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MEC - MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA
UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
PURO - PÓLO UNIVERSITÁRIO DE RIO DAS OSTRAS
RIR - DEPARTAMENTO INTERDISCIPLINAR DE RIO DAS OSTRAS
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
O SIGILO PROFISSIONAL DOS
ASSISTENTES SOCIAIS:
Um estudo dos Códigos de Ética e da concepção de
profissionais
Rio das Ostras
2011
2011
2011
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
PÓLO UNIVERSITÁRIO DE RIO DAS OSTRAS
DEPARTAMENTO INTERDISCIPLINAR DE RIO DAS OSTRAS
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
RAYANNE DANIELLE COSTA CARDOSO DE OLIVEIRA
O SIGILO PROFISSIONAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS: Um estudo dos Códigos de Ética e da concepção de profissionais
Rio das Ostras, dezembro de 2011.
2
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
PÓLO UNIVERSITÁRIO DE RIO DAS OSTRAS
DEPARTAMENTO INTERDISCIPLINAR DE RIO DAS OSTRAS
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
RAYANNE DANIELLE COSTA CARDOSO DE OLIVEIRA
O SIGILO PROFISSIONAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS: Um estudo dos Códigos de Ética e da concepção de profissionais
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como
requisito parcial para a obtenção do título de
bacharel em Serviço Social pela Universidade
Federal Fluminense – Polo Universitário de Rio das
Ostras.
Orientadora: Profª. Mariana Pfeifer
Rio das Ostras, dezembro de 2011.
3
RAYANNE DANIELLE COSTA CARDOSO DE OLIVEIRA
O SIGILO PROFISSIONAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS: Um estudo dos Códigos de Ética e da concepção de profissionais
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado e aprovado como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal Fluminense, Polo
Universitário de Rio das Ostras.
Monografia aprovada em ____/____/____
Banca Examinadora
____________________________________
Profª. Msc. Mariana Pfeifer
Orientadora
Universidade Federal Fluminense
____________________________________
Profª Dra. Cristina Maria Brites
Examinadora
Universidade Federal Fluminense
_____________________________________
Profª. Msc. Lúcia Maria da Silva Soares
Examinadora
Universidade Federal Fluminense
4
Dedico este trabalho ao meu Deus e Senhor, que me
deu forças pra eu que chegasse até aqui, e que
bondosamente conduziu meus passos não me
deixando desistir.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus pelo dom da minha vida, por toda a presença que tem no meu viver, sobretudo por te
me concedido a graça de cursar uma Universidade Federal.
Aos meus pais, Sr. Marcelo e Sra. Elizangela, pela educação que me deram, pela dignidade da
formação do meu caráter e pelo amor que sempre me concederam. A minha mãe que sempre
acreditou no meu potencial, e ao meu pai, pelo auxilio na escolha da profissão, pela ajuda
material com a impressão dos trabalhos e pelo apoio de sempre. Aos dois todo meu
amor!Obrigada por tudo.
Ao meu amor e companheiro Jodemilson, pelo seu amor, carinho, compreensão, por todo
incentivo e força para que eu concluísse a faculdade. Eu te amo muito! Obrigada!
Ao meu irmão que gentilmente abaixou o som todas as vezes que eu precisava estudar, e pelas
suas críticas que contribuíram de forma construtiva no meu pensamento e postura enquanto
profissional.
Aos professores que contribuíram transmitindo o conhecimento necessário para minha
formação acadêmica.
A minha orientadora Mariana Pfeifer, que surpreendeu todas as minhas expectativas, e que
contribuiu de forma muito positiva, não me deixando desistir e me dando ânimo para que eu
concluísse mais essa etapa na minha vida. Obrigada Mariana!
A todos os meus amigos e amigas, as que fiz ao longo da vida acadêmica pela partilha de
todos os momentos da minha formação, e a todos os amigos que sempre estiveram ao meu
lado. Raiana, Caroline, Bianca, Fernanda, amigas que estão sempre comigo, obrigada por
tudo, minhas irmãs! Obrigada Raiana pela paciência de ouvir, que a culpa é do sistema e que
esse sistema tem que acabar.
A todos que fazem parte da minha vida, e que de alguma forma contribuíram para a conclusão
dessa jornada.
6
“Só há duas opções nesta vida: se resignar ou
se indignar. E eu não vou me resignar nunca”.
Darcy Ribeiro
7
RESUMO
O objetivo deste trabalho é discutir e analisar o sigilo profissional do Assistente Social
brasileiro nos diferentes contextos históricos, teórico-metodológicos, ético-políticos e
normativo. Para tal se faz necessário, conhecer o contexto histórico, teórico-metodológico e
ético-político no qual se inserem os Códigos de Ética do Serviço Social brasileiro; analisar as
concepções de Sigilo Profissional nos Códigos de Ética do Serviço Social brasileiro dos anos
de 1947, 1965, 1975, 1986 e 1993 e compreender o entendimento que os Assistentes Sociais
têm acerca do Sigilo Profissional. Neste processo, será mostrado o contexto que se deu o
surgimento do Serviço Social no Brasil, e a primeira formulação ética de normatização no ano
de 1947, logo após a atuação do Serviço Social entre os anos de 1950 e 1970 e os Códigos de
Ética de 1965 e 1975, a ditadura militar, o movimento de reconceituação e os Códigos de
Ética de 1986 e 1993. A fim de analisar a concepção do sigilo do Serviço Social brasileiro, há
a criação de alguns indicadores e critérios para esta análise. E por fim, com o objetivo de dar
um enfoque mais específico, que se aproxime mais da realidade, foi realizada uma entrevista
com três profissionais de Serviço Social, sendo duas professoras do Curso de Serviço Social e
uma Agente Fiscal do Conselho Regional de Serviço Social do Rio de Janeiro, para levantar
as concepções que estas têm acerca do que é o sigilo profissional, o que se entende por quebra
do sigilo profissional, e outras questões que determinam a abordagem do sigilo profissional
no âmbito do exercício da profissão.
Palavras-Chave: Sigilo profissional, Códigos de Ética do Serviço Social brasileiro, exercício
profissional.
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LISTA DE SIGLAS
ABAS - Associação Brasileira de Assistentes Sociais
ABESS- Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social
ABEPSS- Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
CFAS- Conselho Federal de Assistentes Sociais
CFESS- Conselho Federal de Serviço Social
CRAS- Conselho Regional de Assistentes Sociais
CRESS- Conselho Regional de Serviço Social
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Terminologia utilizada nos Códigos de Ética relativos ao Sigilo ..................... 27
Tabela 2 – Sigilo enquanto direito ou dever do Assistente Social ...................................... 32
Tabela 3 – Forma como aparece a noção de dever e de direito ao Sigilo ........................... 33
Tabela 4 – Terminologia utilizada nos Códigos relativas Usuário ..................................... 35
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 11
1 OS CÓDIGOS DE ÉTICA DO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO: UM RESGATE
HISTÓRICO E TEÓRICO-METODOLÓGICO ............................................................................ 13
1.1 Surgimento do Serviço Social no Brasil e a primeira formulação ética de 1947 ........................ 13
1.2 Atuação do Serviço Social entre 1950 e 1970 e os Códigos de Ética de 1965 e 1975 ............... 17
1.3 Ditadura Militar, Movimento de Reconceituação e os Códigos de Ética de 1986 e de 1993 ..... 22
2 O SIGILO PROFISSIONAL NOS CÓDIGOS DE ÉTICA DO SERVIÇO SOCIAL
BRASILEIRO: UMA ANÁLISE COMPARATIVA ....................................................................... 26
2.1 Terminologia utilizada: Sigilo e segredo .................................................................................... 27
2.2 Informações consideradas Sigilosas ........................................................................................... 28
2.3 Possibilidades de quebra do Sigilo Profissional ......................................................................... 29
2.4 Sigilo Profissional diante de depoimento judicial ou policial ..................................................... 31
2.5 Sigilo Profissional enquanto direito e/ou dever do Assistente Social ......................................... 32
2.6 Terminologia utilizada com relação ao usuário .......................................................................... 35
2.7 A questão da interdisciplinaridade .............................................................................................. 36
2.8 Resoluções que abordam temas relativos ao Sigilo Profissional ................................................ 37
3 A CONCEPÇÃO DE ASSISTENTES SOCIAIS ACERCA DO SIGILO .................................. 40
3.1 Metodologia utilizada para realização das entrevistas ................................................................ 40
3.2 Resultados das Entrevistas ......................................................................................................... 41
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 51
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 53
11
INTRODUÇÃO
O presente Trabalho de Conclusão de Curso está inserido como exigência parcial de
obtenção do título de Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal Fluminense.
A atuação como estagiária de Serviço Social do Programa DST/AIDS do município de
Macaé/RJ, me fez debruçar em uma realidade de usuários soropositivos marcados pelo
estigma de preconceito que sofrem pela sociedade. Sendo assim, todos os funcionários do
Programa têm o dever ético do Sigilo com relação aos pacientes da Instituição. Ao me deparar
com esta realidade, no decorrer de todo o Estágio a questão do Sigilo Profissional no âmbito
da atuação do Serviço Social sempre foi algo que me questionou e foi objeto de reflexão antes
mesmo de entrar no campo de Estágio, sobretudo, nas aulas da Disciplina de Ética e Serviço
Social e Estágio Supervisionado em Serviço Social. Desta forma, o tema deste trabalho é o
Sigilo Profissional, a forma como esse aspecto ético foi abordado ao longo da trajetória do
Serviço Social, e os desafios atuais de resguardá-lo em face das condições cada vez mais
precárias de trabalho das quais se deparam os Assistentes Sociais.
A relevância acadêmica do tema deve-se ao fato da escassez de material sobre o
assunto, apesar de existir produção acadêmica acerca de reflexões e questionamentos postos
ao profissional de Serviço Social nos dias atuais, principalmente no que diz respeito às
precárias condições de trabalho que consequentemente rebate na qualidade do atendimento
prestado ao usuário. O Sigilo sempre foi abordado nos códigos de ética profissional com certa
relevância. No cotidiano de trabalho os Assistentes Sociais sempre se deparam com situações
em que devem guardar Sigilo ou situações de precariedade das condições de trabalho onde o
Sigilo é ameaçado, como salas inadequadas, inexistência de arquivo com chave para guardar o
material, entre outros, mesmo com a regulamentação das resoluções expedidas pelo CFESS e
as diretrizes contidas no Código de Ética profissional de 1993, conforme a discussão proposta
por Forti (2009): “Contudo, embora identifiquemos a importância dos Princípios e /ou
referências contidos nesse documento, sabemos que esses só ganham significado, só podem
ser objetivados, no âmbito das situações concretas, ou seja, cotidiano do exercício
profissional” (FORTI, 2009, p.122).
O tema do Sigilo possui pouca bibliografia a respeito, pois foi realizada pesquisa
bibliográfica em revistas e livros de produção teórica sobre o Serviço Social e não foi
encontrado nenhum material que discutisse diretamente e em profundidade o Sigilo
12
profissional no âmbito do Serviço Social, sendo assim, o estudo dos Códigos de Ética
profissional do Serviço Social brasileiro serviram como instrumento de análise para a
realização desse trabalho.
Neste sentido, o objetivo geral desse trabalho é discutir e analisar o Sigilo profissional
do Assistente Social brasileiro nos diferentes contextos históricos, teórico-metodológicos,
ético-políticos e normativo. Este se desdobra nos seguintes objetivos específicos: conhecer o
contexto histórico, teórico-metodológico e ético-político no qual se inserem os Códigos de
Ética do Serviço Social brasileiro; analisar as concepções de Sigilo Profissional nos Códigos
de Ética do Serviço Social brasileiro dos anos de 1947, 1965, 1975, 1986 e 1993; e
compreender o entendimento que os Assistentes Sociais têm acerca do Sigilo Profissional.
A metodologia utilizada para esta pesquisa foi a análise documental, com o objetivo de
identificar as concepções do Sigilo nos Códigos de Ética do Assistente Social, tais como a
terminologia utilizada com relação ao Sigilo, informações consideradas Sigilosas,
possibilidades de quebra do Sigilo profissional, Sigilo profissional diante de depoimento
judicial ou policial, Sigilo profissional enquanto direito e/ou dever do Assistente Social,
terminologia utilizada com relação ao usuário e a questão da interdisciplinaridade. A análise
foi realizada estritamente sobre os artigos que tratam ou trazem elementos acerca do Sigilo
profissional. E ainda, foram realizadas entrevistas com dois professores do Curso de Serviço
Social e uma Agente Fiscal do CRESS-RJ para identificar sua compreensão acerca do Sigilo
Profissional.
No primeiro capítulo, é feito um resgate histórico e teórico-metodológico do
surgimento do Serviço Social no Brasil e a primeira formulação ética de 1947, a atuação do
Serviço Social entre os anos de 1950 e 1970 e os Códigos de Ética de 1965 e 1975, e a
ditadura militar, o movimento de reconceituação e os Códigos de Ética de 1986 e de 1993. No
segundo capítulo é feita uma análise comparativa dos Códigos de Ética do Serviço Social
brasileiro, segundo os indicadores de análise supramencionados. E no terceiro e último
capítulo, a concepção de Sigilo dos Assistentes Sociais conforme entrevistas realizadas,
apresentando a metodologia utilizada para a realização das entrevistas e a análise das mesmas.
13
1 OS CÓDIGOS DE ÉTICA DO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO: UM RESGATE
HISTÓRICO E TEÓRICO-METODOLÓGICO
Neste primeiro capítulo, me proponho a discorrer sobre o contexto histórico e teórico-
metodológicos vivenciados pela profissão e relacionados aos Códigos de Ética do Serviço
Social em qual contexto estes se inserem, uma vez que também refletem a conjuntura
histórica do país na época. Para isso, se faz necessário contextualizar o surgimento do Serviço
Social no Brasil de acordo com a conjuntura social e política naquele momento histórico.
1.1 Surgimento do Serviço Social no Brasil e a primeira formulação ética de 1947
Segundo Iamamoto (1981), o Serviço Social brasileiro surge em um contexto no qual a
expansão do capitalismo e a constituição do mercado estão em grande desenvolvimento nos
centros urbanos. Ou seja, passa a necessitar cada vez mais de uma mercadoria vital para o seu
funcionamento: a força de trabalho. Sendo assim, o operário tem na venda de sua força de
trabalho o meio que garantirá a sua sobrevivência. A exploração da força de trabalho do
operário torna-se abusiva, consubstanciando grande precariedade nas condições de vida e
trabalho da população trabalhadora do país, desta forma o operariado trava uma luta contra a
classe burguesa, para a garantia e ampliação de suas condições de existência. Ao passo que a
luta do operariado se desenvolve, esta passa a ser para a burguesia “uma ameaça a seus mais
sagrados valores, a moral, a religião e a ordem pública” (IAMAMOTO, CARVALHO, 1981,
p.126). Então, a partir deste momento a compra e venda da força de trabalho passa a ser,
progressivamente, alvo de uma regulamentação jurídico-política feita pelo Estado.
Essa regulamentação tem nas leis trabalhistas e sociais sua parte fundamental, sendo
colocadas a partir do momento em que as condições insalubres de vida e de trabalho do
operariado são desveladas para sociedade brasileira através das lutas sociais articuladas em
torno dos sindicatos e partidos operários. Assim sendo, diversas classes e frações de classes
dominantes, o Estado e a Igreja começam a se posicionar em face da “questão social”, e com
14
o desdobramento desta e a entrada do operariado no cenário político, há a necessidade de seu
reconhecimento pelo Estado e de implementação de políticas sociais que considerem seus
interesses. Além disso, a “questão social” passa a constituir-se fundamentalmente na
contradição entre burguesia e proletariado, ou seja, como parte intrínseca da sociedade
capitalista. Netto (2001), à luz do pensamento de Marx pontua que:
O desenvolvimento capitalista produz, compulsoriamente, a “questão social”-
diferentes estágios capitalistas produzem diferentes manifestações da “questão
social”; esta não é uma sequela adjetiva ou transitória do regime do capital: sua
existência e suas manifestações são indissociáveis da dinâmica específica do capital
tornado potência social dominante. A “questão social” é constitutiva do
desenvolvimento do capitalismo (NETTO, 2001, p.45).
O surgimento do Serviço Social se dá nesse contexto histórico, através da iniciativa de
grupos que se posicionam, sobretudo, vinculados à Igreja Católica. Sua legitimação enquanto
profissão está sustentada em grupos restritos da classe dominante, e sua especificidade está na
ausência de uma demanda que emane dos grupos aos quais se destina essencialmente.
Além disto, sustentam Iamamoto e Carvalho (1981) que o surgimento do Serviço
Social se dá em um momento de transformações vivenciadas no país. A crise internacional de
1929 e o movimento de outubro de 1930 geram um processo de reorganização no âmbito
estatal e econômico, acelerando a alocação da atividade central de agroexportação da
acumulação capitalista para outras de caráter interno. Em contrapartida, no decorrer das
décadas de 1920 e 1930, a pressão feita pelo movimento operário permanecerá como pedra de
toque através da qual as frações de classes sociais irão desenvolver políticas distintas, para o
enfretamento das questões levantadas pelo proletariado. Tais políticas delimitarão os limites
em que atuará o Serviço Social: a repressão e a caridade. Repressão, pois o Estado incapaz de
implementar políticas sociais que atendessem as demandas emanadas do proletariado, tratará
violentamente com a repressão policial suas reivindicações, como forma de manter a “ordem
social” necessária para o desenvolvimento do capitalismo. E caridade, pois contará com
práticas assistencialistas, como caixas de auxílio e assistência mútua, incentivadas pelo
empresariado e, sobretudo, pela Igreja, como forma de atenuar as tensões sociais.
Assim, segundo Iamamoto e Carvalho (1981) é no âmbito da Igreja com o movimento
católico leigo, que surge o Serviço Social como departamento especializado da Ação Social,
tendo como base a doutrina social da Igreja. Através do movimento laico católico as
iniciativas sociais se multiplicarão, no que diz respeito ao trato da “questão social”, no qual a
Igreja tentará atenuar as sequelas deixadas pelo desenvolvimento do capitalismo. Na década
de 1930, a Igreja se articula com o Estado para resguardar a “ordem social” fundamentando
15
esta articulação com ações universitárias católicas, Instituições de Estudos superiores,
Sindicalismo católico, entre outros.
Neste contexto surge o Centro de Estudo e Ação Social de São Paulo (CEAS), que
pode ser considerado a primeira manifestação do Serviço Social no Brasil. A criação dos
CEAS foi uma espécie de condensação das necessidades da ação católica em responder a
filantropia das classes dominantes e seu objetivo central era o de “promover a formação de
seus membros pelo estudo da doutrina social da Igreja e fundamentar sua ação nessa formação
doutrinária e no conhecimento aprofundado dos problemas sociais” (CEAS Apud
IAMAMOTO, 1981, p.169)
Havia também um sentido nessa ação social, o de intervir diretamente no proletariado,
visando afastá-lo de influências subversivas. O CEAS era formado por moças católicas, pois
viam na mulher a vocação para a caridade e que a mulher seria capaz de preservar a ordem
moral e social em sua intervenção. Segundo Iamamoto e Carvalho:
As atividades do CEAS se orientarão para a formação técnica especializada de
quadros para a ação social e a difusão da doutrina social da Igreja. Ao assumir essa
orientação, passa a atuar como dinamizador do apostolado laico através da
organização de associações para as moças católicas e para a intervenção direta junto
ao proletariado (IAMAMOTO, CARVALHO, 1981, p.173).
Assim, no ano de 1936 a partir das ações desenvolvidas pelo CEAS e o apoio da
hierarquia católica que será fundada a primeira Escola de Serviço Social de São Paulo. O
Serviço Social em seu surgimento relaciona-se profundamente com a ação social e política da
Igreja, que naquele momento lutava para assumir novamente sua influência e prestígio na
sociedade brasileira. Em sua ideologia, está envolto de uma doutrina social totalitária, em um
movimento de recristianização da sociedade através de um capitalismo modificado que
enquadrasse as classes subalternas afastando-as do pensamento socialista, introduzindo o
comunitarismo ético cristão, tendo como base o neotomismo, segundo Brites e Sales (2000),
pode assim ser definido como a base filosófica da doutrina da Igreja Católica que surge no
final do século XIX. Consiste em retomar as idéias mais fundamentais de São Tomás de
Aquino, somado a uma visão conservadora de mundo. Tem forte influência européia no que
diz respeito a algumas características assumidas pelos pioneiros do Serviço Social brasileiro
como o autoritarismo, paternalismo, doutrinarismo e ausência de base técnica que irá marcar
as primeiras ações desenvolvidas pelos núcleos formados em São Paulo e no Rio de Janeiro,
onde nesta última, a escola é criada em 1937.
A profissão vai se constituir por mulheres das frações das classes dominantes, que se
16
reúnem a partir de seu engajamento no âmbito católico. Seu modo de ver o mundo está
diretamente relacionado com a ideologia da classe dominante, o que reflete não só sua
inserção aos princípios católicos, mas também de sua origem de classe, no viés conservador,
de estabelecimento e manutenção da “ordem” para o desenvolvimento do sistema capitalista.
A atuação do Serviço Social é bem delimitada, tem por objetivo ajustar os indivíduos ao
considerado como normal, remediando tanto suas deficiências como as da coletividade,
"quando se dirige ao ajustamento de um determinado quadro, ele o faz para sanar deficiências
acidentais, decorrentes de certas circunstâncias, e não de um defeito estrutural"
(IAMAMOTO, CARVALHO, 1981, p. 202-203). Ao mesmo tempo em que sua atuação
concorre para garantir ao trabalhador e sua família um nível moral, físico e econômico
considerados “normal” de vida, deveria combater o relaxamento no trabalho, zelar pela
moralidade e adaptar o trabalhador a sua função no trabalho, como pontua muito bem
Iamamoto:
A profissão não se caracteriza apenas como nova forma de exercer a caridade, mas
como forma de intervenção ideológica na vida da classe trabalhadora, com base na
atividade assistencial; seus efeitos são essencialmente políticos: o enquadramento
dos trabalhadores nas relações sociais vigentes, reforçando a mútua colaboração
entre capital e trabalho (IAMAMOTO, 1992, p.20).
No que diz respeito à produção teórica do Serviço Social e a ética profissional, esta é
reflexo do humanismo cristão, qualidade necessária aos que pretendiam se inserir na profissão
de Serviço Social. O Assistente Social deveria ser uma pessoa íntegra moralmente, com
capacidade de devotamento e amor ao próximo, simplicidade, sociabilidade, calma, simpatia,
e com poder de convencimento.
Tinha como dimensão ético-política da profissão, a legitimação de uma suposta face
humanitária do Estado e do empresariado. Como princípios e diretrizes ético-morais, o
respeito à lei de Deus, o bem comum, a dignidade da pessoa humana, a caridade cristã, e
compreendia que o Serviço Social lida com pessoas humanas desajustadas. Sendo assim,
Uma primeira formulação ética do Serviço Social Brasileiro data de 1947 e consistiu
numa resposta à exigência de configuração de uma axiologia, isto é, da explicitação
de um corpo de valores com os quais os profissionais se comprometiam, para fins da
regulamentação do exercício profissional (BRITES, SALES, 2000, p.27).
Em sua elaboração e texto, o Código de Ética de 1947, é reflexo da ideologia que
sustentava a atuação do Serviço Social na época, como por exemplo, na Secção I, dos Deveres
Fundamentais, o Artigo I indica: “Cumprir os compromissos assumidos, respeitando a lei de
17
Deus, os direitos naturais do homem, inspirando-se, sempre em todos seus atos profissionais,
no bem comum e nos dispositivos da lei, tendo em mente o juramento prestado diante do
testemunho de Deus”. E também na Secção II, dos Deveres para com o beneficiário do
Serviço Social, o Artigo 1 indica: “Respeitar no beneficiário do Serviço Social a dignidade da
pessoa humana, inspirando-se na caridade cristã” (ABAS, 1947, p.1).
1.2 Atuação do Serviço Social entre 1950 e 1970 e os Códigos de Ética de 1965 e 1975
Segundo Iamamoto e Carvalho (1981), no decorrer da década de 1940 até a metade da
década de 1950, a economia brasileira mostra taxas de crescimento graças a muitos fatores,
sobretudo, a melhoria nas relações de intercâmbio com o exterior, que é seguido de medidas
de política econômica que objetivam o desenvolvimento da industrialização. Apesar das taxas
de crescimento positivas, algumas consequências negativas advêm desse processo, como, o
crescimento da dívida externa, percebida a partir do ano de 1955, no qual há uma constante
luta por definição de opções que objetivavam criar condições favoráveis para a expansão
econômica, no interior do chamado “capitalismo dependente”. Todos esses elementos fazem
parte das condições concretas que geram a ideologia desenvolvimentista e marcam suas
principais vertentes.
Conforme Iamamoto e Carvalho (1981), com a eleição de Juscelino Kubitschek a
presidência da República, a ideologia desenvolvimentista se tornará dominante, e será base de
uma nova estratégia que aglutina o pensamento da política getulista e a abertura para a
internacionalização da economia do país. O desenvolvimentismo tem como aspecto mais
importante a proposta de um crescimento econômico continuado, acelerado e auto-sustentado,
com vistas a superar o período de atraso e subdesenvolvimento. Assim, a ideologia
desenvolvimentista pode ser definida pela busca da expansão econômica nacional, no sentido
de prosperidade, grandeza material, riqueza, em um ambiente de paz e ordem social, no qual
todo esforço de elaboração de política econômica e trabalho são feitos para eliminar o
pauperismo, a miséria, elevando o nível de vida população, como consequência do
crescimento econômico. Sendo assim, como já mencionado, o problema a ser combatido era o
atraso do desenvolvimento econômico brasileiro, o que é explicitado por sua posição
18
secundária dentro do sistema capitalista, que pode ser entendido pelo fato da predominância
do modelo agroexportador, ou o fraco desenvolvimento industrial do país. Neste sentido, a
meta principal é investir na industrialização de base do país, de forma maciça, que garantirá a
contínua expansão. Para alcançar tal meta, não se faz necessário questionar a presença do
capital estrangeiro, pelo contrário, o apoio internacional é importante para o processo de
expansão da economia. O objetivo dessa expansão econômica não era abranger determinados
setores ou classes, mas sim o conjunto da sociedade. Para isto, mobilizaria a coletividade, pois
desta forma, a ideologia desenvolvimentista seria um ponto de convergência entre o Estado e
o povo, no qual a riqueza gerada seria o patrimônio de todos.
Contudo, apesar da ideologia desenvolvimentista ser dominante nesta época, o Serviço
Social permanecerá, até o final da década de 1950, alheio a toda essa ideologia. Isto ocorre
por muitos motivos, conforme explicita Iamamoto & Carvalho:
Num primeiro nível, o fato de o desenvolvimentismo juscelinista subordinar a
resolução da totalidade dos problemas ao da expansão econômica; o fato de o social,
dos diversos campos em que este se subdivide aparecer como variável dependente –
e ter por eixo de suas políticas específicas a potencialização do desenvolvimento
econômico – explicitam uma larga diferenciação de objetivos. Ao centrar a
perspectiva de integração das massas marginalizadas nas virtualidades da expansão
econômica, para a qual se orientam os esforços da política econômica e social,
restringe-se o espaço para um reforço da ação assistencial, e, portanto, a
possibilidade de sua incorporação àquelas políticas (IAMAMOTO, CARVALHO,
1981, p. 342).
Para os Assistentes Sociais é um momento de consolidação importante de posições e
campos de atuação, no âmbito do aparato social e assistencial. Este foi um momento de
desenvolvimento, absorção, aprofundamento e institucionalização do Serviço Social enquanto
profissão. Data desta época também, a abertura de um amplo e novo campo para a atuação do
Serviço Social: as empresas, sobretudo, as indústrias. Concomitante a este processo, é um
momento também de sistematização teórica e técnica das suas funções, objetivando definir
áreas específicas de atuação técnica. Há também um aprofundamento no âmbito do ensino em
Serviço Social, que se em seus primórdios é marcada pela influência européia, sobretudo
franco-belga, neste momento a influência passa a ser a do viés norte-americano, no qual a
atuação dos Assistentes Sociais volta-se cada vez mais para o tratamento, na linha da
psicologia e psiquiatria, com os desajustamentos psicossociais, fundamentado na ideologia
positivista, através da atuação do Serviço Social com caso, grupo e comunidade, o qual
detalharei mais adiante. Cabe agora explicitar no que consiste o pensamento positivista que
será o pano de fundo ideológico e a base teórica que sustentará, sobretudo, a atuação do
19
Serviço Social de Caso.
Para o positivismo, a sociedade é regida por leis naturais, isto é, leis invariáveis,
independentes da vontade e ação humanas, na vida social, reina uma harmonia natural. Assim,
as ciências da sociedade, assim como as da natureza, devem limitar-se a observação e à
explicação causal dos fenômenos, de forma objetiva, neutra, excluindo qualquer possibilidade
de superação ou negação da ordem social estabelecida. Com base nesse pensamento, o
Serviço Social de Casos, segundo Hamilton, “caracteriza-se pelo objetivo de fornecer serviços
práticos e de aconselhamento, de tal modo que seja desenvolvida a capacidade psicológica do
cliente e seja levado a utilizar-se dos serviços existentes para atender a seus problemas”
(HAMILTON, 1958, p.38). Sendo assim, o objetivo principal é fazer com que o cliente se
adapte ao seu ambiente social, desvendando as causas psicológicas ou os fatores externos das
disfunções e fazer com que o indivíduo satisfaça suas necessidades e se relacione com o meio
da maneira mais adequada.
No que diz respeito ao Serviço Social de grupo, este consistia primeiramente na
aplicação de áreas de recreação, baseada na necessidade de uma ocupação adequada para as
horas de lazer, sobretudo à base de atividades sociais (como passeio e festas), educacionais
(cursos e palestras) e atividades esportivas. Tais grupos eram isolados, pois as atividades
estavam centradas nos interesses de cada grupo. Contavam com o patrocínio de alguma
entidade que programava as atividades que seriam realizadas pelo grupo.
A partir dos anos de 1960, a abordagem do Serviço Social de Grupo ganha aspectos e
objetivos distintos daqueles exercidos anteriormente. Segundo Vieira (1978) seu objetivo
passa a ser a capacitação do indivíduo para que este haja corretamente em seu meio social.
Conforme o documento de Araxá: “O Serviço Social de Grupo é um processo de Serviço
Social que, através de experiências propositadas, visa capacitar os indivíduos a melhorarem o
seu relacionamento social e enfrentarem do modo mais eficaz seus problemas pessoais,
grupais e comunitários” 1. Sendo assim, o objetivo é a transformação da situação em que se
encontra o grupo e seus membros, que pode ser interna ou externa. Interna quando diz
respeito à situação dentro do grupo e externa quando se refere às condições da organização ou
na comunidade. Visam atender, da melhor forma possível às necessidades e objetivos dos
membros. Segundo Vieira (1978, p.163), são os objetivos do Serviço Social com Grupos:
1) Ajudar o indivíduo a resolver problemas pessoais que não podem ser resolvidos por um tratamento individual, seja pela interferência de costumes ou tradições culturais, seja porque precisa de uma experiência de socialização;
1Documento de Araxá Apud Vieira, 1978, p.162.
20
2) Resolver problema de relacionamento ou de adaptação, ensinando o indivíduo a viver em sociedade, ajustá-lo a exigências da vida moderna, através de experiências planejadas, de modo a levá-lo a participar inteligentemente das atividades do grupo, e, assim, obter satisfação pessoal como membro de uma equipe. 3) Ajudar o grupo, como um todo, a atingir seus objetivos e desenvolver nesta experiência sua consciência social, cooperando com a organização que o abriga e com outros grupos na comunidade. Pode-se dizer, portanto, que o Serviço Social com Grupos é, tanto para o indivíduo como para o grupo, uma escola de democracia (VIEIRA, 1978, p.163).
Toda essa abordagem e intervenção com grupos são sustentadas pelas concepções
sociológicas fundamentalmente positivistas, pela constatação dos fatos, pela compreensão dos
fenômenos grupais e comportamentais dos indivíduos.
O desenvolvimento de Comunidade como um dos meios de intervenção do Serviço
Social, tem como foco a “comunidade em si”, seus problemas, necessidades, aspirações, e a
sua inserção nos planos de desenvolvimento do país, que se faz necessário nesse contexto, o
governo se alia ao esforço da população. É um processo multiprofissional e interdisciplinar,
no qual o Serviço Social se constitui como uma das profissões que integram esse
desenvolvimento.
Como resultado de um processo histórico, e do contexto sócio-histórico vivenciado
pela profissão na década de 1960, há a criação do Conselho Federal de Assistentes Sociais
(CFAS) aprovado pelo Decreto nº 994, de 15 de maio de 1962, e a regulamentação dos
Conselhos Regionais de Assistentes Sociais (CRAS). O Código de Ética de 1965 é reflexo
dos valores tradicionais de caráter conservador e cristão, sobre a atuação profissional,
confiante na “solidariedade entre classes” e consonante com o projeto reformista conservador.
Algumas características podem ser destacadas, como a defesa da tradição social, a ênfase na
família, valorização dos princípios da ordem, hierarquia e disciplina, entre outras. Isto pode
ser expresso no Artigo 6 que diz: “O Assistente Social deve zelar pela família, grupo natural
para o desenvolvimento da pessoa humana e base essencial da sociedade, defendendo a
prioridade dos seus direitos e encorajando as medidas que favoreçam a sua estabilidade e
integridade”, como também no Artigo 8: “O Assistente Social deve colaborar com os poderes
públicos na preservação do bem comum e dos direitos individuais, dentro dos princípios
democráticos, lutando inclusive para o estabelecimento de uma ordem social justa” e ainda no
Artigo 37 que diz que: “ Todo Assistente Social, mesmo fora do exercício de sua profissão,
deverá abster-se de qualquer ação que possa desaboná-lo, procurando firmar sua conduta
pessoal por elevado padrão ético, contribuindo para bom conceito da profissão” (CFAS, 1965,
p.7).
Conforme Brites e Sales:
21
A ética tradicional, pois, presente tanto no documento de 1947 quanto no Código de
1965, era apenas de caráter controlador e normativo, consistindo o código de ética
num instrumento essencialmente corporativo, que empreende por meios legais, a
adequação da prática profissional ao estabelecido, de forma conectada ao
coroamento filosófico da defesa do status quo (BRITES, SALES, 2000, p.29-30).
Segundo Brites e Sales (2000), no decorrer da década de 1960, opera-se uma mudança
no perfil profissional dos assistentes sociais, que vão se distinguindo das pioneiras da
profissão de características católicas e de cunho moral, origem burguesa e opção profissional
entendida como uma vocação. A partir desta época, os profissionais tornam-se advindos das
camadas médias da sociedade, o que é explicado pela expansão e consolidação do mercado de
trabalho e o assalariamento dos profissionais, tendência que se intensificará nos anos de 1970.
Brites e Sales ainda pontuam que:
Tais alterações no perfil dos assistentes sociais, articuladas aos desdobramentos
sócio-econômicos e político-culturais da década de 60 em todo o continente latino-
americano, contribuem para a emersão de um pluralismo profissional, que se
aprofunda em direções diferentes: uma voltada para o passado e com referência na
matriz conservadora e tradicional; outra ainda nessa direção, mas emoldurada pela
modernização; e por fim, aquela, que, ancorada na matriz crítico-dialética e com os
olhos postos no futuro, associar-se-á, em fins dos anos 70, às possibilidades de
ruptura com o tradicionalismo e à renovação profissional (BRITES, SALES, 2000,
p.30).
Porém, irá prevalecer até a década de 1980, “um projeto profissional que aprofunda os
vínculos do Serviço Social com o conservadorismo. Esse teor ídeopolítico se traduziu numa
concepção de prática profissional assentada em estratégias de controle, inculcação e
psicologização” (BRITES, SALES, 2000, p.31). Tal matriz conservadora é dotada de caráter
modernizador e tecnicista, o que será sistematizado nos Documentos de Araxá (1967) e
Teresópolis (1970). No âmbito das disposições ética e normativas, ele se materializa no
Código de Ética de 1975, mantidos os pressupostos filosóficos neotomistas. Ancorando-se em
Brites e Sales (2000):
No Código de Ética de 1975, aprofundaram-se, sobretudo, os vínculos teóricos
metodológicos do Serviço Social com o estrutural-funcionalismo, expressando o
adensamento da lógica racionalista, cientificista, asséptica e a-histórica, como
parâmetros técnico-operativos ao desencadeamento da prática profissional (BRITES,
SALES, 2000, p.34-35).
22
1.3 Ditadura Militar, Movimento de Reconceituação e os Códigos de Ética de 1986 e de
1993
O período que compreende o ano de 1964 até o ano de 1985 é o período de governo da
ditadura militar. Segundo Pereira (2000) tal período se caracterizou pelo modelo autoritário e
tecnocrático, e expressou explícita modificação no conteúdo estatal, deixando de ser
populista/desenvolvimentista, para tornar-se tecnocrático e centralizado sob o apoio da classe
média e burguesa e dominado pelas elites civis e militares. Foi seguido de reformas
institucionais que reestruturaram o aparelho estatal, enfatizando o planejamento direto, a
racionalização burocrática, e a hegemonia do saber técnico em detrimento da participação
popular. Além disto, no âmbito econômico, este foi concentrador e excludente, negando o
liberalismo conservador e dotado de algumas características como, o desprezo pela massa
popular, valorização do capital estrangeiro, intervenção do Estado na economia e na
sociedade, através de medidas como arrocho do salário, coibição dos sindicatos e proibição de
greves, estatização de áreas de infraestrutura, indústria pesada e insumos básicos (visando o
interesse dos investidores estrangeiros), entre outros.
Concomitante a vivência da ditadura militar no Brasil, no interior do Serviço Social é
um período de desenvolvimento importante da profissão. Conforme pontua Netto:
Do estrito ponto de vista profissional, o fenômeno mais característico desta quadra
relaciona-se à renovação do Serviço Social. No âmbito das suas natureza e
funcionalidade constitutivas, alteraram-se muitas demandas práticas a ele colocadas
e a sua inserção nas estruturas organizacional – institucionais (donde, pois, a
alteração das condições do exercício profissional); a reprodução da categoria
profissional – a formação dos seus quadros técnicos – viu-se profundamente
redimensionada (bem como os padrões da sua organização como categoria); e suas
referências teórico-culturais e ideológicos sofreram giros sensíveis (assim como as
suas auto-representações (NETTO, 2002, p.115).
Segundo Netto (2002), isto se deve ao fato de que a partir dos anos de 1960, a
inspiração marxista torna-se expressiva no âmbito dos Assistentes Sociais, de teor
notadamente crítico articulado sobre matrizes teóricas bem diversas. É importante destacar
que estas mudanças no interior da profissão não surgiram abstratamente. Faz parte de um
processo que emerge desde meados da década 1960, acarretada por uma série de fatores, que
favoreceram o surgimento dos movimentos sociais dos trabalhadores que reivindicavam a
implementação de políticas sociais para o atendimento de suas necessidades. Este contexto foi
extremamente favorável ao movimento de reconceituação das práticas profissionais
conservadoras. A partir de então a influência marxista emerge de forma mais clara para os
23
assistentes sociais.
Seguida da crise do regime ditatorial que é expresso por um contexto de luta pela
democratização da sociedade brasileira, foi propiciado um terreno fértil para o
aprofundamento do movimento de renovação do Serviço Social. O grande marco deste novo
período que se abre para a profissão é o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, no
ano de 1979, que ficou mais conhecido como “Congresso da Virada”, pelo seu aspecto de
contestação e vontade de transformação da profissão. No âmbito da ética profissional,
conforme explicitam Brites e Sales (2000):
Há duas inflexões significativas, recentes, nos rumos da ética profissional no Brasil:
uma na segunda metade dos anos 80 e outra no início dos anos 90. A primeira diz
respeito à revisão do Código de Ética de 1975, na esteira dos acontecimentos da luta
pela redemocratização no país, da organização política da categoria, que inaugura
uma prática sindical em sintonia com a luta mais geral dos trabalhadores; e do
debate da formação profissional (BRITES, SALES, 2000, p.43).
Tendo o “Congresso da Virada” como fomentador, temos a partir de então,
decisivamente um acúmulo das reflexões investigativas sobre a formação, o que foi
incentivado pela Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social (ABESS) – atual
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) – que culminou
com a aprovação do Currículo de 1982 e a concretização teórica das exigências de um novo
perfil para o Assistente Social. Todos os avanços se articularam com as experiências da
prática que visavam a ruptura com Serviço Social tradicional. Temos assim, no âmbito da
profissão, assistentes sociais cada vez mais críticos, que começam a interagir com perspectiva
crítico-dialética (marxismo) e outras perspectivas teóricas críticas. A respeito da ruptura com
o Serviço Social tradicional Iamamoto (1992) pontua que:
A ruptura com a herança conservadora expressa-se como uma procura, uma luta por
alcançar novas bases de legitimidade da ação profissional do Assistente Social, que
reconhecendo as contradições sociais presentes nas condições do exercício
profissional, busca colocar-se,objetivamente, a serviço dos interesses dos usuários,
isto é, dos setores dominados da sociedade. Não se reduz a um movimento “interno”
da profissão. Faz parte de um movimento social mais geral, determinado pelo
confronto e a correlação de forças entre as classes fundamentais da sociedade, o que
não exclui a responsabilidade da categoria pelo rumo dado às suas atividades e pela
forma de conduzi-las (IAMAMOTO, 1992, p.37 – grifos no original).
Temos assim, como resultado desta perspectiva crítica de reflexão, no campo ético, a
revisão do Código de Ética de 1975, que engendrou um novo Código de Ética em 1986,
marcado pela recusa da neutralidade, pelo reconhecimento do aspecto político da profissão,
noção de historicidade e de determinação material como categoria fundante do ser social,
24
assim como colocou a objetivação dos sujeitos históricos que possam apreender suas
necessidades concretas, ultrapassando os valores do bem comum e da dignidade humana de
caráter conservador. A mudança que o Código de Ética de 1986 produziu, pode ser notada
logo em seu início, quando diz: “As idéias, a moral e as práticas de uma sociedade se
modificam no decorrer do processo histórico. De acordo com a forma em que esta se organiza
para produzir, cria seu governo, suas instituições e sua moral” (CFAS, 1986, p.7). É
irrefutável que a elaboração do Código de Ética de 1986 é fruto de avanços conquistados pela
categoria profissional, principalmente com relação à Instituição, os usuários e os demais
profissionais, conforme pontuam Brites e Sales (2000, p.48):
O reconhecimento dos direitos e das necessidades dos usuários dos serviços sociais
repercute diretamente na compreensão profissional acerca das demandas
institucionais colocadas à sua prática e da premência de alterar qualitativamente a
relação deste profissional com a Instituição, e com os demais profissionais. O que
impulsiona esta redefinição da correlação de forças no espaço institucional é a
consciência da importância de se imprimir uma nova direção social à prática
profissional. Esse redirecionamento ancora-se em referências políticas e econômicas
que permitem uma apreensão crítica acerca do complexo papel da intervenção do
Estado nas expressões da questão social, no âmbito da contraditória relação entre as
necessidades e interesses das classes. A esse respeito o Código estabelece, entre os
seus princípios e diretrizes, como um parâmetro decisivo na relação dos assistentes
sociais com a instituição, a expressar uma nova ética: “A contribuição na alteração
da correlação de forças no espaço institucional e o fortalecimento de novas
demandas de interesses dos usuários” (Código de 1986:8).
Com relação ao Código de Ética de 1993, este representa uma reafirmação dos
avanços conquistados pelo Código de Ética de 1986, bem como a proposição de algumas
alterações que expressam cada vez mais o amadurecimento teórico da categoria profissional,
tendo em vista a necessidade de explicitar o significado social da profissão e os rebatimentos
éticos de sua intervenção. Expressa o abandono da base filosófica conservadora, e o
reconhecimento pelo Serviço Social dos direitos de seus usuários, como também a
representação de um instrumento que irá normatizar a qualidade dos serviços prestados pelos
profissionais aos usuários, bem como a garantia de um direcionamento único para a totalidade
dos profissionais, apontando condições ideais de exercício profissional, no qual o foco é a
qualidade dos serviços prestados a população usuária. Neste sentido, o Código de Ética de
1986 mostrou-se incipiente, por isso a necessidade de sua revisão, conforme pontuam Brites e
Sales (2000):
Todavia, se o Código de 86, como se viu, buscou instituir no plano ético uma nova
legitimidade profissional, no lastro de acúmulo de uma massa crítica no âmbito da
formação e da organização política da categoria, mostrou-se frágil em sua
capacidade de embasar a operacionalização jurídica e política dos pressupostos
25
valorativos ali contidos. (BRITES, SALES, 2000, p.49):
Há também a efetivação de diretrizes para respostas profissionais e também do
processo de fiscalização da profissão, através de resoluções expedidas pelo Conselho Federal
de Serviço Social (CFESS), aos quais detalharei no segundo capítulo.
Presenciamos nos dias atuais conforme Iamamoto (2004), um período de regressão dos
direitos sociais em prol do capital e do mercado, orientado pela lógica neoliberal, de
diminuição da intervenção do Estado nas expressões da questão social, que se aprofundam e
se modificam, transferindo a responsabilidade para a iniciativa privada, como pontua
Iamamoto (2004):
A atual desregulamentação das politicas públicas e dos direitos sociais desloca a
atenção à pobreza para a iniciativa privada ou individual, impulsionada por
motivações solidárias e benemerentes, submetidas ao arbítrio do indivíduo isolado, e
não à responsabilidade pública do Estado (IAMAMOTO, 2004, p.3).
Temos hoje, desafios colocados aos Assistentes Sociais, um deles é como
implementar um projeto profissional vinculado à defesa dos direitos sociais num cenário tão
adverso, no qual as expressões da questão social se modificam, assumindo formas distintas de
acordo com cada contexto, e o que presenciamos atualmente é o aumento do desemprego, a
precarização das relações de trabalho, juntamente com a hegemonia do projeto neoliberal no
qual o aparelho estatal torna-se cada vez menos responsável pela execução de políticas
públicas que de fato atendam as necessidades dos usuários do Serviço Social.
Portanto, a consolidação do projeto ético-político do Serviço Social nos dias atuais é
um constante desafio colocado as Assistentes Sociais, pois vivemos em contexto desfavorável
a efetivação dos direitos sociais, conforme explicitado acima, e que é brilhantemente exposto
por Iamamoto (2004):
A consolidação do projeto ético-político profissional que vem sendo construído
requer remar na contracorrente, andar no contravento, alinhando forças que
impulsionem mudanças na rota dos ventos e das marés na vida em sociedade.
Teimamos em reconhecer a liberdade como valor ético central, o que implica
desenvolver o trabalho profissional para reconhecer a autonomia, emancipação e
plena expansão dos indivíduos sociais, reforçando princípios e práticas
democráticas. Aquele reconhecimento desdobra-se na defesa intransigente dos
direitos humanos, o que tem como contrapartida a recusa do arbítrio e de todos os
tipos de autoritarismos (IAMAMOTO, 2004, p.141- grifos no original).
26
2 O SIGILO PROFISSIONAL NOS CÓDIGOS DE ÉTICA DO SERVIÇO SOCIAL
BRASILEIRO: UMA ANÁLISE COMPARATIVA
O Sigilo Profissional sempre foi um aspecto presente no âmbito da atuação do
Assistente Social, assim como é abordado no decorrer de todos os Códigos de Ética do
Serviço Social, desde a primeira formulação ética de 1947 até o atual Código de 1993. Ora é
abordado como Segredo Profissional, ora abordado como Sigilo Profissional, mesmo assim,
sempre foi elemento presente em todos os Códigos de Ética. O significado tanto do termo
Sigilo quanto do termo Segredo remete a idéia de confidencialidade, de algo que é restrito,
oculto, escondido. Segundo o dicionário da língua portuguesa, o significado da palavra
Segredo é:
s.m. O que há de mais escondido; o que se oculta à vista, ao conhecimento: não
conte este segredo a ninguém. / O que a ninguém deve ser dito; que é secreto;
confidência: segredo confidencial. / O sentido oculto de algo: segredo do texto. / O
que há de mais difícil; o que exige uma iniciação especial, em uma arte, uma ciência
etc.: segredos da poesia. / Meio ou processo conhecido de uns poucos. 2
O significado da palavra Sigilo é: “s.m. Segredo. / Ant. Selo para fechamento de
documentos”.3
Assim, no decorrer dos Códigos de Ética do Serviço Social, elementos como
nomenclatura, concepção do que é o Sigilo, informações consideradas Sigilosas,
possibilidades de quebra, quebra diante de depoimentos policiais ou judiciais, procedimentos
para revelação em caso de quebra de Sigilo, como guardar Sigilo, Sigilo como direito/dever,
terminologia utilizada no que diz respeito ao usuário, e o Sigilo na perspectiva interdisciplinar
foram se modificando com o passar do tempo e do amadurecimento do Serviço Social
enquanto profissão. Tais aspectos são determinados pelo contexto sócio-histórico de cada
Código, bem como da base teórico-metodológica que lhes sustentava, tal como abordado no
Capítulo 1 deste trabalho. Desta forma, me proponho a analisar e comparar de que forma cada
um desses elementos aparecem nos diferentes Códigos de Ética do Serviço Social brasileiro.
2 Disponível em: http://www.dicionariodeportugues.com/significado/segredo-41730.html. Acesso em: 05 out. 2011. 3 Disponível em: http://www.dicionariodeportugues.com/significado/Sigilo-41730.html. Acesso em: 05 out. 2011.
27
2.1 Terminologia utilizada: Sigilo e segredo
Com relação à nomenclatura utilizada nos Códigos, pode-se evidenciar que aparece
tanto o termo “Segredo” quanto o termo “Sigilo”. Pode-se analisar que a palavra Segredo nos
remete a idéia de uma relação mais informal e coloquial, relativa às relações pessoais,
familiares e de amizade. O termo Sigilo já nos traz a idéia de uma relação técnica e formal,
tendo em vista que a relação do Assistente Social com o usuário é uma relação profissional e
não uma relação informal ou de amizade, mesmo que o Assistente Social em sua atuação
profissional estabeleça com o usuário um vínculo de confiança, proximidade e empatia. O
termo Segredo pode nos remeter a uma noção moralista das condições de vida da população
usuária, tendo em vista seu caráter mais informal.
Nos diferentes Códigos de Ética do Serviço Social brasileiro, a terminologia pode ser
explicitada da seguinte forma:
Tabela 1 - Terminologia utilizada nos Códigos de Ética relativos ao Sigilo
Código de Ética 1947 1965 1975 1986 1993
Terminologia Sigilo Segredo Segredo Sigilo Sigilo
Fonte: Elaborado pela autora.
É interessante notar que mesmo no contexto dos primórdios da profissão no Brasil,
envolta em pressupostos católicos e com base neotomista de sustentação teórica, no Código
de Ética de 1947, a nomenclatura utilizada é “Sigilo”, o que só aparecerá dessa forma
novamente no Código de Ética de 1986.
Como explicitado no quadro acima, a nomenclatura utilizada nos Códigos de 1965 e
1975 é a terminologia “Segredo”, e é relevante destacar que no Código de 1975 mesmo que a
terminologia utilizada no seu capítulo III, que trata especificamente do tema, utilize o termo
”Segredo”, anteriormente, quando trata no capítulo I dos direitos do Assistente Social, vai
tratar a partir do termo “Sigilo” quando diz que é um direito em relação ao exercício
profissional o “Sigilo Profissional” (CFAS, 1975). O contexto vivenciado dos anos de 1965 a
1975 ainda tinha-se uma atuação moralista e conservadora do Serviço Social, com a prática do
28
Serviço Social de Caso, Grupo e Comunidade, voltada para o ajustamento do individuo ao
meio social e ao desvendamento as causas psicológicas e dos fatores externos dos seus
“desajustes”, para que assim, o “cliente” passasse a se relacionar com o ambiente social de
maneira mais adequada.
No Código de Ética de 1986 a nomenclatura “Sigilo” é retomada e reafirmada na
elaboração do Código de Ética de 1993, que está em vigor até os dias atuais.
2.2 Informações consideradas Sigilosas
O Sigilo Profissional e sua importância no âmbito da atuação profissional aparece
desde o Código de 1947. Neste sentido, outro elemento de análise se refere à concepção do
que cada Código compreende ser uma informação Sigilosa no trabalho profissional. Neste
Código de 1947, são consideradas “Sigilosas” todas as informações que o profissional toma
contato em razão de seu ofício, isto é, informações que o Assistente Social toma
conhecimento no seu processo de atuação profissional. Tal idéia é explicitada no Art.2 onde
diz que as informações Sigilosas são aquelas “Sobre o que [o profissional] saiba em razão de
seu ofício” (ABAS, 1947, p.1).
Após 18 anos, na implementação do Código de Ética de 1965, a compreensão do que é
informação Sigilosa se refere a “todas as confidências recebidas e fatos de que tenha
conhecimento ou haja observado no exercício de sua atividade profissional”, conforme
indicado no Art. 15 (CFAS, 1965, p.3). Neste Código, o Sigilo aparece com a idéia de dever
do profissional, aspecto que irei analisar mais adiante, quando tratarei da noção do Sigilo
como direito/dever.
O Código de Ética de 1975 é o único Código que detalha que tipo de informações que
eram vedadas ao Assistente Social divulgar, quais sejam: nome, endereço ou qualquer outra
informação que identificasse o “cliente”. Considera-se ainda todas as confidências, fatos e
observações colhidas pelo Assistente Social através do exercício profissional. Este Código
também especifica que a revelação de casos de sevícias (torturas), castigos corporais,
supressão intencional de alimentos, atentados ao pudor, entre outros que visassem à proteção
do menor, não eram consideradas quebra de Sigilo Profissional. Ou seja, se o Assistente
29
Social tomasse conhecimento de um desses casos, a revelação não seria considerada quebra
de Sigilo.
Depois de nove anos e de todo o processo de renovação profissional vivenciado pela
categoria, que já foram detalhados no primeiro capítulo, o Código de Ética de 1986 pode ser
considerado um Código que visava romper com as práticas do Serviço Social tradicional, e ao
longo do seu texto podemos perceber a mudança da base teórica na qual a categoria
profissional passa a se ancorar. O Código de Ética de 1986 vai trabalhar com a noção de que
informações Sigilosas são todas as informações confiadas e/ou colhidas no interior do
exercício profissional, sendo dever do Assistente Social observar o Sigilo Profissional em
relação a elas. Esta idéia aparece no seguinte trecho do Art. 4: “o Assistente Social deve
observar o Sigilo profissional, sobre todas as informações confiadas e/ou colhidas no
exercício profissional” (CFAS, 1986, p.4).
No último e atual Código de Ética, publicado em 1993, tudo aquilo que o Assistente
Social toma conhecimento em decorrência de sua atuação profissional é considerado Sigiloso,
e o Sigilo Profissional protege o usuário no que diz respeito a essas informações que são
colhidas no fazer profissional do Assistente Social.
Um aspecto que é interessante analisar é a forma como os Códigos de Ética do Serviço
Social abordam o modo através do qual o Assistente Social pode resguardar o Sigilo
Profissional no âmbito da sua atuação. Os únicos Códigos que abordam tal aspecto são o
Código de Ética de 1975 e o de 1993. No primeiro, estava previsto que para manter o Sigilo
Profissional era necessário se abster de transcrever qualquer informação de natureza
confidencial, bem como manter “discrição de atitudes nos relatórios de serviço onde quer que
trabalhe”, como referido no item III do Art. 7 (CFAS, 1975, p.8). No atual Código de Ética,
publicado em 1993, o resguardo do Sigilo Profissional está posto quando indica que no
trabalho multidisciplinar o Assistente Social deverá prestar “informações dentro dos limites
do estritamente necessário” (CFESS, 1993, p.7).
2.3 Possibilidades de quebra do Sigilo Profissional
A quebra do Sigilo Profissional também é tomada como elemento de análise
comparativa entre os Códigos Ética de neste estudo. A possibilidade de quebra de Sigilo
30
Profissional aparece primeiramente no Código de Ética de 1965, que previa situações em que
a quebra possa evitar um mal maior e um dano grave ao “cliente”, ao Assistente Social, a
terceiros e ao bem comum. Entretanto, a quebra só é admitida após esgotar todos os recursos
possíveis, no qual o próprio “cliente” se dispusesse a revelá-lo. Tal compreensão aparece de
forma similar no Código de 1975, quando diz no Art. 7 que:
§2° ‐ É admissível revelar segredo profissional para evitar dano grave, injusto e
atual ao próprio cliente, ao Assistente Social, a terceiro ou ao bem comum.
§3°‐ A revelação do Sigilo profissional será admitida após se haverem esgotado
todos os recursos e esforços para que o próprio cliente se disponha a revelá‐lo.
§4°‐ A revelação será feita dentro do estritamente necessário, o mais discretamente
possível, quer em relação ao assunto revelado, quer ao grau e número de pessoas que
dele devem tomar conhecimento (CFAS, 1975, p.8).
Por outro lado, o Código de Ética de 1975 preconizava a necessidade de revelação de
Sigilo Profissional em casos de sevícias, castigos corporais, atentados ao pudor, supressão
intencional de alimento e uso de tóxicos, com vista à proteção do menor, como apontado no
Artigo 7, Inciso 5, Capítulo III (CFAS, 1975). Cabe ressaltar que é apenas neste Código de
Ética que a revelação desses casos não era considerada quebra de Sigilo Profissional, nos
demais tal situação não é mencionada.
Já no Código de Ética de 1986, compreendia-se que a quebra do Sigilo Profissional só
era admissível em situações nas quais a gravidade pudesse trazer prejuízos aos interesses da
classe trabalhadora, como trata no Art. 4: “§1° ‐ A quebra do Sigilo só é admissível, quando
se tratar de situação cuja gravidade possa trazer prejuízos aos interesses da classe
trabalhadora” (CFAS, 1986, p.4).
No Código de Ética de 1993, que permanece em vigor na atualidade, preconiza-se que
a quebra do Sigilo Profissional só é admissível em situações que envolvam ou não fato
delituoso, possa trazer prejuízos aos interesses do usuário, de terceiros e da coletividade,
conforme o Art.18:
A quebra do Sigilo só é admissível quando se tratarem de situações cuja gravidade
possa, envolvendo ou não fato delituoso, trazer prejuízo aos interesses do usuário, de
terceiros e da coletividade.
Parágrafo único - A revelação será feita dentro do estritamente necessário, quer em
relação ao assunto revelado, quer ao grau e número de pessoas que dele devam
tomar conhecimento (CFESS, 1993, p.7).
Além de prever a possibilidade da quebra nas situações supracitadas, a partir do
Código de Ética de 1965, também será explicitado algumas indicações em relação a revelação
do Sigilo Profissional. Neste Código, a revelação do “Segredo Profissional”, só seria feita
31
após esgotar todos os recursos disponíveis. Neste e nos Códigos de Ética de 1975, de 1986 e
de 1993, há a orientação de que a revelação do Sigilo Profissional deveria ser feita dentro do
estritamente necessário, quer em relação ao assunto revelado, quer em relação ao grau e ao
número de pessoas que deveriam tomar conhecimento. Contudo, não trazem o que se
considera ou compreende por “estritamente necessário”, quais informações seriam, qual seu
conteúdo, colocando neste sentido a autonomia e a subjetividade do profissional como
elemento de mediação para a análise e tomada de decisão acerca do que se considera como
Sigiloso e ao que o profissional considera como passível de revelação.
2.4 Sigilo Profissional diante de depoimento judicial ou policial
No decorrer de todos os Códigos de Ética do Serviço Social brasileiro, o Assistente
Social nunca esteve legalmente obrigado a prestar depoimento judicial ou policial sobre as
informações que tomava contato em decorrência de sua atividade profissional, revelando
informações protegidas pelo Sigilo Profissional.
Diferentemente dos demais, o Código de Ética de 1947 é o único em que não há
menção acerca do Art.144 do antigo Código Civil, enquanto um respaldo ao profissional para
a guarda do Sigilo mesmo se fosse chamado a depor em depoimentos policiais, em função do
seu ofício. Este artigo que diz que: “Ninguém pode ser obrigado a depor de fatos, a cujo
respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo” (Código Civil de 1916, Lei n. 3.071,
de 1° de janeiro de 1916). Neste sentido, mesmo chamado a depor policial ou judicialmente, o
Assistente Social deveria guardar Sigilo de todas as informações que tinha conhecimento.
No Código de Ética de 1965, O Assistente Social não estava legalmente obrigado a
depor como testemunha sobre fatos de que tenha tomado conhecimento em seu exercício
profissional. Porém, intimado a depor, deveria comparecer diante da autoridade competente e
informar que está legalmente obrigado a guardar segredo profissional, conforme o Art. 144 do
Código Civil, como previsto no Art. 17° do Código de Ética de 1965:
O Assistente Social não se obriga a depor como testemunha, sobre fatos de que
tenha conhecimento profissional, mas intimado a prestar depoimento, deverá
comparecer perante à autoridade competente para declarar‐lhe que está ligado à
obrigação do segredo profissional, de acordo com o art. 144 do Código Civil (CFAS,
1965, p.4).
32
A partir do Código de Ética de 1975, aparece a figura do próprio Código de Ética
como respaldo legal para a desobrigação de prestar informações e considerava que, se o
Assistente Social fosse intimado a prestar depoimento, deveria comparecer e informar a
autoridade competente que está obrigado a guardar segredo profissional nos termos do Código
de Ética e do Código Civil. Esta concepção também aparece no Código de Ética de 1986.
É interessante notar que no Código de Ética de 1993 esta situação é preconizada como
um dever do Assistente Social conforme a alínea “b” do Art.19: “Comparecer perante a
autoridade competente, quando intimado a prestar depoimento, para declarar que está
obrigado a guardar Sigilo Profissional nos termos deste Código e da Legislação em vigor”. E
ainda, na alínea “a” do Art. 20, diz que é vedado ao Assistente Social: “depor como
testemunha sobre situação Sigilosa do usuário de que tenha conhecimento no exercício
profissional, mesmo quando autorizado”. Cabe ressaltar, que o atual Código de Ética é o
único que preconiza que mesmo se o usuário autorizasse o Assistente Social a depor como
testemunha ou revelar informações Sigilosas colhidas no âmbito do exercício profissional, a
este é vedado essa condição de testemunha.
2.5 Sigilo Profissional enquanto direito e/ou dever do Assistente Social
Com a reformulação do Código de Ética de 1986 realizada no ano de 1993, este que é
o último e atual Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais brasileiros, o Sigilo
Profissional é preconizado como direito do Assistente Social. Além disto, pode-se
compreender que além de um direito do Assistente Social, o Sigilo também é um dever do
profissional, o que é explicitado no Art. 16, segundo o qual é o compromisso ético com o
Sigilo que “protegerá o usuário de todas as informações que o Assistente Social venha a tomar
conhecimento, através de sua atuação profissional” (CFESS, 1993, p.7).
A noção de direito e/ou dever está posta nos Códigos de Ética tal como indica o
quadro a seguir.
33
Tabela 2 – Sigilo enquanto direito ou dever do Assistente Social:
Código de Ética 1947 1965 1975 1986 1993
Terminologia Dever Dever Dever e
Direito
Dever Direito e
Dever
Fonte: Elaborado pela autora.
Outro aspecto de grande relevância é perceber e analisar de que forma esta noção de
direito e/ou dever em relação ao Sigilo Profissional está colocada textualmente nos Códigos
de Ética do Serviço Social brasileiro. A concepção do Sigilo enquanto um direito é percebida
ora como uma noção indireta, isto é, não está textual e explicitamente colocada no Código nos
termos “O Assistente Social tem direito ao Sigilo Profissional” , e ora como uma noção direta,
ou seja, aparece textualmente colocada nos Códigos de Ética. Já a noção de dever aparece
somente como uma noção indireta, visto que o texto dos Códigos de Ética utiliza termos como
“obrigado”, “vedado”, isto é, o Assistente Social é obrigado a manter Sigilo ou lhe é vedado
revelar Sigilo profissional; nunca aparecendo explicitamente que o Assistente Social tem o
dever de resguardar o Sigilo Profissional. A tabela abaixo sistematiza esta análise tal como
aparecem nos diferentes Códigos.
Tabela 3 – Forma como aparece a noção de dever e de direito ao Sigilo.
Códigos de Ética 1947 1965 1975 1986 1993
Noção
de
Direito
Como
aparece
Não
aparece Não aparece
Indireta
Indireta
Direta
Termo
utilizado
“Direito a
inviolabilidade”
“Constituem-
se direitos”
Constitui direito
do Assistente
Social.
Noção
de
Dever
Como
aparece Indireta Indireta Indireta Indireta Indireta
Termo
utilizado
“Guardar
rigoroso
Sigilo”
“O
Assistente
Social é
obrigado a”
É vedado”
“Deve observar”
“Proteção a
confidencialidade
do cliente”
“O Assistente
Social deve
observar
Sigilo”.
“O Sigilo
protegerá o
usuário”
Fonte: Elaborado pela autora.
A noção indireta do Sigilo Profissional enquanto um direito do Assistente Social
aparece apenas a partir do Código de 1975. Esta idéia se coloca nos Códigos quando apontam
34
como um direito do Assistente Social a “inviolabilidade do domicílio do consultório, dos
locais de trabalho e respectivos arquivos”, tal como expresso no Título II- Direitos e Deveres
do Assistente Social, Capítulo I- Dos Direitos, Art.4º, Alínea “e” (CFAS, 1975, p.4). O
Código de Ética de 1986 também traz a noção de direito ao Sigilo de uma forma indireta
quando aborda no Título II- Dos direitos e das Responsabilidades gerais do Assistente Social,
no Capítulo I- dos Direitos no “Art.2º- Constituem-se direitos do Assistente Social: e.
Inviolabilidade do domicilio, do local de trabalho e respectivos arquivos e documentação”
(CFESS, 1986, p.3). Também no Código de Ética de 1993, esta noção indireta de sigilo está
colocada no Art. 2º, alínea d, que diz: “Inviolabilidade do local de trabalho e respectivos
arquivos e documentação, garantindo o sigilo profissional” (CFESS, 1993, p.4).
A noção direta de direito ao Sigilo aparece no Código de Ética de 1975, no Título II
que aborda os Direitos e Deveres do Assistente Social, Capítulo I - dos Direitos, alínea “d” do
Art.4, o qual preconiza explicitamente que é um direito do Assistente Social o Sigilo
Profissional. Essa noção aparece novamente no Código de 1993, a idéia vem explicitamente
colocada no Art.15 quando afirma que “Constitui direito do Assistente Social manter o Sigilo
Profissional” (CFESS, 1993, p.7).
A noção indireta de dever com relação ao Sigilo aparece no Código de Ética de 1965,
no Art.15, quando diz que: “O Assistente Social é obrigado pela Ética e pela Lei (art.154 do
Código Penal) a guardar segredo sobre todas as confidências recebidas e fatos que tenha
conhecimento ou haja observado no exercício de sua atividade profissional” (CFAS, 1965,
p.3), ou seja, a obrigatoriedade de manter o “segredo” das informações recebidas no exercício
profissional dá a idéia de que era dever do Assistente Social zelar pelo “segredo” dessas
informações.
No Código de Ética de 1975, no Art. 6, estava previsto que: “É vedado ao Assistente
Social: c- Divulgar nome, endereço ou outro elemento que identifique o cliente”. E ainda no
Art.7: “O Assistente Social deve observar o segredo profissional: I- Sobre todas as
confidências recebidas, fatos ou observações colhidas no exercício da profissão”. Sendo
assim, nos artigos a idéia de dever se coloca indiretamente. Neste mesmo Código, embora
preconizado como um direito do Assistente Social com relação ao exercício profissional, na
alínea “c” do Art.4 diz: “Proteção a confidencialidade do cliente” (CFAS, 1975), o que
também exprime de forma indireta essa noção de dever do profissional.
No Código de Ética de 1986, essa noção indireta de dever vem expressa somente no
Art.4 que prevê que: “O Assistente Social deve observar o Sigilo Profissional, sobre todas as
informações confiadas e/ou colhidas no exercício profissional” (CFESS, 1986).
35
E, no último e atual Código de Ética do Assistente Social, de 1993, a noção indireta de
dever aparece no Art.16: “O Sigilo protegerá o usuário em tudo aquilo que o Assistente Social
tome conhecimento, como decorrência do exercício profissional da atividade profissional”.
Apenas no Código de 1993, ficará explicitamente colocado no texto em seu Art.15:
“Constitui direito do Assistente Social manter o Sigilo profissional” (CFESS, 1993, p.7).
2.6 Terminologia utilizada com relação ao usuário
A terminologia utilizada nos Códigos com relação ao usuário pode ser explicitada da
seguinte forma:
Tabela 4 - Terminologia utilizada nos Códigos relativas Usuário:
Código de Ética 1947 1965 1975 1986 1993
Terminologia Cliente Cliente Cliente Usuário Usuário
Fonte: Elaborado pela autora.
Cabe ressaltar, que a nomenclatura cliente nos remete a idéia de uma relação
mercadológica, uma relação de compra e venda, pois o indivíduo é entendido como
desajustado e precisa de tratamento para se adequar ao meio social, conforme explicita Vieira
(1978):
Como no Serviço Social com Indivíduos, o sujeito é o indivíduo psicologicamente
normal ou com leves distúrbios, que não o impede, entretanto, de funcionar em
sociedade. Quando o indivíduo não é mental ou psicologicamente normal, deve ser
encaminhado a especialistas e poderá, se for o caso, ser o objeto da terapia em grupo
(VIEIRA, 1978, p.162- grifos no original).
Já a nomenclatura usuário remete a idéia de sujeito de direitos, usuário de políticas sociais
públicas, política social que é brilhantemente caracterizada por Behring (2009):
Constata-se que a política social – que atende às necessidades do capital e, também,
do trabalho, já que para muitos se trata de uma questão de sobrevivência –
36
configura-se, no contexto da estagnação, como um terreno importante de luta de
classes: da defesa de condições dignas de existência, face ao recrudescimento da
ofensiva capitalista em termos do corte de recursos públicos para a reprodução da
força de trabalho (BEHRING, 2009, p. 316- grifos no original).
2.7 A questão da interdisciplinaridade
Ely (2003), utilizando os conceitos propostos por Vasconcelos (1997) pontua que a
interdisciplinaridade pode ser compreendida por relações entre profissionais que partilham de
estratégias de ação comuns, estabelecendo uma recíproca troca de saberes e conhecimentos
entre as diferentes disciplinas. Para a existência da relação interdisciplinar é necessário que
haja equipes de trabalho constituídas por profissionais com qualificações diversas que
trabalhem em uma constante troca, com cooperação e coesão. No âmbito desse processo de
troca e articulação, é necessário que haja o respeito à criatividade e autonomia intrínseca a
cada profissão, para que não haja a exclusão ou predominância de uma determinada área.
A primeira abordagem relativa ao trabalho interdisciplinar nos Códigos de Ética do
Serviço Social brasileiro vai aparecer no Código de 1965, no Artigo 15, quando diz que:
O Assistente Social é obrigado pela ética e pela Lei (art.154 do Código Penal)4 a
guardar segredos sobre todas as confidências recebidas e fatos de que tenha
conhecimento ou haja observado no exercício de sua atividade profissional,
obrigando-se a exigir o mesmo segredo de todos os seus colaboradores (CFAS,
1965, p.3).
Os outros profissionais eram chamados de colaboradores, e o Assistente Social deveria
exigir que os mesmos tivessem o mesmo cuidado com relação ao “segredo profissional”.
A menção ao trabalho interdisciplinar também está posta no Código de Ética de 1975,
abordado no primeiro inciso do Art.7, que diz: “O Sigilo estender-se-á à equipe
interdisciplinar e aos auxiliares, devendo o Assistente Social empenhar-se em sua guarda”.
(CFAS, 1975, p.8). Cabe ressaltar que, enquanto no Código de 1965 o Assistente Social
deveria exigir segredo profissional por parte de seus colaboradores; no Código de 1975 o
dever era do Assistente Social de resguardar esse Sigilo no âmbito do trabalho
4 Art.154: Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão,
e cuja revelação possa produzir dano a outrem (Decreto Lei n.2.848 de 7 de dezembro de 1940).
37
interdisciplinar, ou seja, o Assistente Social deveria guardar Sigilo dos fatos e confidências
recebidas no âmbito da atuação profissional, mesmo quando em uma atuação interdisciplinar.
O Código de 1986 não aborda a questão no Sigilo profissional no trabalho
interdisciplinar. O tema volta a ser objeto de normatização no atual Código de Ética
profissional de 1993, em seu Artigo 16 diz que:
O Sigilo protegerá o usuário em tudo aquilo de que o Assistente Social tome
conhecimento, como decorrência do exercício da atividade profissional. Parágrafo
único. Em trabalho multidisciplinar só poderão ser prestadas informações dentro dos
limites do estritamente necessário (CFESS, 1993, p.7).
2.8 Resoluções que abordam temas relativos ao Sigilo Profissional
Dentro do quadro normativo do Serviço Social, ainda existem duas resoluções
expedidas pelo CFESS que tratam de questões de importância para a compreensão do Sigilo
Profissional.
Uma delas é a Resolução CFESS n° 493, de 21 de agosto de 2006, que regulamenta e
dispõe sobre as condições éticas e técnicas do exercício profissional do Assistente Social e
prevê algumas condições mínimas para o exercício da profissão. Esta Resolução orienta que:
Art. 2º O local de atendimento destinado ao Assistente Social deve ser dotado de
espaço suficiente, para abordagens individuais ou coletivas, conforme as
características dos serviços prestados, e deve possuir e garantir as seguintes
características físicas:
a- iluminação adequada ao trabalho diurno e noturno, conforme a organização
institucional;
b- recursos que garantam a privacidade do usuário naquilo que for revelado
durante o processo de intervenção profissional;
c- ventilação adequada a atendimentos breves ou demorados e com portas fechadas
d- espaço adequado para colocação de arquivos para a adequada guarda de
material técnico de caráter reservado.
Art. 3º - O atendimento efetuado pelo Assistente Social deve ser feito com portas
fechadas, de forma a garantir o Sigilo (CFESS, 2006, p.2 – grifos nossos).
Ou seja, temos apontadas, a partir desta resolução, as condições de trabalho
consideradas adequadas para a prestação de um serviço de qualidade aos usuários do Serviço
Social, um local de atendimento que garanta privacidade ao usuário, um espaço para os
arquivos para guardar o material técnico Sigiloso, e de portas fechadas. Todas essas condições
38
são necessárias, sobretudo, para que o atendimento Sigiloso prestado ao usuário seja
garantido.
Há também a Resolução n° 556, de 15 de setembro de 2009, que dispõe sobre os
procedimentos para efeito de lacração do Material Técnico e Material Técnico-Sigiloso do
Serviço Social. Esta Resolução vai fazer uma distinção entre dois tipos de materiais técnicos:
o material técnico e o material técnico Sigiloso. O primeiro se refere aos materiais e
documentos elaborados e gerados em decorrência da atuação profissional do Assistente Social
nos quais não contém informações consideradas Sigilosas. Já no segundo,
Art. 2 - Entende-se por material técnico Sigiloso toda documentação produzida, que
pela natureza de seu conteúdo, deva ser de conhecimento restrito e, portanto,
requeiram medidas especiais de salvaguarda para sua custódia e divulgação.
Parágrafo Único - O material técnico Sigiloso caracteriza-se por conter informações
Sigilosas, cuja divulgação comprometa a imagem, a dignidade, a segurança, a
proteção de interesses econômicos, sociais, de saúde, de trabalho, de intimidade e
outros, das pessoas envolvidas, cujas informações respectivas estejam contidas em
relatórios de atendimentos, entrevistas, estudos sociais e pareceres que possam,
também, colocar os usuários em situação de risco ou provocar outros danos (CFESS,
2009, p.2).
A Resolução ainda indica que, o Assistente Social deve proceder da seguinte forma:
“Art. 3 - Assistente Social garantirá o caráter confidencial das informações que vier a receber
em razão de seu trabalho, indicando nos documentos Sigilosos respectivos a menção:
“Sigiloso” (CFESS, 2009, p.2). A Resolução n° 493, também preconiza que o material técnico
Sigiloso deve ser guardado em arquivo com chave e é de caráter reservado, ou seja, só os
Assistentes Sociais deverão ter acesso a essa documentação que como caracterizado no Art. 2
da Resolução n° 556, diz respeito à intimidade dos usuários, são informações que devem ser
resguardadas porque ao serem explicitadas para outras pessoas, podem expor os usuários a
situações de risco e causar danos.
Temos ainda, no estado do Rio de Janeiro, a Lei Estadual n° 5261, de 11 de junho de
2008, que determina a obrigatoriedade da existência de local reservado para a atuação dos
profissionais de Serviço Social no âmbito da Administração Estadual direta, indireta e
fundacional, com vistas a preservação do Sigilo e da qualidade do atendimento. Estabelecida
principalmente em seus dois primeiros artigos:
Art. 1º No atendimento dos usuários do serviço público estadual, no âmbito da
administração direta, indireta e fundacional, por parte de profissional de serviço
social, é obrigatória a existência de local que assegure a privacidade e a dignidade
do atendimento, além do Sigilo das informações prestadas.
Art. 2º Além do disposto no artigo anterior, o ambiente físico do local de
atendimento por profissional de serviço social deverá ser estruturado atendendo aos
seguintes parâmetros:
39
I - ser visual e acusticamente indevassável;
II - evitar qualquer interferência ou interrupção no transcurso do atendimento;
III - possuir adequadas condições de higienização, ventilação e iluminação;
IV - ser dotado de mobiliário adequado e compatível com o atendimento;
V - possuir arquivo passível de ser trancado à chave, que sirva para a guarda do
material técnico e documentação Sigilosa de exercício da profissão de Assistente
Social (GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, Lei Estadual n.5261, de
11 de junho de 2008).
O que é interessante ressaltar, é que está previsto na Lei Estadual de n° 5261, que o
local para atendimento aos usuários do Serviço Social seja visualmente e acusticamente
indevassável, ou seja, além de resguardar a escuta das informações que o Assistente Social
toma contato durante o atendimento, resguarda também a imagem do usuário, quando diz que
o local de atendimento deve ser também visualmente indevassável. A Lei Estadual de n° 5261
também traz uma novidade em relação à Resolução de n° 493, parâmetro II, do Art.2 prevê
que: “evitar qualquer interferência ou interrupção no transcurso do atendimento” (Lei
Estadual n° 5261, de 11 de junho de 2008). Ou seja, deve ser um local no qual o Assistente
Social não seja interrompido no decorrer do atendimento.
Isso confronta uma difícil realidade das condições de trabalho dos Assistentes Sociais.
Temos nos dias atuais condições cada vez mais precárias de atendimento aos usuários que não
garantem nem a qualidade do serviço prestado nem o resguardo do Sigilo acerca das
informações que os Assistentes Sociais tomam conhecimento em seus atendimentos. Além
disso, vivenciamos um quadro no qual os Assistentes Sociais tem que revezar a sala de
atendimento com outros colegas de trabalho, e o que muitas das vezes acontece é que o
Assistente Social é constantemente interrompido durante o atendimento, o que dificulta a
garantia do Sigilo das informações.
40
3 A CONCEPÇÃO DE ASSISTENTES SOCIAIS ACERCA DO SIGILO
Pretendo neste capítulo, analisar as entrevistas realizadas, que foram feitas como
forma de coleta de dados como forma de identificar a concepção que profissionais do Serviço
Social tem acerca do Sigilo profissional.
3.1 Metodologia utilizada para realização das entrevistas
Foram realizadas 3 entrevistas para coleta de dados. Os entrevistados foram dois (2)
professores do Curso de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense, entrevistadas B
e C e uma (1) Agente Fiscal da Seccional de Campos do Conselho Regional de Serviço Social
do Rio de Janeiro, CRESS 7ª região, a entrevistada A.
As perguntas feitas aos professores foram as seguintes:
O que é Sigilo profissional?
Qual a particularidade do Sigilo no Serviço Social?
Como resguardar o Sigilo na prática profissional?
O que se entende por quebra do Sigilo profissional?
O Sigilo pode ser entendido também como um dever do Assistente Social?
As perguntas feitas a Agente Fiscal foram as seguintes:
O que é Sigilo profissional?
Qual a particularidade do Sigilo no Serviço Social?
Como resguardar o Sigilo na prática profissional?
O que se entende por quebra do Sigilo profissional?
O Sigilo pode ser entendido também como um dever do Assistente Social?
41
O Art.18 do Código de Ética de 1993 diz: “A quebra do Sigilo só é admissível quando
se tratarem de situações cuja gravidade possa, envolvendo ou não fato delituoso, trazer
prejuízo aos interesses do usuário, de terceiros e da coletividade. Parágrafo Único: A
revelação será feita dentro do estritamente necessário, quer em relação ao assunto revelado,
quer ao grau de pessoas que dele devam tomar conhecimento”. Neste sentido, quais as
informações que, no cotidiano profissional tomamos contato que podem ser consideradas
“estritamente necessárias”?
De que forma é feita essa avaliação pelo CRESS dos casos de quebra de Sigilo que são
passíveis de sanções e punições? E quais são os casos de quebra de Sigilo que são passíveis
de punições?
O Art.15 do Código de Ética de 1993, preconiza o Sigilo com um direito do Assistente
Social. De que forma isto é materializado na prática profissional?
O Sigilo pode ser entendido também como um dever do Assistente Social?
Qual a diferença entre o Sigilo profissional hoje, tal como colocado no Código de
Ética atual, do Sigilo profissional posto nos Códigos de Ética anteriores?
Cabe ressaltar, que as perguntas feitas a Agente Fiscal foram diferenciadas com o
objetivo de colher informações de como é feita a fiscalização do exercício profissional, como
são avaliadas as situações de quebra de Sigilo profissional, quais são as sanções e punições
previstas para os casos de quebra de Sigilo profissional e de que forma é materializado na
prática profissional o direito que o Assistente Social tem ao Sigilo profissional, preconizado
no Art.15: “Constitui direito do Assistente Social manter o Sigilo profissional” (CFESS,
1993, p.7).
As entrevistas foram gravadas com o consentimento dos entrevistados e transcritas
para que o material colhido sirva de subsídio para análise. Cada entrevista durou em média 30
minutos. A entrevista com a Agente Fiscal do CRESS foi feita na própria Seccional do
Conselho no município de Campos dos Goytacazes/RJ, e as entrevistas com as docentes
foram realizadas na Universidade.
3.2 Resultados das Entrevistas
De acordo com as respostas dadas pelas entrevistadas, o Sigilo profissional pode ser
definido como toda informação que diz respeito à privacidade, intimidade, identidade e
história do usuário do Serviço Social, ou seja, toda informação colhida no exercício
42
profissional que o usuário confia ao Assistente Social e que não gostaria de expor para outras
pessoas. Segundo a entrevistada B: “no sentido mesmo de preservar o usuário, de qualquer...,
enfim, preservá-lo, preservar a sua vida, a sua identidade, e de qualquer problema,
intercorrência que possa haver nos desdobramentos do atendimento que o Assistente Social
vai fazer”, conforme pontua também a entrevistada C: “o Sigilo exige que o profissional tenha
clareza de que nem todas as informações que são passadas ali podem ter acesso público.
Então o Sigilo profissional ele serve pra proteger o usuário, de qualquer exposição que ele
possa ter em relação a instituição, a outros usuários, a outros profissionais”.
A particularidade do Sigilo no Serviço Social é que os Assistentes Sociais no seu
cotidiano profissional de viabilização do acesso aos direitos acabam tomando contato com a
intimidade do usuário, suas idéias, seu cotidiano, sua trajetória, e isso ocorre por conta do
acesso às políticas sociais, aos serviços, ou seja, o usuário pra ter o acesso aos direitos acaba
abrindo e compartilhando essas informações ao Assistente Social. Sobre isto a Entrevistada B
pontua que:
nós assistentes sociais, ao buscarmos viabilizar direitos, nós temos acesso a
intimidade do usuário, ou seja, o seu cotidiano, seus hábitos, as suas idéias, e aí seus
preconceitos também, as suas escolhas, é isso é de muita seriedade, você tem um
contato muito próximo, um contato direto com essa pessoa, que é usuário dos
serviços sociais, é se você não cuidar você pode ser extremamente invasiva,
autoritária, e desrespeitosa né, porque você pode, infelizmente existe a possibilidade
naquele relação profissional com o usuário, você querer conduzir é a sua escolha, a
sua ação, a sua decisão, então isso é muito sério, a gente tem que ter muito cuidado
com isso, o usuário ele não é nosso parente, o usuário não é nosso amigo, o usuário é
um cidadão que está ali buscando acessar um determinado serviço, direito.
A entrevistada C diz que:
No caso do Serviço Social, acho que a particularidade é que nós somos
trabalhadores que lidamos com expressões da questão social, as mais diversas e dá
pra dizer que com tragédias pessoais, então a cada entrevista, a cada atendimento
que a gente faz individualizado, muitas vezes pro usuário ter acesso ao seu direito,
ele expõe a sua vida, e de uma maneira bastante íntima eu diria, ele conta sua
trajetória, ele fala da qualidade das suas relações familiares e pessoais, ele fala da
sua intimidade, ele fala das suas condições de trabalho, ele fala de uma série de
coisas que dizem respeito ao modo como ele vivencia a questão social, as
desigualdades geradas nessa sociedade. Então eu entendo que pro Serviço Social,
pros Assistentes Sociais, resguardar o Sigilo significa muitas vezes proteger o
usuário, que ele já está numa situação desigual, de desigualdade, muitas vezes
quando ele procura o Assistente Social, ele já tá com seus direitos violados, grande
parte do atendimento que a gente faz é revelador de violação de direitos, e muita
vezes as situações que requerem intervenção profissional, elas já são violação de
direitos, elas expressam violações de direito, então dependendo do que ele fala, o
Sigilo no caso do Serviço Social, é pra proteger esse usuário, essa pessoa que tá
sendo atendida, esse cidadão que está sendo atendido, pra que ele não tenha a sua
situação que já é de violência, de exposição ainda mais exposta.
43
Segundo as entrevistadas, a questão de resguardar o Sigilo profissional é algo muito
complicado e polêmico nos dias atuais. Conforme a fala da entrevistada B:
é um mega desafio é, pra nós, porque nós sabemos das péssimas condições de
trabalho a que estamos todos submetidos, todos os trabalhadores, o Assistente Social
também, então assim não é a toa que o CFESS, recentemente, tem criado algumas
resoluções, o CFESS tem se preocupado muito com isso, porque de fato, mal as
vezes nós temos uma sala própria do Serviço Social, muitas vezes a gente divide
com outros colegas de outras especialidades, então as vezes a gente tem a sala, então
assim quando você divide com outro colega de outra área, você tem que ficar
combinando quem vai usar a sala naquele momento pra não atender o usuário no
corredor ou com gente passando e quando a sala própria do Serviço Social as vezes
não há um cuidado, uma estrutura e aí o som resvala, então o usuário tá ali falando
da vida dele, do cotidiano dele, da intimidade dele e tá todo mundo ouvindo ao lado,
isso é um grande limite e as vezes tem muito essas baias, não sei que material é esse
não é tijolo não é cimento e então resvala mesmo é o som, e as vezes você tem uma
excelente sala, própria do Serviço Social, de cimento de tijolo, mas você é
interrompido a todo momento e o outros colegas enfim, da equipe, da Organização,
da Instituição acham que podem entrar qualquer hora, que não tem problema porque
tem que falar com você naquele momento, isso também é um desafio, para o
profissional de Serviço Social que ele deve deixar claro, ele tem que, isso clama um
posicionamento do profissional muito firme, e dizer, olha enquanto estou atendendo
eu não posso ser interrompido, a não ser que seja uma notícia muito alarmante, fora
a isso não, porque eu estou ouvindo uma vida, então assim, estou ouvindo uma vida!
Então é, isso é de uma responsabilidade pública, muito profunda, muito grande e se
você enquanto profissional, não deixa isso claro para os seus pares, e pra sua Chefia,
muito firmemente, esse Sigilo profissional ele também é muito ameaçado.
Segundo a entrevistada A, para resguardar o Sigilo profissional de acordo com a
fiscalização feita pelos Agentes Fiscais:
A fiscalização do exercício profissional tem a ver com a defesa da profissão, que é
diferente da defesa do Assistente Social, a gente defende a profissão mesmo que pra
isso o profissional tenha que responder eticamente com suas ações, então agente tá
garantindo, busca a defesa da profissão, e a garantia da qualidade do atendimento ao
usuário. Dentro disso a fiscalização, ela vai, tem fiscalizado a partir da 493. Na
resolução 493, mas que já tem o artigo do Código de Ética que fala sobre as
condições de trabalho, ela regulamenta aquele artigo, ela busca garantir esse espaço
do Sigilo. Hoje nós temos a legislação estadual, que é uma legislação de 2008, que o
deputado Marcelo Freixo aprovou. Bom então a fiscalização diz respeito a isso,
quando a gente vai fiscalizar o exercício profissional a gente sempre tenta identificar
as condições de trabalho do profissional, que sejam condições que garantam a
qualidade do atendimento. Então é muito incomum encontrar profissionais
atendendo na mesma sala ou com outros profissionais de Serviço Social, ou que é
ainda mais grave com outros profissionais que não são da área de Serviço Social. Há
pouco tempo nós fiscalizamos uma instituição de atendimento as mulheres vítimas
de violência que ela atendia ao lado da sala da advogada, quer dizer na mesma sala
só tinha uma divisória de um armário, que dizer, isso não garante o Sigilo, então é,
uma diz respeito às condições desse Sigilo, que é ter a condição adequada dentro da
sala, e com relação ao próprio material, que tem que ter um arquivo com chave, pra
guardar os relatos, agora decorrente dessa questão do espaço de trabalho e dos
arquivos, eu vou colocar três outras questões: Com relação ao espaço é, com relação
ao espaço de trabalho, a gente vê, a primeira coisa que o Assistente Social tem que
fazer é fazer valer a 493, que ela tem que formalizar ao próprio empregador, que ele
44
necessita das condições adequadas de trabalho. Então a gente entende que não ter
uma sala específica não quer dizer nada, porque você pode garantir o Sigilo ao
usuário, você pode atender sozinho naquela sala, outra hora outro profissional
atende sozinho, não precisa ter uma sala do Assistente Social, mas o equipamento
social tem que dispor de um espaço em que o Assistente Social possa atender o
usuário com a garantia do Sigilo, não que aquela sala tem que ser dele
exclusivamente dele, mas que esteja disponível pra esse atendimento.
Para a entrevistada C para resguardar o Sigilo profissional
significa muitas vezes proteger o usuário, que ele já está numa situação desigual, de
desigualdade, muitas vezes quando ele procura o Assistente Social, ele já tá com
seus direitos violados, grande parte do atendimento que a gente faz é revelador de
violação de direitos, e muita vezes as situações que requerem intervenção
profissional, elas já são violação de direitos, elas expressam violações de direito,
então dependendo do que ele fala, o Sigilo no caso do Serviço Social, é pra proteger
esse usuário, essa pessoa que tá sendo atendida, esse cidadão que está sendo
atendido, pra que ele não tenha a sua situação que já é de violência, de exposição
ainda mais exposta. Então eu entendo que assegurar o Sigilo profissional de
qualquer atendimento é uma responsabilidade do profissional, de qualquer
profissional, porque o usuário procura e expõe a sua vida, ele é provocado a isso, na
verdade a gente faz perguntas pra entender aquela realidade, a gente provoca o
usuário a dizer coisas, então a gente tem que tomar o cuidado, porque quando a
gente provoca pra que ele diga coisas pra nós, nós é que estamos provocando as
vezes ele não tá espontaneamente dando informação pra nós, a gente faz entrevista, a
gente faz questionário, a gente pede informações que são provocadas, então o Sigilo
serve pra assegurar que aquilo seja usado no interior da construção da resposta, seja
individualmente ou seja no interior da equipe, e que o usuário tem que saber que
aquela informação não vai extrapolar o âmbito da resposta profissional, seja em
equipe, ou individual, então eu acho que o Assistente Social tem que ter ainda mais
esse cuidado em função das situações particulares dos nossos usuários, que são
pessoas que vivem expressões da questão social, da violência, etc.
Ou seja, apesar de termos algumas resoluções expedidas pelo CFESS, que
regulamentam condições de trabalho, sobretudo a Resolução n° 493, de 21 de agosto de 2006,
que dispõe sobre as condições éticas e técnicas do exercício profissional do Assistente Social,
ainda nos deparamos com precárias condições de trabalho colocadas aos Assistentes Sociais,
o que está diretamente relacionado com o cuidado de resguardar o Sigilo profissional. Apesar
da Resolução n° 493 regulamentar a garantia do espaço do Sigilo, tal como explicitado no
Capítulo anterior, o Serviço Social se depara com falta de equipamentos sociais que garantam
a qualidade do atendimento, nos quais o principal deles é uma sala na qual o Assistente Social
possa atender com a garantia do Sigilo, ou seja, com estrutura adequada. Os profissionais,
muitas vezes se deparam com situações em que tem que dividir a sala com outros
profissionais, ou quando possuem sala esta é feita de material impróprio no qual o som é
resvalado e outras pessoas podem ter acesso a escuta dos atendimentos. Segundo a
Entrevistada C:
45
A 493 não resolve a precarização do mercado profissional de trabalho, mas ela é um
respaldo legal, que o Assistente Social pode se valer dessa resolução pra informar ao
empregador, pra informar a instituição e que ela tá irregular, que ela tem uma
irregularidade e precisa ser resolvido, é um instrumento de luta é um instrumento de
normatização desse espaço de trabalho.
Outra questão que é importante ser destacada é com relação ao material. As
instituições costumam ter um Cadastro Institucional. Sendo assim, é de extrema importância
que o Assistente Social, tenha muito cuidado com relação às informações que colocará neste
cadastro, tendo o zelo de não colocar informações Sigilosas nestes documentos institucionais.
Por isso a importância de um documento específico do Serviço Social, no qual só os
Assistentes Sociais tenham acesso, e que seja guardado em um arquivo com chave, e que o
Assistente Social resguarde esse material, e segundo a entrevistada A:
O Serviço Social tem que ter um documento próprio, então é muito comum, e aí o
perigoso é você colocar informação Sigilosa nesse documento. Então a gente orienta
mesmo que o Assistente Social não tenha documentação específica do Serviço
Social, que ele jamais coloque informações Sigilosas nesses cadastros, porque tem
cadastro que tem observação, etc, então que ele faça o relatório da entrevista a parte,
e guarde em arquivo com chave, ainda sim se não tiver o arquivo com chave, que ele
até leve pra casa, mas que ele resguarde esse material.Significa que nem tudo que
ouviu na entrevista ele vai relatar no Cadastro da Instituição.
De acordo com as entrevistadas, com relação à quebra do Sigilo profissional, esta pode
ser entendida como algo que deve ser feito em última instância, isto é, excepcionalmente,
quando esgotadas todas as possibilidades, e quando expõe o usuário a risco iminente de vida.
Para a entrevistada A a quebra é: “Risco iminente de vida, que coloque em risco a vida do
próprio usuário ou de outra pessoa que esteja próximo dele”. Já a entrevistada B pontua que:
Então em geral a gente não sabe muito responder sobre isso, em relação a quebra da
Sigilo, mas em função da minha militância no Conselho Profissional, eu acabei me
debruçando um pouco mais, esse documento o Código de Ética que tá em vigor de
1993, diz muito claro que a quebra do Sigilo Profissional ela deve ser feita somente
numa situação, absolutamente excepcional, especialíssima e somente quando ao
mesmo tempo há uma situação, uma circunstância, um problema, que envolva o
próprio usuário, é terceiros, ou seja, outros sujeitos que se relacionam com o
usuário, e a sociedade, ou a comunidade próxima, na verdade eu aprendi isso,
porque no próprio texto, você acha que é ou numa situação, ou é em outra, ou é
numa terceira, e na verdade foi uma Agente Fiscal, que atua na Sede do CRESS que
me ensinou numa reunião que nós tivemos, de Diretoria, nos ensinou, me ensinou,
pelo menos a mim ela ensinou, ela falou não gente, tem que ter uma circunstância
que envolva e que possa comprometer essas três partes ao mesmo tempo, é o
usuário, terceiros e a sociedade, ou a comunidade mais próxima, senão não há
quebra de Sigilo.
E a entrevistada C diz que:
46
A quebra do Sigilo ela é sempre muito polêmica, em que situações é possível
quebrar o Sigilo, o Código de Ética ele, o nosso Código deixa muito claro, você só
quebra Sigilo profissional em situações que aquela informação, é, pode favorecer a
não colocar terceiros em risco, então assim recebi uma informação, e eu sei que
aquela informação é importante pra preservar o direito de um terceiro envolvido, só
que isso, tem que ser muito cuidado, pensar o que significa isso tem que ser muito
analisado, com cautela, discutido, nas equipes, etc. Mesmo estando muito claro no
Código que a quebra do Sigilo ela só é permitida, só é possível diante do risco
colocado a terceiro, mesmo esse risco ele tem que ser analisado com cautela, porque
senão a gente faz uma interpretação mecânica, superficial e acaba colocando aquela
pessoa que deu uma informação pra gente, ou sobre a qual a gente tem acesso aquela
informação, em uma situação de violação de direitos, de uma relação desigual, então
eu diria que as situações de quebra de Sigilo elas são muito é, inéditas assim, elas
são poucas, elas não são, eu acho que o Sigilo profissional só pode ser quebrado em
último caso, em situações de risco mesmo iminente de vida e ainda sim , ele tem que
ser analisado com profundidade, até pra gente entender o que nós estamos chamando
de risco de vida, o grau de isso ocorrer ou não , porque é uma situação muito
delicada, então eu diria que é em último caso. Ele existe a possibilidade, existe, mas
eu penso que ela é uma possibilidade remota, extremamente excepcional, e ela só
pode ser tomada a hora que o profissional, a equipe tiver esgotado todas as
possibilidades na relação com o usuário, em situações muito particulares, e no
limite, como situação limite.
Analisando as respostas dadas pelas entrevistadas, a questão da quebra do Sigilo
profissional é algo muito polêmico, pois é algo que envolve o laço de confiança estabelecida
entre o profissional e o usuário, o vínculo, e é uma questão que dever ser analisada com
cautela. Segundo a Entrevistada C:
Então eu entendo a quebra do Sigilo nesse sentido e entendo que o fato não cabe ao
Código de Ética determinar em que situações pode ou não, ele tem que ser vago e
não é vago, ele tem que ser universal na verdade eu não acho que ele seja vago, eu
acho que ele tem que ter um grau de universalidade, como a lei, a lei ela não da
conta de todas as situações particulares, ela coloca uma normatização mais universal
e que cabe aqueles que se relacionam com a lei pensar as situações particulares que
cabem naquela normatização mais universal, acho que isso é um esforço, e ai exige
uma capacitação teórica dos Assistentes Sociais e dos estagiários, porque nós
estamos falando também de um espaço de formação, de exercitar a reflexão ética, de
se perguntar eticamente, o que significa a quebra ou não a do Sigilo em cada
situação, quem são sujeitos envolvidos nessa situação, com a capacidade dos
sujeitos envolvidos nessa situação de exercer a sua autonomia, que implicações
éticas e políticas existem nas duas situações de quebra ou de não quebra do Sigilo
nessa situação, isso tem que tá muito claro pras equipes e pros Assistentes Sociais,
porque você pode em nome de um direito, em nome da defesa de um direito
aprofundar a desigualdade que já existe numa dada realidade, você pode sim piorar a
situação. Então eu acho que essa capacitação teórica e esse exercício mesmo como
parte do trabalho profissional essa reflexão mais filosófica no sentido de perguntar
sobre o sentido, o que eu to afirmando que valores que estão em jogo, que
moralidade é essa, quando eu to avaliando essa situação, quais são os valores que eu
estou efetivamente legitimando, que eu estou de fato, levando em consideração as
determinações objetivas dessa situação ou eu to fazendo um julgamento moral dessa
situação, porque julgar a gente sempre julga não existe intervenção neutra, agora há
situações pedem julgamentos diferenciados, as vezes a situação pede julgamento
político, as vezes a situação pede julgamento valorativo ético e as vezes a mediação
é pela moralidade a gente tem que ter muita clareza disso, acho que isso é uma
questão que vale a pena pensar.
47
Para a entrevistada C:
Eu defendo que não, na verdade a realidade ela é dinâmica, ela apresenta sempre
situações inéditas pra nós, não cabe em nenhum debate teórico e muitos menos num
Código de Ética você tentar assegurar a dinâmica da realidade, o que cabe é ter uma
defesa de princípios de direitos e de deveres que se baseiam em uma dada concepção
de profissão, numa dada concepção de homem, numa dada concepção de sociedade,
e as situações particulares, o profissional com essa clareza com esse acúmulo ele vai
ter competência pra decidir e nas situações tão inéditas, tão conflitantes eu acho que
ele tem que dividir isso, tratar isso como uma situação que merece o
aprofundamento em equipe, que merece um encaminhamento que não seja
individual e as vezes até consulta, isso também, as vezes eu acho que os
profissionais eles tem uma relação com a Legislação e com a Normatização muito
abstrata, quando suscita dúvida o profissional não tem clareza, não conseguiu
resolver, ele pode fazer consultas formais, os nossos Conselhos eles tem inclusive
assessoria jurídica, tem os Agentes Fiscais, tem as Comissões de Fiscalização que
tem esse papel educativo, acho que a gente falou um pouco disso, eu acho que o
Serviço Social ele trata a fiscalização do exercício profissional de forma bastante
diferenciada das outras profissões, a tendência das outras profissões que a gente
conhecer é tratar de forma corporativista, o Serviço Social tem um traço corporativo
no sentido de resguardar a Instituição Serviço Social, mas ele é corporativo no
sentido de resguardar a profissão e não a defesa individual do assistente social, do
profissional, por isso as Comissões de Fiscalização e as outras comissões éticas que
fazem parte dos nossos Conselhos eles tem também essa perspectiva educativa, de
esclarecer de ser um espaço de consulta, de ser um espaço de reflexão, não por acaso
os Conselhos também organizam as Comissões por áreas de políticas públicas, que é
um modo de fomentar a discussão teórica, o debate etc., pra que os conflitos éticos
sejam enfrentados a partir de um acúmulo no interior de uma política setorial, então
por exemplo, eu tenho experiência na área da saúde, com usuário de drogas, com
redução de danos, eu tenho um acúmulo nessa área, tá ficando defasada pelo tempo
que eu to fora, um outro colega tem um acúmulo na Assistência, um outro colega
tem um acúmulo na Educação, as Comissões, que formam no CRESS de estudo de
debate etc., também contribuem pra que o profissional que participa ah eu to lá na
área da Assistência, se eu acompanho o debate da Assistência no interior do CRESS
eu também me respaldo eticamente pra tomar decisões, então eu acho que a questão
da quebra do Sigilo, a questão do cumprimento de um dever, um direito que tá
previsto no Código, ele fica mais tranqüilo, porque ele fica incorporado de forma
fundamentada, eu acho que esse desafio pra realização da ética profissional e pra
realização do projeto profissional, em que medida nós Assistentes Sociais nos
apropriamos do debate da categoria e respondemos as situações singulares,
particulares que se apresentam pra nós, de uma forma fundamentada, com clareza a
partir de um acúmulo que a própria categoria tem, e quando não tem a gente precisa
investir pra que ela posso ser consolidada.
Uma questão que também foi abordada com as entrevistadas foi se o Sigilo
profissional pode ser entendido também como um dever do Assistente Social. Segundo as
entrevistadas, o Sigilo profissional é entendido como dever, uma vez que o Assistente Social
toma contato com a intimidade da vida dos usuários e informações que os usuários expõem
para o profissional que revelam situações de desigualdade e de violência, então o Sigilo
profissional é uma proteção para o usuário, sobre essas informações que o Assistente Social
48
toma conhecimento. Segundo a entrevistada A: “Mas é um dever, é posto como um dever
também é um direito em relação à Instituição e um dever em relação ao usuário”. Já a
entrevistada B pontua que:
acho positiva essa reflexão porque denota que, aquele estudante ou aquela Assistente
Social, que afirmou que o Sigilo profissional é um dever dela ou dele, demonstra
que ela tem consciência da responsabilidade pública, que ela guarda, que ela tem,
que ela assume, porque a partir do momento que você se torna um Assistente Social,
você vai representar essa profissão, no seu Estado, no seu país, enfim você vai
representar toda uma categoria de Assistentes Sociais, então isso é muito sério, então
essa noção do dever do Sigilo profissional eu acho bacana, ou seja é uma
consciência assim de olha, eu devo cuidar para que na minha relação profissional
com o usuário, esse usuário ele possa ter as melhores condições né para poder falar
de si, de suas experiências , de uma forma Sigilosa, de uma forma que não fique
todo mundo sabendo da sua vida, de uma forma leviana, sem cuidado, sem respeito
né, então acho que essa reflexão do Sigilo profissional como dever é positiva,acho
muito positiva.
E para a entrevistada C:
eu acho que tem as duas faces, pelo seguinte, eu acho que é um dever na medida em
que o Assistente Social tem que só usar a quebra de Sigilo nas situações
excepcionalíssimas porque tem uma relação de confiança, que ele estabelece com o
usuário, tem uma relação de confiança que implica e eu acho que isso eu falei, você
provoca o usuário a te dar informações, no atendimento você é que define a
condução que você vai dar, então em situações de atendimento individual, até
mesmo de atendimento em grupo, na maioria das situações é o Assistente Social que
conduz o atendimento, então é ele que faz as perguntas, então muitas vezes, a
informação que eu tenho do usuário, fui eu que pedi, fui eu que provoquei que ele
me desse, e talvez se eu deixasse muito claro, pra ele o uso que eu faria dessa
informação, talvez ele não daria essa informação. A exposição que o usuário faz da
sua vida, da sua intimidade pra receber um atendimento do Assistente Social, não só
do Assistente Social mas as vezes ele faz isso com o médico, ele faz isso com outros
profissionais, eu acho que a gente tem que ter uma clareza que é dever nesse sentido,
nós provocamos numa entrevista, num atendimento que ele nos forneça, nos dê
informações, então a gente tem técnicas inclusive pra isso, a gente aprende na nossa
formação determinados instrumentos e técnicas, pra provocar o ambiente de
confiança, o ambiente protegido para que ele ponha as condições objetivas de sua
vida, e muitas vezes a gente chega até a intimidade, dependendo do local onde eu
trabalho a gente pode chegar a intimidade, isso tem que ficar muito claro pro
Assistente Social, nesse sentido, ele tá confiando ele tá abrindo aquela informação
porque de fato ele tá confiando, então é esse sentido que eu defendo que é um dever
do Assistente Social porque a gente provoca que ele exponha então a gente tem que
assegurar que essa exposição seja Sigilosa, seja protegida. Há situações em que
aquela exposição, aquela informação revela riscos a terceiros, há, então nessas
situações isso tem que ser discutido com o usuário, isso tem que ser muito
claramente definido pela equipe, pelo Assistente Social, pra que a gente não cometa,
pra que a gente não acirre a violação de direitos que os usuários já estão vivendo
quando estão diante de um profissional, de um Assistente Social, então nesse sentido
ele é um dever. Ao mesmo tempo, que eu posso considerar que é um direito diante
de algumas obrigações judiciais inclusive, então eu posso me valer do Sigilo
profissional pra proteger a informação do usuário e pra me resguardar perante a Lei,
então há situações em que eu posso ser mandado a fornecer alguma informação e eu
vou dizer não, não vou fornecer porque tá aqui, então eu posso usar também o
Código de Ética e o artigo que trata do Sigilo profissional como um direito meu,
então eu acho que tem essas duas faces desse artigo que prevê lá o Sigilo
49
profissional, ele é um dever na relação com o usuário e ele pode ser interpretado
como um direito pra resguardar um direito de revelar informações que diz respeito
ao atendimento a autonomia profissional e ao Sigilo que eu to respeitando em
relação ao dever que eu tenho na relação com o usuário, então eu acho que cabe
essas duas formas de pensar.
Algumas perguntas que foram feitas especificamente para a entrevistada A, as quais
me proponho analisar nesse momento. Questionei a Agente Fiscal que está previsto no Art.18
que:
A quebra do Sigilo só é admissível quando se tratarem de situações cuja gravidade
possa, envolvendo ou não fato delituoso, trazer prejuízo aos interesses do usuário, de
terceiros e da coletividade.
Parágrafo único - A revelação será feita dentro do estritamente necessário, quer em
relação ao assunto revelado, quer ao grau e número de pessoas que dele devam
tomar conhecimento (CFESS, 1993, p.7).
Sendo assim, levantei a seguinte questão, quais as informações que tomamos contato
no cotidiano profissional que podem ser consideradas “estritamente necessárias”? Segundo a
entrevistada A: “Eu acho é risco de vida, risco eminente de vida. Que coloque em risco a vida
do próprio usuário ou de outra pessoa que esteja próximo dele”. Ou seja, essa questão também
se relaciona com as situações de quebra de Sigilo, pois o Código prevê, conforme citado
acima que a revelação é feita dentro do estritamente necessário, e o que pode se concluir de
todas as entrevistas realizadas é que a quebra deve ser feita em último caso, como última
possibilidade e nos casos de risco iminente de vida do usuário.
Outra pergunta feita a entrevistada A foi como é feita essa avaliação pelo CRESS dos
casos de quebra de Sigilo que são passíveis de sanções e punições, e quais são os casos de
quebra de Sigilo que são passiveis de sanções e punições. Segundo a Entrevistada A, mesmo
que o Assistente Social escute de um usuário uma confissão de crime, essa informação jamais
deve ser revelada, pois ao contrário o Assistente Social pode ser um delator, esse tipo de
situação é passível de punição. Essas questões são avaliadas por Comissão denominada
Comissão de Denúncia Ética que faz esta análise a partir do Processo Ético Disciplinar, que
vai ver se está previsto no Código de Ética, encaminha para, a Comissão de Instrução que vai
ouvir todas as partes envolvidas, e em última instância vai a julgamento, podendo o envolvido
constituir um advogado.
Questionei a Agente Fiscal a respeito do Art. 15 do Código de Ética profissional, que
diz: “Constitui direito do Assistente Social manter o Sigilo profissional” (CFESS, 1993, p.7),
coloquei que o Código de Ética prevê que o Sigilo profissional é um direito do Assistente
50
Social, e sendo assim, de que forma isso é materializado na prática profissional. A
entrevistada respondeu que temos a Resolução de n° 493, como instrumento para garantir esse
direito, com relação à necessidade que temos em ter uma sala adequada para atendimento, um
arquivo adequado para guardar o material, mas que independente disso, o Assistente Social
deve ter cuidado em não registrar informações Sigilosas no Cadastro Institucional, colocando
apenas dados gerais.
51
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das questões estabelecidas no processo de elaboração desta pesquisa, verifica-
se que o surgimento do Serviço Social enquanto profissão se dá num contexto de ampliação
do sistema capitalista, sobretudo em sua fase monopolista, na qual há uma intensa exploração
da força de trabalho operária, o que gera precárias condições de vida e de trabalho para essa
classe. Sendo assim, o operariado passa a se articular e lutar por melhores condições de vida
e de trabalho, passando a ser alvo de regulamentação política do Estado, através de
implementação de políticas sociais que atendessem suas necessidades. Sua ação foi por muito
tempo voltada para o ajustamento dos indivíduos ao que era considerado como “normal”, a
fim de promover a manutenção do status quo para o desenvolvimento do sistema capitalista,
tendo como base de sustentação teórica o humanismo cristão e neotomismo (principais idéias
e fundamentos de São Tomás de Aquino, juntamente com uma visão conservadora de
mundo).
A partir das entrevistas realizadas, sobretudo, o entendimento que a Entrevistada C
tem acerca dos Códigos de Ética anteriores, houve um grande equívoco no texto destes
Códigos ao regulamentar ou normatizar em quais situações deve-se quebrar o Sigilo, quais
informações devem ser resguardadas porque são consideradas Sigilosas, entre outras.
Entende-se que não cabe ao Código de Ética regulamentar essas questões ou prever “situações
modelo” de quebra de Sigilo, de informações que devem ser resguardadas. O Código de Ética
não pode, nem deve dar conta das situações particulares e singulares as quais se deparam os
Assistentes Sociais em sua atuação profissional. Cabe ao Assistente Social ter clareza dos
princípios éticos, da base de sustentação teórica que está por trás de sua atuação profissional
no cotidiano e a partir de sua autonomia enquanto profissional tomar as decisões e avaliar as
situações particulares que lhes são apresentadas. Pôde-se perceber também que o Sigilo
profissional no âmbito do exercício da profissão sempre esteve presente nos Códigos de Ética
do Serviço Social brasileiro, e abordado com muita importância, visto que sua abordagem
aparece em todos os Códigos de Ética do Serviço Social.
Cabe destacar que aspectos como a terminologia utilizada (Segredo/Sigilo),
informações consideradas Sigilosas, possibilidades de quebra do Sigilo profissional, Sigilo
52
profissional diante de depoimento judicial ou policial, Sigilo profissional enquanto
direito/dever do Assistente Social, o Sigilo no âmbito do trabalho interdisciplinar, que foram
aspectos tomados como indicadores de análise desta pesquisa modificaram-se e tem
abordagens diferentes nos Códigos de Ética profissional, sempre abordados, mas com
características que refletem o contexto vivenciado pela profissão na época e a base de
sustentação teórica da prática profissional.
Concluo, portanto, que a pesquisa realizada procurou apenas esboçar o aspecto ético-
normativo de abordagem do Sigilo profissional no decorrer da trajetória profissional vivida
pelo Serviço Social brasileiro, não esgotando a complexidade apresentada pela realidade
vivenciada pelos Assistentes Sociais em sua atuação profissional. Resguardar o Sigilo
profissional nos dias atuais torna-se um desafio cotidiano para os Assistentes Sociais, visto
que nos deparamos cada vez mais com condições precárias de trabalho, vínculos
empregatícios vulneráveis, condições essas que ameaçam não só o Sigilo profissional, mas
também a qualidade do serviço prestado a população usuária do Serviço Social.
53
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