[pereira, livia; soares, thiago] cinema pop, ostentação e letramento midiático em 'bling ring
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Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao XXXVII Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao Foz do Iguau 2 a 5/9/2014
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Cinema Pop, Ostentao e Letramento Miditico em Bling Ring1
Livia PEREIRA2
Universidade Federal da Paraba, Joo Pessoa, PB
Thiago SOARES3
Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE
Resumo
O artigo prope uma leitura crtica do filme Bling Ring: A Gangue de Hollywood, da diretora Sofia Coppola a partir de um debate sobre o estilo e a linguagem que a crtica
cinematogrfica classifica como pop, a ideia de uma cultura da ostentao das redes sociais e diante de um contexto do letramento miditico. Na obra, um grupo de adolescentes invade
manses de celebridades de Hollywood para roubar artigos de luxo e postar fotos em ambientes virtuais. possvel estabelecer uma discusso sobre a dupla vinculao da busca
pela fama: aquela que se apropria de produtos das celebridades para tentar ser uma celebridade. O texto questiona as benesses do letramento miditico, apontado por Henry
Jenkins (2008), apontando a necessidade de um debate moral e tico nas redes sociais.
Palavras-chave: cinema; cultura pop; redes sociais; ostentao; estilo.
O que levaria adolescentes de classe mdia dos Estados Unidos a invadirem manses
de artistas famosos para roubar joias, roupas caras e artefatos de luxo? Esta pergunta parece
ter movido a jornalista Nancy Jo Sales, que escreveu a reportagem "The Suspects Wore
Louboutins" para a revista Vanity Fair, narrando a histria de um grupo de adolescentes que
entrava em casas de celebridades para furtar produtos de grife e dinheiro. Manses de gente
como Paris Hilton, Lindsay Lohan e Audrina Patridge foram saqueadas e os rapazes e moas
furtavam de produtos Prada e Birkin a sapatos Louboutins. O destino? Fazer fotos e colocar
na internet. Em outras palavras: ostentar. Tambm levavam os dlares que encontravam pelo
caminho.
A reportagem de Nancy Jo Sales chamou ateno da cineasta Sofia Coppola, diretora
de Virgens Suicidas (1999) e Encontros e Desencontros (2003), que adquiriu os direitos
1 Trabalho apresentado na Diviso Temtica Cinema e Audiovisual, da Intercom Jnior X Jornada de Iniciao
Cientfica em Comunicao, evento componente do XXXVII Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao 2 Estudante de Graduao 6. semestre do Curso de Jornalismo da UFPB, email: liviamariadp@gmail.com.
3 Orientador do trabalho. Professor do Curso de Jornalismo da UFPE, email: thikos@gmail.com.
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autorais para levar ao cinema a histria. Da foi rodado o filme Bling Ring: A Gangue de
Hollywood, uma obra de fico baseada em fatos reais narrados por Nancy Jo Sales em seu
texto jornalstico. Este artigo uma tentativa de compreender duas questes que parecem
emergir do filme Bling Ring: A Gangue de Hollywood: 1. a vinculao esttica de um
cinema marcadamente classificado pela crtica como pop e 2. o debate em torno do
letramento miditico como aporte para compreenso de uma pedagogia da ostentao na
cibercultura e, mais detidamente, nas redes sociais. Comeamos tentando entender como a
crtica de cinema trouxe tona opinies sobre Bling Ring, muitas vezes, identificando
marcas estilsticas de Sofia Coppola e, de maneira contundente, classificando a obra como
marcadamente pop.
Sofia Coppola, uma cineasta pop
Como comum na crtica cinematogrfica, grande parte das identificaes de marcas
estilsticas de uma obra so atribudas aos diretores. O diretor , frequentemente, atrelado
tanto ao sucesso quanto ao fracasso de um filme. Para entender Bling Ring: A Gangue de
Hollywood, preciso, antes, compreender a sua diretora: Sofia Coppola. Filha do diretor
Francis Ford Coppola, Sofia estreia na direo de longas-metragens em 1999, em As
Virgens Suicidas, baseado no livro homnimo de Jeffrey Eugenides. Em 2003, realiza seu
filme mais bem recebido pela crtica, Encontros e Desencontros, pelo qual tambm ganhou
o Oscar de melhor roteiro original. Executa dois filmes que dividiram opinies (Maria
Antonieta, de 2006, e Em algum lugar, em 2010), para, s em seguida, dirigir Bling Ring:
A Gangue de Hollywood. sobre Sofia Coppola e no sobre o filme, necessariamente
que, grande parte de crtica se refere.
O crtico de cinema Luiz Zanin, que mantm um espao de crticas no Blog do
Estado (Estado de So Paulo) traz tona no ttulo de seu texto, a referncia aberta diretora:
Bling Ring um exemplo perfeito do cinema soft e alusivo de Sofia Coppola. Por cinema
soft, ele descreve como uma obra que se mantm na superfcie, sem adentrar a questes
mais densas dos personagens e das narrativas. Ao tratar do termo alusivo, tem-se a inteno
de evidenciar que se trata de uma produo que parece fazer parte de uma linhagem esttica
caracterstica da diretora. Assim refere-se o crtico Sofia Coppola e a seu filme:
livia.marinhoHighlight
livia.marinhoSticky NoteIsso por causa da poltica de autores, miga
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Como crnica de costumes, Bling Ring interessante. Mas, como acontece com frequncia no cinema de Sofia, ela no mostra estmago para
descer mais fundo nos problemas. No uma mergulhadora. s vezes, esse
nado de superfcie funciona, como em Encontros e Desencontros, talvez seu melhor trabalho. Outra, nos deixa com uma sensao de
desapontamento ao final, como o caso deste Bling Ring, que em mos mais ambiciosas poderia ser um raio-X poderoso da alienao contempornea, mas com Sofia revela-se apenas uma interessante crnica
de costumes, e pouco mais. (ZANIN, 2013, p. 1)
Percebe-se no texto de Luiz Zanin um certo ressentimento com o que chama de
crnica de costumes. Este termo usado de forma negativa, na opinio do crtico, que acha
que a diretora no mostra estmago para descer mais fundo nos problemas. H, tambm,
uma reivindicao, por parte do autor do texto, de que Bling Ring pudesse ser um raio-X
poderoso da alienao contempornea e ele relata, inclusive, ter ficado desapontado ao final
da narrativa.
A referncia superficialidade na obra de Sofia Coppola vista no como sintoma de
desapontamento ou falta de densidade, mas a partir de uma marca estilstica que mescla
contedo e forma. o que relata o crtico de cinema Jlio Cavani, no jornal Dirio de
Pernambuco. Na obra da cineasta [Sofia Coppola], a embalagem sempre confunde-se com
o contedo e o que poderia ser visto como superficial apenas torna tudo mais aprofundado
(CAVANI, 2013, p. 1). H aqui, uma visvel inverso dos valores propostos por Luiz Zanin:
se para o primeiro, ser superficial era motivo de desapontamento e ausncia de densidade;
para o segundo, a superficialidade uma marca estilstica do cinema de Sofia Coppola que
mescla embalagem e contedo, deixando tudo mais aprofundado. Ainda debatendo o
estilo da direo, h um destacamento feito por Cavani:
trata-se de um filme de Sofia Coppola, diretora diretamente ligada cultura
do videoclipe e da moda. Tudo apresentado com uma linguagem
altamente pop, que deve fazer sucesso entre adolescentes, com direto presena de Emma Watson (Harry Potter) entre as protagonistas. (CAVANI, 2013, p.1)
Classifica-se a trajetria de Sofia Coppola como diretamente ligada cultura do
videoclipe e da moda e sua linguagem como altamente pop e que deve fazer sucesso
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entre adolescentes. Neste sentido, percebe-se que comum a crtica de cinema trazer
elementos de ordem biogrfica para acionar questes estilsticas. A relao de Sofia Coppola
com a cultura do videoclipe e da moda, como se refere o crtico, pode estar relacionada ao
relacionamento amoroso da cineasta com o msico Thomas Mars, da banda de indie rock
Phoenix. Sabe-se que eles se conheceram quando o msico concedeu uma de suas msicas
para o filme Encontros e Desencontros. Como figura pblica que , as relaes de amizade
e amor de Sofia Coppola, naturalmente afetam a percepo pblica sobre sua obra. Por isso,
o fato de namorar msicos (Sofia j teve tambm um relacionamento com Anthony Kiedis,
vocalista da banda Red Hot Chili Peppers) e por circular por ambientes da moda (ela
frequenta semanas de moda e desfiles de importantes designers e criadores), posicionam
Sofia Coppola como uma diretora afeita cultura do videoclipe e da moda. Tem-se aqui
um claro (re)enquadramento da figura do cineasta que sai daquele universo mtico de criao
e isolamento romnticos e passa a ser uma figura mundana, que circula por festas, ambientes
da noite e acaba se tornando to celebridade quanto os prprios atores que participam de seus
filmes. Parte desta caracterstica de Sofia Coppola parece posicionar a cineasta como uma
diretora pop, fazendo emergir uma problemtica questo, a da linguagem pop no cinema.
O filme cinema puro, mas usa um vocabulrio visual baseado em fotos de
Facebook, cmeras de segurana e webcams. O ritmo da montagem
associado ao uso da trilha sonora, entre outros elementos narrativos, deixa
o resultado 100% cinematogrfico. (CAVANI, 2013, p, 1)
Percebe-se um delineamento de linguagem que atrela ritmo, montagem e trilha
sonora como caractersticas pop, neste caso, evidenciando uma aproximao de Sofia
Coppola com a cultura musical como um tempero de seus filmes. Alis, a relao do cinema
com a msica pop parece estar no epicentro do que se classifica como cinema pop. Grande
parte das referncias e classificaes de um filme ser pop est ligado ao fato de destacada
presena de uma trilha sonora com canes, presena de artistas da msica cantando tais
faixas e aproximao com a esttica mais clssica e hegemnica do videoclipe. No toa,
obras como Os Embalos de Sbado Noite (1977), com msica dos Bee Gees; Pulp
Fiction Tempo de Violncia (1994), com faixas que traduzem o surf rock e O Guarda-
livia.marinhoHighlight
livia.marinhoHighlight
livia.marinhoHighlight
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Costas (1992), com msicas da cantora Whitney Houston, so comumente classificadas
como pop, a nosso ver, em grande parte, por aproximaes com o universo da msica.
No caso da diretora Sofia Coppola, a msica tambm sempre se fez presente nos
filmes, inclusive, tendo um papel de destacamento em funo das trilhas sonoras
descoladas remetendo a artistas pouco conhecidos do grande pblico. Logo na sua estreia
em longas-metragens, a cineasta utilizou o duo de msica francesa pop Air para criar a trilha
sonora de As Virgens Suicidas. Em Encontros e Desencontros, alm de faixas do
Phoenix, h referncias a canes clssicas dos anos 80, como More Than This, do Roxy
Music, cantada num karaok em Tquio. Em Maria Antonieta, Sofia Coppola chocou parte
da crtica francesa ao colocar a personagem histrica da Frana usando tnis e com uma trilha
sonora que passeava pelo rock e pelo pop. Em Bling Ring, mais uma aproximao da
cineasta com a msica pop, como destacada na crtica de Marcelo Hessel:
Crianas ricas com nada alm de amigos falsos, canta Frank Ocean na cano que encerra Bling Ring A Gangue de Hollywood, o filme de Sofia Coppola sobre crianas ricas com amigos falsos. uma escolha
bastante literal para os crditos finais, mas a figura de Ocean, que hoje
representa o oposto do gangsta no rap dos EUA, interessante para contrapor a relao que as personagens do filme tm com esse subgnero
musical e com o gangsterismo americano em geral. A imagem que todos
tm do gangsta rap so os videoclipes cheios de manses, carres, mulheres de biquni e correntes de ouro, e o ideal de vida das patricinhas de Bling Ring no muito diferente. (HESSEL, 2013, p. 1)
H, no texto em questo, uma referncia esttica que estabelece um dilogo do filme
de Sofia Coppola com um gnero musical, o gangsta rap, ou um tipo de rap mais pesado,
masculino, ligeiramente misgino e de grande popularidade nos Estados Unidos. Para retratar
o universo ftil e superficial retratado na obra, a diretora recorre a referncias do universo da
msica pop neste caso, a imagtica de um gnero musical para compor o quadro de sua
obra. este universo, povoado de palavres e de imagens de celebridades que vivem em
funo do corpo, que Sofia Coppola busca referncia. Como percebe o crtico Jlio Cavani,
h evidncias, na obra, de um tipo de moral circunscrito a um estilo de vida disseminado pela
cultura do gangsta rap e, consequentemente, da ostentao.
livia.marinhoSticky Notetotalmente mesmo, miga
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Em Bling ring, as garotas da gangue vulgarizam a si mesmas. Apesar de
terem bom acesso educao (no roubam por necessidade, mas por
prazer), elas chamam umas s outras de bitches (cadelas, putas), gostam de sempre mostrar as pernas (uma delas admite que no tem uma
saia ou vestido que chegue at o joelho), esto seriamente preocupadas com
o tamanho da bunda em determinada roupa e s demonstram vontade de
envolver-se com atores famosos ou traficantes. Essa questo da banalizao da sexualidade complementa uma caracterstica que est presente em toda
a obra de Sofia Coppola. Todos os filmes da cineasta so marcados por
situaes de travao sexual. Filha de Francis Ford Coppola, a diretora cresceu em um ambiente que sempre confrontava os rgidos valores
moralistas catlicos italianos com a liberdade da contracultura norte-
americana e do mundo dos artistas. (CAVANI, 2013, p. 1)
Mais uma vez, a referncia biografia da cineasta vem tona, fazendo um
contraponto ao universo retratado no filme. Neste sentido, Luiz Zanin destaca o papel de
observadora de Sofia Coppola na obra:
Sofia procura manter tom neutro ao mostrar o grupo. Apenas observa aqueles rapazes e garotas bem nutridos que costumamos ver nos filmes
highschool americanos. Autoconfiantes (ao menos em aparncia), meio
desligados do mundo, interessados em roupas de marca, namoricos, baladas, vivem plugados fulltime em seus aparelhinhos eletrnicos. A
diferena, aqui, que o grupo simplesmente passa ao ato como se diz em psicanlise. No apenas cobia, mas se apropria daquilo que deseja.
(ZANIN, 2013, p. 1)
Sociedade do espetculo e cultura da ostentao
H um tipo de referncia no filme da ordem da apropriao: furtando celebridades,
diz uma das envolvidas, no fundo roubou-lhes a fama e tornou-se ela prpria uma dessas
figuras da mdia contempornea o que faz com que o crtico de cinema, inclusive, cite o
clssico texto A Sociedade do Espetculo, de Guy Debord. Estamos em plena era do
espetculo (o pobre Guy Debord, que forjou o termo em 1968 no poderia imaginar o que
viria depois). Ser conhecido o que conta. (ZANIN, 2013, p. 1)
A espetacularizao do cotidiano est presente no que podemos chamar de uma
cultura da ostentao em redes sociais, em que indivduos compartilham momentos com a
finalidade de deixar vestgios de sua vivncia. Um dos principais artifcios da cultura da
ostentao o selfie, ou a fotografia feita com celular em que indivduos clicam, em geral, o
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rosto, em poses que tentam traduzir um senso de beleza. O selfie (Fig.1) aparece em Bling
Ring sobretudo nas cenas seguintes aos roubos das casas, quando os jovens vo festas a
fim de exibir os novos "pertences". A necessidade de exibio no se restringe, entretanto,
ao ambiente fsico da festa - quem no est no local tambm precisa tomar conhecimento de
quem foi, o que vestia, o que bebia, etc. - e o selfie vem como meio de propagar essas
informaes nas redes sociais. A finalidade, ao menos dos jovens em Bling Ring, de
mostrar o que eles - e no os amigos do bairro ou escola - podem fazer e causar, dessa forma,
inveja nos outros.
Figura 1 Selfie em Bling Ring
O compartilhamento em redes sociais, na obra, ocorre atravs, sobretudo do
Facebook. Em determinado momento, o telespectador levado por um "passeio" pelas
pginas das redes dos jovens e somos bombardeados pelo que realmente importa nesse estilo
de vida claramente encenado: as mtricas do sucesso ciberntico, ou seja, as curtidas, os
comentrios e o buzz gerado entre sua rede de amigos. Num determinado momento, vemos
uma das personagens utilizando um dos produtos dos furtos da manso da socialite Paris
Hilton: um telefone rosa (Fig.2) que se conecta ao celular e cria uma atmosfera vintage (retr)
para a fotografia.
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Figura 2 Telefone rosa roubado da manso de Paris Hilton
Num outro momento de Bling Ring, as personagens do filme performatizam a
duck face (ou a cara de pato), que consta de juntar os lbios (Fig.3) e posicionar o rosto
na descendente, de forma a criar um alongamento da face e uma certa atitude no encarar a
cmera fotogrfica. A duck face cristalizou-se como uma das mais usuais expresses
performticas na fotografia em redes sociais, justamente por seu carter de enfrentamento da
cmera e, portanto, do espectador.
Figura 3 Duck face das personagens: atitude na cmera
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Fico ancorada na realidade
Bling Ring: A gangue de Hollywood um filme de fico - no um documentrio
- mas que pode ser descrito como uma espcie de instantneo da realidade. Por ser baseado
em uma reportagem da revista Vanity Fair, dialoga diretamente com o que se pode chamar
de zeitgeist, ou, o esprito do tempo, de uma poca. uma tentativa de captar um fenmeno
cronologicamente atual, ou seja, o processo contemporneo de banalizao da vida ntima e
coletiva em nome de sonhos descartveis e efmeros. Neste sentido, parte do que visto no
filme pode ser debatido luz de apontamentos do real e dos procedimentos utilizados pelos
personagens. Sabe-se que a histria de Bling Ring versa sobre jovens que invadiram
manses de famosos em Hollywood para furtar itens de luxo. Cabe questionar como eles
procediam para descobrir onde moram as celebridades, como podem fazer para entrar na
vida delas. O crtico de cinema Rubens Edwald Filho vai buscar na referncia no estilo de
vida de Los Angeles, cidade norte-americana, justificativa para o espanto em torno das aes
retratadas no filme. Quem no conhece Los Angeles no se espante porque realmente do
jeito que mostra o filme. Manses sem nenhuma segurana, sem muro, quase sempre com
portas sem serem fechadas a chave (mas h alarme e vigilncia diurna que o filme ignora).
(EDWALD, 2013, p. 1)
Neste caso, tem-se um grupo de jovens que se conectava pela internet e acessava
informaes, sobretudo nas redes sociais. Para discutir esta expertise contempornea de
descobrir informaes na internet, no uso popular de termo stalkear, que pode ser definido
como o ato de vigiar de forma exacerbada algum, com um motivo, em geral, obsessivo,
possvel debatermos que a vivncia com a internet gera novas partituras pedaggicas. Ou
seja, possvel aprender novas expertises no cotidiano virtual.
Henry Jenkins (2008), em seu livro A Cultura da Convergncia, trata a ideia de
mdia literacy ou letramento miditico, para falar de fenmenos em que usurios da
internet aprendem com tutoriais na rede. Hoje podemos afirmar que nos tornamos
dependentes da tecnologia. O uso de smartphones, computadores, carros, reprodutores de
udio e tablets, se fundiu ao nosso cotidiano, como parte natural de nossas vidas. Em poca
de convergncia de mdias, inteligncia coletiva e cultura participativa, como diz Jenkins, a
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tecnologia se tornou indispensvel e responsvel pelo aprimoramento das mais diversas reas,
como o acesso ao conhecimento.
A tecnologia mudou a orientao da educao de forma que o modelo de que
professores e acadmicos seriam os detentores absolutos do conhecimento dentro das
instituies de ensino entrou em falncia. H, nessa cultura de convergncia, a criao de um
novo tipo de consumidor de informaes e uma migrao dos antigos meios de comunicao
para se adequarem aos novos modelos. Os consumidores esto utilizando novas tecnologias
miditicas para se envolverem com um contedo dos velhos meios de comunicao,
encarando a Internet como um veculo para aes coletivas solues de problemas,
deliberao pblica e criatividade alternativa. (JENKINS, p. 235, 2008)
Para o autor, a participao dos consumidores na cultura e na construo do
conhecimento tornou esses elementos acessveis a qualquer um atravs de meios de
comunicao tecnolgicos, uma vez que a inexistncia de gatekeepers informacionais
propicia a cultura participativa, onde produtores e consumidores no possuem lugares
distintos. A gerao atual est reivindicando o direito de participar da cultura, sob suas
prprias condies, quando e onde desejarem (JENKINS, p. 236, 2008).
O pesquisador aborda a atual configurao regida pela tecnologia informacional, como
uma luta sobre o letramento; uma luta pelo direito de possuir, produzir e repassar o
conhecimento. De que habilidades as crianas precisam para se tornar participantes plenos
da cultura de convergncia?, Jenkins se pergunta e, na tessitura do conceito de letramento
miditico, ele expe os exemplos dos fs e o relacionamento destes com as obras originais
atravs das fices de fs, do termo em ingls fan fictions4.
Jenkins ento ressalta que esta experincia um tipo de domnio intelectual que s se
tem por meio da participao ativa, mas que ao mesmo tempo, brincar de interpretar
papis se torna fonte de inspirao para se expandam outras habilidades de letramento. O
extraordinrio nesse processo, no entanto, que ele ocorre fora da sala de aula e sem qualquer
4 Como uma comunidade formada por afinidades e interesses pessoais, o universo ficcional criado na Internet
se torna muito mais atraente para as crianas do que uma sala de aula. A participao ativa na construo de
um universo, o compartilhamento de informaes teis para seus semelhantes e o interesse genuno pelo
assunto permitem que estas pessoas reivindiquem um espao prprio dentro das narrativas originais como no caso das fan fictions, como personagens reais das histrias em que se baseiam.
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controle adulto direto. Crianas esto ensinando crianas o que elas precisam saber para se
tornarem participantes plenas da cultura de convergncia. (JENKINS, 2008, p. 249).
James Paul Gee, da Escola de Educao Madison, da Universidade de Wisonsin, chama essas culturas informacionais de aprendizado de
espaos de afinidade [...]. Gee afirma que os espaos de afinidade oferecem poderosas oportunidades para o aprendizado porque so
sustentados por empreendimentos comuns, criando pontes que unem
as diferenas de idade, classe, raa, sexo e nvel educacional; porque
as pessoas podem participar de diversas formas, de acordo com suas
habilidades e seus interesses; porque dependem da instruo de seus
pares, de igual para igual, com cada participante constantemente
motivado a adquirir novos conhecimentos ou reafirmar suas
habilidades existentes; porque, enfim, esses espaos de afinidades
permitem a cada participante sentir-se um expert, ao mesmo tempo
em que recorrem expertise de outros. (JENKINS, 2008, p. 249-250).
No filme Bling Ring, percebe-se que os personagens aprendem a entrar nas manses
atravs do contato com a internet. Eles sabem do cotidiano das celebridades que tanto
admiram atravs das redes sociais e do contato com os sites noticiosos. De maneira especfica,
descobrem atravs de vestgios deixados pelos artistas-clebres os perodos em que as
manses, por exemplo, estaro desocupadas (Fig.4). E parte para as invases com
informaes que so colhidas na internet.
Figura 4 Invaso das manses: conhecimento por causa da internet
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Em contrapartida aos incentivadores da cultura participativa, os crticos
ultraconservadores se preocupam com o fato das crianas estarem copiando uma mdia que
j existe, sem criar nada original, alm de alertarem para a possibilidade de as experincias
atraentes da cultura popular possam se sobrepor a experincias do mundo real, at que as
crianas no possam mais distinguir entre fato e fantasia (2008, p 267). O autor rebate
dizendo que
deve-se pensar nessas apropriaes como um tipo de aprendizagem. Historicamente, jovens artistas sempre aprenderam com os mestres
consagrados [...] antes de desenvolver o prprio estilo e prpria
tcnica. [...] Erigir os primeiros esforos a partir de produtos culturais
existentes permite-lhes concentrar sua energia em outras coisas,
dominar a arte, aperfeioar as habilidades e comunicar suas ideias. (JENKINS, 2008, p. 255).
Jenkins conclui suas observaes acerca desse novo modelo de aprendizagem citando
o pesquisador James Paul Gee, que afirma esta ser uma trajetria pessoal e singular num
espao complexo de oportunidades [...] e uma jornada social, medida que se compartilham
aspectos dessa trajetria com outros (apud JENKINS, 2008, p. 257).
As crianas so participantes ativas nessa nova paisagem miditica, encontrando a prpria voz por meio da participao em comunidades
de fs, declarando seus prprios direitos, mesmo diante de entidades
poderosas e, s vezes, sem o conhecimento dos pais, se elas sentem
que esto agindo corretamente. Ao mesmo tempo, por meio da
participao, as crianas esto traando novas estratgias para lidar
com a globalizao, com as batalhas em torno da propriedade
intelectual e com os conglomerados de mdia. [...] Devemos
interpret-las como um espao cada vez mais amplo, onde as crianas
ensinam umas s outras e onde, se abrissem os olhos, os adultos
poderiam aprender muito. (JENKINS, 2008, p. 284).
A nossa perspectiva com o debate sobre Bling Ring mostrar que sim, o letramento
miditico traz uma perspectiva extremamente benfica para a cultura participativa, mas
tambm evidencia os males do excesso de informao e os usos contraventores deste tipo de
prtica.
Apontando questes
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Bling Ring: A Gangue de Hollywood um filme que debate questes
contemporneas como a linguagem pop no cinema, as marcas estilsticas de uma diretora
ligada a um universo da moda e do videoclipe e, sobretudo, uma cultura da ostentao nas
redes sociais. Aponta para um oportuno debate em torno das estratgias de visibilidade usadas
para angariar mais curtidas e, tambm, sobre as performances corporais que so acionadas.
Neste sentido, faz-se necessrio um debate ainda mais aprofundado sobre o selfie e as formas
de exibio do corpo numa cultura de alta visibilidade.
A obra encena uma discusso sobre o letramento miditico expondo os efeitos nocivos
desta prtica, ao contrrio do que autores como Henry Jenkins empreendem. A perspectiva
do filme que o aprendizado na internet gera prticas ligadas contraveno e ao efeito de
amoralidade questionando o status excessivamente positivo como relatado pelo autor de
Cultura da Convergncia. Atrela-se um debate moral e tico sobre as apropriaes e lgicas
da vivncia virtual bem como as normas de conduta em redes sociais.
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. Acesso em: 3 jul. 2014.
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SIBILIA, Paula. O Show do Eu: A Intimidade como Espetculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
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ZANIN, Luiz. Bling Ring: O cinema de superfcie de Sofia Coppola. Disponvel em:
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Acesso em: 3 jul. 2014.
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