luminária “lava-luz”: descrição e funcionamento quÍmica nova na escola densidade,...
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QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 19, MAIO 2004
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Recebido em 6/1/03, aceito em 12/4/04
Densidade, dilatação térmica e transformações de energia
Os benefícios de uma aborda-gem lúdica, no ensino deconteúdos científicos, têm
sido reconhecidos pelos professorese pesquisadores da área de Educa-ção. Além disso, verifica-se que, mui-tas vezes, os conteúdos ensinadosem sala de aula terminam por consti-tuir-se em conhecimento “livresco”, oqual o aluno não consegue utilizar pa-ra explicar toda uma série de fenôme-nos observados no seu cotidiano. Emqualquer shopping das grandes cida-des, sobretudo nas lojas de impor-tados, existe todo um conjunto deobjetos que apresentam mudança decores, movimento etc., e que, porconta disso, apresentam um elevadoapelo lúdico, aguçando a curiosidadedas pessoas em geral.
No presente artigo, propõe-se ouso de uma luminária do tipo “lava-luz” (ver descrição ao longo do texto)como elemento lúdico para o ensinointegrado dos seguintes conteúdos:(a) variação da densidade com a tem-peratura, (b) dilatação térmica de ma-teriais, (c) flutuabilidade de um mate-rial imerso em um fluido e (d) trans-formações e transferência de energia.A fim de cumprir-se a primeira dasfinalidades propostas (ensino da va-riação da densidade com a tempera-
Robson Fernandes de Farias
Propõe-se o uso de uma luminária do tipo “lava-luz” como recurso motivador no ensino da variaçãode densidade com a temperatura, envolvendo uma discussão sobre os processos de transferência/transformação de energia.
densidade, dilatação térmica, transformações de energia
tura), é indispensável que o conceitode densidade já esteja devidamenteestabelecido para o aluno. Em funçãoda complexidade física do sistemaem estudo – o que requer, por partedo aluno, familiaridade com toda umasérie de conceitos – pode-se sugeriro uso do experimento proposto comouma questão-desafio, nas etapasfinais do Ensino Médio.
Luminária “lava-luz”: descrição efuncionamento
A luminária do tipo “lava-luz” aquiconsiderada é da marca Solar, sendoconstituída pelas seguintes partes(ver Figura 1):
(a) base de alumínio contendo so-quete e uma lâmpada de 25 W;
(b) corpo, identificado como “refil”na Figura 1, constituído por uma gar-rafa de vidro cheia de água e umaparte sólida, composta de derivadosda parafina, com corante. No fundodesse corpo encontra-se um pedaçode fio metálico enrolado como umamola e uma camada sólida consti-tuída de material de baixo ponto defusão que, a temperatura ambiente,apresenta densidade superior à daágua, sendo imiscível nesse líquido.O corpo pode ser adquirido com afase aquosa de diferentes cores, es-
tando também disponíveis diferentescores para o material de fundo;
(c) um topo, também de alumínio.Ao acender-se a luminária, obser-
va-se, após alguns minutos, que aporção colorida sólida, situada no fun-do da garrafa, começa a fundir. Após30 a 60 minutos de funcionamento daluminária, a parte colorida, inicialmen-te sólida, já se encontra totalmentelíquida, iniciando-se um fenômeno
Figura 1: Esquema da luminária “lava-luz”da marca Solar.
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realmente belo: o desprendimento degrandes “gotas” da parte coloridalíquida do fundo, que se elevam até aparte superior da garrafa, retornandoao fundo em seguida. Esse fenômenorepete-se então incessantemente (verseqüência de fotos mostrada naFigura 2).
Luminária “lava-luz”: explicaçõesO material sólido colorido, inicial-
mente situado no fundo da garrafa,é constituído por derivados daparafina, apresentando assim baixoponto de fusão. Com o calor forne-cido pela lâmpada, o material sofrefusão. Uma vez fundido, e com ocontinuado aquecimento, o materialtornado líquido sofre ainda um au-mento de volume que, uma vez quesua massa permanece constante,implica numa conseqüente diminui-ção de sua densidade, motivo peloqual “gotas” se desprendem da mas-sa no fundo da garrafa e flutuam naágua. Em seguida, ao atingir a partesuperior da garrafa, menos aquecidaque a parte inferior (uma vez que estámais distante da lâmpada e resfrian-do-se em contato com o meioambiente), a “gota” sofre uma dimi-nuição de temperatura, com conse-qüente diminuição de volume, tor-nando-se então mais densa do que
a água, motivo pelo qual afunda. Oprofessor deverá lembrar que,rigorosamente falando, o que decidese um corpo flutua ou afunda não éa densidade, mas a relação entre oseu peso e o empuxo oferecido pelofluido no qual está imerso. Sendo oempuxo maior que o peso, o corpotende a subir até a superfície e flutuar.Se o empuxo for menor que o peso,o corpo afundará. Se essas duasgrandezas forem iguais, o corpo per-manecerá no seio do fluido. Como oempuxo é o peso do volume de fluidodeslocado pelo cor-po, fica clara sua de-pendência da den-sidade do fluido,mas não há relaçãoimediata com a den-sidade do corpo emquestão. Essa abor-dagem, que podeparecer mais com-plicada do que a queconsidera apenas asdensidades, evitaconfusões como aque se estabelece quando o aluno,considerando que o ferro é um ma-terial muito mais denso que a água,percebe que um navio de ferro flutuacom facilidade nesse fluido. Logo, oconceito de empuxo e sua relação
com a flutuabilidade de um corpo jádeve estar devidamente estabelecidono conjunto de esquemas concei-tuais do aluno.
A compreensão clara do sistemaconsiderado só será alcançada atra-vés de uma discussão sobre a trans-formação e transferência das diferen-tes formas de energia, pois nele ener-gia elétrica é convertida em luz e calor(lâmpada). Além disso, deve-se lem-brar que a água, ao ser aquecida,sofre também um aumento de volumee concomitante diminuição de sua
densidade, que, con-tudo, é menor do queo decréscimo dedensidade sofridopelo derivado para-fínico. Como questãoadicional pode-seperguntar por que abase da luminária (dealumínio) se aquecemais rapidamente doque a água. Apósdesligar-se a luminá-ria, os alunos pode-
rão verificar que a base de alumíniotambém sofre resfriamento maisrapidamente do que a água.
Como é conhecido, o alumínio ea água apresentam diferentescapacidades caloríficas e também
Figura 2: Seqüência de fotos mostrando o funcionamento da luminária utilizada: a) logo após ser ligada; b) após 15 minutos defuncionamento; c) após 40 minutos de funcionamento, podendo-se observar a subida de uma “gota”.
Rigorosamente falando, oque decide se um corpoflutua ou afunda não é a
densidade, mas a relaçãoentre o seu peso e o
empuxo oferecido pelofluido no qual está imerso.
Sendo o empuxo maiorque o peso, o corpo tende
a subir até a superfície eflutuar
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Abstract: Using a Java Lamp for the Teaching of Den-sity, Thermal Dilatation and Energy Transformations – Theuse of a Java lamp as a resource for the teaching of den-sity variation with temperature, involving a discussion onenergy transfer/transformation, is proposed.Keywords: density, energy transfer, energy transforma-tions
diferentes condutividades térmicas.Enquanto a capacidade caloríficamede como a energia interna aumen-ta com o gradiente de temperatura,a condutividade térmica mede comoaumenta o fluxo de energia com ogradiente de temperatura (Atkins,1993). A importância relativa dessesdois parâmetros para o fenômeno emquestão dependerá do quão próximoo sistema esteja de um estado deequilíbrio. Se o sistema estiver aindalonge de atingir umestado de equilíbrio,a condutividade tér-mica terá maiorimportância do que acapacidade calorí-fica. Assim, pode-seconcluir que, nos es-tágios iniciais defuncionamento daluminária, a conduti-vidade térmica é agrandeza preponde-rante para se entender o comporta-mento do sistema. Já após um maiortempo de funcionamento (quando asubida e descida das “gotas” setorna contínua), estando já estabe-lecido – ou próximo de estabelecer-se – um estado de equilíbrio entre osdiferentes sub-sistemas que consti-tuem a luminária e entre esta e o meioque a cerca, a capacidade caloríficados diferentes materiais que consti-tuem o sistema luminária (água, ma-terial parafinado, alumínio do corpoe metal da mola que está na base)torna-se cada vez mais um parâme-tro fundamental para a correta e ade-quada compreensão dos fenômenosobservados.
Como se pode verificar, a perfeitacompreensão teórica do fenômenoobservado na luminária requer aconjugação de diversos conceitos.Por esse motivo, não é recomendávelo uso didático desse dispositivo noinício da construção de tais concei-tos. O que parece oportuno é suautilização como uma espécie dequestão-desafio, proposta para alu-nos que estejam cursando as etapasfinais do Ensino Médio. Em talocasião, os conceitos envolvidos jáestarão pelo menos parcialmente
Referências bibliográficasATKINS, P. Physical chemistry. Oxford:Oxford University Press, 1993. p. 55,295 e 739.
Para saber maisVALADARES, E.C. Física mais que di-vertida. Belo Horizonte: Editora daUFMG, 2000. p. 81-90.BLOOMFILED, L.A. How things work –The physics of everyday life. NovaIorque: Wiley, 1997. p. 251-331.
construídos e precisarão ser acio-nados de modo integrado, na buscade uma explicação para as gotas quesobem e descem.
Sugestões para possíveis discussões eexperimentos
Em seu manual de instruções, ofabricante da luminária informa que,caso as “gotas” não mais afundem,terá ocorrido um super-aquecimentoda garrafa, recomendando-se o
desligamento da lu-minária. A explica-ção para tal fato po-de ser colocadacomo questão adi-cional para os alu-nos. Sabemos que,com o aumento dotempo de funciona-mento, o calor forne-cido pela lâmpadatermina por elevar atemperatura mesmo
da parte superior da garrafa, nãohavendo, portanto, o resfriamentodas “gotas” que sobem, motivo peloqual não há o aumento de densidadeinicialmente observado e as mesmasnão afundam.
Pode-se também questionar afunção do pedaço de fio metálicoenrolado em forma de mola, presenteno fundo da garrafa (ver Figura 1).Sabemos que, por apresentar ele-vada condutividade térmica, osmetais se aquecem e se resfriamfacilmente. Portanto, a função da“mola” é aumentar a velocidade detroca térmica entre a lâmpada e ofundo da garrafa.
Como experimentos a serem rea-lizados pelos alunos, podem ser veri-ficados os efeitos de:
a) substituir-se a lâmpada de25 W que acompanha a luminária poruma de maior potência;
b) ligar-se a luminária em dias friose dias quentes;
c) ligar-se a luminária sem o topode alumínio.
Durante a demonstração/experi-mento, o professor poderá formularquestões que permitam ampliar oentendimento do aluno com relaçãoaos fenômenos observados. Deve-se
também, é claro, tirar proveito daspossíveis explicações “erradas” queos alunos venham a formular, toman-do-as como ponto de partida paradiscussões subseqüentes. Algumasquestões que podem ser levantadaspelo professor a fim de propiciar aformação de conceitos por parte dosalunos são:
a) quais as transformações deenergia observadas a partir do mo-mento em que se liga a luminária, atéa subida e descida das “gotas” domaterial parafinado?
b) se a luminária tivesse o dobro,ou a metade, de sua altura original,o que aconteceria?
c) o funcionamento da lumináriaestá de acordo com o primeiro princí-pio da termodinâmica? Podemosprovar se está ou não?
NotaA luminária “lava-luz” descrita
neste artigo pode ser adquirida doseu fabricante, no endereço: SolarIluminação Ltda., Rua Fradique Cou-tinho 944, 05416-001 São Paulo - SP.
Ou, se preferir construir sua lumi-nária, consulte www.rose.edu/faculty/gjackson/method1.htm
Robson Fernandes de Farias (robsonfarias@aol.com), licenciado em Química e mestre emFísico-Química pela Universidade Federal do RioGrande do Norte (UFRN), doutor em Química Inor-gânica pela Unicamp, é docente do Departamentode Química da Universidade Federal de Roraimae orientador credenciado no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais eMatemática da UFRN.
A perfeita compreensãoteórica do fenômeno aqui
proposto requer aconjugação de diversos
conceitos. O que pareceoportuno é sua utilização
como uma espécie dequestão-desafio, propostapara alunos que estejamcursando as etapas finais
do Ensino Médio
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