o atendimento infantil na lógica fenomenologico existencial
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Capítulo 2
Tem as em
Ps ic o terap ia In fan t i l
Ana M aria L opez C a lvo de F e ijoo
2.1 Apresentação
Neste capítulo, pretende-se descrever parte de um processo psicoterápico que
trata do encontro do psicoterapeuta com os pais e a própria criança. A apre-
sentação traz preocupações por parte dos pais muito freqüentes na atualidade:
medo de que a criança não responda às solicitações do mundo moderno, preo-
cupação da mãe em agir conforme recomendam os manuais de psicologia,
modos diferentes com que os pais entendem a educação dos filhos etc.
2.2 Sobre a Psicoterapia
A procura de psicoterapia em crianças, freqüentem ente, ocorre a pedido dos
'pais. Algumas vezes, são eles próprios que concluem sobre a necessidade de
que os filhos se submetam à psicoterapia infantil. Em geral, o pedido parte
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que ela se adapte às exigências da cultura moderna. Espera-se que seja es
diosa, alegre, comunicativa e esperta. Este é o modelo da criança-padrã
Aquelas que não satisfizerem tais critérios recebem o rótulo de criança-pblema. E os pais, conseqüentemente, também são rotulados como inca
zes, em uma cultura onde se tem de encontrar um culpado: cultura
culpabilização, nada melhor do que denunciar a família, a qual, neste c
texto cultural, acaba por buscar na psicoterapia respostas, critérios, referenci
de como lidar com os filhos.
Coimbra (1995) refere-se a esta tendência da psicologia no Brasil c
o seguinte subtítulo ''A psicologização e os especialistas PSI". Afirma que
rejeitam os movimentos políticos e sociais para assumir um projeto ind
dual de ascensão social, sucesso profissional, equilíbrio familiar. A psico
gia, com seus especialistas, "fornece uma legitimação científica à tecnolo
do ajustamento". esta perspectiva, o filho que não quiser estudar ou
não se insere neste modelo de ascensão, o casal que não se insere no mod
de e<casal20" devem recorrer aos conselheiros psicólogos, que dispõem
técnicas eficientes para tornar estas famílias adaptadas ao sistema de per
ção, que, aliás, se constitui na promessa da modernidade.o entanto, pensar eT uma psicoterapia não estruturada a partir
estratégias científicas pode levar as pessoas à desconfiança, ao cepticism
Na medida em que o diálogo se apresenta de forma natural e as questõe
mudanças se dão de modo sutil, pode ocorrer a não-aceitação de que
filhos se submetam ao processo psicoterapêutico. Abre-se, assim, esp
para muitos preconceitos a respeito e também descrenças sobre a eficácia
tratamento.
Questões acerca do que é psicologia clínica, mais especificamente
que é psicoterapia, acontecem com muita freqüência, especialmente se
oferecem respostas imediatas a respeito das atitudes que devem ser tom
das, das causas do problema ou de quem é o culpado. A psicoterapia que
interpreta a partir de uma teoria subjacente acaba por suscitar algumas qu
tões como estas:
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Capítulo 2 - T emas em Ps icoterapla Infantil e 5 3
4. Dinheiro fácil ficar conversando no ar-condicionado o dia todo. É
isso, não é?
Longe de se deixar irritar por estas questões, deve-se considerar que
aquele que faz tais considerações, ao fazê-Ias se revela. Mostra a sua descon-
fiança, descrença, enfim avalia o modo de ser do outro -de acordo com as
suas possibilidades de ação no mundo.
Fora tais considerações, podemos perceber que suas interpretações do
mundo estão carregadas dos modos de subjetivação da modernidade: cultura
da utilidade, da produtividade em série, da lei da vantagem - onde é permitido
enganar o outro para obter benefícios próprios, da cultura dos resultados.O modo de pensar: da eficácia e da eficiência, da previsão de resulta-
dos favoráveis, da produção em série, do acúmulo e do consumo são legados
da ciência moderna para a humanidade. É natural, então, que é isto que se
espera dos profissionais de saúde para com a população. Que ele aplique
técnicas comprovadas cientificamente para obter os resultados desejados.
Nesta perspectiva, toda a natureza, inclusive a humana, se constitui
corno reserva e como tal deve se dar de modo a poder explorar todos os
recursos de que dispõe. O bom técnico é aquele que sabe preparar e buscáresses recursos para poder explorá-Ia em todo o seu potencial. Ainda, seguin-
do tal linha de pensamento, tão logo nada mais se tenha a explorar, esse
elemento natural deve ser descartado, já que não mais produz.
A psicologia, mais especificamente a clínica, despendeu todo o esfor-
ço para corresponder às expectativas da modernidade. A partir de então, a
psicologia como uma técnica moderna inicia a provocação da natureza, para
dela extrair os seus recursos, inclusive os da própria natureza humana. Não
cuida, descuida. Não deixa que as coisas surjam a seu modo na natureza,
explora-a. A provocação da natureza, por parte do homem, que utiliza a
técnica, consiste em consumir, acumular e comutar.
O sentido da técnica moderna pautou-se no objetivo da ciência que
consistia em buscar a segurança universal, um caminho certo e seguro. A
partir de um discurso exato, em que predomina o princípio de identidade e a
idealização matemática, o método torna-se mais importante em toda e qual-
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vez que não produziam no sentido moderno. Os filhos também se cons
tuem como recurso natural, dos quais devemos extrair todos os seus recsos para a PRODU çà o.
Hoje parece que muitos de nós compartilhamos com a crença de qu
valor não está mais no saber pensar. O valor reside no ganhar dinheiro
maneira "fácil". Os sonhos de realização dos filhos mudaram, quem sabe
o melhor é que sejam jogadores de futebol, modelos.
E como é difícil não se deixar levar, esquecer-se de si próprio e se c
duzir pelo modismo, consumismo, enfim pelo que a mundanidade determin
Vive-se em uma sociedade estética, onde o valor maior consiste
viver sob o signo do prazer, do belo, do socialmente valorizado. O estet
aquele que segue pela vida sem refletir sobre si mesmo. Escolhe para si o q
o mundo determina, esforça-se no sentido de se tornar aquilo que a mo
determina. Escolhe a profissão mais valorizada no mundo dos estetas.
igual a todos os outros. Sem capacidade de discernir o si próprio do si
outro, a família torna-se um barco à deriva. É o mundo que determina o
deve ser. Nas palavras do filósofo, assim o homem torna-se mais-uma oveeJll um rebanho. No lugar de pessoas singulares vê-se um eterno zero: tod
iguais, como soldados em uma batalha, esquecem o seu nome e se ident
cam por um número.
A psicologia, tal como pensada na modernidade, dá ênfase ao des
volvimento intrapsiquico. seguindo o modelo médico, pauta-se na m
dernidade e, portanto, se fecha no indivíduo e no ideal de individuação a
conquistado.
Assim valoriza-se a perfeição e o progresso como fim último a ser a
gido pela família, em um mundo competitivo, onde o lema é "O mundo p
tence aos melhores". Sob o domínio da vontade: o homem torna-se o to
poderoso do Universo. E poder é querer. Tudo depende da vontade e da de
minação. Aquele que não ascende está paralisado pela sua baixa auto-estim
sentimentos de inferioridade e pela sua inadequação às demandas do mun
Se não vence é porque prefere manter-se assim, quem sabe há um ganho
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C apitulo 2 - Temas em P sicoterapia Infantil e 5 5
Acredita-se que é este equilibrio familiar que vai garantir o equilibrio
social. O cotidiano e o social saem da categoria do politico e passam a per-tencer à do psicológico. A saída para todos os problemas sociais está na
liberação das repressões individuais, na autenticidade e no calor humano.
A entrevista com os pais e a sessão livre com a criança têm aqui
como objetivo ilustrar a preocupação com a perfeição da família para pro-
duzir filhos bem-sucedidos. Aspectos como culpabilização e angústia es-
tão presentes no relato da mãe. Uma leitura carregada de "psicologismos"
pode acabar por designar rótulos a cada um dos pais e o próprio psicólogo,
ao se precipitar, pode encontrar um culpado. Alguns, ao interpretarem o
diálogo, classificam o pai como ausente, outros o rotulam como compreen-
sivo, há os que acreditam ter descoberto a questão, por julgarem a mãe
dominadora e exigente e há aqueles que ainda dizem que se trata de uma
mãe insegura.
'rProvavelmente, tais interpretações não se originam de psicoterapeutas
existencialistas. Estes, pautados na herrnenêutica, não compreenderiam a par-
tir de critérios "psicologizados". A base da sua escuta seria a compreensão.A hermenêutica como interpretação é pensada aqui como instrumen-
to na psicologia clínica. Feijoo (2000) estabelece um paralelo entre a inter-
pretação do psicoterapeuta e o mensageiro Hermes:
"Da mesma forma que Hermes, o psicoterapeuta não vai ocupar a
casa do outro, morada do ser, mas vai habitá-Ia, para então poder entender o
que o outro entende. Acompanha aquilo que o cliente revela na sua fala,
mesmo quando silencia. Direciona-se de acordo com aquilo que lhe é dado,agindo num espaço de expressão livre. O psicoterapeuta compreende o ou-
tro, e isto consiste em captar a interpretação de mundo que o outro é. Abre,
então, possibilidades para se questionar em seu ser mais próprio". (p. 103)
O psicoterapeuta, tal como Hermes, ouve o não-dito, facilita o des-
vendar de mistérios e segredos, esforça-se no sentido de tornar compreensí-
velo que a princípio parece obscuro.
A hermenêutica filosófica, com suas considerações sobre pré-com-
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I.Dados de identificação
a) Do sujeito:
Nome: João
Sexo: Masculino
Data de nascimento: 16 de março de 1995
Idade: 5 anos e 8 meses
Escolaridade: Pré- Primário
b) Familiares:
- Pai
Nome: Jair
Idade: 31 anos
Escolaridade: Superior
Profissão: Veterinário
- Mãe
Nome: Xaiane
Idade: 33 anos
Escolaridade: Superior
Profissão: Veterinária
- Irmãos:
Nome: JoanaSexo: Feminino
Idade: 1 ano e 6 meses
2. Motivo da Consulta
Mudança de comportamento de João nos últimos meses. Vem se mostran
muito agitado. O que se agravou ao ingressar na escola.
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Capítulo 2 - T emas em P s icoterania Infantil _ 5 7
M - João, no início do ano, pareceu-me um pouco agitado. Acho que foi
devido à sua entrada no colégio, pois antes freqüentava só a creche e se
ausentava de casa apenas meio turno. Agora, o horário é integral. Não estavaacostumado a ficar o dia inteiro fora de casa. Mas já está mais calmo, a
agitação acabou ao se habituar com a escola nova. Mas fico preocupada,
acho melhor prevenir do que remediar.
E - Como ele agia quando manifestava esse comportamento agitado?
M - Chorava, dava "pits", ficava um pouco agressivo e dizia que não queria
ir para a escola ... Nos primeiros dias; agora ele diz que já tem amiguinhos e jápede até para ir.
E - Qual era a atitude de vocês perante esse tipo de comportamento dele?
M - Conversava com calma e explicava a ele o quanto era importante ir-à
escola, dizendo que lá encontraria os amiguinhos da creche e poderia fazer
novas amizades, além de brincar e aprender coisas novas.
P - Eu deixava que a mãe resolvesse.
E - E corno ele reagia ao que você falava?
M - Só ouvia, não dizia nada.
E - Eu vou fazer uma pergunta um tanto diferente das habituais para vocês
dois: por que dentre tantas pessoas no mundo vocês escolheram um ao outro?
M - (ri) Nós nos conhecemos em uma festa de amigos, houve o interesse,
achei ele simpático, me interessei ...
P - Olhei para ela e gostei, quis iniciar um relacionamento.
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P - Achei melhor casarmos, estava na hora, eu gostava de Xaiane e quer
constituir família com ela.
E - Como foi a concepção de João?
M - Foi mais ou menos programada.
E - Como assim?
P - Pelo fato de ter completado dois anos e meio de casados, desejamo
muito este filho, mas tinha o problema de horário de trabalho, que, na épocera para ela período integral.
E - E como foi a gestação?
M - Foi excelente em termos de gravidez! O parto foi normal e até rápid
Trabalhei até sexta-feira e João nasceu de sábado para domingo. Foi supe
tranqüilo. Ia ao médico todo mês fazer o acompanhamento do desenvolv
mento do bebê.
E - E como é o sono dele?
M - Antigamente, era mais agitado. Se debatia, rodava na cama e chegava
. cair. Tinha de colocar a gradezinha na sua cama. Agora, ainda roda na cam
mas não cai.
P - Ele se mexe e roda na cama independente do dia ser calmo ou agitad
Essas coisas acabam sendo com Xaiane; durante a semana trabalho muito
essas coisas das crianças acabam sendo mais dela.
E - Ele dormia no quarto de vocês quando bebê?
M - Até uns três meses. A partir do quarto, não. Dormia no berço sozinh
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M - Como ele era muito pequenininho, não sentiu a separação, tendo um
sono tranqüilo. E qualquer problema que surgisse eu estava atenta, pois sen-
ti que meu sono já não era tão profundo. Muitas vezes, dormimos com aporta do quarto fechada e o ar-condicionado ligado; caso ele chorasse ou
tossisse eu acordava e ia até lá.
E - Ele utiliza algum recurso para dormir?
M - Utilizava. A "dona chupeta". Mas, com o tempo a chupeta se perdeu.
Ele me perguntava sobre ela e eu dizia que deveria estar no meio de seus
brinquedos ou no carro do pai. E daí se esqueceu da chupeta. Ele tem um
cachorro que o padrinho lhe deu e, às vezes, dorme com ele. Se o animal (de.pelúcia) não estiver à vista, dorme sem nenhum problema.
E - E como é a alimentação de João?
•M - Durante a semana, almoça e janta normalmente, pois a alimentação é
feita na creche. Mas quando chega o fim de semana, recusa-se a comer e sóquer saber de iogurtes, biscoitos e chocolates. É preciso, então, distrair a sua
atenção, e quando percebe, já comeu tudo.
E - Como distraíam a atenção dele para que comesse?
M - Mostro o céu, converso, brinco e troco de prato com ele, dizendo que
vou comer toda a sua comida e ele vai ficar com o meu prato vazio.
E - E o desenvolvimento motor?
M - É muito bom.
E - Quando começou a andar?
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M - Foi ótimo! Apesar de João mexer em tudo e eu ter uma certa preocup
ção de que ele se machucasse.
P - Foi aí que comecei a participar mais, a sair com ele e a brincar mais no
de semana.
E - Como vocês agiam quando o viam próximo a um objeto que pudesse
a machucá-lo?
M - Eu deixava e ficava olhando, pois se eu ficasse próxima iria despertarsua atenção para o objeto. Mesmo quando começou a engatinhar e batia c
a cabeça em alguma coisa, só ia verificar se machucou quando ele chorav
Caso continuasse a engatinhar, deixava pra lá.
P - É, nós nãõ ficamos estressados.
E - E a fala?
M - Por estar na creche, desenvolveu-se bem. Quando queria alguma co
falava. E se ficasse apontando para mim não significava nada.
E - Como foi a manipulação dos objetos?
M - Desde cedo dávamos vários objetos de borracha para manipular.
mesmo no banho, que era em uma banheira grande, colocávamos brinqudos e ele ficava mais tempo que o necessário manipulando os mesmos.
E - Como agiam quando ele mexia em algum objeto de uso pessoal seu?
M - As coisas que nós não queríamos que ele mexesse eram colocadas
alto. As que não tinham problema ou não ofereciam perigo não eram ret
das. Na mesinha da sala, até hoje, permanecem os mesmos objetos de an
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Capítulo 2 - Temas em Psicoterapia Infantil - 6 1
Com dois anos já controlava a urina e as fezes, porém utilizava fraldas ao
dormir, uma vez que ainda urinava na cama. Quando a irmã nasceu, ele
estava com dois anos e meio e então voltou a fazer cocô na roupa como se
quisesse dizer que estava ali querendo chamar atenção.
E - Como foi o ingresso dele na escola?
E - Como vocês reagiram a e a mudança de comportamento dele?
M - Conversava dizendo que ele já sabia pedir e que sua irmã ainda era bebê.
Ele me respondia dizendo que ele também era. Então, eu falava que já que
ele também era eu o trataria igual à irmã, fazendo coisas que ele não gostava
tais como: dar mama no peito colocar fraldas durante o dia e dar banho em
uma banheirinha. Com isso, deixou logo de sujar a roupa e voltou ao normal.
P - Quando estávamos junto i to não acontecia, eu acabava brincando mais
e aí as coisas ficavam mai fáceis.
M - João já estava na creche e alguns de seus amiguinhos foram para a mes-ma escola, o que facilitou o eu entrosamento na escola. Ele colabora com a
professora fazendo todos os trabalhos solicitados. Na verdade, só tem pro-
blemas relacionados aos limites impostos pelos adultos.
E - Quais seriam estes limites?
M - Na troca de atividades, respeitar seu lugar na fila e nas próprias brinca-
deiras com os demais colegas.
E - Como foi a adaptação com a professora?
M - Foi muito boa, uma vez que a professora é muito meiga e boazinha. Faz
os trabalhos e pesquisas solicitados procurando sempre agradá-Ia.
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vezes, deixo a briga rolar até se entenderem e em outras ocasiões interfir
acabo, até mesmo, batendo em ambos. Quando dou um brinquedo para
dou também para o outro, respeitando as idades.
E - E depois das brigas. Qual é a atitude de vocês?
M - Às vezes, chego a dizer que sou uma mãe neurótica, pois eles brigam
coisas que considero uma bobagem, mas para eles é algo sério. Depois
brigas, do choro e, por vezes, do castigo, quando já estamos todos mais
mos, converso com eles e pergunto se o que fizeram estava certo, senecessário brigar. Digo que os amo e fico triste diante das brigas. Eles
abraçam e dizem que também gostam de mim.
P - Às vezes, nem participo, pois trabalho durante todo o dia. Estou m
presente nos fins de semana quando vamos à praia e brinco com eles.
M - Nestas ocasiões geralmente não há brigas.
E - Quat é a sua atitude (pai) quando presencia uma briga?
P - Tento apaziguar calmamente, isso é coisa de criança .
.;
M - Por vezes, ele os separa agarrando um ou o outro. E em outras situaç
ele ri. Digo para ele parar de rir, pois isso interferirá na educação das crian
E - Como é o relacionamento de João com você (pai)?
M - É ótimo! Às vezes, acho que ele gosta mais do pai do que de m
Quando seu pai vai fazer alguma coisa, ele quer acompanhá-lo.
P - Não é isso, é porque a mãe fica com a parte mais difícil, com o dia-a-
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E - Como é a adaptação dele a novos ambientes?
M - É muito boa. Logo que ele chega fica meio quieto, mas em seguida já
está brincando com as outras crianças e já nem sei onde ele está. Procuro
sempre verificar se ele não está fazendo algo de mais perigoso. Em ambien-
tes só de adultos ele chega, fica um pouco retraído, mas se conhece alguém
vai conversar e brincar com essa pessoa. Acho que esse comportamento se
deve ao fato de estar na creche. Logo no inicio, quando coloquei-o na cre-
che, houve uma resistência por parte de seu avô. Mas hoje ele mesmo reco-
nhece que foi a melhor atitude a ser tomada.
E - Como é o brincar de João? •
M - Gosta muito de desenhar, jogar bola, andar de bicicleta, adora ir à praia
e à piscina, não sai da água. Na creche também brinca muito com as outras
crianças e adora fazer malabarismo. Eu sou uma pessoa que o incentiva.
P - Quando nós vamos para o Parque da Cidade, ele sobe em árvores, corre,pula corda ... Em casa, costumamos brincar de escrever; com joguinhos de
encaixe e ele sempre me chama para jogar memória. Adora ganhar nesse jogo.
E - Vocês facilitam a vitória dele neste jogo?
M - Não. Cada hora um ganha. Às vezes, estou com a cabeça no mundo da
lua e como ele presta mais atenção, ganha o jogo. Mas quando ganho e digo
para ele, não há problemas.
P - Aceita perder numa boa.
E - Ele pratica algum esporte?
M - Natação, além de se interessar pelo judô e karatê. Às vezes, em casa,
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M - Acho que dos desenhos e filmes que ele assiste. Além do Jornal d
Esportes, que ele assiste e gosta.
E - Como João expressa as suas emoções?
M - Quando está feliz, ri e os olhos chegam a brilhar. Mas quando está co
raiva, chora e briga. É terrível, nem precisa dizer nada.
E - Como vocês agem quando ele faz algo que não corresponde às su
expectativas?
M - Depende do que seja. Às vezes, converso e, em alguns casos, brigo. E
gosto que eles falem a verdade e converso sobre o que é certo ou errado.
P - Comigo estas coisas não acontecem.
E - E as situações de castigo?
M - Fica de castigo e, por maior que seja a raiva que ele sinta, me obedec
P - É, ele é obediente.
E - Em quais situações vocês o colocam de castigo?
M - Alguma coisa que ele faça de terrível em nível de bagunça, ou me agri
fisicamente, coisa que normalmente não acontece.
E - Há situações de promessas para ele?
M - Às vezes. Só prometo o que posso cumprir, pois se não cumprir, eles n
irão mais acreditar em mim. Isso ocorre até mesmo nas situações de ame
ças. Quando ameaço, faço. Certa vez, discuti com João e ameacei jogar fo
uma pacote de pirulitos. Ele duvidou dizendo que eu não faria isso. Pen
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M - Normalmente, não estou presente. E quando presencio, digo para res-
peitar o que a mãe diz.
E - Quando as crianças se afastam quais os comentários de vocês?
M - Ele diz que se não fizer o ameaçado perde o respeito. E quando eu falar
alguma coisa eles não irão acreditar.
P - Às vezes, acho que Xaiane fala e não cumpre, e isso não é bom. É melhor
não falar se não for cumprir, perde o respeito.
E - João se preocupa com a própria higiene?
M - Adora banho. Escova os dentes, mas é preciso mandar. Rói unha e não
sei se é da idade ou se vai continuar. Pede para limpar o ouvido e cortar as
unhas do pé. E quando ele mesmo limpa o ouvido, pede para eu verificar, Opapel higiênico é jogado na cestinha.
E - Ele tem conhecimento do sta tu s familiar?
M - Eu oriento e quando ele pede algum brinquedo pergunta se eu posso com-
prar. Não pede muitas coisas, pois sabe que não trabalhamos por hobby, mas
porque precisamos. Há limites e não liga para marcas de roupas, tênis etc.
E - Demonstra curiosidade sexual?
M - Tem algumas fases em que essa curiosidade aumenta e em outras dimi-
nui. Por enquanto, não perguntou como nasceu. Quando pergunta alguma
coisa, respondo normalmente.
E - Já o presenciou manipulando o próprio corpo?
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crescer vai ficar igual ao pai. Digo que sim, explicando que ele está cresce
do e tudo cresce, os braços, a cabeça ...
E - Qual é a sua atitude (pai) quando presencia o filho manipulando o p
prio corpo?
P - Olho, não digo nada e, às vezes, rio apenas. Evito tomar banho com
filha. Mas, se estiver tomando banho e ela entrar no banheiro por algu
razão, continuo no banho naturalmente e não me escondo. É uma co
normal.
E - A família se interessa por alguma religião?
M - João freqüenta um colégio Batista apesar de eu ser católica. Eu
levo na Igreja e quando eles perguntam sobre alguma coisa ou image
respondo normalmente, dizendo quem é o "papai do céu" ou explican
o que é a história .
.E - João sofreu alguma doença grave?
M - Não. Quando pequenininho teve hidrocele, além da catapora. Se mac
cou, mas não foi nada grave.
E - E acidentes?
M - Não. Nenhum tipo de acidente.
E - Há alguma personalidade dominante na família?
M - O meu pai.
E - Qual é a relação de João com ele?
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Capítulo 2 - Temas em Ps icoterapia Infantil e 6 7
M - Fiquei chateada e achei que não tinha necessidade de ele ter batido
no João. Depois, vi que era uma pessoa mais velha, de geração diferen-
te ... Compreendi.
P - Eu não concordo com essa atitude, já falei.
E - Descreva para mim um dia comum na vida de vocês.
M - Pela manhã João vai para o colégio e depois levo Joana para a creche. Busco
por volta das 18 horas e à noite todo mundo assiste ao jornal antes de dormir.
E - E aos domingos?
M - Vamos para o sítio de uns amigos e eles adoram ver bichos e cavalos.
Vamos ao Barra Shopping, na casa dos tios, jantamos fora, enfim, um fim de
semana nunca é igual ao outro.
E - Se uma fada aparecesse e concedesse três pedidos a João o que vocês
acham que ele pediria?
M - Pedidos para o futuro. Gostaria que ele fosse um grande homem, que
fosse muito instruído e uma boa pessoa.
E - Esses pedidos seriam os dele?
M - Eu não saberia. Talvez se você lhe perguntasse, ele diria quais são.
P - Ele com certeza pediria um canivete, já anda pedindo isso há algum
tempo. Pediria coisas materiais, gosta de brinquedos.
A entrevista com os pais tinha, a princípio, como objetivo explorar o
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6 8 • o Atendimento Infantil na Ótica Fenomenológico-Existencial
Do relato dos pais pode-se perceber como a mãe se encontra afeta
pelas apelações do mundo moderno de família perfeita. Sua fala mostra to
a preocupação em agir como recomendam os manuais de psicologia. Satitude consiste em buscar rapidamente um especialista psi para ter certe
de que nenhum problema de comportamento se instaure no modo de ser
filho. Parece que já teme a culpabilização.
O pai, por sua vez, não se preocupa em seguir os manuais, age c
naturalidade e sensibilidade, não se sente culpado e acredita que João n
tenha nenhum problema.
Em algumas situações, não há concordância dos pais, porém não ocorr
conflitos. E parece que é da mãe que parte a última palavra nos desacordos.
A fim de dar continuidade ao processo, segue-se o encontro com Jo
Dá-se início à sessão livre: assim que João chegou, apresentei-me e
início à entrevista.
E - João, você sabe o que veio fazer aqui? Seus pais lhe falaram alguma coi
J - (Não falou. Apenas sacudiu a cabeça de forma negativa.)
.E - Eu estou aqui para conversar com você. Quer conversar comigo?
J - (Sacudiu a cabeça de forma a dizer "sim".)
E - Também temos brinquedos e jogos, se quiser podemos brincar.
J - (Sacudiu a cabeça em sinal de que preferia brincar.)
E - Nós temos uma hora para brincar. Então, vamos? Por qual brinque
vamos iniciar?
J - (Não falou. Apenas aponta para um jogo que era o Ligue 4.)
E - Sabe como se joga?
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Capítulo 2 - Temas em Ps ico terapia Infantil e 6 9
tal ou vertical ou transversal, toda a coluna com as fichas da mesma cor. (As
fichas eram da cor preta ou laranja.) Ele escolheu as laranjas, mas a cada
nova partida trocava de fichas comigo (por sua própria iniciativa).
Na primeira partida, empatamos, olhou para mim e deu um sorriso tími-
do. Na segunda, perdeu. Não falou nada. Apenas sorriu. Na terceira, ganhou e
sorriu alegremente, sem nada comentar. Na quarta, ganhei, então ele falou:
J - Minhas fichas já acabaram e as suas não. Deu empate. (ele sorriu)
Neste jogo, João demonstrou tolerância à frustração, flexibilidade nas
relações, obediência às regras e controle sobre suas emoções.
Mostrou também sua timidez no início do contato e pouco a pouco foi
se soltando. Nisto consistia a preocupação de sua mãe, pois fora o que acon-
tecera no início das aulas com a mudança de esoola.
E - Bem, de que vamos brincar agora?
J - Com o jogo de montar.
Esse jogo era de madeira para encaixe, que depois de montado trans-
formava-se em um caminhão com carga e um avião.
João montou rapidamente todas as peças, demonstrando agilidade,
rapidez, flexibilidade e boa motricidade.
E - Tem um jogo destes?
J - Não.
E - Então este já está pronto.
J - Vamos brincar com os "homenzinhos"?
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7 0 • o Atendimento Infantil na Ótica Fenomenológico-;: S encial
E - Já foi ao zoológico?
J - Já, mas faz muito tempo.
E - Qual foi o animal que você mais gOStOu.
J - Do jacaré. Ele é verde. Eu sou o potrinho. A minha irmã também.
Mamãe um cavalo de corrida, papai, o gorila. Minha mãe trabalha com o
cavalos e eu vou lá às vezes. Gosto de bichinhos de pelúcia. Na minha
casa, tenho três estantes cheias deles. A minha irmã também gosta e tem
um monte.
E - Brinca com a sua irmã?
J - Brinco. Brigo com ela só quando ela estraga as coisas.
E - E com seu pai?
•J - Meu pai? Ele ganhou medalhas e dois troféus. Ele caça. Meu pai me de
uma espingarda de brinquedo, a de verdade ele não deixa eu usar. Vou com
ele, mas não caço.
E - E o que faz quando vai caçar com seu pai?
J - Eu subo em todas as árvores.
E - Tem amiguinhos?
E - Tem avós?
J - Tenho duas avós e dois avôs. O avô não brinca, ele leva para passear.
J - Tenho no colégio Batista. Também tenho três primos e uma prima. Ele
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Capítulo 2 - Temas em P sicoterapia Infantil e. 7 1
E - Gosta dos animais?
J - Sim, adoro.
E - Tem algum animal em casa?
J - Não, tem lá no sítio.
Na brincadeira com os bonecos, João demonstrou adequação à reali-
dade. Durante o diálogo, revela facilidade de relacionamento, expressandoseus sentimentos e emoções.
J - Vamos brincar de fazer desenho?
Ele desenhou uma casa com árvore, avião, sol, nuvens, chão, bar, praia
e uma barraca de praia. Combinou, muito-bem, as cores.
E - Gosta de praia?
J - Gosto, mas na casa nova em Maricá vai ter piscina. Fica perto da casa da
minha avó. Eu nado na piscina da escola.
E - Costuma passear nos fins de semana? Onde você vai?
J - Na praia, no sítio do meu tio, no Barra Shopping.
E - Qual destes lugares mais gosta de ir?
J - No parque aquático. Lá eu brinco bastante.
E - Gosta de futebol?
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7 2 • o Atendimento Infantil na Ótica Fenomeno ó s!encial
No desenho, demonstrou agilidade criatividade e bom desenvolvi-
mento motor.
E - E agora? De que vamos brincar?
J - De argila.
E - O que é que você faz todos os dias?
J - Vou ao colégio, depois venho para a creche. Minha mãe vem buscar eu
a minha irmã. Ela chega primeiro que eu. Depois vou pra casa, comemos
vamos dormir.
E - Gosta da escola?
J - Gosto. Estudo no Batista.
E - E da professora?
J - É legal. •
E - O que faz no colégio?
J - Brinco, desenho e escrevo.
E - Vai à igreja?
J - Não no Batista. Vou em outra igreja perto da casa da minha avó. Mas s
vou eu, minha irmã e minha mãe. O padre nunca está lá.
E - Acredita em fadas?
J - Não, sei que fadas não existem. Só existe Papai Noel.
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Capítu lo 2 - Temas em P sicoterapia Infantil e 7 3
E - Está faltando um pedido.
J - Um brinquedo da Lego.
Quando começou a brincar, João pegou a argila e um papel e formava
os desenhos em cima da folha. Fez um avião. Depois guardou a argila no
pote, dobrou o papel e limpou as mãos com ele.
Demonstrou criatividade e respeito aos limites nesta brincadeira.
J - Tem o jogo da memória? Eu jogo com a minha mãe. Às vezes, eu ganho
e ela também.
E - Olha, não tenhõ esse jogo, mas não quer escolher outro que tenha aqui?
J - Então este (apontou para o jogo de damas).
J - Eu sei jogar, mas me esqueci. Como é que se joga?
Expliquei e ele aprendeu rapidamente, indo até o final do jogo. Quan-
do fazia uma jogada errada eu corrigia falando, ele voltava atrás e jogava
corretamente. Ficou o jogo todo atento, só falando sobre as jogadas. Ganhou
e ficou feliz. Demonstrou insistência na execução das tarefas, flexibilidade e
obe-diência às regras e limites.
E - João, nosso tempo acabou.
J - Quero voltar outro dia, posso?
E - Pode. Vamos combinar com os seus pais.
J - Quero jogar mais do último jogo.
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7 4 • o Atendimento Infantil na Ótica Fenomenológico-Existencial
Jurandir Freire' aponta para as questões da atualidade, provocando
surpresa ao jornalista que o entrevista, diz este:
"A situação está tão adversa para o amor que o psicanalista JurandiFreire Costa surpreende ao dizer que uma mãe amorosa e boa não é garanti
alguma de que o filho querido se tornará um adulto afetivamente satisfeito
Esses registros afetivos da infância remota, que, segundo Freud e pós
freudianos, estruturam emocionalmente o indivíduo, podem se apagar, s
gundo Jurandir, em terrenos áridos como o da cultura das sensações, qu
substitui aos poucos o culto aos sentimentos pelo culto ao corpo, à boa fo
ma, à juventude, à longevidade e à saúde. Mas não satisfazem a alma".
Pode-se arriscar dizer que esta mãe boa, carinhosa e, acima de tudopreocupada com a saúde mental do filho mantinha o culto à família perfeit
e, para tanto, não podia errar. Para evitar qualquer erro que pudesse esta
ocorrendo em sua conduta com relação ao filho, se apressa em buscar o
conselhos de um especialista.
Em uma psicologia com base na filosofia do existir humano, o esforç
do psicólogo implica uma tentativa de resgatar o sentido do existir, que
perdeu nos critérios da modernidade: superação, perfeição, exatidão, consu
mo, apropriação, valorização 00 ter: acumulação.
O trabalho com esta família deveria, então, se dar em uma tentativ
de, juntos, poderem refletir acerca das apelações do mundo moderno, pa
que possam atuar com serenidade e, então, poderem djzer sim ou não
solicitações da cultura.
Nota
1 Reportagem no Jornal da Família, de O Globo, em 6 mar. 2003.
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B ib l i og ra f i a
AUGRAS, Monique. o ser da compreensão . Petrópolis: Vozes, 1981.
AXLINE, Virgínia. D ibs: em busca de si mesmo. Rio de-Janeiro: Agir, 1989.
COIMBRA, C. M. Guardiães da ordem . Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1995.
FEIJOO, A. M. A escuta e a fala em psico te rapia. São Paulo: Vetor, 2000.
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