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O GÊNERO DISCURSIVO CRÔNICA COMO ATIVIDADE MOTIVADORA PARA A PRODUÇÃO DE TEXTOS
Márcia Aureliano Monteiro Silva
RESUMOEste artigo apresenta os resultados de uma pesquisa realizada a partir de estudos e estratégias sobre como trabalhar a escrita na escola, utilizando os gêneros discursivos, a partir de situações discursivas próximas das vivenciadas pelos alunos. Seu objetivo foi definir mecanismos para a produção de texto, utilizando o gênero crônica como instrumento norteador. A pesquisa foi realizada com alunos do 3º ano do Ensino Médio. Com base nos conhecimentos adquiridos sobre o tema, foi realizada a intervenção em sala de aula com a aplicação do material didático produzido para esta finalidade. O material proposto buscou levar os alunos a observar os aspectos de organização do gênero crônica, promover reflexão, orientar a produção de texto por meio desse gênero e possibilitar, pela escrita, habilidades discursivas específicas apresentadas pelo gênero abordado.
Palavras-chave: Produção Textual. Gêneros Discursivos. Crônica
ABSTRACTThis article presents the results of a survey from study and strategies on how to work writing in school, using the genres, from discursive situations similar to those experienced by students. His objective was to define mechanisms for the text production in the chronic gender as a guiding instrument. The research was conducted with students from 3rd year of high school. Based on knowledge acquired about subject, the intervention was conducted in the classroom with the application of the teaching materials produced for this purpose. The proposed material sought to lead students to observe the aspects of organization of chronic gender, promote reflection, guiding the text production by and allow this kind, by writing, discursive skills as outlined by approached gender.
Key-words: Text Production. Discursive Genres. Chronic
1- Introdução
A atividade de produção de texto sempre foi um trabalho difícil e penoso no
contexto escolar. Comumente apresentada de forma complexa e
descontextualizada, um mero exercício para preencher o tempo e uma folha repleta
de linhas, funcionando como reprodução de um assunto comentado.
Entendemos que a atividade da escrita deve estar centrada no discurso e
deve ser trabalhada a partir dos gêneros discursivos. Porém, percebe-se que a
1
escola continua dando ênfase às tipologias textuais descrição, narração e
dissertação, conduzindo o aluno a uma situação de escrita artificial, geralmente
resultante de alguma motivação exterior, um filme, uma leitura, algo que funcione
como pretexto para a produção de texto.
Ao solicitar um texto escrito, deparamo-nos com a angústia de ver os alunos
nada produzirem ou escreverem o mínimo possível. Esta problemática nos leva a
refletir se são nossos alunos que não escrevem ou se é o modo como a escrita tem
sido trabalhada que não condiz com a realidade sociodiscursiva do aluno.
Partindo do pressuposto de que fala e escrita são duas práticas sociais que
se interagem, é fundamental considerar que as línguas se fundem em usos e que
não são as regras da língua nem a morfologia os merecedores de nossa atenção,
mas os usos da língua (MARCUSCHI, 2005). Consequentemente, ao escrever, é
preciso considerar as condições de produção, ou seja, ter para quem, para quê e por
que escrever; é necessário também desejar e ter o que escrever. Assim sendo,
salientamos que o modo como a escola trabalha com a escrita dos alunos deve ser
repensado, pois atividades descontextualizadas, nas quais a escrita serve apenas
para cumprir uma tarefa e obter nota, com modelos fixados pelo professor ou pelo
livro didático, não proporcionam momentos de reflexão sobre o quê, para quem e
por que escrever.
Além disso, uma vez que as práticas de linguagem incorporam-se nas
atividades dos alunos por meio dos gêneros discursivos/textuais, levando-os ao
desenvolvimento da autonomia para a produção de textos, percebe-se que trabalhar
com os tipos textuais descaracteriza os propósitos discursivos, pois o aprendiz não
fala descrição, narração ou dissertação, mas gêneros. De mais a mais, as tipologias
podem ser adquiridas por meio dos gêneros discursivos/textuais.
Perante essa realidade, nota-se a necessidade de enfocar a produção de
texto nos gêneros discursivos e propiciar ao aluno o contato com diversos tipos de
gêneros, para que ele se expresse com autonomia e segurança na sociedade em
que está inserido. Trabalhar a atividade de escrita utilizando os gêneros discursivos
é um modo de possibilitar ao aluno o aprimoramento de sua competência de escrita,
pois ele estará partindo de situações discursivas próximas das que vivencia.
Sendo a crônica um gênero discursivo/textual, tendo geralmente como
assunto algum acontecimento do cotidiano ou um fato vivenciado pelo autor, sua
contextualização aproxima a linguagem escrita no universo escolar. Por essa razão,
2
esse gênero foi selecionado para o desenvolvimento de atividades de escrita em que
o aluno terá oportunidade de aprender não só as condições de produção e
circulação da crônica, mas também analisar seu valor ideológico. Assim, o objetivo
deste trabalho consiste em definir mecanismos para a produção de textos, utilizando
como instrumento norteador o gênero discursivo crônica. Para tanto, faz-se
necessário observar os aspectos de organização da crônica, orientar a produção de
texto por meio desse gênero discursivo e possibilitar, pela escrita, habilidades
discursivas específicas desse gênero.
Foram escolhidos como foco de intervenção dessa proposta os alunos do 3º
ano do Ensino Médio, para que entrassem em contato com o gênero
discursivo/textual crônica, lendo e observando as informações apresentadas, tanto
do conteúdo escrito quanto das informações implícitas presentes na crônica. Para
tanto, foi elaborado um modelo didático desse gênero a fim de conduzir os alunos ao
conhecimento e à exploração de seus aspectos estruturais e composicionais –
função social, conteúdo temático, estrutura composicional e estilo –, pois isso
demanda empenho, estudo, pesquisa e tempo. Contudo, como dispomos de pouco
tempo para por em prática esse material não trabalhamos com a análise linguística
do gênero.
Para o trabalho, foram escolhidas as crônicas de Moacyr Scliar porque esse
cronista cria situações baseado em incidentes reais e já vividos, produz textos a
partir do processo de intertextualidade e ainda porque seus textos refletem
acontecimentos e contextos sociais que, muitas vezes, não têm a nossa atenção, já
que suas narrativas nos levam a refletir também sobre outros acontecimentos do
cotidiano, além de recuperar fatos do cotidiano que passariam despercebidos, caso
suas crônicas não os abordassem.
2- Pressupostos teóricos
Durante os anos 1980, o ensino de Língua Portuguesa passou por uma
transformação curricular, visando à construção de propostas de atividades de
ensino/aprendizagem. Surgiram, então, nas perspectivas teóricas, “novos temas e
novos pontos de observação dos fenômenos”: a relação pensamento e linguagem foi
questionada; discurso e texto passaram a ser as unidades de estudos, já que as
explicações dos fenômenos com base no enunciado se esgotavam. Em meio a tais
3
mudanças, houve a passagem da terminologia redação para produção de textos. Os
professores, habituados à prática de redação, viram-se diante de uma mudança de
terminologia que não dominavam e não compreenderam as concepções que
estavam envolvidas nesse processo (GERALDI, 2004).
Tradicionalmente, a escrita tem sido vista como uma representação da fala.
Olson (1994, p.95), entretanto, observa que “As escritas não são tentativas de
transcrever a fala, mas de representar eventos, ou seja, modelos de fala. É a escrita
que fornece o modelo da fala.” Autores como Brito (1985), Geraldi (2004) e
Marcuschi (2005) também defendem que a escrita não pode ser tida como
representação da fala, e Marcuschi (2005) entende que a escrita não consegue
reproduzir os fenômenos usados na fala, porque ela possui recursos próprios como
tamanho da letra, formato, cores, etc.
Já Olson (1994, p.82), por sua vez, entende que a história da escrita pode ser
vista como tentativas frustradas de sua representação dos elementos fonológicos.
Se se fizer uma análise do nosso sistema de escrita, percebe-se que é sugerido que
ele representa o que é dito. “Os sistemas de escrita teriam evoluído como uma
tentativa de chegar a um sistema de escrita que representasse explícita e
adequadamente as práticas orais”.
Marcuschi (2005) enfatiza que a escrita se tornou uma prática social
indispensável no dia-a-dia, chegando a simbolizar educação, desenvolvimento e
poder. Ela impôs-se com tamanha força que chegou a adquirir um valor social até
superior à fala, já que “Escrever compromete mais ainda do que falar. Porque
marca” (BERNARDO, 2000, p.40).
Quando o aluno tem de escrever e não sabe como começar, como
desenvolver e nem como terminar, surge em sua mente o velho paradigma de que
escrever é um dom e uma questão de técnica. Se ele não possui nenhum dos dois
aspectos, o jeito é se conformar e enganar, escrevendo qualquer coisa que satisfaça
o professor para cumprir a tarefa solicitada. O ato de escrever, desse modo, perde o
caráter de auto-afirmação e torna-se apenas uma atividade com o fim de obter uma
nota. Assim se encontra a atividade de escrita na escola, uma atividade
descontextualizada, pautada nos tipos textuais, sem uma interlocução, de modo que
o texto produzido não é autêntico, não tem finalidade, a não ser cumprir uma
exigência.
Escrever não é um dom nem uma questão de técnica. Começa-se a escrever
4
porque se deseja e enquanto se vai escrevendo, vai-se organizando a própria
técnica (BERNARDO, 2000, p.20). “O ato de escrever é primeiro e antes de tudo a
questão do desejo. Ora o desejo de outros se reproduzirem em nós através das
palavras, ora o nosso desejo de nos reproduzirmos, nos transcendermos e, mesmo,
nos imortalizarmos, através das nossas palavras”.
A escrita é usada em vários contextos sociais da vida cotidiana, sendo as
ênfases e os objetivos variados e diversos, utilizando-se dos gêneros para
materializar ações de linguagem. Marcuschi (2005) sugere que a escola deve
apropriar-se dos gêneros usados nos diferentes contextos sociais básicos da vida
cotidiana como: o trabalho, a igreja, o dia-a-dia, a família, para aprimorar a prática
de escrita de seus educandos.
Segundo Bakhtin (2000), o caráter e o modo da utilização da língua são tão
variados quanto à esfera da atividade humana, pois estão sempre relacionados. A
utilização da língua efetua-se em forma de enunciados que refletem nas condições e
nas finalidades de cada uma das esferas sociais, envolvendo três elementos:
conteúdo temático, estilo e construção composicional, os quais se constroem no
todo e constituem o enunciado. Além disso, o autor observa que falamos sempre por
meio de gêneros no interior de uma dada esfera de atividade:
A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa (BAKHTIN, 2000, p.279).
Ao escrever, portanto, é preciso considerar os interlocutores, saber para
quem, para que e por que se escreve; é necessário, além disso, desejar e ter o que
escrever.
Bakhtin (2000) também observa que o querer-dizer do locutor o leva a
escolher um gênero discursivo. Essa escolha é determinada pela especificidade de
uma dada esfera da comunicação verbal, pelas necessidades de uma temática, do
conjunto constituído de parceiros, etc. O intuito discursivo do locutor adapta-se,
ajusta-se ao gênero escolhido e desenvolve-se na forma do gênero determinado.
Para falar, usamos com destreza os gêneros do discurso, mesmo ignorando a sua
existência teórica. Falamos por meio de vários gêneros sem suspeitar de sua
existência e moldamos a fala às suas formas precisas. “Os gêneros do discurso
5
organizam nossa fala da mesma maneira que a organizam as formas gramaticais”
(p.302).
O modo como a escola trabalha com os gêneros discursivos torna a realidade
bastante complexa, pois nela o gênero não é somente um instrumento de
comunicação, mas objeto de ensino aprendizagem. Dessa forma, a comunicação
desaparece em prol da objetivação, e os gêneros se tornam uma pura forma
linguística, cujo domínio é o objetivo; os gêneros abordados não são tematizados,
são desprovidos de qualquer relação de comunicação autêntica; sequências
estereotipadas – descrição, narração, dissertação – limitam o avanço através das
séries escolares; e os gêneros escolares-guia constituem as formas tomadas pelas
concepções sobre o desenvolvimento e a escrita
Esquematicamente, pode-se dizer que a produção de texto é concebida como
representação do real, do pensamento. Concebidos como representação da
realidade, os gêneros adquirem uma forma que não depende de práticas sociais,
mas da realidade mesma, não são formas historicamente variáveis de resolução de
problemas comunicativos complexos (SCHNEUWLY e DOLZ, 2004). Coaduna com
essa reflexão Lopes-Rossi (2002, p.23), quando ressalta que: “considerar os textos
para leitura ou para escrita, apenas pela perspectiva dos modos de organização do
discurso é um risco de limitá-los a fórmulas ou esquemas e descaracterizá-los de
seus propósitos enunciativos”.
Marcuschi (2003) apresenta uma distinção entre tipo textual e gênero textual.
Segundo o autor, o termo tipo textual é usado para designar uma espécie de
sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição. Os
tipos textuais, geralmente, são: narração, argumentação, exposição, descrição,
injunção. Já o termo gênero textual é usado como uma noção vaga para caracterizar
os enunciados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam
características sociocomunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais,
estilo e composição característica. São inúmeros, os gêneros textuais.
O autor também chama a atenção para não confundir texto e discurso, pois
texto é uma entidade concreta que se realiza e se materializa em algum gênero
textual, enquanto o discurso é o que um texto produz ao se manifestar em alguma
instância discursiva. Assim, no tipo textual predomina a identificação de sequências
linguísticas típicas como norteadoras, e no gênero textual predominam os critérios
6
de ação prática, circulação sócio-histórica, funcionalidade, conteúdo temático, estilo
e composicionalidade.
Para explicitar o problema de produção de texto, Marcuschi (2003) faz uma
importante observação sobre o uso dos tipos textuais abordados na escola.
Segundo o autor, a expressão “tipo de texto”, que é muito usada nos livros didáticos
e por nós professores, é empregada de modo equivocado e não designa tipo, mas
um gênero textual (carta pessoal, receita culinária, horóscopo, poema, piada, receita
médica, bula, editorial, carta de opinião, entre outros).
Lopes-Rossi (2002) observa que o fracasso de um ensino baseado na
tradição pode ser evitado, desde que o professor saiba criar situações de produção
textual em sala de aula que envolvam o aluno com algum objetivo ou leitor
hipotético, e que planeje atividades que organizem o processo de produção do texto.
O texto é lugar das correlações: organiza as palavras em unidades maiores
para construir informações cujo sentido é compreensível na unidade geral do texto.
Este dialoga com outros textos que se relacionam formando um continuum do texto.
Conceber o texto como unidade de ensino-aprendizagem é entendê-lo como um
lugar de entrada para o diálogo com outros textos. “Conceber o aluno como produtor
de textos é concebê-lo como participante ativo deste diálogo contínuo: com outros
leitores” (MARCUSCHI, 2005).
De acordo com Schneuwly e Dolz (2004), a introdução de um gênero na
escola visa a objetivos precisos de aprendizagem. Um deles é dominar o gênero
para conhecê-lo ou apreciá-lo, compreendê-lo melhor, para melhor produzi-lo na
escola ou fora dela; outro é desenvolver capacidades, colocando os alunos em
situações de comunicação o mais próximo possível das verdadeiras, a fim de que
possam dominá-las como realmente são.
Geraldi (1997, p.135) considera “a produção de texto como ponto de partida
de todo processo de ensino-aprendizagem da língua”, porque é no texto que a
língua se revela em sua totalidade.
A partir dessas reflexões, pode-se dizer que com o gênero crônica tem-se um
caminho que levará o aluno a melhorar a escrita pois:
a sua sintaxe lembra alguma coisa desestruturada, solta, mais próxima da conversa entre dois amigos do que propriamente do texto escrito. Dessa forma, há proximidade maior entre as normas da língua escrita e da oralidade, sem que o narrador caia no equívoco de compor frases frouxas,
7
sem a magicidade da elaboração, pois ele não perde de vista o fato de que o real não é meramente copiado, mas recriado (SÁ, 2002, p.11).
Vale ressaltar ainda que o gênero crônica trata de vários assuntos,
geralmente um fato vivenciado pelo autor. Também conserva a marca de registro
circunstancial feito por um narrador-repórter que relata um fato a muitos leitores que
formam um público determinado; dirige-se, portanto, a uma classe específica. O
cronista age de maneira solta, dando a impressão de que pretende apenas ficar na
superfície de seus comentários. A crônica não é um relato frio do evento: o autor faz
questão de deixar claro que o modo como apresenta o evento é bem particular, bem
subjetivo, pode ter um toque leviano, humorístico, pitoresco, lírico, poético, conforme
as circunstâncias (SÁ, 2002).
Sá (2002 p. 18) afirma que a “crônica funciona como uma espécie de
passagem secreta por onde ingressamos no espaço do prazer sem que isso delimite
a nossa consciência da realidade opressora”. Ainda, segundo o autor, a magicidade
da crônica está presente mesmo nos texto em que predomina a atmosfera política,
pois ela reafirma o valor sociológico da crônica, porque o cronista começa a falar de
um tema e acaba nos conduzindo a outro tema mais complexo. O cronista examina,
penetra e recria o objeto a ser descrito, buscando sua essência, pois o que interessa
não é o real. No entanto esse universo imaginário, criado pelo cronista, não se
afasta do real, “pois ele nos permite suportar as pressões de um mundo
convencional e partir para o descoberta de horizontes novos, que são a realidade e
suas muitas faces”.
No espaço jornalístico, a função da crônica seria a de ensinar o leitor a ver
mais longe. Para isto, faz-se uma associação entre o fato, os personagens e a
preocupação estética revelada na estruturação do texto para que haja uma empatia
com o leitor.
Entre os cronistas, encontra-se Moacyr Scliar, que escreve suas crônicas
baseadas em fatos do cotidiano, criando fatos ficcionais. Entretanto essa
inventividade de Scliar reflete também outros fatos do cotidiano que podem não
estar presentes na notícia-base, pois seus textos recuperam situações do cotidiano
que passariam despercebidas se não fossem suas crônicas.
É preciso entender o texto de Scliar não como unidade significativa em si,
mas por seu valor ideológico, ou seja, pelas várias vozes sociais nele presentes. As
crônicas de Moacyr Scliar, segundo (LAZZAROTTO), “constituem um papel social,
8
um meio de reflexão dos assuntos cotidianos. Isto porque os personagens, o
momento histórico e o espaço retratados nos textos não são estáticos e transitórios,
pois transpõem os limites da criação literária para tornarem-se matéria perene”. Vale
ressaltar ainda que as crônicas de Scliar não dependem só da leitura da notícia
existente, mas também do conhecimento de mundo do próprio autor, o que lhe
permite acrescentar à crônica final outros elementos também retirados da vida.
“Quanto mais precisa a definição das dimensões de um gênero, mais ela
facilitará a apropriação deste como instrumento e possibilitará o desenvolvimento de
capacidades de linguagem diversas que a ele estão associadas”. O objeto de
trabalho, sendo descrito e explicitado, torna-se acessível a todos nas práticas de
linguagem (SCHNEUWLY e DOLZ, 2004, p.89), donde a relevância de se trabalhar
a produção textual com base nos gêneros, já que essa prática é um trabalho que
exige superação, a fim de fazer o aluno desenvolver uma competência discursiva
marcada por um bom domínio da modalidade de escrita.
Logo, observa-se que o trabalho com crônicas pode proporcionar aos alunos
diferentes visões do mundo.
3- Desenvolvimento da proposta
Ao iniciar a aplicação do material didático (assim chamado por não seguir
todos os passos e orientações determinados pela sequência didática), foram
utilizados slides do projeto elaborado, focando a problematização, a justificativa e os
objetivos a serem alcançados. Os alunos se interessaram e se motivaram para
participar do projeto. Para verificar o conhecimento dos alunos sobre os gêneros
textuais, foram realizados questionamentos sobre o assunto e perante o
desconhecimento deles sobre a questão abordada, achou-se conveniente explicar-
lhes o que é gênero textual, estabelecendo a diferença entre tipo textual e gênero
textual. Nesse momento surgiu a questão da implantação dos gêneros textuais na
prova de redação do concurso vestibular de algumas universidades, aumentando o
interesse dos alunos pelo projeto.
Dando continuidade à apresentação do projeto, foi realizada a leitura de uma
crônica de Moacyr Scliar, a qual estava presente no livro didático e que abordava a
literatura que estava sendo trabalhada, levando o aluno a identificar uma crônica e a
observar a linguagem utilizada. Destacaram-se também nomes de outros cronistas,
9
tanto os modernos quanto os do passado. Em suma, foram elucidadas algumas
especificidades do gênero crônica. Explicou-se também que os textos foram
retirados do livro “O imaginário cotidiano”, de Moacyr Scliar, e que as imagens
utilizadas são de sites livres, para não infringir os direitos autorais.
Feitos os esclarecimentos a respeito do trabalho, passamos a trabalhar com o
material produzido.
CRÔNICAS DO COTIDIANO
Procedeu-se à contextualização da crônica a ser trabalhada, relatando que
ela foi escrita no período das eleições para prefeitos de 2000 e que nela o autor fala
sobre a aparência ideal de um candidato político. A seguir, o texto abaixo foi
entregue aos alunos.
O OutroMoacyr Scliar
“Atentos ao visual, candidatos usam roupas para disfarçar características durante
programa eleitoral, como altura, peso e calvície.”
Eleições, 21 ago. 2000
Ele queria muito ser eleito. Não: ele precisava muito ser eleito. Estava atrás de um
emprego que lhe desse um bom salário, mordomias e verbas para gastar na
contratação de assessores – além, claro, das múltiplas oportunidades que, como
vereador, teria.
O problema era arrumar votos. Não tinha amigos, não era conhecido, nem sequer
recebera um apelido pitoresco que pudesse usar na propaganda. Mas o pior não
era isso. O pior que combinava um visual péssimo – baixinho, gordinho, careca –
com uma congênita inabilidade para falar em público. Em desespero, resolveu
procurar um marqueteiro. Estava disposto a gastar uma boa grana nisso, desde
que pudesse adquirir uma nova imagem, uma imagem capaz de garantir a eleição.
O marqueteiro, famoso, exigiu honorários salgados, mas garantiu resultados. Que,
de fato, não se fizeram esperar. Em poucas semanas o candidato era outro.
1
mais magro, mais alto (saltos especiais) com uma bela peruca, parecia agora um
galã de novela. Além disso, transformara-se num fantástico orador, um orador
capaz de galvanizar o público com uma única frase.
Se foi eleito? Foi eleito com uma avalanche de votos. O que representou um duplo
alívio: de um lado, conquistava o cargo tão sonhado. De outro, podia deixar de
lado a peruca, os sapatos com saltos especiais e a dieta. E também podia falar
normalmente, no tom meio fanhoso que o caracterizava.
E aí começaram as surpresas desagradáveis. Quando foi tomar posse, ninguém o
reconheceu. Mas como? Então era aquele tipo charmoso, magnético, da tevê e
dos cartazes? Era ela sim, como o comprovou, mostrando a identidade.
Não foi a única contrariedade. Logo descobriu que como vereador, era péssimo:
não sabia falar, não convencia ninguém, sequer era procurado por lobistas. Bom
mesmo, concluiu com amargura, era o Outro, aquele que o marqueteiro tinha
inventado. Aquele, sim podia fazer uma grande carreira, chegando quem sabe à
Presidência.
Mas onde estava o Outro? Só uma pessoa poderia ajudá-lo nessa busca, o
marqueteiro. Só que o marqueteiro tinha sumido. Com o dinheiro ganho nas
eleições resolvera passar dois anos em alguma praia do Caribe.
Todas as noites o vereador sonha com o Outro. Vê-o na Câmara, discursando,
empolgando multidões. Mas não sabe o que fazer para encontrá-lo. Sabe, sim, o
que dirá se isso um dia acontecer. E o que dirá, numa voz fanhosa e emocionada,
será: o senhor pode contar com meu voto – para sempre.
Realizou-se a leitura oral da crônica e notou-se a necessidade de trabalhar o
vocabulário, porque havia palavras desconhecidas pelos alunos, dificultando a
compreensão do texto. Foi necessária a pesquisa no dicionário e o auxílio do
professor. Durante o trabalho oral, houve muitas considerações que levaram os
alunos a uma reflexão sobre o assunto abordado. Eles gostaram muito da crônica, e
o contato com esse gênero contribuiu para que se envolvessem mais no assunto a
ser trabalhado.
Durante a leitura, o leitor precisa se envolver com o texto, que é um veículo
de significados, para que se torne um receptor ativo e o autor seja o interlocutor,
assim, autor, texto e leitor se interagem, construindo significados da leitura. Por isso
foi apresentada aos alunos a biografia do autor.
1
CONHECENDO O AUTOR
Moacyr Jaime Scliar nasceu em Porto Alegre (RS) no dia 23/03/1937. Sua mãe,
professora primaria, foi quem o alfabetizou.
Em 1955, começou a cursar a faculdade de medicina da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, onde se formou em 1962. Em 1963, inicia sua
vida como médico, fazendo residência em clínica médica.
Em 1962, publica seu primeiro livro, “Histórias de um Médico em Formação”.
A partir daí não parou mais. São mais de 67 livros
abrangendo o romance, a crônica, o conto, a literatura
infantil, o ensaio, pelos quais recebeu inúmeros prêmios
literários.
Suas obras foram traduzidas para doze idiomas.
Colabora com diversos dos principais meios de
comunicação da mídia impressa (Folha de São Paulo e
Zero Hora). Em 31 de julho de 2003 foi eleito para a
Academia Brasileira de Letras, na cadeira nº 31. (Fonte:
www.releituras.com)
wikipedia.org/wiki/Moacyr_Scliar
Palavras do Autor para os Estudantes
Gente, é uma glória ser lido por vocês. Espero que vocês tenham tanto prazer
na leitura quanto eu tive escrevendo. E espero que meus livros ajudem vocês a
entender um pouco melhor a nossa realidade e a vida em geral. (Entrevista a Vagner
Lemos – fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Moacyr_Scliar)
Depois de lerem o texto acima, muitos alunos se interessaram em saber mais
sobre Moacyr Scliar e pesquisaram na biblioteca do colégio e na internet outros
textos do autor e mais informações sobre sua obra. O que mais chamou a atenção
dos alunos foi o fato de o escritor ser médico. Isso despertou neles o desejo de
saber o que o motivou a escrever, curiosidade que foi solucionada com o estudo
realizado.
1
Conversando e pensando sobre o texto
Após a atividade anterior, foi aplicado o questionário abaixo, abordando a
crônica “O Outro”, para melhorar a compreensão dos alunos sobre o texto. Por meio
disso, verificou-se também a capacidade de aluno expressar-se por escrito, bem
como seu conhecimento de mundo.
1- O que manifestou o desejo do personagem de se tornar um político?
2- Qual o recurso utilizado por ele para atingir seu objetivo?
3- Releia o início do texto e responda. Por que o autor troca o verbo querer pelo
verbo precisar?
4- Quais as características descritas pelo personagem de si mesmo? Elas se
enquadram no tipo ideal de político? Justifique sua resposta com elementos
do texto.
5- Dentre as características apresentadas sobre o personagem, uma é mais
marcante e nos remete a qual representante da política brasileira?
6- Para compreender o texto é necessário ter um conhecimento compartilhado
com o autor. Que conhecimento é esse?
7- Após ser eleito o personagem se desfaz dos “apetrechos” utilizados por ele
durante a campanha eleitoral, o que o descaracteriza do personagem criado
para a campanha eleitoral. Essa descaracterização o leva a perceber o quê?
8- Para escrever esta crônica, Moacyr Scliar se baseou em uma reportagem do
Jornal Folha de São Paulo sobre os candidatos à prefeitura de São Paulo nas
eleições de 2000. Pesquise quais eram os candidatos e faça uma relação das
características deles com as descritas na crônica.
Com essa atividade, pôde-se notar o nível dos alunos na compreensão de
texto. Alguns não tiveram dificuldade com a atividade proposta e ajudaram os
colegas. Iniciou-se nesse momento um clima de cooperação na sala, o que
permaneceu durante todo o projeto.
1
Foi trabalhada também a escolha do autor por determinadas palavras,
focando a adequação vocabular na crônica. Os alunos sentiram mais dificuldade
para relacionar os elementos comparativos entre os políticos e o personagem
descrito pelo autor. Isso foi resolvido após eles realizarem a pesquisa solicitada na
questão 8. Durante o desenvolvimento da atividade, houve muitos comentários e
confrontos com os políticos conhecidos pelos alunos e a mudança de atitudes
desses indivíduos durante a campanha eleitoral.
INTERTEXTUALIDADE
A intertextualidade contextualizou o assunto abordado com um tema
contemporâneo, o qual envolveu fatos do cotidiano que despertaram a atenção dos
alunos por serem significativos para o momento em que estão inseridos. Para tanto,
foram utilizadas cenas do programa Malhação, que é assistido por muitos jovens e
retrata assuntos diversos onde sobre questões familiares, comportamentais, valores,
ambiente escolar, etc.
Foi apresentado ao aluno o seguinte pressuposto:
No programa Malhação, exibido pela Rede Globo, que foi ao ar nos dias 23 e
24 de setembro de 2008i, há uma cena parecida com o personagem do texto. Na
cena aparece o suposto novo namorado de Béatrice, desfazendo-se dos apetrechos
que o tornava um “galã”.
Por meio do texto e da cena do programa Malhação, os autores nos levam a
questionar sobre a aparência.
• Você concorda que para ser um tipo ideal é necessário ter a aparência
considerada como modelo de beleza pela maioria?
• Você dá muita ou pouca importância para sua aparência física? Por quê?
• Você conhece alguém que aparenta ser o que realmente não é? Comente.
Utilizando a TV pendrive, foram passadas as cenas da novela acima citadas,
para abordar a intertextualidade sobre a temática da aparência, pois tal assunto é
1
um fato que faz parte de uma preocupação diária de praticamente todo
jovem/adolescente. Foi trabalhado o diálogo entre os textos, observando assuntos
em comum, de modo a tornar o educando ativo, reflexivo e capaz de relacionar
textos da mídia, pois ele está sempre à procura de ações concretas para efetuar
suas críticas. Observou-se o quanto o tema interessou aos alunos, pois todos
participaram da atividade oral e leram suas respostas escritas para toda a turma,
deixando clara sua posição sobre a aparência, que, segundo a maioria deles, marca,
determina a posição social e influencia no emprego.
DE OLHO NO GÊNERO
Esta atividade trabalha a crônica, questiona o tema apresentado nela,
estimula os alunos a praticar a leitura, perceber a estrutura desse gênero – suas
características, sua função –, e reconhecer os suportes em que ele aparece. Para
isso foi trabalhada a crônica abaixo.
Laços de Família
“Homem de 24 anos joga sua avó do 21º andar.”Folha Online, 20 fev. 2001
Que olhos grandes você tem, meu neto!
– São para te olhar, vovó. O olhar de um neto sobre sua avó é sempre
significativo. No rosto enrugado ele lê a história de sua família, ele lê a sua própria
história. Ele compreende que foi precedido, neste mundo, por gente que lutou e
sofreu para que ele pudesse viver. Gente que o alimentou, que o embalou para
dormir, gente que cuidou dele quando estava enfermo. E também gente que o
maltratou, não é, vovó? Enfim: o rosto de todas estas pessoas se condensa, por
assim dizer, na face da vovó, a face que o neto contempla com ambivalente
melancolia.
- Hum. Não sei se compreendi, mas você fala bonito, é bom de escutar. A
propósito, meu neto, que orelhas grandes você tem.
-São para te ouvir, vovó. Para um neto, as palavras de sua avó são música,às
vezes dissonante, a celebrar os mistérios da existência. Ouvindo sua vovó o neto
aprende a viver. É claro que vovós em geral são velhinhas e frequentemente falam
baixinho; de modo que as orelhas crescem, se expandem para capturar todos os
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sons mesmo os mais débeis.
– Hum. E que nariz grande você tem, meu neto!
– É para te cheirar, vovó. O teu odor me leva de volta à infância; quando
entravas em meu quarto era a primeira coisa que eu sentia, esse teu tão
característico cheiro. Até hoje me causa engulhos, você sabe? Até hoje. O tempo
passou, e muitos outros odores entraram em minhas narinas, inclusive o perfume de
belas mulheres, mas o seu cheiro está sempre em minha memória. Que coisa, não
é?
– É... A propósito, que mãos grandes você tem, meu netinho!
_ São para te agarrar, vovó. Como você me agarrava quando era pequeno,
em geral para me surrar. Você me deu surras homéricas, vovó. Talvez eu as tenha
merecido, não sei. O fato é que o ressentimento ficou dentro de mim, um
ressentimento que jamais consegui vencer. Cresci olhando minhas mãos, ansiando
que elas ficassem fortes o suficiente para mostrar a todos – principalmente a você –
que já não sou um garotinho indefeso. Minhas mãos hoje são instrumento de
vingança, querida vovó.
– É mesmo? Escute, meu neto, não estou gostando desta conversa. Vamos
mudar de assunto? Vamos falar deste quarto. Que janela grande tem este quarto,
meu netinho! Por que uma janela tão grande?
– Você já vai ver, vovó.
(Um grito de anciã. Depois, um baque surdo. E o silêncio, mais ensurdecedor
que uma batucada de carnaval.)
(Moacyr Scliar)
Após a leitura oral do texto, foi realizada a análise dos recursos utilizados pelo
autor para abordar o tema do texto. Observou-se a sutileza do autor ao fazer que se
reflita sobre o comportamento humano, fazendo que se pense sobre os atos
praticados, lembrando dos valores adormecidos, principalmente pela família.
Reconhecendo o Gênero
Neste item, iniciou-se o trabalho envolvendo a especificidade do gênero
crônica, por meio dos questionamentos abaixo.
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O texto Laços de Família é uma crônica. O trecho em letras menores que
aparece logo abaixo do título do texto é o título da notícia que foi publicada na Folha
OnLine – Mundo. Observe as características do texto e resolva as questões propostas.
1- Quanto ao tamanho do texto, ele é curto ou longo?
2- Caracterize a linguagem utilizada no texto.
3- Em quanto tempo você acha que aconteceram os fatos relatados no texto?
4- O tema e os fatos narrados são raros, incomuns ou corriqueiros? Eles podem realmente acontecer no cotidiano de qualquer pessoa?
5- Com que intenção o texto foi produzido?
6- Onde encontramos esse gênero?
7- Quem lê esse gênero?
8- Por que o lê?
9- Levando em conta os itens anteriores, formule um conceito do gênero crônica, destacando suas características.
Nessa atividade, observou-se que por mais simples que as perguntas possam
parecer, os alunos tiveram muitas dificuldades, devido à falta de contato com este
tipo de perguntas. Esse foi o momento em que o professor necessitou intervir com
questionamentos que os ajudassem a chegar a uma resposta adequada. Outro
aspecto detectado foi a falta de contato dos alunos com revistas e jornais, pois eles
nunca haviam observado esse gênero textual em tais veículos de comunicação.
Assim, para que os alunos observassem melhor a estrutura da crônica, a criatividade
e a linguagem do autor, nesse momento, foram entregues as notícias do jornal em
que o autor se baseou para escrever seu texto.
Compreendendo o texto
Ao escrever a crônica Laços de Família, Moacyr Scliar estabeleceu
intertextualidade com um texto bastante conhecido da literatura infantil. Para
compreender o texto, precisamos compartilhar tal conhecimento. Que conhecimento
é esse?
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A intertextualidade foi trabalhada novamente neste item, no entanto o que se
pretendeu foi mostrar aos alunos o quanto é importante ter o conhecimento de
mundo para compreender os textos, conhecimento que se adquire, principalmente,
por meio da leitura.
Para uma melhor compreensão dos alunos sobre o gênero crônica, foi
necessário que soubessem um pouco sobre sua origem. Para isso, foram entregues
os textos abaixo.
Um pouco da história da crônica
A palavra crônica deriva do Latim chronica, que significava, no início da era
cristã,o relato de acontecimentos em ordem cronológica (a narração de histórias
segundo a ordem em que se sucedem no tempo). Era, portanto, um breve registro
de eventos. No século XIX, com o desenvolvimento da imprensa, a crônica passou a
fazer parte dos jornais. Esses textos comentavam, de forma crítica, acontecimentos
que haviam ocorrido durante a semana. Tinham, portanto, um sentido histórico e
serviam, assim como outros textos do jornal, para informar o leitor. Nesse período,
as crônicas eram publicadas no rodapé dos jornais, os "folhetins". Essa prática foi
trazida para o Brasil na segunda metade do século XIX. Com o passar do tempo, a
crônica brasileira foi, gradualmente, distanciando-se daquela crônica com sentido
documentário originada na França. Ela passou a ter um caráter mais literário,
fazendo uso de linguagem mais leve e envolvendo poesia, lirismo e fantasia.
Diversos escritores brasileiros de renome escreveram crônicas: Machado de Assis,
João do Rio, Rubem Braga, Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade,
Vinicius de Moraes, Paulo Mendes Campos, Alcântara Machado, etc. (fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Moacyr_Scliar>. Acesso em 20 de nov. 2008)
Crônica, cronista e leitor
A crônica possui a marca de registro circunstancial feito por um narrador-
repórter que relata um fato não mais a um só receptor, porém a muitos leitores que
formam um público determinado. Quem narra uma crônica é o seu autor mesmo, e
tudo que ele diz parece ter acontecido de fato como se nós, leitores, estivéssemos
diante de uma reportagem.
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A linguagem jornalística desempenha a função poética no momento em que
recria a notícia captando o seu misterioso encantamento. O jornalista, portanto, não
deve simplesmente registrar uma notícia. Cabe a ele explorar o poder das palavras
para que o leitor possa vivenciar, com emoção semelhante à do repórter, aquilo que
está sendo narrado.
A crônica assume a transitoriedade da notícia e se dirige a leitores
apressados, que lêem nos pequenos intervalos da vida diária. A elaboração da
crônica também se prende a essa pressa. O cronista dispõe de pouco tempo para
datilografar seu texto, pois ele precisa acompanhar a correria com que se faz um
jornal. Por isso a linguagem da crônica é informal e bastante próxima da que é
usada em uma conversa entre amigos. (SÁ, Jorge de. A crônica. São Paulo: Ática,
2002).
Após a leitura dos textos, realizaram-se atividades de compreensão oral e
escrita, pensou-se, refletiu-se e debateu-se sobre o assunto. Depois, partiu-se para
a escrita da crônica.
Produzindo uma crônica
Na proposta de produção textual, optou-se por um comando claro, deixando a
critério de cada um a escolha da temática. Vale ressaltar que esse ponto da
atividade despertou sensações e inquietações interessantes. Alguns alunos ficaram
nervosos, apreensivos e houve pedidos de sugestão para os amigos e comentários
do tipo: Sobre o que vou escrever? Não sei fazer redação! Como devo iniciar?
As inquietações foram silenciadas com o auxílio dos colegas e da professora.
Em seguida, lançou-se o seguinte exercício:
Agora você produzirá uma crônica e ajudará a compor um livro de crônicas da
classe.
• Pense em uma situação corriqueira que tenha sido vivida ou
presenciada por você e escreva sobre ela. Por exemplo: um susto, um
tombo ocorrido em público, um episódio interessante ocorrido no
colégio, em uma festa, em um campeonato, etc.
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• Inspire-se em um fato ocorrido na semana e que tenha saído no jornal.
Após os alunos terem delimitado o tema sobre o qual escreveriam, foi
solicitado a eles que seguissem o roteiro abaixo para planejar a escrita.
Planejando sua escrita
a) Pense no leitor e em seus objetivos como escritor. Você quer divertir o leitor,
sensibilizá-lo ou fazê-lo refletir sobre a situação que será abordada?
b) Sua crônica poderá revelar sua visão pessoal ou a visão de uma das pessoas
envolvidas na história.
c) Aborde a situação procurando ir além dos fatos acontecidos. Narre com
sensibilidade ou, se quiser, com humor. Se possível, guarde uma surpresa para
o fim, de modo a fazer o leitor refletir ou achar graça.
d) Escreva de forma simples e direta, procurando proximidade com o leitor.
e) Faça um rascunho e só passe a limpo depois de realizar uma revisão cuidadosa.
f) Avalie sua crônica. Refaça o texto quantas vezes forem necessárias, até que ele
esteja pronto para ser publicado.
Avalie sua escrita
Observe se sua crônica: apresenta uma visão pessoal do assunto escolhido;
se há os elementos narrativos básicos; se o texto ficou curto e leve; se diverte e/ou
promove uma reflexão crítica sobre o assunto; se a linguagem empregada está
adequada ao gênero e ao contexto.
Mesmo com o passo a passo da escrita sendo cuidadosamente planejado,
alguns alunos tiveram dificuldades para delimitarem o tema a ser abordado e
sentiram-se inseguros, sem saber como começariam seus textos. Durante essa
etapa, a professora atuou como orientadora e ressaltou que a tarefa da escrita não é
um dom, mas algo que requer o desejo de escrever, esforço e empenho.
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Os alunos demonstraram um comportamento de produtores preocupados com
seus leitores, dialogaram com a professora, questionando se o modo como haviam
abordado o assunto era interessante e se deixava clara sua intenção de escrita.
Nesse clima da colaboração mútua, foi encerrada a primeira etapa da produção de
texto.
A atividade de correção foi desenvolvida seguindo os comandos colocados no
item: planejando sua escrita. Foi uma atividade trabalhosa, mas com resultados
positivos. Cada texto foi lido e revisado juntamente com seu produtor, para que ele
fizesse a reescrita do texto sabendo quais pontos deveriam ser modificados para
uma melhor compreensão. Observou-se que durante a produção os alunos não
fugiram à temática escolhida e que assimilaram a estrutura composicional da
crônica.
Terminada esta etapa, realizou-se um seminário sobre o que haviam
aprendido. Durante a realização deste, os alunos destacaram a importância de
terem conhecido os gêneros textuais e o quanto eles são importantes na vida
cotidiana e escolar. Chegaram à conclusão de que a escola deve priorizar o ensino
por meio dos gêneros, pois eles facilitam a compreensão dos assuntos abordados
em diferentes disciplinas da escola.
Em relação à crônica, eles gostaram do modo como o gênero foi apresentado
e disseram que nunca haviam se interessado antes pelas crônicas quando se
deparavam com elas, principalmente nas revistas. Muitos alunos nem sabiam o que
era uma crônica e sequer sabiam reconhecê-la nos suportes em que aparecem. Só
sabiam o que era uma crônica quando pegavam um livro cujo título tivesse a palavra
“crônica” na capa. Concluímos também que um dos motivos da falta de
conhecimento dos alunos em reconhecer algum gênero textual está na falha dos
professores em não destacarem adequadamente a terminologia a ser utilizada em
sala de aula.
4- Considerações finais
Diante do trabalho desenvolvido com a crônica para a produção de texto, foi
possível concluir a pertinência de se trabalhar com o gênero, tanto pelo material
utilizado – as crônicas de Moacyr Scliar, que mostram, por meio de uma linguagem
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sutil, as mazelas da sociedade humana, fazendo o ser humano refletir sobre seu
comportamento, resgatando valores perdidos no tempo, transformando-o pelo seu
modo de ser, agir e pensar –, quanto pelo enfoque dado às crônicas, pois
acreditamos ser uma importante ferramenta no desenvolvimento do trabalho com a
escrita.
Trabalhar textos com alunos é de extrema importância para enriquecer e
ampliar o universo deles. Além disso, esse tipo de abordagem é elemento-chave na
produção de textos oral e escrita. Abordar a crônica, questionar o tema apresentado
nela, estimular os alunos a praticar a leitura observando sua estrutura, os suportes
em que aparece, suas características bem como sua função, é levar o aluno a
exercer de modo mais significativo as práticas sociais da leitura e da escrita.
Também foi de fundamental importância a metodologia adotada, pois ela
facilitou o trabalho, porque, em primeiro lugar, o aluno leu o texto, interagiu com o
assunto, e isso os fez refletir sobre os acontecimentos sociais. Em segundo, porque
ele passou a conhecer o autor, analisou o conteúdo de forma investigativa e
posteriormente elaborou sua produção, levando em conta o seu interlocutor para
que este também pudesse se posicionar/refletir e perceber os problemas atuais.
Deste modo, os alunos não foram colocados superficialmente em contato com o
gênero crônica, mas foram levados a entender e a construir seu próprio conceito de
crônica.
Durante a intervenção, percebeu-se o envolvimento dos alunos com as
atividades propostas. Todos participaram e, quando havia algo que não tinham
compreendido, questionaram até obter a compreensão necessária – atitude que não
acontece durante as aulas corriqueiras. Isso levou-nos a repensar sobre nossa
prática em sala de aula e a evidenciar a necessidade de se trabalhar com os
gêneros textuais nas aulas de Língua Portuguesa.
Pode-se afirmar ainda que as práticas de produção textual devem extrapolar
as situações de escrita puramente escolares (tipos textuais) e remeter às práticas
sociais (gêneros) que existem na vida real, além de não propor redações escolares
descontextualizadas.
Acreditamos que o trabalho desenvolvido tenha contribuído para a
compreensão dos alunos de que a escrita não é um dom e nem transcrição da fala e
que para produzir bons textos é preciso praticar, conhecer e se apropriar das
especificidades de cada gênero.
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http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/bancoimagem/frm_buscarImagens2.ph
p>. Acesso em 7 de dez. 2008.
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i As cenas da novela podem ser acessadas no Youtube:
Capítulo de 23/09/08. Béatrice vê Jack na internet. http://www.youtube.com/watch?v=5f18d3-7yC0Capítulo de 24/09/08. O salto de Jack quebra e outros disfarces se desfazem. http://www.youtube.com/watch?v=wIff-
lw_QTMCapítulo de 24/09/08. Béatrice se desaponta com Jack. http://www.youtube.com/watch?v=C9mg4XMNMVI
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