o aspecto legal das ações de busca nas atividades de inteligência no brasil
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Jerry Antunes de Oliveira
O ASPECTO LEGAL DAS AÇÕES DE
BUSCA NAS ATIVIDADES DE
INTELIGÊNCIA NO BRASIL
Belo Horizonte
Centro Universitário Newton Paiva
Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais
2010
Jerry Antunes de Oliveira
O ASPECTO LEGAL DAS AÇÕES DE
BUSCA NAS ATIVIDADES DE
INTELIGÊNCIA NO BRASIL
Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação
Lato Sensu de Especialização em Inteligência de Estado
e Inteligência de Segurança Pública, oferecido pela
Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais
em parceria com o Centro Universitário Newton Paiva,
como requisito parcial à obtenção do título de
Especialista em Inteligência de Estado e Inteligência de
Segurança Pública.
Orientador: Prof. Dr. Denilson Feitoza Pacheco
Belo Horizonte
Centro Universitário Newton Paiva
Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais
2010
Centro Universitário Newton Paiva
Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais
Curso de Pós-Graduação de Especialização em Inteligência de Estado e Inteligência de
Segurança Pública
Monografia intitulada “O aspecto legal das ações de busca nas atividades de
inteligência no Brasil”, de autoria de Jerry Antunes de Oliveira, considerado aprovado,
com a nota 100 (cem), pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:
____________________________________________________________
Prof. Dr. Denilson Feitoza Pacheco – Orientador
____________________________________________________________
Cel. PM. José Eduardo da Silva
____________________________________________________________
Cel. EB. Roger Antônio Souza Matta
Belo Horizonte/MG, 21/maio/2010.
Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais
Rua Timbiras, 2928, 4º. andar, Bairro Barro Preto
30140-062 - Belo Horizonte - MG
Tel: 31-3295-1023
www.fesmpmg.org.br
Ao meu verdadeiro amor, companheira de todos os
momentos e eterna incentivadora, minha essência
Cláudia. Às nossas filhas, Nicole e Valentina, nossos
encantos inigualáveis.
Aos meus pais, Benedito e Maria, guerreiros da vida e
fontes de sabedoria existencial, amor, respeito e
carinho.
Ao meu sogro Seu Cláudio, pelas conversas
descontraídas e ensinamentos de vida. À minha sogra
Dona Ivonne, pelo exemplo e afeto.
Agradeço ao Dr. Denilson Feitoza Pacheco, capacitado
professor e incomparável debatedor da inteligência,
pelas imperiosas orientações e reflexões no
desenvolvimento deste trabalho.
Agradeço ao Dr. Francisco Eustáquio Rabello,
Delegado de Polícia Civil, amigo e fomentador do
crescimento humano, apregoador da inteligência
enquanto atividade.
Agradeço ao estudante e estagiário de direito Rodrigo
Rocha Feres Ragil pelo brilhantismo e empenho no
auxílio da busca de temas que compuseram em parte
esta pesquisa.
RESUMO
Neste trabalho, estuda-se a vulnerabilidade em que se encontram atualmente os atores
de inteligência no Brasil quando do desenvolvimento de suas atividades, ante a ausência
de uma legislação especial que verse sobre o tema e, objetiva-se alcançar respostas a
seguinte indagação: como proporcionar aos atores de inteligência a necessária segurança
jurídica para o desenvolvimento das ações de busca, quando utilizadas técnicas
operacionais próprias desta atividade, no Brasil? A dúvida da legalidade da aplicação de
determinadas técnicas operacionais de inteligência é assunto recorrente. A aplicação
destas técnicas no desenvolvimento de atividades de interesse do Estado e da sociedade,
muitas das vezes, reveste-se de métodos mais incisivos e de ações invasivas, capazes de
alcançar, em verdadeiro confronto, direitos e garantias fundamentais previstos e
sedimentados no Estado de Direito. A administração pública, por sua vez, não pode
prescindir do atendimento dos direitos individuais, mas os direitos sociais e coletivos
também se tornam primordiais nesta relação. Três princípios da administração pública
são aqui analisados como norteadores do objeto do estudo: o da legalidade, o da
supremacia do direito coletivo sobre o direito individual e o da proporcionalidade.
Procura-se estabelecer uma transversalidade e correlação destes princípios, resultando
em um caminho a ser discutido urgentemente pelos profissionais da área de inteligência
e legisladores no tocante à necessidade de regulamentação detalhada das atividades de
inteligência no Brasil.
Palavras-chave: Inteligência. Administração pública. Direitos e garantias
fundamentais. Princípio da legalidade. Princípio da proporcionalidade.
ABSTRACT
In this work, it is studied the vulnerability that the actors of intelligence found in Brazil
during the development of their activities, due to the absence of a special legislation
that talks about this subject and it is aimed at to reach answers the following inquiry:
how to provide to the intelligence actors the necessary juridical security for the
development of the search actions, when used own operational techniques of this
activity in Brazil? The doubt about the legality of the application of determined
operational intelligence techniques, is a recurrent subject. The application of these
techniques in the improvement of the activities that interest the State and the society,
many times is revested with more incisive methods and invasive actions , capable of
reaching a true confrontation, with the rights and basic fundamental guarantees foreseen
sedimented in the law. The public administration, for its turn, cannot do without the
attendance of the individual rights, but the social and collective rights, also become
essential in this relation. Three principles of the public administration are analyzed here
as guidelines of the object of study: legality; supremacy of the collective right over the
individual right and proportionality. We try to establish a transversality and correlation
between these principles, resulting in a way to be urgently discussed by the
professionals of the area of intelligence and the legislators in regard to the necessity of a
detailed regulation of the activities of intelligence in Brazil.
Keywords: Intelligence. Public administration. Basic rights and guarantees. Principles
of the legality and the proportionality.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................... 11
2 ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA ...................................... 18
2.1 A palavra inteligência ......................................................................... 18
2.1.1 Significados da palavra inteligência ........................................................ 19
2.1.2 Etimologia da palavra inteligência .......................................................... 20
2.1.3 Atividade de inteligência: exclusividade do Estado................................ 21
2.2 Conceitos: legal e doutrinário ............................................................ 24
2.2.1 Conceito legal ............................................................................................. 24
2.2.2 Conceito doutrinário ................................................................................. 25
2.3 Breve histórico ..................................................................................... 26
2.4 Funções ................................................................................................. 29
2.5 Ramos ................................................................................................... 30
2.5.1 Inteligência stricto sensu ........................................................................... 30
2.5.2 Contrainteligência ..................................................................................... 31
2.5.3 Distinção entre a atividade de inteligência e contrainteligência ........... 32
2.6 Categorias da atividade de inteligência ............................................. 33
2.7 A atividade de inteligência e a globalização ..................................... 36
3 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A ATIVIDADE DE
INTELIGÊNCIA ........................................................................ 41
3.1Breves comentários do surgimento da administração pública ........ 41
3.2 Funcionamento da administração pública ........................................ 42
3.3 Princípios da administração pública ................................................. 45
3.3.1 Princípio da legalidade .............................................................................. 45
3.3.2 Princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse
particular ............................................................................................................. 46
3.3.3 Princípio da indisponibilidade do interesse público ............................... 47
3.3.4 Princípio da impessoalidade ..................................................................... 47
3.3.5 Princípio da moralidade ............................................................................ 48
3.3.6 Princípio da publicidade ........................................................................... 49
3.3.7 Princípio da eficiência ............................................................................... 49
3.3.8 Princípio da finalidade pública ................................................................ 50
3.3.9 Princípio da presunção de legitimidade .................................................. 50
3.3.10 Princípio da autotutela ............................................................................ 50
3.3.11 Princípio do controle judicial dos atos administrativos ....................... 51
3.3.12 Princípio do devido processo legal, razoabilidade e proporcionalidade
.............................................................................................................................. 51
3.3.13 Princípio da motivação ............................................................................ 52
3.3.14 Princípio da obrigatoriedade do desempenho da atividade
administrativa ..................................................................................................... 52
3.3.15 Princípio da continuidade dos serviços públicos .................................. 53
3.3.16 Princípio da igualdade dos administrados em face da administração
pública .................................................................................................................. 54
3.3.17 Princípio da segurança jurídica ............................................................. 55
3.3.18 Princípio da responsabilidade do Estado .............................................. 55
3.4 Atribuições do servidor público e do analista de inteligência ......... 55
3.4.1 Conflito entre as atribuições do analista de inteligência e os ditames
constitucionais. .................................................................................................... 60
4 OPERAÇÕES DE INTELIGÊNCIA .................................... 62
4.1 Operações de inteligência ................................................................... 62
4.1.1 Noção........................................................................................................... 63
4.1.2 Ações de busca ........................................................................................... 64
4.1.3 Fontes de inteligência ................................................................................ 65
4.2 Técnicas operacionais de inteligência ................................................ 65
4.2.1 Aplicação .................................................................................................... 66
4.2.2 Modalidades ............................................................................................... 67
4.2.3 Técnicas operacionais e os direitos fundamentais .................................. 71
4.2.3.1 Inviolabilidade à intimidade, vida privada, honra e imagem ....................... 71
4.2.3.2 Inviolabilidade domiciliar ................................................................................ 72
4.2.3.3 Sigilo de correspondência e de comunicação ................................................. 72
4.2.3.4 Inviolabilidade de dados: sigilos bancário e fiscal ......................................... 73
4.2.3.5 Obtenção de provas ilícitas .............................................................................. 73
4.2.4 Distinção entre a atividade de inteligência e a investigação criminal ... 74
4.3 Limites e restrições .............................................................................. 76
4.4 Importância .......................................................................................... 77
5 PRINCÍPIOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS ................. 78
5.1 Introdução ............................................................................................ 78
5.2 A mudança na esfera dos direitos fundamentais ............................. 80
5.3 Classificação adotada .......................................................................... 82
5.3.1 Direitos fundamentais individuais e coletivos ......................................... 82
5.3.2 Direitos fundamentais universais ou relativos ........................................ 84
5.3.3 Direitos fundamentais de defesa (negativos) e à prestação (positivos) . 86
5.4 Princípios e regras ............................................................................... 87
5.5 Direitos e garantias fundamentais ..................................................... 91
5.6 A atividade de inteligência e os direitos fundamentais .................... 94
5.7 Princípios que regem a atividade de inteligência ............................. 96
5.8 Princípios fundamentais—princípio da proporcionalidade,
princípio da legalidade e princípio da obrigatoriedade......................... 98
5.8.1 O princípio da eficiência e efetividade na atividade de inteligência ... 100
5.8.2 A proibição de excesso e de insuficiência do Estado—relação a partir
do princípio da proporcionalidade.................................................................. 104
5.8.3 O princípio da legalidade e da obrigatoriedade na atividade de
inteligência ......................................................................................................... 109
6 LEGISLAÇÃO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA—
ESPANHA E BRASIL ............................................................. 112
6.1 A legislação na Espanha ................................................................... 112
6.2 A legislação no Brasil ........................................................................ 117
6.3 A insuficiência da legislação brasileira sobre o tema .................... 119
7 CONCLUSÃO ....................................................................... 124
REFERÊNCIAS ....................................................................... 128
11
1 INTRODUÇÃO
O Brasil, no atual estágio de desenvolvimento econômico, ocupando lugar
de destaque na América Latina e no mundo globalizado, mostra-se, cada vez mais,
participativo e essencial nas discussões internacionais sobre diversos temas, dentre os
quais cumpre ressaltar conferências climáticas e assuntos de segurança mundial. Esse
último tópico, todavia, é tratado como questão de extrema relevância para as pretensões
brasileiras, tendo em vista que o país pleiteia uma vaga no Conselho de Segurança das
Nações Unidas, e, conseqüentemente, uma posição estratégica em todas as contendas e
conflitos internacionais.
Uma nação com uma dimensão territorial como a brasileira, permeada por
diversas culturas e por uma população heterogênea, detentora de riquezas explícitas e
outras ainda por descobrir, não pode prescindir de um serviço de inteligência adequado
às suas necessidades, tanto na atuação interna quanto externa. Uma estrutura complexa
como a máquina estatal depende de um serviço de apoio e de uma orientação adequada
aos tomadores de decisão, convergindo sempre para os interesses do Estado e para a
segurança da sociedade, em sentido amplo das expressões.
Neste sentido, com relação à necessidade da indispensabilidade de um
serviço de inteligência, muito se discute, no Brasil, qual seria a real necessidade da
presença de agências de inteligência, eis que, em um passado remoto, essa atividade
estava diretamente associada ao regime de exceção em que, historicamente, trabalhava-
se apenas em prol do interesse do regime vigente à época, e não em torno do interesse
nacional e da sociedade.
Tendo em vista diversos problemas e crimes que, outrora, eram
solucionados em âmbito nacional, e, hoje, contam com uma organização e produzem
efeitos de alcance mundial, constata-se, uma vez mais, que, para o efetivo progresso e a
plena consolidação do Estado Democrático de Direito em nosso país, a atividade de
inteligência torna-se primordial, pois no presente contexto internacional é urgente uma
agilidade em assuntos que visem à segurança e à defesa do Estado.
A atuação desses serviços de inteligência deve ser pautada pela
legitimidade e licitude, com a observância de princípios já sedimentados, como o da
12
legalidade, da razoabilidade e o da proporcionalidade, buscando com isso um perfeito
equilíbrio entre o interesse do Estado e os direitos fundamentais assegurados na Carta
Magna.
Com efeito, como bem explicita Maria Concepción Pérez Villalobos (2002,
p. 11):
Los servicios de inteligencia se incardinam precisamente en la estructura
política de ese Estado social y democrático de Derecho, en el que el respeto a
los derechos fundamentales del indivíduo se convierte en el princípio
inspirador de todo el sistema constitucional. Tanto los poderes públicos como
los ciudadanos están obligados al respeto y a la garantía de aquellos derechos
que la Constitución reconoce como fundamentales.1
Por outro lado, para o desenvolvimento das atividades de inteligência são
usadas técnicas operacionais muito comuns em investigações policiais, tais como a
entrada, a infiltração e o disfarce, que, muitas vezes, deparam-se com algumas garantias
fundamentais do indivíduo.
De um modo geral, pretendemos colocar em discussão e demonstrar a quase
absoluta ausência de uma legislação pátria suficiente o bastante para legitimar de forma
clara e objetiva as ações de busca nas atividades de inteligência, assegurando ao ator da
inteligência a tranquilidade e a segurança necessárias para o desempenho de suas
atribuições estipuladas em leis específicas. Não nos referimos apenas aos limites e
restrições estabelecidos aos executores finais das ações de inteligência, mas também às
dificuldades encontradas pelos gestores destas atividades quando se deparam com
questionamentos de seus subordinados sobre a legalidade das ações determinadas.
O respeito às leis e às normas é a base do constitucionalismo liberal
almejado pela nossa sociedade. Os direitos e garantias individuais e coletivos já
afloraram e buscam uma sedimentação cada vez maior e, deste modo, qualquer conduta
que venha a provocar, ainda que de forma distante, o desrespeito ao Estado de Direito e
suas garantias deve ser imediatamente repudiada, com procedimentos capazes de
respondê-la moderada e imediatamente, dentro dos limites instituídos em lei.
1 Os serviços de inteligência se encaixam precisamente na estrutura política desse Estado social e democrático de
Direito, no que o respeito aos direitos fundamentais do indivíduo se converte no princípio inspirador de todo o
sistema constitucional.Tanto os poderes públicos como os cidadãos estão obrigados ao respeito e a garantias daqueles
direitos que a Constituição reconhece com fundamentais [Tradução Nossa].
13
Nesse diapasão, o objeto central a ser explorado no presente estudo
converge à possível resposta do seguinte questionamento: como proporcionar aos atores
de inteligência a necessária segurança jurídica para o desenvolvimento das ações de
busca, quando utilizadas técnicas operacionais próprias desta atividade, no Brasil?
As normas que positivaram as ações de busca no nosso país são quase
imperceptíveis, causando dúvidas frequentes de como executá-las e, como
consequência, colocando seus atores em riscos desnecessários em decorrência desta
falta de clareza e objetividade nas suas interpretações.
Nesta vertente, o agente administrativo da atividade de inteligência não
pode ser comparado a um servidor público de outros órgãos que apenas exerce
atividades meramente burocráticas. Ao contrário, deve estar amparado de forma
especial, objetivando, com isso, dar maior segurança e transparência às suas reais
funções nesta atividade diferenciada.
Ainda nesta linha de raciocínio, discutiremos a situação atual da legislação
brasileira no tocante às atividades de inteligência, procurando demonstrar que a ação de
busca reveste-se, por diversas vezes, de ilegalidade e clandestinidade. Ao final do
trabalho, propõe-se uma regulamentação mais ampla e condizente com o serviço
prestado e com os direitos e garantias que devem ser assegurados aos servidores e
aqueles que não podem ser desrespeitados pelas ações de busca.
Na seara da discussão principal do estudo, propõe-se realizar uma reflexão
sobre a confusão existente entre as atividades de inteligência e as investigações
policiais. A sociedade, por desconhecimento e até mesmo por matérias publicadas em
veículos de informação, tem uma percepção equivocada da atividade de inteligência,
repudiando veementemente a criação de agências de inteligência, assim como as
identifica, erroneamente, como procedimentos de investigações policiais.
Particularmente, o objeto da presente pesquisa é de extrema importância não
só pelo fato de, como delegado de polícia federal e atualmente exercendo a função de
dirigente da Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal em Minas
Gerais, o que, por si só, justificaria o interesse pelo assunto, mas, principalmente, pela
preocupação em poder agir, demonstrando e assegurando aos subordinados que as suas
ações de busca na atividade de inteligência revestem-se de amparo legal.
14
O tema demonstra-se atual, não só em razão da preocupação com a
transparência e com o efetivo desempenho dos serviços de inteligência, mas, conjugado
a isso, pelo fato de a legislação ordinária não abranger e regulamentar com clareza os
diversos campos de atuação, de como agir com as técnicas operacionais de inteligência,
produzindo conhecimento ao tomador de decisão, sem que isso esteja envolto de
clandestinidade.
No campo operativo, a presente pesquisa tem o propósito de procurar
discussões para a efetiva regulamentação das ações de busca nas atividades de
inteligência, de forma que os atores de inteligência desenvolvam suas atividades de
maneira consentânea com os princípios democráticos, evitando abusos e arbitrariedades
contra os direitos e garantias fundamentais da pessoa.
Quanto à relevância humana, é indiscutível que o secretismo moderado nas
atividades de inteligência e a maneira de como produzir conhecimento são essenciais
para garantir a sobrevivência do Estado no interesse coletivo e, para tanto, não podemos
nos olvidar de exigir uma atuação cada vez mais consonante com os direitos
fundamentais e, por consequência, progredir na sedimentação do Estado Democrático
de Direito em nosso país.
Desta forma, o tema em questão se mostra pertinente para o momento que o
país atravessa em relação ao desenvolvimento das atividades de inteligência, no que
acreditamos que trará maior transparência e legitimidade para os organismos de
inteligência.
Apenas com a disposição de uma legislação clara e completa pode-se
assegurar o desempenho e o desenvolvimento de atribuições e ações sem invadir ou
ferir os direitos e garantias fundamentais da pessoa e da coletividade. Esperamos, com
isso, ao menos abordar a temática de forma crítica, permitindo a abertura de uma maior
discussão nos meios acadêmicos e na sociedade em geral, objetivando-se o
aperfeiçoamento e o crescimento de uma atividade de inteligência que atenda os
princípios constitucionais e legais, e ao mesmo tempo consiga garantir a defesa do
Estado e da sociedade.
O trabalho apresenta, inicialmente, a origem da palavra inteligência, seus
diversos campos de aplicação em várias ciências, obviamente com significados
15
diferentes. Entretanto, focamos o termo inteligência enquanto atividade imprescindível
e exclusiva do Estado na proteção do cidadão e da sociedade, garantindo-se, ainda, a
soberania com a aplicação de políticas públicas voltadas à defesa e ao interesse
nacional.
Antes de apresentarmos o conceito das atividades de inteligência, embora
não seja um dos objetos principais deste trabalho, permitimo-nos comentar sobre a
plausibilidade da utilização da atividade de inteligência na esfera privada, que, à luz de
nossa percepção, é atividade única e exclusiva do Estado.
Na sequência, apresentamos o conceito das atividades de inteligência, um
breve histórico desde o seu surgimento no Brasil, seus ramos e espécies, buscando
demonstrar a essencialidade e imprescindibilidade da sua existência para a
sobrevivência do Estado, enquanto ente jurídico capaz de garantir a sua própria defesa e
a proteção da sociedade que o integra.
Diante do que nos propomos a discutir, a estrutura da administração pública
tornou-se relevante, em virtude de que discorremos introdutoriamente sobre o
surgimento do Estado, desde o Absolutismo até o Estado Democrático de Direito,
passando por uma análise filosófica e procedimental do aparato estatal, eis que os atores
de inteligência se encontram inseridos nas atividades típicas de Estado.
Adiante, mencionamos as técnicas mais conhecidas e aplicadas nas
operações de inteligência, com um breve comentário sobre indevida confusão entres
estas e aquelas utilizadas na investigação criminal. Neste contexto operacional, fizemos
algumas observações dos limites de ação e riscos a que estão expostos os atores de
inteligência, sempre direcionando o debate para a ausência de previsão legal para tanto.
Os direitos e garantias fundamentais individuais e coletivos mereceram
destaque neste estudo em razão da necessidade de analisá-los em contraponto com as
ações de busca das atividades de inteligência, haja vista que, para a operacionalização
de algumas atividades, princípios devem ser afastados, sobrepondo-se o interesse
coletivo sobre o individual e, para tanto, a proporcionalidade, enquanto princípio, nos
pareceu o mais coerente para a licitude das ações.
Ao final, propomos algumas sugestões que podem, de certa forma,
esclarecer a discussão. Entre elas, a normatização ampla das atividades de inteligência,
16
mediante lei ordinária, em que fosse inserida uma estrutura organizacional adequada às
necessidades para o pleno exercício das suas finalidades, com um controle direto,
exercido tanto pelo Ministério Público como pelo Poder Judiciário. Para maior
embasamento da questão, analisa-se, a título comparativo, a atividade de inteligência
desempenhada na Espanha pelo Centro Nacional de Informação (CNI), que conta com
um controle dual exercidos pelo Congresso Nacional e pelo Poder Judiciário.
Antes de esmiuçar o tema, tentamos, de certa forma, padronizar alguns
conceitos já conhecidos e aplicados por estudiosos, doutrinadores e juristas, não sendo
objeto deste estudo a discussão de definições e classificações de inteligência,
administração pública, direitos e garantias fundamentais. O método hipotético-dedutivo
foi utilizado na contextualização do tema. Já para o desenvolvimento do estudo,
utilizou-se o método jurídico-dogmático.
Para a reflexão do problema de pesquisa, a ideia do princípio de
proporcionalidade foi fundamental na sua construção, servindo como marco teórico de
referência a doutrina de Pacheco (2007), para quem o tratamento desigual de situações
torna-se viável, haja vista que princípios não absolutos devem ser ponderados para
restabelecimento da igualdade.
No conflito entre a vontade da coletividade e o respeito aos direitos e
garantias fundamentais, emerge o princípio da proporcionalidade como dispositivo mais
coerente para aferir a legitimidade ou não das ações de busca que comprometam
algumas prerrogativas constitucionais. Essa situação complexa reflete-se no dilema
vivenciado pela máquina estatal, à qual é proibida qualquer manifestação de excesso –
desrespeito – em relação aos direitos fundamentais do indivíduo, mas, simultaneamente,
é vedada a deficiência ou ineficiência na prestação de serviços e na proteção dos
próprios direitos fundamentais coletivos contra forças alheias, sejam elas por parte de
indivíduos ou por parte de outras nações.
Neste sentido, Denilson Feitoza Pacheco (2007, p. 133) leciona: ―Seria
como se disséssemos que o princípio da proporcionalidade tanto veda o excesso de ação
quanto o excesso de omissão‖ (grifo do autor).
Diante da problemática do tema pesquisado, também utilizamos como
marco teórico referencial o princípio da legalidade, associado ao princípio da
17
supremacia do interesse público sobre o privado, muito bem abordado por Maria Sylvia
Zanella Di Pietro (2002, p. 68-70). Por meio desses princípios, a autora correlaciona os
dois pilares da administração pública, quais sejam o princípio da legalidade e o da
supremacia do interesse público sobre o privado, com o princípio da proporcionalidade.
A partir de uma oposição entre a proteção aos direitos individuais frente ao
Estado e o dever de satisfação do interesse público pela própria administração pública, a
solução para um eventual conflito reside na análise da questão sobre os moldes da
proporcionalidade, enquanto princípio regulador da atuação estatal (DI PIETRO, 2002).
Ademais, o administrador público não pode prescindir da obediência às leis
na execução de seus atos administrativos, sob pena de invalidação destes atos que, desta
forma, não se revestirão da legitimidade resguardada pela conformidade do ato previsto
em lei. Nessa linha de pensamento, evidencia-se uma correlação direta entre os
princípios da proporcionalidade, da legalidade e da supremacia do interesse público
sobre o privado. Correlação esta que deve ser observada pelo Estado em todas as suas
ações e por todos seus agentes, objetivando a preservação do Estado Democrático de
Direito brasileiro e a defesa dos direitos e garantias individuais e coletivas.
Com argumentos eloquentes, Di Pietro (2002, p. 65) finaliza o tema nos
seguintes dizeres:
Assim, o Direito Administrativo nasceu e desenvolveu-se baseado em duas
idéias opostas: de um lado, a proteção aos direitos individuais frente ao
Estado, que serve de fundamento ao princípio da legalidade, um dos esteios
do Estado de Direito; de outro lado, a de necessidade de satisfação dos
interesses coletivos, que conduz à outorga de prerrogativas e privilégios para
a Administração Pública, quer para limitar o exercício dos direitos
individuais em benefício do bem-estar coletivo, quer para a prestação de
serviços públicos.
Daí a bipolaridade do Direito Administrativo: liberdade do indivíduo e
autoridade da Administração; restrições e prerrogativas. Para assegurar-se a
liberdade, sujeita-se a Administração Pública à observância da lei; é a
aplicação, ao direito público, do princípio da legalidade. Para assegurar-se a
autoridade da Administração Pública, necessária à consecução de seus fins,
são-lhe outorgados prerrogativas e privilégios que lhe permitem assegurar a
supremacia do interesse público sobre o particular.
18
2 ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA
2.1 A palavra inteligência
Antes de qualquer definição legal ou doutrinária da atividade de
inteligência, deve-se fazer uma análise da palavra inteligência, direcionando-se ao
objeto do estudo.
Toda palavra tem uma construção histórica compreensiva e que a faça valer
no seu entendimento como aceita por um grupo de pessoas em um único sentido. A
palavra inteligência pode ser compreendida de formas diferentes por grupos diferentes,
como no caso das ciências, em que grupos de cientistas de áreas diversas a
compreendem, cada qual, dentro de seu campo de pesquisa.
O senso comum entende a palavra inteligência como a capacidade que o
indivíduo possui para raciocinar, planejar, resolver problemas, abstrair ideias e
aprender. O conceito de inteligência, aqui, é bem amplo, e muitas vezes, relacionado a
uma característica específica de cada um, condizente à sua personalidade.
(WIKIPÉDIA, 2010)
Por outro lado, a psicologia, enquanto ciência que estuda o comportamento
e os processos mentais do indivíduo, associa a palavra inteligência a uma capacidade
desenvolvida pelo homem que o torna apto a verbalizar ideias, compreender instruções,
resolver problemas, e adaptar-se a novas situações. Diferentemente do senso comum, a
filosofia não vê a inteligência como fator integrante da personalidade do homem.
(VIANNA, 2010)
De acordo com Carvalho (1994) em exposição no Seminário de Filosofia, o
conceito da palavra inteligência não quer dizer a sagacidade de resolver problemas, a
habilidade matemática, a imaginação visual, a aptidão musical ou qualquer outro tipo de
competência em especial. Quer dizer, da maneira mais geral e abrangente, ―a
capacidade de apreender a verdade.‖
Para nós, pesquisadores do assunto, a palavra inteligência também possui
um significado especial, voltado basicamente às informações capazes de subsidiar os
tomadores de decisões no interesse e proteção do Estado e da sociedade.
19
2.1.1 Significados da palavra inteligência
Abaixo, seguem alguns significados da palavra inteligência e intelligence
segundo renomados dicionários da língua portuguesa e inglesa.
A palavra intelligence, consoante o dicionário eletrônico Dictionary.com,
(2010), seria:
4) knowledge of an event, circumstance, etc., received or imparted; news;
information.2
5) the gathering or distribution of information, esp. secret information.3
6) Government.
a) information about an enemy or a potential enemy.
b) the evaluated conclusions drawn from such information.
c) an organization or agency engaged in gathering such information: military
intelligence; naval intelligence. 4
7) interchange of information: They have been maintaining intelligence with
foreign agents for years.5
O dicionário eletrônico Cambridge (2010), por sua vez, define intelligence
como ―2) secret information about the governments of other countries, especially enemy
governments, or a group of people who collect and deal with this information.‖6
Por outro lado, o dicionário Oxford (2010) caracteriza intelligence como ―3)
the gathering of information of military or political value.‖7
O dicionário eletrônico Longman (2010) conceitua intelligence como: ― 2 a)
information about the secret activities of foreign governments, the military plans of an
enemy etc; b) a group of people or an organization that gathers this information for
their government.‖8
O dicionário Macmillan (2010) não desvirtua dessa ótica, e associa
intelligence a:
2 4) o conhecimento de um evento, circunstância, etc., recebido ou transmitido; notícia; informação; [Tradução
Nossa]. 3 5) coleta ou distribuição de informação, especialmente informações sigilosas; [Tradução Nossa]. 4 6) Governo, a) informações sobre um inimigo ou em potencial para sê-lo; b) a avaliação das conclusões extraídas
dessas informações; c) uma organização ou agência envolvida na coleta de informações como: inteligência militar,
inteligência naval; [Tradução Nossa]. 5 7) intercâmbio de informações: eles tem sido a manutenção da inteligência com agentes estrangeiros por anos
[Tradução Nossa]. 6 2) Informações secretas sobre o governo de outros países, especialmente dos governos inimigos, ou de um grupo de
pessoas que coletam e lidam com essa informação [Tradução Nossa]. 7 3) A coleta de informações de valor militar ou político [Tradução Nossa]. 8 2a) Informações sobre as atividades secretas de governos estrangeiros, os planos militares de um inimigo, etc; b) um
grupo de pessoas ou uma organização que reúne as informações para seu governo [Tradução Nossa].
20
2) information collected about the secret plans and activities of a foreign
government, enemy, etc.9
3) a government organization that collects information about the secret plans
and activities of a foreign government, enemy, etc.10
Na página da Merriam-Webster dictionary (2010), intelligence é concebida
como: ―4) information concerning an enemy or possible enemy or an area; also : an
agency engaged in obtaining such information.‖11
Observando-se os dicionários brasileiros de língua portuguesa, o dicionário
Aurélio (2008) define inteligência como: ― [...] 5) ajuste, conluio, relações secretas.‖
O dicionário Michaelis (2009), por seu turno, considera inteligência: ―[...] 7)
serviço de informações.‖
Percebe-se claramente a inexistência de qualquer correlação que possa,
mesmo que de forma distante, aceitar a possibilidade da utilização da atividade de
inteligência na esfera privada. Afirmamos: a atividade de inteligência deriva e é
exclusiva de Estado e, portanto, somente pode estar estruturada e organizada dentro do
aparato estatal, o que passaremos a analisar adiante.
2.1.2 Etimologia da palavra inteligência
Analisar a origem e história da palavra nos faz perceber a sua relevância.
Carneiro (2008), em seu artigo ―As múltiplas inteligências e inteligência musical‖, nos
traz a origem da palavra inteligência, assim descrevendo:
De um ponto de vista etimológico a palavra inteligência arremete para o latim
(intelligentia); e se forçarmos um pouco poderemos ver, também, uma
influência grega: podemos dizer que a palavra é composta pelo prefixo "in"
acrescido de "telligentia".A possível influência grega aparece entre "in" e
"gentia", numa possível referência a "telos", que em grego tem o significado
de "à distância". Isso juntado dá a idéia de que o ser humano é aquele animal
capaz de se colocar à distância de uma realidade a fim de ver-lhe o interior;
ou então a capacidade de colocar-se separadamente, à distância, de uma
realidade para lhe perscrutar o interior, visto que "in" é o prefixo de "parte
interna" e "ligentia" pode ser entendido como leitura. No dicionário (Aurélio,
1975) além de capacidade de aprender, perceber, interpretar, aparece a
9 Informações coletadas sobre os planos secretos e as atividades de um governo estrangeiro, inimigo, etc. [Tradução
Nossa]. 10 Uma organização governamental que coleta informações sobre os planos secretos e as atividades de um governo
estrangeiro, inimigo, etc. [Tradução Nossa]. 11Informações sobre um inimigo ou em potencial para sê-lo ou uma área; também: uma agência envolvida na
obtenção de tais informações [Tradução Nossa].
21
capacidade de penetração e perspicácia. O que nos arremete, também, para
dentro das realidades.
2.1.3 Atividade de inteligência: exclusividade do Estado
Historicamente, a inteligência enquanto atividade surge da necessidade de
conhecimento prévio de ocorrências futuras, plausíveis de acontecimento, sempre
vinculada a líderes e no interesse de certa comunidade ou governo e, portanto, associada
a uma atividade estatal, independentemente do regime governamental, seja ele
absolutista ou democrático. Não encontramos, em qualquer linha literária, a construção
histórica desta atividade vinculada à iniciativa privada, excepcionalmente quando
tratamos de atividades criminosas e de espionagem industrial.
Como aqui trataremos, dentre outros assuntos, sobre a legalidade da
aplicação das técnicas operacionais de busca nas atividades de inteligência, tendo o
agente público como referencial, não poderíamos deixar de avançar, ainda que
timidamente, no tema que debate a previsão de atividades de inteligência na esfera
privada.
Convém analisá-la essencialmente sobre sua viabilidade e possibilidade de
aplicação quando o assunto debatido foge às esferas governamentais, do interesse
público e da sociedade, ou seja, para fins de Estado.
Percebemos, pela leitura, que alguns legisladores, doutrinadores e
professores constantemente difundem a possibilidade da utilização das atividades de
inteligência na esfera privada, inclusive defendendo a edição de leis específicas para
tratar desta atividade no âmbito privado. Discordamos deste posicionamento, diante das
considerações apresentadas na sequência.
Não há que se falar no desenvolvimento das atividades de inteligência sem a
efetiva aplicação de técnicas operacionais capazes de buscar e coletar dados, sejam eles
negados ou não, objetivando assessorar o tomador de decisões, não importando em que
nível hierárquico este possa estar dentro de uma organização.
Ora, a coleta e a busca de dados que possam estar disponíveis diretamente a
qualquer interessado nas denominadas fontes abertas e que não necessitem da aplicação
de técnicas operacionais de inteligência pode ser desenvolvida por qualquer ser humano
22
de compreensão mediana e, obviamente, sem a necessidade de uma formação específica
e um efetivo controle direto do Estado.
Este dado coletado por particulares em uma estrutura empresarial, apesar de
conter informações, relevantes ou não, a um superior hierárquico, não pode, a nosso ver,
ainda que devidamente processada, ser considerada uma atividade de inteligência.
Afirmamos isso categoricamente porque sua finalidade em nada sinaliza
para a proteção do Estado e da sociedade. A consolidação destes dados coletados nada
mais é que uma pasta de informações que podem ser utilizadas por aqueles que detêm o
poder decisório em uma determinada organização. Isso é portanto apenas uma técnica
administrativa que pode vir a demonstrar cenários projetivos ou prospectivos de
determinada atividade, tal como avaliar mercados ou comportamentos de consumidores
e investidores. Talvez, ao analisar uma circunstância específica, estes dados podem, de
certa forma, ser utilizados nas atividades de inteligência de Estado. Entretanto, desta
vez, serão obtidos por agentes públicos, investidos no cargo especificamente e com
atribuições bem delineadas.
Insistimos: tratar esta simples atividade de coleta de dados por particulares
como atividade de inteligência é banalizar a história. Seguindo neste pensamento
simplório e desprovido de uma construção histórica, aos poucos chegaremos a avaliar
que tudo é atividade de inteligência e que poderíamos aplicá-la nas diversas tomadas de
decisões, até mesmo no ambiente familiar. Apenas para complementar a ideia, teríamos
uma nova categoria: inteligência doméstica, no sentido mais restrito da palavra.
A situação se torna bem mais complexa e interessante se observarmos que
para a coleta e busca desse dado, negado ou não, os particulares passem a utilizar de
técnicas operacionais específicas da atividade de inteligência. Neste caso, certamente
irão, de alguma forma, esbarrar em direitos e garantias individuais e coletivos, hoje
amplamente assegurados pela Constituição Federal do Brasil.
Dessa forma, entendemos que é impossível se pensar em uma legislação
para regulamentar as atividades de inteligência na esfera privada sem que, com isso,
sejam desrespeitadas regras imprescindíveis ao bem estar social e já consolidadas em
um Estado que se preze, Democrático e de Direito.
23
Sábio o legislador, ao analisarmos o Código Penal de 1940, que
criminalizou a conduta daqueles que ousam utilizar, na esfera privada, de meios
obscuros, e digam-se ilícitos e ilegais, para que sua empresa, seja qual for o ramo de sua
atividade, tenha maior projeção e aumento nos lucros em detrimento de seus
concorrentes de livre mercado. Situação esta que contraria direitos e garantias que nosso
Estado Democrático de Direito tenta assegurar a cada indivíduo.
Por outro lado, cabe às empresas adotarem medidas que visem a proteger
seu processo de conhecimento e o conhecimento já finalizado, até mesmo com a
orientação e supervisão do Estado, caso haja necessidade para tanto. Esta ação, afirme-
se, lícita e legal, não pode ser considerada uma atividade de contrainteligência
desenvolvida pelo particular. Neste caso refere-se apenas à medida de segurança em que
são adotados procedimentos comuns e diversos de técnicas operacionais típicas de
atividades de inteligência.
Vejamos alguns trechos inseridos em artigos publicados e que definem este
tipo de conduta como espionagem industrial.
Com base em Maila (2010), dito em seu artigo ―Espionagem industrial: da
guerra fria aos tempos atuais‖, podemos definir espionagem industrial como:
[...] a ação de pessoas ou grupos de pessoas, que no interesse próprio ou de
terceiros, tem como objetivo subtrair informações ou segredos comerciais. E
para tanto utiliza-se de variadas técnicas para se atingir o objetivo, como,
recrutando-se funcionários ou ex-funcionários, infiltrando agentes em postos
específicos, chantageando, interceptando comunicações de telefone, fax, e-
mails, etc. [...]
Atualmente, em razão da alta tecnologia, muito se tem discutido sobre a
espionagem industrial realizada por meios cibernéticos, sendo esta uma modalidade real
e que as empresas e órgãos da administração em geral devem estar atentos.
Percebe-se que a atividade de espionagem industrial aproxima-se, em
especial, da atividade de inteligência competitiva em relação aos objetivos e finalidades,
mas em muito se distancia desta última no que toca aos meios utilizados para cumpri-
los. Na realidade, a atividade de inteligência em geral deve revestir-se da legalidade
esperada para que direitos fundamentais não sejam desrespeitados arbitrariamente, o
que não ocorre em atividades de espionagem industrial.
24
Nesse sentido, Wilson Rocha de Almeida Neto (2009, p. 64) sintetiza essa
ideia nos seguintes dizeres:
É um processo informacional proativo que conduz à melhor tomada de
decisão, seja ela estratégica ou operacional. É um processo sistemático que
visa descobrir as forças que regem os negócios, reduzir o risco e conduzir o
tomador de decisão a agir antecipadamente, bem como proteger o
conhecimento gerado. É diferente de espionagem, pois esta última é a busca
ou acesso não autorizado a dados, informações e outros conhecimentos
sensíveis, ou seja, é o uso de práticas ilegais para a obtenção de dados e
informações.
Em suma, inteligência competitiva não é espionagem, pois espionagem é o
uso de meios ilegais para coletar informações.
Finalizando esses breves comentários, acreditamos que esse é o momento
apropriado para pesquisadores, doutrinadores, professores e profissionais da atividade
de inteligência refletirem e debaterem mais profundamente sobre a utilização das
atividades de inteligência na esfera privada, sob pena de banalização do próprio
conceito de inteligência enquanto atividade de Estado.
No nosso país existe a necessidade de uma ampla divulgação e
convencimento da efetiva necessidade das atividades de inteligência no interesse do
Estado e da sobrevivência pacífica da própria sociedade. Para tanto, inúmeros passos
hão de ser trilhados, dentre eles a valorização da inteligência enquanto atividade típica e
exclusiva de Estado. Ao contrário, corremos o risco do alcance de seu descrédito,
quando utilizada fora da esfera governamental.
2.2 Conceitos: legal e doutrinário
2.2.1 Conceito legal
Consoante o Decreto nº 4.376/2002, que regulamentou a Lei nº 9.883/1999,
criadora do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), inteligência é:
[...] a atividade de obtenção e análise de dados e informações e de produção e
difusão de conhecimentos, dentro e fora do território nacional, relativos a
fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo
decisório, a ação governamental, a salvaguarda e a segurança da sociedade e
do Estado.
25
Em outras palavras, o Estado entende a atividade de inteligência como um
conjunto de ações preventivas e repressivas que objetivam assegurar a ordem pública e
a segurança do cidadão. Esse conceito, porém, apresenta algumas variações em
discussões doutrinárias, o que veremos no tópico adiante.
2.2.2 Conceito doutrinário
Baseando-se na doutrina de Joanisval Brito Gonçalves (2005), inteligência
seria um conceito relacionado a:
[...] atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de
conhecimentos, dentro e fora do território nacional, sobre fatos e situações de
imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação
governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado.
Segundo o mesmo autor, o planejamento, a execução, a coordenação e o
controle das atividades de inteligência são fundamentais para assessorar o presidente da
República e outras autoridades estatais na tomada de decisões.
Muito próximo do raciocínio de Gonçalves, Francisco José Fonseca de
Medeiros (2009), em seu artigo ―A atividade de inteligência no mundo atual‖ considera
a inteligência como a atividade típica de:
[...] coletar os dados e produzir conhecimentos necessários, relatando-os a
quem couber decidir, que os avaliará e integrará aos outros fatores
necessários à decisão ou ao planejamento estratégico da organização.
Medeiros (2009) ainda faz a ressalva de que antes de se transmitir
conhecimentos aos dirigentes e tomadores de decisão, o órgão de inteligência deve
determinar o valor, a veracidade e a importância dos dados colhidos.
A Associação Brasileira dos Analistas de Inteligência Competitiva
(ABRAIC, 2010), por sua vez, define inteligência como:
[...] atividade especializada, permanentemente exercida com o objetivo de
produzir informação acionável (Inteligência) e de interesse à uma
determinada organização e a salvaguarda desta informação contra ações
adversas de qualquer natureza. O termo Inteligência encerra um tríplice
aspecto: (1) como atividade (2), como produto dessa atividade; (3) como área
habilitada a realizar essa atividade.
A ABRAIC insere em sua definição um contexto da inteligência voltado
para uma organização – interesse público e privado - e não para apenas a segurança do
26
Estado e da sociedade (Lei n. º 9883/1999) onde existe somente o interesse público nas
ações. Percebe-se nitidamente que, pela conceituação da ABRAIC, se pretende ampliar
o alcance da atividade de inteligência para a área privada, no que discordamos,
conforme já dito e debatido anteriormente.
Observa-se, portanto, que a palavra inteligência, de acordo com a
abordagem do presente estudo, pode referir-se tanto à atividade de coleta, pesquisa e
salvaguarda da informação, como ao próprio conhecimento obtido por meio da
atividade, ou ainda, à área ou órgão que desempenha a atividade de inteligência.
Ao contrário do amplo conceito dado à inteligência pela ABRAIC, Suana
Guarani de Melo (2009), em sua participação no Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, com o tema Atividade de inteligência: constitucionalidade e direitos humanos
apresenta uma definição mais delimitada. Para a autora, a inteligência :
[...] consiste no exercício permanente e sistemático de ações especializadas
para a produção e salvaguarda de conhecimentos necessários para prever,
prevenir e reprimir quaisquer delitos ou aqueles relativos a temas de interesse
da Segurança Pública, numa atitude proativa e não somente reativa.
Cumpre ressaltar, a partir definição de Melo (2009), que a atividade de
inteligência não pode ser vista como um procedimento reativo a uma situação ou
problema. Ao contrário, é uma atividade proativa, que se destina a prever e antecipar
quais são os fatos e informações necessárias para se tomar uma decisão adequada a um
fato antes mesmo de ele ocorrer.
2.3 Breve histórico
Se o objetivo do presente trabalho fosse analisar o surgimento da atividade
de inteligência na civilização humana, observaríamos que ela existe desde os tempos
bíblicos, quando Moisés enviou espiões para lhe trazer dados sobre o que poderia ser a
"terra prometida". Também não se pode duvidar que a manutenção de vastos impérios
como o Romano e o Otomano contaram com vários espiões e verdadeiros agentes para a
proteção de seu governo contra a ameaça externa. Entretanto, o universo da atividade de
inteligência se modificou bastante nos últimos tempos, pois, assim como afirma José
Afonso de Medeiros (2009) ―nas últimas duas décadas, o número de informações
cresceu mais do que nos últimos 5 mil anos‖.
27
Todavia, apesar da origem dessa atividade nos remeter a um passado bem
distante e de uma história significativa, o estudo em análise almeja focar sua reflexão na
atividade de inteligência nacional.
Segundo Medeiros (2009), a atividade de inteligência no Brasil tem início
no governo democrático do presidente Washington Luís, que instituiu em 1927, a partir
do Decreto nº 999 de 29 de novembro, o Conselho de Defesa Nacional. O Conselho,
órgão diretamente subordinado ao presidente da República, era constituído por todos os
Ministros de Estado e pelos Chefes de Estado - Maior da Marinha e do Exército, e seu
objetivo era suprir o executivo com informações estratégicas para a tomada de decisão.
A partir de 1937, o Conselho foi denominado, pelo então presidente Getúlio
Vargas, Conselho de Segurança Nacional; e em 1946, com o término da Segunda
Guerra Mundial, criou-se o Serviço Federal de Informações e Contra-Informações -
SFICI, vinculado à estrutura do Conselho de Segurança Nacional. Nesse período,
marcado por um nacionalismo exacerbado incentivado pelo Governo, e por constantes
―ameaças‖ como o nazismo, por um lado, e o comunismo, por outro, a atividade de
inteligência ganhou grande destaque no Brasil. Dessa forma, em 1949, o Decreto nº
27.583, de 14 de dezembro, aprovou o Regulamento para Salvaguarda das Informações
de Interesse da Segurança Nacional.
No ano de 1958, o Decreto nº 44.489-A, de 15 de setembro, determinou que
o SFICI teria competência para superintender e coordenar as atividades de inteligência
que interessassem à Segurança Nacional. Na entrada do período militar, porém, essa
estrutura começa a se modificar. Em 1964, o Governo encaminha o projeto de Lei que
cria o Serviço Nacional de Informações, órgão símbolo da ditadura, reconhecido por
suas repressões e lesões aos direitos humanos. A página do Corpo de Bombeiros Militar
de Santa Catarina - CBMSC (2009) resume bem esse momento:
[...] em 13 de junho de 1964, através da lei n.o 4.341, foi criado o Serviço
Nacional de Informações. Em conseqüência, em 24 de setembro do mesmo
ano, o Decreto nº 54.303 alterou a redação do Regimento da Secretaria Geral
do Conselho de Segurança Nacional, aprovado pelo Decreto n.o 45.040, e
revogou os Decretos n.o 44.489-A e 46.508-A. Em 6 de agosto de 1965,
através da Circular n. 12, o Gabinete Civil da Presidência da República
recomendou às Seções de Segurança Nacional dos Ministérios Civis que
mantivessem estreita e permanente ligação com o SNI.
28
Ainda sob os moldes ditatoriais, em 31 de março de 1971, pelo Decreto nº
68.488, foi criada a Escola Nacional de Informações (EsNI), diretamente subordinada
ao Ministro Chefe do SNI, com a finalidade de preparar, atualizar e especializar o
pessoal para exercer funções no SISNI. A escola entrou em funcionamento em 1972,
com a formação da primeira turma, prosseguindo suas atividades nos anos seguintes
com a organização de cursos regulares e estágios de curta duração.
Com o final da ditadura, o Brasil entrou em um período de transição para os
moldes democráticos. Consoante a própria página da Agência Brasileira de Inteligência
(ABIN, 2010):
[...]durante o governo do Presidente José Sarney,constituiu-se um grupo de
trabalho específico, com representações da Agência Central do SNI, e da
EsNI, que elaborou o manual de Informações do SNI, aprovado pela Portaria
nº 36, de 1989, redefinindo os conceitos doutrinários para as Informações no
Brasil. Concebeu-se assim um novo conceito para as atividades de
informações, cujo desdobramento se deu em duas vertentes básicas:
Informação - voltada para a produção do conhecimento; e Contra-Informação
- voltada para a salvaguarda do conhecimento.
Fernando Collor de Melo, seguindo suas promessas de campanha, extinguiu
o SNI, sinalizando uma grande reforma administrativa. A atividade de inteligência,
nesse momento, ficou a cargo da recém-criada Secretaria de Assuntos Estratégicos –
SAE, enquanto a EsNI passou a ser chamada de Centro de Formação e Aperfeiçoamento
de Recursos Humanos - CEFARH.
No entanto, com o impeachment do presidente Collor, a atividade de
inteligência nacional voltou a sofrer alterações. O novo presidente, Itamar Franco, criou
a Subsecretaria de Inteligência - SSI, tendo-lhe subordinado o Departamento de
Inteligência e o CEFARH, a partir da Lei nº 8.490, de 1992. Situação esta que não
permaneceu estável visto que, com o fim da Guerra Fria e, consequentemente, com a
prevalência da ótica capitalista sobre a comunista
[...] houve um novo redirecionamento de interesses no cenário político e
econômico mundial. Mudaram os inimigos e os alvos a serem alcançados. O
combate ao crime organizado, terrorismo, narcotráfico, biopirataria,
espionagem industrial e econômica e aos ilícitos transnacionais passaram a
constituir o escopo da atividade de inteligência no século XXI.[ABIN2010]
Ainda de acordo com a página da ABIN (2010)
[...] em 1995, o Presidente Fernando Henrique Cardoso baixou a medida
provisória nº 813, cujo texto manteve a SSI subordinada à SAE, e ainda
29
autorizava a criação da Agência Brasileira de Inteligência - Abin, autarquia
federal vinculada à Presidência da República. A nova entidade possuiria,
entre suas finalidades, a incumbência de planejar e executar atividades de
natureza permanente, relativas ao levantamento, coleta, análise de
informações, e executar atividades de natureza sigilosa, necessárias à
Segurança do Estado e da sociedade.
Para finalizar esse breve histórico sobre a atividade de inteligência no
Brasil, Fernando Henrique Cardoso instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência -
SISBIN e regulamentou a criação da Agência Brasileira de Inteligência – ABIN, por
intermédio da Lei nº 9.883 de 1999.
2.4 Funções
Como já dito antes, a atividade de inteligência é um procedimento de coleta,
pesquisa e salvaguarda de informações para auxiliar no processo decisório da nação. A
partir dessa simples definição, pode-se depreender que a função primordial da atividade
de inteligência é munir as autoridades governamentais do conhecimento necessário para
se tomar a decisão adequada no momento. Auxiliando o poder decisório do Estado, as
ações de inteligência estariam alcançando também objetivos secundários, quais sejam, a
manutenção da segurança pública contra eventuais ameaças, internas ou externas, e o
alcance do interesse público ou bem-comum.
Gonçalves (2009, p. 21) explica que a principal função da atividade de
inteligência é a:
[...] obtenção e análise de informações que venham a subsidiar o processo
decisório de diferentes níveis e atividades. Daí que praticamente tudo pode
ser objeto da análise de informações: questões de política externa, assuntos
internos, problemas estratégicos contemporâneos, temas fiscais, segurança
pública, produção industrial e agrícola, meio ambiente, epidemias e saúde
pública, política energética. De fato, onde houver planejamento e processo
decisório – e dados negados a serem obtidos sobre esses assuntos – a
atividade de inteligência – em suas diferentes modalidades – mostra-se útil.
O mesmo autor, complementando sua visão, ainda ensina que uma das
grandes funções das atividades de inteligência é garantir a preservação das instituições
democráticas.
Na mesma linha de pensamento a Associação Brasileira dos Analistas de
Inteligência Competitiva (ABRAIC) entende que a função primordial da atividade de
30
inteligência é suprir as ―necessidades de conhecimentos para a decisão, identificadas
com base nos objetivos que compõem a necessidade dos usuários e que enquadram-se,
no todo ou em parte, na esfera de competência da Inteligência‖ (ABRAIC, 2009).
Em uma abordagem complementar, Francisco José Fonseca de Medeiros
(2009), no artigo ―Atividade de Inteligência no Mundo Atual‖, aloca à atividade de
inteligência a função de ―identificar as ameaças e oportunidades no ambiente externo e
as vulnerabilidades no ambiente interno da organização‖.
Para finalizar esse tópico, destacamos a função das atividades de
inteligência atribuídas pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Para este órgão
de inteligência nacional, o principal objetivo estratégico da atividade de inteligência é
―auxiliar no poder decisório do Governo, bem como desenvolver atividades de
Inteligência voltadas para a defesa do Estado Democrático de Direito, da sociedade, da
eficácia do poder público e da soberania nacional.‖ (ABIN, 2010).
2.5 Ramos
2.5.1 Inteligência stricto sensu
A inteligência stricto sensu constitui-se, ao lado da contrainteligência, como
um dos ramos das atividades de inteligência.
A inteligência stricto sensu, de acordo com Wilson Rocha de Almeida Neto
(2009, p. 28), consiste na
atividade permanente e especializada de coleta de dados, produção e difusão
metódica de conhecimentos, a fim de assessorar o usuário na tomada de uma
decisão relevante, com o resguardo do sigilo quando necessário para a
preservação da própria utilidade da decisão, da incolumidade da instituição
ou do grupo de pessoas a que serve.
Conclui o mesmo autor dizendo que a inteligência stricto sensu é parte
integrante de um processo de transformação de um simples dado em conhecimento útil,
preciso, avaliado e interpretado, numa concatenação de ações logicamente
sequenciadas.
Do mesmo modo, em seu artigo ―A inteligência estratégica e a defesa
nacional‖, Márcio Rocha (2009) entende ―a inteligência stricto sensu como dados e
informações nas mais variadas áreas do conhecimento e dos assuntos de interesses do
31
Estado que a desenvolve.‖ Ainda, segundo ele, ―servem como suporte direto e decisivo
nas decisões políticas e estratégicas de mais alto nível do Estado‖ (ROCHA, 2009).
Denilson Feitoza Pacheco (2005), no artigo ―Atividades de inteligência e
processo penal‖, por seu turno, define a inteligência stricto sensu como a simples
―produção de conhecimento, que é documentado e disseminado na forma de relatórios
de inteligência, a saber informe, apreciação, informação e estimativa‖.
A partir dessa série de significados, podemos definir, sintética e
objetivamente, a inteligência stricto sensu como a produção de conhecimento para
auxiliar o poder decisório da máquina estatal, definição esta que está de acordo com a
concepção da Lei nº 9883/1999.
2.5.2 Contrainteligência
Ao contrário da inteligência stricto sensu, a contrainteligência corresponde,
consoante as palavras de Wilson Rocha de Almeida Neto (2009, p. 57), à ―atividade de
detecção, identificação, avaliação, prevenção, obstrução, exploração e neutralização das
ameaças, internas e externas, às suas áreas, instalações, pessoas e interesses, inclusive
provenientes de inteligência adversa‖.
Continua o autor dizendo que a contrainteligência é
[...] tradicionalmente dividida em dois setores: a segurança ativa e a
segurança orgânica. A primeira abrange as medidas e ações pró-ativas, de
maior poder vulnerante, destinadas a detectar, avaliar, identificar, explorar e
neutralizar as ameaças à organização. A segurança orgânica, por sua vez,
traduz as medidas e ações de cunho propriamente defensivo, ou seja, aquelas
destinadas à prevenção e obstrução das ameaças‖. [ALMEIDA NETO, 2009,
p. 57]
A Escola Superior de Guerra (1976, p. 557), citado por Gonçalves (2008, p.
163), na mesma linha de pensamento, define contrainteligência como um aspecto da
atividade de inteligência que engloba um conjunto de medidas destinadas a neutralizar a
eficiência dos serviços de inteligência adversos, salvaguardar os segredos de interesse
da Segurança Nacional, bem como identificar as agressões à população.
A ideia de contrainteligência é complementada por Pacheco (2005) também
no artigo ―Atividades de inteligência e processo penal‖, referindo-se à mesma como
―proteção dos dados, informações e conhecimentos de uma instituição, por meio da
32
segurança do pessoal, segurança da documentação e material, segurança das áreas e
instalações, e segurança dos sistemas de informações – comunicações e informática‖.
O Decreto nº 4.376/2002, por meio de seu art. 3º, considera a
contrainteligência como:
[...] a atividade que objetiva prevenir, detectar, obstruir e neutralizar a
inteligência adversa e ações de qualquer natureza que constituam ameaça à
salvaguarda de dados, informações e conhecimentos de interesse da
segurança da sociedade e do Estado, bem como das áreas e dos meios que os
retenham ou em que transitem.
Com todos estes significados, podemos definir, sinteticamente, a
contrainteligência como a atividade voltada à neutralização da inteligência adversa.
2.5.3 Distinção entre a atividade de inteligência e contrainteligência
De maneira simples, pode-se vislumbrar algumas diferenças entre a
inteligência stricto sensu e a contrainteligência. Enquanto a primeira visa precipuamente
a produzir um conhecimento de grande valia para o poder decisório das autoridades
estatais, a última objetiva prevenir, detectar, obstruir e neutralizar ações adversas que
ameacem a salvaguarda dos dados, conhecimentos, áreas e instalações, pessoas e meios
de interesse da Nação.
Em outras palavras, poder-se-ia conceber a inteligência e a
contrainteligência como os dois lados da mesma moeda, visto que à primeira seria
atribuída a produção de conhecimento, e à segunda, a proteção desse mesmo
conhecimento. Deste modo, mesmo com a existência de uma sutil distinção, ambas
possuem características com finalidades proativas, ou seja, buscam a antecipação de
acontecimentos relevantes, com a prospecção de cenários, alicerçando a melhor tomada
de decisão.
Outra diferença que pode ser depreendida é que a inteligência stricto sensu
remete suas atenções ao âmbito interno (produção de conhecimento para o poder
decisório da nação), e a contrainteligência canaliza suas energias para a esfera externa
(proteção do conhecimento produzido da inteligência adversa).
33
2.6 Categorias da atividade de inteligência
A atividade de inteligência é composta por diversas categorias, as quais
caracterizaremos neste tópico. Distinguem-se, antes de tudo, pela sua área de atuação,
bem como pelos objetivos e objeto específico procurado por essas atividades.
Classificamos a atividade de inteligência em categorias: inteligência policial,
competitiva, fiscal, de Estado, militar, econômica, de comunicação, financeira, e
estratégica.
a) Inteligência policial: atividade de inteligência que busca dados e
informações relevantes que possam auxiliar no serviço policial, como conhecimento
sobre grupos, bandos quadrilhas, condições sociais, entre outros. Joanisval Brito
Gonçalves (2009, p. 24-45) possui uma definição precisa, em que considera a atividade
de inteligência policial como aquela que
[...] atua na prevenção, obstrução, identificação e neutralização das ações
criminosas, com vistas à investigação policial e ao fornecimento de subsídios
ao Poder Judiciário e ao Ministério Público nos processos judiciais. Buscam-
se informações necessárias que identifiquem o exato momento e lugar da
realização de atos preparatórios e de execução de delitos praticados por
organizações criminosas, obedecendo-se aos preceitos legais e
constitucionais para a atividade policial e as garantias individuais.
b) Inteligência competitiva: seria a transformação de dados e informações de
inteligência de cunho empresarial e que protegem as empresas de atividade adversa e as
auxilia na competição. Pode ser entendida como
[...] o conjunto de ações sistematizadas de busca; que visa descobrir as forças
que regem os negócios; de análise e de disseminação; das informações úteis
aos tomadores de decisão das organizações e proteger o conhecimento
gerado. É um processo proativo que conduz à melhor tomada de decisão,
seja ela estratégica ou operacional. O objetivo maior da Inteligência
Competitiva é agregar valor à informação, buscando o crescimento
organizacional [VELLOSO, 2007].
No tocante a esta categoria doutrinariamente discutida, já externamos nosso
pensamento no item 2.1.3 deste trabalho, no qual discorremos que, enquanto atividade,
a inteligência é típica e exclusiva de Estado.
Ressalte-se, como já feito, o alerta de Wilson Rocha de Almeida Neto
(2009, p. 64) no sentido de que não se concebe a atividade de inteligência competitiva
como espionagem, ―pois esta última é a busca ou acesso não autorizado a dados,
34
informações e outros conhecimentos sensíveis, ou seja, é o uso de práticas ilegais para a
obtenção de dados e informações‖.
c) Inteligência fiscal: acolhemos a posição de Joanisval Brito Gonçalves
(2009, p. 24-45) a qual associa inteligência fiscal à
[...] atividade voltada à identificação de delitos contra a ordem tributária e à
produção de conhecimentos relacionados ao tema. A inteligência fiscal atua
na busca do dado negado, ou seja, daquilo que o contribuinte deixou de
declarar e que, na realidade, envolve as maiores quantias em dinheiro.
Mais detalhada, porém, está a definição do tema no artigo ―Bem-vindos à
era do conhecimento: foi instituído o sistema de inteligência fiscal‖, de Roberto Dias
Duarte (2009), que indica essa atividade como
[...] o exercício sistemático de ações especializadas, visando à obtenção,
análise, difusão tempestiva e salvaguarda de dados e conhecimentos, com as
seguintes finalidades:
1) assessorar as autoridades fazendárias, nos respectivos níveis e áreas de
atribuição, no planejamento, na execução e no acompanhamento das ações da
fiscalização, bem como no aperfeiçoamento da legislação tributária e das
políticas internas de segurança;
2) detectar e combater a fraude fiscal estruturada;
3) subsidiar os órgãos responsáveis pela persecução penal no combate aos
crimes contra a ordem tributária, de lavagem de dinheiro e de outros
correlatos.
d) Inteligência de comunicações: é o resultado da atividade de
interceptação, decodificação, tradução e análise das comunicações e informações
obtidas via canais telefônicos, código Morse, telex ou fac-símile, via cabo ou satélite.
Assim como afirma a página da ABRAIC (2009), o ―[...] ponto crucial aqui é o acesso
direto ao conteúdo das mensagens, seja ele cifrado/codificado ou não.‖
e) Inteligência de Estado: sinteticamente, é a atividade voltada para a defesa
direta do Estado, de sua sociedade e de sua soberania nacional. Joanisval Brito
Gonçalves (2009, p. 24-45) possui uma definição mais precisa, a qual associa
inteligência de Estado como atividade que
[...] busca informações, processos e organizações relacionados à produção de
conhecimentos, tendo por escopo a segurança do Estado e da sociedade, e
que constituem subsídios ao processo decisório da mais alta esfera de
governo. Divide-se em duas subcategorias: Inteligência Externa e Inteligência
Interna.
35
Inteligência externa: aquela voltada à identificação de oportunidades e
ameaças relacionadas às capacidades, intenções e atividades de pessoas, grupos ou
Estados estrangeiros, bem como de organizações internacionais e transnacionais. Assim,
a inteligência externa está estreitamente vinculada à defesa nacional e à política externa
de um país (GONÇALVES, 2009, p. 24-45).
Inteligência interna: tem a ver com a informação voltada à segurança do
Estado, de suas instituições e da sociedade, relacionada a ameaças no interior do
território nacional. Entre as ameaças que são objeto da atenção da inteligência interna
estão a subversão, espionagem, violência politicamente motivada, instabilidade
econômica, política e social etc. A Escola Superior de Guerra (1976, p. 504), citado por
Gonçalves (2008, p. 163) melhor define essa modalidade de inteligência de Estado
como aquela que ―visa à obtenção de conhecimentos relativos ao próprio país, bem
como antagonismos reais ou potenciais e pressões existentes, com a finalidade de
orientar o planejamento e o acompanhamento da Política Nacional‖.
f) Inteligência econômica: tipo de inteligência que se preocupa com as
relações econômicas de um país em relação aos demais, bem como suas relações e as
informações que podem auxiliar na tomada de decisão e, consequentemente, gerar uma
vantagem competitiva. Conforme a ABRAIC (2009),
―[...] é a atividade de Inteligência exercida por órgãos do Governo cuja
finalidade é a produção de Inteligência para o desenvolvimento de vantagem
competitiva de um país, bem como a proteção das informações científicas e
tecnológicas sensíveis voltadas para a atividade produtiva‖.
g) Inteligência eletrônica: a ABRAIC (2009) compreende inteligência
eletrônica como a ―interceptação de diferentes tipos de sinais eletrônicos não
comunicacionais emitidos por aparelhos civis e militares. Esses sinais são armazenados
em arquivos de referência sobre as características técnicas de todo hardware envolvido
com aquele tipo e sinal‖. É um tipo de inteligência específico o qual exige de seus
profissionais um conhecimento técnico de aparelhos eletroeletrônicos e tecnologias
novas.
h) Inteligência militar: é a atividade de busca e coleta de informações
específicas pelas Forças Armadas, que tem por ―escopo o conjunto de informações
obtidas para subsidiar o processo decisório dos vários escalões das forças armadas‖
36
(GONÇALVES, 2009, p. 24-45). Outra definição de inteligência militar é aquela
entendida pelo Ministério da Defesa do Brasil e apresentada pelo então General de
Divisão Aloísio Rodrigues dos Santos no Seminário Atividades de Inteligência no
Brasil contribuições para a soberania e a democracia (2002), citado por Gonçalves
(2009, p. 24):
Inteligência Militar: atividade técnico-militar especializada,
permanentemente exercida, com o objetivo de produzir conhecimentos de
interesse do Comandante de qualquer nível hierárquico e proteger
conhecimentos sensíveis, instalações e pessoas das Forças Armadas contra
ações realizadas ou patrocinadas pelos serviços de inteligência oponentes
e/ou adversos (IP30-01).
i) Inteligência financeira: atividade que reserva suas atenções para a coleta
e busca de dados financeiros que serão de grande valia para o poder decisório do
Estado. Joanisval Brito Gonçalves (2009, p. 24-45) a define como
[...] conjunto de ações de inteligência voltadas à identificação de delitos
financeiros, pessoas, organizações e informações a eles relacionados e
produção de conhecimento com vistas ao combate a esses ilícitos e
neutralização das atividades de pessoas e organizações.
j) Inteligência estratégica: inteligência estratégica constitui uma atividade
que lida com conhecimentos estratégicos, indispensáveis à segurança e ao bem estar de
uma nação. Nesse sentido diz-se que:
[...] no permanente monitoramento do ambiente externo ao Estado, a
Inteligência Estratégica constitui os olhos e os ouvidos do Estado, atuando
diretamente na defesa dos interesses da nação. Tendo a nobre tarefa de
identificar as fontes de potenciais ameaças aos interesses nacionais, cuja
origem possa situar-se no conflito de interesses com outros Estados ou
grupos hostis, a Inteligência Estratégica torna-se valioso instrumento de
assessoria para as decisões de nível estratégico [ROCHA, 2009].
2.7 A atividade de inteligência e a globalização
A história afirma que os séculos que compreenderam a Idade Média são
comumente reconhecidos como a Idade das Trevas, por seu obscurantismo em relação
às inovações e pelo domínio exercido pela Igreja Católica; enquanto seu contraponto é
visto no período subsequente, reconhecido como Século das Luzes justamente por haver
um renascimento de culturas antes desconsideradas (greco-romana), e por haver um
impulso significativo nas inovações tecnológicas e na nova concepção de Homem
37
difundida (antropocentrismo). Se por um lado, na Idade Média, o bem mais valorizado
era a posse de terras, imersa em um sistema socioeconômico feudal, por outro, no
renascimento, conjugado às grandes navegações, a posição econômica e social era
definida de acordo com a riqueza produzida através da iminente atividade comercial.
Essas importantes mudanças também repercutiram no período posterior, eis
que com o estabelecimento dos Estados-Nação e com a consolidação da classe burguesa
no cenário ocidental, encontrou-se terreno fértil para o desenvolvimento de uma
próspera atividade industrial. Aqui, portanto, o bem mais valorizado era o produto
industrial e a posição social era definida de acordo com a dicotomia
empresário/empregado.
Entretanto, observando-se o atual século XXI, apesar da produção industrial
ainda exercer influência, não mais é considerada o bem de maior valor. O novo milênio
demonstra que todo o sistema organizacional da sociedade gira em torno de
informações, e a posição socioeconômica é definida consoante o indivíduo detenha ou
não o conhecimento necessário.
Logrando-se desse contexto, a posse de informações específicas é sinônimo
de poder em certo aspecto, valorizando-se e prosperando atividades como a de mídia e
de inteligência. O século XXI é reconhecido, pois, como o Século da Informação.
Todavia, não obstante a informação seja o bem de maior valia para a
sociedade contemporânea, deve-se entender esse processo antes e depois do fenômeno
da globalização.
Esse fenômeno é um dos processos de aprofundamento da integração
econômica, social, cultural, política, que teria sido impulsionado pelo barateamento dos
meios de transporte e comunicação dos países do mundo no final do século XX e início
do século XXI. Através deste processo, as pessoas, os governos e as empresas trocam
ideias, realizam transações financeiras e comerciais e espalham aspectos culturais pelos
quatro cantos do planeta. Está relacionado com a criação de uma rede de conexões, que
deixam as distâncias cada vez mais curtas, facilitando as relações culturais e
econômicas de forma rápida e eficiente.
É claro, portanto, que esse encurtamento de distâncias e a maior integração
entre pessoas e Estados permite uma maior difusão das informações, em especial com a
38
popularização da internet. Como consequência natural desse processo, a procura e a
demanda por informações e dados crescem exponencialmente. E em decorrência dessa
maior integração e da maior facilidade de difusão da informação, a internet e outros
meios de comunicação são capazes de nos fornecer um volume inimaginável de
informações a livre acesso. A doutrina reconhece essas novas fontes, que surgiram e que
permitem o acesso à informação gratuita e facilmente, como fontes abertas.
Poder-se-ia vislumbrar, a partir dessa realidade, que a atividade de
inteligência, bem como a midiática, seriam otimizadas de tal forma que, como o acesso
às informações estaria mais fácil e simples, muitos dos dados que anteriormente não
tinham como ser conhecidos, poderiam, agora, estar em suas posses. Entretanto, essa
tendência não é observada na prática. De fato, apesar de aumentarem-se os meios para
se obter uma informação e apesar de essa procura informacional ter ficado visivelmente
mais fácil, também se aumentou o volume de informações inúteis e descartáveis. A
despeito da procura por dados ser mais simples, a busca por dados específicos e
necessários ficou extremamente difícil. Dessa forma, considerar que a globalização é
um estímulo ao desenvolvimento de atividades de inteligência constitui um mito, que
deve ser analisado em sua real perspectiva, e não superficialmente. Para ilustrar essa
ideia, John Peers (GASCÃO, 2008), escritor americano, proferiu algumas palavras de
grande sensatez: ―A informação que temos não é a que desejamos. A informação que
desejamos não é a que precisamos. A informação que precisamos não está disponível.‖
Portanto, na era da informação, com vasta quantidade de dados disponíveis,
o maior problema do analista ou agente ao lidar com fontes abertas é exatamente
identificar o que é relevante, processar toda essa informação e extrair daí um
conhecimento de inteligência. Lowenthal (2003, p. 80), citado por Gonçalves (2009, p.
94), sedimenta o pensamento quando afirma em seu livro Intelligence: from secrets to
policy que ―a maior desvantagem das fontes abertas é o seu grande volume [...] apesar
dos computadores terem ampliado a capacidade de manipular a informação, a
quantidade de inteligência derivada dessas fontes não cresceu na mesma medida‖.
A conclusão de que o século da informação estimulou exponencialmente a
atividade de inteligência é, no mínimo, inadequada e superficial. Tendo-se em vista que
o fenômeno da globalização permite um acesso mais fácil aos dados e nos fornece a
39
cada segundo uma imensidão de informações, o conhecimento específico torna-se cada
vez mais difícil de ser devidamente encontrado.
Exige-se, pois, que as agências de inteligência preparem cada vez mais seus
servidores, de modo que essa atividade torne-se também profissionalizada e preparada
para encontrar as informações necessárias para seu governo, em meio a uma vasta
quantidade de dados e notícias.
Um olhar efetivamente crítico da globalização considera que ela é uma
condição histórica concreta permeada de dicotomias, e que tem acarretado um aumento
sem precedente nas demandas de inteligência.
A partir desse panorama crítico, abordamos outro questionamento de maior
relevância, cuja compreensão constitui o foco deste trabalho.
Conquanto o desenvolvimento tecnológico e informacional tenha
possibilitado a resolução de uma miríade de problemas humanos, até então insolúveis,
também se multiplicaram as ameaças aos direitos humanos e se incrementaram
determinadas potencialidades destrutivas.
O fato é que esse novo deslocamento de enfoque, com todos os seus
consectários (boom tecnológico, globalização, velocidade das mudanças, nova classe
econômica, valorização de bens intangíveis, entre outros), passou a reclamar de todo
decisor, seja no âmbito de uma empresa, seja na chefia de um Estado ou de uma
instituição voltada para o interesse público, novas ferramentas capazes de proporcionar
a tomada de decisões mais eficientes.
É nesse sentido que se torna mister o desenvolvimento de atividades de
inteligência, vistas, agora, não somente numa ótica bélica, mas num âmbito de
segurança de Estado, devendo, por isso, abarcar diversos ramos de atuação do governo e
da sociedade civil.
Ademais, a Constituição Federal da República Federativa do Brasil,
promulgada em outubro de 1988, trouxe inúmeras mudanças que influenciam
diretamente na execução das ações de busca voltadas às atividades de inteligência,
essencialmente sob o prisma do alcance dos direitos e garantias individuais e coletivos
ali assegurados.
40
Na falta de uma previsão constitucional da disposição de uma lei específica
que normatize como devem ser regulamentadas as atividades de inteligência, faz-se
necessária a proposta de uma norma jurídica adequada, diga-se lei, clara e objetiva, que
imponha limites nas ações de busca, para que estas não interfiram em direitos
fundamentais, e, ao mesmo tempo, proporcione segurança jurídica e certeza sobre as
condutas e atividades dos agentes de inteligência no desempenho de suas atribuições
específicas, tendo como finalidade a proteção do Estado e da sociedade.
41
3 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A ATIVIDADE DE
INTELIGÊNCIA
3.1Breves comentários do surgimento da administração pública
Para se compreender melhor o surgimento da atividade pública, buscamos
conhecimentos de épocas remotas e, para tanto, nesta compreensão, os ensinamentos de
Sadeck et al (2006) no livro Os clássicos da política tornaram-se elucidativos.
Historicamente, o Homem se mostrou tendencioso e apto à criação de uma
estrutura que pudesse organizar e otimizar o desenvolvimento individual enquanto ser
humano, e coletivo enquanto sociedade. O desenvolvimento dessa estrutura culminou
no surgimento do Estado, uma instituição organizada política, social e juridicamente,
ocupando um território definido, normalmente onde a lei máxima é uma Constituição
escrita, e dirigida por um governo que possui soberania reconhecida tanto interna como
externamente.
O surgimento do Estado é tema de grandes controvérsias, encontrando-se
parte da doutrina que acredita no surgimento natural e simultâneo do Estado ao do
Homem (doutrina aristotélica), em contraposição àqueles que defendem a ideia de que o
surgimento do Estado é resultado de um processo racional desempenhado pelo Homem,
que sentiu a necessidade da existência de uma instituição capaz de organizar a
sociedade e fornecer segurança aos indivíduos (contratualistas).
Apesar das divergências filósofo-políticas, há uma essência comum nas
duas correntes: o surgimento do Estado, seja ele natural ou artificial, requer do Homem
a abdicação de alguns direitos e prerrogativas que ficam, a partir de então, a cargo da
máquina estatal. Na realidade, os próprios homens delegam poderes a representantes,
que serão responsáveis por assuntos referentes à coletividade e ao indivíduo enquanto
cidadão.
Essa atribuição de poderes não é, no entanto, absoluta, como imaginava o
famoso contratualista Thomas Hobbes, que sinalizava a existência de uma autoridade
suprema (o Leviatã), responsável pela administração do Estado e apto a realizar
qualquer medida ou ação. Ao contrário, como afirmam os demais contratualistas - entre
42
os quais cumpre destacar Jean-Jacques Rousseau e John Locke - o Estado está a serviço
do Homem, enquanto representante do povo, que é quem realmente detém o poder
político. Dessa forma, o Estado não pode interferir em um núcleo ―duro‖ de direitos e
garantias, ditos fundamentais, e atribuídos a todo e qualquer homem.
Seguindo essa linha axiológica, o Estado Moderno consagrou o dever de
proteção e de não-interferência em relação a alguns direitos individuais (relacionados à
liberdade) e sociais (conquistas trabalhistas). Nesse diapasão, construindo a sociedade e
sua Carta Magna sob os pilares da democracia, o Estado Contemporâneo se logrou
como a mais complexa instância da administração pública, congregando direitos
individuais, coletivos e sociais em torno de um Estado Democrático de Direito.
Nesse contexto, o Estado contemporâneo, enquanto detentor do poder
delegado pela sociedade e, segundo Max Weber, detentor do monopólio do uso da
força, reivindica para si duas funções primordiais: A administração das ―coisas‖
públicas e o respeito pelos direitos fundamentais. Focaremos na primeira função
primordial, cuja análise é tema central desse capítulo. A segunda função, por seu turno,
será mais detalhada no capítulo 5.
3.2 Funcionamento da administração pública
Desde os primórdios coloniais, o Brasil, país recém descoberto, já
apresentava uma organização administrativa, obviamente com traços muito próximos da
mesma encontrada na nossa metrópole. À semelhança de Portugal, a divisão político-
administrativa do Brasil Colônia resumia-se na presença de Capitanias Hereditárias, que
se dividiam em comarcas; as comarcas em termos, sediados nas vilas ou cidades; os
termos separados em freguesia ou paróquia, circunscrições eclesiásticas que serviam
igualmente à administração civil. Essa divisão perdurou ainda por toda fase do Brasil
Império, em que as cidades e vilas eram divididas em freguesias, paróquias e capelas,
onde a Igreja Católica possuía funções de natureza administrativa, como assentamento
de registro civil, óbito e outras atividades de cunho notarial.
Essa situação só começa a se modificar com a efetiva independência do
Brasil, quando há o advento dos Estados nos moldes federalistas dos Estados Unidos. A
partir desse momento, cada ente federativo tem a legitimidade para legislar e atuar
43
independentemente nas áreas de sua competência, previamente delimitadas pela Carta
Magna. Preserva-se, no entanto, a supremacia e a importância da Constituição Federal
sobre qualquer outro documento legal, tendo em vista o âmbito de competências e áreas
em que legisla.
A estrutura federalista se manteve até os dias atuais, e a administração
pública deve, portanto, se reportar tanto ao nível nacional como às esferas estaduais e
municipais. Passaremos, agora, a analisar brevemente a estrutura da administração
pública brasileira, cujo entendimento será necessário para que possamos nos focar no
funcionamento dos órgãos de inteligência nacionais.
A administração pública em sentido estrito deve ser entendida sob o sentido
subjetivo e objetivo. O primeiro nos reporta às pessoas jurídicas, órgãos e agentes
públicos que exercem a função administrativa, isto é, de gerir as ações e os bens
públicos. O segundo, por sua vez, se refere à atividade administrativa exercida por
aqueles entes. Em outras palavras, a administração pública é, em sentido subjetivo, o
conjunto de órgãos, serviços e agentes do Estado, bem como das demais pessoas
coletivas públicas (tais como as autarquias locais) que asseguram a satisfação das
necessidades coletivas variadas, tais como a segurança, a cultura, a saúde e o bem estar
das populações. Objetivamente, porém, refere-se à atividade concreta e imediata que o
Estado desenvolve para assegurar os interesses coletivos.
Reforça-se, a partir do exposto, que a administração pública visa ao
interesse público, sendo subordinada a alguns princípios, dentre os quais cumpre
destacar: os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência.
Vale ressaltar que não é a administração pública que estabelece os fins do
Estado. Na realidade, esta é uma função da própria Constituição, que ao fixá-los,
apresenta-se como uma lei dirigente, composta de normas que os estabelece, assim
como metas, programas e diretrizes vinculantes e obrigatórias para o Estado e para os
cidadãos. À administração pública cumpre tão somente realizá-los, com o dever de ser
concreta, direta e imediata a sua atuação.
44
Consoante os ensinamentos do professor Dirley da Cunha Júnior (2007, p.
4) ―A Administração Pública é, sem dúvida, a face do Estado que atua no desempenho
da função administrativa‖.
A atividade administrativa, ao contrário do que muitos leigos pensam, não é
monopólio do Poder Executivo. Na verdade, é uma atividade exercida pelos três
poderes. De fato, assim como afirma o mencionado professor
[...] embora o Direito Administrativo se volte, predominantemente, para o
Poder Executivo, uma vez que cumpre aos seus agentes, órgãos e entidades a
função típica de gerir negócios públicos de interesse imediato da
coletividade, prestando, assim, os serviços públicos e exercendo o controle
das atividades individuais que potencialmente possam afetar os interesses da
comunidade etc., é inolvidável que os Poderes Legislativos e Judiciário, por
meio de seus sujeitos administrativos, também desempenham certas
atividades administrativas, porém, como função atípica ou auxiliar destes
Poderes, necessárias para a realização de suas próprias funções essenciais,
atuando nesse âmbito, decerto, o Direito Administrativo [CUNHA JÚNIOR,
2007, p. 6].
Nesse momento, cabe distinguir função administrativa de função política
(ou de governo). Essa diferença nem sempre foi plenamente concebida pela doutrina e,
por muitas vezes, é causa de diversas confusões no entendimento dos leigos. É de
comum conhecimento o fato de que no sistema presidencial de governo o chefe do
Poder Executivo concentra as funções políticas (ou de governo) e de administração.
Dessa forma, as funções de governo e as funções administrativas são exercidas, no
âmbito do Executivo, pelo mesmo agente público: o presidente da República. No
entanto, apesar de serem realizadas pelo mesmo agente público, as funções de governo
se relacionam com a superior gestão da vida política do Estado, tanto interna como
externamente, enquanto a execução das diretrizes e planos governamentais fazem parte
da função administrativa.
A administração pública é regida por um conjunto extenso de princípios.
Esse arsenal normativo principiológico que conforma toda atividade administrativa é,
porém, sintetizado na forma de dois princípios preponderantes que funcionam como
pilares para a execução dos demais: o princípio da supremacia do interesse público
sobre os interesses privados e o princípio da legalidade.
45
Ambos os princípios atribuem, por um lado, prerrogativas e direitos aos
sujeitos da administração pública, mas simultaneamente impõem sujeições ou restrições
a estes mesmos.
Dirley da Cunha Júnior (2007, p. 10) complementa o assunto nos seguintes
dizeres: ―Os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público
representam, por assim dizer, os pilares da Administração Pública‖.
A partir desses dois pilares decorrem os demais princípios que regem a
administração pública, e que serão alvo de nossa análise adiante.
3.3 Princípios da administração pública
Antes de analisarmos detalhadamente os princípios de maior relevância para
a temática, deve-se salientar que os princípios são elementos de fundamental
importância para o desenvolvimento e para a resolução de litígios na esfera
administrativa. É justamente essa categoria de normas que permite à administração e ao
Judiciário estabelecer o necessário equilíbrio entre os direitos dos administrados e as
prerrogativas da administração. Para se ter uma ideia dessa relevância, Maria Sylvia
Zanella Di Pietro (2002, p. 67) afirma, em sua obra, que
[...] a Constituição de 1988 inovou ao fazer expressa menção a alguns
princípios a que se submetem a Administração Pública direta e indireta, a
saber, os pricipios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade
administrativa, da publicidade e eficiência (art. 37, caput, com redação
dada pela Emenda Constitucional nº19, de 4-6-98), aos quais a Constituição
Estadual acrescentou os da razoabilidade, finalidade, motivação, e interesse
público (art. 111) (grifo do autor).
Como já dito anteriormente, os dois pilares principiológicos que decorrem
dessa bipolaridade entre a liberdade (garantias) do indivíduo e a autoridade da
administração, enquanto membro do Estado, são os princípios da legalidade e da
supremacia do interesse público sobre o particular. A partir dessas duas normas gerais,
desenvolvem-se os demais princípios que regem a administração pública.
3.3.1 Princípio da legalidade
Consoante a doutrina de Di Pietro (2002, p. 62),
A administração pública pode submeter-se a regime jurídico de direito
privado ou a regime jurídico de direito público. A opção por um regime ou
46
outro é feita, em regra, pela Constituição ou pela Lei. O que não pode é a
Administração pública, por ato próprio, de natureza administrativa, optar por
um regime jurídico não autorizado em lei; isto em decorrência da sua
vinculação ao princípio da legalidade.
Esse simples relato demonstra a importância do princípio da legalidade para
a atividade administrativa. Em um Estado de Direito, a administração só pode agir em
obediencia à lei, baseada nela e, até mesmo, limitada por ela. O princípio da legalidade
é uma decorrência natural do Estado de Direito, isto é, da submissão do governo e de
todos os seus atos à supremacia da ordem jurídica. Dessa forma, a atividade
administrativa só pode ser exercida em conformidade absoluta com a lei, sob pena de
invalidade e ilegitimidade.
Ainda sobre a norma geral da legalidade, vale ressaltar, como leciona Celso
Antônio Bandeira de Mello (1993, p. 409),
Como é sabido, o liame que vincula a Administração à lei é mais estrito que o
travado entre a lei e o comportamento dos particulares.Com efeito, enquanto
na atividade privada pode-se fazer tudo o que nao é proibido, na atividade
administrativa só se pode fazer o que é permitido. Em outras palavras, nao
basta a simples relaçao de nao-contradição, posto que, demais disso, exige-se
ainda uma relaçao de subsunçao. Vale dizer, para a legitimidade de um ato
administrativo é insuficiente o fato de nao ser ofensivo à lei. Cumpre que seja
praticado com embasamento em alguma norma permissiva que lhe sirva de
supedâneo.
Em suma, a norma deve autorizar o agir e o não agir dos agentes da
administração pública, justamente porque ela é integralmente subserviente à lei.
3.3.2 Princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse
particular
Ao lado do princípio da legalidade, o princípio da supremacia do interesse
público sobre o particular é um dos pilares balizadores da atividade administrativa. Esse
princípio defende a ideia de que há uma hierarquia entre a vontade do indivíduo e a da
coletividade, e de que nessa graduação deve prevalecer a última.
Assim como o princípio da legalidade, o princípio da supremacia do
interesse público sobre o particular é uma consequência natural do Estado de Direito
Democrático, visto que, em um regime de governo em que prevalece a vontade do povo
como a verdadeira vontade do Estado, a supremacia do interesse público sobre o
47
privado é pressuposto de uma ordem social estável, em que todos e cada um possam
sentir-se garantidos e resguardados.
Essa base exerce tanta influência para os atos administrativos que ao
defender a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência do
interesse público sobre o interesse do particular, o faz ao ponto de considerar-se como
condição essencial para assegurar o interesse do particular. Ou seja, para se satisfazer o
interesse do indivíduo, deve-se, antes, alcançar-se o bem comum.
Complementa Dirley da Cunha Júnior (2007, p. 11-32) que
A posição de supremacia é muitas vezes expressada através da afirmação de
que vigora a verticalidade nas relações entre Administração e particulares, ao
contrário da horizontalidade, típica das relações entre particulares. Isso
significa que o poder público se encontra em situação de comando e
autoridade relativamente em relação aos particulares, como indispensável
condição para gerir os interesses públicos postos em confronto.
3.3.3 Princípio da indisponibilidade do interesse público
O interesse público representa a vontade de todos, enquanto cidadãos
individuais e sociedade como um todo. Essa vontade coletiva que personifica o interesse
público não está, porém, à disposição de qualquer um. É um interesse autônomo e não
subordinado a nenhum outro e a nenhuma pessoa. Até mesmo os agentes da
administração e suas autoridades nao têm disponibilidade sobre ele, tendo em vista que
lhes incumbe tão somente assisti-lo, no desempenho de um dever, vale relembrar,
legalmente previsto.
Conforme afirma Dirley da Cunha Júnior (2007, p. 11-32), ―na
Administração Pública, os bens e os interesses nao se acham entregues à livre
disposição da vontade do administrador. Ao contrário, cumpre ao administrador o dever
de protegê-los, nos termos da finalidade legal a que estão adstritos‖.
3.3.4 Princípio da impessoalidade
Qualquer Estado Democrático de Direito apoia-se na ideia de que os
cidadãos (administrados) devem possuir tratamento igual em qualquer situação e litígio.
O princípio da impessoalidade acata esse protótipo e sinaliza que a atividade
administrativa seja exercida de modo a atender a todos os administrados, ou seja, a
48
coletividade, e não a um grupo específico em detrimento de outros, devendo apresentar-
se, portanto, de forma impessoal.
Sintetiza essa ideia Dirley da Cunha Júnior (2007, p. 11-32), dizendo que a
atuação impessoal da administração pública é
[...] imperativo que funciona como via de mão dupla, pois se aplica em
relação ao administrado e ao administrador. Assim, de referencia ao
administrado, a atividade administrativa deve ser necessariamente uma
atividade destinada a satisfazer a todos, de sorte que a Administração Pública
não pode atuar de forma a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas,
uma vez que é sempre o interesse público que deve nortear o seu
comportamento; já respeitante ao administrador, ela é imputada à pessoa
jurídica, jamais à pessoa física dos agentes públicos.
3.3.5 Princípio da moralidade
O princípio da moralidade nos remete à máxima de que nem tudo que é
legal (do ponto de vista da legalidade) é honesto.
Moralidade administrativa deve ser compreendida como
[...] um conjunto de valores éticos que fixam um padrão de conduta que deve
ser necessariamente observado pelos agentes públicos como condição para
uma honesta, proba e íntegra gestão da coisa pública, de modo a impor que
estes agentes atuem no desempenho de suas funções com retidão de caráter,
decência, lealdade, decoro e boa-fé [CUNHA JÚNIOR, 2007, p. 11-32].
O princípio da moralidade almeja alcançar essa dignidade administrativa em
todos os atos da administração pública.
É importante frisar, todavia, que a moralidade não se confunde com a
legalidade administrativa. Isso acontece porque muitas vezes o ato administrativo pode
estar de acordo com todos os ditames legais, mas pode estar moralmente defasado, caso
não se baseie na ética e na boa-fé.
É posição firmada no Supremo Tribunal Federal (1ª T - ADI nº 3.978 - SC.
Rel. Min. Eros Grau) que o princípio da moralidade constitui-se como valor
constitucional que não só tenta guiar todas as ações do poder público pela boa-fé, mas
mostra-se como pressuposto de legitimação constitucional dos atos emanados do
Estado. Por conseguinte, qualquer ato administrativo que contrarie a moralidade
administrativa se revestirá de inconstitucionalidade e de invalidade.
49
3.3.6 Princípio da publicidade
Por meio desse princípio, fica imbuída a ideia de que todo e qualquer
administrado tem o direito de possuir conhecimentos sobre os atos administrativos do
Estado. A partir dessa premissa, o administrador e a atividade administrativa devem ser
transparentes e visíveis. Ademais seus atos devem ser de conhecimento geral,
preparados para qualquer prestação de contas.
Desse princípio decorre o fato de que, como afirma o caput do art. 37 da
Constituição Federal,‖ todos têm o direito de receber dos orgãos públicos informações
de seu interesse particular ou de interesse coletivo‖ (CF/88, art 5º XXXIII).
3.3.7 Princípio da eficiência
Com base no princípio da eficiência, toda a atividade administrativa deve
valer-se de rapidez, perfeição e rendimento máximo para guiar suas ações. Em oposição
à burocracia, a atividade administrativa tem o dever de ser rápida, dinâmica e eficiente.
Vale ressaltar, porém, que à ideia de rapidez deve ser conjugada a
concepção de ser rentável, pois, de acordo com esse princípio, os administradores
devem atuar da forma menos onerosa possível e com a máxima produtividade. A partir
dessa fórmula, pode-se alcançar o princípio da eficiência.
A título conclusivo, o mesmo autor (2007, p. 11-32) administrativista ensina
que
O princípio da eficiencia apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser
cosiderado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se
espera o melhor desempenho possivel de suas atribuições, para lograr os
melhores resultados; e pode também ser considerado em relaçao ao modo de
organizar, estruturar e disciplinar a Administração Pública, também com o
mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados no desempenho da
funçao ou atividade administrativa.
Mais adiante, no capítulo 5—Princípios e Direitos Fundamentais—tratamos
do tema com maior precisão e amplitude, em uma abordagem interligada com a
atividade de inteligência.
50
3.3.8 Princípio da finalidade pública
A administração pública age e busca uma finalidade ou fim público que a
justifica enquanto atividade estatal. Este fim público é o resultado que se busca alcançar
com a prática dos atos administrativos, e que reside em satisfazer os interesses da
coletividade. A não determinação do ato em torno do bem ou fim público provoca a
invalidação do ato administrativo. A finalidade pública constitui-se também como um
limite à arbitrariedade do administrador porque vincula seu ato e está prevista em lei.
Celso Antônio Bandeira de Mello (1993, p. 53), evidencia que esse
princípio
[...] impõe que o administrador, ao manejar as competências postas a seu
encargo, atue com rigorosa obediência à finalidade de cada qual. Isto é,
cumpre-lhe cingir-se não apenas à finalidade própria de todas as leis, que é o
interesse público, mas também à finalidade especifica abrigada na lei a que
esteja dando execução. Assim, há desvio de poder e, em conseqüência,
nulidade do ato, por violação da finalidade legal, tanto nos casos em que a
atuação administrativa é estranha a qualquer finalidade pública quanto
naqueles em que o fim perseguido, se bem que de interesse público, não é o
fim preciso que a lei assinalava para tal ato.
3.3.9 Princípio da presunção de legitimidade
A partir do princípio da presunção de legitimidade deve-se presumir que
toda a atividade administrativa está de acordo com as normas jurídicas em vigor, isto é,
está legitimamente em concordância com o ordenamento jurídico.
Conclusão óbvia dessa ideia é o fato de que em havendo violação do direito
do particular pelo Estado, o indivíduo é quem deverá demonstrá-la faticamente, pois,
como afirmamos, qualquer ação administrativa é presumida de legitimidade.
Não se pode pensar, entretanto, que a legitimidade do ato administrativo é
absoluta. Ela pode ser contestada pelo particular, desde que este prove o contrário. No
entanto, enquanto não comprovada essa ilegitimidade, o ato administrativo continua a
produzir efeito, justamente pela sua presunção de legitimidade.
3.3.10 Princípio da autotutela
Um interessante princípio é o da autotutela. De acordo com essa norma
geral, a revisão dos atos administrativos e de sua validade ficaria a cargo da própria
51
administração pública, bem como o dever de corrigi-los. Dessa forma, evidencia-se que
o Judiciário não teria parte alguma nesse processo.
Precisa-se esclarecer, antes, que a atribuição de corrigir os seus próprios
atos quando contaminados por vícios de ilegalidade não se trata de uma faculdade, mas
de um dever. Dever este de restaurar a legalidade afetada pela consecução de um ato
ilegal.
Façamos das palavras de Dirley da Cunha (2007, p. 11-32) as nossas quando
este adverte que:
[...] esse controle interno que a Administração Pública pode exercer sobre os
seus próprios atos não é definitivo nem afasta o controle externo por parte de
outros orgãos. Não é definitivo porque ainda pode ser contrastado
judicialmente por quem se sentiu prejudicado com a revogação ou a
invalidação. Nem afasta o controle externo de outros orgãos porque o
Judiciário e o Legislativo, este inclusive com a auxílio do Tribunal de Contas,
podem fazê-lo no exercício de suas atribuições constitucionais.
3.3.11 Princípio do controle judicial dos atos administrativos
Qualquer ato administrativo pode ser alvo de análise do Poder Judiciário. É
de responsabilidade do Judiciário o controle de legitimidade tanto dos atos dos
particulares como dos atos da administração pública.
Esse controle dos atos administrativos não se limita aos parâmetros do
ditame da legalidade. É um controle mais amplo e baseia suas ações e medidas em todos
os princípios constitucionais, entre eles a legalidade.
Dessa forma, o Poder Judiciário controla as ações administrativas seja de
acordo com a legalidade auferida, seja quanto aos demais princípios constitucionais
como a proporcionalidade, publicidade, impessoalidade etc.
3.3.12 Princípio do devido processo legal, razoabilidade e proporcionalidade
O princípio do devido processo legal, da razoabilidade e da
proporcionalidade estão diretamente relacionados, e provocam o mesmo efeito frente
aos atos administrativos. De acordo com esse ditame legal, impõe-se que as entidades,
órgãos e agentes públicos, na execução da atividade administrativa, adotem meios que,
para a realização de seus fins, revelem-se adequados, necessários e proporcionais.
Baseado nas informações da obra de Dirley da Cunha Júnior (2007, p. 11-32),
52
Um meio é adequado se logra promover, com sucesso, o fim desejado; é
necessário se, entre os meios igualmente adequados, apresentar-se como o
menos restritivo a um direito fundamental e, finalmente, é proporcional em
sentido estrito se as vantagens que propicia superam as desvantagens
causadas.
Por meio dessa norma geral, é possível limitar a atuação e qualquer ato
discricionário por parte da administração pública. Proíbe-se, com isso, a execução de
qualquer medida que seja desvantajosa, desarrazoada ou desproporcional.
3.3.13 Princípio da motivação
Todos os atos da administração pública devem ser plenamente
fundamentados, isto é, devem apresentar uma motivação que os justifique e lhes dê
legitimidade. É justamente essa ideia que é traduzida pelo princípio da motivação.
Essa característica é consequência natural da manutenção de um Estado
Democrático de Direito que prime pela manutenção dos direitos fundamentais e pelo
princípio da legalidade.
Não basta, entretanto, que a administração pública apresente um motivo
para cada ato. Ao fazer isto, ela submete e vincula cada ato aos limites impostos pelo
motivo exposto. Inexistentes os motivos, o ato fica vulnerável à possibilidade de
invalidação.
Dirley da Cunha Júnior (2007, p. 11-32) sintetiza esse princípio no seguinte
parágrafo:
No Estado Democrático de Direito não se concebe ato administrativo sem
motivação. Enfim, via de regra, o ato administrativo deve ser sempre
motivado, pouco importando que ele seja discricionário ou vinculado. A
motivação pode ser prévia ou contemporânea à expedição do ato.
3.3.14 Princípio da obrigatoriedade do desempenho da atividade
administrativa
O Estado, como entidade máxima de representatividade do poder dos
cidadãos, possui um dever para com esses, relacionado à prestação de alguns serviços
essenciais para o desenvolvimento pleno da sociedade e associado ao compromisso de
garantir e defender o rol de direitos fundamentais da pessoa humana. Dessa forma, a
atividade administrativa, enquanto membro gestor das ações e bens públicos, possui o
53
dever e a obrigação de regê-los da melhor forma possível, objetivando, sempre, alcançar
o bem comum.
Observa-se, portanto, que a administração pública não possui liberdade de
atuação, nem mesmo escolher a situação que seja de sua alçada. Ao contrário, sempre
deverá agir, pois, em razão da legalidade que conforma toda a sua atuação. Essa
atividade torna-se obrigatória, ou seja, equivalente a um compromisso constitucional
firmado entre a administração e os administrados.
Esse corolário da obrigatoriedade pode também ser analisado sob outra
perspectiva no que tange à administração pública, entretanto, não enquanto princípio,
mas sob o prisma das relações no funcionamento da máquina estatal.
Na correlação entre os governantes e os governados, ou a administração e os
administrados, sejam eles servidores públicos ou não, evidencia-se uma relação de
verticalidade. Ao contrário das relações observadas entre os particulares, em que os
direitos e deveres são distribuídos ou devem ser distribuídos igualitariamente, não
havendo sobreposição de um em relação ao outro, nas relações entre o Estado
(administração pública) e o cidadão (servidor ou não) existe uma hierarquia que
favorece a máquina estatal em detrimento do particular.
Diante dessa situação, fica perceptível a presença da obrigatoriedade por
parte dos servidores públicos no cumprimento de seus deveres, estabelecidos em leis,
especialmente na obediência das ordens emanadas por seus superiores hierárquicos
desde que atendidos todos os preceitos éticos, morais e legais. Conforme vimos, há uma
hierarquia que privilegia o Estado e, consequentemente, a administração pública, em
descrédito do servidor público, enquanto indivíduo. Portanto, ao servidor público é
atribuído o dever e a obrigação de obedecer as ordens emanadas por seus superiores
enquanto ordens do próprio Estado, desde que, como já dito, atendidos todos os pré-
requisitos legais, morais e éticos.
3.3.15 Princípio da continuidade dos serviços públicos
Assim como estudado no princípio da obrigatoriedade, constitui-se dever da
administração pública a prestação dos serviços públicos. Conjugado ao princípio da
54
continuidade dos serviços públicos, além de prestá-los, a administração também tem o
dever de disponibilizá-los aos administrados continuadamente, sem interrupções.
Com base na doutrina de Dirley da Cunha Júnior (2007, p. 11-32), ―[...] este
princípio impede a interrupção na prestação dos serviços públicos, que, enquanto
importante e essencial à atividade administrativa, não podem sofrer solução de
continuidade‖.
3.3.16 Princípio da igualdade dos administrados em face da administração
pública
Assim como o princípio da igualdade, corolário do Estado Democrático de
Direito, a administração pública apresenta um dispositivo que defende a igualdade entre
os cidadãos, ou, no caso, administrados. É por meio do princípio da igualdade dos
administrados frente à administração pública que todos os administrados, enquanto
destinatários da atuação administrativa, devem ser tratados igualmente.
Nesse sentido, vale ressaltar que a função do Estado é alcançar o bem
comum e, dessa forma, atingir uma situação de equilíbrio entre os cidadãos. Por
conseguinte, assim como afirma a máxima aristotélica, os administrados devem ser
tratados igualmente na medida em que se igualem (pois aqui, já há uma situação de
equilíbrio desejável) e desigualmente na medida em que se desigualem (visto que aqui o
Estado deve intervir para se alcançar essa situação de equilíbrio).
É importante frisar que é inadequado se cogitar em colocar em pé de
igualdade a administração pública e o administrado, pois o interesse daquela, por ser um
interesse público, via de regra deverá ter primazia sobre o interesse do particular.
Todavia, seus administrados devem possuir um tratamento isonômico, imparcial,
equânime e impessoal. O Estado não pode, pois, favorecer ou desfavorecer nenhum
deles em detrimento do outro.
O Estado, e, portanto, a administração pública deve tratar todos os
administrados igualmente, sempre visando à consecução do interesse público,
obedecendo, sempre, os limites impostos pelos ditames legais.
É válida, porém, a ressalva realizada por Dirley da Cunha Júnior (2007, p.
11-32) sobre as denominadas ações afirmativas ou cláusulas discriminatórias, pela qual
55
[...] o fato de a lei, por si só, conter algum fator de discrímen, qualquer que
seja ele, não é suficiente para se considerar ofendida a cláusula da igualdade.
As leis podem discriminar [...]. Contudo, as discriminações legais, segundo
leciona Celso Antônio Bandeira de Mello, só se coadunam com o dogma da
igualdade se existir uma pertinência lógica entre a distinção inserida na lei e
o tratamento distintivo dela conseqüente. [...]. É necessário, todavia, que essa
correlação não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição
(grifo do autor).
3.3.17 Princípio da segurança jurídica
O princípio da segurança jurídica funciona como uma espécie de garantia
para todos aqueles que consolidaram alguma relação jurídica ou um direito conquistado.
Desse modo, nenhum administrado que obteve um direito ou firmou uma
relação jurídica em tempo determinado, poderá ser afetado por algum ato discricionário
da administração pública que afete essa relação ou esse direito.
3.3.18 Princípio da responsabilidade do Estado
O princípio da responsabilidade do Estado é um dos pilares garantistas do
Estado Democrático de Direito. Assim como há o dever de um civil em reparar o dano
produzido a outrem, o Estado também possui a obrigação e a responsabilidade, perante
os administrados, por qualquer dano que lhes aflija. Em havendo culpa no dano
produzido, o Estado deve repará-lo ao administrado.
Finalizamos com as palavras do já citado administrativista Cunha Júnior
(2007, p. 11-32):
No Brasil, o Estado responde civilmente por seus comportamentos
administrativos tanto objetivamente como subjetivamente, com base,
respectivamente, numa relação causal entre esse comportamento e o dano e
na culpa administrativa (grifo do autor).
3.4 Atribuições do servidor público e do analista de inteligência
A Constituição Federal promulgada em 1988 por diversas vezes trata do
termo servidor público, objetivando indicar aqueles que prestam serviços, com vínculo
empregatício, à administração pública direta, autarquias e fundações públicas.
No entanto, assim como afirma Di Pietro (2002, p. 430-437), servidor
público é uma
56
[...] expressão empregada ora em sentido amplo, para designar todas as
pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da
Administração Indireta, com vínculo empregatício, ora em sentido menos
amplo, que exclui os que prestam serviços às entidades com personalidade
jurídica de direito privado.
Continua a autora dizendo que
[...] há, ainda, pessoas que exercem função pública, sem vínculo empregatício
com o Estado. Daí a necessidade de adoção de outro vocábulo, de sentido
ainda mais amplo do que o servidor público para designar as pessoas físicas
que exercem função pública, com ou sem vínculo empregatício. De alguns
tempos para cá, os doutrinadores brasileiros passaram a falar em agente
público nesse sentido amplo [DI PETRO, 2002, p. 430-437].
De acordo com a classificação de Celso Antônio Bandeira de Mello (1993),
na qual não nos deteremos por não ser o foco deste trabalho, pode-se dizer que são
quatro as categorias de agentes públicos: 1) agentes políticos; 2) servidores públicos; 3)
militares; 4) particulares em colaboração com o Poder Público.
Os servidores públicos possuem uma série de direitos consagrados
constitucionalmente nos artigos 37 a 41, dentre os quais podemos destacar aqueles
voltados às férias, licenças, vencimentos ou remuneração e demais vantagens
pecuniárias, assistência, direito de petição, disponibilidade e aposentadoria. Conjugado
aos direitos a Constituição Federal de 1988 prevê também deveres dos servidores
públicos concernentes à assiduidade, pontualidade, discrição, urbanidade, obediência e
lealdade. Por óbvio, qualquer descumprimento de dever por parte do funcionário
público provocará uma reação do Estado, que determinará uma punição disciplinar.
Assim como direitos e deveres, o servidor público assume
responsabilidades, sejam elas civis, penais ou administrativas. Da mesma forma que um
cidadão qualquer, caso o servidor cause dano a outrem, aquele possui a responsabilidade
civil sobre o fato e é obrigado, consoante o art. 159 do Código Civil de 2002, a repará-
lo.
No entanto, cabe distinguir se o dano é causado ao Estado ou a terceiros. No
primeiro caso, o procedimento comum é que se realize um processo administrativo
cercado de todas as garantias de defesa do servidor, conforme artigo 5º, inciso LV, da
Constituição, pelo qual, se comprovada a culpa do servidor, descontar-se-á o tributo
equivalente aos prejuízos de seus vencimentos. Caso o dano seja provocado a terceiros,
57
a situação é regida pelo art. 37 da Constituição Federal, em que o Estado responde
objetivamente pelo dano causado pelo servidor, mas dispõe do direito de regresso
perante seu funcionário caso este tenha atuado com dolo ou culpa.
Administrativamente, o servidor público possui responsabilidade sobre
qualquer ilícito administrativo que venha a produzir, caso o provoque por dolo ou culpa.
Instaurar-se-á um processo administrativo para comprovar o dolo e, se comprovada a
infração, o servidor sofrerá punições disciplinares.
Ao contrário das infrações penais, que são plenamente tipificadas e
previamente descritas, as infrações administrativas carecem de precisão, salvo algumas
condutas. Dessa forma, evidencia-se um caráter discricionário nas decisões da
administração pública para definirem quais quando ocorrem as infrações
administrativas. Por esse motivo, reforça-se a importância do princípio da motivação na
administração, segundo o qual qualquer ato administrativo deve possuir um fundamento
legítimo que o justifique.
Em oposição à responsabilidade civil e administrativa do servidor, sua
reponsabilidade penal é averiguada pelo Judiciário. O servidor público responderá por
qualquer crime ou contravenção penal que provoque. A partir daí, será inaugurado um
processo penal que avaliará e comprovará a veracidade dos fatos, respeitando, sempre,
os direitos e garantias individuais.
Entretanto, apesar do servidor público e profissional de inteligência,
enquanto uma categoria especial de servidor público, possuírem as mesmas
responsabilidades, sejam elas civis, penais ou administrativas, e assemelharem-se
quanto a alguns direitos e deveres, não podem ser tratados da mesma forma. O
profissional de inteligência, como veremos, deveria possuir maiores garantias devido à
especificidade de seu serviço.
Com referência na Lei nº 8.112/1990, que dispõe sobre o servidor público
federal, e consequentemente sobre o profissional de inteligência, são deveres do
servidor público federal, de acordo com o
Art. 116: [...] II – ser leal às instituições; III – observar as normas legais e
regulamentares (respeito ao princípio da legalidade); IV – cumprir as ordens
superiores, exceto quando manifestamente ilegais; XII – representar contra
ilegalidade, omissão ou abuso do poder.
58
No mesmo sentido deste dispositivo federal, o próprio Código de Ética
funcional do servidor público de Minas Gerais (MINAS GERAIS, 2009) afirma serem,
no art. 1º, a fidelidade ao interesse público (inciso III) e o respeito à hierarquia
administrativa (inciso XI) valores que devem reger a conduta do servidor público. Além
disso, define, no art. 2º, o sigilo à informação de ordem pessoal (inciso V) e a atuação
em defesa de interesse ou direito legítimo (inciso VI) como direitos do servidor público.
O mesmo Código de Ética ainda determina que são deveres éticos fundamentais do
servidor público em Minas Gerais: VIII - respeitar a hierarquia administrativa, sem
temor de representar contra atos ilegais ou imorais; IX - resistir às pressões de
superiores hierárquicos, de contratantes, interessados e outros que visem a obter
quaisquer favores, benesses ou vantagens indevidas, em decorrência de ações ilegais ou
imorais, denunciando sua prática; XII - comunicar imediatamente a seus superiores todo
e qualquer ato ou fato contrário ao interesse público, exigindo as providências cabíveis;
XVII - facilitar as atividades de fiscalização pelos órgãos de controle. É vedado também
ao servidor, por meio do art. 6º do mesmo dispositivo legal, usar de artifícios para
procrastinar ou dificultar o exercício regular de direito por qualquer pessoa (inciso IV) e
fazer uso de informações privilegiadas obtidas no âmbito interno de seu serviço, em
benefício próprio, de parentes, de amigos ou de terceiros (inciso XIII).
No mesmo sentido, consoante o Plano Especial de Cargos da Agência
Brasileira de Inteligência (ABIN, 2010), no art. 26 da Lei nº 10.862/2004, indica que no
exercício das atividades do órgão de inteligência não pode o ocupante do cargo do Plano
Especial de Cargos recusar-se a desempenhar qualquer missão, desde que compatível
com suas atribuições legais. O plano define também as atribuições do analista de
informações, quais sejam:
I - planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar:
a) a produção de conhecimentos de Inteligência de interesse para o Estado e a
sociedade sobre a situação nacional e internacional;
b) as ações de salvaguarda de assuntos sensíveis, relativos aos interesses da
sociedade e do Estado;
c) as operações de Inteligência;
d) as atividades de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico,
direcionadas à obtenção e análise de dados e à segurança da informação;
e) o desenvolvimento de recursos humanos para a atividade de Inteligência;
II - desenvolver e operar sistemas e equipamentos necessários à atividade de
Inteligência.
59
Finalizamos com as disposições do tema encontradas na página oficial da
ABIN (2010), à qual afirma que
Compete ao Oficial de Inteligência executar, coordenar, supervisionar e
controlar a produção de conhecimentos de Inteligência; as ações de
salvaguarda de assuntos sensíveis; as operações de Inteligência; as atividades
de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico direcionadas à
obtenção e análise de dados e à segurança da informação; e o
desenvolvimento de recursos humanos para a atividade de Inteligência. Além
disso, o Oficial de Inteligência tem a atribuição de desenvolver e operar
máquinas, veículos, aparelhos, dispositivos, instrumentos, equipamentos e
sistemas necessários à atividade de Inteligência. Compete ao Agente de
Inteligência oferecer suporte especializado às atividades decorrentes das
atribuições do Oficial de Inteligência.
Em consonância com essas atribuições dos profissionais, a Lei nº
11.776/2008, que dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreiras e Cargos da
Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, e cria as Carreiras de Oficial de Inteligência,
Oficial Técnico de Inteligência, Agente de Inteligência e Agente Técnico de
Inteligência, define algumas atribuições desses cargos:
Art. 8o São atribuições do cargo de Oficial de Inteligência:
I - planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar:
a) produção de conhecimentos de inteligência;
b) ações de salvaguarda de assuntos sensíveis;
c) operações de inteligência;
d) atividades de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico
direcionadas à obtenção e à análise de dados e à segurança da informação; e
e) o desenvolvimento de recursos humanos para a atividade de inteligência; e
II - desenvolver e operar máquinas, veículos, aparelhos, dispositivos,
instrumentos, equipamentos e sistemas necessários à atividade de
inteligência.
Art. 9o É atribuição do cargo de Agente de Inteligência oferecer suporte
especializado às atividades decorrentes das atribuições definidas no art. 8o
desta Lei.
Art. 10. Os titulares dos cargos de Oficial de Inteligência e de Agente de
Inteligência poderão ser designados para prestar serviço no exterior, nos
termos da Lei no 5.809, de 10 de outubro de 1972, e legislação correlata,
conforme dispuser ato do Poder Executivo.
Art. 11. São atribuições do cargo de Oficial Técnico de Inteligência:
I - planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de
gestão técnico-administrativas, suporte e apoio logístico:
a) produção de conhecimentos de inteligência;
b) ações de salvaguarda de assuntos sensíveis;
c) operações de inteligência;
d) atividades de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico,
direcionadas à obtenção e análise de dados e à segurança da informação; e
e) atividades de construção e manutenção de prédios e outras instalações;
II - desenvolver recursos humanos para a gestão técnico-administrativa e
apoio logístico da atividade de inteligência; e
60
III - desenvolver e operar máquinas, veículos, aparelhos, dispositivos,
instrumentos, equipamentos e sistemas necessários às atividades técnico-
administrativas e de apoio logístico da atividade de inteligência.
Art. 12. É atribuição do cargo de Agente Técnico de Inteligência dar suporte
especializado às atividades decorrentes das atribuições definidas no art. 11
desta Lei.
3.4.1 Conflito entre as atribuições do analista de inteligência e os ditames
constitucionais.
Com base no exposto no tópico anterior, é de fácil percepção que a
quantidade de detalhes, atribuições, funções e deveres do servidor público comum é
vasta. Em contraposição a essa realidade, observa-se o fato de que o analista ou agente
de inteligência, que se pode considerar uma espécie de servidor público, não possui a
mesma quantidade de detalhes na caracterização de suas atribuições, funções e deveres.
Poder-se-ia dizer, como conclusão fática, que o legislador não vê a carreira de analista
de inteligência como uma profissão peculiar, diferente do servidor público comum, e
que, por isso, exigiria um tratamento especial na lei. Esse tratamento dado pela lei,
porém, é inaceitável e defasado, como veremos.
No entanto, convém sublinhar que as tarefas e funções realizadas pelos
agentes de inteligência apresentam uma relevância bem mais profunda para com a
Constituição do que as mesmas realizadas pelo servidor público comum. Isso porque
muitas das ações desempenhadas pelos analistas e agentes de inteligência entram em
conflito direto com preceitos fundamentais, os quais são defendidos pela Carta Magna
como cláusulas pétreas, acima de qualquer indivíduo, e, às vezes, acima do próprio
Estado.
Não são raras as vezes em que agentes da ABIN realizam ações ou aplicam
técnicas operacionais, a mando do Estado, vale dizer, e, todavia, desrespeitam direitos
fundamentais protegidos pela Constituição, como a intimidade, a inviolabilidade de
domicílio etc. Essa contradição vivenciada pelo agente ou analista de inteligência, em
que ou se respeita uma ordem superior que enseja o interesse público em uma questão
de segurança nacional, ou se respeita a Constituição e seus direitos fundamentais como
cidadão sujeito a punições, apresenta-se como consequência direta dessa defasagem na
61
legislação em relação à carreira de agente de inteligência e, sobretudo, em relação às
técnicas operacionais utilizadas.
Nesse contexto, uma profissão como essa carece de um tratamento especial
da lei, que permeie as ações de inteligência de legalidade, proporcionalidade e
legitimidade. Somente a partir de um controle externo realizado pelo Poder Judiciário,
como veremos adiante, da descrição detalhada das técnicas operacionais que podem ser
utilizadas, e de uma especificação das atribuições do analista e agente de inteligência é
que se pode eliminar essa contradição, que há muito mitiga o desenvolvimento pleno de
uma atividade de inteligência própria e bem vista aos olhos da sociedade.
62
4 OPERAÇÕES DE INTELIGÊNCIA
4.1 Operações de inteligência
As agências de inteligência, como qualquer outro setor de ordem pública,
mantêm uma estrutura organizacional hierarquizada, dentro dos parâmetros
estabelecidos pela lei, por regulamentos internos, especificos de cada ordem.
No caso brasileiro, vários são os setores da administração pública que
desenvolvem atividades de inteligência e possuem, de certa forma, searas especializadas
para o seu desenvolvimento. A ABIN destaca-se nesse seguimento por desenvolver
exclusivamente atividades de inteligência, sendo sua estrutura delineada por leis e
decretos. No mesmo sentido, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras
(COAF) foi criado em razão de um acordo internacional celebrado por vários países, do
qual o Brasil é signatário, e constitui o órgão resposável pelas atividades de inteligência
financeira. É composto por vários órgãos, dentre eles a Polícia Federal e a Receita
Federal. Como em alguns outros setores, a estrutura de sua atividade de inteligência não
possui uma rigidez definida.
Outros órgãos da administração pública idealizaram setores internos de
inteligência, os quais se formaram da boa vontade de alguns de seus integrantes, que já
percebiam nesta atividade um importante instrumento de controle e administração,
como no caso do INSS exemplificadamente. A regulamentação da atividade de
inteligência nesse órgão, por exemplo, ocorreu mediante a elaboração e publicação de
atos administrativos internos e, portanto, não são decorrentes de uma lei que o crie em
sua estrutura e atribuições.
Toda agência de inteligência necessita de um setor voltado para o
desencadeamento das missões de inteligência, objetivando dar cumprimento às suas
atividades essenciais na coleta e busca de dados, negados ou não, utilizando-se de
técnicas operacionais específicas. Independentemente da denominação dada por cada
órgão, esse setor tem uma missão estritamente operacional, cabendo a ele apenas a
execução das ordens emanadas dos gestores das atividades de inteligência observando-
se, obviamente, o princípio da legalidade.
63
Vários autores definem quais são as atribuições do setor que desenvolve as
operações de inteligência. De uma maneira geral é o setor responsável pelo
planejamento, execução, controle e coordenação das operações, com o emprego de
técnicas operacionais de inteligência na busca dos dados, negados ou disponíveis, e a
depender das circunstâncias de ações de contrainteligência, na neutralizaçao de ações
adversas. Há uma própria atribuição legal destinada ao departamento de operações de
inteligência da ABIN, conforme se observa no artigo 9º do Decreto nº 3493/2000.
4.1.1 Noção
Operações de inteligência seriam, simplificadamente, conforme opinião de
André Costa (SOARES, 2008), citado por Almeida Neto (2009, p. 58), um ―conjunto
de ações planejadas, com o emprego de técnicas operacionais e meios especializados
para a realização da busca‖. Esse conjunto de ações é de responsabilidade direta de um
departamento superior, a quem compete planejar, executar, controlar e coordenar
operações de inteligência.
Wilson Rocha de Almeida Neto (2009, p. 58) associa as operações de
inteligência como o conjunto de ações planejadas com o emprego de técnicas
operacionais e meios especializados para a realização da busca.
Vale citar também a visão de André Soares (2008), no artigo ―Luzes para a
Inteligência‖, que chama atenção para outros pontos de extrema importância das
operações de inteligência. Para ele,
[...] constituem o que há de mais sigiloso nos serviços secretos. Estas
possuem alto grau de compartimentação e sigilo, empregam verba sigilosa e
técnicas operacionais, além de se desenvolverem em condições especiais que,
se desvirtuadas, proporcionam acobertamento a todo tipo de ilicitude.
De fato, as operações de inteligência constituem o ponto mais crítico frente
aos direitos fundamentais, constitui o limiar extremo entre a legalidade e o desrespeito
às garantias individuais e coletivas. Por esse motivo, as operações de inteligência devem
estar legalmente amparadas, pois, caso contrário, o Estado Democrático de Direito
perde seu escopo e sua finalidade garantista.
Nesse mesmo sentido, Joanisval Brito Gonçalves (2009, p. 65-67) ensina
que as operações de inteligência correspondem ao
64
[...] conjunto de ações técnicas destinadas à busca do dado negado. Trata-se,
sem dúvida, da atividade mais polêmica relacionada à inteligência, uma vez
que seus métodos envolvem, necessariamente, técnicas e ações sigilosas
como estória-cobertura, recrutamento, vigilância, fotografia operacional, uso
de meios eletrônicos, entre outros.
Finalizamos este tópico com a pertinente advertência de Denilson Feitoza
Pacheco (2005), que considera que as ―operações de inteligência não são uma panaceia
para ‗satisfazer‘ necessidades informacionais, razão pela qual devem ser
cuidadosamente sopesadas sua necessidade, adequação aos fins, viabilidade, custos e
riscos‖.
4.1.2 Ações de busca
Na atividade cotidiana do setor de operações de inteligência, a coleta e a
busca do dado são a essência de sua existência e, para tanto, as ações de busca, com a
aplicação de técnicas operacionais, tornam-se imprescindíveis. São atividades que
possuem elevado grau de compartimentação e sigilo, em que se empregam verbas
sigilosas e, para o seu desenvolvimento, condições especiais devem ser estabelecidas
para proporcionar segurança ao ator de inteligência.
De acordo com a Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública
(DNISP, 2007), ação de busca é um conjunto de ações ―executado para obtenção de
dados protegidos e/ou negados de difícil acesso e que exige, pelas dificuldades e/ou
riscos, um planejamento minucioso, um esforço concentrado e o emprego de pessoal,
técnicas e material especializados". Sinteticamente, as ações de busca constituem a uma
atividade sigilosa voltada para a obtenção de dados não disponíveis e protegidos.
Nesta linha de raciocínio, percebemos que o setor de operações de
inteligência é o mais vulnerável na estrutura da agência de inteligência, eis que, para o
desempenho de suas atribuições, utiliza-se do disfarce, da infiltração, da entrada, da
estória cobertura, do recrutamento operacional, da vigilância, entre outros. Isto é,
utiliza-se de técnicas que, se não obtiverem o esperado respaldo legal, desrespeitarão,
por certo, garantias individuais fundamentais.
Como veremos adiante, mais precisamente quando tratarmos das técnicas
operacionais de inteligência, a dúvida e os questionamentos da legalidade da aplicação
65
dessas técnicas é assunto bastante discutido por todos aqueles que estão envolvidos com
a atividade de inteligência.
4.1.3 Fontes de inteligência
Fontes de inteligência são elementos que funcionam como polo
informacional de onde se retiram conhecimentos específicos e necessários ao
desempenho da atividade de inteligência. Consoante a ABRAIC (2009), ―são pessoas,
documentos, organizações ou equipamentos de onde se origina o dado de Inteligência.
Quanto à sua natureza podem ser humanas, eletrônicas, de sinais e de imagens‖.
Compartilhando da mesma classificação de Joanisval Brito Gonçalves
(2009, p. 78), as fontes podem ser classificadas quanto à sua confidencialidade (fontes
abertas ou fontes classificadas / dado negado) ou quanto à origem dos dados (de fontes
humanas ou de fontes técnico-científicas – ou seja, aquelas obtidas por meios técnicos).
Quanto à origem dos dados, as fontes humanas são reconhecidas como
human intelligence – humint, enquanto a inteligência oriunda de meios técnicos é
chamada de technical intelligence – Techint. Um exemplo claro de obtenção de
inteligência por meio de fontes humanas é a espionagem, em que pessoas são utilizadas
para a obtenção do dado, negado ou não. A inteligência técnica (techint), por sua vez,
diz respeito ao grupo de técnicas que usam mais tecnologia que fontes humanas para a
reunião de dados ou informações. Utiliza-se de imagens, sinais e outros para a produção
de inteligência.
Cabe ressaltar, assim como fez Joanisval Brito Gonçalves (2009, p. 91), que
[...] países que não dispõem de muitos recursos para Inteligência tendem a
desenvolver sua capacidade de reunir dados a partir de fontes humanas.
Ademais, nações multietnicas ou com grande diversidade de imigrantes,
como Brasil e Canadá, dispõem de maior potencial em termos de fontes
humanas. A opção pelo desenvolvimento mais de techint ou de humint
dependerá da peculiaridade de cada governo, dos objetivos de cada serviço e
da modalidade de inteligência que têm mais capacidade de desenvolver, bem
como o tipo de ameaças ou adversários com que lidam. [...] A decisão
envolve, portanto, aspectos políticos e orçamentários.
4.2 Técnicas operacionais de inteligência
Técnicas operacionais são métodos utilizados para a obtenção de
conhecimento utilizável, negado ou não, através das operações de inteligência.
66
Conforme a DNISP (2007), as técnicas operacionais, utilizadas principalmente em ações
de busca, são:
[...] reconhecimento; vigilância; recrutamento operacional; infiltração;
desinformação; provocação; entrevista; entrada; interceptação de sinais
(eletromagnéticos, óticos e acústicos) e de dados; observação [DISPERJ:
interrogatório; interceptação postal; interceptação das comunicações; não
entrada]
4.2.1 Aplicação
A aplicação das técnicas operacionais para a efetiva consecução das
operações de inteligência constitui um tema bastante controverso, uma vez que,
conforme já demonstrado, são atividades que possuem grande potencialidade de
interferência nos direitos fundamentais em razão de não serem resguardadas por uma
legislação suficiente capaz de garanti-las sob a ótica jurídica.
Joanisval Brito Gonçalves (2009, p. 65-67) descreve, com muita
propriedade, as funções da atividade de inteligência, e neste tópico passamos a utilizar
seu pensamento para as definições.
Nos dizeres do autor,
[...] no que concerne a esta última função da atividade de inteligência, pode-
se dizer que compreende o conjunto de ações técnicas destinadas à busca do
dado negado. Trata-se, sem dúvida, da atividade mais polêmica relacionada à
inteligência, uma vez que seus métodos envolvem, necessariamente, técnicas
e ações sigilosas como estória-cobertura, vigilância, fotografia operacional,
uso de meios eletrônicos, entre outros.
A aplicação das técnicas operacionais não pode, contudo, ser associada às
ações encobertas, pois, bem como nos informa o mencionado autor,
[...] Enquanto operações de inteligência são processos, técnicas e setores
voltados à busca do dado negado, as ações encobertas ou clandestinas são as
atividades secretas desenvolvidas por um governo relacionadas a sua política
externa com o objetivo de influenciar outro governo ou provocar
determinados eventos políticos, militares, econômicos ou sociais em outro
país. Convém ficar claro que caracteriza esse tipo de operação o fato de
serem conduzidas de maneira sigilosa e encoberta. [...] atente-se para o fato
de que as operações não têm caráter necessariamente danoso ou ilícito. É por
meio de técnicas operacionais que um serviço secreto pode, por exemplo,
acompanhar terroristas e impedir ataques por eles perpetrados. Na área de
segurança pública, operações como vigilância, recrutamento, interceptação de
comunicações e fotografia podem ser utilizadas para identificar criminosos,
tipologias, e reunir dados para a produção de conhecimentos que auxiliarão
as autoridades públicas a planejarem políticas de combate à criminalidade,
inclusive com a neutralização de organizações criminosas.
67
Gonçalves finaliza o tema dizendo que um aspecto importante é o de que as
[...] operações de inteligência devem estar sobre rígido controle, tanto
interno quanto externo. Registre-se que, em alguns países, os órgãos de
controle externo têm entre suas atribuições autorizar esse tipo de atividade,
enquanto em outros o controle é apenas a posteriori. De toda maneira, o
controle é fundamental e evita arbitrariedades – ou ao menos serve para
diminuir os riscos de que venham a ocorrer [2009, p. 65-67].
Seguindo a linha de raciocínio do autor, sustentamos que a aplicação das
técnicas operacionais não pode ser confundida com a imposição das ditas ―ações
encobertas‖. Reafirmamos, ademais, que essa aplicação para a consecução das
operações de inteligência é uma temática delicada e, dessa forma, possuir um controle
prévio e uma limitação pré-estabelecida é uma necessidade à atividade de inteligência e
a qualquer ação desenvolvida em um Estado Democrático de Direito. A aplicação das
técnicas operacionais, antes de obter efetividade em seus resultados, deve revestir-se de
legitimidade e legalidade.
4.2.2 Modalidades
As operações de inteligência são ações realizadas com a finalidade de obter
dados não disponíveis em fontes abertas. Elas podem ter por alvo pessoas, locais,
objetos ou canais de comunicação. As operações de inteligência se utilizam de várias
técnicas operacionais, dentre as quais citaremos as mais importantes brevemente: ações
encobertas, comunicações sigilosas, disfarce, eletrônica, entrada, entrevista, estória-
cobertura, fotografia, infiltração, OMD, reconhecimento, recrutamento operacional e
vigilância.
Ações encobertas: são as atividades sigilosas desenvolvidas por um governo
visando influenciar outro governo ou provocar determinadas situações políticas,
militares, econômicas ou sociais em outro país. Em outras palavras, esta atividade tem
por objetivo influenciar diretamente as condições que fundamentam a política exterior, a
política militar e a política econômica de um país sem que esta influência possa ser
atribuída ao Estado. A prática de ações encobertas é uma opção para atingir objetivos
quando a diplomacia e outros instrumentos políticos revelam-se ineficazes. Dentre as
formas de ações encobertas, podemos citar, a título exemplificativo: propaganda; auxílio
68
a facções políticas ou militares estrangeiras; assistência a governos estrangeiros; e
operações para desmantelar atividades ilegais realizadas em território estrangeiro.
A título meramente informativo, ―na maioria dos países onde os serviços de
inteligência são repartidos entre diferentes agências, ações encobertas são realizadas
somente pela agência encarregada da inteligência exterior‖ (GENEVA, 2008).
Entretanto, vale frisar, não há uma previsão específica e detalhada sobre
essa técnica operacional, quais são seus limites e requisitos para ter legitimidade e para
ser respaldada legalmente.
Infiltração: é a técnica operacional consistente na introdução de um agente
numa quadrilha, bando, organização criminosa ou associação criminosa, a fim de obter
provas que possibilitem resolver alguma situação de interesse. A infiltração é técnica
prevista na Lei nº 9.034/1995 (art. 1º) como um recurso para obtenção de provas na
persecução penal. Essa lei define e regula ―meios de prova e procedimentos
investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha
ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo‖ (PACHECO,
2005). A Lei nº 9.034/1995 (com a redação da Lei nº 10.217/2001) estabelece o
seguinte:
Art. 2º Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo
dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e
formação de provas:
[...]
Inciso V – infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de
investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante
circunstanciada autorização judicial.
No entanto, a previsão legal acima mostrada nada diz sobre a infiltração
como técnica operacional para as atividades de inteligência, e nem sinaliza a infiltração
como uma das possibilidades de meio a se utilizar na alçada de um profissional de
inteligência.
Cumpre dizer o alerta de Denilson Feitoza Pacheco (2005), segundo o qual,
[...] a infiltração é possível se tiver como parâmetros legais os princípios da
proporcionalidade e do devido processo legal. O princípio da
proporcionalidade em sentido estrito impõe que a infiltração apenas possa ser
utilizada quando os direitos a serem protegidos forem superiores àqueles que
serão violados com a infiltração (por exemplo, serão violados os direitos
fundamentais de intimidade/privacidade, imagem, honra etc.).
69
Interceptação postal: é a técnica operacional em que se intervém sobre uma
correspondência postal com o objetivo de retirar de lá alguma informação importante
que possa auxiliar a tomada de decisão de um órgão de inteligência. Da mesma maneira,
a interceptação postal não possui uma legislação específica que a coloque como técnica
operacional à disposição de um agente de inteligência. A insuficiência na legislação da
inteligência faz com que, se utilizada, revista-se de ilegalidade.
Disfarce: é a técnica operacional que consiste na modificação das
características físicas de uma pessoa com o objetivo de dissimular a sua identidade. O
disfarce enseja o raciocínio da produção e utilização de um documento de identidade
que mantenha sua verdadeira identidade oculta, o que resulta em ato clandestino, ilegal
e criminoso, pois desassistido de qualquer norma que permita essa prática nas atividades
de inteligência.
Eletrônica: é a técnica operacional consistente no emprego de meios
eletrônicos (microfones, câmeras, interceptadores, transmissores etc.) para obter dados
protegidos que possam auxiliar no processo decisório. Ao agir desta forma, o agente de
inteligência estará agindo de forma ilícita e com grande probabilidade de atingir, no
mínimo, o direito a intimidade e a vida privada de outrem.
Estória-cobertura: técnica operacional que consiste, segundo a ABRAIC
(2009), no
[...] emprego de uma estória de proteção por pessoas, instalações ou
organizações para encobrir propósitos ou ações nas Operações de
Inteligência. Assim sendo, visa proteger o sigilo das Operações de
Inteligência, as identidades do órgão e do pessoal empenhado na busca, bem
como a proporcionar a proteção física do pessoal, do material e das
instalações.
Fotografia sigilosa: técnica operacional que consiste na realização de
fotografia de forma camuflada (não ostensiva).
Intrusão: é uma técnica operacional que possui como finalidade permitir o
acesso físico a instalações protegidas por mecanismos de fechamento (ex.: fechadura,
cadeado, cofre, senhas etc.). Esta técnica também possui uma aplicação incoerente e
problemática, tendo em vista não ter respaldo legal.
OMD: acolhemos a definição da ABRAIC, em que OMD seria a
70
[...] técnica operacional que consiste em observar com perfeição, memorizar
o que se vê e descrever eficazmente. Observação: ação de examinar
minuciosa e atentamente o objeto do interesse ou um ambiente valendo-se da
máxima utilização dos sentidos. Memorização: conjunto de ações e reações
voluntárias e metódicas que têm a finalidade de auxiliar na lembrança de
fatos e situações. Descrição: ação de reproduzir eficazmente para outrem e
com exatidão o que foi memorizado [2009].
Reconhecimento operacional: técnica operacional consistente em levantar
dados sobre áreas e instalações, com a finalidade de obter as informações necessárias
para a tomada de decisões ou para a consecução de um planejamento sobre o local.
Recrutamento operacional: constitui a técnica operacional segundo a qual
se reservam esforços para convencer uma pessoa não pertencente a uma organização a
trabalhar em seu benefício, como um informante ou outra atividade necessária.
Vigilância: atividade de manter pessoas e instalações sob observação direta,
visando à obtenção de informações e conhecimentos que possam auxiliar na tomada de
decisão.
Comunicação sigilosa: técnica operacional que consiste na transmissão de
mensagens entre uma fonte e um destinatário, distintos no tempo e/ou no espaço,
através de códigos.
Espionagem: técnica operacional, de caráter exclusivo do Estado, em que se
buscam informações de carácter secreto ou confidencial dos rivais ou inimigos, sem
autorização destes, para se alcançar certa vantagem militar, política ou econômica.
Como comentado em algumas das definições das técnicas operacionais
acima, a aplicação de qualquer delas de forma isolada ou conjuntamente certamente
atingirá direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, o que as torna
ilegítimas e ilícitas, chegando em alguns casos a aproximar-se de condutas criminosas.
Obviamente que não discutiremos aqui as ações ocorridas no âmbito das
investigações criminais em que são aplicadas técnicas semelhantes, entretanto, com
respaldo legal e procedimentos bem definidos. Frise-se: procuramos chamar a atenção
da obscuridade das ações de inteligência de Estado, pela falta de normas que as
legitimem.
Finalizamos este tópico com as palavras de Wilson Rocha de Almeida Neto
(2009, p. 59):
71
Indiscutivelmente, é na realização das operações que a atividade de
inteligência (demandante) encontra seu ponto mais crítico. Se em todas as
suas vertentes tal atividade reclama do profissional envolvido a adoção de
procedimentos e regras minudentes a fim de evitar insegurança ou a produção
de um conhecimento inútil ou inexato, no campo das operações, onde a
inteligência (demandante) apresenta a sua face mais vulnerante e agressiva,
tal necessidade revela-se ainda mais gritante. O planejamento de operações
deve ser realizado de modo a abranger, quase que de modo paranóico, um
conjunto de medidas detalhadas de controle, de segurança, de coordenação,
de orientação e de avaliação sobre cada aspecto do alvo, do ambiente
operacional e da própria equipe. As surpresas e os imprevistos em tal seara,
devem ser reduzidos a níveis bem próximos do zero.
4.2.3 Técnicas operacionais e os direitos fundamentais
Não há dúvidas de que a atividade de inteligência, e as técnicas operacionais
em especial, representam uma ameaça direta aos direitos e garantias fundamentais. A
insuficiência de uma legislação sobre o tema faz com que a esfera da inteligência seja
cercada de incertezas e obscuridade quanto aos seus limites e atribuições legais.
Entre os direitos fundamentais mais afetados pelas operações de inteligência
destacamos a inviolabilidade à intimidade, à vida privada, à honra, à imagem, ao
domicílio, aos dados, além da garantia do sigilo de correspondência e de comunicação.
A doutrina de Moraes (2009, p. 53-79) nos serviu de parâmetro para o
desenvolvimento do tema neste tópico, conforme a seguir veremos.
4.2.3.1 Inviolabilidade à intimidade, vida privada, honra e imagem
Os direitos à intimidade e à própria imagem formam a proteção
constitucional à vida privada. A inviolabilidade à intimidade, à vida privada, à honra e à
imagem constitui uma proteção constitucional às relações de cunho personalíssimo do
indivíduo. Toda essa estrutura protetora à intimidade e à vida privada visa à salvaguarda
de um espaço íntimo, que busca limitar qualquer intromissão ilícita externa.
Cumpre frisar que essa gama de prerrogativas legais impede que assuntos de
natureza pessoais e íntimos, tais como falecimentos ou padecimentos, não podem ser
utilizados como meios para diversão ou entretenimento, pois fere diretamente os direitos
constitucionais da honra, intimidade e da vida privada. Comungamos, portanto, da
opinião de Moraes (2009, p. 53), em que
[...] não existe nenhuma dúvida de que a divulgação de fotos, imagens ou
noticias apelativas, injuriosas, desnecessárias para a informação objetiva e de
72
interesse público (CF, art. 5º, XIV), que acarrete injustificado dano à
dignidade humana autoriza a ocorrência de indenização por danos materiais e
morais, além do respectivo direito à resposta.
4.2.3.2 Inviolabilidade domiciliar
A previsão constitucional da inviolabilidade domiciliar representa uma
importante garantia à intimidade, à vida privada e à honra. Entretanto, o bem jurídico
diretamente produzido pela prerrogativa da inviolabilidade domiciliar é a tutela do
sossego e da tranquilidade domiciliar; garantias estas que não podem ser violadas, salvo
por determinação judicial, por vias da persecução penal ou tributária do Estado.
Há, porém, exceções previamente previstas na Carta Constitucional para a
inviolabilidade domiciliar. Segundo o documento legal, a casa é asilo inviolável do
indivíduo, podendo-se nela adentrar apenas por meio do consentimento do proprietário
do domicílio, ou em caso de flagrante delito, para prestar socorro, ou, ainda, durante o
dia, por determinação judicial.
O Supremo Tribunal Federal confirma o exposto nesse tópico e, em sua
jurisprudência, já decidiu que mesmo sendo a casa o asilo inviolável do indivíduo, não
pode ser transformado em garantia de impunidade de crimes que em seu interior se
praticam.
Como salientado pelo Ministro Celso de Mello (STF, 1994, p.16.650-RT
709/418), mencionado por Moraes (2009, p. 59)
[...] nem a Polícia Judiciária, nem o Ministério Público, nem a administração
tributária, nem a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ou seus
representantes, agindo por autoridade própria, podem invadir domicílio
alheio com o objetivo de apreender, durante o período diurno, e sem ordem
judicial, quaisquer objetos que possam interessar ao Poder Público. Esse
comportamento estatal representará inaceitável afronta a um direito essencial
assegurado a qualquer pessoa, no âmbito de seu espaço privado, pela
Constituição da República.
4.2.3.3 Sigilo de correspondência e de comunicação
É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de
dados e das comunicações telefônicas como prevê o artigo 5º, XII, da Constituição
Federal de 1988. O mesmo dispositivo, contudo, prevê também exceções a essa
prerrogativa, em que se pode violar o sigilo de correspondência e de comunicação por
73
ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação
criminal ou instrução processual penal.
Vale ressaltar, neste momento, o alerta de Moraes (2009, p. 59)
[...] que apesar de a exceção constitucional expressa referir-se somente à
interceptação telefônica, entende-se que nenhuma liberdade individual é
absoluta, sendo possível, respeitados certos parâmetros, a interceptação das
correspondências e comunicações telegráficas e de dados sempre que as
liberdades públicas estiverem sendo utilizadas como instrumento de
salvaguarda de práticas ilícitas.
A interceptação telefônica consiste na conduta de captar ou gravar conversa
telefônica no mesmo instante em que ela se realiza por terceira pessoa sem o
conhecimento de qualquer dos interlocutores. Essa conduta, que afronta o inciso XII do
art. 5º da Constituição Federal, não é absoluta e pode ser permitida por ordem judicial,
para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, ou ainda nas hipóteses
e na forma que a lei estabelecer.
Seguindo essa linha de pensamento, o Supremo Tribunal Federal já decidiu
pela possibilidade de interceptação de carta de presidiário pela administração
penitenciária, entendendo que a ―inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir
instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas‖, tendo como relator o Ministro Celso de
Mello (STF, 1994, p.16.650-RT 709/418), mencionado por Moraes (2009, p. 59).
4.2.3.4 Inviolabilidade de dados: sigilos bancário e fiscal
A inviolabilidade do sigilo de dados, prevista no art. 5º, inciso XII da Carta
Constituinte, faz parte da previsão ao direito à intimidade e vida privada. A garantia da
inviolabilidade de dados também não é absoluta, de forma que os dados bancários e
fiscais poderão ser devassados a título excepcional e conforme os estritos limites legais.
Nesse desiderato, somente motivos excepcionais justificam a possibilidade
de acesso a informações sigilosas como dados bancários e de caráter fiscal por terceiros,
havendo necessidade de autorização judicial, no interesse da Justiça
4.2.3.5 Obtenção de provas ilícitas
A Constituição Federal consagra, por meio de seu art. 5º, LVI, a ideia de
que as provas obtidas por meios ilícitos são inadmissíveis em todas as fases do
74
processo. Dessa forma, todas aquelas provas e informações obtidas em infringência às
normas do direito material, devem ser desconsideradas para qualquer decisão judicial.
Essa prerrogativa corresponde a uma importante garantia em relação à ação persecutória
do Estado.
Conforme decidiu o plenário do Supremo Tribunal Federal, tendo como
relator o Ministro Ilmar Galvão:
[...] é indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária
idoneidade jurídica como meio de formação do convencimento do julgador,
razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da
verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o
respeito devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor
que se sobreleva, em muito, ao que é representado pelo interesse que tem a
sociedade numa eficaz repressão aos delitos. É um pequeno preço que se
paga por viver-se em Estado de Direito democrático. [...]. A Constituição
brasileira, no art. 5º, inciso LVI, com efeito, dispõe, a todas as letras, que são
inadmissíveis , no processo, as provas obtidas por meios ilícitos [STF, 1995 –
RTJ 162/03-340, apud Moraes, 2009, p. 110].
Por outro lado, a rigidez dessa limitação legal passou a ser atenuada pela
doutrina constitucionalista atualmente, visando a corrigir distorções a que a rigidez da
exclusão poderia levar em casos de excepcional gravidade.
Esta atenuação prevê, com base no princípio da proporcionalidade,
hipóteses em que as provas ilícitas, em caráter excepcional e em casos extremamente
graves, poderão ser utilizadas, pois, conforme dito, nenhuma liberdade ou direito
público é absoluto. Dessa maneira, isto é, em se concluindo que o direito tutelado é mais
importante que o direito à intimidade, segredo ou liberdade de comunicação, permitir-
se-ia a utilização de provas ilícitas para compor o processo.
Concluímos com as palavras de Moraes (2009, p. 112) que referenda a ideia
de que,
[...] a regra deve ser a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos,
que só excepcionalmente deverão ser admitidas em juízo, em respeito às
liberdades públicas e ao princípio da dignidade humana na colheita de provas
e na própria persecução penal do Estado.
4.2.4 Distinção entre a atividade de inteligência e a investigação criminal
Dentro da estrutura organizacional dos órgãos policiais existem setores
internos voltados para a atividade de inteligência. Esta atividade não pode, de forma
75
alguma, ser confundida com a atividade de investigação criminal, havendo atribuições
diversas, com objetivos distintos.
A investigação criminal, assim como a atividade de inteligência, é regulada
em lei. Entretanto, a primeira, de uma forma geral, volta-se para a coleta, busca e
processamento de indícios de provas na ação persecutória criminal do Estado, sendo,
portanto, minuciosamente controlada pelo Poder Judiciário, Ministério Público,
advogados, sociedade e pela própria polícia.
Na investigação criminal, são aplicadas várias técnicas específicas de sua
atividade, todas elas devidamente amparadas em leis e muito bem delineadas, evitando-
se, assim, o descontrole e o abuso. Dessa forma, se as técnicas não usufruírem dessa
legalidade existente, pode-se resultar na desqualificação da prova produzida, que seria,
portanto, ilícita. É certo que em determinado momento a investigação criminal tornar-
se-á pública e de conhecimento do investigado, desde que, obviamente, haja expressa
disposição legal que assim permita.
Já a atividade de inteligência tem, na sua essência, o secretismo, sendo
desenvolvida pelo Estado em ações veladas e que não devem chegar ao conhecimento
de todos, mas apenas àqueles que estão incumbidos da proteção do próprio Estado e da
sociedade, sendo a violação do sigilo dessas informações tratada em leis específicas.
Não é comum a revelação do conhecimento produzido na atividade de inteligência, que
também não busca indício e prova. Trata apenas da coleta, análise, busca e
processamento do conhecimento, levado ao tomador de decisão, com cenários
prospectivos do interesse do Estado e da sociedade, visando, com isso, a assegurar
direitos e garantias previstos na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional.
Equivocadamente alguns profissionais do setor de segurança pública
incluem a investigação criminal como atividade de inteligência. Dizemos isso com
muita tranquilidade porque, no caso concreto, uma investigação criminal pode conter
informações que se transformem em conhecimento de inteligência para aplicação na
segurança pública, assim como algumas informações coletadas e processadas no
desenvolvimento da atividade de inteligência podem se transformar em investigações
criminais. Entretanto, o desenvolvimento de cada uma destas modalidades e as técnicas
aplicadas são diferenciadas e com regras bem definidas no tocante à investigação
76
criminal e imprecisas e obscuras no que se refere à inteligência, sendo este, inclusive, o
objeto principal deste estudo.
Convergindo com esta posição, o delegado do Departamento de Inteligência
Policial (DIPOL), Mauricio Correcli, citado por Bruno Meirelles (2007), conclui que há
uma diferença notável entre a inteligência policial e a investigação criminal, que nem
sempre é abordada pela doutrina. Segundo ele,
[...] ocorrido o fato criminoso, a policia judiciária vai ao passado buscar o que
aconteceu. Já a atividade de inteligência deve se antecipar aos fenômenos. E
essa antecipação só ocorrerá com a gestão adequada de informações. A
investigação policial, portanto, atua de forma reativa. A inteligência atua de
forma pró-ativa, ou seja, antes do acontecimento [grifo do autor].
4.3 Limites e restrições
Os maiores limites impostos às operações de inteligência estão na
insuficiência de uma devida legislação e relacionamento com os direitos fundamentais
com a atividade de inteligência de um modo geral.
Nesse sentido, Joanisval Brito Gonçalves (2005) afirma que ―a Lei
determina que as atividades de inteligência deverão ser desenvolvidas com irrestrita
observância dos direitos e garantias individuais, fidelidade às instituições e aos
princípios éticos que regem os interesses e a segurança do Estado‖.
Ademais, essa falta de uma legislação específica e detalhada que forneça às
operações de inteligência a legalidade esperada em muito se devem à inexistência de um
controle prévio sobre a atividade de inteligência a ser realizado pelo Poder Judiciário,
essencialmente nos casos em que direitos fundamentais possam estar envolvidos. Dessa
forma, não deve apenas haver um maior detalhamento das operações de inteligência e
seus limites, e nem apenas uma abordagem maior sobre as atribuições dos agentes de
inteligência. Torna-se cogente também esse controle prévio e externo sobre essa
atividade, de modo a impedir que haja qualquer desrespeito dos direitos fundamentais
não motivado ou qualquer arbitrariedade.
77
4.4 Importância
A atividade de inteligência é imprescindível para um Estado Democrático de
Direito como o nosso por diversos objetivos. Como afirma Joanisval Brito Gonçalves
(2005), a sua razão de ser está na
identificação de ameaças, como as relacionadas ao crime organizado e à
segurança pública, na neutralização da espionagem estrangeira e ainda na
constante vigilância contra a presença no Brasil de pessoas ou grupos que
tenham qualquer vínculo com o terrorismo internacional.
Continua o autor dizendo que uma outra razão para o estímulo a essas
atividades é ―restringir que países interessados em ter acesso a conhecimentos sensíveis
nas áreas em que o Brasil se destaca, em apoderar-se das riquezas de nossa
biodiversidade, e mesmo impedir que nos tornemos competitivos internacionalmente‖.
E conclui:
[...] as democracias necessitam da atividade de inteligência para preservar
informações sigilosas, identificar oportunidades e ameaças, reduzir a
incerteza na tomada de decisões e apoiar setores vinculados à segurança
interna e externa, à Defesa Nacional e à diplomacia.
Francisco José Fonseca de Medeiros (2009) nos convence de que a
importância de se possuir uma atividade de inteligência desenvolvida está no fato de
que
[...] o mundo mudou, a produção do conhecimento se tornou cada vez mais
importante, exigindo do indivíduo e da organização ações voltadas para a
antecipação e prevenção. Tornou-se um elemento estratégico e sua gestão e
utilização para produção de Inteligência é elemento básico para o
desenvolvimento estratégico das organizações, contribuindo para que a
organização responda mais rapidamente às ameaças e oportunidades. Chefes
tomam decisões muitas vezes errôneas e equivocadas, com conseqüente
prejuízo, por falta de informações seguras.
78
5 PRINCÍPIOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS
5.1 Introdução
Vivemos em um Estado Democrático de Direito, cuja característica mais
marcante não é a positividade e supremacia da lei, mas a presença de um regime de
governo realizado pelo e para o povo direta ou indiretamente por meio de
representantes. É o fato de não haver um poder absoluto e a existência de um núcleo
duro de direitos que não estão à disposição de nenhum indivíduo, nem mesmo do
próprio Estado, que nos diferencia de regimes totalitários e tirânicos. A democracia é,
sinteticamente, o governo do povo, e a preservação dos direitos fundamentais, mais que
um simples objetivo, é sua razão de ser.
Na democracia com a qual convivemos hoje, diferentemente daquele regime
obtido na Grécia Antiga, no qual todos participavam diretamente do processo decisório
das questões governamentais através de discussões em Àgoras12
(MEDEIROS, 2009), o
povo não mais participa das decisões pessoalmente, mas exerce o mesmo direito através
de representantes que, agindo como mandatários, decidem os rumos do país. Entretanto,
o poder exercido por esses representantes não é absoluto e encontra limites legais para o
seu exercício. Esses limites são exercidos, em sua grande maioria, pelos direitos e
garantias fundamentais individuais e coletivas.
Na concepção de José Joaquim Gomes Canotilho (2008), os direitos
fundamentais exercem a função de
[...] direitos de defesa dos cidadãos sobre uma dupla perspectiva: (1)
constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa
para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes
na esfera jurídica-individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjetivo, o
poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdadepositiva) e de
exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por
parte dos mesmos (liberdade negativa).
É importante frisar, porém, que os direitos fundamentais não são absolutos
ou ilimitados. Assim como o poder estatal, estes direitos também são cerceados,
12 Àgora é a praça principal das antigas cidades gregas ou Polis onde se reuniam diversas pessoas para se discutir
sobre política e outras questões de interesse governamental. É, por assim dizer, um espaço de cidadania, e símbolo da
democracia direta.
79
principalmente quando entram em conflito com outros direitos ou princípios
fundamentais, igualmente consagrados na Carta Magna.
Por conseguinte, os ditos direitos fundamentais não podem funcionar como
uma ―barreira‖ protetora intransponível que permitam ao indivíduo a prática de
atividades ilícitas ou, ainda, que utilizem esses direitos como argumentos para
afastamento ou redução da responsabilidade pelos mesmos atos. Essa situação ensejaria
um desrespeito a outros direitos também fundamentais tão importantes quanto esses. O
verdadeiro Estado Democrático de Direito é justamente aquele que não apresenta
valores, direitos ou ações absolutas, mas que constrói um mecanismo de controle e de
sopesamento de interesses, seja por meio da razoabilidade ou da proporcionalidade e
que convergem para a preservação de um Estado Democrático.
Todavia, a realidade dos direitos fundamentais consagrados em nossa
Constituição apresentou grandes modificações nos últimos anos, e que merecem, por
certo, nossa atenção.
Em uma breve linha histórica, sabe-se que os direitos fundamentais tiveram
seu período áureo na pós-revolução francesa, em que se fixaram predominantemente
aquelas garantias individuais do Homem, focando suas abordagens na seara da
liberdade. Posteriormente, na ascensão do Estado Social ou Welfare State (Estado do
bem estar social), privilegiou-se os direitos sociais e trabalhistas, que serviram como
profundas garantias para a classe operária em oposição a um sistema capitalista
competitivo e desumano. Por fim, chega-se à terceira geração dos direitos fundamentais,
que não destacavam os direitos individuais ou sociais, mas consolidavam os direitos
coletivos ou conexos, em que o Estado garante para si a obrigação de proteger a
coletividade de pessoas e não o ser humano de forma isolada. Um exemplo claro dessa
evolução é o grande destaque dado na atualidade para questões que envolvem o meio
ambiente e que representam um essencial direito da coletividade como um todo.
A Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas (ORGANIZAÇÃO
DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948), por meio de seu artigo29, ilustra bem essa situação,
que tende à prevalência do interesse público sobre o particular, no seguinte raciocínio:
[...] toda pessoa tem deveres com a comunidade, posto que somente nela
pode-se desenvolver livre e plenamente sua personalidade. No exercício de
seus direitos e no desfrute de suas liberdades todas as pessoas estarão sujeitas
80
às limitações estabelecidas pela lei com a única finalidade de assegurar o
respeito dos direitos e liberdades dos demais, e de satisfazer as justas
exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade
democrática. Estes direitos e liberdades não podem, em nenhum caso, serem
exercidos em oposição com os propósitos e princípios das Nações Unidas.
Nesse sentido, verifica-se, na atualidade, uma maior preocupação em
relação aos direitos fundamentais de cunho coletivo em detrimento daqueles de caráter
particular. A antiga posição privilegiada das garantias individuais, herança de uma
cultura romano-germânica, passou a ser questionada com a supervalorização de
interesses comunitários, de responsabilidade direta do Estado. Esse questionamento,
como já dito, faz do sopesamento de interesses e de uma análise com base no princípio
da proporcionalidade um aspecto de grande relevância para o atual momento em que se
encontra o nosso Estado Democrático de Direito. Essa nova problematização, que será
alvo de nossa análise adiante, é de grande valia para a compreensão de grande parte dos
conflitos internos vivenciados pela atividade de inteligência, os quais fazem da análise
de supremacia de interesses uma prerrogativa necessária para o prosseguimento de suas
operações.
5.2 A mudança na esfera dos direitos fundamentais
A lógica remanescente dos tempos liberais do século XVIII, de que os
direitos fundamentais seriam impedimentos e obstáculos à ação estatal frente a alguns
direitos inerentes à espécie humana, começa a sofrer modificações a partir da ascensão
do positivismo. Em um contexto favorável à existência da constituição escrita, bem
como de sua preponderância sobre os direitos costumeiros e universais, surge a
necessidade de os direitos fundamentais serem positivados pela Constituição para que, a
partir daí, pudessem ser legitimamente requeridos pelas partes perante o Estado.
No entanto, sabe-se que a Constituição não consegue prever todas as
situações pelas quais o Direito, como ciência normativa, deve abarcar e valorar como
fatos jurídicos. Decorre, daí, uma grande insegurança jurídica, pela qual os delinquentes
encontram inúmeras ―brechas‖ para cometer crimes justamente pela existência de
lacunas legais. Portanto, a presença de princípios e direitos fundamentais não
devidamente expressos no ordenamento jurídico não é vista como uma afronta ao
81
princípio da legalidade, por exemplo, mas como uma necessidade para que se possa
fornecer segurança e coerência ao direito posto.
Seguindo o mesmo percurso, a concepção técnica de direitos fundamentais
também se transformou. A partir desse momento, os direitos fundamentais não
representam somente o dever de abstenção do Estado a assuntos de cunho
personalíssimo (ótica subjetiva), mas hoje em dia representam as diretrizes pelas quais
se orientam as políticas constitucionais (ótica objetiva). Os valores fundamentais não
mais servem somente para proteger os indivíduos de possíveis ingerências, mas também
são entendidos como valores legitimantes do poder estatal e dotados de posição superior
na escala normativa constitucional. Os direitos fundamentais são, agora, bússolas para a
Constituição, norteando e governando todo o ordenamento jurídico.
A mudança da esfera subjetiva para a objetiva também repercute na
organização da Constituição, que de retrato das normas positivas passa a ser vista como
sistema de valores. A partir dessa mudança, os princípios passam a preponderar sobre as
normas constitucionais, os quais encarnam, segundo Paulo Bonavides (2007, p. 632-
634), mencionado por Wilson Rocha de Almeida Neto (2009, p. 99), ―a alma das
constituições.‖
Essa maior valorização dos princípios em detrimento das normas de direito
se deve, sobretudo, às teorias e ideias promulgadas por Ronald Dworkin e Robert Alexy
(JÚDICE, 2008), ambos filósofos do período comumente reconhecido como pós-
positivismo. Em suas obras, os jus-naturalistas não só reconhecem a incapacidade de se
resolver todas as questões de direito por meio das normas expressas nas Constituições
como admitem cogente a aplicação principiológica nessas mesmas questões como
solução para segurança jurídica e para melhor resposta do Direito às evoluções advindas
das mudanças na sociedade. Dessa forma, os princípios serviriam para adequar casos
não definidos em leis às respostas e punições condizentes com o ―espírito‖ da
Constituição e, consequentemente, do próprio povo que a promulgou.
82
5.3 Classificação adotada
Como acabamos de ver no breve histórico traçado, modernamente se
concebe a classificação dos direitos fundamentais em direitos de primeira, segunda e
terceira gerações, de acordo com seu conteúdo e com sua posição cronológica.
Entretanto, de acordo com os ditames legais da Constituição Federal de
1988, os direitos e garantias fundamentais representam o gênero de cinco espécies:
direitos e garantias individuais e coletivos; direitos sociais; direitos de nacionalidade;
direitos políticos e direitos relacionados à existência, organização e participação em
partidos políticos.
Não obstante a classificação constitucional seja a divisão oficial e, portanto,
a de maior importância, não constitui a melhor classificação para o escopo deste
trabalho. Por isso, utilizamo-nos de três diferentes classificações a respeito dos direitos
fundamentais, quais sejam: direitos fundamentais individuais e coletivos; direitos
fundamentais universais e relativos; e direitos fundamentais de defesa e à prestação.
5.3.1 Direitos fundamentais individuais e coletivos
Fato visto é que direitos individuais e coletivos surgiram em momentos
distintos na História. Os primeiros, constituindo direitos da primeira geração,
apareceram na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão; os últimos, por outro
lado, surgiram na Idade Contemporânea e são abrangidos na maioria das Constituições
dos Estados Nacionais.
Todavia, a principal diferença entre os direitos individuais e coletivos reside
no seu conteúdo e na sua abrangência. Os direitos fundamentais individuais são aqueles
que fornecem autonomia ao indivíduo e o reconhecem como seres independentes dos
outros membros e do próprio Estado, e são seus destinatários, com base no artigo 5º,
caput, da Constituição Federal "Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Brasil a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade
[...]". Os direitos coletivos, porém, são concebidos como direitos transindividuais, de
natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas. Observa-
83
se, pois, que seus destinatários são grupos de pessoas indeterminadas, mas
determináveis, enquanto grupo, categoria ou classe.
José Afonso da Silva (2001, p. 197), mencionado por Yabiku (2005),
distingue três grupos de direitos individuais:
(1) Direitos Individuais expressos, aqueles explicitamente enunciados nos
incisos do art. 5.º; (2) Direitos Individuais implícitos, aqueles que estão
subtendidos nas regras de garantia, como o direito à identidade pessoal,
certos desdobramentos do direito à vida, o direito à atuação geral (art. 5.º, II);
(3) Direitos individuais decorrentes do regime e de tratados internacionais
subscritos pelo Brasil, aqueles que não são nem explícita nem implicitamente
numerados, mas provêm ou podem vir e provir do regime adotado, como o
Direito de Resistência, entre outros de difícil caracterização a priori". O
mesmo autor associa os direitos coletivos como os que dizem respeito às
"liberdades de expressão coletiva, como as de reunião e de associação‖ (grifo
do autor).
Fundamental é citar a lição de Sylvio Motta e William Douglas, publicada
na página eletrônica do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais (2009),
na qual diz que
[...] os Direitos Individuais representam um conjunto de limitações do Estado
em face das pessoas que com ele se relacionam. Pode-se dizer que é um
conjunto de direitos que a si se reservam os titulares do poder no momento
em que criam o Estado. Assim, ao redigirem a Constituição, estabelecem
limites ao ente que estão criando. Estes limites recebem diversas designações:
direitos fundamentais, direitos individuais, liberdades públicas, liberdades
fundamentais, direitos públicos subjetivos, etc.
Partindo dessa introdução sobre os direitos fundamentais individuais e
coletivos, cabe analisá-los brevemente à luz da atividade de inteligência que, como
sabemos, é um serviço de informações do Governo para supri-lo de conhecimento
necessário, e apto a auxiliá-lo na tomada de decisões. Por esse motivo, entende-se
silogisticamente que como o órgão de inteligência auxilia o Governo, ele estaria
também a serviço da sociedade, proporcionando à mesma não só segurança, mas o bem
comum.
Nesse sentido, a atividade de inteligência sinaliza para a supremacia do bem
ou interesse público sobre o particular e, consequentemente, tende a valorizar o direito
coletivo sobre o individual, justamente por estar a serviço da sociedade como um todo.
Essa tendência não pode, porém, ser generalizada, visto que isso não quer dizer que o
interesse público sempre prevalecerá sobre o privado e, muito menos, que a atividade de
84
inteligência sempre ultrapassará os limites dos direitos fundamentais individuais para
proteger o interesse público. O que se deve entender é que a lógica é o favorecimento do
público sobre o privado, mas a atividade de inteligência só atingirá seu escopo e sua
finalidade se respeitados forem os direitos e as garantias do indivíduo, caso estas se
mostrem de maior relevância que as coletivas.
5.3.2 Direitos fundamentais universais ou relativos
Os direitos fundamentais constantemente são alvo da permanente discussão
acerca de seu caráter universal ou relativo. De acordo com a primeira corrente, a
História Humana, desde seus primórdios, valoriza e cultua alguns valores e condutas
independentemente de sua cultura ou do tempo em que está localizada a sociedade.
Dessa forma, cotejando-se a civilização romana no ápice de seu Império
com a sociedade brasileira, por exemplo, concluir-se-ia que em ambas pré-existe um
núcleo duro e instransponível de direitos fundamentais que dizem respeito ao indivíduo,
seja ele romano ou brasileiro.
De acordo com esse raciocínio está a abordagem relativista, na qual
entende-se que esse mesmo núcleo de direitos fundamentais varia de civilização para
civilização dependendo dos valores cultuados, da temporalidade em que se insere a
sociedade, bem como de sua localidade. Assim sendo, romanos teriam uma gama de
direitos fundamentais diferentes de nós brasileiros, visto que são uma civilização
localizada em um espaço diferente, em um tempo distante e permeados com valores
culturais totalmente distintos dos nossos.
Nesse embate doutrinário, Marcus Boeira (2009), em seu artigo ―A
internacionalização do debate sobre os direitos fundamentais e o movimento
revolucionário globalista‖, entende que
―[...] se o homem é um bios politikos, em termos aristotélicos, tratá-lo como
um ser vivo de caráter global seria desconsiderar sua civilização, sua cultura,
sua localidade constitutiva, enfim, sua existência em termos cosmológicos e
culturais, vez que a definição do corpo político em sentido global levaria a
uma situação de total perplexidade e anomia do homem acerca de seu corpo
político efetivo‖.
Volvendo nossos olhos para a atividade de busca, como já dito alhures, a
atividade de inteligência tem, como um de seus deveres primordiais, o de buscar a
85
devida conciliação entre suas ações e os direitos fundamentais. A atividade investigativa
pela busca de dados, a partir dos quais o Estado tomará algumas decisões, não é
absoluta, e no caso de violar algum direito fundamental será considerada invasiva, e
seus responsáveis deverão receber as punições correspondentes seja na área civil ou
mesmo penal.
Entretanto, essas ideias, apesar de serem respaldadas pela concordância da
maioria da doutrina e da própria sociedade, trazem à luz um debate de suma
importância. De fato, se toda a atividade de inteligência deve respeitar direitos
fundamentais, vem à mente a controversa discussão sobre a universalidade e a
relativização dessas garantias. Enquanto para alguns esses direitos dizem respeito à raça
humana, e são, portanto, universais em qualquer local e tempo, para outros as garantias
fundamentais se referem a uma determinada civilização temporalmente delimitada.
Nessa última corrente, concebe-se a ideia, pois, de que os direitos fundamentais variam
de acordo com a sociedade em questão, de forma que as prerrogativas dos muçulmanos
do Irã seriam, necessariamente, distintas das mesmas valorizadas por nós, brasileiros,
como já comparado.
A atividade de inteligência deve, por conseguinte, ser analisada sobre essas
duas perspectivas. De acordo com a visão universal dos direitos fundamentais, as
operações de inteligência poderiam ser uniformes para todos os países, visto que os
direitos a serem respeitados seriam os mesmos. Entretanto, observa-se claramente que,
tendo-se em vista a realidade atual, os direitos e prerrogativas fundamentais variam de
civilização para civilização. Com isso, a busca por informações de interesse estatal
vincula-se com mais coerência à concepção relativista de direitos fundamentais. Dessa
forma, cada país deve desenvolver sua própria atividade de inteligência, adaptando-a
com sua demanda específica e conciliando suas operações com a real concepção de
direitos fundamentais cultuados por sua sociedade.
Afirma-se, pois, a necessidade de uma maior preocupação das autoridades
públicas em criar uma atividade de inteligência pátria, nacional, ligada e voltada às
carências do Brasil e de sua sociedade.
86
5.3.3 Direitos fundamentais de defesa (negativos) e à prestação (positivos)
Por fim, cabe diferenciar os direitos fundamentais de defesa dos direitos
fundamentais à prestação. Os primeiros sinalizam que o Estado possui o dever de não-
interferência ou de não-intromissão nas questões de cunho personalíssimo como direitos
fundamentais individuais e, ao mesmo tempo, possuem o dever de proteger esses
mesmos direitos fundamentais afetados pela conduta de terceiros. Em suma, a função de
defesa ou de liberdade impõe ao Estado um dever de abstenção.
Gomes Canotilho (2002, p. 407) apud Fachin (2008), leciona que a função
de defesa ou de liberdade dos direitos fundamentais tem dupla dimensão:
[...] (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência
negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as
ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implica, num plano
jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais
(liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a
evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).
Como ilustração do pensamento de Canotilho tem-se o direito fundamental
de não ser torturado, no qual observamos, de um lado, a função de defesa ou de
liberdade, exigindo abstenção do Estado, que não pode praticar tortura; de outro, exige a
atuação do Estado, visto que este precisa agir para evitar que a tortura seja praticada.
Sob outro aspecto, a função estatal à prestação garante ao cidadão o direito
de exigir do Estado a sua atuação para satisfazê-lo diretamente, ou criar as condições de
satisfação de certos direitos. Por conta disso, não pode se omitir de algumas questões
cruciais para a vida e o desenvolvimento pleno de seu cidadão, tais como direitos
fundamentais à saúde, à educação, à moradia, ao transporte coletivo.
Observa-se o direito fundamental à prestação no momento em que, por
exemplo, um cidadão cuja saúde está debilitada requer do Estado que este forneça o
medicamento necessário para sua sobrevivência devido ao seu alto custo. O Estado,
como deixamos antever, não pode se omitir dessa obrigação, sob pena de poder ser
objetivamente responsabilizado pela morte do cidadão mais tarde. Dessa forma, se o
Estado tiver condição financeira para o fato, ele deve prestar auxílio ao seu cidadão.
Cabe, aqui, a ressalva de que um país como o Brasil, apesar de se encontrar
em pleno estado de desenvolvimento e a despeito de possuir um dos maiores índices de
87
crescimento econômico, não consegue cumprir efetivamente com sua função
prestacional, comprometendo essa gama de direitos fundamentais em meio a uma
sociedade com baixos níveis sociais. Consequentemente, boa parte da população
brasileira fica marginalizada em relação a benefícios econômicos, sociais e culturais,
que deveriam ser proporcionados, ainda que em escala mínima, por um Estado
Democrático de Direito.
Compreendendo essa divisão dos direitos fundamentais à luz da atividade de
inteligência, deve-se partir da premissa de que, assim como a máquina estatal, o órgão
de inteligência apresenta essas duas funções dialeticamente envolvidas para a
consecução de uma atividade justa e condizente com o Estado Democrático brasileiro.
De fato, a sociedade representa o destinatário indireto dos serviços prestados
pelos agentes de inteligência, visto que ao munir as autoridades públicas de informações
relevantes para a tomada de decisões, a atividade de inteligência visa ao alcance do bem
comum. Dessa forma, as operações de inteligência cumprem sua função de prestação na
medida em que protegem a sociedade de perigos internos e externos e na proporção em
que alcançam o bem comum. Da mesma maneira, os órgãos de inteligência
sacramentam sua função de defesa quando respeitam e não interferem nos direitos
fundamentais dos indivíduos no desenvolvimento das operações de inteligência como a
espionagem, o disfarce e a infiltração.
5.4 Princípios e regras
O debate entre a existência ou preponderância de regras e princípios é
antigo, e representa, hoje, um dos pressupostos lógicos para que se possa entender o
mecanismo normativo acolhido nos vários ordenamentos jurídicos. Pode-se
compreender esse embate jurídico-filosófico analisando-se a derrocada de um
positivismo exacerbado, muito em razão das teorias apresentadas por Ronald Dworkin e
Robert Alexy (JÚDICE, 2008).
Ronald Dworkin (CAVALCANTI, 2010), visto como um dos mais
renomados juristas da atualidade, é conhecido principalmente por sua crítica à
Jurisprudência Positivista, que trata o direito como um conjunto de regras passíveis de
análise independentemente da moralidade. O autor sinaliza que nem todos os conflitos e
88
litígios do cotidiano podem ser resolvidos com base em uma análise fria das regras
existentes, visto que, para ele, muitos fatos carregam uma carga valorativa e algumas
circunstâncias que não são previstas e que devem ser levadas em conta. Dworkin critica
a doutrina positivista como uma ciência normativa que simplifica o Direito a um
conjunto específico, imutável e retrógrado de regras, que não evolui com as mudanças
sociais. O pós-positivista ainda rebate um ponto muito discutido em meio aos
positivistas, os quais argumentam que a grande vantagem de só se possuir regras é a
segurança jurídica encontrada. Dworkin, entretanto, demonstra que uma ciência jurídica
composta somente por regras, apesar de especificar as várias condutas existentes, não é
capaz de prever todas as possibilidades litigiosas que possam existir entre os homens,
acabando por comprometer a almejada segurança jurídica. Deste modo torna-se
impossível determinar o que o direito é em casos particulares sem recorrer a
considerações morais e políticas sobre o que deve ser.
A defesa da existência dos princípios no ordenamento jurídico e de sua
supremacia em relação às regras em um possível conflito não é exclusividade de
Dworkin. Robert Alexy é adepto da ideia de que os princípios refletem valores adotados
por uma ordem interna, e, muitas vezes, até internacional, enquanto as regras indicam
apenas decisões estatais referente a uma situação específica. Para o filósofo do Direito,
a amplitude demonstrada pelos princípios e a sua vinculação a valores supremos da
nação seriam suficientes para lhes garantir supremacia em relação às normas e regras de
Direito.
Seguindo uma linha histórica, Alexy relata que o primeiro caso jurídico
balizado por princípios norteadores foi assumido pela Corte Constitucional Alemã em
decisão proferida junto ao caso Lüth, em 1958.
Lüth teria incitado e convocado o povo alemão a boicotar os filmes
produzidos por Veit Harlan, uma vez que eles divulgariam ideias nazistas. Percebe-se,
no caso, que existia um típico conflito de princípios, em que o pilar da liberdade de
expressão (divulgação do boicote) se contrapunha ao princípio constitucional de política
pública que permitia restrições à liberdade de expressão. Para tanto, seria necessária,
por parte da Corte, a utilização de um balanceamento dos dois princípios: no caso, o
89
princípio da liberdade de expressão se sobreporia às considerações constitucionais
concorrentes.
Pode-se depreender, do caso Lüth, que a garantia constitucional de direitos
individuais não é simplesmente uma garantia dos clássicos direitos defensivos do
cidadão contra o Estado. Representam também, citando diretamente palavras da Corte
Alemã sobre o litígio, ―ao mesmo tempo uma ordem objetiva de valores". Concebe-se o
caso Lüth como a primeira vez em que se considerou a Constituição como uma ordem
concreta de valores, promulgados, essencialmente, pelos princípios.
Alexy considera os princípios como normas gerais que refletem valores, ou,
em termos mais específicos, mandados de otimização que podem ser relativizados na
sua aplicação ao caso concreto, cedendo em parte diante de outro princípio ou cedendo
totalmente.
Observa-se, por via conclusiva, que a preponderância dos princípios e
direitos fundamentais sobre as regras e normas específicas da Constituição, conjugadas
à nova concepção objetiva das garantias fundamentais, faz de sua devida utilização uma
necessidade básica ao funcionamento e à legitimidade do Estado e de seu poder
coercitivo. A inutilização dos princípios e garantias fundamentais, ainda que não
expressas, comprometeriam toda a ordem estabelecida e colocariam o direito em uma
posição imutável, incompatível com o acompanhamento da evolução das relações
sociais e da própria ciência jurídica.
Cabe, ainda, afirmar que os direitos fundamentais não mais são requeridos
somente como forma de garantir certas prerrogativas perante terceiros, inclusive do
poder estatal. Agora as garantias fundamentais são utilizadas como valores fundantes e
legitimantes do Estado, configurando-se como verdadeiros balizadores de todas as ações
estatais.
Não é mais mistério que cada ordenamento jurídico contemporâneo seja
formado por princípios e regras. Ambos são espécies de normas que dizem o que deve
ser, mas possuem aplicações distintas. Alexy demonstra, em sua teoria, que as regras
são formas normativas que podem ser cumpridas ou não, enquanto os princípios são
aplicados na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas.
Segundo o autor, por apresentarem vasta abrangência de conteúdo e de aplicação, os
90
direitos fundamentais se enquadram mais como formas principiológicas, e, portanto,
suas colisões devem ser tidas como conflitos entre princípios. A solução para o litígio
entre princípios, conforme já visto, está na ponderação e no sopesamento destes com
base na proporcionalidade.
Mônica Pimenta Júdice (2007), por meio de seu artigo ―Robert Alexy e sua
teoria sobre princípios e regras‖, afirma que o
[...] autor não diz que os direitos fundamentais não contêm regra, isto é, que
não contêm definições precisas e definitivas. Afirma apenas que os direitos
fundamentais enquanto balizadores de definições precisas e definitivas
possuem estrutura de regras, como também acentua que o nível de regras
precede ao nível dos princípios, devido ao seu alto nível de generalidade.
Então, enquanto as regras pertencem ao mundo do juridicamente existente e
do peremptoriamente válido, os princípios estão no indefinido mundo do
possível ou do concomitantemente possível. No conflito de regras, uma
elimina a outra, por questão de invalidade. Na colisão entre princípios, um
apenas afasta o outro no momento da resolução do embate, quando as
possibilidades jurídicas e fáticas de um deles forem maiores do que as do
outro.
Do fato de se concluir que o choque entre direitos fundamentais é, em sua
essência, um embate entre princípios, deduz-se a aplicabilidade do princípio da
proporcionalidade e da razoabilidade como balizadores para solucionar esses conflitos.
A proporcionalidade verifica se há a necessidade de intervenção no direito
fundamental para se resguardar outro, obedecendo à regra geral de que quanto mais
intensa se revelar a intervenção em um dado direito fundamental, maiores devem ser os
fundamentos justificadores dessa intervenção.
O embate entre direitos fundamentais pode ser ora entre um princípio de
direito fundamental individual e outras normas de interesse coletivo, ou ora apenas entre
princípios de direitos fundamentais individuais. A primeira forma de conflito entre os
direitos fundamentais ocorre quando os direitos fundamentais individuais ferem
interesses fundamentais coletivos, sendo que não há uma relação de precedência ou de
predominância necessária entre eles. As colisões entre direitos fundamentais individuais
são caracterizadas pelo exercício ou realização do direito fundamental de um titular do
direito que produz efeitos indesejáveis sobre os direitos fundamentais de outro titular.
Fundamentando essas ideias, Júdice (2007) relata no mesmo artigo um
conhecido exemplo que ilustra estes pensamentos:
91
Como exemplo, o famoso caso LeBach julgado pelo Tribunal Constitucional
Alemão, onde quatro soldados do grupo de guarda de um depósito do
Exército haviam sido assassinados, e armas haviam sido subtraídas, na cidade
de LeBach, e, após vários anos cumprindo pena, um dos condenados pelo
crime estava para sair da prisão quando o Programa de Televisão alemão
(ZDF) anunciou a projeção de um documento intitulado ―o assassinato dos
soldados de LeBach‖.
O preso pretendeu uma ordem proibitória de exibição do documentário,
argüindo que seu direito individual à personalidade seria ferido, prejudicando
sua ressocialização. O Tribunal Constitucional decidiu que, diante das
circunstâncias fáticas e jurídicas, o princípio da proteção da personalidade, de
índole individual, obteve melhor ponderação do que o princípio da liberdade
de informação, de índole coletiva.
Ressalte-se que o autor em estudo alerta que os chamados bens coletivos não
irão se apresentar apenas como adversários dos direitos individuais. Eles
também podem significar o pressuposto ou meio de realização desses
direitos. O que há na verdade é um caráter ambivalente do bem coletivo,
quando temos, por exemplo, o fato de que as indústrias de tabaco devem
informar os danos do cigarro à saúde, que é uma restrição à liberdade do
exercício profissional, extraímos um valor coletivo da defesa da população
contra os perigos à saúde, e um valor individual de proteção da vida e saúde
do próprio indivíduo.
É importante precisar que, de acordo com a teoria de Alexy, no caso de
haver um conflito entre regras e princípios, tendo as regras menos generalidade e mais
grau de certeza do que os princípios, elas têm prioridade em um eventual embate.
Conclui Robert Alexy (2001, p. 134) apud Júdice (2007) com os seguintes dizeres:
Por lo tanto, entre los dos niveles no existe uma relación estricta de
precedência. Más bien, vale la regla de precedência según la cual el nível de
las reglas precede al de los princípios, a menos que las razones para
determinaciones diferentes a lãs tomadas en el nível de las reglas sean tan
fuertes que también desplacen al princípio de la sujeción al texto de la
Constitución.13
5.5 Direitos e garantias fundamentais
Consoante as palavras de Luigi Ferrajoli (2001, p. 291) em seu livro Los
fundamentos de los derechos fundamentales, citado por Pacheco (2007, p. 10): ―são
direitos fundamentais aqueles direitos subjetivos que as normas de um determinado
ordenamento jurídico atribuem universalmente a todos enquanto pessoas, cidadãos e/ou
pessoas capazes de agir‖.
13 Entretanto, entre os dois níveis não existe uma relação estrita de precedência. Vale, porém, a regra de precedência
segundo a qual o nível das regras precede ao dos princípios, ao menos que as razões para determinações diferentes
àquelas tomadas no nível das regras sejam tão fortes que também desloquem o princípio da sujeição ao texto da
Constituição [Tradução Nossa].
92
Nesse momento, convém diferenciar direitos fundamentais dos chamados
direitos do Homem. Este último equivale aos direitos válidos para todos os povos e em
todos os tempos, enquanto o primeiro refere-se aos direitos do homem que são
garantidos e limitados espaço-temporalmente.
Os direitos fundamentais possuem duas funções essenciais, quais sejam:
defesa da pessoa humana ou de sua liberdade perante os poderes do Estado; e de
proteção dos respectivos direitos fundamentais perante terceiros. Ter-se-ia, pois, um
direito de defesa e um direito de proteção dos indivíduos, seja em relação ao Estado,
seja em relação a terceiros. Nas palavras de Denilson Feitoza Pacheco (2007, p. 22):
O direito de defesa é um direito frente ao Estado para que este omita
intervenções, enquanto o direito à proteção é um direito frente ao Estado para
que este se encarregue de que terceiros omitam intervenções. O direito a
proteção exige a utilização de pelo menos um meio de proteção, enquanto o
direito de defesa exclui a utilização de todo meio de destruição ou afetação.
Essa primeira função de proteção primordial exercida pelos direitos
fundamentais teria sua eficácia vinculada à existência de normas de competência
negativa para os poderes públicos, proibindo, fundamentalmente, as ingerências destes
na esfera individual e na existência de normas positivas, em que se estabelece o poder
de o indivíduo requerer que outro não invada sua esfera privada ou atinja seus direitos
personalíssimos. Logo, a função de defesa dos direitos fundamentais não se
circunscreve apenas ao poder de exigir do Estado uma abstenção, mas também, em caso
de violação ou ingerências ilícitas na esfera jurídica do cidadão, a de requerer e exigir
uma postura ativa do Estado contra o delinquente ou infrator. Percebe-se, pois, que a
prerrogativa de defesa do indivíduo recai também sobre seu o direito de proteção
positiva por parte do Estado.
Neste sentido, Andrade (2001, p. 175-178) no livro Os direitos
fundamentais na constituição portuguesa de 1976, referido por Pacheco (2007, p. 32)
preleciona:
Os direitos de defesa (fundamentais) não se traduzem apenas em faculdades
de impedir, implicam também, em caso de violação, o direito e o dever de
suspensão das eventuais intromissões ilegítimas, bem como o direito e o
dever de reposição da situação anterior ou de eliminação das conseqüências
já verificadas de tais intromissões ou ofensas.
93
Da mesma forma, e por outro lado, existe também o dever do Estado de
proteger os direitos fundamentais de seus cidadãos perante agressões de terceiros. É isso
que ocorre com numerosos direitos, como o direito de inviolabilidade de domicílio, o
direito de proteção de dados informáticos, o direito de informação. Em todos esses
casos, da garantia constitucional de um direito resulta o dever do Estado de adotar
medidas positivas destinadas a proteger os direitos fundamentais de seus cidadãos.
Por conseguinte, o Estado tem uma dupla função que se perfaz
dialeticamente: em uma, o Estado tem o dever de abster-se em certas ações para não
ferir os direitos fundamentais dos indivíduos; na outra, o Estado deve implementar
medidas positivas com o intuito de proteger, inclusive em caráter preventivo, os direitos
fundamentais dos cidadãos contra ingerências e agressões indevidas provindas de
particulares ou agentes externos.
A partir dessa discussão, abre-se outra que é de mais valia para o presente
trabalho. O Estado possui duas funções primordiais: por um lado, deve proteger as
garantias e direitos fundamentais de cada indivíduo; por outro, tem a obrigação de zelar
pelo interesse público e pelos direitos fundamentais cujos destinatários finais seja a
própria coletividade. Entretanto, concebe-se plenamente possível o embate entre essas
duas funções estatais quando um direito fundamental de caráter individual choca-se com
outro de cunho coletivo.
A resolução desse conflito principiológico não é simples e carece de uma
análise detalhada da situação, que se oriente pelo princípio da proporcionalidade e pela
reflexão fática que selecione qual interesse deva prevalecer.
Antes de adentrar-se o debate, é cogente a compreensão de que tanto a
proteção do Estado para com terceiros como seu dever de abstenção possuem limites,
mesmo porque os próprios direitos fundamentais impostos constitucionalmente não são
absolutos. Nesse sentido, a doutrina majoritária entende que a função do Estado de
proteger os direitos fundamentais contra terceiros só poderia se dar quando a ameaça às
referidas garantias for irreparável ou quando a evolução por ela deflagrada se revelar
como incontrolável.
Portanto, a proteção do Estado aos direitos fundamentais do Homem
(função primeira), bem como a promessa de abster-se de questões fundamentais do
94
indivíduo (função segunda) apresentam limites que cercearão as ações desenvolvidas
pelo Estado e por seus órgãos, entre os quais importa citar as instituições de
inteligência.
5.6 A atividade de inteligência e os direitos fundamentais
Assim como toda ação ou atividade desenvolvida pelo Estado, a atividade
de inteligência não é absoluta, e encontra, legal ou consuetudinariamente, limitações e
até mesmo proibições em seu âmbito de pesquisa, atuação e produção de resultados.
Nas operações de inteligência, alguns princípios orientam e limitam as decisões e
condutas do poder público, dentre os quais alguns são considerados fundamentais:
princípio da objetividade, oportunidade, segurança e imparcialidade.
Consoante o princípio da objetividade, a inteligência ―deve ter utilidade,
finalidade ou objetivo específico, além de expressar os conhecimentos sobre os atos ou
fatos com a maior precisão possível, mediante o emprego de linguagem caracterizada
pela clareza e simplicidade‖ (GONÇALVES, 2009, p. 96).
O princípio da oportunidade, por sua vez, difunde a ideia de que todo o
conhecimento produzido deve ser disposto ou fornecido de acordo com um prazo bem
delimitado, capaz de fazer com que as decisões tomadas por meio da atividade de
inteligência possam se pautar. Uma vez que a finalidade das operações de inteligência
seja orientar as decisões do poder público da melhor forma possível, caso os dados
produzidos pela atividade de inteligência não cheguem ao tempo necessário para
respaldarem as decisões estatais dever-se-á concluir pela ineficácia dessas operações. A
partir do exposto, é inevitável a conclusão de que o valor e a utilidade das atividades de
inteligência são totalmente dependentes da oportunidade e do tempo em que são
produzidas e vinculadas ao Estado.
Diante dos princípios supra-aludidos, a norma axiológica da segurança
também é balizadora da atividade de inteligência. Esse princípio preconiza que o
planejamento, a produção e a difusão da inteligência devem se orientar e ser protegidos
pelo sigilo, de modo a idealizar um limite pessoal e material à obtenção desses dados. O
limite pessoal se refere a quem pode ter acesso a esse tipo de informação, que são
apenas aqueles que estão a serviço do Estado e visam a munir as decisões das
95
autoridades de informações necessárias. O limite material, diferentemente, diz respeito
ao tipo de dado que pode ser divulgado e difundido. Ambos os limites, conforme dito
devem configurar-se sob a égide do sigilo. É importante frisar que em torno desse
princípio erguem-se e organizam-se algumas medidas de salvaguarda que tem por
objetivo a proteção de dados e informações secretas e de interesse da máquina estatal.
Elenca-se também o princípio da imparcialidade no rol dos princípios
fundamentais da atividade de inteligência. Este requer da produção de informações e
dados uma postura imparcial e imune a qualquer interferência externa ou juízo de valor,
sob pena de ―politizar-se‖ a atividade de inteligência, e com isso, comprometer toda a
dinâmica, já desenvolvida, da esfera democrática. Corrobora esse posicionamento o ex-
diretor da CIA, Mark Lowenthal (2003, p. 91), no livro Intelligence: secrets to policy,
mencionado por Gonçalves (2009, p. 97), afirmando que, ―De fato, apresentar opiniões
pessoais poderia significar que o analista está ultrapassando a linha entre a inteligência e
a política [...]‖.
Por fim, vislumbra-se a ética com princípio de grande importância para a
atividade de inteligência. O elemento moral deve pautar toda procura e difusão de
dados, sob pena de haver grande possibilidade de haver desvios de condutas por parte
dos operadores, tráfico e comércio de informações, comprometimento da atividade
diretiva da máquina estatal, entre muitos outros problemas. Consoante Joanisval Brito
Gonçalves (2009), é por meio da ética que o serviço secreto se mostra como órgão a
serviço de um bem maior, voltado para a coletividade.
Essas limitações principiológicas, entretanto, nem sempre são levadas em
conta pelo exercício da atividade de inteligência. São diversas as vezes em que uma
operação de inteligência afeta uma garantia fundamental, justamente por não haver uma
legislação específica que a respalde. Tendo-se em vista que a preservação dos direitos
fundamentais é a razão de ser ou a finalidade última de um Estado Democrático de
Direito, não se pode conceber uma atividade, imposta por lei pelo próprio Estado, mas
que interfira nessa gama de direitos. É imprescindível, pois, o desenvolvimento e a
estruturação de mecanismos que possam conferir a essa atividade a legalidade
necessária para que haja uma convivência harmoniosa, mas, antes, legal, entre as
garantias e a atividade de inteligência.
96
Nesse sentido, cumpre ressaltar a importância dos direitos fundamentais,
não só como elementos estruturadores de nosso Estado, mas como limites à atividade de
inteligência. Conforme as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello (1993, p. 409),
É princípio assente em nosso Direito – e com expresso respaldo na Lei
Magna – que nenhuma lesão ou ameaça a direito poderá ser subtraída à
apreciação do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV). Nem mesmo a lei poderá
excepcionar este preceito, pois, a tanto, o dispositivo mencionado opõe
insuperável embargo.
Segue-se que um ato gravoso, provenha de quem provier, pode ser submetido
ao órgão judicante a fim de que este afira sua legitimidade e o fulmine se
reputar configurada ofensa a um direito.[...]
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer.
A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um especifico
mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos. É a mais grave
forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do
princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema,
subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu
arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.
Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se a
estrutura nelas esforçada.
5.7 Princípios que regem a atividade de inteligência
Assim como qualquer setor de caráter público e diretamente vinculado à
administração pública, a atividade de inteligência é limitada e orientada por alguns
princípios de suma importância para sua efetivação e para seu controle. Acolhendo
como referência a classificação adotada por Wilson Rocha de Almeida Neto (2009, p.
67-71), destacamos como princípios que regem a atividade de inteligência:
Princípio da oportunidade: através dessa norma geral, o dado fornecido tem
um prazo certo pelo qual é válido a orientar as decisões estatais. A informação deve ser
produzida dentro de prazos que assegurem sua utilização da melhor maneira possível.
Princípio da finalidade: assim como a finalidade última da atividade de
inteligência é o alcance do bem comum, a informação produzida deve visar ser útil ao
interesse nacional.
Princípio da utilidade: a informação produzida pela atividade de
inteligência deve possuir uma utilidade prática para que possa ser transformada
efetivamente em ações pelos agentes da área. O dado, segundo Wilson Rocha de
Almeida Neto (2009), ―deve ser pertinente para a tomada de uma decisão‖.
97
Princípio da objetividade: toda medida imposta por um profissional de
inteligência ou por um tomador de decisões deve se pautar pelo modo mais rápido e
eficaz, visando à simples conclusão do fim proposto.
Princípio da imparcialidade: o profissional de inteligência não pode deixar
que elementos pessoais, como manifestações ideológicas, venham a alterar ou viciar o
resultado de suas ações, e da atividade de inteligência como um todo.
Princípio do controle: uma das prerrogativas mais importantes, o princípio
do controle exige a atividade de inteligência seja realizada observando-se alguns limites
que resguardem bens e direitos de maior valor nas situações fáticas. Consoante as
palavras de Wilson Rocha de Almeida Neto (2009), ―exige-se a supervisão e o
monitoramento sistemático de toda a atividade de inteligência, de modo a evitar riscos
desnecessários, distorções, ilegalidades e toda sorte de interferências ou acessos
indesejáveis‖.
Princípio da simplicidade: esse princípio funciona como uma vedação a
todos os atos que tenham a potencialidade de provocarem riscos, gastos e esforços
desnecessários.
Princípio da amplitude: de acordo com esse princípio, os resultados obtidos
pela atividade de inteligência devem possuir um alcance completo e que atenda a todas
as especificidades que a situação demanda.
Princípio da responsabilidade: assim como afirma Wilson Rocha de
Almeida Neto (2009), ―não somente a instituição, mas também o profissional de
inteligência devem se responsabilizar pelo conhecimento produzido e pelo modo como
os dados foram obtidos‖. Nesse diapasão, se o agente obtiver informações de modo
ilícito e desrespeitando direitos e garantias fundamentais, este deve ser responsabilizado
de acordo com o resultado que sua ação provocou, seja na seara civil, administrativa ou
mesmo penal.
Princípio da interação: a atividade de inteligência deve primar pela
produção de informações pertinentes e capazes de orientar as decisões das autoridades
públicas. Nesse sentido, os órgãos de inteligência devem atuar em conjunto, cooperando
entre si, para, conforme o princípio da interação, que se atinja um maior dinamismo e,
ao final, o bem comum.
98
Princípio do significado: essa norma geral requer que o profissional de
inteligência atribua significados e sentidos a todas as informações e fatos que possam
importar em algo relevante.
Princípio das definições: esse princípio se relaciona estritamente com o do
significado, haja vista que todos os significados atribuídos pelos profissionais de
inteligência devem ser definidos de modo claro e taxativo para que não gere decisões
incoerentes ou ambíguas.
Princípio do grau de certeza: por meio desse princípio as informações
produzidas devem pautar-se pela maior precisão possível, para que a probabilidade de
ocorrer algum tipo de erro na atividade de inteligência seja mínima. Wilson Rocha de
Almeida Neto (2009) corrobora com essa posição e afirma que ―deve-se produzir uma
informação de confiança, para que a decisão tome rumo certo‖.
É importante destacar também os princípios que regem a atividade de
inteligência segundo a Agência Brasileira de Inteligência. Segundo a ABIN, a atividade
de inteligência nacional deve orientar-se ―pela preservação da soberania nacional,
defesa do Estado Democrático de Direito, dignidade da pessoa humana e pela fiel
observância à Constituição e às leis‖. Para alcançar esse desiderato, a ABIN é
sustentada por cinco princípios primordiais:
1- Lealdade à Nação e, por extensão, à afirmação político-jurídica desta, o
Estado;
2- Profundo sentimento de servir à causa pública e jamais a si mesmo;
3- Consciência de que o exercício da atividade de Inteligência é impessoal e
apartidário;
4- Fidelidade à instituição e consciência de que os fins desta prevalecem
sobre os interesses pessoais; e
5- o comprometimento com os valores éticos e morais da Agência deve ser
assumido por todos os seus componentes, dentro e fora da organização
[ABIN, 2010].
5.8 Princípios fundamentais—princípio da proporcionalidade,
princípio da legalidade e princípio da obrigatoriedade
Uma reflexão principiológica é premissa básica para qualquer análise sobre
a validade de ações estatais. De fato, conforme já analisado, os princípios não são
apenas garantias individuais frente a interferência do Estado em assuntos de caráter
99
personalíssimo. Conjugado a isso, a sustentação principiológica mostra-se como valor
fundante e legitimante das atividades desempenhadas no âmbito público. Dessa forma, o
Estado, enquanto entidade representativa da sociedade, deve, não só respeitar os
princípios e as garantias deles decorrentes, mas também condizer todos os seus atos e
atividades à uma orientação advinda dos princípios promulgados pela Carta
Constitucional.
A atividade de inteligência, como se sabe, é uma atividade estatal e, por
isso, possui as mesmas limitações e deveres de qualquer ato de responsabilidade da
máquina estatal, sejam eles normativos ou de base principiológica. A observância
desses limites, todavia, tende e exige-se mais forte no caso desse tipo de atividade, haja
vista que constituem atos com grande possibilidade de ameaçarem ou mesmo ferirem
direitos e garantias fundamentais. Nesse desiderato, reafirma-se cogente uma
consagração coerente e sólida daquelas normas gerais que não só restringirão a
potencialidade ofensiva das operações de inteligência, mas as revestirão da devida
legalidade esperada.
Há uma previsão doutrinária, vista no tópico 5.6 deste mesmo capítulo,
daqueles princípios que cerceiam a atividade de inteligência de modo específico.
Entretanto, há normas gerais previstas constitucionalmente que, justamente pela posição
de supremacia que ocupam no ordenamento jurídico brasileiro, primam por maior
relevância e, por isso, exercem maior influência nas atividades de inteligência e, em
especial, nas operações desta área. Dentre eles, destacamos o princípio da eficiência, o
princípio da proporcionalidade, o princípio da legalidade e o princípio da
obrigatoriedade.
A análise da atividade de inteligência sob os paradigmas desses princípios
fará mais clara a problematização proposta neste trabalho. À luz da eficiência, da
proporcionalidade, da legalidade e da obrigatoriedade, pretende-se demonstrar que a
atividade de inteligência desenvolvida no Brasil apresenta questões bastante
controversas, como consequência direta de uma legislação defasada e insuficiente. A
atividade de inteligência pátria está próxima da inércia justamente por uma deficiência
na legislação específica, que longe de mostrarem-se coerentes com as atuais
necessidades do país, reiteram um amadorismo que deve ser superado.
100
5.8.1 O princípio da eficiência e efetividade na atividade de inteligência
Para compreender-se o princípio da eficiência, deve-se volver o olhar para a
História e a evolução do Estado nos últimos séculos.
Após a Idade Média, não só a sociedade, mas também a estruturação do
poder começa a se modificar. A lógica descentralizada e autônoma como se vinculavam
os feudos da nobreza passa a ser substituída pela centralização política, econômica e
social exercida pelos reis em seus Estados recém-fundados. Esse centralismo é, no
entanto, superado pelo anseio à liberdade cultuado pela iminente classe burguesa. Nesse
contexto, em que ocorrem diversas revoluções liberais conjugadas estreitamente ao
movimento iluminista, dentre as quais se destacam a francesa e a inglesa, é formado o
Estado Liberal. Este Estado vincula-se a uma ética concorrencial e liberal, em que a
não-intervenção em assuntos econômicos e sociais era uma necessidade ou, e
principalmente, uma função exigida ao Estado pela sociedade.
Todavia, o Estado Liberal entra em decadência, tendo em vista que a
eclosão da Revolução Industrial e a dinâmica competitiva formaram uma considerável e
indignada classe de proletários. A disparidade entre aqueles que detinham o controle de
indústrias e aqueles que nela trabalhavam começa a ecoar na mente dos trabalhadores
como uma injustiça que deveria sofrer uma modificação substancial.
Nesse sentido, como forma de amenizar essa díspare realidade e manter o
poder estatal nas mãos da classe dominante (burguesia), o Estado resolve modificar sua
dinâmica de atuação e passa a interferir e dirimir os conflitos sociais. A partir de então,
o Estado passa a ter uma postura mais ativa e positiva frente a essa realidade social
desigual. Nasce, portanto, o Estado Social. A criação desse modelo de Estado exigiu,
porém, que surgisse um sistema complexo e oneroso de administração pública, que
pudesse abarcar e resguardar os indivíduos e seus direitos contra possíveis abusos.
Agora, o Estado não somente afirmava e protegia os direitos fundamentais do Homem,
mas interferia sobre a realidade visando à satisfação das demandas sociais, econômicas
e culturais da sociedade.
Desde então o Estado exerce um papel fundamental e ativo na sociedade,
oscilando quanto a esse grau de ingerência, mas sempre envolvido em questões de
101
interesse social. Dessa forma, pode-se compreender a adoção das chamadas ações
afirmativas por parte do governo, que apesar de constituírem clara ameaça a preceitos
constitucionais de igualdade, são legitimadas tendo em vista o fim a que se prestam e a
necessidade de sua aplicação. Por isso, a distribuição de cotas em universidades federais
são ações legítimas e necessárias impostas positivamente pelo Estado, apesar de ser uma
afronta ao preceito da igualdade entre os homens ou princípio da isonomia previsto no
artigo 5º da Constituição Federal. Essa postura mais ativa do governo em questões
sociais e econômicas, como já dito anteriormente, exige da máquina estatal uma grande
complexidade, a presença de inúmeros servidores e a prestação de vários serviços. No
entanto, a adoção dessa realidade exige um grande custo material (financeiro) e pessoal,
levando o governo a implantar uma política tributária cada vez mais ampla e onerosa.
Verifica-se, por conseguinte, que à medida que a demanda social aumenta, cresce a
necessidade do Estado evoluir, e à proporção que ocorre essa evolução aumentam-se os
gastos públicos e, portanto, os tributos cobrados.
O entendimento da questão é vinculada à ideia de que a insatisfação da
sociedade com o Estado ocorre, sumariamente, devido ao significativo aumento da
contribuição (tributária) dos cidadãos para o Estado e a não proporcionalidade desses
gastos com as prestações executadas pelo governo em prol da sociedade. O Estado
contemporâneo entra, nesse contexto, em uma grande crise, que não só compromete a
execução de suas promessas perante a sociedade, como também sua própria existência.
Para superar tal crise, o Estado foi obrigado a voltar suas vistas, de um
modo singular e, segundo preleciona Wilson Rocha de Almeida Neto (2009, p. 73),
[...] o aprimoramento dos serviços públicos, a racionalização de suas
atividades, a adoção de novos modelos de administração, a otimização dos
resultados frente à escassez dos recursos disponíveis, o incremento de
mecanismos adequados de controle de resultados e dos níveis de satisfação da
população, dentre outros.
Vale dizer, a crise vivenciada pelo Estado sinalizava para apenas uma
direção: a substituição de um modelo administrativo-burocrático para um perfil de
administração pública eficiente.
Um dos meios para tornar a administração pública mais eficiente e mitigar
parte da burocracia estatal reside nas atividades de inteligência. Esse tipo de atividade
102
encontra sua finalidade primordial no auxilio material, por meio de informações e dados
abertos ou fechados, para as decisões do poder executivo e de outros órgãos a ele
vinculados. A serviço da nação, a atividade de inteligência indica qual a melhor diretiva
a ser tomada pelo chefe do executivo. De fato, é de fácil observância que um Governo
que não possua um órgão dessa natureza apresente maiores possibilidades de pautar-se
por uma decisão inadequada por falta de informações necessárias, e, dessa forma,
aumentar a insatisfação da sociedade com políticas errôneas. A burocracia estatal tende
a aumentar na ausência de um órgão que possa munir e direcionar as medidas decisórias
do poder público. Por conseguinte, há de se concluir que para superar a crise estatal em
destaque, uma das saídas, senão a principal, é o estímulo ao desenvolvimento das
atividades e operações de inteligência.
Esse estreito vínculo entre a atividade de inteligência e o princípio da
eficiência deve ser visto como uma possível solução à burocracia estatal e,
consequentemente, um ponto favorável à otimização dos serviços públicos destinados à
sociedade. Vasta parte dessas disfunções apresentadas pelo Estado na prestação de
serviços decorre do fato de se considerar os procedimentos e regras formais, não como
meios, mas como fins, provocando a então considerada burocracia estatal. Na verdade,
toda essa gama de formalidades exigidas para se demandar ou realizar ações públicas
devem ser vistas, preliminarmente, como meios para se alcançar a eficiência, e, em sua
decorrência, o bem público.
Sustentando a mesma ideia, Onofre Alves Batista Júnior (2004, p. 69-74),
no livro Princípio constitucional da eficiência administrativa, citado por Almeida Neto
(2009, p. 74), diz:
Se o modelo burocrático privilegia o procedimento para que se possa
assegurar os direitos individuais e evitar a corrupção e a prevalência dos
interesses privados, passou-se a exigir uma administração pública orientada
para os resultados, que, além de cumprir aquele desiderato, pudesse orientar-
se pelo cidadão e que prevenisse os desvios aprioristicamente, e não se
concentrasse em corrigir as faltas após ocorridas já a lesão do interesse
público.
É de grande utilidade verificar que o princípio da eficiência não surgiu com
a nova Constituinte de 1988. Ao contrário, essa regra geral de direito já era reconhecida
103
pela jurisprudência pátria, e muitas leis se orientavam por esse princípio, ainda que não
explicitamente.
Ademais, é necessária a percepção de que o princípio da eficiência, assim
como qualquer princípio após a superação do pós-positivismo, não pode ser entendido
como norma programática, isto é, deve-se desvincular da definição de norma que apenas
apresenta preceitos e situações (muitas vezes, utópicas) a serem buscadas pelo Estado,
apesar de não haver um vínculo obrigatório entre o estímulo e o alcance do pretendido
resultado. Na realidade, normas programáticas constituem diretrizes a serem observadas
nos processos de interpretação e aplicação das normas jurídicas. Outrossim, tais normas
comunicam os valores e fins norteadores da ordem jurídica nacional, o que revela sua
preeminência. Entretanto, o princípio da eficiência é plenamente exigido para a
otimização da administração pública, sendo considerado como valor fundante para o
desenvolvimento e manutenção do Estado. Não é uma regra geral que vise a uma
situação utópica; não é, portanto, uma norma programática adotada pelo governo.
Nas palavras de Wilson Rocha de Almeida Neto (2009, p. 80),
[...] o princípio da eficiência, expressamente inserido no bojo da Constituinte
como princípio reitor da administração pública, além de autônomo, é dotado
de normatividade suficiente para, na condição de um princípio jurídico-
político, vincular as atividades da administração pública direta e indireta de
qualquer dos poderes da União, dos Estados e dos Municípios, impondo-lhes,
como corolário [...] a orientação para o bem comum.
Analisando-se o princípio da eficiência sob uma perspectiva material,
evidencia-se que o conteúdo desse preceito normativo não se restringe à ideia de mera
economicidade ou a uma mera análise quantitativa. É por isso que é perfeitamente
concebível a existência de um fato que tenha causado prejuízos econômicos à máquina
estatal e, todavia, seja qualificado como eficiente justamente por primar pelo bem
comum e gerar benefícios acima de qualquer abordagem econômica ou patrimonial. O
conteúdo do princípio da eficiência, a despeito de relacionar-se com aspectos
econômicos, não se limita a eles, submetendo-se, anteriormente, à orientação de suas
ações em torno do bem comum.
Percebe-se, pois, que há uma relação intrínseca entre a atividade de
inteligência e o princípio da eficiência. Ambos destinam e orientam suas ações à
produção do bem comum. Embora a atividade de inteligência, por si só, não garanta a
104
eficiência no funcionamento de uma dada instituição, não há duvida de que, com a sua
implementação e estruturação, os riscos da tomada de decisões arbitrárias, desconexas,
contraditórias, destoantes de uma estratégia racionalmente delimitada e em confronto
com o interesse público primário serão bastante reduzidos. Uma decisão pautada por
maior número de informações seguras é muito mais valorizada que outra sem todo esse
respaldo, logo, uma decisão orientada pela atividade de inteligência é mais eficiente que
outra por ela não baseada. Com o escopo de produzir conhecimentos externos e internos
à instituição, a inteligência fornecerá elementos suficientes para que o decisor possa
cumprir com eficiência seu mister.
É importante lembrar que há uma grande discussão sobre a possibilidade de
se utilizar os documentos e as informações produzidas pela atividade de inteligência
para a investigação criminal. Esse debate é facilmente solucionado quando analisado
sobre a perspectiva do princípio da eficiência. Esse princípio mostra-se como
fundamento estruturador da possibilidade de documentos produzidos pela atividade de
inteligência, e, em especial, pela ABIN, serem utilizados em inquéritos policiais e ações
penais, pois, assim como leciona Fabrício Piassi Costa (2009), em seu artigo ―Do
princípio da eficiência e do princípio federativo‖,
Com efeito, como se sabe, no princípio da eficiência, a Atividade de
Inteligência não só pode como deve ser utilizada como documentos
probatórios em Inquéritos Policiais e processos criminais, haja vista que esta
colaboração entre as instituições está justamente dando aplicabilidade ao
desígnio constitucional da eficiência, até mesmo porque todos sabem que
muitas vezes o aparato da polícia judiciária estadual não é o suficiente para
realizar as atividades investigativas que a sociedade dela espera. [...]
considerando ainda, que a segurança pública é dever do estado, direito e
responsabilidade de todos, não há que se falar em qualquer
inconstitucionalidade ou ilegalidade na utilização de documentos produzidos
pela ABIN pela polícia judiciária, haja vista que tal colaboração traduz o
princípio do federalismo, adotado pela própria CF.
5.8.2 A proibição de excesso e de insuficiência do Estado—relação a partir
do princípio da proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade seria aquele com aptidão para garantir
direitos fundamentais e solucionar colisões de direitos, bens, interesses ou valores a
partir de ideias como adequação, necessidade e proporção. Por certo, constitui a
ferramenta mais forte e adequada a serviço do Estado para dirimir conflitos entre
105
direitos fundamentais e para suspender qualquer excesso ou arbitrariedade realizada
contra essas garantias.
O postulado da proporcionalidade tem sua origem e desenvolvimento
totalmente vinculado à evolução dos direitos e garantias individuais da pessoa humana.
Nas palavras de Roberta Pappen da Silva, em seu artigo ―Algumas considerações sobre
o princípio da proporcionalidade‖ (2004):
Nascido na esfera do Direito Administrativo, o princípio da
proporcionalidade foi tido como regra sobre o uso do poder de polícia, foi
desenvolvido como uma evolução do princípio da legalidade. Demandava a
idéia de mecanismo capaz de controlar os Poderes no exercício de suas
funções, evitando os atos administrativos arbitrários (violação da Lei, desvio
de poder, o arbítrio ou o abuso de poder).
O ápice do referido princípio, todavia, ocorreu nas revoluções burguesas do
século XVIII, em que a ideia motora dos movimentos revolucionários firmava-se na
limitação de poderes e arbitrariedades.
Sobre o tema, Mônica Pimenta Júdice (2008), em seu artigo intitulado ―A
teoria dos Princípios de Robert Alexy‖, concebe que
A máxima da proporcionalidade é verificada pelos critérios da adequação do
meio utilizado para a persecução do fim, necessidade desse meio utilizado e a
aplicação estrito senso da proporcionalidade, isto é, da ponderação. Assim,
quando se estiver diante de uma colisão entre direitos fundamentais,
primeiramente, para solucioná-la utiliza-se da adequação do meio,
posteriormente, utiliza-se à necessidade desse meio, e em seguida, se ainda
não solucionada a colisão, a ponderação.
No entanto, apesar de ser visto como instrumento equacionador da colisão
dos direitos fundamentais, embora seja utilizado pelo operador do direito na ponderação
dos valores que deverão prevalecer no caso concreto, o postulado da proporcionalidade
deve ser esclarecido quanto aos seus limites, para que não se comprometa sua real
finalidade. Caso os limites do princípio da proporcionalidade não estejam devidamente
ilustrados, corre-se o risco de minar toda a atividade de inteligência e, de um modo
geral, todo o Estado Democrático de Direito.
Na aplicação do dispositivo da proporcionalidade, sabe-se que não se pode
produzir ou permitir excessos de alguma parte que ameace ou fira algum direito
fundamental. Da mesma forma, porém, o Estado não pode se omitir de uma obrigação
legal com o temor de ferir alguma garantia individual, pois a Constituição veda a
106
insuficiência de alguns deveres por parte da máquina estatal. Isto é, o Estado deve
proibir qualquer excesso contra direitos fundamentais, mas não pode, ao mesmo tempo,
ser insuficiente na proteção de algum bem coletivo ou na prestação de algum serviço
vital para a sociedade. A titulo exemplificativo, o aparato estatal não pode desrespeitar a
dignidade do Homem mesmo aprisionando-o por um crime feito e já julgado em
sentença, pois não pode cometer excessos em relação a essa garantia fundamental;
algumas condições básicas devem ser mantidas, tais como higiene, lazer e outros,
embora, convenhamos, isso não aconteça plenamente na realidade. Por outro lado, o
Estado tem o dever de prestar serviço jurisdicional a quem quer que seja, devido à
vedação constitucional de insuficiência estatal para esse tipo de atividade.
Analisando um caso mais difícil, porém, essa relação dialética entre
proibição de excesso e vedação de insuficiência se torna mais complicada e carente de
análise. No exemplo em que um indivíduo seja suspeito de ter relações com terroristas
internacionais e que planeje um atentado à bomba em seu país, caso o Estado interfira
na questão grampeando seu telefone, ainda que com autorização judicial, estaremos
diante do referido movimento dialético. Isso acontece porque ao mesmo tempo em que
o Estado tem o dever de não intervir na intimidade do suspeito e, consequentemente,
não cometer nenhum excesso contra uma garantia fundamental, ele também não pode se
omitir de garantir a segurança pública, pois esta é uma obrigação estatal, e a
Constituição veda a insuficiência do Estado nessa situação.
A solução para esse embate dialético estaria, portanto, na analise correta do
postulado da proporcionalidade, em que analisar-se-iam os princípios em questão e se
verificaria qual deveria ter a primazia no conflito, levando-se em conta os elementos
fáticos envolvidos.
Esse contexto é natural observando-se o desenvolvimento histórico do
Estado e seu papel frente aos direitos fundamentais. A evolução e consolidação da
burguesia como classe dominante é concomitante à exigência de que o Estado não
deveria ter uma postura interventiva em relação a assuntos econômicos, sociais e
jurídicos. No entanto, essa postura ideológica começa a se modificar com a eclosão da
revolução industrial, que ao criar uma imensa classe de operários insatisfeitos com o
capitalismo fez da intervenção estatal a solução mais segura para se conter as prováveis,
107
para não dizer certas, revoluções e lutas do proletariado. Nesse sentido, o Estado, desde
então, passa a controlar suas ações, ora para não cometerem excessos aos direitos
fundamentais dos cidadãos, ora para não constituírem insuficiência na prestação de um
serviço fundamental à coletividade.
Esse debate é plenamente desenvolvido na análise, já abordada, dos direitos
de defesa do indivíduo em oposição aos direitos à prestação frente ao Estado. Enquanto
os primeiros são vistos como dispositivos legais que impedem a realização de excessos
por parte do Estado às garantias fundamentais, os últimos correspondem à vedação de
insuficiência estatal em alguns serviços e medidas. Acolhendo o pensamento de Ingo
Wolfgang Sarlet (2007) no artigo ―Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os
direitos fundamentais entre proibição de excesso e vedação de insuficiência‖, demonstra
que,
Partindo-se de possível e prestigiada (embora não incontroversa) distinção
entre uma dimensão negativa e positiva dos direitos fundamentais, convém
relembrar que, na sua função como direitos de defesa os direitos
fundamentais constituem limites (negativos) à atuação do Poder Público,
impedindo ingerências indevidas na esfera dos bens jurídicos fundamentais,
ao passo que, atuando na sua função de deveres de proteção (imperativos de
tutela), as normas de direitos fundamentais implicam uma atuação positiva do
Estado, notadamente, obrigando-o a intervir (preventiva ou repressivamente)
inclusive quando se tratar de agressão oriunda de outros particulares.[...] Um
dever de proteção (e, portanto, um dever de atuação do Estado) carece de
uma especial justificação para o seu reconhecimento e reclama especial
cuidado no seu controle.
Em suma, a ideia-foco a ser abordada neste tópico é a de que ―o princípio da
proporcionalidade quer significar que o Estado não deve agir com demasia, tampouco
de modo insuficiente na consecução de seus objetivos. Exageros para mais ou para
menos configuram irretorquíveis violações ao princípio‖ (SARLET, 2007).
É importante frisar também que a sobreposição de um interesse público
sobre o privado, ou o contrário, não obedece a uma regra geral, mas é resultado de um
processo avaliativo no qual o preponderante instrumento é o princípio da
proporcionalidade. Assim como exploramos anteriormente, a tendência atual é a de se
conceber os direitos fundamentais não apenas subjetivamente, mas, principalmente, sob
uma visão objetiva. Com isso, afirmou-se que os direitos fundamentais não se limitam à
função precípua de serem direitos subjetivos de defesa do indivíduo contra atos do
108
poder público, mas que também constituem decisões valorativas de natureza jurídico-
objetiva da Constituição, com eficácia em todo o ordenamento jurídico e que fornecem
diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e executivos. Ou seja, ―os direitos
fundamentais passaram a apresentar-se no âmbito da ordem constitucional como um
conjunto de valores objetivos básicos e fins diretivos da ação positiva dos poderes
públicos, e não apenas garantias negativas dos interesses individuais‖ (SARLET, 2007).
Todavia, a perspectiva objetiva dos direitos fundamentais não suprime sua
concepção subjetiva, mas, ao contrário, a complementa. Constata-se que os ―direitos
fundamentais devem ter sua eficácia valorada não só sob um ângulo individualista, isto
é, com base no ponto de vista da pessoa individual e sua posição perante o Estado, mas
também sob o ponto de vista da sociedade, da comunidade na sua totalidade. O
exercício dos direitos subjetivos individuais está condicionado, de certa forma, ao seu
reconhecimento pela comunidade na qual se encontra inserido e da qual não pode ser
dissociado‖.
Conclui Sarlet (2007) que
[...] é neste sentido que se justifica a afirmação de que a perspectiva objetiva
dos direitos fundamentais não só legitima restrições aos direitos subjetivos
individuais com base no interesse comunitário prevalente, mas também e de
certa forma, que contribui para a limitação do conteúdo e do alcance dos
direitos fundamentais, ainda que deva sempre ficar preservado o núcleo
essencial destes e desde que estejamos atentos ao fato de que com isto não se
está a legitimar uma funcionalização (e subordinação apriorística) dos
direitos fundamentais em prol dos interesses da coletividade , aspecto que,
por sua vez, guarda conexão com a discussão em torno da existência de um
princípio da supremacia do interesse público.
Cumpre frisar, mais uma vez, que toda essa decisão entre a prevalência de
um interesse público sobre o particular deve se pautar pelo princípio da
proporcionalidade, ou seja, pela análise fática da situação que comprove a maior
relevância do direito coletivo sobre o privado.
Antes de finalizarmos este tópico, cabe, aqui, uma analogia interessante
inspirada em uma relação feita por Denilson Feitoza Pacheco (2007) em sua obra O
princípio da proporcionalidade no direito processual penal brasileiro. O autor inicia
sua obra sinalizando o dilema existente na persecução criminal: quanto mais
intensamente se procura demonstrar a existência do fato delituoso e sua autoria, mais se
distancia da garantia dos direitos fundamentais; e quanto mais intensamente se garantem
109
os direitos fundamentais, mais difícil se torna a coleta e a produção de provas que
poderão demonstrar a existência do fato delituoso e sua autoria. Para Pacheco, essa
discussão pode e deve ser solucionada a partir do princípio da proporcionalidade,
previsto legalmente na Carta Constitucional de 1988.
Da mesma forma, esse relacionamento inversamente proporcional pode ser
analisado frente ao dilema entre a atividade de inteligência e os direitos fundamentais.
Assim como na persecução penal, quanto mais intensamente se procuram fatos e
informações para auxiliar na tomada de decisão do Estado, mais se distancia da garantia
dos direitos fundamentais; e quanto mais intensamente se garantem os direitos
fundamentais, mais difícil se torna a coleta e a produção de inteligência pelos órgãos do
Governo, o que torna a decisão estatal mais próxima do erro estratégico. Seguindo a
linha de pensamento de Pacheco, também consideramos que a reflexão deve ser a partir
do princípio da proporcionalidade.
5.8.3 O princípio da legalidade e da obrigatoriedade na atividade de
inteligência
O princípio da legalidade, previsto no art. 5º, II, da Constituição Federal,
preceitua que ninguém será obrigado a fazer ou não alguma coisa senão em virtude da
lei. Nesse contexto, o poder arbitrário que o Estado venha a ter é totalmente limitado
aos dispositivos legais. De acordo com as palavras de Alexandre de Moraes (2009, p.
41-43):
Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as
regras de processo legislativo constitucional podem-se criar obrigações para o
indivíduo, pois são expressões da vontade geral. Com o primado da lei, cessa
o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.
Como raciocínio lógico, se não há lei proibitiva sobre determinado fato,
portanto, permite-se qualquer forma de atuação, positiva ou negativa, sob pena de,
aquele que interferir, responder, no mínimo, por constrangimento ilegal.
Como ressaltado por García de Enterría, em seu artigo ―Princípio da
legalidade na Constituição espanhola‖ publicado na Revista de Direito Público nº 86, p.
6, citado por Moraes (2009, p. 42):
110
[...] quanto ao conteúdo das leis, a que o princípio da legalidade remete, fica
também claro que não é tampouco válido qualquer conteúdo (dura lex, sed
lex), não é qualquer comando ou preceito normativo que se legitima, mas
somente aqueles que se produzem ‗dentro da Constituição‘ e especialmente
de acordo com sua ‗ordem de valores‘ que, com toda explicitude, expressem
e, principalmente, que não atentem, mas que pelo contrário sirvam aos
direitos fundamentais.
Cabe salientar, conforme já delineado no capítulo 3 sobre a Administração
Pública, que o princípio da legalidade aplica-se também à atividade administrativa,
porém,
[...] de forma mais rigorosa e especial, pois o administrador público somente
poderá fazer o que estiver expressamente autorizado em lei e nas demais
espécies normativas, inexistindo, pois, incidência de sua vontade subjetiva,
pois na Administração pública só é permitido fazer o que a lei autoriza,
diferentemente da esfera particular, onde será permitida a realização de tudo
que a lei não proíba. Esse princípio se coaduna com a própria função
administrativa, de executor do direito, que atua sem finalidade própria, mas
sim em respeito à finalidade imposta pela lei, e com a necessidade de
preservar-se a ordem jurídica [MORAES, 2009, p. 324].
Percebe-se, pois, que o princípio da legalidade possui abordagens diferentes
quanto ao cidadão e quanto ao servidor público, uma vez que ao primeiro emerge como
uma garantia de não ser punido ou obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude da lei; e ao indivíduo que trabalha para a atividade administrativa o
princípio da legalidade é concebido como uma obrigação formal, que vincula todos os
atos da administração pública à lei.
Por outro lado, o princípio da obrigatoriedade, no que tange à administração
pública essencialmente, versa sobre o dever da atividade administrativa perseguir os
objetivos para os quais foram criados, no desempenho de suas atividades públicas, não
estando este poder-dever à disposição dos administradores. Segundo Pelissari (2010):
Dessa forma, deve a autoridade administrativa sempre tomar todas as
providências tendo por fito o bem comum (interesse público). Assim, a
autoridade não pode renunciar ao exercício das competências que lhe são
outorgadas por lei, não podendo deixar de punir quem pratica ato ilícito, não
pode deixar de exercer o poder de polícia e os poderes decorrentes da
hierarquia. Cada vez que ela se omite no exercício de seus poderes, é o
interesse público que está sendo prejudicado.
Ambos os princípios são correlacionados quando se trata da atividade de
inteligência. Nesse tipo de trabalho os agentes e profissionais da inteligência são
funcionários públicos, e como tais são fortemente submetidos aos princípios da
111
legalidade e da obrigatoriedade, principalmente por exercerem um tipo de função
administrativa.
No entanto, essa forte submissão pode apresentar algumas contradições, que
se não solucionadas podem comprometer o escopo da atividade de inteligência e,
portanto, a atividade administrativa como um todo. De fato, um agente de inteligência,
assim como qualquer funcionário público, encontra-se rigidamente atrelado à lei para
qualquer de seus atos, mas, assim como qualquer funcionário público, está também
obrigado a orientar suas ações segundo as ordens de seu superior hierárquico e segundo
o interesse coletivo: o bem comum.
Todavia, quando um superior hierárquico dá uma ordem que fere
diretamente um direito fundamental esses dois princípios entram em colisão. Esse
embate é visto no momento em que o agente de inteligência teria que obedecer a ordem
de seu superior segundo o princípio da obrigatoriedade, pelo qual cada ato
administrativo deve pautar-se por uma ordem legal que vise ao bem comum, mas deve,
simultaneamente, basear todas as suas ações pelos estritos dispositivos legais presentes
na Constituição, assim como todo cidadão, sob pena de recair-se em ilegalidade.
Dessa forma, reafirmamos a necessidade de aprimorar-se a legislação que
recai sobre a atividade de inteligência e, principalmente, sobre o ator de inteligência.
Um profissional da atividade de inteligência não pode obedecer a uma ordem superior
que vise ao bem comum, de maneira a respeitar-se o princípio da obrigatoriedade, e, por
outro lado, ferir um direito fundamental com sua conduta, contrariando dessa forma o
princípio da legalidade. Esses princípios devem estar em perfeita consonância na
legislação de inteligência, pois só desse modo se poderá almejar a superação do
amadorismo encontrado nas atividades de inteligência desenvolvidas no Brasil nos
últimos tempos.
112
6 LEGISLAÇÃO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA—
ESPANHA E BRASIL
6.1 A legislação na Espanha
No dia 11 de março de 2004, exatos dois anos e seis meses depois dos
atentados contra o World Trade Center, em Nova York (EUA), ocorreu um dos maiores
atentados terroristas da Espanha. Cerca de dez bombas devastaram algumas estações de
trem e metrô de Madri. Tido como o pior atentado terrorista na Europa desde 1988,
quando explodiram um avião sobre a cidade de Lockerbie, na Escócia, o então crime
internacional na Espanha deixou mais de duzentas pessoas mortas.
Essa situação gerou grandes repercussões na política, tendo em vista que
José Maria Aznar, então presidente, tentava sua reeleição. Todavia, com os atentados e
a insatisfação popular por esta e outras razões, José Luis Zapatero assumiu o poder
executivo espanhol e liderou a retirada das tropas espanholas em solo iraquiano como
uma de suas primeiras medidas. O atentado fora realizado pela rede Al Qaeda, de
Osama bin Laden, e a motivação de tal ato estava no apoio do então primeiro-ministro
espanhol José Maria Aznar à invasão do Iraque pela coalizão comandada pelos Estados
Unidos e no envio de tropas espanholas para o país do Oriente Médio.
Nesse contexto de grande insegurança, o novo presidente espanhol concluiu
que a falha que culminou no atentado terrorista era decorrente do baixo investimento em
meios para prevenir e reprimir as ameaças internas e externas. Desse modo, a Espanha
priorizou a defesa do Estado em suas verbas públicas e decisões políticas, acabando por
criar uma legislação específica para a atividade de inteligência.
Os espanhóis têm, em duas leis recentes, a Lei Orgânica 2 e a Lei 11 de
maio de 2002, as balizadoras da atuação da atividade de inteligência e de seu principal
órgão: o Centro Nacional de Inteligência (CNI). O escopo de ambas as leis é claro e,
segundo Wilson Machado Tosta Júnior (2008), em seu artigo ―Reino Unido, Espanha e
Brasil: três casos de controle público da inteligência‖:
a Lei 11, de 6 de maio de 2002, criou o Centro Nacional de Inteligência
(CNI), com atribuições amplas. Suas responsabilidades incluem facilitar ao
presidente do governo (como o primeiro-ministro é chamado, segundo a
113
Constituição espanhola) e ao governo da Nação análises, estudos ou
propostas que permitam evitar e prevenir qualquer perigo, ameaça ou
agressão contra a independência ou integridade territorial da Espanha, os
interesses nacionais e a estabilidade do Estado de Direito e suas instituições.
(Capítulo I, artigo 1). O dispositivo remete à Lei Orgânica 2, de 7 de maio,
reguladora do controle judicial prévio do CNI; fixa o controle parlamentar
(artigo 2, itens 1 e 2); e diz que o governo aprovará anualmente uma Diretiva
de Inteligência secreta, com os objetivos do CNI (artigo 3).
Observa-se que há, na Espanha, dois tipos de controles externos à atividade
de inteligência: um legislativo e outro judicial. O primeiro imposto pela lei reguladora
do CNI, e o último previsto legalmente pela Lei Orgânica 2, de 7 de maio de 2002.
O controle parlamentar ou legislativo é realizado pelo Congresso dos
Deputados. A atividade de inteligência espanhola deve informar o órgão legislativo
sobre o funcionamento das atividades de inteligência e seus planos, mas não terá acesso
a informações relativas às fontes de inteligência e nem sobre as medidas que serão
tomadas para a obtenção do dado. É importante frisar que é exigido aos membros do
Congresso que preservem o sigilo das informações e dos documentos que recebem.
O controle judicial, por sua vez, tem como objetivo dirimir o conflito
existente na relação entre as medidas impostas pela atividade de inteligência e os
direitos fundamentais. Para isso, cria-se uma comissão específica dentro do Supremo
Tribunal Federal da Espanha, e essa comissão, que deverá ter um presidente, será
responsável pela decisão sobre o referido conflito. Conforme as palavras de Wilson
Machado Tosta Júnior (2008),
No âmbito judicial, o controle é feito por um magistrado do Supremo
Tribunal, designado, pelo período de cinco anos, por proposta do Conselho
Geral do Poder Judiciário (artigo 342 bis da Lei Orgânica do Poder
Judiciário). É a esse equivalente a um ministro do STF no Brasil que o
secretário-diretor do CNI deve pedir autorização para violação de domicílios
ou comunicações, por escrito, especificando as medidas que serão adotadas,
meios utilizados, identificação das pessoas afetadas e o prazo.
Como já dito, o órgão central de toda atividade de inteligência na Espanha é
o Centro Nacional de Inteligência (CNI). O CNI é responsável pela
[...] inteligência externa (4, a), pela contra inteligência e inteligência de
segurança (4, b), pelas relações com agências semelhantes de outros países
(4, c), pela inteligência de sinais (4, d) , pela criptologia oficial (4, e), pela
proteção de informação classificada (4, f). O centro é parte do Ministério da
Defesa, submetido a uma Comissão Delegada para Assuntos de Inteligência,
presidida pelo vice-presidente do governo e integrada pelos ministros da
114
Defesa, Interior, Relações Exteriores e Economia, além dos secretários de
Segurança e do secretário-diretor do CNI [TOSTA JÚNIOR, 2008].
O CNI é um organismo público com autonomia funcional, de personalidade
jurídica e plena capacidade de agir. Como era de se esperar de qualquer órgão de
inteligência, o objetivo primordial do CNI é prestar as informações necessárias para
prevenir ou mesmo evitar qualquer risco ou ameaça que possam afetar a independência
e a integridade da Espanha, os interesses nacionais e a estabilidade do Estado de Direito
e suas instituições.
Anteriormente ao atentado terrorista e ao desenvolvimento do CNI, a
Espanha não continha um serviço de inteligência plenamente desenvolvido. Assim
como afirma Álvaro Peredo (2008), em seu artigo intitulado ―Inteligência Militar na
Espanha‖,
[...] a Espanha começou a tomar medidas para a criação de um serviço de
informações durante a guerra de independência ou guerra contra a ocupação
francesa do século XIX. Mas este serviço era um tanto quanto amador, e seus
agentes não eram tidos como informantes oficiais; em todo o país agiu como
uma rede de mensageiros.
A atividade só foi definitivamente elevada aos patamares de grandes
potências como Estados Unidos e Inglaterra com a conclusão do atentado terrorista, que
exigiu das autoridades públicas uma resposta rápida e efetiva. Essa resposta veio com a
criação do CNI e com uma regulamentação detalhada da atividade de inteligência
espanhola, que não só conferiu segurança à sociedade, mas, e principalmente, aos
próprios agentes de inteligência.
Ademais, a atividade de inteligência na Espanha busca uma centralização
maior buscando otimizar seus objetivos e resultados. Por isso, instituíram uma
autonomia funcional conjugada à vinculação de todos os órgãos que se prestam a essa
atividade frente a um orçamento único. Esse orçamento, assim como os objetivos do
CNI, devem ser apresentados a um Conselho de Ministros anualmente, e deste devem
receber a aprovação ou o aval para prosseguirem.
O CNI é formado por um secretário de Estado diretor, um secretário-geral,
unidade de inteligência e contraespionagem, unidades de recursos e apoio de
inteligência para a segurança, e uma unidade de apoio às entidades, que inclui o
115
gabinete do secretário de Estado e diretor jurídico. Esta estrutura foi apresentada no
Foro de Inteligência quando do debate do tema Discussão sobre o Centro Nacional de
Inteligência (CNI) na Espanha. (2009). Veja-se organograma abaixo:
Estrutura do Centro Nacional de Inteligência (CNI) - Espanha
Fonte: FORO DE INTELIGÊNCIA. Discussão sobre o Centro Nacional de
Inteligência (CNI) na Espanha. Disponível em:
http://www.intelpage.info/forum/viewtopic.php?f=41&t=8. Acesso em: 29 dez. 2009.
116
Apenas para uma melhor compreensão, veja-se o perfil dos agentes de
inteligência, sua composição e distribuição, nos gráficos a seguir:
Perfil dos agentes do Centro Nacional de Inteligência (CNI) - Espanha
Fonte: FORO DE INTELIGÊNCIA. Discussão sobre o Centro Nacional de
Inteligência (CNI) na Espanha. Disponível em:
http://www.intelpage.info/forum/viewtopic.php?f=41&t=8. Acesso em: 29 dez. 2009.
117
6.2 A legislação no Brasil
A Atividade de Inteligência no Brasil é regida pelas seguintes leis:
Lei nº 9.883, de 7 de Dezembro de 1999 - Institui o Sistema Brasileiro de
Inteligência, cria a Agência Brasileira de Inteligência- ABIN, e dá outras providências.
Decreto nº 4.376, de 13 de Setembro de 2002 - Dispõe sobre a organização e o
funcionamento do Sistema Brasileiro de Inteligência, instituído pela lei n° 9.883, de 7
de dezembro de 1999, e dá outras providências.
Lei nº 11.776, de 17 de Setembro de 2008 - dispõe sobre a estruturação do
Plano de Carreiras e Cargos da Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, e cria as
Carreiras de Oficial de Inteligência, Oficial Técnico de Inteligência, Agente de
Inteligência e Agente Técnico de Inteligência.
Medida Provisória nº 2123-29 23 de Fevereiro de 2001 - Altera dispositivos
da lei n° 9.649, de 27 de maio de 1998, que dispõe sobre a organização da Presidência
da República e dos Ministérios, e dá outras providências.
Lei nº 8.159, de 08 de Janeiro de 1991 - Dispõe sobre a Política Nacional de
Arquivos Públicos e Privados e dá outras providências.
Lei nº 9.983, de 14 de Julho de 2000 - Altera o Decreto lei n° 2.848, de 07 de
Dezembro de 1940 - Código Penal e dá outras providências.
Decreto nº 4.073, de 03 de Janeiro de 2002 - Regulamenta a lei n° 8.159, de 08
de Janeiro de 1991.
Decreto nº 4.553, 27 de Dezembro de 2002 - Dispõe sobre a salvaguarda de
dados, informações, documentos e materiais sigilosos de interesse da segurança da
sociedade e do Estado, no âmbito da administração pública.
Antes de adentrarmos os pontos mais importantes da legislação vigente no
Brasil sobre a atividade de inteligência, cabe-nos avaliar se ela é necessária ou
prescindível. O atual estágio em que se encontram o mundo e as relações inter-estatais,
vinculadas a um grande dinamismo oriundo do fenômeno da globalização e inseridas no
contexto histórico reconhecido como ―era da informação‖, faz necessário o
desenvolvimento de uma atividade que possa proteger a nação dos eventuais desastres
que possam vir a ocorrer. Esses desastres, como já se evidenciou, não são simples e seus
118
efeitos, em geral, repercutem em todo o planeta. Essa situação faz cogente uma maior
interação entre os Estados, para que possam, juntos, solucionar o problema
efetivamente.
Questões como terrorismo, litígios internacionais, tráfico de drogas e
animais são problemas mundiais recorrentes. Nesse sentido, os países vêm
desenvolvendo órgãos que possam fornecer informações específicas de maneira a
auxiliar em uma tomada preventiva de decisões, isto é, estão investindo em órgãos de
inteligência. Poder-se-ia perguntar, porém, se o desenvolvimento de uma atividade de
inteligência específica no Brasil seria uma questão relevante, haja vista que o país não
possui um histórico marcado por problemas com terrorismo ou litígios internacionais.
A complexidade do mundo atual, porém, exige sua existência e
desenvolvimento. O Brasil é alvo de delitos como os crimes de tráfico de animais em
extinção, drogas, armas, seres e órgãos humanos, pirataria generalizada, sequestros,
lavagem de dinheiro, entre outros. Ademais, observando-se a posição que ocupa na
esfera político-econômica mundial, além do fato de possuir uma das maiores reservas de
recursos naturais do globo, fica claro que eventuais problemas como terrorismo e
litígios internacionais não constituem uma realidade difícil de se imaginar no futuro.
Nessa linha de pensamento, mostra-se a suprema importância de se desenvolver órgãos
específicos de inteligência para a preservação de uma nação iminente e promissora
como a nossa.
A complexidade de tais assuntos demonstra a ineficácia de se tentar
solucionar tais problemas, vale dizer, de dimensões mundiais, apenas através da
resposta criminal clássica, isto é, pela investigação policial destinada à busca de provas
da autoria e da materialidade de um fato delituoso já praticado. Compartilhamos do
pensamento de Alexandre Buck Sampaio (2009), que, em seu artigo ―Controle judicial
das atividades de inteligência‖, concebe a ideia de que
Haverá, na verdade, a necessidade de um enfrentamento amplo e preventivo -
que ao invés de provas em seu conceito jurídico, busque informações - o que
talvez apenas possa ser realizado através de atividades integradas de
inteligência de Estado e de Segurança Pública.
Evidencia-se, pois, a primazia da atividade de inteligência como atividade
preventiva para complexos problemas que venham a afetar a sociedade.
119
Nesse sentido, foi criado nos últimos tempos todo um aparato legal, com
uma diversidade de leis sobre a temática das atividades de inteligência no Brasil. Entre
as leis mais importantes para a atividade de inteligência pátria destacamos a Lei n°
9.883, de 7 de Dezembro de 1999, que Institui o Sistema Brasileiro de Inteligência, cria
a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), e dá outras providências; o Decreto n°
4.376, de 13 de Setembro de 2002, que faz previsões sobre a organização e o
funcionamento do Sistema Brasileiro de Inteligência; e, principalmente, a Lei nº
11.776/2008, que dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreiras e Cargos da
Agência Brasileira de Inteligência – ABIN.
A Lei nº 9.883/1999, que instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência
(SISBIN) e seu órgão central, a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), é constituída
por quinze artigos, propostos pelo Executivo e aprovados pelo Congresso Nacional
durante o segundo governo Fernando Henrique Cardoso. Esse dispositivo legal:
Apresenta o fornecimento de inteligência ao chefe de governo como objetivo
central do sistema (artigo 1º); centraliza inteligência, contra-inteligência e até
segurança interna na Abin (artigo 4}, I, II e III). [...] O texto (artigo 1º,
parágrafo 1º) coloca como obrigações do Sisbin (e, por extensão, da Abin) a
preservação da soberania nacional, a defesa do Estado democrático de direito
e a dignidade da pessoa humana, devendo ainda cumprir e preservar os
direitos e garantias individuais e demais dispositivos da Constituição Federal
[...]‖ [TOSTA JÚNIOR, 2008].
Questões críticas e fundamentais para o presente debate, como da
suficiência ou não da legislação brasileira sobre o tema, bem como uma análise
comparativa com a inteligência desenvolvida na Espanha serão pontos abordados, mas
não findados, no próximo tópico.
6.3 A insuficiência da legislação brasileira sobre o tema
Observando-se detalhadamente a legislação brasileira sobre a atividade de
inteligência e seus profissionais, é fácil a percepção de que há uma defasagem quanto às
possibilidades legais que possam resguardar as operações de inteligência frente aos
direitos fundamentais. Essa percepção se dá às custas da ausência de uma previsão
específica e detalhada sobre o controle que seria realizado sobre as atividades de
inteligência e da insuficiência da abordagem sobre as atribuições dos profissionais da
120
área no tocante a essas operações que tangenciem e, até mesmo, ultrapassem os limites
das garantias fundamentais.
Como já demonstrado anteriormente, a atividade de inteligência
desempenhada no Brasil possui uma forte tendência a ferir ou desrespeitar algum direito
fundamental quando com este entra em contato por meio de alguma operação de
inteligência. De fato, qualquer técnica operacional, como a espionagem ou a infiltração,
depende de uma legislação que a respalde para que possa ser legitima. Wilson Machado
Tosta Júnior (2008), na mesma linha, argumenta que
A existência de controles externos apenas formais sobre a Abin,
concretizados na legislação vaga, remete ao sistema de inteligência montado
a partir de 1964 pelo regime militar, que ruiu quase ao mesmo tempo em que
desaparecia a ordem mundial que servira para justificar sua existência, em
1990.
Nesse sentido, outra questão também deve ser levada em conta. O
desenvolvimento de atividades de inteligência, como visto, é de suma importância para
a preservação do Estado Democrático de Direito brasileiro, mas ele deve ser conjugado
diretamente à garantia de que o investimento em ações dessa natureza não se dê ao
custo das garantias individuais, como já demonstrado, principalmente no capítulo 5 do
presente trabalho.
Essa situação, como poderia se imaginar, encontra uma solução plausível na
criação de mecanismos eficientes de controle sobre a atividade de inteligência que não
permitam tomadas de decisões arbitrárias e sem fundamento jurídico. Na realidade,
deve-se criar um mecanismo que forneça às decisões dos agentes de inteligência, e à
própria atividade de inteligência como um todo, a legalidade necessária para que se
possa realizar um controle também legal sobre a mesma.
Conforme já observado no tópico anterior, a Espanha é um caso a ser
analisado por já exercer um controle efetivo, parlamentar e judicial, sobre a atividade de
inteligência. A novidade implementada pela Espanha é o controle prévio exercido pelo
Poder Judiciário. Como se sabe,
A regra, nos países civilizados, é que o controle das atividades de inteligência
seja feito pelo próprio Poder Executivo e a posteriori pelo Legislativo.
Porém, já há várias experiências internacionais no uso do controle judicial
prévio das atividades de inteligência quando estas envolvam garantias
constitucionais. Assim, na Espanha, o Diretor do Centro Nacional de
Inteligência (que tem status de Secretário de Estado) poderá requerer ao
121
Ministro competente do Supremo Tribunal autorização para a realização de
atividades de inteligência que afetem o direito a inviolabilidade do domicílio
e o sigilo das comunicações, sempre que as medidas se revelem necessárias
ao cumprimento das funções legais do CNI [SAMPAIO, 2009].
Entretanto, apesar de contarmos com uma atividade de inteligência
desenvolvida e personificada, em suma, pela criação da ABIN, não contamos com o
nível de legalidade esperado e almejado tanto pela sociedade como pelos próprios
agentes de inteligência. Compartilhamos da afirmativa do professor Cepik (2003, p.
208) em seu livro Espionagem e Democracia, segundo a qual
A existência da Abin e do Sisbin tem agora amparo legal, mas ainda resta um
longo caminho para que possam usufruir da legitimidade derivada da
percepção pública de que seu trabalho de proteção da Constituição e dos
cidadãos contra ameaças externas e internas não é em si mesmo uma ameaça
a segurança dos brasileiros.
De fato, as leis brasileiras sobre a atividade de inteligência apresentam uma
deficiência legal quando cotejadas com a atividade desempenhada pela Espanha. A lei
nº 11.776/2008, que dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreiras e Cargos da
Agência Brasileira de Inteligência – ABIN, e que define as atribuições dos vários cargos
dos profissionais de inteligência, como o agente, o oficial e o analista, é um exemplo
dessa situação. Acolhemos o posicionamento de Wilson Machado Tosta Júnior (2008),
o qual afirma que,
No âmbito de competências da Abin, a lei estabelece (artigo 4º, I a IV)
planejar e executar ações, inclusive sigilosas, para produzir conhecimentos
para o presidente da República; planejar e executar a proteção de
conhecimentos sensíveis; avaliar as ameaças, internas e externas, à ordem
constitucional; e promover o desenvolvimento de recursos humanos e da
doutrina de inteligência. Não há menção a mandados, nem a
responsabilidades, nem a controles judiciais.
A título exemplificativo, pensemos no caso de um agente de inteligência ser
requerido por seu superior hierárquico a realizar uma infiltração objetivando a obtenção
de alguns documentos de certa pessoa. Fato é que, em nossa Constituição, para se
adentrar a casa de um indivíduo e ainda obter alguns documentos, precisa-se de uma
autorização judicial, via de regra. Sem essa autorização, a invasão constitui ato ilícito,
passível de punição. O agente, por sua vez, deve obedecer às ordens de seu superior
hierárquico como prevêem suas atribuições descritas na Lei nº 11.776/2008, desde que
122
não representem nenhuma conduta ilegal ou imoral. Presume-se que uma técnica
operacional como esta decorra de razões e fundamentos de interesse nacional, e portanto
tenderiam a ser legais se nos apoiássemos em princípios como o da supremacia do
interesse público sobre o particular, por exemplo. No entanto, não há previsões legais de
que se possa ferir direitos fundamentais por meio de operações de inteligência. Dessa
maneira, se o agente seguisse a ordem de seu superior, ainda que representasse o
interesse nacional, estaria ele incorrendo em prática ilícita, visto que não há uma
previsão legal sobre as operações de inteligência e os procedimentos que devam ser
seguidos para que o desrespeito a essas garantias estejam respaldados pela lei.
Ao complemento dessa crítica, acresce-se o fato de a Espanha ter
desenvolvido um controle externo específico e prévio da atividade de inteligência a ser
realizado pelo Poder Judiciário. Conforme visto, o controle judicial espanhol é realizado
por meio de uma comissão específica dentro do Supremo Tribunal Federal da Espanha,
à qual é requerida, pelo diretor do principal órgão de inteligência (CNI), a autorização
para violação de um direito fundamental para que sejam cumpridas as medidas e
finalidades do órgão.
O Brasil não possui um mecanismo dessa natureza, e o controle externo
realizado nas atividades de inteligência é posterior às operações, isto é, posterior ao
desrespeito ao direito fundamental, caso haja. Nesse contexto, evidencia-se uma grande
insegurança jurídica, em que o agente de inteligência só concluirá que a operação de
inteligência por ele desempenhada foi ilegal após sua conclusão e após uma análise do
Poder Judiciário, que já a julgará enquanto crime. Almeja-se, pois, o desenvolvimento
de um controle externo prévio das atividades de inteligência no Brasil, o que ainda é
uma utopia nos dias atuais, conforme nos mostram dados da página da ABIN (2010).
As ações da Agência Brasileira de Inteligência são controladas e fiscalizadas
pelos Poderes Executivo e Legislativo. No Executivo, tem-se o controle
interno, de responsabilidade da Câmara de Relações Exteriores e Defesa
Nacional (supervisão e execução da Política Nacional de Inteligência) e da
Secretaria de Controle Interno da Presidência da República (CISET), que
inspeciona a aplicação de verbas orçamentárias. O controle externo, a cargo
do Poder Legislativo, é exercido pelo Tribunal de Contas da União (gestão de
recursos orçamentários) e pela Comissão Mista do Congresso Nacional
(ações decorrentes da Política Nacional de Inteligência).
123
Reafirma-se, pois, a necessidade do desenvolvimento de uma atividade de
inteligência, não uma qualquer, mas uma atividade controlada, responsável, legal e
condizente com um Estado Democrático de Direito e suas garantias fundamentais.
Ademais, vale dizer, a atividade de inteligência é de extrema importância
para o Estado brasileiro e sua sociedade, pois, assim como ensina Norberto Bobbio
(2009, p. 313), apud Sampaio (2009) no artigo ―Controle judicial das atividades de
inteligência‖, ―a democracia exclui por princípio o segredo de Estado, mas sua
utilização mediante a instituição dos serviços de segurança, que agem em silêncio,
justifica-se como um instrumento necessário para defender, em última instância, a
própria democracia‖.
Finalizamos com a advertência de Wilson Machado Tosta Júnior (2008),
O setor de inteligência é uma espécie de última fronteira da transição
democrática brasileira. Sua submissão a um controle público efetivo, com a
implantação de mecanismos semelhantes ou análogos aos existentes em
países centrais, ainda está longe da legislação que atualmente o regulamenta.
Ainda paga por ter sucedido um sistema sempre voltado para a repressão a
movimentos sociais e à esquerda e enquadrado, durante a maior parte da sua
existência, ao sistema bipolar da Guerra Fria. [...] Essa dificuldade de
controle público dá à Abin uma autonomia para agir que lhe é, na aparência,
conveniente, mas também perigosa e contra-producente. [...]. O
estabelecimento de um controle público rígido e transparente do setor,
resguardadas as questões de sigilo, poderia ser o passo definitivo na
institucionalização do setor, em bases eficientes e profissionais. Esse
caminho, contudo, não tem sido trilhado pelos governos recentes, incluindo o
atual.
124
7 CONCLUSÃO
Alicerçando-se na pesquisa, passamos a concluir:
1. A atividade de inteligência é essencial para a proteção do Estado e da
sociedade, devendo ser adotada e implementada em qualquer país que pretenda
sobrevivência e evolução no mundo contemporâneo.
2. No Brasil, a atividade de inteligência não vem sendo destacada como
primordial à segurança do Estado, não dispondo de uma coordenação lógica e
centralizada capaz de municiar os governantes. Neste desiderato, a tomada de decisões
tem vulnerabilidade, ao passo que pode não estar condizente com o interesse nacional e,
portanto, do povo em geral.
3. Devido à ignorância sobre o que realmente corresponde a uma atividade
de inteligência ideal na rotina de cada cidadão, e por uma noção primária ainda
enraizada na arbitrariedade da época do regime militar, acreditamos que os órgãos de
inteligência devam fazer uma ampla divulgação de seus propósitos enquanto envolvidos
na defesa da sociedade e do país. Somente a partir de uma conscientização geral, de
modo a provocar uma ampla discussão das melhores medidas para a prestação de um
serviço de excelência nesta área, é que se pode garantir a sustentabilidade de liberdades
e direitos já sedimentados na legislação pátria.
4. O Brasil não pode prescindir de um serviço de inteligência de alto nível,
esclarecendo seus verdadeiros propósitos de interesse nacional. Da mesma forma, não
pode deixar de garantir que a execução dos serviços de inteligência respeite direitos e
garantias individuais e coletivos, os quais devem ser controlados interna e
externamente.
5. Torna-se visível que a atividade de inteligência no Brasil realizada de
forma coesa, clara, doutrinada e centralizada nos interesses nacionais quase não evolui,
ou melhor, é quase inexistente, em que cada organismo possui, a seu livre arbítrio, uma
doutrina própria , sem qualquer compartilhamento e entrelaçamento entre as agências de
inteligência. Ora, o Brasil, diante de sua grandeza e detentor de brilho internacional em
todos os segmentos, não pode esperar que algo aconteça para tomar medidas enérgicas e
contundentes para construir uma estrutura organizacional hierarquizada e controlada dos
125
serviços de inteligência, capazes de neutralizar a ação de inimigos e antecipar
acontecimentos internos e externos, a tempo de tomar decisões que evitem
consequências maiores à sociedade em geral.
6. Torna-se urgente a retomada de discussões no sentido de regulamentar a
estrutura organizacional e a execução das atividades de inteligência. É certo que a
pulverização das agências de inteligência em nada contribui para a efetiva segurança
nacional. A ABIN, por exemplo, infelizmente ainda não conseguiu ser sedimentada
como uma agência de inteligência eficiente o bastante e capaz de assegurar o envio de
informações precisas aos tomadores de decisão. Na verdade, não conseguiu conquistar o
espaço que deve ocupar como órgão central de inteligência, não por falta de
qualificação de seus profissionais, mas por mero descaso e talvez por desconhecimento
dos nossos legisladores.
7. Não basta apenas discutir. Temos que evoluir enquanto Estado, na sua
própria organização e no interesse coletivo. Não se discute mais a necessidade dos
serviços de inteligência. Precisamos avançar na sua efetiva aplicação de forma clara e
objetiva. Para tanto, no atual sistema nacional, não há outra maneira de regulamentação,
senão por lei, no que acreditamos ser a Lei Ordinária a mais viável e adequada.
Os princípios da proporcionalidade, da supremacia do interesse público
sobre o privado e da legalidade não podem ser vistos apenas como valores que orientam
as ações da atividade de inteligência e das ações estatais como um todo, mas como
valores fundantes e legitimantes dessa atividade. É somente a partir do respaldo dado
por esses princípios conjugados a uma legislação mais detalhada e autosuficiente que
poderemos almejar uma atividade de inteligência legal e condizente com as garantias e
direitos perpetuados pelo Estado Democrático de Direito brasileiro.
8. Os atores das atividades de inteligência, em muitas situações, saem para a
digna execução de seus trabalhos com algumas ―espadas penduradas em suas cabeças‖,
deparando-se com situações conflitantes entre defender a sociedade e o Estado ou
atingir direitos e garantias fundamentais. Amplamente discutida neste trabalho, torna-se
prioritária a regulamentação dos procedimentos a serem adotados por estes atores, com
funções e atribuições específicas, no sentido de legitimar as ações de busca, aliando-se
os interesses conflitantes com a aplicação dos princípios que regem as normas jurídicas.
126
Não podemos exigir destes atores condutas clandestinas e ilegais para o
alcance de seus objetivos. Isso seria um retrocesso em nosso país. Esta situação pode
incidir em uma ambiência negativa no relacionamento dos atores, desencadeando abalos
na hierarquia e disciplina, também essenciais para o pleno funcionamento das agências
de inteligência. Devemos criar condições num ambiente legal, capaz de dar a estes
profissionais a tranquilidade jurídica necessária para o desencadeamento de suas
atividades. Neste sentido, devemos legitimar suas ações com a aplicação das técnicas
operacionais de inteligência, onde deve ser reconhecida a supremacia do direito coletivo
sobre o direito individual, mas, para tanto, isto deve estar claramente positivado. Não
podemos exigir que estes atores trabalhem com dúvidas jurídicas. Existe um
contrassenso que precisa ser definido.
9. A investigação criminal encontra-se regulamentada neste sentido. Nesta
encontramos a aplicação de técnicas de investigação, muitas delas originadas nas
atividades de inteligência, já previstas em legislações específicas e que garantem a sua
legalidade, legitimando a atuação dos investigadores, como, por exemplo, nos casos de
interceptação de sinais, de infiltração e de busca e apreensão. Quando da aplicação
destas técnicas, direitos e garantias fundamentais são afastados no interesse coletivo
com controle e embasamento jurídico e, como nenhuma garantia é absoluta, o Estado,
por intermédio de seus agentes, atua na busca do equilíbrio social, em que a
proporcionalidade é aplicada para restabelecimento da igualdade em situações
desiguais. Não conseguimos enxergar motivos para que existam restrições no uso de
técnicas operacionais para a busca dos objetivos das atividades de inteligência, eis que o
interesse coletivo sempre está presente. O Estado deve agir sempre para a garantia da
ordem social e restabelecimento do equilíbrio. É isso que debatemos aqui. Na busca da
consecução de seus objetivos, a atividade de inteligência deve estar amparada
legalmente de forma ampla e clara, com controles internos e externos capazes de
garantir ao cidadão que o Estado de Direito vem sendo respeitado.
10. No nosso entendimento, diante da atual situação do país no cenário
internacional, o fortalecimento da atividade de inteligência de Estado torna-se
imprescindível, com a ampliação de sua autonomia e das suas ações, e para tanto
propomos a reestruturação organizacional desta atividade, em todos os níveis de
127
governo, criando um Centro Nacional de Inteligência, integrado por todos os poderes: o
Executivo, o Legislativo e o Judiciário. O entrelaçamento e o envolvimento de todos os
segmentos representativos da sociedade trará uma maior transparência e credibilidade às
atividades de inteligência.
O Poder Legislativo deve continuar com sua missão de controle externo,
cumprindo-a, entretanto, de forma efetiva e consistente, pois, nos moldes atuais,
ousamos afirmar que ele praticamente inexiste. O Poder Executivo, por sua vez deve
ampliar sua estrutura de forma a reorganizá-la e continuar no desencadeamento das
atividades, definindo claramente atribuições. Já ao Poder Judiciário, caberia o controle
externo e atuação direta e prévia nos casos concretos em que houvesse a necessidade de
afastamento de algum direito fundamental, e, para tanto, pensamos em uma Seção
Judiciária Federal específica e exclusiva para atuação em assuntos de inteligência de
Estado, nos moldes da Espanha, cuja legitimidade das ações de inteligência é oriunda de
um controle prévio pelo Poder Judiciário. A decisão do juiz legitimará as medidas e
ações de um profissional de inteligência que interfira nos direitos e garantias
individuais, pois esta será dada, sempre, nos limites da legalidade e dos princípios
constituintes. Neste caso, a atuação do Ministério Público também é essencial como
garantidor de interesses e no controle externo do Centro Nacional de Inteligência, nos
casos que devam ser apreciados pelo Poder Judiciário.
Não entraremos aqui na discussão de como seria o recrutamento dos atores
de inteligência que atuariam neste Centro, mas certamente não se daria por concurso
público direto. Pensamos inicialmente, em uma estrutura composta de servidores
públicos concursados, pertencentes e já experimentados nos outros órgãos da
administração pública, que seriam selecionados e convidados para a composição dos
quadros.
128
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