no podemos separar o Reino, da Igreja. Com certeza que esta no fim em si
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prpria, uma vez que se ordena ao Reino de Deus, do qual princpio, sinal e instrumento.
Mesmo sendo distinta de Cristo e do Reino, a Igreja todavia est unida indissoluvelmente a
ambos. Cristo dotou a Igreja, Seu Corpo, da plenitude de bens e de meios da salvao; o Esprito
Santo reside nela, d-lhe a vida com os Seus dons e carismas, santifica, guia e renova-a
continuamente. [24] Nasce da uma relao nica e singular que, mesmo sem excluir a obra de
Cristo e do Esprito fora dos confins visveis da Igreja, confere a esta um papel especfico enecessrio. Disto provm a ligao especial da Igreja com o Reino de Deus e de Cristo, que ela t
em a misso de anunciar e estabelecer em todos os povos . [25]
19. Nesta viso de conjunto, que se compreende a realidade do Reino. verdade que ele exige
a promoo dos bens humanos e dos valores, que podem mesmo ser chamados evanglicos ,
porque intimamente ligados Boa Nova. Mas essa promoo, que a Igreja tambm toma a peito
realizar, no deve ser separada nem contraposta s outras suas tarefas fundamentais, como so
o anncio de Cristo e Seu Evangelho, a fundao e desenvolvimento de comunidades queactuem entre os homens a imagem viva do Reino. Isto no nos deve fazer recear que se possa
cair numa forma de eclesiocentrismo. Paulo VI, que afirmou existir uma profunda ligao entre
Cristo, a Igreja e a evangelizao , [26] disse tambm que a Igreja no fim em si prpria,
pelo contrrio, deseja intensamente ser toda de Cristo, em Cristo e para Cristo, e toda dos
homens, entre os homens e para os homens . [27]
A Igreja ao servio do Reino
20. A Igreja est efectiva e concretamente ao servio do Reino. Em primeiro lugar, serve-o com o
anncio que chame converso: este o primeiro e fundamental servio vinda do Reino para
cada pessoa e para a sociedade humana. A salvao escatolgica comea j agora, na novidade
de vida em Cristo: a todos os que O receberam, aos que crem n'Ele, deu o poder de se
tornarem filhos de Deus (Jo1, 12).
A Igreja serve ainda o Reino, fundando comunidades, constituindo Igrejas particulares, levando-
as ao amadurecimento da f e da caridade, na abertura aos outros, no servio pessoa e sociedade, na compreenso e estima das instituies humanas.
A Igreja, alm disso, serve o Reino, difundindo pelo mundo os valores evanglicos, que so a
expresso do Reino, e ajudam os homens a acolher o desgnio de Deus. verdade que a
realidade incipiente do Reino se pode encontrar tambm fora dos confins da Igreja, em toda a
humanidade na medida em que ela viva os valores evanglicos e se abra aco do Esprito
que sopra onde e como quer (cf. Jo3, 8); mas preciso acrescentar, logo a seguir, que esta
dimenso temporal do Reino est incompleta, enquanto no se ordenar ao Reino de Cristo,presente na Igreja, em constante tenso para a plenitude escatolgica. [28]
As mltiplas perspectivas do Reino de Deus [29] no enfraquecem os fundamentos e as
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finalidades missionrias; pelo contrrio, fortificam e expandem-nas. A Igreja sacramento de
salvao para toda a humanidade; a sua aco no se limita queles que aceitam a sua
mensagem. Ela fora actuante no caminho da humanidade rumo ao Reino escatolgico, sinal
e promotora dos valores evanglicos entre os homens. [30] Neste itinerrio de converso ao
projecto de Deus, a Igreja contribui com o seu testemunho e actividade, expressa no dilogo, na
promoo humana, no compromisso pela paz e pela justia, na educao, no cuidado dosdoentes, na assistncia aos pobres e mais pequenos, mantendo sempre firme a prioridade das
realidades transcendentes e espirituais, premissas da salvao escatolgica.
A Igreja serve o Reino tambm com a sua intercesso, uma vez que aquele, por sua natureza,
dom e obra de Deus, como lembram as parbolas evanglicas e a prpria orao que Jesus nos
ensinou. Devemos suplic-lo, para que seja acolhido e cresa em ns; mas devemos
simultaneamente cooperar a fim de que seja aceite e se consolide entre os homens, at Cristo
entregar o Reino a Deus Pai , altura essa em que Deus ser tudo em todos (1 Cor 15,24.28).
CAPTULO III
O ESPRITO SANTO PROTAGONISTA DA MISSO
21. No pice da misso messinica de Jesus, o Esprito Santo aparece-nos, no mistrio pascal,em toda a Sua subjectividade divina, como Aquele que deve continuar agora a obra salvfica,
radicada no sacrifcio da cruz. Esta obra, sem dvida, foi confiada aos homens: aos Apstolos e
Igreja. No entanto, nestes homens e por meio deles, o Esprito Santo permanece o sujeito
protagonista transcendente da realizao dessa obra, no esprito do homem e na histria do
mundo . [31]
Verdadeiramente o Esprito Santo o protagonista de toda a misso eclesial: a Sua obra brilha
esplendorosamente na misso ad gentes, como se v na Igreja primitiva pela converso deCornlio (cf. Act 10), pelas decises acerca dos problemas surgidos (cf. Act15), e pela escolha
dos territrios e povos (cf. Act16, 6 s). O Esprito Santo age atravs dos Apstolos, mas, ao
mesmo tempo, opera nos ouvintes: pela Sua aco a Boa Nova ganha corpo nas conscincias
e nos coraes humanos, expandindo-se na histria. Em tudo isto, o Esprito Santo que d a
vida . [32]
O envio at aos confins da terra (Act 1, 8)
22. Todos os evangelistas, ao narrarem o encontro de Cristo Ressuscitado com os Apstolos,
concluem com o mandato missionrio: foi-Me dado todo o poder no cu e na terra Ide, pois,
ensinai todas as naes (...) Eu estarei convosco todos os dias, at ao fim do mundo (Mt28, 18-
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20; cf. Mc 16, 15-18;Lc24, 46-49; Jo20, 21-23).
Esta misso envio no Esprito, como se v claramente no texto de S. Joo: Cristo envia os
Seus, ao mundo, como o Pai O enviou a Ele; e, para isso, concede-lhes o Esprito. Lucas pe em
estreita relao o testemunho que os Apstolos devero prestar de Cristo com a aco do
Esprito, que os capacitar para cumprir o mandato recebido.
23. As vrias formas do mandato missionrio contm pontos em comum, mas tambm
acentuaes prprias de cada evangelista; dois elementos , de facto , encontram- se em to das
as verses. Antes de mais, a dimenso universal da tarefa confiada aos Apstolos: todas as
naes (Mt28, 19); pelo mundo inteiro, a toda a criatura (Mc16, 15); todos os povos (Lc
24, 47); at aos confins do mundo (Act1, 8). Em segundo lugar, a garantia, dada pelo Senhor,
de que, nesta tarefa, no ficaro sozinhos, mas recebero a fora e os meios para desenvolver a
sua misso; estes so a presena e a potncia do Esprito e a assistncia de Jesus: eles,partindo, foram pregar por toda a parte, e o Senhor cooperava com eles (Mc16, 20).
Quanto s diferenas de acentuao no mandato, Marcos apresenta a misso como proclamao
ou kerigma: anunciai o Evangelho (Mc 16, 15). O seu evangelho tem como objectivo levar o
leitor a repetir a confisso de Pedro: Tu s o Cristo (Mc 8, 29) e a dizer como o centurio
romano diante de Jesus morto na cruz: verdadeiramente este Homem era o Filho de Deus
(Mc15, 39). Em Mateus, o acento missionrio situa-se na fundao da Igreja e no seu
ensinamento (cf. Mt28, 19-20; 16, 18); nele, o mandato evidencia a proclamao do Evangelho,mas enquanto deve ser completada por uma especfica catequese de ordem eclesial e
sacramental. Em Lucas, a misso apresentada como um testemunho (cf. Lc24, 48; Act1, 8),
principalmente da ressurreio (Act1, 22); o missionrio convidado a crer na potncia
transformadora do Evangelho e a anunciar a converso ao amor e misericrdia de Deus que
Lucas ilustra muito bem , a experincia de uma libertao integral at raiz de todo o mal, o
pecado.
Joo o nico que fala explicitamente de mandato palavra equivalente a misso eune directamente a misso confiada por Jesus aos seus discpulos, com aquela que Ele mesmo
recebeu do Pai: assim como o Pai me enviou, tambm Eu vos envio a vs (Jo20, 21). Jesus,
dirigindo-se ao Pai, diz: assim como Tu Me enviaste ao mundo, tambm Eu os envio ao mundo
(Jo17, 18). Todo o sentido missionrio do Evangelho de S. Joo se pode encontrar na
Orao Sacerdotal : a vida eterna que Te conheam a Ti, nico Deus Verdadeiro, e a Jesus
Cristo, a Quem enviaste (Jo17, 3). O fim ltimo da misso fazer participar na comunho que
existe entre o Pai e o Filho: os discpulos devem viver a unidade entre si, permanecendo no Pai e
no Filho, para que o mundo conhea e creia (cf. Jo17, 21.23). Trata-se de um texto de grandealcance missionrio, fazendo-nos entender que somos missionrios sobretudo por aquilo que se
, como Igreja que vive profundamente a unidade no amor, e no tanto por aquilo que se diz ou
faz.
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Portanto os quatro Evangelhos, na unidade fundamental de mesma misso, manifestam todavia
um pluralismo, que reflecte as diversas experincias e situaes das primeiras comunidades
crists. Tambm esse pluralismo fruto do impulso dinmico do Esprito, convidando a prestar
ateno aos vrios carismas missionrios e s mltiplas condies ambientais e humanas. No
entanto, todos os evangelistas sublinham que a misso dos discpulos colaborao com a de
Cristo: Eu estarei convosco todos os dias, at ao fim do mundo (Mt28, 20). Assim a missono se baseia na capacidade humana, mas na fora de Cristo ressuscitado.
O E sprito guia a m isso
24. A misso da Igreja, tal como a de Jesus, obra de Deus, ou, usando uma expresso
frequente em S. Lucas, obra do Esprito Santo. Depois da ressurreio e ascenso de Jesus, os
Apstolos viveram uma intensa experincia que os transformou: o Pentecostes. A vinda do
Esprito Santo fez deles testemunhase profetas (cf. Act1, 8; 2, 17-18), infundindo uma serenaaudcia, que os leva a transmitir aos outros a sua experincia de Jesus e a esperana que os
anima. O Esprito deu-lhes a capacidade de testemunhar Jesus sem medo . [33]
Quando os evangelizadores saem de Jerusalm, o Esprito assume ainda mais a funo de
guia na escolha tanto das pessoas como dos itinerrios da misso. A Sua aco manifesta-se
especialmente no impulso dado misso que, de facto, se estende, segundo as palavras de
Cristo, desde Jerusalm, por toda a Judeia e Samaria, e vai at aos confins do mundo.
Os Actos dos Apstolos referem seis discursos missionrios , em miniatura, que foram
dirigidos aos judeus, nos primrdios da Igreja (cf. Act2, 22-39; 3, 12-26; 4, 9-12; 5, 29-32; 10, 34-
43; 13, 16-41). Estes discursos-modelo, pronunciados por Pedro e por Paulo, anunciam Jesus,
convidam a converter-se , isto , a acolher Jesus na f e a deixar-se transformar n'Ele, pelo
Esprito.
Paulo e Barnab so impelidos pelo Esprito para a misso entre os pagos (cf Act13, 46-48),
mesmo no meio de tenses e problemas. Como devem viver os pagos convertidos, a sua f emJesus? Ficam eles vinculados tradio do judasmo e lei da circunciso? No primeiro Conclio,
que rene em Jerusalm, volta dos Apstolos, os membros das diversas Igrejas, tomada uma
deciso considerada como emanada do Esprito Santo: no necessrio que o pago se
submeta lei judaica para ser cristo (cf Act15, 5-11.28) A partir desse momento, a Igreja abre
as suas portas e torna-se a casa onde todos podem entrar e sentir-se vontade, conservando as
prprias tradies e cultura, desde que no estejam em contraste com o Evangelho.
25. Os missionrios, seguindo esta linha de aco, tiveram presente os anseios e as esperanas,as aflies e os sofrimentos, a cultura do povo, para lhe anunciar a salvao em Cristo. Os
discursos de Listra e de Atenas (cf. Act14, 15-17; 17, 22-31) so considerados modelo para a
evangelizao dos pagos: neles, Paulo dialoga com os valores culturais e religiosos dos
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diferentes povos. Aos habitantes da Licania, que praticavam uma religio csmica, Paulo lembra
experincias religiosas que se referiam ao cosmos; com os Gregos, discute sobre filosofia e cita
os seus poetas (cf. Act17, 18.26-28). O Deus que vem revelar, j est presente nas suas vidas:
de facto, foi Ele Quem os criou, e Ele que misteriosamente conduz os povos e a histria; no
entanto, para reconhecerem o verdadeiro Deus, necessrio que abandonem os falsos deuses
que eles prprios fabricaram, e se abram quele que Deus enviou para iluminar a sua ignornciae satisfazer os anseios dos seus coraes (cf. Act17, 27-30). So discursos que oferecem
exemplos de inculturao do Evangelho.
Sob o impulso do Esprito, a f crist abre-se decididamente s naes pags, e o testemunho de
Cristo expande-se em direco aos centros mais importantes do Mediterrneo oriental, para
chegar depois a Roma e ao extremo ocidente. o Esprito que impele a ir sempre mais alm, no
s em sentido geogrfico, mas tambm ultrapassando barreiras tnicas e religiosas, at se
chegar a uma misso verdadeiramente universal.
O Esprito torna missionria toda a Igreja
26. O Esprito impele o grupo dos crentes a constiturem comunidades , a serem Igreja. Depois
do primeiro anncio de Pedro no dia de Pentecostes e as converses que se seguiram, forma-se
a primeira comunidade (cf. Act2, 42-47; 4, 32-35).
Com efeito, uma das finalidades centrais da misso reunir o povo de Deus na escuta doEvangelho, na comunho fraterna, na orao e na Eucaristia. Viver a comunho fraterna
(koinona) significa ter um s corao e uma s alma (Act4, 32), instaurando uma comunho
sob os aspectos humano, espiritual e material. A verdadeira comunidade crist sente necessidade
de distribuir os prprios bens, para que no haja necessitados, e todos possam ter acesso a
esses bens, conforme as necessidades de cada um (Act2, 45; 4, 35). As primeiras
comunidades, onde reinava a alegria e a simplicidade de corao (Act2, 46), eram
dinamicamente abertas e missionrias: gozavam da estima de todo o povo (Act 2, 47). Antes
ainda da aco, a misso testemunho e irradiao. [34]
27. Os Actos dos Apstolosmostram que a misso primeiro se dirigia a Israel, e depois aos
pagos. Para a actuao dessa misso, aparece antes de tudo o grupo dos Doze que, como um
corpo guiado por Pedro, proclama a Boa Nova. Depois temos a comunidade dos crentes que,
com o seu modo de viver e agir, d testemunho do Senhor e converte os pagos (cf. Act2, 46-
47). Existem tambm enviados especiais, destinados a anunciar o Evangelho. Assim a
comunidade crist de Antioquia envia os seus membros em misso: depois de ter jejuado, rezado
e celebrado a Eucaristia, ela faz notar que o Esprito escolheu Paulo e Barnab para seremenviados (cf Act13, 1-4). Logo, nas suas origens, a misso foi vista como um compromisso
comunitrio e uma responsabilidade da Igreja local, que necessita de missionrios para se
expandir em direco a novas fronteiras. Ao lado destes enviados, havia outros que
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testemunhavam espontaneamente a novidade que tinha transformado as suas vidas e uniam
Igreja apostlica, as comunidades em formao.
A leitura dos Actos mostra-nos que, no incio da Igreja, a misso ad gentes, embora contando
com missionrios integralmente dedicados a ela por vocao especial, todavia era considera da
como o fruto normal da vida crist, graas ao compromisso de cada crente actuado atravs dotestemunho pessoal e do anncio explcito, sempre que possvel.
O Esprito est presente e operante em todo o tempo e lugar
28. O Esprito manifesta-se particularmente na Igreja e nos seus membros, mas a Sua presena e
aco so universais, sem limites de espao nem de tempo. [35] O Conclio Vaticano II lembra a
obra do Esprito no corao de cada homem, cuidando e fazendo germinar as sementes do
Verbo , presentes nas iniciativas religiosas e nos esforos humanos procura da verdade, dobem, e de Deus. [36]
O Esprito oferece ao homem luz e foras que lhe permitem corresponder sua altssima
vocao ; graas a Ele, o homem chega, por meio da f, a contemplar e saborear o mistrio
dos planos divinos ; mais ainda, devemos acreditar que o Esprito Santo oferece a todos, de
um modo que s Deus conhece, a possibilidade de serem associados ao mistrio pascal . [37]
Seja como for, a Igreja sabe que o homem, solicitado incessantemente pelo Esprito de Deus,
nunca poder ser totalmente indiferente ao problema da religio, mantendo sempre o desejo desaber, mesmo se confusamente, qual o significado da sua vida, da sua actividade, e da sua
morte. [38] O Esprito est, portanto, na prpria origem da questo existencial e religiosa do
homem, que surge no s de situaes contingentes, mas sobretudo da estrutura prpria do seu
ser. [39]
A presena e aco do Esprito no atingem apenas os indivduos, mas tambm a sociedade e a
histria, os povos, as culturas e as religies. Com efeito, Ele est na base dos ideais nobres e das
iniciativas benfeitoras da humanidade peregrina: com admirvel providncia, o Esprito dirige ocurso dos tempos e renova a face da terra . [40]
Cristo ressuscitado, pela virtude do Seu Esprito, actua j nos coraes dos homens, no s
despertando o desejo da vida futura, mas tambm alentando, purificando e robustecendo a
famlia humana para tornar mais humana a sua prpria vida e submeter a terra inteira a este fim
, [41] ainda o Esprito que infunde as sementes do Verbo , presentes nos ritos e nas
culturas, e as faz maturar em Cristo. [42]
29. Assim o Esprito que sopra onde quer (Jo3, 8) e que j estava a operar no mundo,
antes da glorificao do Filho , [43] que enche o universo, abrangendo tudo e de tudo tem
conhecimento (Sab1, 7), induz-nos a estender o olhar, para podermos melhor considerar a Sua
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aco, presente em todo o tempo e lugar. [44] uma referncia que eu prprio sigo muitas vezes
e que me guiou nos encontros com os mais diversos povos. As relaes da Igreja com as
restantes religies baseiam-se num duplo aspecto: respeito pelo homem na sua busca de
resposta s questes mais profundas da vida, e respeito pela aco do Esprito nesse mesmo
homem . [45] O encontro interreligioso de Assis, excluda toda e qualquer interpretao
equvoca, reforou a minha convico de que toda a orao autntica suscitada pelo EspritoSanto, que est misteriosamente presente no corao dos homem . [46]
Este Esprito o mesmo que agiu na encarnao, vida, morte e ressurreio de Jesus, e actua na
Igreja. No de modo nenhum uma alternativa a Cristo, nem vem preencher uma espcie de
vazio, como algumas vezes se sugere existir, entre Cristo e o Logos. Tudo quanto o Esprito
opera no corao dos homens e na histria dos povos, nas culturas e religies, assume um papel
de preparao evanglica, [47] e no pode deixar de se referir a Cristo, Verbo feito carne pela
aco do Esprito, a fim de, como Homem perfeito, salvar todos os homens e recapitular em Sitodas as coisas . [48]
A aco universal do Esprito, portanto, no poder ser separada da obra peculiar que Ele
desenvolve no Corpo de Cristo, que a Igreja.
Sempre o Esprito que actua, quer quando d vida Igreja impelindo-a a anunciar Cristo, quer
quando semeia e desenvolve os seus dons em todos os homens e povos, conduzindo a Igreja
descoberta, promoo e acolhimento desses dons, atravs do dilogo. Qualquer presena doEsprito deve ser acolhida com estima e gratido, mas o discerni-la compete Igreja, qual
Cristo deu o Seu Esprito para a guiar at verdade total (cf. Jo16, 13).
A actividade missionria est ainda no incio
30. O nosso tempo, com uma humanidade em movimento e insatisfeita, exige um renovado
impulso na actividade missionria da Igreja. Os horizontes e as possibilidades da misso
alargam-se, e -nos pedida, a ns cristos, a coragem apostlica, apoiada sobre a confiana noEsprito. Ele o protagonista da misso!
Na histria da humanidade, h numerosas viragens que estimulam o dinamismo missionrio, e a
Igreja, guiada pelo Esprito, sempre respondeu com generosidade e clarividncia. Tambm no
faltaram os frutos! Pouco tempo atrs, celebrou-se o milnio da evangelizao da Rssia e dos
povos eslavos, estando para se celebrar o quingentsimo aniversrio da evangelizao das
Amricas; foram entretanto comemorados, de forma solene, os centenrios das primeiras
misses em vrios Pases da sia, da frica e da Ocenia. A Igreja deve hoje enfrentar outrosdesafios, lanando-se para novas fronteiras, quer na primeira misso ad gentes, quer na nova
evangelizao dos povos que j receberam o anncio de Cristo: A todos os cristos, s Igrejas
particulares e Igreja universal, pede-se a mesma coragem que moveu os missionrios do
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passado, a mesma disponibilidade para escutar a voz do Esprito.
CAPTULO IV
OS IMENSOS HORIZONTES DA MISSO AD GENTES
31. O Senhor Jesus enviou os Seus Apstolos, a todas as pessoas, a todos os povos e a todos
os lugares da terra. Nos Apstolos, a Igreja recebeu uma misso universal, sem limites, referindo-
se salvao em toda a sua integridade, segundo aquela plenitude de vida que Cristo veio trazer
(cf. Jo10, 10): ela foi enviada para manifestar e comunicar a caridade de Deus a todos os
homens e povos . [49]
Esta misso nica, sendo a mesma a sua origem e fim; mas na sua dinmica de realizao, h
diversas funes e actividades. Antes de tudo, est a aco missionria, denominada misso
ad gentes pelo Decreto conciliar: trata-se de uma actividade primria e essencial da Igreja,
jamais concluda. Com efeito, a Igreja no pode eximir-se damisso permanente de levar o
Evangelho a quantos e so milhes e milhes de homens e mulheres ainda no conhecem
Cristo Redentor do homem. Esta a tarefa mais especificamente missionria que Jesus confiou e
continua quotidianamente a confiar Sua Igreja . [50]
Um quadro religioso complexo e em m utao
32. Encontramo-nos hoje diante de uma situao religiosa bastante diversificada e mutvel: os
povos esto em movimento; certas realidades sociais e religiosas, que, tempos atrs, eram claras
e definidas, hoje evoluem em situaes complexas. Basta pensar em fenmenos tais como o
urbanismo, as migraes em massa, a movimentao de refugiados, a descristianizao de
pases com antiga tradio crist, a influncia crescente do Evangelho e dos seus valores em
pases de elevada maioria no crist, o pulular de messianismos e de seitas religiosas. uma
alterao tal de situaes religiosas e sociais, que se torna difcil aplicar em concreto certas
distines e categorias eclesiais, a que estvamos habituados. J antes do Conclio, era comum
atribuir, a algumas metrpoles ou regies crists, a classificao de terra de misso , e
passados estes anos no se pode dizer que a situao melhorou.
Por outro lado, a obra missionria produziu abundantes frutos, em todas as partes do mundo,
como o demonstram as Igrejas implantadas de uma forma to slida e amadurecida, que j
capaz de prover s necessidades das suas comunidades, a ponto de enviarem at pessoas a
evangelizar outras Igrejas e territrios. Da o contraste com reas de antiga tradio crist,
carecidas de serem re-evangelizadas. Alguns perguntam-se inclusive se ainda o caso de falar
emactividade missionria especfica, ou dos seus mbitos especficos ou se no deveramos
antes admitir que existe umanica situao missionria, havendo apenas uma nica misso,
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igual em todo o lugar. A dificuldade real, e a prova de quo difcil interpretar esta realidade
complexa e mutvel em ordem ao mandato de evangelizar est patente no vocabulrio
missionrio : por exemplo, h uma certa hesitao em usar os termos misses e
missionrios , porque as consideram superadas por conterem resqucios histricos negativos;
prefere-se usar o substantivo misso no singular, e o adjectivo missionrio para qualificar
toda a actividade da Igreja.
Estas dificuldades denotam uma mudana real, que contm aspectos positivos. A integrao das
misses na misso da Igreja, o confluir da missionologia para a eclesiologia, e a insero de
ambas no plano trinitrio da salvao, deu um novo ar prpria actividade missionria, no
concebida j como uma tarefa margem da Igreja, mas antes inserida no mago da sua vida,
como compromisso fundamental de todo o Povo de Deus. Torna-se necessrio, porm, precaver-
se contra o risco de nivelar situaes muito diferentes, e reduzir ou at fazer desaparecer a
misso e os missionrios ad gentes. A afirmao de que toda a Igreja missionria no exclui aexistncia de uma especfica misso ad gentes, assim como dizer que todos os catlicos devem
ser missionrios no impede pelo contrrio, exige-o que haja missionrios ad gentes,
dedicados por vocao especfica misso por toda a vida.
A misso
ad gente
s conserva o seu valor
33. As diferenas de actividade, no mbito da nica misso da Igreja, nascem no de motivaes
intrnsecas prpria misso, mas das diversas circunstancias onde ela se exerce. [51] Olhando omundo de hoje, do ponto de vista da evangelizao, podemos distinguir trs situaes distintas.
Antes de mais, temos aquela a que se dirige a actividade missionria da Igreja: povos, grupos
humanos, contextos socio-culturais onde Cristo e o Seu Evangelho no conhecido, onde faltam
comunidades crists suficientemente amadurecidas para poderem encarnar a f no prprio
ambiente e anunci-la a outros grupos. Esta propriamente a misso ad gentes.[52]
Aparecem depois as comunidades crists que possuem slidas e adequadas estruturas eclesiais,so fermento de f e de vida, irradiando o testemunho do Evangelho no seu ambiente, e sentindo
o compromisso da misso universal. Nelas se desenvolve a actividade ou cuidado pastoral da
Igreja.
Finalmente, existe a situao intermdia, especialmente nos pases de antiga tradio crist,
mas, por vezes, tambm nas Igrejas mais jovens, onde grupos inteiros de baptizados perderam o
sentido vivo da f, no se reconhecendo j como membros da Igreja e conduzindo uma vida
distante de Cristo e do Seu Evangelho. Neste caso, torna-se necessria uma novaevangelizao , ou re-evangelizao .
34. A actividade missionria especfica, ou misso ad gentes,tem como destinatrios os povos
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ou grupos que ainda no crem em Cristo , aqueles que esto longe de Cristo , entre os
quais a Igreja no est ainda radicada , [53] e cuja cultura ainda no foi influenciada pelo
Evangelho. [54] Distingue-se das outras actividades eclesiais por se dirigir a grupos e ambientes
no cristos, caracterizados pela ausncia ou insuficincia ao anncio evanglico e da presena
eclesial. Vem a ser, portanto, a obra do anncio de Cristo e do seu Evangelho, da edificao da
Igreja local, da promoo dos valores do Reino. A peculiariedade da misso ad gentes deriva dofacto de se orientar para os no cristos . preciso evitar, por isso, que esta tarefa
especificamente missionria, que Jesus confiou e continua quotidianamente a confiar Sua Igreja
, [55] se torne numa realidade diluda na misso global de todo o Povo de Deus, ficando desse
modo descurada ou esquecida.
De resto, os confins entre o cuidado pastoral dos fieis, a nova evangelizao e a actividade
missionria especfica no so facilmente identificveis, e no se deve pensar em criar entre
esses mbitos barreiras ou compartimentos estanques. No se pode, no entanto, perder a tensopara o anncio e para a fundao de novas Igrejas entre povos ou grupos humanos, onde elas
ainda no existem, porque esta a tarefa primria da Igreja, que enviada a todos os povos, at
aos confins da terra. Sem a misso ad gentes, a prpria dimenso missionria da Igreja ficaria
privada do seu significado fundamental e do seu exemplo de actuao.
Registe-se tambm uma real e crescente interdependnciaentre as diversas actividades
salvficas da Igreja: cada uma influi sobre a outra, estimula e ajuda-a. O dinamismo missionrio
permite uma troca de valores entre as Igrejas, e projecta para o mundo exterior influncia positivaem todos os sentidos. As Igrejas de antiga tradio crist, por exemplo, preocupadas com a
dramtica tarefa da nova evangelizao, esto mais conscientes de que no podem ser
missionrias dos no cristos de outros pases e continentes, se no se preocuparem seriamente
com os no cristos da prpria casa: a actividade missionria ad intra sinal de autenticidade e
de estmulo para realizar a outra ad extra, e vice-versa.
A todos os povos, apesar das d ificuldades
35. A misso ad gentes tem sua frente uma tarefa imensa, que est muito longe de se ver
concluda. Pelo contrrio, quer desde o ponto de vista numrico devido ao aumento demogrfico,
quer do ponto de vista socio-cultural pelo despontar de novas relaes e pela variao das
situaes, aquela misso parece destinada a possuir horizontes ainda mais vastos. A tarefa de
anunciar Jesus Cristo a todos os povos apresenta-se enorme e desproporcionada relativamente
s foras humanas da Igreja.
As dificuldades parecem insuperveis e poderiam fazer desanimar, se se tratasse de uma obrapuramente humana. Em alguns pases, est proibida a entrada de missionrios; noutros,
proibida tanto a evangelizao, como a converso e at mesmo o culto cristo. H outros lugares,
onde os obstculos so de natureza cultural: a transmisso da mensagem evanglica mostra-se
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irrelevante ou incompreensvel, e a converso considerada como abandono do prprio povo e
cultura.
36. No faltam tambm, ao Povo de Deus, as dificuldades internas, que so as mais dolorosas.
J o meu predecessor Paulo VI indicava, em primeiro lugar, a falta de fervor, tanto mais grave
por nascer de dentro; manifesta-se no cansao, na desiluso, no acomodamento e nodesinteresse, e sobretudo na falta de alegria e de esperana . [56] Grandes obstculos aco
missionria da Igreja so tambm as divises, passadas e presentes, entre os cristos, [57] a
descristianizao em pases cristos, a diminuio das vocaes para o apostolado, o contra-
testemunho de fiis e de comunidades crists que no reproduzem em suas vidas o modelo de
Cristo. Mas uma das razes mais graves para o escasso interesse pelo empenhamento
missionrio a mentalidade do indiferentismo, hoje muito difundida, infelizmente tambm entre os
cristos, frequentemente radicada em concepes teolgicas incorrectas, e geradora de um
relativismo religioso, que leva a pensar que tanto vale uma religio como outra . Podemos, porltimo, referir ainda como dizia o mesmo Pontfice a existncia de libis que podem
afastar da evangelizao; os mais insidiosos so certamente aqueles para os quais se presume
encontrar apoio neste ou naquele ensinamento do Conclio . [58]
A este respeito, recomendo vivamente aos telogos e aos profissionais da imprensa crist que
intensifiquem o seu servio em favor da misso, para encontrarem o sentido profundo do seu
importante trabalho, no verdadeiro caminho dosentire cum ecclesia.
As dificuldades internas ou externas no nos devem deixar pessimistas e inactivos. O que deve
contar aqui, como nos demais sectores da vida crist a confiana que provm da f, ou
seja, a certeza de no sermos ns os protagonistas da misso, mas Jesus Cristo e o Seu
Esprito. Somos apenas colaboradores e, depois de termos feito tudo o que estava ao nosso
alcance, devemos dizer: somos servos inteis, s fizemos o que devamos fazer (Lc17, 10).
mbitos da misso ad gentes
37. A misso ad gentes, devido ao mandato universal de Cristo, no tem fronteiras. Apesar disso,
possvel identificar vrios mbitos, em que ela se concretiza, para ficarmos com um quadro real
da situao.
a) mbitos territoriais. Normalmente a actividade missionria foi definida em relao a territrios
concretos. O Conclio Vaticano II reconheceu a dimenso territorial da misso ad gentes, [59] que
ainda hoje permanece vlida para determinar responsabilidades, competncias e limites
geogrficos de aco. certo que a uma misso universal deve corresponder uma perspectivauniversal: a Igreja, com efeito, no pode aceitar que fronteiras geogrficas e impedimentos
polticos sejam obstculos sua presena missionria. Mas verdade tambm que a actividade
missionria ad gentes, sendo distinta do cuidado pastoral dos fiis e da nova evangelizao dos
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no praticantes, se exerce em territrios e grupos humanos bem delimitados.
O multiplicar-se das Igrejas jovens, nos ltimos tempos, no deve iludir-nos. Nos territrios
confiados a estas Igrejas, especialmente na sia, mas tambm na frica, Amrica Latina e na
Ocenia, existem vrias zonas no evangelizadas: povos inteiros e reas culturais de grande
importncia, em muitas naes, ainda no foram alcanados pelo anncio evanglico nem pelapresena da Igreja local. [60] Inclusive em pases tradicionalmente cristos, h regies confiadas
ao regime especial da misso ad gentes, com grupos e reas no evangelizadas. Impe-se, pois,
nestes pases, no apenas uma nova evangelizao, mas, em certos casos, a primeira
evangelizao. [61]
As situaes, porm, no so homogneas. Mesmo reconhecendo que as afirmaes sobre a
responsabilidade missionria da Igreja no so dignas de crdito se no forem autenticadas por
um srio empenho numa nuova evangelizao nos Pases de antiga tradio crist, no parecejusto equiparar a situao de um povo que nunca ouviu falar em Jesus Cristo, com a de um outro
que o conheceu e aceitou, mas depois o rejeitou, embora continuando a viver numa cultura que
absorveu em grande parte os princpios e valores evanglicos. Em relao f, so duas
posies substancialmente diferentes.
Portanto, o critrio geogrfico, mesmo se provisrio e no muito preciso, serve ainda para indicar
as fronteiras para as quais se deve dirigir a actividade missionria. Existem Pases e reas
geogrficas e culturais onde faltam comunidades crists autctones; noutros lugares, estas soto pequenas, que no possvel reconhecer nelas um sinal claro da presena crist; ou ento, a
estas comunidades, falta o dinamismo para evangelizar a prpria sociedade, ou pertencem a
populaes minoritrias, no inseridas na cultura dominante. Em particular no Continente asitico,
para onde deveria orientar-se principalmente a misso ad gentes, os cristos so uma pequena
minoria, apesar de s vezes se verificarem movimentos significativos de converso e
testemunhos exemplares de presena crist.
b) Mundos e fenmenos sociais novos. As rpidas e profundas transformaes que caracterizamo mundo de hoje, particularmente no Hemisfrio Sul, influem decididamente no quadro
missionrio: onde antes as situaes humanas e sociais eram estveis, hoje tudo est em
movimentao. Pensemos, por exemplo, na urbanizao e no macio aumento das cidades,
especialmente onde mais forte a presso demogrfica. Em muitos Pases, mais de metade da
populao vive em algumas megalpoles, onde os problemas do homem frequentemente pioram,
entre outras razes, por causa do anonimato em que ficam imersas as multides.
Nos tempos modernos, a actividade missionria desenvolveu-se sobretudo em regies isoladas,longe dos centros civilizados e inacessveis por dificuldades de comunicao, de lngua e de
clima. Hoje a imagem da misso ad gentes est talvez a mudar: lugares privilegiados deveriam
ser as grandes cidades, onde surgem novos costumes e modelos de vida, novas formas de
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cultura e comunicao que depois influem na populao. verdade que a escolha dos menos
afortunados deve levar a no descuidar os grupos humanos mais isolados e marginalizados,
mas tambm verdade que no possvel evangelizar as pessoas ou pequenos grupos,
descuidando os centros onde nasce pode-se dizer uma nova humanidade, com novos
modelos de desenvolvimento. O futuro das jovens Naes est-se a formar nas cidades.
Falando de futuro, no possvel esquecer os jovens que, em numerosos Pases, constituem
mais de metade da populao. Como proceder para que a mensagem de Cristo atinja esses
jovens no cristos, que so o futuro de inteiros Continentes? Evidentemente j no bastam os
meios tradicionais da pastoral: so necessrias associaes e instituies, grupos e centros
especficos, iniciativas culturais e sociais para os jovens. Eis um mbito onde os modernos
Movimentos eclesiais tm largo campo de aco.
Entre as grandes transformaes do mundo contemporneo, as migraes produziram um novofenmeno: os no cristos chegam em grande nmero aos Pases de antiga tradio crist,
criando novas ocasies para contactos e intercmbios culturais, esperando da Igreja o
acolhimento, o dilogo, a ajuda, numa palavra, a fraternidade. De entre os emigrantes, os
refugiados ocupam um lugar especial e merecem a mxima ateno. So j muitos milhes no
mundo e no cessam de aumentar: fogem da opresso poltica e da misria desumana, da fome
e da seca que assume dimenses catastrficas. A Igreja deve acolh-los no mbito da sua
solicitude apostlica.
Por fim, lembramos as situaes de pobreza, frequentemente intolerveis, que se criam em
bastantes Pases, e esto muitas vezes na origem de migraes em massa. Estas situaes
desumanas desafiam a comunidade crist: o anncio de Cristo e do Reino de Deus deve tornar-
se instrumento de redeno humana para estas populaes.
c) reas culturais, ou modernos arepagos. Paulo, depois de ter pregado em numerosos lugares,
chega a Atenas e vai ao arepago, onde anuncia o Evangelho, usando uma linguagem adaptada
e compreensvel para aquele ambiente (Cf. Act17, 22-31). O arepago representava, ento, ocentro da cultura do douto povo ateniense, e hoje pode ser tomado como smbolo dos novos
ambientes onde o Evangelho deve ser proclamado.
O primeiro arepago dos tempos modernos o mundo das comunicaes, que est a unificar a
humanidade, transformando-a como se costuma dizer na aldeia global . Os meios de
comunicao social alcanaram tamanha importncia que so para muitos o principal instrumento
de informao e formao, de guia e inspirao dos comportamentos individuais, familiares e
sociais. Principalmente as novas geraes crescem num mundo condicionado pelos mass-mdia.Talvez se tenha descuidado um pouco este arepago: deu-se preferncia a outros instrumentos
para o anncio evanglico e para a formao, enquanto os mass-mdia foram deixados
iniciativa de particulares ou de pequenos grupos, entrando apenas secundariamente na
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programao pastoral. O uso dos mass-mdia, no entanto, no tem somente a finalidade de
multiplicar o anncio do Evangelho: trata-se de um facto muito mais profundo porque a prpria
evangelizao da cultura moderna depende, em grande parte, da sua influncia. No suficiente,
portanto, us-los para difundir a mensagem crist e o Magistrio da Igreja, mas necessrio
integrar a mensagem nesta nova cultura , criada pelas modernas comunicaes. um
problema complexo, pois esta cultura nasce, menos dos contedos do que do prprio facto deexistirem novos modos de comunicar com novas linguagens, novas tcnicas, novas atitudes
psicolgicas O meu predecessor Paulo VI dizia que a ruptura entre o Evangelho e a cultura ,
sem dvida, o drama da nossa poca ; [62] e o campo da comunicao moderna confirma
plenamente este juzo.
Existem muitos outros arepagos do mundo moderno, para os quais se deve orientar a actividade
missionria dos povos. Por exemplo, o empenhamento pela paz, o desenvolvimento e a
libertao dos povos, sobretudo o das minorias; a promoo da mulher e da criana; a protecoda natureza, so outros tantos sectores a serem iluminados pela luz do Evangelho.
preciso lembrar alm disso, o vastssimo arepago da cultura, da pesquisa cientfica, das
relaes internacionais que favorecem o dilogo e levam a novos projectos de vida. Convm
estar atentos e empenhados nestas exigncias modernas. Os homens sentem-se como que a
navegar no mesmo mar tempestuoso da vida, chamados a uma unidade e solidariedade cada vez
maior: as solues para os problemas existenciais so estudadas, discutidas e experimentadas
com o concurso de todos. Eis porque os organismos e as convenes internacionais seapresentam cada vez mais importantes, em muitos sectores da vida humana, desde a cultura
poltica, da economia pesquisa Os cristos, que vivem e trabalham nesta dimenso
internacional, tenham sempre presente o seu dever de testemunhar o Evangelho.
38. A poca em que vivemos , ao mesmo tempo, dramtica e fascinante. Se por um lado, parece
que os homens vo no encalo da prosperidade material, mergulhando cada vez mais no
consumismo materialista, por outro lado, manifesta-se a angustiante procura de sentido, a
necessidade de vida interior, o desejo de aprender novas formas e meios de concentrao e deorao. No s nas culturas densas de religiosidade, mas tambm nas sociedades secularizadas,
procura-se a dimenso espiritual da vida como antdoto desumanizao. Este fenmeno,
denominado ressurgimento religioso , no est isento de ambiguidade, mas traz com ele
tambm um convite. A Igreja tem em Cristo, que se proclamou o Caminho, a Verdade e a Vida
(Jo14, 6), um imenso patrimnio espiritual para oferecer humanidade. o caminho cristo
que leva ao encontro de Deus, orao, ascese, descoberta do sentido da vida. Tambm
este um arepago a evangelizar.
Fidelidade a Cristo promoo da liberdade do hom em
39. Todas as formas de actividade missionria se caracterizam pela conscincia de promover a
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liberdade do homem, anunciando-lhe Jesus Cristo. A Igreja deve ser fiel a Cristo, j que o Seu
Corpo e continua a Sua misso. necessrio que ela caminhe pela mesma via de Cristo, via de
pobreza, obedincia, servio e imolao prpria at morte, da qual Ele saiu vitorioso pela sua
ressurreio . [63] A Igreja, portanto, tem o dever de fazer todo o possvel para cumprir a sua
misso no mundo e alcanar todos os povos; e tem tambm o direito, que lhe foi dado por Deus,
de levar a termo o seu plano. A liberdade religiosa, por vezes ainda limitada e cerceada, apremissa e a garantia de todas as liberdades que asseguram o bem comum das pessoas e dos
povos. de se auspiciar que a autntica liberdade religiosa seja concedida a todos, em qualquer
lugar, e para isso a Igreja se empenha a fim de que tal acontea nos vrios Pases,
especialmente nos de maioria catlica, onde ela alcanou uma maior influncia. No se trata
porm, de um problema de maioria ou de minoria, mas de um direito inalienvel de toda a pessoa
humana.
Por outro lado, a Igreja dirige-se ao homem no pleno respeito da sua liberdade: [64] a misso norestringe a liberdade, pelo contrrio, favorece-a. A Igreja prope, no impe nada: respeita as
pessoas e as culturas, detendo-se diante do sacrrio da conscincia Aos que se opem com os
mais diversos pretextos actividade missionria, a Igreja repete:Abri as portas a Cristo!
Dirijo-me a todas as Igrejas particulares, antigas ou de formao recente. O mundo vai-se
unificando cada vez mais, o esprito evanglico deve levar supresso de barreiras culturais,
nacionalistas, evitando qualquer isolamento. J Bento XV admoestava os missionrios do seu
tempo a que nunca esquecessem a dignidade pessoal para no pensarem mais na ptriaterrena que na do cu , [65] A mesma recomendao vale hoje para as Igrejas particulares: abri
as portas aos missionrios, pois toda a Igreja particular que se separasse voluntariamente da
Igreja universal perderia a sua referncia ao desgnio de Deus e empobrecer-se-ia na sua
dimenso eclesial . [66]
Dirigir a ateno para Sul e Oriente
40. A actividade missionria ainda hoje representa o mximo desafio para a Igreja. medida quese aproxima o fim do segundo Milnio da Redeno, cada vez mais evidente que os povos que
ainda no receberam o primeiro anncio de Cristo constituem a maioria da humanidade.
Certamente o balano da actividade missionria dos tempos modernos positivo: a Igreja est
estabelecida em todos os continentes, e a maioria dos fiis e das Igrejas particulares j no est
na velha Europa, mas nos Continentes que os missionrios abriram f.
Permanece, porm, o facto de que os confins da terra para onde o Evangelho deve ser
levado, alargam-se cada vez mais e a sentena de Tertuliano, segundo a qual o Evangelho foianunciado por toda a terra e a todos os povos, [67] est ainda longe de se concretizar: a misso
ad gentes ainda est no comeo. Novos povos aparecem no cenrio mundial e tambm eles tm
o direito de receber o anncio da salvao. O crescimento demogrfico no sul e no oriente, em
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Pases no cristos, faz aumentar continuamente o nmero das pessoas que ignoram a redeno
de Cristo.
necessrio, portanto, dirigir a ateno missionria para aquelas reas geogrficas e para
aqueles ambientes culturais que permaneceram margem do influxo evanglico. Todos os
crentes em Cristo devem sentir, como parte integrante da sua f, a solicitude apostlica de atransmitir aos outros, pela alegria e luz que ela gera. Essa solicitude deve-se transformar, por
assim dizer, em fome e sede de dar a conhecer o Senhor, quando estendemos o olhar para os
horizontes imensos do mundo no-cristo.
CAPTULO V
OS CAMINHOS DA MISSO
41. A actividade missionria no mais nem menos do que a manifestao ou epifania, e a
realizao do desgnio de Deus no mundo e na histria: pela misso, Deus realiza claramente a
histria de salvao. [68] Que caminhos segue a Igreja para conseguir este resultado?
A misso uma realidade unitria, mas complexa; e explica-se de vrios modos, alguns do quais
so de particular importncia, na presente situao da Igreja e do mundo.
A primeira forma de evangelizao o testemunho
42. O homem contemporneo acredita mais nas testemunhas do que nos mestres, [69] mais na
experincia do que na doutrina, mais na vida e nos factos do que nas teorias. O testemunho da
vida crist a primeira e insubstituvel forma de misso: Cristo, cuja misso ns continuamos, a
testemunha por excelncia (Ap 1, 5; 3, 14) e o modelo do testemunho cristo. O Esprito
Santo acompanha o caminho da Igreja, associando-a ao testemunho que Ele prprio d de Cristo
(cf. Jo15, 26-27 ).
A primeira forma de testemunho a prpria vida do missionrio, da famlia crist e da
comunidade eclesial, que torna visvel um novo modo de se comportar. O missionrio que, apesar
dos seus limites e defeitos humanos, vive com simplicidade, segundo o modelo de Cristo, um
sinal de Deus e das realidades transcendentes. Mas todos na Igreja, esforando-se por imitar o
divino Mestre, podem e devem dar o mesmo testemunho, [70] que , em muitos casos, o nico
modo possvel de se ser missionrio.
O testemunho evanglico, a que o mundo mais sensvel, o da ateno s pessoas e o da
caridade a favor dos pobres, dos mais pequenos, e dos que sofrem. A gratuidade deste
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relacionamento e destas aces, em profundo contraste com o egosmo presente no homem, faz
nascer questes precisas, que orientam para Deus e para o Evangelho. Tambm o compromisso
com a paz, a justia, os direitos do homem, a promoo humana, um testemunho do
Evangelho, caso seja um sinal de ateno s pessoas e esteja ordenado ao desenvolvimento
integral do homem. [71]
43. O cristo e as comunidades crists vivem profundamente inseridos na vida dos respectivos
povos, e so tambm sinal do Evangelho pela fidelidade sua ptria, ao seu povo, e sua
cultura nacional, sempre porm na liberdade que Cristo trouxe. O cristianismo est aberto
fraternidade universal, porque todos os homens so filhos do mesmo Pai e irmos em Cristo.
A Igreja chamada a dar o seu testemunho por Cristo, assumindo posies corajosas e
profticas, face corrupo do poder poltico ou econmico; no correndo ela prpria atrs da
glria e dos bens materiais; usando os seus bens para o servio dos mais pobres e imitando asimplicidade de vida de Cristo. A Igreja e os missionrios devem ainda dar o testemunho da
humildade, comeando por si prprios, ou seja, desenvolvendo a capacidade de exame de
conscincia, a nvel pessoal e comunitrio, a fim de corrigirem nas suas atitudes aquilo que anti-
evanglico e desfigura o rosto de Cristo.
O primeiro anncio de C risto Salvador
44. O anncio tem a prioridade permanente, na misso: a Igreja no pode esquivar-se aomandato explcito de Cristo, no pode privar os homens da Boa Nova de que Deus os ama e
salva. A evangelizao conter sempre como base, centro e, ao mesmo tempo, vrtice do
seu dinamismo uma proclamao clara de que, em Jesus Cristo (...) a salvao oferecida a
cada homem, como dom de graa e de misericrdia do prprio Deus . [72] Todas as formas de
actividade missionria tendem para esta proclamao que revela e introduz no mistrio, desde
sempre escondido e agora revelado em Cristo (cf. Ef 3, 3-9;Col 1,
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