o processo de elaboração do luto em um paciente com diagnóstico de esquizofrenia: um estudo de...
Post on 13-Aug-2015
274 Views
Preview:
DESCRIPTION
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE PAULISTA
MICHELLE CRISTINA DA SILVEIRA
O Processo de Elaboração do Luto em um Paciente com Diagnóstico
de Esquizofrenia: Um Estudo de Caso
São Paulo
2013
2
MICHELLE CRISTINA DA SILVEIRA
O Processo de Elaboração do Luto em um Paciente com Diagnóstico
de Esquizofrenia: Um Estudo de Caso
Trabalho de conclusão de curso para obtenção do título de Especialista em Saúde Mental para Equipes Multiprofissionais apresentado à Universidade Paulista – UNIP.
Orientadores: Ana Carolina Schmidt de Oliveira
e Hewdy Lobo Ribeiro
São Paulo
2013
3
Silveira, Michelle Cristina da
O processo de elaboração do luto em um paciente com diagnóstico de esquizofrenia: um estudo de caso./
Michelle Cristina da Silveira. – São Paulo, 2013. 30 f. + 1 CD Trabalho de conclusão de curso (especialização) – apresentado à pós-graduação lato sensu da Universidade Paulista, São Paulo, 2013. Área de concentração: Saúde mental. “Orientação: Profª. Ana Carolina Schmidt” “Orientação: Prof. Hewdy Lobo” 1. Elaboração do luto. 2. Esquizofrenia. 3. Mental. 4. Saúde. I.UNIP. II. Título. III. Silveira, Michelle Cristina da.
4
MICHELLE CRISTINA DA SILVEIRA
O Processo de Elaboração do Luto em um Paciente com Diagnóstico
de Esquizofrenia: Um Estudo de Caso
Trabalho de conclusão de curso para obtenção do título de Especialista em Saúde Mental para Equipes Multiprofissionais apresentado à Universidade Paulista – UNIP.
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA
______________________________________/____/____
Prof. Coordenador Hewdy Lobo Ribeiro
Universidade Paulista – UNIP
______________________________________/____/____
Ana Carolina Schmidt de Oliveira
Universidade Paulista - UNIP
5
“Não existem atividades humanas sem riscos... o risco maior da grande viagem está na
capacidade de se preparar... O que importa na verdade, é o material de que
é feita a vontade e não o barco... No mar, conta
mais, infinitamente mais que a experiência, a iniciativa, o respeito e a capacidade de
aprender. É preciso ir além de mares demarcados...
Uma travessia não termina em qualquer lugar, mas num ponto preciso, escolhido e alcançado.
E, quando não se toca esse ponto, travessia nenhuma existe.”
Fernando Pessoa
6
RESUMO
INTRODUÇÃO: O luto é reconhecido como uma das experiências mais dolorosas que o sujeito humano pode vivenciar. Para sua elaboração o enlutado deverá lançar mão de recursos emocionais que possam ajudá-lo não a superar, mas sim, resignificar a sua vida mesmo com a ausência da pessoa amada. A esquizofrenia é um transtorno mental progressivo e incapacitante caracterizado pelo empobrecimento de algumas funções psíquicas e que fazem com que o sujeito diagnosticado possa perder a sua funcionalidade na vida. OBJETIVOS: Este trabalho se propõe a compreender o processo de elaboração do luto em um paciente com diagnóstico de esquizofrenia. MÉTODO: Levantamento Bibliográfico e Estudo de um Caso Clínico. RESULTADOS: Foram utilizados nove artigos cujo tema central consistia em luto ou esquizofrenia. Nas bases de dados escolhidas para a pesquisa não foram encontrados artigos que trouxessem a intersecção direta dos temas. CONSIDERAÇÔES FINAIS: Encontrou-se que sujeitos enlutados e com diagnóstico de esquizofrenia apresentam dificuldades maiores que a população sem este diagnóstico para o enfrentamento de situações de luto, justamente, por apresentarem uma fragilidade emocional que os incapacita diante da vivência de situações de estresse importantes.
Descritores: Elaboração do Luto, Esquizofrenia e Saúde Mental.
7
ABSTRACT
INTRODUCTION: Mourning is recognized as one of the most painful experiences that the human subject can experience. For their elaboration the mourner must make use of emotional resources that can help oneself not to be overcome but a new meaning to your life even with the absence of the lost person. Schizophrenia is a mental disorder characterized by progressive and disabling impoverishment of some mental functions and make the subjected diagnosed might lose your functionality in life. OBJECTIVES: This work intends to understand the process of elaboration of mourning in a patient with diagnosis of schizophrenia METHOD: Bibliographical Database lifting and Study of a Clinical Case. RESULTS: We used nine articles whose main theme was to mourning or schizophrenia. In the databases selected for the research had not been found articles that bring the direct intersection of themes. FINAL CONSIDERATIONS: It was found that mourners subjected with diagnosis of schizophrenia present greater difficulties than the population without this diagnosis to coping with situations of mourning, precisely because they have an emotional fragility that incapacitates front the experience of stressful situations.
Keywords: Elaboration of Mourning, Schizophrenia and Mental Health.
8
SUMÁRIO
1 - Introdução ............................................................................................................................. 08
1.1 - Luto ......................................................................................................................... 08
1.2 - Esquizofrenia ......................................................................................................... 09
2 - Metodologia ........................................................................................................................... 13
3 - Caso Clínico .......................................................................................................................... 14
4 - Resultados ............................................................................................................................. 18
5 - Discussão ............................................................................................................................... 22
6 - Considerações Finais ............................................................................................................ 27
7 - Referências Bibliográficas ................................................................................................... 28
1. INTRODUÇÃO
1.1– Luto
Segundo Kovács (1992) as perdas e sua elaboração fazem parte do cotidiano já que podem e
são vividas em todas as fases da vida do ser humano. Simples mudanças relacionadas ao
desenvolvimento normal da espécie, como evoluir da infância para a adolescência e desta para a
vida adulta, despertam sentimentos como: angústia, medo, insegurança e tristeza e por ter tal
conotação, carrega em si aspectos relacionados à morte / perda o que implica na elaboração de
um luto.
Bowlby (2004) entende o luto como sendo uma resposta ao rompimento de um vínculo
significativo e geralmente, pode vir acompanhado de sintomas como tristeza, desânimo, falta de
interesse no mundo externo, dificuldade em esboçar sentimentos, inibição das atividades,
diminuição da auto-estima, culpa e punição.
O mesmo autor (2004) diz: “A perda de uma pessoa amada é uma das experiências mais
intensamente dolorosas que o ser humano pode sofrer.” (p. 04).
Kluber-Ross (2002), destacou a existência de algumas fases no processo de luto:
- Negação: que é uma proteção da psique no sentido de ganhar tempo para viabilizar outros
recursos emocionais para o enfretamento daquela situação inesperada;
- Raiva: pode surgir quando o sujeito não consegue mais manter a negação. Esta fase está
carregada de outros sentimentos como revolta e ressentimento. Geralmente é uma fase difícil,
pois, por projetá-la no ambiente externo, o paciente acaba afastando algumas pessoas que não
suportam tais agressividades;
- Barganha: está diretamente relacionada com a forma que o sujeito se coloca na vida. Muitas
vezes, a barganha aparece pela relação de troca, ou seja, o sujeito pensa que conseguirá melhoras
a partir dos seus bons comportamentos ou boas ações;
- Depressão: surge com a conscientização da irreversibilidade dos fatos, aqui inicia-se o processo
de aceitação da morte.
Franco (2002) completa o conceito falando das diferentes dimensões psíquicas atingidas no
processo de luto:
8
- Dimensão Intelectual: desorganização, falta de concentração, desorientação e negação;
- Dimensão Emocional: choque, entorpecimento, raiva, culpa, alívio, tristeza, medo, confusão;
- Dimensão Física: alteração do apetite, do sono, do peso;
- Dimensão Espiritual: sonhos, perda ou aumento da fé;
- Dimensão Social: perda da identidade, isolamento, perda da habilidade de do interesse em se
relacionar socialmente.
A autora ressalta, ainda, que cada pessoa vivencia o luto à sua maneira, sendo uma
experiência única e particular devido características subjetivas de personalidade e a forma de
vinculação em relação à pessoa perdida.
De acordo com Parkes (1998) é muito comum que as pessoas que sofreram a vivência de
uma perda entrem em um processo de colapso emocional que pode, muitas vezes, ocasionar um
abalo na sua saúde mental e dificultar o processo de elaboração.
O luto não se trata de um conjunto de sintomas com início após uma perda, mas sim, de
um emaranhado de quadros clínicos que se interpõe fase à fase considerando as diferenças de
pessoa para pessoa (PARKES, 1998):
A – O enlutado permanece com o pensamento na pessoa perdida com a intenção de trazê-la de
volta. Esta fase também é reconhecida como “topor” ou “entorpecimento”;
B – Lembranças dolorosas e repetitivas sobre a experiência da perda. Pode-se iniciar aqui o
processo de conscientização da irreversibilidade da morte;
C – Busca pelo sentido da perda, processo de transformação da nova realidade;
Ainda para este autor, há alguns aspectos importantes que influenciam no processo de
elaboração do luto, são eles:
• Relação com o Morto: Importância do vínculo com a pessoa perdida, grau de parentesco e
segurança que o mesmo proporcionava ao enlutado;
• Gênero: Dados epidemiológicos (1998) apontam que as mulheres têm a tendência a terem
mais problemas que os homens para vivenciar o luto;
• Idade: Geralmente, compreende-se melhor a perda de um idoso do que a de uma pessoa
jovem que ainda estava para realizar projetos na vida;
• Experiências na Infância: Vínculos iniciais inseguros;
• Experiências Posteriores: Perdas anteriores;
• Doença Mental Prévia: Maior fragilidade para lidar com estresse;
9
• Tipos de Mortes: Prematura, múltiplas, violentas, que trazem uma carga de culpa para o
enlutado, que permite uma preparação prévia como é o caso dos adoecimentos crônicos
ou degenerativos, por exemplo, lutos não autorizados ou não reconhecidos;
• Características da Personalidade do Enlutado;
• Religiosidade: Crenças, fé;
• Fatores Culturais e Familiares: Valores morais;
• Apoio Social: presente ou não;
• Perdas Simultâneas à Perda Principal;
Para Bowlby (2006) as emoções mais drásticas provocadas por uma perda são: o medo do
abandono, a saudade da pessoa perdida e a raiva por não reencontrá-la. Porém, o que se observa é
uma intensa dificuldade da pessoa enlutada para reconhecer e expressar tais sentimentos não
favorecendo a possibilidade de vivência saudável do luto. Reconhece que a única forma do
sujeito aliviar a dor causada pela perda é falar sobre ela, desta forma, lidar bem com o luto
significa poder enfrentar os sentimentos evocados pela perda, transformar a nova realidade que se
impõe e se voltar para própria vida, apesar do sofrimento. Todavia, para alcançar este nível de
vivência o sujeito precisará lançar mão de importantes recursos emocionais de enfrentamento.
Este trabalho se propõe a estudar como um paciente com diagnóstico de esquizofrenia
vivenciou esta experiência do luto, considerada pelos autores citados complexa e sofisticada,
apresentando, supostamente, a vivência de uma realidade diferente.
1.2– Esquizofrenia
Historicamente, o psiquiatra francês Benedict Morel (1808 – 1873) foi o primeiro a
utilizar o termo demência precoce para os pacientes que hoje apresentam o diagnóstico de
esquizofrenia. Esta última é uma palavra de origem grega composta de dois termos: Skhizein que
significa rasgar, dividir, separar e phrênos que quer dizer pensamento. Foi cunhada pela primeira
vez em 1906 pelo psiquiatra suíço Paul Eugen Bleuler (1857 – 1939) que acreditava que não se
tratava de pacientes dementes, mas sim, doentes acometidos por alguma dissociação do
pensamento (STERIAN, 2011).
10
Para Dalgalarrondo (2008) a esquizofrenia é o tipo principal das psicoses e, este
transtorno manifesta-se apresentando sintomatologia negativa e positiva. Entende-se a
sintomatologia negativa pela perda e empobrecimento de algumas funções psíquicas tais como:
- Embotamento afetivo (pouca empatia);
- Retração social (isolamento do convívio com pessoas);
- Empobrecimento da linguagem e do pensamento (alogia);
- Diminuição da vontade (avolição);
- Negligência quanto à si mesmo (diminuição do auto-cuidado);
- Lentificação e empobrecimento psicomotor;
Já a sintomatologia positiva, de acordo com Dalgalarrondo (2008), trata-se da
manifestação de conteúdos produzidos:
- Alucinações (alteração da senso-percepção envolvendo os sentidos – audição, visão, tato, olfato,
paladar);
- Delírios (Alteração do pensamento, geralmente com conteúdo paranóide, auto-referente ou de
influência);
- Comportamento e idéias bizarras;
- Agitação psicomotora;
O Manual Diagnóstico Estatístico – DSM-IV - TR (2002), considera o diagnóstico de
esquizofrenia como de Eixo I, ou seja, entre os Transtornos Clínicos. Conceitua, ainda, que para
o diagnóstico de esquizofrenia há a necessidade da presença de no mínimo dois dos critérios a
seguir, com duração significativa em pelo menos um mês. São eles:
- Delírios;
- Alucinações;
- Discurso Desorganizado;
- Comportamento amplamente desorganizado ou catatônico;
- Sintomas negativos;
Ainda para o DSM-IV-TR (2002) o sujeito com esquizofrenia apresenta afeto inadequado,
como por exemplo, risos sem estímulo, perda de interesse ou do prazer, humor depressivo ou
ansioso, perturbações no padrão do sono, dificuldades de concentração, atenção e memória.
11
Para a Classificação Internacional das Doenças da Organização Mundial da Saúde – CID-
10 (1993), a esquizofrenia é um transtorno crônico e, inevitavelmente, deteriorante,
especialmente por apresentar sintomatologia complexa.
Alguns dados de Neto et al (2006) dizem que epidemiologicamente, a esquizofrenia
atinge aproximadamente 1% da população mundial tendo um índice de morbidade de 60% devido
à sua sintomatologia incapacitante e um índice de mortalidade de 10% por suicídio. Os sintomas
começam a se manifestar na adolescência ou no início da idade adulta. Nos homens entre 17 e 27
anos e nas mulheres, de forma bimodal, no final da adolescência e aos 40 anos.
Etiologicamente, entende-se e a manifestação da esquizofrenia, como a maioria dos
transtornos mentais, como multicausal. Fala-se em influências de fatores genéticos, cerebrais,
ambientais e de desenvolvimento (NETO et al, 2006).
Para a psicanálise de Freud (1894), nas psicoses há um conflito entre o mundo exterior e o
ego. Ele acreditava que ocorreria uma defesa à uma situação traumatizante através da rejeição da
realidade. Após o processo de rejeição, há a construção de uma nova realidade com o objetivo
psíquico de ser compatível com as capacidades internas do sujeito. Tal processo pode, como
explica Freud em seu artigo sobre Neurose e Psicose (1924[1923]), desencadear alguns sintomas
da esquizofrenia.
A esta nova produção mental que vem no lugar do conteúdo rejeitado, Freud deu o nome
de “construção delirante” (STERIAN, 2011, p. 98). Para afastar-se desta realidade incômoda, o
sujeito dito psicótico desinveste sua energia do objeto que poderia relacionar-se ao fato que o
mesmo quer negar. Para haver uma alucinação é necessário um evento traumático que o ego do
sujeito não é capaz de suportar, esta lembrança será, então, rejeitada pela consciência.
De forma a confirmar as ideias de Freud, Dalgalarrondo (2008) compreende que
psicodinamicamente o início abrupto da esquizofrenia pode se dever a uma tentativa de
rompimento com uma realidade difícil de tolerar.
Assim, tendo em vista que o luto é uma das experiências mais difíceis de se vivenciar
emocionalmente (BOWLBY, 2004), se faz importante a compreensão deste fenômeno e as suas
consequências na saúde mental dos sujeitos com diagnóstico de esquizofrenia.
A presente pesquisa tem como objetivo compreender o processo de elaboração do luto em um
paciente com diagnóstico de Esquizofrenia, tendo em vista identificar as possíveis dificuldades e
12
recursos emocionais desenvolvidos pelo sujeito neste processo; e identificar o impacto da falta
dos vínculos familiares no cotidiano de um paciente com diagnóstico de esquizofrenia.
13
2 – METODOLOGIA
A partir do modelo da revisão bibliográfica, que implica fazer um levantamento das
informações teóricas sobre determinado assunto em bases de dados reconhecidas cientificamente,
este trabalho se propôs a fazer uma intersecção entre teoria e prática, ou seja, incluir a busca da
literatura atual sobre os temas luto e esquizofrenia com complementações e discussão de dados
através de um caso clínico.
Os dados para o caso clínico foram coletados a partir da revisão do prontuário de um
paciente com diagnóstico de esquizofrenia em uma unidade de Hospital-Dia Psiquiátrico da
cidade de São Paulo. O projeto foi submetido a aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas da
Universidade Paulista - UNIP.
Inicialmente buscou-se nas bases de dados Medline, Scielo Google Acadêmico, artigos
com os descritores “luto” AND “esquizofrenia”, porém não foi encontrado nenhum artigo que
abordasse os temas em conjunto. Desta forma, foi necessária a busca dos referidos temas
separadamente com os seguintes descritores: “esquizofrenia”, “luto”, “reações psíquicas à
perdas” e “elaboração do luto”, “luto e saúde mental”. O período da pesquisa contemplou os anos
de 2006 à 2013, sendo excluídos artigos que abordavam os temas esquizofrenia tardia, luto
antecipatório e artigos que não tenham como tema principal a esquizofrenia ou o luto. As
dissertações e teses foram consideradas. Pensou-se neste período pelo interesse em produções
científicas atuais que possam agregar ao conhecimento e às ações práticas sobre o assunto. Os
artigos selecionados foram analisados e comparados.
14
3 – CASO CLÍNICO
Paciente: J. A. R. G. C.
Idade: 18 anos
Data de Nascimento: 22/05/1994
Escolaridade: Ensino Médio Incompleto
Hipótese Diagnóstica: F20.0
Pontuação na Escala de Avaliação Global do Funcionamento (AGF): 20
História Inicial:
Iniciou tratamento psiquiátrico em fevereiro de 2012 devido “sensação de perseguição”,
após fuga de casa, foi encaminhado para internação em hospital psiquiátrico. Família refere
importante isolamento social e afetivo há dois anos. Os mesmos citam que J. fez uso esporádico
de maconha – não sabem dizer quanto – mas, referem abstinência há mais de um ano.
Saiu da internação psiquiátrica e foi encaminhado para tratamento em Hospital-Dia em
julho de 2012. Esteve em tratamento na instituição entre este mês (julho de 2012) e janeiro de
2013 com frequência de duas vezes por semana em período integral (das 8h às 17h) realizando
atividades de psicoterapia e terapia ocupacional.
Seu projeto terapêutico tinha como objetivos:
- Estímulo à convivência social;
- Melhora ou diminuição dos sintomas psicóticos;
- Realização de tarefas.
No início do tratamento quando lhe fora perguntado se estava gostando das atividades
disse: “É um bom lugar!”, sem mais argumentar, porém, segundo a família, J. não apresentava
nenhuma resistência para ir ao local das terapias.
Mostrava-se, na maioria das vezes, indiferente ao contato com outras pessoas sejam elas
familiares, terapeutas ou colegas do grupo. Apresentava de forma frequente, latência em suas
respostas e dificuldade de escolha quando algo lhe era proposto. Nas situações em que alguém
lhe dirigia a palavra, realizava pobre contato visual demonstrando, possivelmente, um incômodo
e apresentando, geralmente, respostas monossilábicas.
15
Ao escolher sua comida durante o almoço, apresenta dificuldade e desorganização
misturando bolos doces com comidas salgadas, ignorando ou não compreendendo a orientação
dada pela equipe sobre comer a sobremesa em separado.
Observou-se que J. tinha uma tendência de usar sua mão esquerda para realizar as
atividades, negligenciando a existência da sua mão direita, mesmo em práticas nas quais
demandaria o uso das duas mãos como, por exemplo, cortar um papel com a tesoura. Quando era
questionado, não respondia nada e após um período de latência, começava a usar as duas mãos.
Família refere que o mesmo sempre foi destro e não mostram conhecimento sobre alguma
possível lesão além de contatarem que ele apresentava este mesmo comportamento em casa.
História Pregressa:
J. não conseguiu dar nenhuma informação sobre a sua história, tudo que será relatado a
seguir, são informações passadas pelos tios / cuidadores:
Relataram gestação e desenvolvimento normais.
Pais se separaram em 2002, quando J. tinha 8 anos. Por conta disso, ele passou a morar com a
mãe na casa dos avós maternos.
Em 2001, mãe de J. descobre câncer de ovário e inicia tratamento com quimioterapia.
Em 2003, o irmão de 18 anos de um outro casamento do pai, falece em um acidente
automobilístico. O pai de J., por sua vez, culpabilizando-se, pois, havia dado o carro no qual o
filho sofrera o acidente, inicia quadro diagnosticado como depressão e passa a fazer tratamento
psiquiátrico com uso de antidepressivos. Seis meses depois da perda do filho, ainda em 2003,
sofre um infarto e, também, vem a falecer.
Em 2005, avó materna que auxiliava nos cuidados com J. e a qual, segundo familiares, ele era
muito apegado, falece o dia do Natal. Dez meses depois, falece, também o avô materno cuidador.
J. passa a ficar aos cuidados unicamente da mãe que sofria pelas frequentes recidivas do câncer.
Segundo informações, em janeiro de 2012 a mãe de J. desmaia na casa da família e é acolhida por
ele que a pega no colo e a coloca na cama para pedir socorro. A família a leva para o hospital e,
16
em menos de 24 horas, ela falece. Neste dia, tios de J. referem que o mesmo disse: “Agora eu
estou realmente sozinho!”.
Dez dias depois da morte da mãe, o cachorro da família que tinha 19 anos, ao qual J. era bastante
vinculado, também, falece.
Após esta seqüência de perdas, J. fica aos cuidados de três tios maternos. Estes se revesam entre
si e o mesmo passa a ficar um período com cada um. Nesta época, segundo os tios, se deu o início
das “sensações de perseguição” e a primeira internação psiquiátrica em fevereiro de 2012.
Desfecho do Caso
Durante todo o tratamento no Hospital-Dia o supracitado paciente J. apresentou
importantes dificuldades para se vincular tanto aos colegas do seu grupo quanto aos terapeutas.
Diversas estratégias foram privilegiadas na tentativa de acessá-lo para a construção de um
vínculo terapêutico. Houve a proposta de contatos individuais, sugestão de atividades que
pudessem interessá-lo a partir de dados trazidos pela família (mangá, desenhos, pinturas...),
porém, tais esforços não tiveram sucesso.
J. comparecia ao tratamento, porém, de fato, não estava ali. A equipe acreditava que sua
produção psicótica era constante, pois, o paciente muitas vezes, esboçava reações faciais de
estranheza, muita latência em suas respostas e, até mesmo mutismo no último mês que conseguiu
estar presente no Hospital-Dia.
Em dezembro de 2012 com o advento das festas de Natal e Ano Novo, alguns pacientes
solicitaram autorização para se ausentarem do tratamento por uma semana ou quinze dias. A
equipe teve a função de avaliar caso por caso e concedeu tais autorizações para os pacientes que
encontravam-se estáveis em seu quadro psiquiátrico. Os familiares de J. solicitaram a licença pelo
período de um mês, pois, toda a família viajaria para um sítio. A equipe foi contundente ao
orientar que tal período era demasiado grande para o caso de J., e que o adequado e autorizado
seria de somente uma semana. Os familiares mantiveram a postura alegando que, “precisariam
descansar” e que se responsabilizariam por aquela decisão além dos cuidados ao paciente no
período. Equipe manteve as orientações, porém, os familiares agiram como disseram.
Em janeiro de 2013 J. retorna ao tratamento, porém, com aparência muito emagrecida e
abatida. No período da manhã do seu primeiro dia de retorno não consegue interagir nem com a
17
equipe nem com seus colegas. Todos lhe perguntavam como havia sido suas “férias” e J. só
conseguia responder de forma monossilábica. Equipe o observou mais apático e introspectivo.
Durante o intervalo do grupo no período da tarde, sem informar a equipe, J. que sempre
contava com um acompanhante, ausentou-se do Hospital-Dia sozinho. Permaneceu desaparecido
por quase 24 horas sendo encontrado por vizinhos próximo à casa onde uma das suas tias morava.
Estava machucado e sujo e não soube dizer o que o levou a sair do Hospital daquela maneira sem
informar a equipe ou seus familiares, não sabendo informar nem mesmo qual caminho fez para
chegar até ali.
Em consulta com a médica psiquiátrica responsável pelo Hospital-Dia na época, os
familiares foram orientados a encaminharem J, para a internação, pois, o paciente, na avaliação
da mesma, estava em mutismo e provavelmente com importantes produções psicóticas, se
colocando em risco e podendo colocar outras pessoas em risco também. Familiares, novamente,
foram contrários às orientações da equipe assinaram um termo de responsabilidade e retiraram o
paciente da instituição, ficando a equipe sem a possibilidade de ajudar J. a lidar com seu
sofrimento.
18
4 – RESULTADOS
Privilegiou-se a busca de artigos nas bases de dados Scielo, Lilács e Google Acadêmico,
porém, não foram encontrados artigos com a intersecção dos temas luto “and” esquizofrenia.
Assim, optou-se pela busca dos temas em separado, ou seja, uma pesquisa enfocando o tema
esquizofrenia e outra enfocando o tema luto.
Muita produção científica sobre o tema esquizofrenia puramente foi encontrada nas bases
de dados: Scielo, Lilács e Google Acadêmico. Porém, procurou-se estabelecer um filtro inicial
pelo ano de publicação estabelecendo o período de 2006 à 2013.
Após, este primeiro filtro, passou-se a excluir os artigos pela leitura dos títulos e alguns
pelos resumos que não tivessem foco nos recursos emocionais que os pacientes com este
diagnóstico têm preservados ou não. Sendo assim, utilizaremos para este trabalho cinco artigos
com esta proposta.
Sobre o tema luto houve maior dificuldade, já que o foco da busca estava no processo de
elaboração do luto e nas possíveis dificuldades emocionais presentes nesta vivência, além da
relação do luto com a saúde mental. As bases de dados buscadas foram Scielo, Lilácss e Google
Acadêmico no período de 2006 à 2013. Foram excluídos os artigos que não explicitassem os
temas acima descritos. Ressaltamos dois artigos que falam especificamente do processo de
elaboração do luto por adolescentes, no total, serão revisados quatro artigos.
Os estudos selecionados seguem de forma resumida na tabela abaixo:
Autor. Ano. Título Amostra Metodologia Resultados Conclusões
ARAÚJO, M.
F. M.,
LEMOS, A.
C. S.,
CARVALHO,
C. M. L.,
2007
O Relacionamento
Terapêutico no
Cuidado
Dispensado à um
Esquizofrênico:
Narrativas de um
Diário de Campo.
Um paciente
de um CAPS
de Fortaleza.
Estudo qualitativo
e descritivo
durante dez
encontros com
um paciente
diagnosticado
com
esquizofrenia na
modalidade
Relacionamento
O sujeito foi
encorajado a
enfrentar
conflitos pessoais,
satisfação de
necessidades
básicas e
interação grupal.
Relacionamento
Terapêutico
entendida como
uma técnica
importante que
atua na
reintegração e
reorganização do
paciente com
diagnóstico de
19
Terapêutico. esquizofrenia.
BOUSSO, R.
S, 2011
A Complexidade e
a Simplicidade da
Vivência do Luto.
Não consta. Estudo teórico
sobre a vivência
do luto na
população geral.
Vivência
considerada parte
da vida humana e
que tem seu
significado e
importância de
acordo com a
história de cada
um.
A pessoa
enlutada merece
cuidados
especiais que
possam favorecer
o seguimento da
sua vida mesmo
com a ausência
do ente querido.
FERREIRA
JUNIOR, B.
C. et al., 2010
Alterações
Cognitivas na
Esquizofrenia:
Atualização.
Não consta. Estudo teórico
sobre as
alterações
cognitivas
esperadas nos
pacientes com
diagnóstico de
esquizofrenia.
As alterações
cognitivas na
esquizofrenia são
a principal causa
da incapacidade
funcional do
sujeito.
Espera-se com os
estudos atuais
que instrumentos
sejam elaborados
afim de diminuir
as perdas
cognitivas e
possibilitar uma
melhor qualidade
de vida ao sujeito
portador de
esquizofrenia.
KOVÁCS, M.
J, 2008
Desenvolvimento
da Tatatologia:
Estudos sobre a
Morte e o Morrer.
Não consta. Levantamento
Bibliográfico
sobre os
principais autores
que estudam este
tema.
Compreende-se
que a educação
para a morte é
necessária para
abrir espaço de
fala sobre tal
assunto
corriqueiro na
vivência humana.
A educação para
a morte é pouco
trabalhada nos
âmbitos da
sociedade atual e
com ela não
espera-se dar
receitas sobre
como passar por
tal vivência, mas
sim, uma busca
de sentido para a
20
mesma.
MOTA, M.
M. A., 2008
O Luto em
Adolescentes pela
Morte do Pai:
Risco e Prevenção
para a Saúde
Mental.
Cinco
Adolescentes
que perderam
o pai
biológico por
morte em
causas
diversas.
Investigaram as
vivências das
experiências de
perda através do
Inventário de
Auto-Avaliação
para Jovens de 11
– 18 anos e
entrevistas semi-
estruturadas.
O luto pela morte
do pai na
adolescência tem
características
próprias em
função das
particularidades
das vivências
neste período do
desenvolvimento.
Notou-se a perda
como
possibilidade de
amadurecimento,
o suporte social,
especialmente, a
figura materna
como facilitadora
da vivência, e a
dificuldade de
expressão como
fator que
prejudica e
compromete o
desenvolvimento
emocional.
SÁ JUNIOR,
A. R.,
SOUZA, M.
C., 2007
Avaliação do
Comprometimento
Funcional na
Esquizofrenia.
Não consta. Revisão da
Literatura sobre o
comprometimento
funcional na
esquizofrenia.
Considera-se
importante a
mensuração do
comprometimento
funcional do
paciente com
diagnóstico de
esquizofrenia
através do uso de
escalas.
Uma avaliação
mais
sistematizada
auxilia no
processo de
detecção dos
âmbitos que estão
disfuncionais
para a focar as
propostas
terapêuticas.
SANTANA,
L. A. M.,
2008
Comportamento
Verbal e
Esquizofrenia:
Estratégia
Operante de
Uma pessoa
de 24 anos
com
diagnóstico
de
esquizofrenia.
Sessões gravadas
e transcritas na
íntegra com o
objetivo de
análise do
comportamento
Observou-se que
o ambiente social
influenciou o
comportamento
verbal do sujeito
e os
As modificações
comportamentais
observadas foram
relevantes.
21
Intervenção. verbal do
paciente.
procedimentos da
análise foram
importantes para
diminuir a
inadequação do
comportamento
verbal.
SILVA, R.
C. B., 2006
Esquizofrenia:
Uma Revisão.
Não consta. Revisão
bibliográfica
sobre a história,
sintomatologia,
tratamentos e
modelos
experimentais da
esquizofrenia.
Há a necessidade
de estudos que
esclareçam
algumas
particularidades
sobre a
manisfestação da
esquizofrenia.
A farmacoterapia
é fundamental ao
tratamento,
porém,
compreende-se
que o tratamento
integral deve-se
incluir outros
níveis de
intervenção.
TANIS, B.,
2009
Especificidade
no Processo de
Elaboração do
Luto na
Adolescência.
Dois
adolescentes
que perderam
o pai.
Relatos de casos
clínicos com
objetivo de
verificar as
questões inerentes
relativas ao luto
pela morte do pai.
O luto traz a
perspectiva da
vivência
inacabada e o
analista deve ter a
função de
propiciar a
completude e a
resignificação do
processo.
A função do
terapeuta no
processo de luto
adolescente é de
oferecer
continência,
estabilidade e
paciência, para
acompanhar as
ambivalências do
processo da perda
do objeto.
22
5 - DISCUSSÃO
A esquizofrenia é uma doença psiquiátrica complexa que manifesta-se através de
alterações em diversas funções mentais do sujeito incluindo o pensamento, comportamento,
percepção, emoção e sentimento. Tem características graves e persistentes o que torna a
esquizofrenia uma doença crônica e, dependendo da forma como se apresenta e dos recursos
suportivos do sujeito diagnosticado, é também, incapacitante (ARAÚJO, LEMOS e
CARVALHO, 2007). Foi observado no caso de J. prejuízos importantes referentes à
funcionalidade da vida. Desde o diagnóstico não realizava nenhuma tarefa em casa ou na
instituição de forma autônoma, precisando o tempo todo de alguém que o lembrasse o que fazer,
até mesmo em relação ao auto-cuidado.
São observadas alterações cognitivas importantes nos pacientes diagnosticados com
esquizofrenia durante todo o curso evolutivo da doença. Em avaliações neurocognitivas, estudos
mostram alterações de habilidades específicas da inteligência, os quais, podem comprometer
fatores cognitivos gerais, alem do funcionamento cotidiano do paciente. Pode se ressaltar, neste
caso, um comprometimento da cognição social que é considerado o fator responsável pelo
isolamento social do paciente e está presente desde o primeiro episódio psicótico. Esta questão
parece ser consequência de disfunções na atividade neuronal e não da diminuição ou paralização
da mesma. Como resultado, há prejuízos na capacidade funcional do paciente, inclusive, nas
habilidades sociais e emocionais (FERREIRA JUNIOR, et al, 2010). J. não conseguia relacionar-
se com as pessoas, sejam elas seus colegas de grupo, terapeutas ou mesmo familiares. Havia um
empobrecimento, aparentemente, do interesse pelos outros, em alguns momentos, nos passava a
impressão de que ele nem mesmo os notava.
Dentre os distúrbios do comportamento na esquizofrenia, segundo Silva (2006) há a
inclusão do comportamento catatônico que foi descrito como um conjunto de movimentos,
posturas e ações complexas com ação involuntária. A anedonia ou perda da capacidade de sentir
prazer é tida como a característica central da esquizofrenia. Podendo abranger: a perda de prazer
em comer, beber, cantar e, até mesmo se relacionar. O embotamento afetivo pode ser considerado
comum. Pode-se notar que J. estava incomodado com algo, a partir da observação do seu
comportamento facial que apresentava por vezes, expressão interpretada pela equipe como de
23
inquietude. Porém, ele nunca, no período que esteve no Hospital-Dia, conseguiu verbalizar suas
angústias ou preocupações, todavia, estava claro que elas existiam.
Segundo Santana (2008) os comportamentos apresentados por uma pessoa com o
diagnóstico de esquizofrenia podem assumir diferentes manifestações como: isolamento, recusa
no auto-cuidado, fala considerada inadequada, não valorização da necessidade de uma vida
profissional ou o simples contentamento com uma existência sem objetivos, responsabilidades,
indiferença e insensibilidade social. Expectativas em relação à vida estão geralmente diminuídas
na esquizofrenia quando os pacientes se acomodam às circunstâncias adversas sem empenho ou
motivação para a resolução de problemas. A forma apática com a qual J. se apresentava,
possivelmente, ratifica tais descrições, pois, havia pouca ou nenhuma iniciativa no seu fazer.
Como exemplo há a situação acontecida em uma tarde na qual era realizada atividade grupal na
parte externa do Hospital-Dia. Com o início de uma chuva, os outros pacientes levantaram-se,
organizando seus materiais para irem para a área coberta, entretanto, J. permaneceu estático com
o olhar fixo e sem expressão, como que alheio ao que estava acontecendo. Somente com o
estímulo e a orientação da terapeuta é que se levantou e se juntou aos outros.
Ainda segundo Santana (2008) entende-se que há influência do ambiente sobre o
comportamento de uma pessoa com diagnóstico de esquizofrenia, sugerindo que não existe uma
deteriorização da personalidade do mesmo, mas sim, são as respostas ambientais que perdem a
função social e se tornam deterioradoras, a partir, da sensação que o sujeito diagnosticado tem de
“desvalorização” ou “desqualificação” do meio às suas reações e vontades.
Observa-se através dos estudos de Sá Júnior e Souza (2007) que a mudança de hábitos
sociais, como a diminuição do tempo ocioso e o aumento do contato social, melhoraram alguns
sintomas da doença devido aos estímulos cerebrais criados nestas atividades. Talvez, tal
conclusão teórica, justifique a aparente falta de progressos no tratamento de J. uma vez que ele
rejeitava o contato social e ficava muito tempo ocioso.
Há indícios de que o diagnóstico da esquizofrenia se relaciona com a influência de
eventos estressores psicossociais no curso da doença. Sabe-se que diversas doenças de etiologia
biológica podem ser influenciadas por particularidades psicossociais como: perda de familiar
próximo, mudança de moradia, provas escolares e etc. Desta forma, pacientes com diagnóstico de
esquizofrenia podem apresentar pioras sintomatológicas diante destes tipos de estresses. Com
base neste entendimento, compreende-se o modelo da vulnerabilidade e estresse psicossocial que
24
integra aspectos biológicos e psicossociais influenciando na doença, corroborando para que a
forma, intensidade e curso dos sintomas esquizofrênicos sejam vistos como uma mescla entre o
grau de vulnerabilidade biológica do paciente e a intensidade do estresse ambiental (SILVA,
2006). A partir destes preceitos pode-se compreender a gravidade da manifestação da
esquizofrenia no paciente J. Diante da seqüência de perdas importantes vivenciadas por ele,
reconhece-se um ambiente altamente estressor, o qual, não tendo ele recursos para lidar
emocionalmente, preferiu isolar-se, possivelmente, através da sua psicose.
A partir de todo este apanhado teórico sobre as limitações emocionais e cognitivas de uma
pessoa diagnosticada com esquizofrenia, pode-se compreender que pode haver uma dificuldade
maior para o paciente com este diagnóstico de vivenciar situações de extrema fragilidade como é
o caso do luto, (MOTA, 2008), especialmente, porquê sabe-se que para o sujeito lidar com as
perdas, inúmeras variáveis emocionais estão envolvidas e estas podem favorecer ou comprometer
o processo.
O luto é uma experiência dinâmica, individualizada e multidimensional que causa
sofrimento emocional intenso e tristeza profunda pela perda da figura significativa. Deve ser
considerado como um episódio de vida inevitável e imprevisível, para o qual não deve-se propor
resolução, nem pensar em superação. O luto deve sim ser visto com um evento que se torna parte
da vida de maneira única e mutável ao longo do tempo tendo seu segmento natural através de
uma ressignificação e transformação da relação com a pessoa perdida. Sendo assim, a elaboração
de um luto não se dá com a resolução do sofrimento ou volta à normalidade, mas sim, com a
incorporação da perda na vida do enlutado, de tal modo que ele possa seguir a vida adiante com
as marcas desta experiência, entretanto, com a possibilidade de continuar e avançar na vida
(BOUSSO, 2011).
Ainda segundo esta autora (2011), a maneira saudável de lidar com o luto se faz quando é
possível enfrentar os sentimentos diversos evocados pela perda, conviver com a nova realidade
que se impõe, além, da vivência de momentos nos quais se possa evitar a dor e se voltar para si
mesmo. Com a constatação de que a figura perdida não irá voltar o sujeito enlutado necessitará de
tempo e de recursos emocionais para se reajustar e transformar a sua própria identidade sem ela e,
à sua maneira.
No caso de J., foram observadas importantes dificuldades de lidar com o processo de luto
uma vez que seu posicionamento era de isolamento e pouca abertura para o contato. Teve-se a
25
oportunidade de observá-lo em duas situações as quais o tema luto esteve, indiretamente,
presente. Em uma delas, o grupo realizava uma atividade com jornal, na qual a orientação era de
que todos os pacientes buscassem uma reportagem que lhes chamassem atenção para ler e
discutir com o grupo. J., tentava realizar a atividade com certa latência após a orientação, porém,
demonstrando certo entendimento da proposta. Ao se deparar com a palavra “morte” em uma
reportagem do jornal, colocou sua mão em cima da palavra e paralisou, não conseguindo mais
voltar para a tarefa, nem mesmo com a orientação individualizada da terapeuta, permanecendo
mais introspectivo e isolado no decorrer do dia. Em um outro momento, o grupo estava em uma
atividade de cinema assistindo ao filme “Um sonho possível”, J. estava atento e sem resistência à
proposta. Contudo, houve uma cena na qual a personagem principal perde seu pai, após esta
explicitação, J. muda sua posição na sala se colocando de costas para a TV e não mais assistindo
ao filme. Quando abordado pela terapeuta sobre o quê havia acontecido, não consegue dizer
sequer uma palavra. A partir de tais episódios pode-se supor que J. não estava conseguindo lidar
com a sua dor e que, talvez, fosse mais fácil para ele evitar o tema.
Deve-se entender que todo este processo de elaboração do luto é complexo, tendo
influências em circunstâncias anteriores à morte, no próprio momento e após o óbito que podem
dificultar o processo de luto. Distorções como o adiamento, a inibição ou cronificação do
processo são outros pontos que podem complicar a vivência desembocando em sintomas físicos
e/ou mentais. (KOVÁCS, 2008).
O acontecimento de perdas múltiplas, ou seja, morte de várias pessoas da mesma família é
outro complicador, uma vez que torna o processo do luto crônico e demanda resistência do
enlutado para lidar com estresse permanente e tristeza profunda de forma contínua. Diante de tal
situação, segundo Kovács (2008) podem ocorrer sentimentos ambivalentes, tristeza pela perda e
raiva pelo abandono, desejo da morte para alívio do sofrimento, que pode provocar culpa,
podendo ser este um fator de risco para o luto complicado.
Na história de J. há a ocorrência de perdas múltiplas, ou seja, em sua vida em um curto
espaço de tempo (10 anos), ocorreu a perda do irmão, do pai, dos avós maternos cuidadores, da
mãe e de seu animal de estimação. Tal montante pode prejudicar de forma contundente a
possibilidade de elaboração do luto. Acredita-se na dificuldade, inclusive, de permitir a formação
de novos vínculos justificados pelo importante isolamento social apresentado. Tal ocorrência
pode dever-se ao medo de perder estes novos vínculos ou em uma instância ainda maior, ser uma
26
dificuldade de confiar em alguém, uma vez que as figuras mais importantes de sua vida, em
algum momento o abandonaram.
27
6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da literatura sobre luto está claro a necessidade de recursos emocionais potentes
que os enlutados devem lançar mão para passar de forma mais saudável por este momento de dor
e tamanha fragilidade. Nos casos de pacientes esquizofrênicos vimos que há, no geral, perdas de
recursos cognitivos e emocionais que os habilitem a lidar com importantes episódios estressantes.
Desta forma, chegamos a provável conclusão de que, enlutados com diagnóstico de
esquizofrenia apresentam dificuldades maiores para a elaboração do processo de luto, por
estarem, geralmente absortos da realidade e por não terem condições de sustentar tamanha dor,
sucumbem ao processo de isolamento, com pouca força e motivação para reagir.
Não conseguimos esgotar o tema, e realmente, não era esta a intenção deste trabalho.
Entretanto, nos fica a dúvida: Não houvesse J. passado por perdas múltiplas em sua história de
vida, seu adoecimento psíquico teria sido menos drástico? Teria sua psiquê condições de suportar
melhor os efeitos devastadores da esquizofrenia não houvesse tamanho sofrimento se
sobrepondo?
Esperamos novos estudos científicos para nos ajudar a esclarecer, ou pelo menos,
compreender melhor tais inter-relações.
28
7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, M. F. M., LEMOS, A. C. S., CARVALHO, C. M. L. O Relacionamento Terapêutico no Cuidado Dispensado à um Esquizofrênico: Narrativas de um Diário de Campo. Revista Brasileira em Promoção da Saúde. vol. 20, n. 002, p. 116-123, 2007, Fortaleza. Disponível em: < http://ojs.unifor.br/index.php/RBPS/article/view/1012> Acesso em 25/01/2013. BOUSSO, R. S. A Complexidade e a Simplicidade da Vivência do Luto. Revista Acta Paulista de Enfermagem. vol. 24, n. 03, 2011. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002011000300001> Acesso em 25/01/2013. BOWLBY, J. Formação e Rompimento dos Vínculos Afetivos. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. BOWLBY, J. Perda: Tristeza e Depressão. Vl 03, 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. FERREIRA JUNIOR, B. C. et al. Alterações Cognitivas na Esquizofrenia: Atualização. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul. Vol. 32, n. 02, p. 57-63, 2010. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rprs/v32n2/v32n2a06.pdf>. Acesso em 25/01/2013. FRANCO, M. H. P. (org). Formação e Rompimento de Vínculos: O Dilema das Perdas na Atualidade. São Paulo: Summus Editorial, 2010. FREUD, S. A Perda da Realidade na Neurose e na Psicose. Vol. XIX, 1924. Disponível em: < http://lacan.orgfree.com/freud/textosf/perdarealidadeneurosepsicose.pdf> Acesso em 24/12/2012. KOVÁCS, M. J. Morte e Desnvolvimento Humano. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992 KOVÁCS, M. J. Desenvolvimento da Tatatologia: Estudos sobre a Morte e o Morrer. Paidéia. vol. 18, n. 41, p. 457-468, 2008. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/paideia/v18n41/v18n41a04.pdf> . Acesso em 25/01/13. KLUBER-ROSS. Sobre a Morte e o Morrer. 8 ed. São Paulo: Edart, 2002. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. DSM- IV- TR. 4 ed. rev. Porto Alegre: Artmed, 2002. MOTA, M. M. A. O Luto em Adolescentes pela Morte do Pai: Risco e Prevenção para a Saúde Mental. Tese de Doutorado – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, 2008. Disponível em: < http://psi21.com.br/ojs/index.php/CBPA/article/viewFile/15/15> Acesso em 25/01/2013.
29
NETO, M. L. et al. Esquizofrenia. In: ABREU, C. N, et al. Síndromes Psiquiátricas: Diagnóstico e Entrevista para Profissionais de Saúde Mental. Porto Alegre: Artmed, 2006. PARKES, C. M. Luto: Estudos sobre a perda na vida adulta. 2ª ed. São Paulo: Summus Editorial, 1998. SÁ JUNIOR, A. R., SOUZA, M. C. Avaliação do Comprometimento Funcional na Esquizofrenia. Revista de Psiquiatria Clínica. Vol. 34, supl. 02, p. 164-168, 2007. Disponível em: < http://hcnet.usp.br/ipq/revista/vol34/s2/164.html> Acesso em 25/01/2013. SANTANA, L. A. M. Comportamento Verbal e Esquizofrenia: Estratégia Operante de Intervenção. Tese de Mestrado – Universidade Católica de Goiás, 2008. Disponível em: < http://tede.biblioteca.ucg.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=457> Acesso em 25/01/2013. SILVA, R. C. B. Esquizofrenia: Uma Revisão. Revista de Psicologia da Universidade de São Paulo. Vol. 17, n. 04, p. 263-285, 2006. Disponível em: <http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/psicousp/v17n4/v17n4a14.pdf> Acesso em 25/01/2013. STERIAN, A. Esquizofrenia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2011. Organização Mundial da Saúde. Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas. Porto Alegre: Artmed, 1993. TANIS, B. Especificidade no Processo de Elaboração do Luto na Adolescência. Revista Brasileira de Psicanálise. vol. 43, n. 03, p. 39-50, 2009. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S0486-641X2009000300005&script=sci_arttext> Acesso em 25/01/12.
top related