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VII SEMINÁRIO REDESTRADO – NUEVAS REGULACIONES EN AMÉRICA LATINA BUENOS AIRES, 3, 4 Y 5 DE JULIO DE 2008
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O TEATRO NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES: (RES)
SIGNIFICAÇÕES DE UMA EXPERIÊNCIA1
Ms. Andrisa Kemel Zanella
Prof. PhD. Valeska Fortes de Oliveira2
O presente trabalho é resultado de uma pesquisa realizada no
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de
Santa Maria que teve por objetivo investigar as representações que as
acadêmicas do Curso de Pedagogia Diurno, desta Instituição, possuíam em
relação ao teatro tanto antes como depois de vivenciarem a linguagem
teatral nas disciplinas de Jogo Teatral I e Jogo Teatral II.
A escolha por essa temática originou-se de minhas inquietações ao
longo de minha formação no Curso de Artes Cênicas Bacharelado e nas
experiências que fui vivenciando a partir do momento em que optei por
trabalhar com teatro no contexto educacional. Nessas vivências, percebi
que o teatro raramente era considerado um conhecimento, estando
associado à montagem de peças e dramatizações teatrais. Ele era visto
como um eficaz instrumento para que os alunos desinibidos mostrassem
suas habilidades, ou aqueles mais introvertidos perdessem a vergonha de
manifestar suas potencialidades, estando associado a um resultado e não a
um processo que fazia parte do desenvolvimento do aluno. Mas de onde
surgiam essas representações que instituíam essas práticas nas escolas e
que eram tão marcantes nos discursos dos professores?
Esse questionamento direcionou meu olhar para a formação de
professores, pois acreditava que as representações de teatro encontradas
nas escolas vinham do que os professores entendiam acerca do teatro e
vivenciaram ao longo de suas trajetórias de vida pessoal e profissional a
partir das impressões, marcas, significações que essa experiência deixou na
vida dessas pessoas.
Assim, problematizar essa questão foi a “mola propulsora” que me
motivou a realizar essa pesquisa que buscou compreender como a vivência
teatral, durante o período escolar, influenciou nas representações
1 Pesquisa financiada pela CAPES.
2 Orientadora da pesquisa.
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construídas sobre o teatro que as acadêmicas traziam para sua formação, e,
como se estabeleceu o movimento de (res) significação dessa
representação, após a experimentação teatral ao longo de dois semestres
de aula no Curso de Pedagogia da UFSM.
Enfoquei as representações a partir do campo teórico do imaginário,
o que me proporcionou trabalhar a partir de um olhar simbólico que
envolveu a dimensão cultural e social de cada sujeito, bem como suas
emoções, vivências e sonhos. O imaginário que abordo ao longo dessa
pesquisa é, segundo Castoriadis (1982, p.13), “criação incessante e
essencialmente indeterminada (social-histórica e psíquica) de
figuras/formas/imagens, a partir das quais somente é possível falar-se de
‘alguma coisa’”. Esse imaginário está relacionado à significação da prática
humana, ou seja, a tudo que está associado à criação e à invenção da
sociedade que institui os valores, as formas, as idéias. O homem ao
inventar e criar a sociedade cria espaço para o novo, isto é, o que ainda não
foi instituído e que através do imaginário radical pode ser feito a partir da
imaginação criadora.
Adotar esse viés, nesse estudo, instigou-me a buscar, na
subjetividade, os elementos a nortear essa pesquisa de cunho qualitativo,
abrindo caminho para trabalhar com “o universo de significados,
manifestações, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a
um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que
não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”.3 O que
importou foi a natureza dos significados das ações e das revelações
humanas, através de um caminho que se centrou em trabalhar “com a
vivência, com a experiência, com a cotidianeidade e também com a
compreensão das estruturas e instituições como resultado da ação humana
objetivada”.4
Ao lançar-me a uma investigação em que se buscou valorizar o
universo de significados que permeiam as relações humanas, não se teve a
pretensão de estabelecer verdades ou mesmo fazer generalizações a partir
de um único contexto, mas ter ciência de que o resultado encontrado é
3 MINAYO, 1994, p.21-22.
4 Ibid., p. 24.
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fruto de um processo experienciado num determinado espaço delimitado
por dois elementos importantes: o tempo e o espaço.
O Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Santa Maria,
atualmente traz em sua matriz curricular as disciplinas de Artes Visuais I e
II, Educação Musical I e II e Jogo Teatral I e II, proporcionando ao
acadêmico um contato de dois semestres com cada linguagem artística.
Essa estrutura é recente5, pois a vivência com teatro acontecia apenas em
um semestre. No entanto, essa separação em três disciplinas distintas não
é novidade nesse curso que há mais de 20 anos abandonou a visão
polivalente das artes para ter, em seu currículo, as disciplinas de Expressão
Dramática, Metodologia da Música e Metodologia das Artes Plásticas, numa
abordagem que valorizou cada linguagem numa proposta de trabalho
realizada com professores específicos da área.
Vale ressaltar que essa realidade é uma peculiaridade dentre as
muitas Instituições de Ensino Superior que existem no Brasil, pois ainda é
muito freqüente encontrar nesses espaços uma visão polivalente em relação
às artes, reduzindo o contato do acadêmico em Pedagogia a um semestre
em que terá teatro, música e artes visuais numa única disciplina.
Nesse panorama que caracteriza a abordagem das artes no Curso de
Pedagogia da UFSM é que encontramos a disciplina de Jogo Teatral, foco
principal desse estudo. Com a mudança curricular, a disciplina de Expressão
Dramática passou a se chamar Jogo Teatral, enfatizando assim o foco que
vai unir o Teatro à Educação que é o jogo.
Atualmente ela é dividida em dois semestres, num total de 90h,
apresentando uma proposta de trabalho direcionado às diferentes
abordagens do jogo teatral na educação, contemplando concepções
teóricas, vivência com jogos, improvisação e também criação de cenas,
numa experiência prática. Julgo fundamental relatar que essa disciplina, por
mais que siga um programa pré-estabelecido, a cada semestre,
encontramos especificidades na maneira que são trabalhados os jogos, pois
se apóia, principalmente, nos saberes e experiências dos acadêmicos em
relação ao teatro, valorizando as potencialidades e criatividade de cada ser
5 Foi implementada no ano de 2007 em função da mudança curricular no Curso de Pedagogia.
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humano, respeitando sua maneira de se expressar, isto é, ser, agir e estar
no espaço formativo.
O teatro quando inserido no contexto educacional propicia o
desenvolvimento do aluno em sua totalidade, ou seja, corporal, vocal,
cognitiva, afetiva. Abre as cortinas para outras relações, que acabam por
denunciar um sistema em que o controle e o poder são os portadores da
verdade, quebrando a ordem e regras estabelecidas para criar outra lógica
à realidade presente.
Na relação autoritária, a regra é percebida como lei.
Na instituição lúdica, a regra do jogo pressupõe o
processo de interação. O sentido de cooperação leva
ao declínio do misticismo da regra quando ela não
aparece como lei exterior, mas uma decisão livre
porque mutuamente consentida. Cooperação e respeito
mútuo são formas de equilíbrio ideais que só se
realizam através do conflito e exercício da democracia
(SPOLIN, 2004, p. 11).
Essa inserção do teatro na educação acontece a partir do jogo. É
através dele que o ser humano consegue manifestar-se espontaneamente,
dando vazão a sua imaginação e criatividade. Esse processo acontece no
aqui-agora, durante o desenvolvimento do jogo. Nessa vivência em que o
sujeito passa a ser jogador, não se espera um resultado, muito menos
exaltar o certo ou o errado, mas a experiência do momento, o que se
passa, o que acontece, o que toca (BONDÍA, 2002, p.21). “Isso é bem legal
da aula de teatro, geralmente as atividades começam de um jeito, a
proposta é uma, mas a gente tem essa liberdade de ir criando”. (B.L)
O teatro com significados educacionais, dirigido para
uma prática dramática transformadora, social e
teatralmente, não deve se distanciar da verdade que é
ser o teatro um produto de nossa imaginação poética.
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(...) Teatro não é giz nem quadro-negro. Ele é jogo
dramático que abre uma perspectiva de educação para
quem o faz e quem o assiste. Por ele flagramos a
realidade e podemos chegar a compreender que ele é
um universo tão versátil como nós, atuantes de uma
história que se desenvolve lentamente em todos os
níveis de demonstração da vida humana. Nele vemos o
universo reinventado como uma nova carga de emoção
(LOPES, 1989, p.23).
Existem duas abordagens quanto ao jogo na educação: o jogo
dramático que traz uma visão mais contextualista, em que vê no jogo a
possibilidade de utilizá-lo como instrumento para auxiliar no ensino e na
aprendizagem de outras disciplinas e o jogo teatral, visão essencialista, que
acredita que a arte e o fazer artístico se sustentam por si e é uma forma de
conhecimento.
Segundo Olga Reverbel, “ambos significam a mesma coisa”6. É
partindo dessa visão, que trago a terminologia “jogo dramático e/ou
teatral”. Uma vez que acredito que a questão não está em diferenciar os
fins que o jogo está sendo utilizado, mas reconhecer que tanto o jogo como
instrumento para auxiliar a ensinagem7 quanto como fazer artístico são
oportunidades do sujeito experienciar a linguagem teatral. O teatro é um
conhecimento, conhecimento do ser humano e do mundo cultural e
histórico. Assim como a arte, articula o teórico e o prático no decorrer da
atividade criadora.
Segundo Japiassu (2007, p. 140),
6 Resposta dada por Olga Reverbel no dia 31/03/03, quando foi perguntado em uma defesa de
dissertação no Curso de Mestrado em Educação/PPGE/CE/UFSM, sobre a diferença entre jogo dramático e jogo teatral. 7 Esse termo inicialmente explicitado por Léa das Graças Camargo Anastasiou, na pesquisa de
doutorado intitulada “Metodologia do ensino superior: da prática docente a uma possível teoria pedagógica”, é adotado “para significar uma situação de ensino da qual necessariamente decorra a aprendizagem, sendo a parceria entre professor e alunos a condição fundamental para o enfrentamento do conhecimento, necessário à formação do aluno durante o cursar da graduação”. (ANASTASIOU, 2004, p. 15)
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a dimensão teórica abrange a abstração generalizante,
a planificação, a intencionalidade do
fazer/trabalhar/construir artístico, a reflexão na ação
criadora, a reflexão sobre a ação criadora, a
imaginação, o saber metacognitivo. A dimensão prática
traduz-se na ascensão do abstrato ao concreto, pela
fluência em determinadas técnicas, pelo domínio de
um certo saber-fazer artístico.
Para que essa proposta se concretize, é necessário romper com a
formalidade conhecida de uma sala de aula, deixando de lado uma
metodologia de trabalho tradicional8, para trazer uma outra proposta de
aprendizado, alicerçada no conhecimento de cada aluno e sua
experimentação durante as aulas.
Esse direcionamento encontrado pelas acadêmicas na disciplina de
Jogo Teatral I, causou diversas reações como a de B.L que considera “as
aulas de teatro uma coisa bem incomum. É uma coisa que a gente não é
acostumado assim, aquela aula com o professor na frente e a gente sentado
né.”
Porém, essa proposta que extravasa o conhecido, acontece com
pessoas que estão dispostas a abandonar suas amarras e experimentar o
desconhecido, ou então o que estava adormecido por nunca ter surgido o
espaço para que isso acontecesse. Nesse encaminhamento, “criar, inventar,
quebrar, rir, chorar, enfim tudo é permitido.” (L.B), desde que haja um
comprometimento e respeito entre aluno – professor – espaço – experiência
educativa.
L.B que vivenciou nesse contexto acredita que as pessoas que não
estão abertas “as possibilidades e acontecimentos que a vida apresenta,
logo, não estarão abertas aos movimentos e intensidades que ocorrerão na
sala de aula”. Para ela, essas atitudes são fortalecedoras de um “ensino de
adestramento super tradicional”. No entanto, na sua opinião, quem se
8 Tradicional na perspectiva de que o professor transmite e o aluno aprende, de que o
professor é superior ao aluno, apenas os conteúdos científicos são a base para uma prática profissional, deixando de lado os saberes pessoais e experienciais.
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liberta das amarras de um ensino formal, “provavelmente (...) irá propor
atividades significativas e espontâneas” do interesse de cada estudante.
Para que aconteça essa entrega e liberdade das acadêmicas durante
as aulas é necessário o professor estar aberto às interações que acontecem
naquele espaço. Ele não apenas está nesse contexto como um mero
espectador, mas um ator que atua juntamente com seus alunos, joga, ri,
movimenta-se, explora, estimula entre tantas outras possibilidades que o
jogo propicia. “Acho que é importante um professor que também está
fazendo e participando dos jogos e das aulas, não sendo apenas um
instrumento e sim mais um elemento compondo uma paisagem dentro da
sala de aula ou fora.” (L.B) Para L.B o que diferencia o aluno do professor
são “os anos a mais de vivência e conhecimento que eles poderão trocar
juntos”.
O objetivo do jogo dramático é propiciar o
desenvolvimento da totalidade da pessoa, seja no
campo físico, seja no campo emocional. A base do jogo
está centrada na improvisação de ações executadas
pelos jogadores. (...) O elemento base do jogo
dramático é o jogo do faz-de-conta, que propicia aos
indivíduos uma melhor percepção do ambiente em que
estão inseridos, ou seja, faz eles perceberem a
realidade que os cerca. (NUNES, 2003, p. 32-33)
As aulas de Jogo Teatral propiciaram às acadêmicas uma vivência
alicerçada no jogo, numa proposta que as incitou a jogar, explorar seu
corpo, reviver o jogo de faz-de-conta, trabalhar com a liberdade,
expressividade, imaginação e criatividade, que as colocaram como
protagonistas desse contexto, sendo criadoras e agentes de sua própria
formação. Nesse processo, abriu-se espaço para extrapolar o conhecido,
descobrindo assim, outras possibilidades a serem exploradas. “Uma coisa
muito interessante nas aulas de teatro é que a gente extrapola bastante
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(...) eu tinha vontade de ir pra aula de teatro(...) eu ia pra aula pra me
divertir mesmo” (B.L)
Para Gil (1999, p.47-48)
chama-se ação o processo que se cria a partir do
resultado que deve ser alcançado, quer dizer, que se
cria em relação aos fins conscientes. As ações são
adquiridas através da experiência do sujeito. A energia
de toda ação é de natureza afetiva (necessidades e
satisfações); a estrutura da ação é de natureza
cognitiva. A atividade humana não existe de outro
modo sem ser em forma de ações criativas, a
aprendizagem, nas ações de aprendizagem, a
comunicação, nas ações de comunicação. A atividade
representa, por fim, um processo que se caracteriza
por transformações permanentes na realidade.
O agir levou as acadêmicas a transformarem a realidade em que
estavam inseridas. A distância que, no início do semestre, separava-as em
função das diferenças de cada uma, aos poucos foi unindo-as. Outros
diálogos foram sendo estabelecidos e, pela ação, criou-se uma relação. Para
L.B, “essa foi a única disciplina que se olhava no olho, se conseguia
comunicar”. Essa interação tocava tão fundo no interior de cada sujeito,
gerando um cuidado que estimulava o outro a participar e também lançar-
se ao desconhecido, explorando outras possibilidades corporais e vocais,
levando-o a se conhecer, criar e descobrir potencialidades até então
escondidas. O que distanciava agora agregava e fazia com que cada um
aceitasse o outro como ele era numa relação mútua de respeito. “Legal da
gente vê como cada um tem uma forma diferente de representa né!” (A.B)
O teatro proporciona trabalhar com a individualidade de cada ser
humano, respeitando seu ritmo, suas características, suas idéias, numa
proposta que valoriza cada manifestação como fundamental para o
desenvolvimento de uma experiência educativa que o envolva em sua
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totalidade. Essa possibilidade chamou a atenção de B.L que gostava do
respeito que havia nas aulas de Jogo Teatral
“vocês (professora e pesquisadora) respeitavam o
nosso tempo, (...), vocês respeitavam bastante isso
em relação a nós na aula. (...) Isso eu achei muito
bom (...) aqui dentro da faculdade eu vejo muito o
discurso dos professores, eles falam uma coisa e fazem
outras (...) aqui não, vocês falam do tempo e
respeitam de fato esse tempo da gente”.
Por mais que hoje haja todo um discurso que incentive trabalhar com
atividades que estimulem o aluno a “ser espontâneo, vivo, dinâmico, capaz
de exteriorizar seus pensamentos, sentimentos e sensações e de utilizar
diversas formas de linguagem.” (REVERBEL, 1989, p.36) ainda estamos
inseridos num sistema que disciplina os corpos para agirem na imobilidade,
no silêncio, no racional. Assim, quando há um rompimento dessa estrutura
a que estamos acostumados a conviver, reações de incômodo surgem para
denunciar algo que está atrapalhando. Para L.B “a escola acomoda os
corpos (...) a inovação, o diferente incomoda, atrapalha a ordem já
estabelecida e fixada através de normas, regras, ...”
Quando corpos falantes rompem o silêncio e derrubam os limites
impostos pelas paredes de uma instituição, há uma (res) significação de um
cenário até então sombrio, silencioso, enigmático. Risos, barulhos,
conversas, gritos, correria, movimentos passam a colorir corredores tão
acinzentados. Essas manifestações incomodam muitos que não admitem
viver uma outra dimensão, naquele espaço, mas também, atraem curiosos
que logo se agrupam para vivenciar uma outra experiência.
Para I.R, os risos foram marcantes, gerando uma reflexão acerca da
possibilidade de dar espaço para as risadas e também toda a corporeidade
do aluno na sala de aula e no seu processo de aprendizagem. Ainda
prevalece a idéia de que se aprende no silêncio e quanto mais o ser humano
internaliza isso, mais vemos corpos serem modelados e programados tais
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como robôs, todos no mesmo ritmo e agindo da mesma maneira. A
disciplina de Jogo Teatral proporcionou quebrar um pouco essa rigidez para
proporcionar certo elemento conhecido como “diferente”, não buscando
julgar, condenar ou mesmo ditar o que é certo ou errado, mas proporcionar
a experienciação com essa linguagem artística.
A experienciação não aconteceu somente na vivência de jogos, mas
também a partir da apreciação estética, em que as acadêmicas tiveram a
oportunidade de assistir peças teatrais, conversar com os atores e diretores
e também observar as reações das crianças diante de um espetáculo
infantil. Tudo isso proporcionou o contato com a arte a partir da vivência
estética, numa perspectiva que extrapolou a idéia que reduz a estética
somente ao sentimento do agradável, ao prazer pela obra de arte, isto é, a
um sentimento imediato de prazer e alegria (VIGOTSKI, 2004) para tocar o
indivíduo verdadeiramente, suscitando uma infinidade de emoções e
sensações.
Essa proposta possibilitou à turma que estava cursando Jogo Teatral
experienciar o teatro pelo viés da compreensão artística, num processo que
abarcou também a percepção dos alunos.
A arte é julgamento nosso, a interpretação com meios
estéticos peculiares desses aspectos da vida e
atividade humana, a apresentação desses aspectos às
pessoas para fazê-las viver esses problemas, aceitar
ou rechaçar a interpretação que o artista dá do sentido
da vida. (ELKONIN, 1998, p.20)
Assistir a um espetáculo teatral levou L.B a refletir e a expor suas
impressões em relação à vivência estética durante a disciplina.
“Foi uma peça genial apesar de sentir que algo mais
engraçado poderia ter dado fim ao espetáculo, mas
tudo foi lindo. Por vezes me senti criança novamente,
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ainda mais sentada no chão em frente aos atores.
Senti que o riso contagiou toda a platéia, que além das
crianças presentes, em algum momento todos
puderam deixar de lado as formalidades que impõem
em nossas vidas e rir, rir como uma criança,
simplesmente rir, morrer rindo!” (L.B)
Para Japiassu (2001, p.30)
O teatro e as artes (...) são concebidos como
linguagens, como sistemas semióticos de
representação especificamente humanos. Trata-se,
dessa perspectiva, de estudar a complexidade das
linguagens artísticas e suas especificidades estético-
comunicacionais como sistemas arbitrários e
convencionais de signos. Destaca-se a necessidade de
apropriação do aluno das linguagens artísticas –
instrumentos poderosos de comunicação, leitura e
compreensão da realidade humana. O objetivo (...)
não é a formação de artistas, mas o domínio, a
fluência e a compreensão estética dessas complexas
formas humanas de expressão que movimentam
processos afetivos, cognitivos e psicomotores.
L.B gostou muito dessa oportunidade de sair do espaço formativo e
vivenciar o teatro por um outro viés, isto é, assistindo a peças teatrais.
“Gostaria de expressar o quanto foi bom, importante,
produtivo, pelo menos para mim, a disciplina propiciar
aos alunos estas ‘saídas’ do nosso nicho chamado
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Centro de Educação e ver coisas diferentes, que aqui
dentro não são vistas, viajar pelo ainda não viajável”.
Todo esse processo de vivência através do teatro foi elemento
relevante a contribuir e a valorizar a formação cultural dos sujeitos da
pesquisa ao longo de sua trajetória de vida e na disciplina de Jogo Teatral.
Para Gil (1999, p.56)
a educação, (...), é um momento institucional marcado
do processo cultural. Portanto, não existe cultura sem
a idéia de formação. BOSI conclui que o termo cultura,
na sua forma substantiva aplica-se tanto às lidas do
campo, quanto ao trabalho entre seres humanos desde
à infância.
Acredito que o teatro na formação de professores promoveu a
valorização, mas também a formação cultural das acadêmicas ao propor um
trabalho que não esteve voltado apenas para o universo formativo, mas
para as diversas manifestações culturais que envolvem o sujeito em todos
os aspectos de sua vida. Isso tudo foi possível, pois estamos falando de
uma linguagem artística que é conhecimento, não um conhecimento
estático, mas em constante construção a partir das manifestações
humanas. O teatro não é
saber acumulado pela humanidade,no qual são
ordenadas nossas experiências sensoriais. Não se trata
de um mundo artístico reconhecido através de fatos e
relações interfatuais, como descreve a concepção
científica (...) O teatro não é um conhecimento
estático, onde são formuladas leis permanentes e
imutáveis. O conhecimento no teatro se coloca como
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uma manifestação artística condicionada por múltiplos
aspectos da vida de homens determinados (GIL, 1999,
p. 9-10).
“Viajar, criar, imaginar, sentir, agir, entre outras coisas mais, isso
tudo pensado do seu modo, da maneira como você queria, sendo você
mesma, extrapolar o ainda não extrapolado, inventar à sua maneira outras
possibilidades de viver” (L.B), tudo isso são manifestações que significam
uma experiência teatral e criam esse movimento que faz do teatro uma
linguagem em constante transformação.
A construção de conhecimento aconteceu também a partir de uma
situação prática, em que as acadêmicas puderam experienciar jogos criados
por elas, efetivando assim, um espaço em que se criou um ambiente
propício para que a turma participasse dos jogos. Por meio desse contato,
elas experienciavam cada elemento que está relacionado a uma prática com
jogos, concretizando a construção do seu conhecimento teatral a partir do
vivido e das suas impressões e reflexões sobre essa prática. Dessa maneira,
foi possível presenciar a união entre o discurso e a prática, proporcionando
um aprendizado que ultrapassava apenas o mental (o racional) para
englobar o corporal e afetivo: os sentidos, a memória, o imaginário, o
humano, numa abordagem que valorizou os referenciais pessoais de cada
ser humano, a partir do conhecimento de si, do outro e da realidade a sua
volta.
Esse direcionamento enfatizou um trabalho que se embasou na
experiência e reflexão sobre ela, numa perspectiva auto-formativa, em que
“o formador forma-se a si próprio, através de uma reflexão sobre os seus
percursos pessoais e profissionais” (JOSSO, 2002, p.11). Ou seja, as alunas
tinham a oportunidade de criar, vivenciar e refletir sobre o criado e o vivido.
Tal proposta tinha por objetivo possibilitar às acadêmicas uma diversidade
metodológica, envolvendo jogos para posteriormente construir uma
metodologia própria de trabalho baseado na experimentação e reflexão
dessa experiência.
Para I.R,
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“quando a gente tava fazendo (os jogos), eu fiquei
com uma grande expectativa quanto a ele (...) eu votei
pra gente fazer esse porque parecia que tinha sido
bem legal sabe (...) e daí depois tudo aquilo durante o
momento que ele tava ocorrendo, como foi a execução
dele e depois trazer isso também foi legal (...) eu
lembro de que eu comecei a pensar realmente no que
ela (professora) tava dizendo, que eram coisas que a
gente não tinha estabelecido (...) é difícil a gente fazer
uma coisa que não tenha vivenciado antes, a gente
não tinha feito o jogo nós inventamos e não jogamos
nenhum deles, então foi feito do jeito que a gente foi
dizendo né, então quanta coisa tu fazendo pra ti depois
retirar e saber assim, não isso não sei, acho que não é
legal, ou fazer assim ou fazer assado. Então eu acho
que essa parte é bem legal por isso.”
Esses jogos proporcionaram à turma vivenciar uma outra realidade
até então não explorada. De jogadoras passaram a ministrar os jogos e
lidar com elementos como o inesperado, ao ver a proposta que elaboraram
sendo modificada pelas colegas que se empolgaram com os jogos. Essa
empolgação tomou uma outra dimensão durante a aula de Jogo Teatral,
levando a turma romper as fronteiras do até então imaginado. Quando
menos se esperava não havia mais jogadoras e ministrantes, todas estavam
mergulhadas no jogo, numa brincadeira sem limites. Nessa viagem, foi
possível superar até situações que deixaram marcas profundas na infância.
“Não sei se é porque eu nunca ganhava nenhum jogo, nenhuma brincadeira
no colégio, nas aulas (de Jogo Teatral) eu me emocionava, porque eu
geralmente ganhava, era uma criança grande” (B.L).
Nesse processo de jogo, a observação também foi um elemento
explorado e que se revelou muito importante quando se trata do quesito de
perceber o outro. “Pude perceber o quanto foi importante observar minhas
colegas durante a aula, enxergar cada uma nas suas particularidades...
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caras, sentidos, medos, desejos, desgostos...” (L.B). Ao longo do semestre,
em nenhum momento, teve-se a finalidade de produzir produtos acabados
ou mesmo pré-determinados, mas proporcionar um enriquecimento dos
meios de expressão das acadêmicas.
Desenvolver um trabalho com jogos foi uma maneira de estar
disponibilizando ao indivíduo espaço para que ele vivenciasse a sua
criatividade e imaginação, num processo em que pôde transformar e
modificar a realidade, expressar-se livremente, improvisar conforme suas
vontades e necessidades. Através do jogo, as futuras professoras puderam
descobrir-se como criadoras, superando a mecanicidade de muitas atitudes,
quebrando com convenções estabelecidas para encontrar a autenticidade e
expressividade do ser, saber e fazer no contexto formativo. O teatro, na
formação inicial de professores, ao trabalhar com uma proposta alicerçada
nos “jogos dramáticos e/ou teatrais”, propiciou às acadêmicas do Curso de
Pedagogia “ser o artesão de sua própria educação, produzindo-se a si
mesmo” (KOUDELA, 2007, p.24).
Esses sujeitos com histórias de vida tão diferentes, na disciplina se
encontraram e, a partir de uma experiência, muito compartilharam saberes
e representações. O imaginário instituído em relação ao teatro e que era
responsável por representações tão marcantes aos poucos foi sendo (res)
significado para dar lugar a uma nova possibilidade. Atrevo-me a dizer que
daquele grupo emergiu um outro imaginário que os impulsionou enquanto
indivíduos e grupo, funcionando como catalisador, estimulador e
estruturador dos limites das práticas, (MACHADO DA SILVA, 2006)
rompendo um instituído para um instituinte acontecer.
Quando as acadêmicas se depararam com as disciplinas de Jogo
Teatral, logo vieram as representações em relação ao teatro a partir do que
vivenciaram ao longo de suas histórias de vida. Representações essas que
criaram expectativas ou medos em relação ao que iriam experienciar no
Curso. Levar em consideração esses referenciais prévios proporcionou
compreender o sentido de cada manifestação nas primeiras aulas, bem
como vê-las como sujeitos singulares que vieram de contextos e viveram
experiências diferenciadas. Olhar nessa direção significou ver a
heterogeneidade da turma, e nas suas diferenças, um trabalho que
valorizou os saberes de cada pessoa.
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Acredito que essa abordagem possibilitou perceber as atitudes que
algumas acadêmicas demonstraram no início do semestre. Não podemos
esquecer que as experiências anteriores nem sempre são positivas e que
podem ter causado marcas profundas que foram as responsáveis pela
resistência inicial em relação à proposta de trabalho. Assim, ter realizado
um processo que respeitou cada aluna, estimulando-a a participar e,
progressivamente, ir ingressando na proposta, foi fundamental para o
encadeamento dessa pesquisa.
Considerar os saberes experienciais como repertório para construir
uma proposta a ser vivenciada na disciplina significou não querer
desconstruir tudo que havia sido vivenciado até então, muito menos,
menosprezar as representações anteriores em relação ao teatro, mas
mobilizar os alunos, para, através da experimentação com a linguagem
teatral, refletirem, questionarem, problematizarem tudo que haviam
vivenciado até então.
Nesse processo, pude visualizar o movimento de corpos que, no início
tímidos, participavam muito desconfiados, mas que, no decorrer de cada
aula, foram se soltando, disponibilizando-se aos jogos, ousando, explorando
e descobrindo outras possibilidades num espaço marcado por risos,
barulhos e muita alegria. A vontade e a espontaneidade de uma integrante
do grupo, logo era motivo para contagiar todas, e, assim, a turma foi se
integrando, numa relação de cumplicidade, coletividade e solidariedade de
umas para com as outras.
A separação entre professor que transmite os conhecimentos e aluno
que aprende, não existiu. Havia um aprendizado mútuo que se concretizava
nos jogos vivenciados e criados pela turma. Juntas experienciaram e
romperam com as paredes da sala de aula para realizar a formação em
outros espaços, interagindo com diferentes pessoas, considerando os fatos
cotidianos como elementos muito necessários para fazer parte desse
processo de construção e experimentação.
Nesse cenário, não houve quem, por algum momento, não se
deixasse envolver por essa proposta, pois tudo era muito diferente do que
estavam acostumadas a encontrar no Curso de Pedagogia. As acadêmicas
criavam e colocavam regras em prática, isto é, tinham voz ativa, sendo as
maiores protagonistas desse espetáculo. Nesse encaminhamento,
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quebraram as convenções de tempo e espaço ao se envolverem
completamente e desejarem continuar vivenciando aquele processo, mesmo
com a carga horária da disciplina cumprida.
Teatro, no espaço de formação e na escola, significa respeitar o limite
e o tempo do outro, perceber que somos diferentes e que cada um, na sua
individualidade, manifesta-se de diversas maneiras ao que é proposto.
Conhecendo-nos através de jogos corporais, identificando nossos limites e
também habilidades, aprendemos a nos compreender e a compreender o
outro.
Romper a uniformização, a imobilidade, a dualidade do certo / errado
para explorar um universo de criação, imaginação, improvisação, foram
alguns elementos trabalhados nas aulas de teatro. Este oportuniza ao
professor vivenciar, criar, trabalhar o coletivo, e também o individual, a sua
imaginação, o imprevisto e inesperado, compreender um processo. Acredito
que ainda é muito presente o aprendizado proposto de forma estática,
ouvindo um professor, causando mal-estar, quando os futuros professores,
têm que deixar de ser receptores de informações para compartilhar seu
conhecimento com os colegas. É necessário desconstruirmos esse corpo
“robô”, para dar espaço para o humano, o conhecimento de si, do outro.
Relação eu comigo mesmo, eu e o outro, eu e o objeto, outro e o objeto.
Acredito que as aulas de teatro proporcionaram às acadêmicas
verem-se como criadoras. Todos somos capazes de transformar e (res)
significar um jogo a partir de nossas vivências, da nossa bagagem cultural.
A disciplina de Jogo Teatral tentou transformar o ambiente de formação,
rompendo com as limitações de tempo e espaço, bem como relações de
autoritarismo e poder ao colocar em foco os conhecimentos e vivências das
futuras professoras.
Ao dar espaço à corporeidade e à liberdade de expressão na
formação, acredito que se abre espaço ao novo e ao inesperado. O teatro
construiu um espaço propício para a criatividade, transformação e
imaginação no ambiente formativo. O que está por trás das classes, do
quadro, dos conteúdos são pessoas humanas. Considerando que somos
humanos, devemos trabalhar não apenas uma formação que prepara o
professor para estimular o aluno a se preparar para um futuro longínquo,
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mas também, para que aprenda expressar-se corporalmente e
emocionalmente e se prepare para viver o momento, o tempo presente.
Diante desse contexto, as representações foram sendo (res)
significadas. Antes, o teatro, para as acadêmicas, sujeitos dessa pesquisa,
eram peças teatrais apresentadas em datas festivas nas escolas. Essa
representação foi construída a partir do que vivenciaram durante sua
escolarização. Valorizar essa significação foi o ponto chave dessa pesquisa,
pois, para (res) significar algo, foi necessário apoiar-se num repertório
prévio, não o julgando como sendo certo ou errado, mas como elemento
existente de uma trajetória vivida. Ter como aporte teórico o imaginário
proporcionou-me olhar o contexto simbólico que permeou cada momento
desse estudo, abrangendo assim uma série de manifestações que não são
reveladas com palavras, mas gestos, atitudes e sentimentos.
Acredito que houve essa (res) significação porque as acadêmicas
vivenciaram intensamente a linguagem teatral, estando abertas as diversas
possibilidades que surgiam a cada aula. A formação foi marcada pela
construção do conhecimento que aconteceu numa parceria entre professora
e alunas, num espaço de dialogicidade e interação, em que todas foram
elementos fundamentais e necessários para que isso se concretizasse. A
partir da vivência com jogos, as alunas foram experienciando maneiras de
trabalhar o teatro no contexto educacional, construindo, a partir dessa
prática e de suas impressões, uma metodologia de trabalho própria,
apresentada no final das disciplinas.
Percebi que as aulas da disciplina de Jogo Teatral I e II,
proporcionaram um outro ambiente, (res) significaram o espaço
universitário ao dar liberdade para os sujeitos manifestarem-se livremente.
As acadêmicas, ao longo do trabalho, foram participando e vivenciando
outras possibilidades de saber e fazer a educação. Pela primeira vez, muitas
entraram num teatro para assistir a um espetáculo teatral, deixaram de ser
tão rigorosas quanto ao horário e o espaço para ouvir o que tinham vontade
de fazer e então, interagir com outras pessoas ao sair do laboratório de
teatro e deixar suas marcas pelo Centro de Educação.
Através das falas das acadêmicas, pude perceber as contribuições
que as disciplinas de Jogo Teatral I e Jogo Teatral II proporcionaram à
formação de professores. No entanto, faz-se necessário ressaltar que o
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teatro no contexto educacional não pode ser visto apenas como um
instrumento para resolver todos os problemas educacionais, mas como um
conhecimento construído pelas experiências humanas que proporcionou,
nessa pesquisa, oportunidades das acadêmicas experimentarem outras
possibilidades no espaço formativo, numa experiência que enfocou o
desenvolvimento pessoal, a exploração e a descoberta de habilidades até
então desconhecidas.
Acredito que todo esse processo que vivenciei juntamente com essa
turma criou espaço para o teatro ser trabalhado nas escolas
posteriormente. Digo isso, pois experienciaram a formação pela valorização
de suas potencialidades e saberes, estimulando-as a quererem proporcionar
isso ao seus futuros alunos, como já mencionado anteriormente.
Acompanhar as disciplinas de Jogo Teatral I e Jogo Teatral II
proporcionou-me perceber como a vivência no Curso de Pedagogia
desacomodou corpos que provocados através de uma prática que trouxe
outras possibilidades de trabalhar o teatro no contexto educacional,
direcionou a um processo de reflexão e (res) significação de representações
construídas ao longo de uma trajetória de vida. Estar inserida nesse
contexto possibilitou-me visualizar as transformações ocorridas em torno
das representações que os sujeitos da pesquisa apresentavam sobre o
teatro antes da disciplina, bem como perceber as contribuições que a
experienciação teatral trouxe à formação de professores.
O contato das acadêmicas, com a linguagem teatral, modificou muito
as representações em relação ao teatro, mas, acima de tudo encaminhou-
as a uma reflexão e questionamento constante de suas práticas. Acredito
que tudo que vivenciei e pude construir ao longo desse trabalho foram
resultados de uma turma que me abraçou e, juntamente comigo, idealizou
essa pesquisa que foi muito significativa para minha formação pessoal e
também profissional.
A minha inserção nessa disciplina trouxe a possibilidade de
rompimento do imaginário constituído por mim enquanto observadora, no
momento que vivenciei e construí outros referenciais a partir da minha
interação com as acadêmicas no espaço formativo. Não há palavras para
simbolizar tudo o que vivenciei ao longo de dois anos de pesquisa. O que
posso dizer é que realmente vivi. Vivi intensamente cada olhar, movimento,
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gesto, riso, expressões humanas que me fizeram descobrir a minha
essência como pessoa e também profissional. Nessa trajetória, não houve
como não me deixar envolver por um processo que mexeu completamente
com minhas representações, levando-me a desconstruir para construir
outras significações num espaço aparentemente tão rígido, mas repleto de
possibilidades a ser exploradas.
Dessa maneira, vejo essa pesquisa em sua complexidade, mas
também na sua singularidade. Fomos, pesquisadora, sujeitos e professora
da disciplina, envolvidas por um processo que nos desequilibrou de nossas
bases conhecidas, ensinando-nos que em calçadas irregulares, também é
possível caminhar e realizar inúmeras construções.
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