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NITERÓI
2018
INSERÇÃO DE EGRESSOS DO
SISTEMA PRISIONAL NO MERCADO
DE TRABALHO
LETÍCIA DE SOUSA MELO
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – UFF
FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO E CIÊNCIAS CONTÁBEIS – EST
DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAÇÃO – STA
2
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO E CIÊNCIAS CONTÁBEIS
DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAÇÃO
Letícia de Sousa Melo
Inserção de egressos do sistema prisional no mercado de trabalho.
Monografia submetida ao corpo docente do
Departamento de Administração da
Universidade Federal Fluminense como parte
dos requisitos necessários para a obtenção do
Grau de Bacharel. Área de concentração:
Administração.
Orientadora:
Ana Maria Lana Ramos
Niterói
2018
3
4
INSERÇÃO DE EGRESSOS DO SISTEMA PRISIONAL NO MERCADO DE
TRABALHO.
Letícia de Sousa Melo
Monografia submetida ao corpo docente do
Departamento de Administração da
Universidade Federal Fluminense como parte
dos requisitos necessários para a obtenção do
Grau de Bacharel. Área de concentração:
Administração
Examinada por:
___________________________________
Prof.: Ana Maria Lana Ramos, M.S.c
Universidade Federal Fluminense
___________________________________
Prof.: Elza Maria Marinho Lustosa
Universidade Federal Fluminense
___________________________________
Prof.: Sérgio de Sousa Montalvão
Universidade Federal Fluminense
NITERÓI, RJ – BRASIL
DEZEMBRO 2018
5
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradeço a Deus por todas as
bênçãos recebidas nesse anos e pela oportunidade
de me fazer realizar sonhos.
À minha família, em especial aos meus pais Edna
e Jefferson por todo sacrifício em prover o
melhor para mim e por sempre me incentivarem a
estudar e ao meu irmão Gustavo por toda
companhia nesses anos de vida em família.
Aos professores que tive o privilégio de ter na
Universidade e o conhecimento adquirido, em
especial à minha orientadora Ana Lana por toda
inspiração em suas aulas e paciência, dedicação,
incentivo e cuidado na condução desse trabalho.
Aos meus amigos de caminhada acadêmica,
agradeço pelas experiências maravilhosas, em
especial Elisa e Diego por se tornarem amigos
além dos portões da Universidade.
A todos os gestores e colegas de trabalho que
tive, que me incentivaram e me ajudaram a
conciliar o trabalho com estudos. Sem a
compreensão de vocês não seria possível.
6
RESUMO
O presente trabalho visa trazer para o campo da Administração e Gestão a temática de
inserção de egressos do sistema prisional no mercado de trabalho. Por meio de pesquisas
bibliográficas e documentais, foi possível traçar um paralelo entre o perfil de egressos e dos
candidatos chamados ideais. Com base nos dados levantados, notou-se uma disparidade entre
os mesmos, dificultando a oferta de emprego para o ex-detento. Por fim, abordou iniciativas
com práticas de Responsabilidade Social Empresarial que incentivam a ressocialização desse
egresso por meio do trabalho.
Palavras-chave: Egresso, sistema prisional, responsabilidade social empresarial, talento
ABSTRACT
The present work aims to bring to the field of Administration and Management the
thematic of insertion of egress of the prison system in the labor market. Through
bibliographical and documentary research, it was possible to draw a parallel between the
profile of egress and the ideal candidates. Based on the data collected, there was a disparity
between them, making it difficult to offer employment to the former detainee. Finally, it
addressed initiatives with practices of Corporate Social Responsibility that encourage the
ressocialization of this egress through work.
Key words: Egress, prison system, corporate social responsibility, talents.
7
SUMÁRIO LISTA DE QUADROS .............................................................................................................. 9
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ................................................................................ 9
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 11
2. CAPTAÇÃO E SELEÇÃO DE TALENTOS ................................................................... 13
2.1. ESTRATÉGIAS DE CAPTAÇÃO ............................................................................... 13
2.2. O CENÁRIO DO MERCADO DE TRABALHO ......................................................... 15
3. A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL (RSE) ........................................ 17
3.1. RSE NA ESFERA PRIVADA ...................................................................................... 17
3.2. RSE NO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA ORGANIZAÇÃO ....................... 18
3.3. RSE E A VANTAGEM COMPETITIVA NO MERCADO ......................................... 19
4. CONTRATAÇÃO DE EGRESSOS DO SISTEMA PRISIONAL .................................. 20
4.1. DADOS GERAIS .......................................................................................................... 20
4.2. PERFIL DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA ............................................................... 21
4.3. REINCIDÊNCIA AO CRIME ...................................................................................... 22
4.4. PERFIL DOS APENADOS REINCIDENTES AO CRIME ........................................ 23
4.5. ESTUDO E TRABALHO DENTRO DA PRISÃO ...................................................... 24
4.6. O TRABALHO NA PERCEPÇÃO DOS PRESOS ...................................................... 24
4.7. O EGRESSO DO SISTEMA PRISIONAL ................................................................... 25
5. PARALELO ENTRE PERFIL DE EGRESSOS DO SISTEMA PRISIONAL E O
TALENTO ORGANIZACIONAL ........................................................................................... 27
6. CASOS DE SUCESSO E INCENTIVO À PRÁTICA DE RESSOCIALIZAÇÃO DE
EGRESSOS DO SISTEMA PRISIONAL ............................................................................... 29
6.1. SELO RESGATA .......................................................................................................... 29
6.2. SELO DE DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE ............................................... 29
6.3. PROGRAMA PRÓ-EGRESSO ..................................................................................... 30
6.4. EMPRESA: PANOSOCIAL ......................................................................................... 30
6.5. SEGUNDA CHANCE ................................................................................................... 30
8
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 32
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 33
9
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Paradigmas tradicional e o moderno de captação e seleção 15
Quadro 2: Conceitos básicos de planejamento estratégico 19
Quadro 3: Principais pesquisas nacionais sobre reincidência 23
Quadro 4: Comparativo entre egressos e talentos 28
10
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
CNJ Conselho Nacional de Justiça
CRSC Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania
DEPEN Departamento Penitenciário Nacional
IBASE Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
INFOPEN Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LEP Lei de Execução Penal
PCD Pessoa com Deficiência
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
RSA Responsabilidade Social Ambiental
SAP Secretaria de Administração Penitenciária
SDECT Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia
SELO RESGATA Selo Nacional de Responsabilidade Social pelo Trabalho no Sistema
Prisional
SER Responsabilidade Social Empresarial
SERT Secretaria do Emprego e Relações de Trabalho
SMDHC Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania
11
1. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos houve um aumento exponencial no número de presos e superlotação de
presídios no Brasil (INFOPEN, 2016). Apesar das legislações para garantia de direitos dos
presos, como a Lei de Execução Penal, e alguns projetos para acompanhar esses ex-detentos
após o cumprimento de suas penas, não há uma adesão por parte das autoridades para investir
nesse acompanhamento e muitas vezes esse indivíduo pratica novos crimes e é preso
novamente.
Por não se tratar de casos isolados e a taxa de reincidentes ao crime ser de mais de 30%
(IPEA, 2015), um olhar mais atento deve ser dado a essa situação para que mudanças ocorram
e gerem melhorias sociais. Um grande problema é o egresso do sistema prisional não
encontrar empregos fixos ao sair da cadeia por conter em sua ficha criminal passagem pela
polícia. Ao não encontrar uma fonte de renda, aliado ao contexto social criminal em que essa
pessoa está inserida, retornar a práticas de atos ilícitos é o caminho mais fácil para ter retorno
financeiro.
É possível supor que o perfil de candidatos desejados pelas organizações seja diferente do
perfil dos presos e egressos, o que dificulta que o egresso seja pensado para essas vagas.
Entretanto, as empresas podem se antecipar a essa realidade através das práticas de
Responsabilidade Social Empresarial e incentivar a contratação de ex-detentos para seu
quadro de funcionários.
Já existem casos da iniciativa pública e privada que incentivam olhar para esse cidadão e
procuram alternativas de reinseri-lo ao meio social, entretanto são casos isolados e sem
visibilidade dos grandes meios de comunicação.
Nesse contexto, o presente estudo teve o objetivo de identificar como a área de gestão de
pessoas, no campo da seleção de talentos, pode atuar para favorecer a reintegração de
egressos do sistema prisional no mercado de trabalho. Para isso, a pesquisa levantou dados
históricos e estatísticos sobre o contingente de detentos, bem como os dados que comprovam
o aumento do número de presos e da reincidência ao crime; analisou a ação de organizações
que adotam a prática da ressocialização, a partir da coleta de dados bibliográficos e
documentais; e relacionou os dados encontrados às bases teóricas utilizadas como referência
12
sobre os sistemas organizacionais de captação e seleção de talentos e a responsabilidade social
empresarial.
Esse trabalho não pretendeu apresentar uma solução única e definitiva a um problema de
múltiplas causas e amplo escopo de intervenção, porém buscou trazer para o campo da
Administração esse assunto, visto que publicações que abordam essa temática são de áreas
como o Direito, Sociologia e Serviço Social. Iniciar esse debate na área de Gestão torna-se
crucial para chamar atenção a esse assunto e promover uma movimentação com benefícios
econômicos e sociais por meio do viés corporativo.
13
2. CAPTAÇÃO E SELEÇÃO DE TALENTOS
O termo “talentos” tem se tornado corriqueiro no cotidiano dos profissionais de gestão de
pessoas. A busca por esse talento é crucial para uma contratação bem sucedida, pois esse
profissional selecionado possui um perfil que vai alavancar o sucesso da organização para a
qual foi contratado.
O contexto do mercado de trabalho hoje não é uniforme. O Brasil possui 13,7 milhões
(BENEDICTO, 2018) de pessoas desocupadas e esse quadro gerou mudanças significativas
no processo de contratação. As pessoas estão aderindo ao trabalho autônomo para
sobreviverem nesse ambiente de crise econômica. Por isso, as empresas além de concorreram
com outras empresas, passaram a concorrer com um número maior de profissionais liberais
que desempenham o mesmo serviço. Dessa forma, as organizações devem se atualizar para
permanecerem competitivas no mercado e atraírem esses talentos.
Segundo Almeida (2004), o talento escolhe onde vai trabalhar, pois é conhecedor dos seus
potenciais e escolhe organizações que estão em congruência com seus objetivos e aspirações.
A autora também define competência como a combinação de conhecimentos, habilidades e
atitudes que diferenciam esse profissional da maioria. Sendo assim, o talento pode ser
treinado, desenvolvido para um melhor desempenho.
Nem todas as pessoas são consideradas talentos, entretanto é necessário a combinação de
uma cultura organizacional e um ambiente que favoreça o desenvolvimento desse possível
talento. Não basta a empresa atrair um talento, é necessário reter esse trabalhador através de
estratégias de treinamento, desenvolvimento e engajamento desse profissional.
1.1. ESTRATÉGIAS DE CAPTAÇÃO
Para Almeida (2004), um processo seletivo eficiente e eficaz, deve ter selecionadores com
conhecimento profundo do negócio, do cargo e do ambiente externo. A organização deve
prezar pela transparência, aprimoramento e qualidade em busca de uma contratação bem
sucedida.
14
Cada etapa do processo seletivo deve ter seus objetivos que devem estar relacionados
entre si. A etapa de atração e triagem não deve despender muito tempo dos recrutadores, pois
os mesmos devem focar seus esforços nas etapas de avaliação e decisão final. Com a
informatização de muitos bancos de currículos, diversos candidatos se candidatam a qualquer
vaga e o profissional perde tempo eliminando muitos currículos que não se encaixam no
perfil. A informatização trouxe malefícios como esse citado, mas também muitos benefícios
como a possibilidade de candidatos de outras cidades se candidatarem a vagas e a
possibilidade de fazer entrevistas por videoconferência.
Para Almeida (2004), os processos serão mais consistentes quando o critério de
avaliação for o menos subjetivo possível. Para isso, é necessário o maior número de
observações do candidato, em contextos diferenciados e por mais de um avaliador. Também é
essencial avaliar as mesmas competências exigidas para o cargo por diferentes técnicas de
seleção.
O quadro 1 traz o comparativo entre práticas de seleção mais antigas e as utilizadas
atualmente:
Quadro 1: Paradigmas tradicional e o moderno de captação e seleção
Paradigma Tradicional Paradigma Moderno
Abordagem
Seleção mais focada na admissão de pessoas na
organização
Seleção de pessoas e de serviços e identificação
de talentos internos para assumir novos cargos e
constituir equipes de trabalho e de projetos
Reativo Proativo
Foco operacional Foco estratégico
Escolher a pessoa certa para o cargo certo Escolher a pessoa certa para a organização ee
para o cargo certo
Visão voltada para o presente Visão voltada para o presente e para o futuro
Seleção como um fim em si mesmo Compromisso com o desempenho no cargo
Prática da Captação e Seleção Captação e seleção condicionada a existência de
vagas Captação e seleção contínua de talentos
Valorização do conhecimento e da experiência
Valorização da competência que implica a
capacidade de se mobilizar conhecimentos,
habilidades e atitudes, para obter resultados
Atividade centralizada na área de RH
Atividade descentralizada, realizada em parceria
do RH e clientes internos (gerentes e equipes de
trabalho)
Utilização de provas e testes Maior ênfase em entrevistas, dinâmicas e
simulações, além da utilização de provas e testes Fonte: Almeida, 2009, p. 13.
15
Antes de iniciar o processo de seleção, é fundamental avaliar a necessidade daquela
contratação, para evitar gastos desnecessários. Deve haver comunicação entre as áreas do
negócio para evitar imprevistos e também levantar previamente o perfil ideal do candidato a
ser admitido. No decorrer do processo, o candidato deve ser avaliado levando em conta a
cultura da organização, para isso pode resolver a simulação de uma tarefa que se assemelhe ao
trabalho a ser executado, para que então seja avaliado como esse candidato se sairia caso
fosse contratado.
1.2. O CENÁRIO DO MERCADO DE TRABALHO
Segundo Almeida (2009), uma mudança significativa no mercado de trabalho é a
valorização do trabalho intelectual em comparação ao trabalho mais operacional. Com o
advento da tecnologia, o homem desenvolveu máquinas, aprimorou processos e aprofundou
sua capacidade de atuação. Tarefas que até então eram realizadas por pessoas, passaram a ser
realizadas por máquinas e de forma mais veloz, gerando aumento de produção.
Essa valorização do capital intelectual gerou na sociedade uma busca cada vez mais
avançada por níveis de conhecimento e especialização por parte dos candidatos às vagas de
emprego. Na atual conjuntura, há aumento de trabalho informal e diminuição de trabalho
formal, além do desemprego estrutural, consequência da substituição da mão de obra humana
pelas máquinas (ALMEIDA, 2009, p.11). A situação não é favorável para as empresas, por
encontrar uma situação crítica no mercado, fruto de intervenção governamental em políticas
econômicas e sociais e clientes mais exigentes.
O capital humano passou a ser visto como um diferencial competitivo para as
organizações frente a esse cenário de valorização do capital intelectual. A área de Gestão de
Pessoas assumiu o papel de buscar esse talento que possui as competências desejadas para
ocupar o quadro de funcionários da empresa.
O mercado de trabalho passou a ser mais criterioso e competitivo, em busca de um
profissional adequado, com conhecimentos técnicos e habilidades comportamentais
desejáveis. Houve um distanciamento entre o que o mercado está exigindo e o que a oferta de
recursos humanos apresenta, com destaque para locais onde há defasagem no sistema
educacional, refletindo uma barreira maior entre a população sem acesso aos melhores
métodos de ensino e as vagas mais competitivas.
16
A empresa possui impacto social relevante e pode utiliza-lo de maneira a democratizar o
acesso às vagas de emprego para quem não tem esse destaque competitivo. Com as
informações levantadas, um habitante de regiões periféricas, sem grau de instrução elevado e
com contexto social crítico não será visto como um possível talento. Cabe à organização
assumir o papel de agente transformador e promover essa inclusão através de ações de
responsabilidade social empresarial.
17
3. A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL (RSE)
No Brasil, Responsabilidade Social ganhou destaque na década de noventa com a criação
do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) e do Instituto Ethos, duas
instituições que voltavam seu foco para a questão social e o impacto que a empresa privada
tem na sociedade. Nos dias de hoje, a questão da RSE tem se tornado um diferencial
competitivo, pois o consumidor tem atentado mais a essa prática.
O Instituto Ethos criou indicadores de responsabilidade social empresarial para essa
prática se tornar mais mensurável. Para se caracterizar como socialmente responsável, a
empresa deve adotar políticas como: transparência, estabelecimento de compromissos
públicos, envolvimento com instituições que representam interesses variados, capacidade de
atrair e manter talentos, alto grau de motivação e comprometimento com funcionários,
capacidade de lidar com situações de conflito, estabelecimento de metas de curto e longo
prazo e envolvimento da direção da empresa (INSTITUTO ETHOS, 2012).
Há uma confusão entre RSE e filantropia, porém os dois conceitos se divergem.
Filantropia é quando a empresa contribui financeiramente com instituições de caridade, por
exemplo, de forma eventual. Já para se configurar como uma empresa responsável
socialmente, essas práticas devem estar relacionadas com o planejamento estratégico da
organização. Deve haver uma conscientização de empregadores e empregados, eliminar
preconceitos e promover a diversidade.
Ao se assumir socialmente responsável, a empresa não deve ter um olhar puramente
voltado ao retorno financeiro dessas ações. O objetivo é contribuir com a melhoria da
sociedade através de práticas que tenham impactos e gere mudança na vida das pessoas
envolvidas.
3.1. RSE NA ESFERA PRIVADA
A situação social requer uma mobilização de diferentes agentes. O Relatório do Programa
para Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) afirma que a esfera privada tem forte
influência no crescimento econômico sustentado para a redução da pobreza, demonstrando
que o setor privado possui poder de influenciar positivamente na vida das pessoas (apud
18
FEDATO, 2005). O Governo exerce função central na promoção de políticas de combate às
desigualdades sociais, porém a participação de outros agentes econômicos podem
potencializar as ações desse âmbito (CAMAROTTI E SPINK, 2003, apud FEDATO, 2005).
A esfera privada tem em sua essência a busca pelo lucro e continuidade do negócio de
forma financeira satisfatória. Olhar para o viés social que em um primeiro olhar não traz um
retorno financeiro acaba não sendo a prioridade dos gestores. Porém olhar para ações de
natureza social passou a se tornar uma visão estratégica para o negócio. Nos últimos anos
houve um aumento da mídia para a RSE o que faz com que as empresas valorizem e procurem
ações nesse viés, afinal os clientes estão mais informados e exigentes sobre o que consomem.
3.2. RSE NO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA ORGANIZAÇÃO
Ao ser aberto, um empreendimento busca solucionar uma demanda do mercado, essa é sua
razão de ser. Entretanto, o gestor deve se atentar ao planejamento estratégico para que o seu
negócio permaneça ativo e de maneira satisfatória. Fedato (2005) define conceitos
importantes para conhecimento da razão de ser do negócio que são fundamentais para se
planejar:
Quadro 2: Conceitos básicos de planejamento estratégico
Missão Visão Metas Objetivos Orçamento Avaliação
Porque se faz o
que faz; a razão
de ser, o
propósito;
informa pelo
que, no fim, se
quer ser
lembrado;
legitima e
justifica social e
economicament
e a organização.
Um quadro
do futuro
desejado
pela
organização
.
Conjunto de
objetivos
que
determinam
a direção
fundamenta
l e de longo
alcance da
organização
.
Níveis
específicos
e
mensurávei
s de
realização e
atingimento
.
Compromisso
de recursos
para a
implementaçã
o dos planos;
expressão
financeira de
um
determinado
plano de
trabalho.
Processo de
monitorament
o do progresso
no alcance de
objetivos e
dos
resultados;
ponto de
aprimorament
o dos planos
com base na
experiência. Fonte: Fedato, 2005, p. 47.
Ao se planejar estrategicamente, os gestores devem conhecer plenamente os conceitos
acima relacionados ao seu negócio para que as decisões sejam tomadas em consonância com a
razão de ser da organização. Da mesma forma devem ser planejadas ações de
Responsabilidade Social que façam sentido para os clientes internos e externos.
19
Sem se comunicar satisfatoriamente com seus stakeholders, seja funcionários,
fornecedores ou consumidores é pouco provável que essa organização continue crescendo de
forma saudável e com potencial. As empresas competitivas são aquelas que estão atentas às
demandas de seus clientes e a busca por solucioná-las.
3.3. RSE E A VANTAGEM COMPETITIVA NO MERCADO
Para Bertoncello e Chang (2007, p. 74 apud MELO NETO, 2001, p. 93), a empresa
adquire status social ao promover ações consistentes e este fator é decisivo para a saúde
empresarial. Com essa visibilidade social positiva, a empresa é vista com outros olhos e vende
mais o produto ou serviço que comercializa. Os clientes sentem prazer ao consumir o que é
produzido por essa empresa e passa a indica-la em seus círculos sociais. Os fornecedores
sentem-se orgulhosos de prestarem serviços a essa empresa e os funcionários ficam motivados
em pertencerem à uma organização com essa cultura.
Recursos intangíveis como uma boa governança corporativa, ética nos negócios e
execução de projetos sociais podem ser encarados como um diferencial e fontes de vantagens
competitivas. Entretanto, as ações devem de fato gerar valor para a sociedade para que então
sejam encaradas como uma vantagem competitiva. Os benefícios gerados a partir dessa
prática devem ser tangíveis. (PESSOA, 2009, p. 83)
20
4. CONTRATAÇÃO DE EGRESSOS DO SISTEMA PRISIONAL
Um novo perfil de mão de obra surge e a contratação de pessoas que passaram algum
momento presas torna-se uma realidade crescente no Brasil. Com cadeias super lotadas
(ASSIS, p. 77, 2008), a sociedade convive com esse perfil de cidadão cada vez com mais
frequência. Em um passado recente, a prática comum consistia na conscientização da inclusão
de Pessoas com Deficiências no mercado de trabalho, porém com essa nova realidade, é
necessário que as empresas se antecipem e principalmente a área de Gestão de Pessoas se
prepare para a recepção desse novo trabalhador.
O Departamento Penitenciário Nacional e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública
realizam o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN – que consiste
em um banco de dados com informações de todas as unidades prisionais brasileiras incluindo
dados de infraestrutura, seções internas, recursos humanos, capacidade, gestão, assistências,
população prisional, perfil das pessoas presas, entre outros (DEPEN, 2016).
Através desse relatório é possível traçar o perfil de presos e suas particularidades mais
comuns.
4.1. DADOS GERAIS
De acordo com o relatório INFOPEN, o Brasil, em Junho de 2016 contava com a
população prisional de 726.712 detentos. As vagas nas unidades eram 368.049 e o déficit de
vagas de 358.663, ou seja, a taxa de ocupação era de 197,4%. Um dos reflexos desse quadro
foram as rebeliões que ocorreram em diversos presídios ao redor do país nos anos de 2017 e
2018 (Correio Brasiliense, 2018). Comparando com informações do início da década de 1990,
houve um aumento de 707% da população carcerária.
Um indicador utilizado no relatório é a taxa de aprisionamento que relaciona a quantidade
de pessoas presas para cada grupo de 100 mil habitantes. Analisando o período de tempo entre
2000 e 2016, a taxa de aprisionamento aumentou 157% no Brasil. No período analisado, eram
352,6 pessoas presa para cada 100 mil habitantes. Nesse mesmo período, em média, a
população prisional cresceu 7,3% ao ano, passando de 232 mil pessoas para 726 mil pessoas
encarceradas.
21
4.2. PERFIL DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA
Através desse relatório, é possível conhecer o perfil sociodemográfico de detentos pelo
Brasil. Em relação à faixa etária, 75% da população é composta por jovens de até 29 anos. No
estado do Rio de Janeiro, 37% são jovens de 18 a 24 anos, 22% de 25 a 29 anos, 15% de 30 a
34 anos, 18 % de 35 a 45 anos e 7% de 46 a 60 anos. Essas informações foram escolhidas
para demonstrar que pessoas que poderiam estar ativas no mercado de trabalho estão
encarceradas, principalmente entre os mais jovens.
A questão racial também deve ser considerada, pois de acordo o relatório INFOPEN, no
ano de 2015, a população negra brasileira era de 53%, já no sistema prisional essa
porcentagem aumentou para 64%, demonstrando a predominância da raça negra no
encarceramento. Essa informação se agrava no Rio de Janeiro, pois 26% das pessoas privadas
de liberdade eram brancas, 72% eram negras e 3% referentes a outras raças ou etnias.
Já em relação ao grau de escolaridade, foram obtidas informações que 75% eram pessoas
que não haviam acessado o Ensino Médio, demonstrando a tendência de baixa escolaridade
no perfil dos presos. No Rio de Janeiro, esse dado aumentou para 85%. Sobre estado civil das
pessoas pesquisadas, a predominância é de pessoas solteiras, que equivale a 60%, em segundo
lugar fica a união estável com 28%.
Outro dado interessante é a apuração de pessoas com deficiências (PCD) privadas de
liberdade. Nem todas as unidades que participaram da pesquisa dispunham da informação
sobre a quantidade de PCDs, porém das que tinham essa informação, foi possível extrair que
1% da população prisional é composta também por PCDs, destacando para a predominância
da deficiência intelectual. Dentre os PCDs, 65% estão alocados em unidades que não tem a
acessibilidade que essa pessoa necessita para se locomover com segurança ou de se integrar
ao ambiente.
Também é possível analisar a quantidade de estrangeiros no sistema prisional brasileiro,
que corresponde a 0,004% dentre as unidades pesquisadas, tendo a predominância do
continente americano com o equivalente a 1.456 pessoas nessa situação. Já em relação à
quantidade de filhos das pessoas privadas de liberdade não foi possível extrair uma conclusão
da totalidade, pois muitas unidades prisionais não dispunham dessa informação. Porém, com
o que foi possível extrair observou-se que 53% dos homens não tinham nenhum filho e 42%
tinham até 3 filhos. Entre as mulheres, 26% não tinham filhos e 55% tinham até 3 filhos.
22
A Lei de Execução Penal (n. 7.210/84) - LEP, garante ao condenado a possibilidade de
realizar atividades laborais no interior ou fora do estabelecimento penal, desde que tenha
finalidade educativa e produtiva. A nível Brasil, o destaque vai para o estado de Minas Gerais
com 30% de pessoas trabalhando. No Rio de Janeiro, essa informação não foi disponibilizada.
Em poucas palavras, pode ser concluir que o perfil predominante de pessoas privadas de
liberdade é composto por jovens negros de baixa escolaridade.
4.3. REINCIDÊNCIA AO CRIME
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) realizou um estudo, publicado no ano
de 2015, sobre a reincidência criminal no Brasil (IPEA, 2015). O termo reincidência é
utilizado de forma ampla e seu significado pode variar de acordo com o contexto empregado.
A definição utilizada no relatório é a reincidência legal, que consiste em nova condenação até
cinco anos em relação à pena anterior.
Quadro 3: Principais pesquisas nacionais sobre reincidência:
Autor Título
Conceito de
reincidência utilizado
na pesquisa
Taxa de reincidência
Sérgio Adorno; Eliana
Bordini
A Prisão sob a Ótica de
seus Protagonistas:
itinerário de uma
pesquisa
Reincidência criminal –
mais de um crime,
condenação em dois
deles, independente dos
cinco anos.
São Paulo: 29,34%
Sérgio Adorno; Eliana
Bordini
Reincidência e
Reincidentes
Penitenciários em São
Paulo (1974 -1985).
Reincidência
penitenciária – reingresso
no sistema penitenciário
para cumprir pena ou
medida de segurança.
São Paulo: 46,3%
Julia Legrumber
Reincidência e
Reincidentes
Penitenciários no
Sistema Penal do Estado
do Rio de Janeiro
Reincidência
penitenciária – reingresso
no sistema penitenciário
para cumprir pena o
medida de segurança.
Segundo a autora:
“compreende reincidente
penitenciário como quem
tendo cumprido (tal) pena
ou (tal) medida de
segurança, veio a ser
novamente recolhido a
estabelecimento penal
para cumprir nova pena
ou medida de segurança”.
(Legrumber, 1989, p.45)
Rio de Janeiro: 30,7%
23
Túlio Kahn
Além da Grades:
radiografia e alternativas
ao sistema prisional.
Reincidência penal –
nova condenação, mas
não necessariamente para
cumprimento de pena de
prisão. Segundo Kahn,
pode-se assumir que nos
casos de crimes mais
graves os conceitos de
reincidência penitenciária
medem basicamente as
mesmas coisas, uma vez
que crimes graves quase
sempre são punidos com
prisão.
São Paulo: 50%, em
1994; 45,2%, em 1995;
47%, em 1996; na década
de 1970, a taxa não
passou de 32%.
Depen
Dados de 2001 para
Brasil e de 2006 para
Minas Gerais, Alagoas,
Pernambuco e Rio de
Janeiro.
Reincidência
penitenciária –
considerando presos
condenados e provisórios
com passagem anterior
no sistema prisional.
Brasil: 70%; e Minas
Gerais, Alagoas,
Pernambuco e Rio de
Janeiro: 55,15%.
Fonte: IPEA/CNJ, 2015, p.13.
Como é possível observar no quadro 3, existem diferentes conceitos sobre reincidência e a
taxa varia consideravelmente entre eles. Entretanto, em todas as definições a porcentagem é
considerada alta, com valores mínimos na faixa de 30%. Cabe um olhar mais atento ao
sistema prisional para que essa estimativa diminua.
Ainda não há muitos estudos sobre a reincidência ao crime no Brasil, principalmente por
não haver dados concretos para essa apuração. De acordo com o relatório em questão “o
Brasil já é o quarto país que mais encarcera no mundo e, mesmo assim, convive com taxas de
criminalidade muito altas” (Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2012 apud IPEA,
2015).
4.4. PERFIL DOS APENADOS REINCIDENTES AO CRIME
A pesquisa do IPEA (2015) se propôs traçar um perfil dos apenados reincidentes ao
sistema carcerário. Na amostra pesquisada, 57,1% era representado por jovens de 18 a 29
anos, 98,5% correspondia ao sexo masculino. Em relação à raça e cor, a taxa de reincidentes
foi composta de 53,7% por brancos e 46,3% por pretos e pardos. Entretanto, nessa categoria
por volta de em 40% dos apenados não foi possível identificar informações sobre a raça,
24
demonstrando que o resultado final obtido, poderia ser alterado caso todas a informações
estivessem completas. Sobre o grau de escolaridade, 91,2% dos reincidentes possuíam até o
ensino fundamental completo e 92,5% declararam possuir emprego ou alguma ocupação.
Através dessas informações, é possível identificar um perfil bastante similar entre a
população carcerária e a população reincidente ao cárcere. Perfil este composto por homens
jovens, com baixa escolaridade e, possivelmente, negros.
4.5. ESTUDO E TRABALHO DENTRO DA PRISÃO
A LEP em seu artigo 126 garante ao preso já sentenciado em regime fechado ou
semiaberto a possibilidade de estudar e trabalhar em paralelo ao cumprimento de sua pena.
Entretanto, através de relatos extraídos na pesquisa do IPEA (2015, p. 37 e 38), a educação
não é muito valorizada dentro da prisão, pois não há uma infraestrutura adequada para a
ministração das aulas com segurança, há falta de profissionais qualificados e critérios de
seleção rígidos, como o grau de analfabetismo, comportamento, tipo de crime cometido e
interesse. Todavia, os próprios agentes penitenciários reconheceram que a formação escolar, a
conquista do diploma de ensino médio e de cursos profissionalizantes são a forma mais clara
de o apenado conseguir se ressocializar ao receber sua liberdade.
O trabalho na prisão foi reconhecido por uma participante da pesquisa com a principal via
de reintegração social. Ao trabalhar, o preso tem a possibilidade de diminuir sua pena e ainda
recebe remuneração equivalente, a qual não ultrapassa três quartos de um salário mínimo da
época. Com incentivos fiscais e apoiadas pela LEP, empresas privadas contratavam a mão de
obra prisional sem vínculo empregatício. Muitas vezes o preso recebia um certificado e ao
término de sua pena, existia uma grande probabilidade do mesmo ser efetivado na empresa. A
taxa de reincidentes por presos nessa situação era muito baixa, entre 1% e 2%.
4.6. O TRABALHO NA PERCEPÇÃO DOS PRESOS
Através de relatos dos próprios presos, trabalhar se tornou algo prazeroso. A demanda por
vagas e oportunidades de trabalho era menor do que a oferta, causando uma satisfação ao
preso contemplado com essa oportunidade e a possibilidade de diminuir a pena e contribuir
financeiramente com o sustento de sua família. Porém através de entrevistas com presos
trabalhadores, foi possível identificar outras vantagens:
25
Trabalhamos sábado e domingo. Essa função que nós exercemos, que é a de
distribuidor de alimento, precisa de domingo a domingo. É uma questão espontânea,
mas na questão da remuneração, da remição, nós não ganhamos nada. Mas nós já
solicitamos ao excelentíssimo senhor juiz para que pudesse rever esse caso, para ver
se a gente consegue o direito da remição juntamente com o acréscimo de
remuneração. O juiz ficou de dar uma resposta e estamos no aguardo de um
posicionamento sobre isso. Mas também é espontaneamente porque, por exemplo,
no sábado, quando não temos visita, ou a visita cai no domingo, é muito chato. A
gente já está acostumado à saída para distribuir alimento. É muito entediante ficar no
módulo. A gente que acostuma a trabalhar, quando fica no módulo, fica agoniado.
Aí nós preferimos, mesmo sem remuneração e remição, sair para exercer a função de
distribuir alimentos (Condenado do regime fechado) (IPEA, 2015, p. 42).
Pelo relato acima de um condenado é possível identificar que o preso encontrou sentido
no seu ato de trabalhar, e, mesmo sem receber sua remuneração, prefere exercer sua função, a
fim de evitar o tédio e a ociosidade presente no cotidiano dos cárceres.
Alguns presos relataram a possibilidade de contribuir com o sustento de suas famílias,
mesmo estando com a liberdade limitada e como viam a possibilidade de trabalhar como uma
oportunidade alcançada e a chance de não retornar mais à criminalidade. Encontraram no
trabalho exercido, aumento de sua moral e autoestima e consideravam essas características
fundamentais para um bom retorno a sociedade.
Entretanto, como dito anteriormente, apenas condenados em regime fechado e semiaberto
poderiam trabalhar e a preocupação com o fim da pena e seu futuro e sustento de sua família
era uma preocupação constante para os presos nessa situação.
4.7. O EGRESSO DO SISTEMA PRISIONAL
Entende-se por egresso o ex-detento que cumpriu sua pena e encontra-se em liberdade e
em dia com suas obrigações legais referente ao delito cometido. Uma vez que esse egresso
realizar trabalhos em seu período de pena, ao conquistar sua liberdade, perde o direito de fazê-
lo. Mesmo realizado cursos dentro da prisão, ao retornar ao convívio social, encontra barreiras
para conseguir emprego.
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Nós temos que dar atenção aos egressos para que eles não voltem a cometer delitos,
por isso sempre estamos em busca de parcerias para poder oferecer trabalho. (...).
Até poderíamos expandir nossos convênios também para quem já cumpriu pena,
mas temos uma dificuldade imensa em encontrar o egresso; 90% deles a gente perde
o controle, temos muita dificuldade em achá-los. Quando ele sai não temos mais
nenhum controle sobre ele, não temos a casa do albergado. A gente não dá emprego
para o egresso porque nós não o encontramos. Para fazermos programas desse tipo é
necessário que tenhamos o mínimo de controle. (...). Nossa gerência está sendo
transferida para o centro da cidade, porque muitas vezes o egresso não quer voltar
para o sistema carcerário para receber acompanhamento. Eu imagino que uma vez
que estivermos operando fora do sistema carcerário a procura por acompanhamento
será bem maior (Agente penitenciária – gerente de reintegração social) (IPEA, 2015,
p. 42).
Outra barreira encontrada é a saúde dessa pessoa ao sair da prisão, pois o ambiente de
cárcere muitas vezes é propagador de doenças. Há predominância por doenças do aparelho
respiratório como a tuberculose e a pneumonia e também alta taxa de presos contaminados
pelo vírus HIV, consequência da violência sexual entre os presos e o uso de drogas injetáveis
(ASSIS, p. 75, 2008). Ao sair da cadeia adoecido, a probabilidade de se conseguir um
emprego torna-se mais baixa.
A LEP em seus artigos 25, 26 e 27 garante ao egresso direitos e amparo para sua
ressocialização na sociedade. O Patronato Penitenciário é um órgão do poder executivo
responsável por assegurar o cumprimento desses direitos: assistência social para obtenção de
emprego, auxilio alojamento e alimentação nos primeiros meses após a saída da prisão,
assistência jurídica e pedagógica. Entretanto, esse órgão que possui um papel fundamental na
reintegração social desse ex-detento não recebe o apoio e investimento necessário para
realizar um trabalho mais eficaz (ASSIS, p. 78, 2008).
Há por parte do empresariado preconceito com esse egresso, por deduzir que o mesmo não
é de confiança, vai entrar na empresa, conhecer os processos e abrir a porta para roubos. Se
faz necessária uma iniciativa para mudar esse cenário e as empresários se conscientizarem e
terem ações de RSE voltadas para a temática da contratação de ex-detentos e o impacto social
que essa prática traz para a sociedade como um todo. Afinal, o egresso de hoje pode se tornar
o reincidente criminal amanhã.
27
5. PARALELO ENTRE PERFIL DE EGRESSOS DO SISTEMA
PRISIONAL E O TALENTO ORGANIZACIONAL
Pelos referenciais teóricos apresentados nos capítulos anteriores, é possível salientar os
perfis opostos que os reincidentes ao crime e os candidatos mais desejados aos cargos
concorridos possuem. Enquanto o talento é visto como uma raridade, um achado, o egresso é
encarado como um ser sem soluções e perspectivas para o futuro.
Quadro 4: Comparativo entre egressos e talentos.
Talento
X
Egresso
Qualificação profissional
avançada;
Habilidades interpessoais;
Alto grau de resolução de
problemas;
Contexto social receptivo.
Baixa escolaridade;
Estigma de comportamento
antissocial;
Pouca ou inexistente
experiência no mercado
formal;
Contexto social adverso.
Fonte: autoria própria.
Parece improvável para o empregador recrutar e selecionar um ex-detento, afinal ele
não possui as características e competências necessárias para o desempenho do trabalho
desejado. Entretanto, é possível promover práticas de responsabilidade social empresarial que
incentivem essa contratação e desenvolvimento desse profissional.
É importante salientar que essa prática não deve ser encarada como a contratação de
mão-de-obra barata para fins lucrativos. A organização irá valorizar sempre o lucro, porém o
impacto e os benefícios sociais inerentes devem ser valorizados como vantagens para a
empresa. Ao contratar esse individuo, consequentemente mais uma família passa a ter renda e
poder de consumo, o que faz a economia girar.
O objetivo dessa prática não é isentar essa pessoa do crime que cometeu, mas sim
encará-la como alguém com práticas ilícitas que está em dia com suas obrigações legais com a
28
justiça e cumpriu a pena devida ao delito cometido. Nesse caso, essa pessoa está apta para
exercer uma profissão e mudar o ciclo do contexto social em que está inserido.
A realidade brasileira se apresenta preocupante ao olhar para a população carcerária,
pois não há muitos incentivos de melhoria para essa esfera da sociedade. Entretanto, pessoas
que cometeram crimes estão inseridas no contexto social e ignorar a existência delas e tratar
como algo irrelevante não solucionará o problema. Tratar o preso apenas como culpado sem
valorizar a possível mudança propaga a criminalidade. Quem comete crimes deve arcar com
as consequências de seus atos, porém cabe às instituições sociais promover uma melhoria. A
empresa pode se utilizar de estratégias de forma catalizadora.Comparar esse indivíduo ex-
preso com o jovem talento desejado pelas organizações é injusto. É inegável que os dois
perfis apresentam disparidades e ao conduzir um processo seletivo, a área de Gestão de
Pessoas deve ter a compreensão correta das pessoas que estão participando. Colocar em pé de
igualdade esses candidatos demonstra falta de profissionalismo por parte dos gestores que
estão conduzindo a seleção. Cabe à área de Gestão de Pessoas capacitar e conscientizar os
recrutadores e selecionadores para que o processo seletivo seja conduzido de forma
transparente e respeitando os agentes envolvidos.
Além de fazer um processo seletivo para fechar uma vaga, a mentalidade que deve ser
valorizada pela área de Gestão de Pessoas é promover boas ações em suas rotinas. Ao optar
pela contratação do egresso, a empresa não perde por não contratar um talento, mas sim por
ter a oportunidade de desenvolver essa pessoa e transformá-la em um talento.
29
6. CASOS DE SUCESSO E INCENTIVO À PRÁTICA DE
RESSOCIALIZAÇÃO DE EGRESSOS DO SISTEMA PRISIONAL
Apesar de não ser amplamente divulgado nas mídias de massa, há projetos e empresas que
já se atentaram aos benefícios sociais da reintegração dos ex-detentos e iniciaram práticas de
incentivo.
6.1. SELO RESGATA
Criado pelo DEPEN no de 2017, o Selo Nacional de Responsabilidade Social pelo
Trabalho no Sistema Prisional (Selo Resgata) tem por objetivo reconhecer empresas públicas
e privadas que possuam em seu quadro de funcionários pelo menos 3% de pessoas privadas de
liberdade e egressos do sistema prisional. Além de reconhecer, promove o incentivo a essa
prática pelos benefícios sociais advindos da mesma (DEPEN, 2017). Em 2018, seu primeiro
ano de premiação, 112 empresas foram contempladas com a entrega do selo e reconhecidas
por essa prática (PLANALTO, 2018).
6.2. SELO DE DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE
A partir do Decreto nº 58.180, de 05 de abril de 2018, instituiu-se o Selo de Direitos
Humanos e Diversidade, promovido pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e
Cidadania (SMDHC), com objetivo de reconhecer e incentivar empresas públicas e privadas
com práticas de promoção de direitos humanos e valorização da diversidade no mercado de
trabalho. As empresas reconhecidas pelo Selo farão parte de uma rede de compartilhamentos
das políticas e aproximação de programas da prefeitura de São Paulo (SP).
Dentro do Selo há a categoria Pessoas privadas de liberdade e Egressas que reconhece
iniciativas voltadas à promoção de direitos das pessoas em cárcere privado, egressos do
sistema prisional e jovens cumprindo medida socioeducativa.
30
6.3. PROGRAMA PRÓ-EGRESSO
O Programa Estadual de Apoio ao Egresso do Sistema Penitenciário (PRÓ-EGRESSO) é
uma iniciativa oriunda da parceria da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP),
através da Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania (CRSC), a Secretaria do
Emprego e Relações de Trabalho (SERT) e a Secretaria de Desenvolvimento Econômico,
Ciência e Tecnologia (SDECT) do estado de São Paulo.
O programa foi instituído a partir do Decreto nº 55.126, de 07 de dezembro de 2009, com
duas principais vertentes: o direcionamento de egressos do sistema penitenciário paulista ao
mercado de trabalho e a qualificação profissional dos indivíduos nessa situação. Os egressos
podem se candidatar às vagas e as empresas podem divulgar as vagas através da plataforma
digital do programa.
6.4. EMPRESA: PANOSOCIAL
A PanoSocial é uma empresa privada que confecciona roupas, uniformes, acessórios e
produtos customizados localizada no estado de São Paulo. Em seus processos, é considerada
uma empresa que atua com Responsabilidade Social Ambiental (RSA) por utilizar matéria-
prima ecológica e processos produtivos sustentáveis. Além disso, se enquadra com a
Responsabilidade Social Empresarial por empregar em sua rede de produção ex-detentos, a
fim de diminuir a reincidência criminal.
A empresa foi criada em 2014 na cidade de São Paulo e em 2018 recebeu o Selo de
Direitos Humanos e Diversidade na categoria Pessoa privadas de liberdade e egressas.
Reconhecimento adquirido pela prática de empregar apenas egressos em seu próprio ateliê.
6.5. SEGUNDA CHANCE
O projeto foi criado em 2008 pela ONG AffroReggae e tem por objetivo fazer a ligação
entre ex-detentos em busca de emprego e empresas parceiras com vagas disponíveis. A ONG
recebe os candidatos e faz uma triagem inicial, realiza um cadastro de forma digital, onde
todas as informações necessárias já podem ser disponibilizadas para as empresas. Cabe a
31
ONG além de fornecer essas fichas de funcionários, acompanhar junto à empresa parceira o
desenvolvimento desse trabalhador.
Pelos exemplos citados acima, é possível notar que algumas entidades já perceberam a
importância de olhar para esse indivíduo egresso do sistema prisional e muitas vezes
desamparado pelo seu histórico de vida. Entretanto, ignorar a presença de muitos cidadãos
nessa situação não resolve o problema, fazendo-se necessária uma intervenção.
32
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através do presente trabalho foi possível identificar um perfil de profissionais que as
empresas tem buscado nos últimos tempos. Esse perfil é composto por indivíduos com
habilidades interpessoais bastante desenvolvidas e qualificação profissional cada vez mais
alta. Com o advento da tecnologia e pela maior complexidade dos processos, os recursos
humanos e seu intelecto se tornam valorizados.
A forma de conduzir um processo de recrutamento e seleção passou por mudanças,
adotando práticas que valorizam as escolha das competências necessárias e desejadas por cada
organização. Por adotar uma seleção mais criteriosa, os candidatos se especializam cada vez
mais e quem tem condições financeiras para se destacar perante seus concorrentes irá procurar
se diferenciar.
Cabe nesse viés olhar a parcela da população que não possui as condições necessárias para
se profissionalizar e nesse caso específico, os egressos do sistema prisional. Sistema este
composto majoritariamente por jovens com baixa escolaridade e oriundos de locais humildes
e sem acesso aos melhores níveis de ensino educacional. Adicionando o fato de possuírem um
histórico de criminalidade e cumprimento de cárcere privado. Dificilmente esse individuo será
considerado como o candidato ideal para uma vaga de emprego.
Apesar da existência de uma Lei de garante o direito ao trabalho aos presos, a Lei de
Execução Penal, ao sair do sistema penitenciário, o indivíduo passa por um acompanhamento
que é logo desfeito. Ao retornar ao convívio social e não ter oportunidades, além de uma
mentalidade condicionada à criminalidade, esse egresso do sistema prisional se torna um
reincidente por retornar às práticas criminosas.
Para evitar esse retorno, as empresas devem adotar práticas de Responsabilidade Social
Empresarial que incentivem a contratação desse ex-detento e consequentemente diminua a
probabilidade de novos crimes cometidos. O impacto social gerado por essa ação atinge ao
individuo pela possibilidade de exercer uma profissão e dar sustento aos seus familiares.
Atinge também a empresa, pois há maior visibilidade perante seus stakholders ao adotar
práticas de RSE.
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