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O DISCURSO DA POLTICA DESENVOLVIMENTISTA NO BRASIL SOB A
PREVALNCIA DO CAPITAL: o caso da UHE de Belo Monte
Rhoberta Santana de Araujo1
RESUMO
O discurso desenvolvimentista disseminado no Brasil a partir de meados do sculo passado, pautado na racionalizao do planejamento visa legitimar a lgica da explorao do capital, alicerado na aliana entre Estado e burguesia. A Amaznia assume funo estratgica, neste cenrio, transformada em fronteira de recursos naturais, particularmente por meio do aproveitamento energtico das bacias hidrogrficas da regio via usinas hidreltricas. O artigo apresentar elementos histricos do discurso e da politica desenvolvimentista no Brasil e rebatimentos na Amaznia, com nfase na construo da UHE de Belo Monte. O debate acerca da obra antigo e marcado por embates entre governo, empresariado, movimentos sociais e populaes tradicionais. Palavras chaves: Desenvolvimentismo. Amaznia. UHE de Belo Monte. ABSTRACT The development discourse disseminated in Brazil since the middle of last century, based on streamlining the planning aims to legitimize the logic of exploitation of capital, based on the alliance between the state and the bourgeoisie. The Amazon is of strategic function, in this scenario, transformed into border natural resources, particularly through the energy use of the river basins of the region via hydroelectric plants. The article will present historical elements of speech and developmental policy in Brazil and reverberation in the Amazon, with emphasis on the construction of UHE Belo Monte. The debate concerning the work is old and marked by clashes between government, business community, social movements and traditional populations. Keywords : Developmentism . Amazon. UHE Belo Monte .
1 Estudante de Ps-Graduao. Universidade Federal do Par (UFPA). E-mail:
rhoberta.araujo@gmail.com
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I INTRODUO
A incorporao dependente do Brasil e da Amaznia na dinmica de produo,
concentrao e ampliao do capital em mbito mundial delimita a posio do pas na
diviso internacional do trabalho por meio da especializao produtiva. O discurso
desenvolvimentista utilizado para justificar o estabelecimento de medidas polticas e
econmicas materializados em planos e programas de desenvolvimento sero tratados nas
prximas sees, bem como a insero da Amaznia neste cenrio, a partir do
aproveitamento hidreltrico dos rios que constituem a sua extensa bacia hidrogrfica, com
especial nfase para o processo de construo da Usina de Belo Monte.
II A GEOPOLTICA DEPENDENTE DO BRASIL ALICERADA DO DISCURSO
DESENVOLVIMENTISTA
As profundas alteraes na configurao da geopoltica mundial do ps-guerra
impuseram desafios organizao sociopoltica dos pases perifricos. O avanado
processo de industrializao experimentado pelos pases centrais reforava uma posio
hegemnica no cenrio mundial dos pases centrais e em larga medida contribua para
influenciar a conduo da politica econmica dos pases em desenvolvimento dentre eles o
Brasil.
Esse perodo coincide com o fortalecimento do capitalismo na sua fase monopolista,
expressa na formao de corporaes e oligoplios e com forte predomnio do capital
financeiro. Observa-se um intenso processo de movimentao das empresas multinacionais,
em busca de novos mercados e condies mais atraentes de ampliao e concentrao do
capital.
Florestan Fernandes (2009) analisa de forma precisa na obra Capitalismo
Dependente e Classes Sociais na Amrica Latina como ocorre o processo de dominao
externa nos pases latinos. A incorporao desses pases ao espao econmico, cultural e
poltico dos pases hegemnicos que o autor denomina de imperialismo total ocorre por
meio da dominao externa a partir de dentro:
O trao especfico do imperialismo total consiste no fato de que ele organiza a dominao externa a partir de dentro e em todos os nveis da ordem social, desde o controle da natalidade, a comunicao de massa e o consumo de massa, at a educao, a transplantao macia de tecnologia ou de instituies sociais, os expedientes financeiros ou do capital, o eixo vital da poltica nacional etc. (FERNANDES, 2009, p.27)
Os estudos do referido autor constituem uma referncia importante para
compreenso dos limites impostos e aceitos pelos pases perifricos que amargam desde o
perodo de colonizao espanhola e portuguesa condies penosas para superao das
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crises advindas das distintas fases de organizao capitalista. A integrao das economias
latino-americanas ocorre de forma heternoma, transformadas em fontes de excedentes
econmicos e de acumulao de capital para os pases centrais (FERNANDES, 2009)
Os pases que conseguiram a partir do sculo XX implementar aes sistemticas
que visavam o crescimento econmico, por meio de incentivo da industrializao e produo
de bens de consumo e bens de capital optaram por uma associao dependente ao capital
estrangeiro, quer por meio emprstimos, quer por meio de transferncia de tecnologia.
Neste perodo ocorre abertura das fronteiras nacionais para instalao de empresas
multinacionais, arregimentadas pela ao do Estado. Ressalte-se que as polticas nacional-
desenvolvimentistas adotadas a partir de 1930 at inicio da dcada de 1980 incentivaram a
industrializao no pas por empresas nacionais e multinacionais, uma clara aliana da
burguesia interna e externa.
Neste perodo, inaugurado particularmente pelo governo de Getlio Vargas a
Ideologia Desenvolvimentista objeto de forte apelo poltico e ideolgico. A revoluo de
1930 expressa a vitria da burguesia industrial, apoiada por fraes da oligarquia agrria. O
perodo demarca o incio de alteraes estruturais na reproduo do capital capitaneadas
por aes incisivas do Estado na conduo do projeto modernizador do pas. Os governos
que sucederam Vargas se assemelham na poltica desenvolvimentista, supostamente
orientada para o desenvolvimento do pas, expressos em melhores oportunidades de
trabalho, distribuio de renda, em suma, na melhoria das condies de vida da populao.
A disseminao de valores nacionalistas via o chamamento dos trabalhadores a
cooperar com superao do atrasado e do arcaico uma marca emblemtica desse perodo
histrico. Os planos de desenvolvimento econmico, notadamente a partir da dcada de
1950 so utilizados como instrumentos de ao orientada do Estado para conduo do
processo de industrializao do pas. A viso do planejamento, enquanto estratgia de
racionalizao das aes do Estado com vistas ao desenvolvimento se apresenta como algo
inovador. Mais um instrumento a servio da ampliao e reproduo do capital, como ficou
evidente no transcurso histrico.
Os Planos Nacionais de Desenvolvimentos (I, II e II) lanados entre 1970 e 1979 e
os desdobramentos regionais para Amaznia (Plano de Desenvolvimento da Amaznia)
cumpriam o claro objetivo de consolidao da burguesia nacional e internacional enquanto
classe hegemnica. No caso particular da Amaznia fica evidente o papel reservado na
composio do capitalismo mundial, constituindo em reserva de recursos naturais (minerais,
agroflorestais e hdricos). Ocorre neste contexto redefinio na estrutura da diviso
internacional do trabalho, com o deslocamento das multinacionais dos pases centrais para
os pases perifricos em busca de vantagens no processo de produo, abundncia nos
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recursos naturais, mo de obra barata, fragilidade nas medidas de proteo ambiental e
particularmente fragilidade no tecido social regional que pudesse representar resistncia a
imposio do novo modelo.
No mbito interno representou a possibilidade de ampliao do capital excedente no
sul-sudeste, que demandava novos campos de atuao. Como no pas o processo de
industrializao caracterizado pela concentrao dos polos de produonos estados do sul
e sudeste a incorporao da Amaznia dinmica nacional representou uma nova etapa na
histria econmica da burguesia brasileira.
Dessa forma, o projeto de insero amaznica na dinmica capitalista mundial,
arregimentada pelo Estado a partir dos planos de desenvolvimento atendia a propsitos
polticos, ideolgicos e notadamente econmicos. A instalao de grandes
empreendimentos no campo da agropecuria, da extrao mineral e de produo
energtica, por meio de incentivos e iseno fiscais atenderia no plano do discurso a
necessidade de modernizao e desenvolvimento regional, entretanto representaram mais
uma estratgia de reproduo, ampliao e concentrao do capital, numa clara aliana
entre a burguesia nacional, internacional e o Estado.
A escolha da Amaznia para realizar a expanso capitalista no pode fugir dos princpios que o sistema lhe concebe. A regio amaznica, dentro do processo histrico, tornou-se gradativamente espao de capitais nacionais e internacionais. Foi a estratgia poltica e militardo discurso nacionalista que proclamava a integrao integrao para no entregar internacionalizando a Amaznia. Esses espaos passaram a fazer parte do mercado mundial, dentro das perspectivas capitalistas de reproduo para acumulao.(PICOLI, 2006, p.51)
A poltica de incentivo se materializou ainda por meio da construo de
infraestrutura, a exemplo da abertura de estradas, construo de portos, aeroportos,
hidreltricas. Alm da infraestrutura, a concesso de emprstimos por meio de agncias de
fomento, a exemplo do Banco da Amaznia e do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econmico subsidiaram a instalao dos empreendimentos econmicos na Amaznia e no
estado do Par. Alm da criao da Superintendncia de Desenvolvimento da Amaznia,
em substituio a extinta SPEVEA, mais uma estrutura ligada a tecnocracia estatal para
contribuir com o desenvolvimento e que acabou sendo palco de abusos e denncias de
corrupo.
Na contramo do discurso poltico e ideolgico que defendia a instalao do grande
capital na Amaznia, como estratgia para modernizao e a gerao de riqueza para a
regio. Loureiro (2001, p. 61) ressalta que:
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Os abusos, as exorbitncias e o arbtrio desse novo capital na regio so incontveis: a criao e a recriao do trabalho escravo, a expulso e a morte de posseiros, trabalhadores rurais em geral e de ndios; a grilagem de terras; as queimadas; a poluio de rios e lagos e outros. Contudo, sob a nova tica desenvolvimentista, eles deveriam ser entendidos como fenmenos caractersticos de uma fase do desenvolvimento amaznico, cuja tendncia seria a de desaparecem, a longo prazo, quando o processo de ocupao/desenvolvimento tivesse sido completado!
Ao cabo desse processo o estado do Par arregimenta a instalao e consolidao
de empreendimentos econmicos em messoregies. Os municpios de Marab, Barcena,
Tucuru2, Oriximin, Paragominas Parauapebas, Cana dos Carajs e mais recentemente
Altamira3 so sedes de instalao de grandes empresas4. A instalao dos
empreendimentos capitaneados por conglomerados de empresas constitudas por capital
nacional e internacional cercada de tenses e conflitos, aes judiciais do ministrio
pblico federal e estadual e intensa mobilizao de movimentos e organizaes sociais que
contestam o modelo desenvolvimentista imposto e os expressivos impactos socioambientais
causados s comunidades. Adiante, uma obra em particular, ser objeto de anlise, a
construo da UHE de Belo Monte.
A partir dos anos 2000 com assuno de Lula da Silva (2003-2010) presidncia da
Repblica a pauta do desenvolvimento econmico reposicionada. Alicerado no discurso
de superao da pobreza o ex-presidente implementa programas de transferncia de renda
e um conjunto de medidas para a retomada do crescimento econmico. Marcado pelo forte
apelo ideolgico e miditico por meio de uso de jarges como nunca na histria desse
pas, as aes macroeconmicas adotadas nesse perodo inserem o Brasil no rol de pases
emergentes. Ressalte-se que nesse cenrio o Estado continua assumindo a funcionalidade
para ampliao do capital, na medida em que financia as principais aes para subsidiar a
nova fase desenvolvimentista. O Programa de Acelerao do Crescimento se apresentou
como um dos principais instrumentos de planejamento do desenvolvimento do pas,
2A Usina Hidreltrica de Tucuru foi construda para atender a expressiva demanda por energia eltrica
da indstria de explorao e transformao de minrios do estado do Par
3 As obras de construo da Usina Hidreltrica de Belo Monte iniciaram no primeiro semestre de 2011,
aps muita polmica e batalhas judiciais travadas entre o Ministrio Pblico Federal e a Unio, que divergem
quanto a viabilidade tcnica, socioambiental e a observncia dos procedimentos definidos em lei para construo
da obra. A previso de investimentos na obra de 40 bilhes de reais.
4 A empresa Vale antiga Companhia Vale do Rio Doce, privatizada em 1996, detm o capital
majoritrio das principais empresas que exploram a extrao e produo dos recursos minerais no Estado do
Par, com atuao nos municpios de Marab, Parauapebas, Paragominas, Cana dos Carajs, Ourilndia do
Norte e Oriximin e at 2010 detinha o capital majoritrio da Albrs/Alunorte, complexo industrial localizado na
Vila do Conde, municpio de Barcarena, vendida para uma multinacional norueguesa.
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ancorado em distintos eixos que se propunham a incentivar o crescimento social e
econmico. Nessa esteira o aumento da produo energtica a partir dos barramentos dos
rios da Amaznia assumiu carter estratgico e polmico, diante da incluso da UHE de
Belo Monte no rol de prioridades governamentais.
III O DISCURSO DE DESENVOLVIMENTO GESTADO NA AMAZNIA SOB A GIDE
DO APROVEITAMENTO DA MATRIZ ENERGTICA: o caso da UHE de Belo Monte
As discusses acerca da construo da Usina Hidreltrica de Belo Monte iniciaram,
no final da dcada de 1970, originadas da concluso, em dezembro de 1979, dos Estudos
de Inventrio da Bacia Hidrogrfica do Xingu. Naquela poca, a proporo de impacto da
obra, que alagaria uma expressiva rea da cidade de Altamira e aldeias indgenas da regio,
indicava limitaes na viabilidade socioeconmica do projeto. O projeto foi engavetado pelo
governo federal. No final da dcada de 1980, as discusses foram, novamente, retomadas.
O Relatrio Final dos Estudos de Inventrio Hidreltrico da Bacia Hidrogrfica do Rio
Xingu aprovado pelo Departamento Nacional de guas e Energia Eltrica (DNAEE) em
1988. No ano seguinte aconteceu em Altamira o histrico encontro dos povos indgenas (I
Encontro dos Povos Indgenas do Xingu), coma presena de vrias etnias, movimentos
sociais, parlamentares e representantes do poder pblico. Na ocasio ocorre o episdio que
ir marcar de modo emblemtico a resistncia contra a instalao do empreendimento na
bacia do Xingu. A ndia Tura encosta a lmina do seu faco no rosto do ento Presidente
da Eletronorte Jos Antnio Muniz Lopes. A cena foi amplamente divulgada na mdia
nacional e internacional. (Instituto Socioambiental, 2013)
No incio de 2000, novos estudos de viabilidade tcnica, econmica e ambiental
foram realizados e subsidiou a elaborao de novo projeto que, segundo o governo federal,
apresentava menor impacto socioambiental, em razo da reduo da rea de inundao.
Em 2005, as discusses foram intensificadas, pois a obra foi includa no Plano de
Acelerao de Crescimento (PAC), do Governo Lula da Silva, e passa a ser considerada
obra prioritria do Ministrio de Minas e Energia, dirigido pela ento Ministra Dilma Rousseff.
No mesmo ano, no ms de julho o Congresso Nacional autorizou a construo da
Hidreltrica aprovado na Cmara dos Deputados. Desde esse perodo, batalhas judiciais
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vm sendo travadas entre o Ministrio Pblico Federal (MPF) e a Advocacia Geral da Unio
(AGU). O MPF ressalta os impactos que a obra trar para as populaes, particularmente
indgena, aponta falhas na conduo dos estudos de impacto ambiental e inobservncia dos
procedimentos previstos em lei. Por seu turno, a AGU defende a viabilidade do
empreendimento e o cumprimento dos requisitos legais.
O painel de especialistas integrado por professores/pesquisadores de renomadas
instituies de ensino e pesquisa nacionais e internacionais produziram em 2009 o
Documento Anlise Crtica do Estudo de Impactos Ambientais do Aproveitamento
Hidreltrico de Belo Monte, resultado da anlise detalhada e confrontao de dados
apresentados no Estudo de Impactos Ambientais produzidos pela Eletrobrs, requisito para
obteno do licenciamento da obra junto ao IBAMA. O documento elaborado pelos
especialistas aponta falhas e inconsistncias nos seguintes aspectos: a) Dados sociais,
econmicos e culturais; b) Impactos s populaes indgenas; c) Sade, educao e
segurana; d) Hidrologia da Bacia do Xingu; e) Viabilidade tcnica e econmica no
demonstrada; f) ameaas fauna aqutica; g) ameaas biodiversidade. (MAGALHES;
HERNANDEZ, 2009.)
A despeito dos vrios problemas apontados por pesquisadores, MPF e movimentos
sociais quanto a viabilidade tcnica, econmica e socioambiental da UHE deBelo Monte, o
leilo da obra foi realizado, em 20 abril de 2010, e o oramento inicialmente previsto estava
na ordem de 19 bilhes de reais, conforme anunciado pelo governo federal. Entretanto, a
iniciativa privada estima que o custo da obra ultrapasse 28,6 bilhes de reais. A maior
parcela do recurso (80%) ser financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento
Econmico e Social (BNDES). Isto , fundos pblicos financiando um empreendimento
executado pela iniciativa privada.
Os movimentos sociais e populares contrrios obra denunciam os impactos
socioambientais imputados populao de influncia direta e indireta ao empreendimento.
Ribeirinhos, indgenas e camponeses sero atingidos pela inundao das suas terras e
sumariamente remanejados. A populao urbana das cidades das reas diretamente
afetada e as reas de influncia vm sendo afetadas pelo intenso fluxo migratrio. O
aumento populacional tm criado bolses de misria e pressionando a ampliao da oferta
de servios de interesse pblico (sade, educao, saneamento bsico, transporte), alm do
surto inflacionrio observado nos setores do comrcio e dos servios.
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Entretanto, a Norte Energia SA5, concessionria da obra, demonstra otimismo na
conduo do processo. No website mantido pela empresa so apresentados dados
quantitativos sobre o empreendimento. O pico da obra ocorrido nos anos de 2013 permitiu a
contratao de 23 mil trabalhadores. Esses nmeros segundo a empresa revelam a
contribuio do empreendimento para a promoo do desenvolvimento social da regio.
Os benefcios do projeto Belo Monte transcendem implantao de uma fonte de gerao renovvel e econmica para suprir necessidades do Estado do Par, da regio Norte e do Brasil. A exemplo de outros aproveitamentos hidreltricos, existem benefcios associados preservao ambiental de reas na bacia hidrogrfica, alm do aumento dos indicadores de desenvolvimento humano nos municpios abrangidos. A insero regional do projeto UHE Belo Monte vai alavancar o desenvolvimento na regio.(NORTE ENERGIA, 2012). Disponvel em: http://norteenergiasa.com.br/site/portugues/norte-energia-s-a/ Acesso em 12.03.2012
Entretanto, o clima de tenso frequente nos canteiros da obra. Desde o incio da
construo vrias greves foram deflagradas pelos operrios, que reivindicam melhoria nas
condies de trabalho e nos salrios. A fora nacional se mantm presente nesses
episdios, com o claro objetivo de intimidao e uso da fora para conter a resistncia.
Importante ressaltar a poltica adotada pelo Consrcio Construtor de Belo Monte no que se
refere divulgao das informaes comunidade. Muitos dos episdios ocorridos nos
canteiros no so divulgados pelos meios de comunicao local. As informaes acabam
sendo disseminadas por redes sociais e por operrios com residncia no municpio de
Altamira.
Demisses sumrias, greves, o silncio da mdia, o uso da fora policial, acusaes
de m aplicao dos recursos na obra so alguns elementos que compe o atual cenrio de
construo do maior empreendimento do Programa de Acelerao do Crescimento do
autodenominado governo popular. Recentemente a construo da usina esteve associada a
denncias de corrupo da operao Lava Jato. Um diretor executivo de uma das
construtoras responsveis pelo empreendimento denunciou o pagamento de pelo menos
100 milhes de reais ao Partido dos Trabalhadores. O processo segue na fase de apurao
e compe apenas mais um aspecto polmico dessa obra, reforando a tese que ela se
presta ao favorecimento de pequenos grupos econmicos e polticos.
Os graves episdios de violao dos direitos humanos e ambientais so minimizados
pelo discurso governamental para justificar a necessidade da ampliao da capacidade
5A Norte Energia SA composta por empresas estatais e privadas do setor eltrico, fundos de penso
e investimentos e empresas autoprodutoras e obteve a concesso para construo de UHE de Belo Monte,
com outorga de concesso por 35 anos. (NORTE ENERGIA SA, 2012)
http://norteenergiasa.com.br/site/portugues/norte-energia-s-a/
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energtica do pas, pautado na ideia do bem pblico e do progresso que no podem ser
comprometidos por interesses de grupos minoritrios (indgenas, ribeirinhos, camponeses).
O desenvolvimento do pas, neste sentido, estaria diretamente condicionado ampliao
das reservas energticas.
Na definio de polticas para o setor eltrico e na tomada da deciso sobre obras a serem executadas, h que considerar todo um contexto ideolgico dominante no Brasil, que sintetizamos na frase consensual: energia progresso. A tradio cartesiana tanto de nossas escolas de engenharia, como as de formao de militares, outro ponto relevante. Na prtica, essa viso ideolgica tem servido como fundamento para mltiplas decises. Decises que no necessitariam de justificaes mais amplas, nem tampouco da aprovao do Congresso Nacional. (SANTOS; NACKE, 1991, p.49)
Neste sentido, apesar da arquitetura da insero amaznica na dinmica da
produo do capitalismo nacional e internacional ter ocorrido de modo sistemtico e
planejado nos governos autoritrios dos militares, marcado pelo esvaziamento das
estruturas jurdicas e polticas, o reestabelecimento democrtico no expressou alteraes
no modus operandi quando se trata da instalao de grandes empreendimentos, a exemplo
da Usina Hidreltrica de Belo Monte:
Os processos de deciso relativos a obras de infraestrutura, que se caracterizam
como estruturas de acumulao em si, colocam em evidncia e provocam a discusso
sobre as condies nas quais as sociedades democrticas enfrentam pelo menos
quatro desafios interligados: o primeiro diz respeito utilizao das cincias e das
tcnicas e da interrelao entre cincia e poder experts e governo; o segundo diz
respeito redefinio e/ou construo de um espao pblico, constitudo no apenas
de tcnicos, mas tambm de homens e mulheres; grupos sociais, comunidades e
povos com histrias e conhecimentos diversos; o terceiro de confrontar-se com o
aparato legal que rege a tomada de deciso; e, por ltimo, especialmente no caso
brasileiro, o desafio de se interrogar sobre a fidelidade dos governantes aos princpios
democrticos e os mecanismos que a sociedade dispe de fiscalizao e controle.
(MAGALHES; HERNANDEZ, 2009.)
O governo federal manteve posio nica em relao ao caloroso debate acerca da
UHE de Belo Monte: a construo iria acontecer! Pautado sob o argumento da necessidade
de energia para conduzir o processo de desenvolvimento nacional.Bermann (2012) chama
ateno que o planejamento energtico no Brasil pautado na oferta, sem um
questionamento necessrio das previses dasdemandas futuras. Neste cenrio
determinados setores industriais so favorecidos (cimento, ferro-gusa e ao (siderurgia),
ferro-ligas, no ferrosos (alumnio), qumica, papel e celulose)
Por este desenvolvimento histrico, criou-se um emaranhado de interessesque no nos permite afirmar que possa existir uma capacidade previsvel de planejamento. Pelo contrrio, apenas um atendimento de cargas futuras, multiplicando o cenrio presente para o futuro muito incerto, diante da complexidade do arranjo de interesses
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que esto em jogo. Dentro deste campo esto empreiteiras, indstrias de equipamentos, geradoras, comercializadoras, agncias reguladoras, grupos polticos e econmicos que conflitam entre si, e disputam com governos a utilizao do discurso da energia para angariar votos.(BERMANN, 2012, p.16).
Por outro lado, cabe indagar o papel desempenhado pelas instituies de ensino
e pesquisa do pas sob o marco da instalao dos grandes empreendimentos econmicos.
Caberia Universidade to somente a funo instrumental de formao de profissionais
para ocupao dos postos de trabalho, e desse modo mais uma pea na engrenagem de
(re) produo do capital? Esses empreendimentos repercutem na expanso e no
financiamento das atividades da Universidade? resguardado a autonomia cientfica na
produo de conhecimento demandada nos projetos desenvolvidos em parceria com as
empresas executoras desses grandes projetos?
O iderio de desenvolvimento econmico propugnado pelo capitalismo dissemina o
discurso da educao como um importante fator para competitividade e para o
desenvolvimento das economias globais. As alteraes nas bases tcnicas de produo,
alicerada na acumulao flexvel, na desregulamentao econmica e na diviso
internacional do trabalho difundem um novo perfil do trabalhador, coadunado com os
interesses corporativos e empresariais. Nesta perspectiva, um novo modelo de educao
deve ser incorporado s polticas educacionais como estratgia para superao dos
obstculos impostos ao crescimento econmico. Neste, contexto, educao e conhecimento
assumem centralidade, como aponta Oliveira (2009, pp. 239-240):
Essa centralidade se d porque educao e conhecimento passam a ser, do ponto de vista do capitalismo globalizado, fora motriz e eixos da transformao produtiva e do desenvolvimento econmico. So, portanto, bens econmicos necessrios transformao da produo, ao aumento do potencial cientfico-tecnolgico e ao aumento do lucro e do poder de competio num mercado concorrencial que ser quer livre e globalizado pelos defensores do neoliberalismo. Torna-se clara a conexo estabelecida entre educao-conhecimento e desenvolvimento-desempenho econmico. A educao um problema econmico na viso neoliberal, j que ela elemento central desse novo padro de desenvolvimento.
O discurso desenvolvimentista disseminado na atual fase de organizao capitalista
nacional, alicerado em grandes empreendimentos econmicos, com financiamento advindo
em grande medida de recursos pblicos impe um vis utilitarista e economicista s
universidades pblicas, coadunado com o processo de reforma em curso. Assim, pesquisas
cientficas que se proponham investigar as mediaes e determinaes desse fenmeno na
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configurao universitria so relevantes. As questes apresentadas demandam a
continuidade e aprofundamentos dos estudos.
III CONSIDERAES
A construo do Aproveitamento Hidreltrico de Belo Monte, a despeito da polmica
criada, em mbito nacional e internacional, e das disputas criadas em torno da obra,
apresentada pelo governo federal como prioritria para o desenvolvimento do pas.
Entretanto, as evidncias sinalizam que o maior interessado na obra do grande capital,
representado pelas empreiteiras e os empresrios do comrcio de produtos e servios.
A despeito da constituio de um efetivo debate pblico, envolvendo as populaes
atingidas e a diminuio dos impactos da obra, o que tem se observado a constituio de
uma superestrutura estatal para blindar a construo da obra, incluindo o uso da fora
policial. Alm deinformaes no publicizadas pela empresa responsvel pela construo do
empreendimento, criminalizao dos movimentos sociais contrrios ao empreendimento e
os frequentes episdios de conflito/tenso nos canteiros da obra. Outra dimenso, no
menos importante, so os impactos socioambientais que ainda no podem ser
adequadamente dimensionados considerando o curso do processo.
A Amaznia permanece na condio de subalternidade diante da dinmica de
ampliao, reproduo e concentrao do capital, constituindo em fronteira de recursos
naturais, necessrios para o capital industrial e financeiro. Neste sentido cabe investigar o
papel da cincia/saber no atual ordenamento, a forma como as universidades pblicas vem
se relacionamento com a instalao dos grandes empreendimentos na Amaznia e se
ocorre alteraes na configurao universitria (autonomia, financiamento).
REFERNCIAS
BERMANN. Clio, O projeto da Usina Hidreltrica Belo Monte: a autocracia energtica como paradigma. Novos Cadernos NAEA, Belm-PA,v. 15, n. 1, p. 5-23, jun. 2012.
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FERNANDES. Florestan, Capitalismo Dependente e classes sociais na Amrica Latina. So Paulo: Global, 2009. INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Especial Belo Monte Cronologia do Projeto. Disponvel em: http://www.socioambiental.org/esp/bm/hist.asp. Acesso em 02.03.2013 LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. Pressupostos do Modelo de Integrao da Amaznia Brasileira aos Mercados Nacional e Internacional em Vigncia nas ltimas Dcadas: a modernizao s avessas. In: COSTA, Maria Jos Jackson (Org.). Sociologia na Amaznia. Debates tericos e experincias de pesquisa. Belm: EDUFPA, 2001. OLIVEIRA, Joo Ferreira de. A funo social da educao e da escola pblica: tenses, desafios e perspectivas. In.: FERREIRA, Eliza Bertolozzi. OLIVEIRA, Dalila Andrade (Orgs.). Crise da escola e polticas educativas. Belo Horizonte: Autntica Editora, 2009. PICOLI, Fiorelo. O capital e a devastao na Amaznia. So Paulo: Expresso popular, 2006. MAGALHES, S. B.; HERNNDES, F. M. (Orgs.). Painel de Especialistas: anlise crtica do Estudo de Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidreltrico de Belo Monte. Belm: [s.n.], 2009. NORTE ENERGIA SA. Notcias. Belo Monte avana e 2013 representar o pico da obra. Disponvel em :http://norteenergiasa.com.br/site/2012/12/28/belo-monte-avanca-e-2013-representara-o-pico-da-obra/ Acesso em 10.03.2013 SANTOS, S. C.; NACKE, A. A Eletronorte e os projetos hidreltricos. In: HBETTE, J (org). O circo est se fechando. Petrpolis: Vozes; Rio de Janeiro: Fase; Belm: NAEA-UFPA, 1991.
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