o corpo e o discurso: o que dizem as ementas dos cursos de ... o corpo e o discurso o... · não é...
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O CORPO E O DISCURSO: O QUE DIZEM AS EMENTAS DOS CURSOS DE
LICENCIATURA NA FACULDADE DE EDUCAÇÃO DA UFRJ
Ana Patrícia da Silva (UFRJ)1
RESUMO:
Este artigo teve como objetivo buscar a presença do corpo nos discursos das ementas do
curso de formação de professores da Faculdade de Educação da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, e também fazer uma reflexão a respeito de qual tipo corpo é tratado
por essas políticas. No que tange a análise textual das ementas tendo a categoria “corpo”
como entrada para dialogar com as mesmas, não foi encontrada muitas possibilidades de
análise. A palavra corpo só foi encontrada nas ementas no sentido de equipe, grupo,
como por exemplo: Condições de trabalho do corpo docente. A pesquisa foi organizada
em sessões distintas, sendo elas: Corpo e Educação, O controle dos corpos na escola e O
corpo nos discursos das ementas do curso de formação de professores. Foi realizada
uma análise crítica dos discursos (FAIRCLOUGH, 2008) das ementas, de forma
interpretativa nos seguintes tópicos: - os pressupostos de cada ementa; - lexicalização –
intertextualidade manifesta – interdiscursividade e na análise social mostrar a
hegemonia da cognição. Os resultados expressam que o silenciamento do discurso do
“corpo” pode apontar para preceitos da formação cartesiana, que privilegia a cognição.
O estudo conclui que no caso específico da análise das 29 disciplinas obrigatórias que
compõem o currículo da formação de professores, apenas uma se dedica às relações do
corpo com a educação que foi incorporada ao currículo há apenas dois anos, não
possibilitando ainda seu impacto na formação discente.
PALAVRAS-CHAVE: corpo, educação, análise crítica do discurso.
1- Introduzindo a questão
Este artigo trata de um universo dúbio: o universo do corpo. Falar desse universo
não é outra coisa senão falar do ser humano. É pensar o humano a partir das práticas
culturais voltadas ao corpo, sobre as formas que os seres humanos constroem seus
modos e costumes, seus valores, suas técnicas corporais, suas práticas de alimentação,
saúde, sexo e educação (SOARES; 2007).
Nesse sentido, os corpos podem traduzir, revelar e evidenciar formas bem
precisas de educação, modos bastante sutis de inserção de indivíduos e grupos em cada
sociedade, através de formas múltiplas de socialização.
Este artigo teve como objetivo buscar a presença do corpo nos discursos das
ementas dos cursos de formação de professores da Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, uma vez que o texto é considerado aqui como
uma dimensão do discurso (FAIRCLOUGH, 2008 p.21), ou seja, o texto é o material
empírico da análise do discurso. Além de, fazer um diálogo com a disciplinarização dos
1 Licenciada em Educação Física, mestre e doutora em Educação – UFRJ.
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corpos (FOUCAULT, 2009) e a escola, diálogo esse entendimento como movimento
discursivo.
O artigo trabalho foi dividido sessões distintas, sendo elas: Corpo e Educação,
que teve por objetivo fazer um breve histórico desta relação, O controle dos corpos na
escola cujo objetivo foi mostrar o poder disciplinador dos corpos (corpos dóceis) e O
corpo nos discursos das ementas do curso de formação de professores cujo objetivo foi
colocar em prática a análise crítica do discurso (FAIRCLOUGH, 2008) nos seguintes
tópicos: - os pressupostos de cada ementa; - lexicalização – intertextualidade manifesta
– interdiscursividade e na análise social mostrar a hegemonia da cognição.
2- O CORPO NO CONTEXTO EDUCACIONAL
Em nosso cotidiano, muito ouvimos que o ser humano é constituído por mente
(razão, lógica, pensamento), sentimento (sensações, „espiritualidade‟, desejos) e corpo
(ossos, músculos, etc). Os pressupostos presentes em nossa sociedade, hierárquicos e
meritocráticos, ensinam a considerar o corpo menos importante, potencialmente em
situação de pecado e degradação.
Querendo narrar outras formas de entender o ser humano, questionamos esta
forma fragmentada, reduzida, e tentamos compreender o homem em sua totalidade.
Maturana (2001) e Freitas (1999) convidam a ampliar os aspectos sobre o „corpo‟, pois
este:
[...] se constrói no emaranhado das relações sócio-históricas e que traz em si a
marca da individualidade – não termina nos limites que a anatomia e a
fisiologia lhe impõem. Ao contrário, estende-se por meio da cultura, das roupas
e dos instrumentos criados pelo homem (FREITAS, 1999:53).
Segundo Soares (1994), o pensamento estereotipado, que hoje temos sobre
corpo, tem suas bases no início do século XVIII - principalmente na Europa; é o
momento em que a ciência começa a predominar na organização da vida em sociedade.
Nesta época, as concepções biológicas prevalecem sobre as sócio-históricas - assim,
sobre o corpo que, na organização curricular da instituição escolar, predominava a
imobilidade e o silêncio, inicia-se um processo de incluir determinadas formas, tempos
e movimentos: os Métodos Ginásticos. Soares (1998: 18) nos diz que:
[...] a ginástica passa a ser vista como prática capaz de potencializar a
necessidade de utilidade das ações e dos gestos. Como prática capaz de
permitir que o indivíduo venha internalizar uma noção de economia de tempo,
de gasto de energia e de cultivo à saúde como princípios organizadores do
cotidiano.
Os Métodos Ginásticos representam a primeira maneira organizada,
sistematizada da instituição escolar incidir sobre o corpo dos estudantes. Algumas fotos,
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pinturas e desenhos desta época registram e estimulam as formas e os gestos previstos,
esperados, planejados.
A abertura para se pensar o corpo no meio escolar brasileiro, assim como na
Europa, veio através da Educação Física, e isso deveu-se à influência de vários médicos
e intelectuais que a vislumbravam enquanto um método capaz de garantir, ao mesmo
tempo, dois fatores básicos e indispensáveis à condição humana: saúde e educação.
Ressalta-se que esta “condição humana2” de ter saúde e educação estava diretamente
relacionada com o crescimento rápido e desordenado das cidades.
Nesta perspectiva, a escola é o local privilegiado para o início de sua atuação –
principalmente, quando as camadas populares reivindicam, pressionam pela expansão
do ensino institucionalizado, o qual se faz necessário à vida que se organiza nos centros
urbanos. A educação do corpo coloca-se como uma prática autoritária capaz de alterar a
saúde, os hábitos e a própria vida dos indivíduos, “um corpo disciplinado é a base de
um gesto eficiente” (FOUCAULT, 2009 p 147).
A seguir uma breve reflexão, sem ter a pretensão de abordar a fundo o controle
dos corpos no ambiente escolar.
2.1 - O CONTROLE DOS CORPOS NA ESCOLA
Norbet Elias ensina-nos em suas duas obras, O processo civilizador (2 volumes)
e A dinâmica do ocidente, como desde A civilidade pueril, de Erasmo de Roterdam, um
sistema de controle público que diz respeito às boas maneiras e aos bons hábitos como:
à sexualidade, à nudez, ao ato de defecar, à urina, aos arrotos, as flatulências (GLEYSE;
2007).
Há uma afirmação de Foucault (1984) bastante adequada para pensar a educação
do corpo, “cada época elabora sua retórica corporal”. Desta maneira, todas as marcas, as
formas, as eficácias e os funcionamentos dos corpos se transformam, mudam com o
tempo, subvertem-se, substitui-se e suas representações deslocam-se.
Esse conjunto de reformulações econômicas, sociais, políticas e culturais que
colaboraram para modificar os interesses e preocupações na forma como esse controle
era realizado, contribuindo para a transformação de uma série de usos e práticas
relacionados ao corpo nas mais diferentes instituições, entre elas a escola, nesse sentido
cabe ressaltar “o poder disciplinar como uma nova atitude diante do sujeito, sobretudo
2 ARENDT, Hanna. A condição humana. SP: Forense Universitária, 2005
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em relação a politização do corpo. O corpo ou os corpos são objeto dessa tecnologia
disciplinar” (VILAÇA, 2009).
Para Foucault (2009) as práticas de controle corporal ressaltam a utilização
estratégica do espaço com intuito do controle dos corpos. Para esse autor as disciplinas,
a organização das salas, a disposição das carteiras, as filas originam espaços complexos
que são utilizados como uma das estratégias utilizadas no controle e conformação dos
corpos. Nesse sentido, cria-se uma rigorosa e eficiente distribuição dos indivíduos pelo
espaço, que se orienta por diversas técnicas disciplinares:
São espaços que realizam a fixação e permitem a circulação; recortam
segmentos individuais e estabelecem ligações operatórias; marcam lugares e
indicam valores; garantem a obediência dos indivíduos, mas também uma
melhor economia do tempo e dos gestos. São espaços mistos: reais pois que
regem a disposição dos edifícios, de salas, de móveis, mas ideais, pois
projetam-se sobre essa organização caracterizações, estimativas, hierarquias.
(FOUCAULT, 2009 p.142-143)
Para Foucault (2009), o ambiente escolar se tornou homogêneo e passou a ser
composto por indivíduos que estavam sempre seguidos e controlados pelo olhar do
professor. Nesse sentido, Rago (2007) aponta em um estudo profundo da sociedade
disciplinar, que esta na verdade é a sociedade totalitária por excelência e também é
produtiva.
Após uma breve reflexão a respeito das análises foucaultianas, é possível constatar que, da forma
como o processo de disciplinarização ocorre, não sobra aos indivíduos outra opção senão a de se adequar
e se conformar aos mecanismos de controle. Norbert Elias e Eric Dunning contextualizam esse
mecanismo de controle ao afirmarem que “o esporte é uma continuação do processo de civilização dos
costumes” (GLEYSE; 2007) e o mesmo está presente no universo escolar.
3 - O CORPO E OS DISCURSOS DA EMENTAS DO CURSO DE FORMAÇÃO
DE PROFESSORES (FE-UFRJ)
Para pesquisar o corpo nas ementas do curso de formação de professores
supracitado fez-se necessário uma introdução a respeito da maneira que entendemos o
corpo e como ele vendo sendo utilizado como instrumento de controle e adestramento
humano no processo civilizatório e no contexto escolar. No entanto, o que sustenta a
análise do discurso do texto das ementas são os recortes empreendidos no que diz
respeito à categoria corpo.
De acordo com Pedrosa (2010), Fairclough ao trabalhar com a análise crítica do
discurso sugere uma análise tridimensional, explicando que qualquer evento ou exemplo
de discurso pode ser considerado, simultaneamente, um texto (análise lingüística), um
exemplo de prática discursiva (análise da produção e interpretação textual) e um
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exemplo de prática social (análise das circunstâncias institucionais e organizacionais do
evento comunicativo).
3.1 - CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO E CORPUS DA ANÁLISE
Para contextualizar a análise crítica dos discursos é importante explicitar as
condições da pesquisa de campo. Nesse sentido, é importante ressaltar que as ementas
do curso de formação de professores FE-UFRJ3 estão disponíveis para todos os alunos
no site da Faculdade de Educação, não representando nenhuma dificuldade para a
pesquisa. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, pois, a análise dos dados foi realizada de
forma interpretativa.
As ementas das disciplinas obrigatórias foram listadas em dois grupos distintos,
sendo o primeiro grupo composto por ementas completas das disciplinas4 e o segundo
apenas por títulos de ementas que não apresentam descrição5.
3.2 - ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO DAS EMENTAS
No que tange a análise textual das ementas tendo a categoria “corpo” como
entrada para dialogar com as mesmas, não encontrei muitas possibilidades de análise. A
palavra corpo só foi encontrada nas ementas no sentido de equipe, grupo, como por
exemplo: “Condições de trabalho do corpo docente”.
3 Disponível em: http://www.educacao.ufrj.br/ensino/graduacao/ccord_pedagogia/index.php. Acesso em:
15 01 2010
4 Abordagens Didáticas em Educação de Jovens e Adultos (60h – 4 cr), Alfabetização e Letramento (60h
– 4cr), Arte-Educação (45h – 2cr), Avaliação no Processo Ensino-Aprendizagem (60h – 4cr), Bases
Biológicas da Aprendizagem (60h – 4cr), Concepções e Práticas em Educação Infantil (60h – 4cr),
Currículo (60h – 4cr), Didática (60h – 4cr), Didática das Ciências da Natureza (60h – 4cr), Didática das
Ciências Sociais (60h – 4cr), Didática da Língua Portuguesa (60h – 4cr), Didática da Matemática (60h –
4cr), Educação Brasileira (60h – 4cr), Educação Comparada (60h – 4cr), Educação e Comunicação (45h –
3cr), Educação e Novas Tecnologias (45h – 2 cr), Educação e Trabalho (60h – 4cr), Educação Popular e
Movimentos Sociais (60h – 4cr), Filosofia da Educação no Mundo Ocidental (60h – 4cr), Fundamentos
Sociológicos da Educação (60h – 4cr), História da Educação Brasileira (60h – 4cr), História da Educação
no Mundo Ocidental (60h – 4cr), Informática Aplicada à Educação (60h – 4cr), Introdução à Educação
Especial (60h – 4cr), Metodologia da Pesquisa em Educação (60h – 4cr), Organização do Trabalho
Pedagógico (45h – 3cr), Pesquisa em Educação (60h – 4cr), Planejamento de Currículo e Ensino (60h –
4cr), Planejamento e Avaliação de Sistemas Educacionais (60h – 4cr), Políticas Públicas em Educação
(60h – 4cr), Prática de Ensino em Educação Infantil (180h – 8 cr), Prática de Ensino em Educação de
Jovens e Adultos (180h – 8 cr), Prática de Ensino em Magistério das Disciplinas Pedagógicas do EM
(180h – 8 cr), Prática de Ensino em Séries Iniciais do EF (180h – 8 cr), Psicologia do Desenvolvimento e
Educação (60h – 4cr), Psicologia da Aprendizagem e Educação (60h – 4cr), Psicopedagogia e Educação
(60h – 4cr), Questões Atuais da Educação Brasileira (60h – 4cr), Sociologia da Educação Brasileira (60h
– 4cr).
5 Antropologia na Educação (60h – 4cr), Técnicas de Controle Vocal (45h – 2cr), Introdução ao
Pensamento Científico (60h – 4cr), Linguagem Corporal na Educação (45h – 2cr).
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Tal acepção do corpo no sentido de grupo tem um significado político
institucional hegemônico em todas as políticas de formação de professores. Sendo esse
o sentido atribuído a palavra corpo em todos os decretos e pareceres que regem o curso
de formação de professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro6.
No que se refere à lexicalização dos sentidos a palavra “corporal” também foi
encontrada no título da ementa Linguagem Corporal na Educação, mas a mesma não
apresenta a descrição da ementa, mesmo assim entendo conforme Silva (2000) que:
a literatura não conceitua especificamente a linguagem corporal. Os conceitos
encontrados são amplos e dizem respeito à comunicação não-verbal de modo
geral. CORRAZE lembra que “quando se mostra a existência de formas
universais nas mensagens não-verbais, não se pode deixar de pensar que a
cinética só estuda uma parte delas”. Isto é, para compreender o processo de
comunicação não-verbal, é necessário muito mais do que apenas a linguagem
do corpo. Há que se considerar o tom da voz, o espaço utilizado pelo homem, o
toque e os fatores do meio ambiente; todos eles inseridos em um determinado
contexto. O significado atribuído vai depender de todos estes elementos inter-
relacionados. ...“é o movimento que se faz palavra...”. Talvez, ele encerre a
essência da linguagem corporal, assinalando que o corpo se comunica mesmo
destituído do verbo (p.55). A respeito da análise das práticas discursivas encontrei pontos de entrada nas
ementas através da intertextualidade manifesta porque os discursos das ementas estão
representados claramente e através da interdiscursividade que segundo Fairclough
(2008: 283) “é a amostra discursiva relativamente convencional nas suas propriedades
interdiscursivas ou relativamente inovadora?”
No caso da intertextualidade manifesta o corpo quase não é representado através
da representação discursiva, apenas na ementa Linguagem Corporal na Educação que a
representação discursiva acontece de forma indireta porque não existe descrição da
mesma. Já no que tange os discursos representados nas ementas, os mesmos estão
demarcados claramente e os corpos não fazem parte dessas demarcações, ou seja, existe
a ausência do corpo em tais discursos.
Também me chamou bastante atenção à intertextualidade manifesta presente nas
ementas das disciplinas “Didática das Ciências da Natureza”, “Didática das Ciências
Sociais”, “Didática da Língua Portuguesa” e “Didática da Matemática” que
enfatizam apenas o desenvolvimento mental dos alunos e silenciando o
desenvolvimento do corpo.
O ensino de ciências e sua adequação ao nível de desenvolvimento mental do
estudante.
6 Informações baseadas em: SILVA, Ana Patrícia; FONSECA, Michele; SILVA, Valéria. Qual o lugar do
corpo na Educação? Um olhar sobre as políticas públicas de formação de professores. In: III Colóquio
Educação, Cidadania e Exclusão. Gênero e Pobreza: imagens da escola. UERJ, 2009.
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O ensino de ciências sociais e sua adequação ao nível de desenvolvimento
mental do estudante.
O ensino de língua portuguesa e sua adequação ao nível de desenvolvimento
mental do estudante.
O ensino da matemática e sua adequação ao nível de desenvolvimento mental
do estudante.
Outra intertextualidade manifesta que também não passou despercebida foi a
abordagem sócio-histórica empregada a várias ementas e a não vinculação das mesmas
com o corpo enquanto construção sócio-histórica, caracterizando o silenciamento do
mesmo, como por exemplo:
Abordagem histórico-político-social da EJA no Brasil.
Os processos histórico e social da construção do conhecimento de ciências.
Os processos histórico e social da construção do conhecimento de ciências
sociais.
Os processos histórico e social da construção do conhecimento de língua
portuguesa.
Os processos histórico e social da construção do conhecimento matemático.
Para Foucault (2009) o corpo é local de inscrição dos acontecimentos, enquanto
que a linguagem o marca e as idéias o desenvolvem, assim sendo, numa abordagem
histórica e social o corpo não deveria ser silenciado. Nas palavras de Foucault (2009)
“A genealogia esta, portanto no ponto de articulação do corpo com a história. Ele deve
mostrar o corpo inteiramente marcado de história”.
Parafraseando Pedrosa (2010) a prática discursiva (produção, distribuição e
consumo) está baseada na tradição interpretativa ou micro-sociológica de levar em
conta a prática social como algo que as pessoas, ativamente, produzem e apreendem
com embasamento em procedimentos compartidos consensualmente. Trata-se, portanto,
de uma análise chamada de “interpretativa”, pois é uma dimensão que trabalha com a
natureza da produção e interpretação textual. Com base nessa interpretação baseada na
categoria “corpo” eu encontrei alguns pontos de alguns pontos de entrada nas ementas
onde é possível dialogar com tal categoria, sendo eles: - Níveis e modalidades de ensino
-Técnicas de ensino - Universalização da educação e Abordagem histórico-social.
Níveis e Modalidades de Ensino
Para Foucault (2008, p.44) “todo sistema de educação é uma maneira política de
manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que
eles trazem consigo”.
De acordo com a Lei das Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96) os
níveis de ensino são compostos pela educação básica, formada pela educação infantil,
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ensino fundamental e ensino médio e pela educação superior. Já as modalidades de
ensino além do ensino regular são a educação especial, a educação de jovens e adultos,
a educação profissional e a educação à distância.
Assim sendo, cada nível e modalidade de ensino recebem a um alunado
específico, ou seja, cada nível e modalidade de ensino atendem a determinados tipos de
corpos que se encontram em fases de desenvolvimento e crescimento, ou mesmo
maturação diferenciados, como por exemplo: a educação infantil – os corpos das
crianças, educação de jovens e adultos – corpos jovens, adultos e idosos.
O que é afinal um sistema de ensino senão a ritualização da palavra, senão uma
qualificação e uma fixação dos papéis para os sujeitos que falam; senão a
construção de um grupo doutrinário ao menos difuso: senão uma distribuição e
uma apropriação do discurso com seus poderes e seus saberes? (FOUCAULT,
2008, p.44-45)
No documento analisado os títulos das ementas: “Didática em Educação de
Jovens e Adultos”, “Concepções e Práticas em Educação Infantil”, “Prática de Ensino
da Educação Infantil”, “Prática de Ensino da Educação de Jovens e Adultos”,
“Práticas de Ensino em Séries Iniciais” e “Educação Especial” carregam consigo
marcas de uma faixa etária pré-determinada, ou seja, na educação infantil - idade de 0 e
5 anos e 11 meses , na séries iniciais - idade de 6 anos, no ensino fundamental - idade a
partir de 9 anos, na educação de jovens e adultos - idade de 15 anos para o ensino
fundamental e 18 anos para o ensino médio.
Cada faixa etária mencionada representa um determinado tipo de corpo, já a
descrição de suas ementas não apresentam nenhum sinal a respeito da reflexão das
questões referentes a corporeidade do seu alunado, ou seja, os corpos não vão a escola,
eles apenas carregam o intelecto e precisa ser disciplinado, para se tornar dócil e
produtivo e a corporeidade do alunado deixa de ser utilizada como instrumento
mediador da sua aprendizagem.
Outro aspecto importante em relação aos níveis e modalidades de ensino é a
exclusão dos corpos após determinadas idades, ou seja, quando os alunos ultrapassam a
idades pré-determinadas (15 anos – ensino fundamental e 18 anos – ensino médio) e
seus corpos passam a se destacar no meio dos outros corpos padronizados, os alunos são
“convidados” a se transferirem para a educação de jovens e adultos.
Técnicas de Ensino
No que tange as técnicas de ensino a categoria corpo também foi silenciada nos
discursos das ementas analisadas, encontrei alguns sinais que poderiam desencadear
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uma reflexão do corpo na educação, como por exemplo: “Abordagens Didáticas em
Educação de Jovens e Adultos” e “Abordagens teóricas possíveis para as práticas
pedagógicas”. No entanto, a descrição e análise das mesmas mostram a supremacia do
intelecto em relação ao corpo, são técnicas de ensino relacionadas à cognição e o corpo
não participa desse processo.
Universalização da Educação
No que se refere à universalização do ensino entendo que o discurso do corpo
está implícito da ementa da disciplina “Educação Brasileira”, uma vez que, os
princípios da disciplina são pré-requisitos nos nossos sistemas de ensino e estão
presentes no cotidiano das escolas. Foucault (2009) em Vigiar e Punir aponta que os
princípios da disciplina são constituídos pelo método de adestramento dos corpos: a
vigilância hierárquica, a sanção normalizadora e o exame. Nas palavras de Foucault
(2009) tais princípios significam:
A vigilância hierárquica existe como um sistema de poder sobre o corpo
alheio, integrado por redes verticais de relações de controle, exercidas por
dispositivos/observatórios que obrigam pelo olhar, pelos quais técnicas de ver,
operantes sobre a completa visibilidade dos submetidos, produzem efeitos de
poder (p. 153-158).
A sanção normalizadora existe como um sistema duplo de recompensa
(promoção) e de punição (degradação), instituído para corrigir e reduzir os
desvios, especialmente mediante micro-penalidades baseadas no tempo
(atrasos, ausências), na atividade (desatenção, negligência) e em maneiras de
ser (grosseria, desobediência), fundadas em leis, programas e regulamentos,
em que a identidade de modelos determina a identificação dos sujeitos (p. 159-
164).
O exame representa a conjugação de técnicas de hierarquia (vigilância) com
técnicas de normalização (sanção), em que relações de poder criam o saber e
constituem o indivíduo como efeito e objeto de relações de poder e de saber
(p.165-172).
Considero que a universalização do ensino dialoga com a categoria corpo
disciplinado que busca a educação. Parafraseando Santos (2005, p.8) o conceito de
disciplina de Foucault é definido pelas técnicas de controle e sujeição do corpo com o
objetivo de tornar o indivíduo dócil e útil, capaz de fazer o que queremos e de operar
como queremos, representa uma teoria materialista da ideologia nas sociedades
capitalistas, implementada com o objetivo de separar o poder do sujeito sobre a
capacidade produtiva do corpo, necessário para a subordinação do trabalho assalariado
ao capital.
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Na análise do discurso social, analisei as circunstâncias institucionais e
organizacionais do evento discursivo “corpo” e de que maneira elas moldam a natureza
da prática discursiva. A silenciamento do discurso do corpo como prática social, nas
ementas do curso de formação de professores da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, aponta especialmente hegemonia da cognição na educação escolarizada.
Conforme Fairclough (2008), ideologias são construções ou significações da
realidade (mundo físico, relações sociais, identidades sociais - representadas através das
ementas) que se fundamentam em diferentes dimensões das formas e dos sentidos das
práticas discursivas e que colaboram para a produção, a reprodução ou a transformação
das relações de poder, que são claramente observadas no currículo através da
supremacia de algumas disciplinas sobre as outras.
No caso específico dessa análise das 29 disciplinas obrigatórias que compõem o
currículo da formação de professores apenas uma se dedica as relações do corpo com a
educação que foi incorporada ao currículo há apenas dois anos não possibilitando ainda
seu impacto na formação discente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As concepções sobre corpo, no desdobrar da modernidade, vão sendo
construídas, organizadas, racionalizadas pelas normas científicas. Segundo Chauí
(1995), justificando a competição e concorrência entre os indivíduos, Spencer (filósofo)
aplicou a teoria biológica de Darwin à sociedade, onde os mais “aptos” são
naturalmente superiores aos outros.
A educação do corpo na escola certamente percorre caminhos múltiplos e
elabora práticas contraditórias, confusas e tensas. Ela prescreve dita e aplica fórmulas e
formas de contensão das necessidades fisiológicas, contrariando a natureza bem como
os desejos mais íntimos, ligados à sexualidade do corpo através dos tempos.
A alienação do corpo, em nossa época, com base na forçada adaptação, no
enquadramento às formas padronizadas, no adestramento, seja pelas técnicas do
trabalho, pelas técnicas de disciplina ou ainda pelas técnicas de lazer, confere uma
atmosfera marcada pela anulação de possibilidades da experiência corporal singular e
isso se reflete nas ementas analisadas.
O silenciamento do discurso do “corpo” nas ementas pesquisadas pode apontar
para os preceitos da formação cartesiana, que privilegia a cognição. O que tenho
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percebido é que esse silenciamento do corpo pode deixar lacunas quanto à formação
profissional como um processo amplo e que dialogue com a corporeidade do alunado.
Se a ciência está sendo questionada em algumas de suas abordagens, se já não
concordamos com a verdade cartesiana, também não nos sentimos muito bem em
continuar negando os corpos e seus significados que habitam os espaços escolares. Não
reconhecemos nossas turmas, que não são compostas por corpos homogêneos e
padronizadas.
Em suma, o currículo é um campo de lutas múltiplas, convergentes e
contraditórias, é o próprio lugar da sedimentação dos seus combates e é nele que
acontece o embate dessas ementas e o discurso do corpo vem sendo silenciado.
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