o caminho do paciente pela nevralgia do...
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O caminho do paciente pela nevralgia do trigémeo
IASP define
nevralgia do
trigémeo (NT) da
seguinte forma:
«episódios repentinos,
normalmente unilaterais, intensos,
breves, lancinantes e recorrentes de
dor na distribuição de um ou mais
ramos do nervo trigémeo.»1
Eis a descrição que um
paciente faz da dor: «Jantar à luz das
velas com amigos e excelente comida.
De repente, a minha cara divide-se: os
ossos parecem estar a despedaçar-se, a
carne parece estar a ser puxada por
garras incandescentes. Inclino-me para
a frente, a comida cai-me da boca. Os
convidados fitam-me, preocupados e
horrorizados. Não consigo explicar
porque tenho lágrimas a escorrer pelo
rosto. Nem sequer consigo engolir e a
saliva vai-me caindo para o prato.
Limito-me a tentar não gritar. Se me
visse ao espelho, não poderia acreditar
que não há nenhum sinal de ferimento,
nem sangue derramado de um olho.»
Ambas as descrições
sublinham as principais
características da NT, mas a
segunda é muito mais explícita do
que a primeira. Apenas a intrigante
descrição do paciente
pode dar-nos uma ideia da
experiência pessoal da dor
provocada pela NT, ilustrando o
sofrimento e o medo que
acompanha o primeiro ataque,
recordado por muitos pacientes
devido ao seu início dramático.
A NT tem um enorme impacto
psicológico, mas são poucos os
artigos académicos que salientam o
modo como afeta a qualidade de
vida.2 A NT é uma doença
neuropática com manifestações
clínicas únicas; é também uma das
poucas doenças de dor crónica em
que a medicação ou a cirurgia
podem eliminar 100% da dor.3 Por
este motivo, é crucial que seja feito
o diagnóstico correto, para que os
doentes possam, assim que
possível, seguir um tratamento
geralmente aceite.4,5 As descrições
verbais e visuais apresentadas pelos
pacientes proporcionam uma
vivacidade e um grau de pormenor
que não se encontram nos critérios
médicos gerais de classificação.
A consideração desses relatos
poderá ajudar a melhorar a
velocidade e a exatidão do
diagnóstico, bem como a
referenciação adequada.
A presente edição de Pain:
Clinical Updates (Dor: Atualizações
Clínicas) explora a NT através dos
olhos, ouvidos e vozes dos
pacientes, juntamente com as
nossas orientações clínicas baseadas
em dados. Recolhemos estas
histórias, descrições e imagens
através de grupos-alvo, correios
eletrónicos específicos, reuniões de
grupos de apoio a doentes e de um
projeto fotográfico.
Para recolher material para o
seu livro, Insights—Facts and Stories
Behind Trigeminal Neuralgia
(Perspetivas — Factos e Histórias
por trás da Nevralgia do
Trigémeo),6 Joanna Zakrzewska,
especialista em dor orofacial,
convidou pacientes com NT a
participar em grupos-alvo no Reino
Unido e nos Estados Unidos. As
sessões foram registadas e
transcritas. Os pacientes do grupo-
alvo norte-americano também
enviaram, por email, relatos sobre
os processos de diagnóstico, os
sintomas e o impacto da doença nas
suas vidas e nas vidas dos seus
familiares e amigos.
Outra importante fonte de
informação foi o projeto face2face,
com sede em Londres, e que reuniu
a Medicina e a Arte. A fotógrafa
Deborah Padfield trabalhou
individualmente com um grupo de
pacientes de dor facial, incluindo
três com NT, a fim de criar imagens
e gravações de áudio da sua dor e
do seu impacto em três momentos
do tratamento: antes, durante e
após a gestão da dor. Este arco de
tempo permitiu que as imagens
representassem as alterações
vividas pelos pacientes na sua
perceção da dor. As imagens
também proporcionaram relatos e
emoções fundamentais para os
debates.
O longo caminho até ao
diagnóstico: uma história
comum
Um dos maiores problemas
enfrentados por médicos e
pacientes é a dificuldade em chegar
a um diagnóstico definitivo. A NT é
rara, pelo que um médico poderá
ver apenas três ou quatro casos ao
longo da carreira. Apesar de os
principais sintomas de diagnóstico
da NT, tal como definidos pela
IASP1 e pela Classificação
Internacional de Cefaleias (ICHD,
na sigla inglesa),7 parecerem claros,
verifica-se uma sobreposição
considerável entre esses sintomas e
os de outras cefaleias trigemino-
autonómicas, bem como dor facial
unilateral idiopática persistente,
disfunções temporomandibulares e
dor dentária.8 Drangsholt e
Truelove salientam os problemas
relacionados com o diagnóstico,
indicando que a maioria dos
pacientes que frequenta a sua
clínica terciária especializada em
dor facial foi, anteriormente, mal
diagnosticada e submetida a
tratamentos ortodônticos
irreversíveis, apesar da presença de
características clássicas da NT.8
Os distúrbios dentais, como, por
exemplo, abcessos periapicais,
podem provocar dor idêntica à da
NT. Tanto dentistas como pacientes
têm razão em tomar inicialmente
em consideração esses distúrbios
extremamente comuns. Contudo,
os dentistas não devem realizar
procedimentos irreversíveis se a
história clínica do paciente, o
exame e as investigações forem
equívocas ou incoerentes. Por outro
lado, os profissionais de cuidados
de saúde primários sabem muito
pouco sobre as causas da dor facial,
podendo, em geral,
sobrediagnosticar a NT por ser o
único diagnóstico com que estão
familiarizados.
Um estudo recente sobre a
prevalência da dor facial em
clínicas gerais neerlandesas
verificou que, depois de os
especialistas terem analisado as
notas e colocado questões
adicionais ao médico, 48% dos
casos haviam sido diagnosticados
incorretamente como NT. O valor
preditivo positivo foi de 57,3% para
NT em comparação com 83,7% para
nevralgia pós-herpética.9
Para ter em conta a
necessidade de mais do que um
episódio de dor, Koop-man et al9
incluíram apenas os pacientes com
uma história clínica de, pelo menos,
um ano, sugerindo que o tempo
ajuda a melhorar a probabilidade
de diagnóstico correto.
Drangsholt e Truelove8
demonstraram que, se os sintomas
causados por estímulos não
nociceptivos desencadearem uma
dor aguda e lancinante com a
duração de poucos segundos e que
se os opiáceos não reduzirem
adequadamente a dor, existe a
probabilidade de 81% de se tratar
de um caso de NT e não de dor
pulpar ou temporomandibular.
Os testemunhos que se
seguem dão conta de situações
comuns:
«Na consulta, o dentista
examinou-me e fez-me um raio-X
completo à boca. Mostrou-se seguro de
que NÃO se tratava de NT e de que era
uma situação exclusivamente
dentária.»
Quando se apercebem de que
foram mal diagnosticados, os
pacientes iniciam o longo processo
de consulta de especialistas
otorrinolaringologistas e
maxilofaciais —sendo que tanto
uns como outros poderão
desconhecer esta doença rara —
antes de, finalmente, chegarem a
um neurologista ou neurocirurgião
com experiência na gestão da NT.
Frequentemente, os pacientes com
seguros de saúde privados
depressa consultam numerosos
profissionais de saúde.
Um paciente encontrou um
neurologista que identificou a
doença, mas que não reconheceu o
seu grau de gravidade nem a
necessidade urgente de tratamento:
«Após um exame aprofundado, o meu
neurologista afirmou estar convencido
de que se tratava de NT e que o
próximo passou seria fazer uma
ressonância magnética. Tive de esperar
mais seis meses para a fazer. Fiquei
abatido perante a ideia de ter dores
todos os dias antes sequer de passar à
fase seguinte do tratamento. Recebi os
resultados da ressonância e, claro, não
tinham encontrado nada. O
neurologista escreveu-me a dizer que
não era preciso marcar nova consulta.»
Durante este processo, os pacientes
poderão experimentar uma
panóplia de analgésicos —
fármacos anti-inflamatórios não
esteroides, opiáceos e calmantes —
sem qualquer efeito sobre a dor.
Não surpreende, assim, que alguns
pacientes sintam estar a endoidecer
e se isolem cada vez mais. «Todos os
médicos que consultei fizeram-me
sentir como se eu estivesse louco.
Alguns ficavam sentados a fitar-me.
Muitos outros faziam-me sentir que
estava sozinho, que não havia nada que
pudesse ajudar-me e que eu iria passar
o resto da vida nesta tortura.»
O diagnóstico correto
da NT
A principal forma que um
profissional de saúde tem de fazer
um diagnóstico correto é recebendo
(e não anotando) uma história
clínica aprofundada. Para tal, é
necessário conceder aos pacientes
tempo para o fornecimento das
primeiras informações.10,11 É
importante permitir que os
pacientes contem a sua história
pelas suas palavras. Como David
Loxterkamp afirma, «é preciso
tempo — tempo cara a cara — para
olhar para os rostos dos pacientes e
não para o relógio ou o
computador.»12 Como William
Osler dizia aos seus alunos há um
século: «Escutem o paciente: ele
está a dizer-vos o diagnóstico.»
Perante a ausência de testes de
diagnóstico objetivos para a NT
idiopática, a escuta continua a ser a
única ferramenta fiável. Pelo
contrário, os exames e os raios-X
melhoram o diagnóstico da dor
dental. A fase de diagnóstico deve
incluir uma ressonância magnética
ou, pelo menos, uma tomografia
computorizada para excluir NT
secundária a tumores ou outras
causas compressivas e para revelar
placas indicadoras de esclerose
múltipla. Na NT clássica, as
ressonâncias magnéticas de alta
resolução indicam a presença de
compressão neurovascular do
nervo trigémeo na fossa posterior.
A forma como o
diagnóstico afeta os
pacientes
O diagnóstico tem um efeito
dramático sobre os pacientes.
Apesar do alívio de descobrir que a
sua dor tem um «rótulo», os
pacientes poderão não aceitar
facilmente que, em alguns casos,
não há cura, restando apenas o bom
controlo da dor e aprender a viver
com a doença. No caso de alguns
pacientes, mas não em todos, a
cirurgia elimina por completo a dor
e devolve uma elevada qualidade
de vida.
Os médicos de clínica geral
que se deparam pela primeira vez
com a NT costumam ter dificuldade
em compreender o sofrimento físico
e a fragilidade emocional dos
pacientes afetados por esta doença
devastadora. Os pacientes que
procuram informação na Internet
acabam por ficar mais angustiados;
é o exemplo deste paciente, que,
depois de ter lido duas definições
na Internet, afirmou o seguinte:
«O PROGNÓSTICO da NT era
alarmante! Não encontrei boas notícias
em nenhuma das descrições, nada: a
NT só piora, os períodos de remissão
tornam-se mais curtos e acabam por
deixar de existir. A pior coisa foi a
natureza rara da NT: quem mais a
tem? Com quem posso partilhar o
horror dos meus receios?»
Com o primeiro ataque, de
repente, o paciente é obrigado a
enfrentar uma dor agonizante para
a qual não há, aparentemente,
alívio, resultando, muitas vezes, em
isolamento social e a perda do
emprego: «Isolamento, depressão e
medo são apenas algumas das emoções
que tento gerir.»
Durante episódios graves, o
paciente é, frequentemente, incapaz
de trabalhar, pela dor ou pelos
efeitos secundários dos
medicamentos receitados. Pode ser
difícil obter prestações dos seguros,
em virtude da raridade da NT e da
direção incerta que a doença toma.
Em alguns países, o regime de
benefícios sociais não está
estruturado de forma a permitir
períodos variáveis de remissão em
que o paciente pode optar por
trabalhar: «Estava falido. Fui
“dispensado” do trabalho. Tinha tanto
medo de ser despedido que voltei ao
trabalho cedo de mais e tive múltiplas
recaídas.... Os 237 dólares mensais que
recebia da segurança social não eram
suficientes para sobreviver, em lado
nenhum. Vivia dia a dia, sem nunca
saber onde iria dormir à noite.»
A gravidade e a natureza
incessante da dor conduzem à
depressão: «É uma doença que destrói
a vida que uma pessoa levava antes; o
nome alternativo da NT, a “doença do
suicídio”, não poderia ser mais
apropriado»; «Queria pôr termo à vida,
mas via o meu marido, que se sentia tão
inútil apesar de estar desesperadamente
a tentar ajudar-me a lutar contra a
doença, e tinha de aguentar.»
Mesmo quando conseguem
controlar a dor, os pacientes vivem
no medo do seu regresso: «Mesmo
agora que estou em remissão, lá no
fundo, quando mastigo uma torrada ou
lavo os dentes, penso “é melhor ir com
calma, pelo sim, pelo não”.» «A dor
provoca um grande receio de perder o
controlo e, claro, há o medo das dores
terríveis.»
Os pacientes perdem a
confiança e o controlo sobre as suas
vidas: «É um inferno. Foi a pior coisa
que já me aconteceu. A dor levou-me a
vida.»
Os familiares têm dificuldade
em ajudar: «O meu marido odeia esta
doença; sente-se impotente e revoltado
contra a doença.»
Os pacientes precisam de
empatia e de apoio: «Preciso muito
de ajuda, de alguém que compreenda,
de alguém que já tenha passado por este
problema. As pessoas na minha
situação precisam de muita
compreensão, de muita atenção, de
muito consolo, também.»
A gestão da dor
Após um diagnóstico correto,
torna-se então possível começar a
controlar a dor. De novo, é
essencial que o médico saiba
escutar, pois é possível que ocorra
um «erro de diagnóstico das
preferências» do paciente.13 Este
poderá avaliar os riscos, benefícios
e efeitos secundários das diversas
opções de uma forma muito
diferente da do médico. A primeira
abordagem baseia-se em fármacos.
Há muito tempo que a
carbamazepina é o padrão de ouro,
mas encontra-se disponível uma
grande variedade de
medicamentos; encontram-se
informações sobre o seu uso em
publicações da Cochrane
Collaboration,14,15 Clinical
Evidence16 e em orientações
internacionais.4,5 «Enquanto a
medicação com Trileptal
[oxcarbazepina] consegue manter
afastados os demónios adormecidos
dentro dos meus nervos trigémeos, levo
uma vida boa. Até que a medicação
perde o efeito e é preciso aumentar [a
dose] ou começar a combinar uma série
de medicamentos.»
Todos estes fármacos têm
efeitos secundários que, em alguns
casos, impedem a sua utilização;
em geral, também, tornam-se
menos eficazes no controlo da dor à
medida que a doença evolui.
«Comecei a ter dificuldades graves em
tocar o violino. Não conseguia lembrar-
-me de melodias inteiras; dispersava-me
a meio da melodia e os meus
companheiros de banda começaram a
queixar-se da lentidão dos meus
andamentos.»
«Não podia tomar fenitoína nem
carbamazepina, pois fazia reação
alérgica grave a esses dois
medicamentos, incluindo uma erupção
cutânea em todo o corpo com o aspeto
de uma queimadura solar grave
inchaço na cara e nos membros e
descamação da pele das plantas dos pés
e das palmas das mãos.»
É importante que os pacientes
aprendam a usar os medicamentos
com a máxima eficácia, mas
também que possam controlar a
dosagem. Dar um maior controlo
aos pacientes reduz o seu medo,
como demonstra a secção
«Nevralgia do trigémeo: o relato de
Anne».
A opção da cirurgia
Quando os fármacos deixam de
proporcionar alívio, estão
disponíveis várias opções
cirúrgicas. É importante avaliar as
reações do paciente perante cada
opção e ter em consideração as suas
preferências.12 As opções incluem
procedimentos percutâneos ao
nível do gânglio de Gasser, que são
destrutivos. A compressão por
balão, a injeção de glicerol ou a
termocoagulação com
radiofrequência e a cirurgia com
gamma knife (ao nível da raiz do
nervo) proporcionam alívio da dor
em 70% dos casos durante cinco
anos, no máximo, mas poderão
provocar dormência facial.18
O procedimento com mais
sucesso, que proporciona alívio a
70% dos pacientes durante 10 anos,
é a descompressão microvascular
do nervo, um procedimento não
destrutivo. Este procedimento
implica uma grande neurocirurgia,
não sendo adequado para todos os
pacientes; apresenta uma taxa de
mortalidade de 0,5% e um risco de
2% de perda de audição.19 No
entanto, o nível de satisfação após
esta operação é elevado.20 Os emails
dos pacientes refletem os resultados
positivos:
«Estava um pouco relutante
relativamente à cirurgia, pois nunca
tinha sido submetido a uma grande
cirurgia, mas agora, após a operação,
quando me lembro das dores que sofria,
sinto-me muito aliviado.»
«Fiquei muito contente por poder
comer uma sanduíche e um pouco de
gelado meia hora depois da operação...
A dor provocada pela NT tinha
desaparecido por completo.»
«Na minha opinião, esta operação
é mais receada do que o necessário.
Certamente, não é uma pequena
cirurgia, mas, quando as dores são tão
intensas, é algo por que quase
ansiamos. Senti que recuperei a minha
vida. Quando parei a medicação para a
NT, a minha memória e energia
regressaram gradualmente ao normal.
Foi como se uma pessoa de 70 anos
voltasse a ter 36!»
As imagens criadas durante o
projeto face2face refletem os
caminhos de sucesso de três
pacientes: Anne, Alison e Chandra.
Os testemunhos foram retirados
das gravações de áudio realizadas
durante workshops individuais.
Procurar ajuda
As organizações de apoio
disponibilizam informações que
permitem ao paciente colaborar
com o médico na elaboração do
plano de tratamento. Permitem
também o contacto com outros
pacientes através de fóruns online,
livros,6,21 reuniões e conferências.22
Os pacientes podem oferecer
empatia, compreensão, informação
e ajuda na interpretação de parte do
jargão médico usado nas consultas.
A participação nesses grupos pode
inspirar maior confiança, tão
importante no caminho para a
recuperação.12
«O grupo de apoio local que
encontrei online foi fabuloso. Que bom
poder sentar-me num grupo de
estranhos e saber que não estou só.
Todos temos um tipo de dor facial
debilitante e todos sabemos aquilo por
que cada um está a passar. É esse o
maior presente no meio desta confusão:
conhecer pessoas pacientes, generosas e
encantadoras que sentem a minha
dor!»
Contributos
Joanna Gardner, paciente com NT
e, durante vários anos,
colaboradora da linha de
assistência por email da TNA UK
(Associação de Nevralgia do
Trigémeo do Reino Unido),
elaborou o artigo original sobre este
tema há alguns anos. As histórias
dos pacientes foram obtidas a partir
dos seus contributos para o livro da
Prof. Joanna Zakrzewska, Insights,
de correios eletrónicos e de fóruns
da TNA UK. A Prof. Zakrzewska
realizou este trabalho na
UCL/UCLHT, tendo recebido uma
parte do financiamento do NIHR
Biomedical Research Centre do
Departamento de Saúde. O projeto
face2face foi uma colaboração entre
a Dr. Deborah Padfield e
a Prof. Zakrzewska, juntamente
com pacientes e médicos de gestão
da dor. O projeto recebeu
financiamento de AHRC, Arts
Council England, pequenas bolsas
de UCH, Derek Hill Foundation e
apoio da National Portrait Gallery
London, Paintings in Hospitals e da
Menier Gallery, LAHF, UCLH,
UCL e da Slade School of Fine Art.
Para mais informações sobre a
globalidade do projeto, visite
www.ucl.
ac.uk/slade/research/student/archived-
research/mphil-phd-research/project-9.
Para informações sobre um projeto
de continuação, «Pain: Speaking the
Threshold», visite
www.ucl.ac.uk/slade/research/staff/cur
rent-research/project-14.
O desafio do diagnóstico da nevralgia do trigémeo Mark T. Drangsholt, DDS, MPH, PhD
A nevralgia do trigémeo (NT) é um distúrbio único entre
as doenças da dor, caracterizando-se por uma dor
semelhante a um choque elétrico que pode durar entre
poucos segundos a dois minutos, normalmente,
desencadeada por um leve toque, movimento ou correntes
de ar. Ao mesmo tempo, é desconcertante que esta doença
seja, tantas vezes, diagnosticada incorretamente; com
efeito, para a NT, o atraso no diagnóstico é medido em
anos e não meses.22 Referido na literatura há várias
décadas, e apesar da formação, de artigos e de apelos de
autores, este atraso não registou qualquer diminuição.
Como é isto possível? Serão os médicos ignorantes ao
ponto de não identificarem esta doença? As consequências
do erro de diagnóstico podem ser, como revela o artigo da
Prof. Joanna M. Zakrzewska, verdadeiramente desastrosas
e causar um sofrimento indescritível.
Grande parte do problema reside no desafio
numérico de identificar uma doença rara entre doenças
muito mais comuns. A incidência da NT na população
geral situa-se entre 3,4 e 5,9 por 100 000 pessoas ou cerca
de 0,005%.23 Entre as pessoas que procuram ajuda, este
valor poderá ser mais elevado, mas não de modo
significativo. Um médico de clínica geral, um dentista não
especializado ou um enfermeiro poderão ver um caso de
NT no período de cinco a 10 anos, isto é, se o diagnóstico
for o correto.
Devido a esta baixa prevalência no contexto dos
cuidados primários, mesmo que tivéssemos um
biomarcador 99% sensível e 99% específico, o valor
preditivo positivo (VPP) do teste (a probabilidade de ter a
doença se o teste for positivo), com uma prevalência de
0,01% (um valor irrealisticamente alto), seria de
aproximadamente 1% (cf. a figura da página 8). O VPP é
tão baixo, porque depende em grande medida da
prevalência, ao passo que a sensibilidade e a
especificidade não.
Recorrendo à linguagem coloquial, este fantástico
teste só teria 1 em 100 hipóteses de demonstrar um caso de
NT, se fosse, de facto, esse o caso. Este problema de
identificação de doenças raras na população geral é uma
das principais razões pelas quais não se advogam,
geralmente, testes de rastreio de doenças raras.
O que fazer, então, para reduzir o risco de erro de
diagnóstico? Uma das estratégias é a referenciação dos
pacientes mais complexos para clínicas especializadas ou
de cuidados terciários. Mesmo que esses médicos não
sejam mais competentes no diagnóstico destas doenças
especiais, do ponto de vista numérico, com a prevalência
mais elevada (por exemplo, 1%) em resultado do
reencaminhamento de mais casos de NT para uma clínica
de dor, o mesmo teste feito numa clínica de especialidade
será muito mais eficaz na identificação de um caso,
porque a prevalência e o valor preditivo positivo
concomitante (cerca de 50%) são muito mais altos (cf.
figura infra).
Simultaneamente, o médico especialista, em razão de
um maior volume de casos de NT, está mais familiarizado
com o padrão e as nuances, podendo desenvolver
competências para detetar variantes atípicas de NT que
um médico com menos experiência não seria capaz de
identificar. Deste modo, tendo em vista uma boa prestação
de cuidados médicos, é fundamental que haja redes de
referenciação bem definidas de pacientes com doenças de
dor mais raras.
Há algo mais que possamos fazer? São necessários
cursos de formação e atualização destinados a todos os
níveis de prestadores de cuidados de saúde, sob a forma
de tutoriais realistas e modernos, baseados no estudo de
casos. Finalmente, note-se que, na NT, mesmo sem o
desejado biomarcador sérico referido, os relatos são tão
intensos que acabam por ter níveis de elevada
sensibilidade e especificidade semelhantes a
biomarcadores. A próxima vez que um paciente se queixar
de dores semelhantes a choques elétricos com a duração de
segundos sem provocação, numa estrutura orofacial
geralmente saudável, pense mais além e considere adiar
procedimentos invasivos e procurar uma referenciação
adequada.
Mark T. Drangsholt
Professor e Catedrático
Departamento de Medicina Oral
University of Washington
Email: drangs@uw.edu
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