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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ZOOLOGIA DOS VERTEBRADOS
Predadores em fragmentos de Mata Atlântica:
estudo de caso na RPPN Feliciano Miguel Abdala,
Caratinga, MG.
Ana Maria de Oliveira Paschoal
Belo Horizonte
2008
Ana Maria de Oliveira Paschoal
Predadores em fragmentos de Mata Atlântica:
estudo de caso na RPPN Feliciano Miguel Abdala,
Caratinga, MG.
Orientador: Dr. Adriano Garcia Chiarello
Belo Horizonte
2008
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Zoologia dos Vertebrados da
Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Zoologia.
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Paschoal, Ana Maria de Oliveira
P279p Predadores em fragmentos de Mata Atlântica: estudo de caso na RPPN
Feliciano Miguel Abdala, Caratinga, MG / Ana Maria de Oliveira
Paschoal. – Belo Horizonte, 2008.
70 f.: il.
Orientador: Prof. Dr. Adriano Garcia Chiarello
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, Programa de Pós Graduação em Zoologia dos Vertebrados.
Bibliografia.
1. Ocelote. 2. Cães. 3. População biológica. I. Chiarello, Adriano
Garcia. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de
Pós Graduação em Zoologia dos Vertebrados. III. Título.
CDU: 577.4
Bibliotecária: Simone Ângela Faleiro van Geleuken – CRB 6 /1661
A minha vó, Maria, por me ensinar que o verdadeiro amor
é a ponte para a eternidade...
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais Luiz Carlos Paschoal e Maristela de Souza Oliveira Paschoal por todo
amor, carinho e por me ensinarem a ser persistente nos meus objetivos, me ensinando o
valor de amar o que se faz, e fazer bem feito. Se hoje estou atingindo mais uma meta da
minha vida é porque vocês sempre estiveram ao meu lado incondicionalmente. Amo vocês;
Ao meu orientador e amigo Dr. Adriano G. Chiarello, pela imensa dedicação, ética, aos
vários ensinamentos, e a confiança depositada em mim. Afinal, foram seus trabalhos com
mamíferos e conservação que me atraíram para o curso. Adriano, muito obrigado por ter
aceitado me orientar, e, principalmente pela compreensão nos meus momentos difíceis. Sua
orientação foi densa e direcionada nos momentos certos;
Ao Rodrigo Lima Massara (Dico) por ser mil e uma utilidades... ser meu grande amor,
companheiro, grande amigo, pesquisador colaborador, estagiário. Por sua dedicação,
paciência e por me agüentar durante meu estresse, principalmente para escrever a
dissertação;
Aos meus grandes amigos e irmãos Thiago Miceli de Oliveira Paschoal; Matheus Miceli
de Oliveira Paschoal; Ana Flávia Salgado e Nayara Gomes pelo companheirismo, pelo
carinho, pela amizade e “curtirem” as aventuras do mestrado juntamente comigo e com o
Dico;
À Elaine Miceli Paschoal, por ser minha amiga, companheira durante todos os momentos
da minha vida, sendo um exemplo para mim;
Aos meus avós por todo amor e humildade;
Ao TEAM em especial ao Msc. Leandro Scoss e Dr. Adriano Paglia, por fornecerem as
câmeras fotográficas essenciais à realização do projeto;
Ao Fernando Lima pelos valiosos conselhos e também por fornecer armadilhas
fotográficas;
Ao FIP pelo financiamento do projeto;
À FAPEMIG pela bolsa concedida a mim;
Ao amigo Dr. André Hirsh, pelos conselhos, profissionalismo e ética;
A Dra. Karen Strier pelo apoio e incentivo ao projeto;
À Fundação Preserve Muriqui pelo apoio prestado a toda equipe durante o projeto;
A Juliana Santos por seu empenho, amizade e dedicação ao projeto;
A toda equipe de pesquisadores da Reserva pela amizade, apoio e a grande ajuda na
realização deste estudo (Daniel Ferraz; Robson Hack; Samantha Rocha; Luísa Arnedo;
Carla Possamai e Fernanda Tabacow);
A todos os companheiros de longa data e do mestrado principalmente Valeska Buchemi e
Mírian Perilli;
À Sandra Massara e Antonio Massara pelo carinho, pelos conselhos e pela amizade;
Aos meus grandes companheiros Priu; Nikita; Kiko e Nina por todos os momentos de
descontração;
Aos grandes amigos Tonhão, Passarinho, Lelê, Marcó, Deila, Miguel, Antônio, Cacau;
pelas palavras de amizade e incentivo;
A todos os meus amigos que de alguma forma contribuíram para a realização deste projeto
OBRIGADO A TODOS VOCÊS!!!!
“ Nenhuma mente que se abre para uma nova idéia voltará a ter o tamanho original.” (Albert Einstein)
“Tente mover o mundo, o primeiro passo será mover a si mesmo.”
(Platão)
RESUMO
Áreas contínuas de florestas estão sendo reduzidas a fragmentos florestais pequenos e
isolados entre si. Uma das conseqüências da fragmentação, relevante para biodiversidade,
refere-se à liberação do mesopredador, como a jaguatirica (Leopardus pardalis) e a entrada
de espécies exóticas, em especial os animais domésticos, como o cão (Canis lupus
familiaris). O estudo foi realizado na Reserva Particular do Patrimônio Natural Feliciano
Miguel Abdala (RPPN FMA), um fragmento de médio porte (957 ha). O principal objetivo
foi investigar a densidade e o tamanho populacional da jaguatirica e do cão-doméstico na
RPPN FMA, analisando se estas duas espécies representam uma ameaça às populações de
presas. O desenho experimental envolveu a coleta de dados a partir de foto-armadilhas,
totalizando 1800 armadilhas/dia durante seis meses de coletas. A RPPN FMA foi dividida
em duas subáreas (Vale do Matão e Vale do Jaó), sendo cada subárea amostrada durante
três meses. Três registros de dois indivíduos de jaguatiricas foram obtidos. O tamanho
populacional estimado pelo programa “CAPTURE” para a área foi de três (95% IC=3-9).
A partir destes dados foram geradas estimativas de 0,237 ind./km² (95% IC= 0,237-0,712) e
de 0,521 ind./km² (95% IC= 0,521-1,564), usando 625 m e 1250 m, respectivamente, como
dois níveis de “Buffer” (HMMDM e MMDM) para o cálculo da área efetivamente
amostrada pelas foto-armadilhas. Estes valores estão dentro da variação de densidades
observadas em outras áreas mais extensas ou menos perturbadas. Demais felinos existentes
na área foram também fotografados: a onça-parda (11 registros) e o gato-mourisco (dois
registros). Treze cães-domésticos foram fotografados 105 vezes, gerando uma densidade
entre 0,763 (95% IC= 0,763-1,763) e 1,791 ind./km2 (95% IC= 1,791-1,791) para o Vale do
Matão e entre 0,346 (95% IC= 0,346-0,346) e 0,800 (95% IC= 0,800-0,800) para o Vale do
Jaó. Conclui-se que a população de jaguatiricas e dos demais felinos não se encontram em
alta densidade e provavelmente não representam ameaça real à comunidade de presas da
área. Por outro lado, os cães domésticos, embora não sejam predadores tão eficientes,
podem representar uma ameaça mais séria, já que estão presentes em grande número e
podem também aumentar a incidência de doenças no interior da RPPN.
Palavras-chaves: Fragmentação, mesopredador, Leopardus pardalis, Canis lupus
familiaris.
ABSTRACT
Continuous forests areas are being reduced to several small islands of forest fragments and
isolated among themselves. One of the consequences of fragmentation, relevant to
biodiversity, refers to the mesopredator release such as the ocelot (Leopardus pardalis) and
the introduction of exotic species, especially domestic animals, such as dogs (Canis lupus
familiaris). The study was conducted in the Feliciano Miguel Abdala Private Natural
Heritage Reserve (FMA PNHR), a fragment of midsize (957 ha). The main objective was to
investigate the ocelot and the domestic dog population densities and sizes in the FMA
PNHR, analyzing whether these two species represent a threat to the preys population.
The experimental design involved the data collection from photo-trap, totaling 1800 traps
night during six months of sampling. The FMA PNHR was divided into two sub-areas
(Vale do Matão and Vale do Jaó), with each sub-area sampled during three months. Three
records of two ocelot’s individuals were obtained. The estimated population size, generated
by “CAPTURE” program in the area was three (95% CI = 3-9). From these data was
generated an estimated of 0,237 ind. / km ² (95% CI = 0,237-0,712) and 0,521 ind. / km ²
(95% CI = 0,521-1,564), using 625m and 1250m, respectively, as two “Buffer” levels
(MMDM and HMMDM) to calculate the effectively sampled area by the photo-traps. This
density is within the variation observed in other larger or less disturbed areas. Other cats in
the area were also photographed: the puma (11 records) and the jaguarundi (2 records).
Thirteen domestic dogs were photographed 105 times, generating a density between 0,763
(95% CI= 0,763-0,763) to 1,791 ind. /Km2 (95% CI= 1,791-1,791) for “Vale do Matão”
and between 0,346 (95% CI= 0,346-0,346) to 0,800 ind./Km2 (95% CI= 0,800-0,800) for
“Vale do Jaó”. It follows that the ocelots and other felines’ population is not in high density
and probably does not represent a real threat to the community of preys in the area. On the
other hand, the domestic dogs, although are not efficient predators, may represent a more
serious threat, as are present in large numbers and can also increase the incidence of
diseases within the RPPN.
Keywords: Fragmentation, mesopredator, Leopardus pardalis, Canis lupus familiaris.
LISTA DE FIGURAS
ÁREA DE ESTUDO
Figura 1: Localização da RPPN Feliciano Miguel Abdala no leste de Minas Gerais.
No detalhe os limites do fragmento (linha amarela). O Rio Manhuaçu, afluente
do Rio Doce, corre no sentido sudeste-noroeste e margeia partes dos limites da
reserva..........................................................................................................................................17
CAPÍTULO1: ESTUDO POPULACIONAL DE JAGUATIRICAS (Leopardus pardalis) E
LEVANTAMENTO DA MASTOFAUNA DE MÉDIO E GRANDE PORTE, NA RPPN
FELICIANO MIGUEL ABDALA, CARATINGA, MG.
Figura 1: Disposição das armadilhas fotográficas (pontos) e suas respectivas áreas de cobertura
(círculos)......................................................................................................................................26
Figura 2: Figura representativa da divisão da RPPN FMA em duas subáreas (Vale do Matão e
Vale do Jaó). A linha branca tracejada indica a divisão aproximada dos dois vales e os pontos
vermelhos representam as armadilhas fotográficas.....................................................................27
Figura 3: Jaguatiricas registradas pelas armadilhas fotográficas durante amostragem
na RPPN FMA. Notar diferenças no padrão de listras entre os indivíduos
(setas)...........................................................................................................................................33
Figura 4: Onça-parda registrada pelas armadilhas fotográficas durante amostragem na RPPN
FMA. Notar coincidências no padrão de coloração da pelagem (setas e
círculos).......................................................................................................................................33
Figura 5: Localização das armadilhas fotográficas (pontos brancos) usadas na amostragem dos
vales do Matão e do Jaó da RPPN FMA. O polígono formado pelas armadilhas
usadas durante amostragem no vale do Matão é mostrado pela linha contínua amarela.
As linhas amarelas, pontilhada (mais interna) e tracejada (mais externa), representam as
AEAs estimadas usando dois níveis de “Buffers” (HMMDM e MMDM,
respectivamente)..........................................................................................................................35
Figura 6: Registros de padrões comportamentais observados em muriquis no chão.................38
Figura 7: Indivíduo de jaguatirica, macho, atropelado na estrada próxima a RPPN FMA que
liga Caratinga à Ipanema.............................................................................................................39
CAPÍTULO 2: ESTUDO POPULACIONAL DO CÃO-DOMÉSTICO (Canis lupus
familiaris) NA RPPN FELICIANO MIGUEL ABDALA, CARATINGA, MG.
Figura 1: Cães-domésticos utilizados para caça na Mata Atlântica durante o século XIX.
Fonte: Brasilien Bibliothek, Autor: Robert Bosch GmbH...........................................................50
Figura 2: Número de registros fotográficos de cães-domésticos entre quatro períodos do
dia................................................................................................................................................55
Figura 3: Alguns indivíduos de cão-doméstico registrados pelas armadilhas fotográficas
durante amostragem na RPPN FMA.............................................................................................56
Figura 4: AEAs geradas através do programa “ARCMAP” para o cálculo de densidade de cão-
doméstico no Vale do Matão, na RPPN FMA.............................................................................58
Figura 5: AEAs geradas através do programa “ARCMAP” para o cálculo de densidade de cão-
doméstico no Vale do Jaó, RPPN FMA......................................................................................59
Figura 6: Mapa mostrando os locais onde cães (números 1-13) foram registrados pelas
armadilhas fotográficas e os locais onde entrevistas foram realizadas (quadrados brancos).
Onde os cães-domésticos foram identificados está assinalado de vermelho. Círculos indicam a
localização das armadilhas fotográficas. * Indivíduos foto-armadilhados fora do período
amostral.......................................................................................................................................60
Figura 7: Fotos de matilhas na RPPN FMA, mostrando que as mesmas não são estruturas
coesas. Nas fotos acima podemos ver a fêmea Baiana (assinalada por uma seta vermelha),
compondo diferentes grupos...........................................................................................................63
LISTA DE TABELAS
CAPÍTULO 1: ESTUDO POPULACIONAL DE JAGUATIRICAS (Leopardus pardalis)
E LEVANTAMENTO DA MASTOFAUNA DE MÉDIO E GRANDE PORTE, NA RPPN
FELICIANO MIGUEL ABDALA, CARATINGA, MG.
Tabela 1: Número de registros (N) e sucesso de captura (SC%) de espécies de mamíferos de
médio e grande porte, confirmadas nas duas subáreas (vales) amostradas com armadilhas
fotográficas na RPPN FMA. Para as espécies de felinos nas quais foi possível diferenciar os
indivíduos por padrões de pelagem, o número de indivíduos fotografados é indicado entre
parênteses.....................................................................................................................................32
Tabela 2: Matriz de captura e recaptura dos indivíduos (“ID”) de jaguatirica registrados
durante amostragem no Vale do Matão na RPPN FMA. Veja Métodos para
detalhes........................................................................................................................................34
Tabela 3: Estimativas de probabilidade de captura (P) e tamanho populacional (N; com Erro
Padrão e Intervalo de Confiança) para os modelos M(0) e M(h) gerados pelo programa
“CAPTURE” para as jaguatiricas amostradas no vale do Matão na RPPN FMA. Veja Métodos
para detalhes................................................................................................................................34
Tabela 4: Estimativas de densidade de jaguatiricas para o Vale do Matão na RPPN FMA
considerando dois níveis de “Buffer” no cálculo da área efetivamente amostrada pelas
armadilhas fotográficas................................................................................................................35
Tabela 5: Estimativas de densidade para jaguatiricas, utilizando a metodologia de
armadilhamento fotográfico em àreas de Florestas Neotropicais. MMDM=1250m,
HMMDM=625m.........................................................................................................................41
CAPÍTULO 2: ESTUDO POPULACIONAL DO CÃO-DOMÉSTICO (Canis lupus
familiaris) NA RPPN FELICIANO MIGUEL ABDALA, CARATINGA, MG.
Tabela 1: Matriz de captura dos indivíduos (“ID”) de cão-doméstico registrados
durante amostragem no Vale do Jaó na RPPN FMA. Veja Métodos para
detalhes........................................................................................................................................57
Tabela 2: Estimativas de probabilidade de captura (P) e tamanho populacional (N; com erro
padrão e intervalo de confiança) para os modelos M(b) e M(tb) gerados
pelo programa CAPTURE para os cães-domésticos amostradas no vale do Jaó na
RPPN FMA..................................................................................................................................57
Tabela 3: Estimativas de densidade de cão-doméstico para os dois Vales amostrados
na RPPN FMA, considerando dois níveis de “Buffer”, no cálculo da área
efetivamente amostrada pelas armadilhas fotográficas...............................................................59
SUMÁRIO
PRÓLOGO...........................................................................................................................................15
ÁREA DE ESTUDO............................................................................................................................16
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................................18
CAPÍTULO 1: ESTUDO POPULACIONAL DE JAGUATIRICAS (Leopardus pardalis) E
LEVANTAMENTO DA MASTOFAUNA DE MÉDIO E GRANDE PORTE, NA RPPN FMA
1.0 – A JAGUATIRICA (Leopardus pardalis; Linnaeus, 1758)......................................................21
2.0 – INTRODUÇÃO E OBJETIVOS...............................................................................................22
3.0 – METODOLOGIA......................................................................................................................24
3.1 Desenho experimental e coleta de dados....................................................................................24
3.2 Análise dos dados........................................................................................................................ 27
4.0 – RESULTADOS...........................................................................................................................30
4.1 Levantamento da mastofauna ....................................................................................................30
4.2 Abundância e densidade populacional da jaguatirica .............................................................33
5.0 – DISCUSSÃO...............................................................................................................................36
5.1 Riqueza da mastofauna................................................................................................................36
5.2 Carnívoros silvestres....................................................................................................................37
6.0 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................................44
CAPÍTULO 2: ESTUDO POPULACIONAL DO CÃO-DOMÉSTICO (Canis lupus familiaris)
NA RPPN FMA
1.0– INTRODUÇÃO E OBJETIVOS................................................................................................50
2.0 – METODOLOGIA ......................................................................................................................52
2.1 Desenho experimental e coleta de dados.....................................................................................52
2.2 Análise dos dados..........................................................................................................................52
3.0 – RESULTADOS...........................................................................................................................55
3.1 Sucesso de captura, tamanho dos grupos e o horário de atividade dos cães...........................55
3.2 Abundância e densidade populacional do cão-doméstico.........................................................56
3.3 Entrevistas.....................................................................................................................................60
4.0 – DISCUSSÃO...............................................................................................................................61
5.0 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................................66
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................................69
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................................70
15
PRÓLOGO
O crescimento socioeconômico da população humana tem sido o principal responsável
pelas modificações e destruição dos ambientes naturais, tornando a fragmentação de habitats,
uma das maiores ameaças atuais à biodiversidade global (Saunders et al., 1991; Laurance &
Bierregaard, 1997; Fahrig, 2003; Pires et al., 2006; Costa et al., 2005). Áreas contínuas de
florestas estão sendo reduzidas a fragmentos florestais pequenos e isolados entre si (Gascon et
al., 2000). As comunidades bióticas que compõem o ecossistema são afetadas diretamente por
três tipos de impactos: a perda de habitat com a redução do espaço disponível e
conseqüentemente a diminuição da oferta de recursos, o isolamento das subpopulações por áreas
não florestadas e pelos efeitos de borda (Saunders et al., 1991).
As conseqüências da fragmentação para as comunidades naturais são diversas e variam
em função das características do habitat, do táxon em questão e do histórico do processo da
fragmentação em si (Olifiers & Cerqueira, 2006). Sabe-se que os impactos gerados podem afetar
negativamente a composição da comunidade (Chiarello, 1999; Chiarello, 2000; Michalski &
Peres, 2005; Olifiers & Cerqueira, 2006), alterando a estrutura genética (Gaines et al., 1997),
o comportamento individual (Ludwig et al., 2006; Mourthé et al., 2007), a dinâmica da população
local (Chiarello, 2003; Steiner & Galeti, 2004) e as interações interespecíficas (Boitani, 1983;
Butler & Du Toit, 2002), como por exemplo, interações predador-presas (Chiarello, 1999; Ryall
& Fahring, 2006). A fragmentação também pode modificar parâmetros demográficos referentes à
mortalidade e natalidade das populações naturais de plantas e animais, influenciando,
conseqüentemente, na estrutura e dinâmica dos ecossistemas (Viana & Pinheiro, 1998).
Apesar de todas as áreas serem afetadas basicamente pelos mesmos impactos diretos e
indiretos, sabe-se que os componentes de um ecossistema podem responder de diferentes formas
a fragmentação (Robinson et al., 1992). Além dos efeitos imediatos causados pela ocupação
humana (perda e fragmentação de habitat) (Marinho-Filho & Machado, 2006), a mesma causa um
efeito cascata, o qual gera impactos somente perceptíveis a médio e longo prazo. Este trabalho
investiga dois efeitos não imediatos da fragmentação e degradação florestal, como a liberação do
mesopredador e a entrada de espécies exóticas, no caso o cão-doméstico. O estudo foi conduzido
em um fragmento de Mata Atlântica de médio porte (957 ha) localizado na Zona da Mata
Mineira, a RPPN Feliciano Miguel Abdala (RPPN FMA).
16
Esta dissertação está dividida em dois capítulos, sendo que no primeiro capítulo é
apresentada à estimativa da abundância e densidade populacional da jaguatirica, juntamente com
o inventário da mastofauna de médio e grande porte na RPPN FMA. Já o segundo capítulo
aborda o problema da entrada de cães-domésticos em unidades de conservação, estimando
abundância e densidade desta espécie para a RPPN FMA.
ÁREA DE ESTUDO
A RPPN FMA, situada a 19º 50´S e 41º 50´W, localiza-se no município de Caratinga,
região leste de Minas Gerais a 391 km de Belo Horizonte (Veado, 2002). A altitude varia de 400
a 680 m, com relevo acidentado. A precipitação anual média é de 1091 mm e a temperatura anual
média de 16,7 ºC (Veado, 2002). A vegetação predominante é a floresta estacional semidecidual
na classificação do IBGE (1995). Quatro espécies de primatas estão presentes, o muriqui-do-
norte (Brachyteles hypoxanthus), o guariba (Alouatta guariba), o macaco-prego (Cebus nigritus)
e o sagüi-da-serra (Callithrix flaviceps). Embora os primatas presentes na área tenham sido foco
de vários estudos (Mendes, 1985; Strier et al., 1993; Lynch & Rímoli, 2001, entre outros),
relativamente pouco é conhecido sobre os demais mamíferos existentes na RPPN FMA (Fonseca
& Robinson, 1990). Esta reserva representa um dos principais sítios de estudo e conservação do
muriqui-do-norte, e em menor grau, para as outras três espécies de primatas aí presentes.
Aparentemente, a fauna da RPPN FMA era muito mais rica no passado, quando estiveram
presentes não apenas a onça-pintada (Panthera onca), mas também a anta (Tapirus terrestris) e o
catitu (Pecari tajacu), hoje localmente extintos (Hatton et al., 1984; Ferrari, 1998; Veado, 2002).
A Reserva pode ser considerada como um fragmento de médio porte (957 ha), tendo em
vista que é mais extensa do que a maioria dos remanescentes de Mata Atlântica (Silva &
Casteleti, 2003), mas menor do que o tamanho considerado como minimamente recomendável
para sobrevivência em longo prazo de mamíferos de médio e grande porte (>20.000 ha;
Chiarello, 1999; Chiarello, 2000). Adicionalmente, esta RPPN é isolada de outros fragmentos de
igual extensão ou maiores por pastagens e áreas agrícolas (Veado, 2002; Strier & Boubli, 2006)
(Figura 1).
17
Figura 1: Localização da RPPN Feliciano Miguel Abdala no leste de Minas Gerais. No detalhe os limites
do fragmento (linha amarela). O Rio Manhuaçu, afluente do Rio Doce, corre no sentido sudeste-noroeste e
margeia partes dos limites da reserva.
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18
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Boitani, L. 1983. Wolf and dog competition in Italy. Acta Zoologica Fennica, 174: 259-264.
Butler, J.R.A. & Du Toit, J.T. 2002. Diet of free-ranging domestic dogs (Canis familiaris) in rural
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Chiarello, A.G.1999. Effects of fragmentation of the Atlantic Forest on mammal communities in
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Chiarello, A.G. 2000. Influência da caça ilegal sobre mamíferos e aves das matas de tabuleiro do
norte do estado do Espírito Santo. Boletim do Museu de Biologia Mello Leitão, 11/12: 229-247.
Chiarello, A.G. Primates of the Brazilian Atlantic Forest: the influence of forest fragmentation on
survival. In: Marsh, L.K. (Ed). Primates in fragments: Ecology and Conservation. New York:
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Costa, L.P.; Leite, Y.L.R.; Mendes, S.L. & Ditchfield, A.D. 2005. Conservação de mamíferos no
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Mendes, S. L. Uso do Espaço, Padrões de Atividades Diárias e Organização Social de Alouatta
fusca (Primates, Cebidae) em Caratinga-MG.(1985). Dissertação de Mestrado. Universidade
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Michalski, F. & Peres, C.A. 2005. Anthropogenic determinants of primate and carnivore local
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Mourthé, I.M.C.; Guedes, D.; Fidelis, J.; Boubli, J.P.; Mendes, S. & Strier, K.B. 2007. Ground Use
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20
CAPÍTULO 1
ESTUDO POPULACIONAL DE JAGUATIRICAS
(Leopardus pardalis) E LEVANTAMENTO DA MASTOFAUNA DE
MÉDIO E GRANDE PORTE, NA RPPN FELICIANO MIGUEL
ABDALA, CARATINGA, MG.
21
1.0 – A JAGUATIRICA (Leopardus pardalis; Linnaeus, 1758)
Atualmente são reconhecidas 36 espécies de felinos em todo o mundo, sendo que oito
ocorrem no território brasileiro (Leopardus. pardalis; Leopardus wiedii; Leopardus tigrinus;
Leopardus colocolo; Leopardus geoffroyi; Puma yagouaroundi; Puma concolor; Panthera
onca). A jaguatirica (Leopardus pardalis) é um dos felinos neotropicais mais conhecidos
cientificamente, juntamente com a onça-pintada (P. onca) e a onça-parda (P. concolor) (IUCN,
1996; Wang, 2002), ocupando um lugar singular, sendo a única espécie pertencente à categoria
de médio porte, que abrange espécies com peso médio entre sete e 20 kg (IUCN, 1996). Portanto,
é o felino de maior porte entre as espécies do gênero Leopardus (Einsenberg & Redford, 1999),
medindo em torno de 77,3 cm, apresentando a cauda proporcionalmente curta, com média de
35,4 cm e peso em torno de 11 kg (Oliveira & Cassaro, 2005), sendo os machos mais pesados do
que as fêmeas (Murray & Gardner, 1997; Sunquist & Sunquist, 2002).
A coloração dorsal da pelagem é extremamente variável (Tewes & Schmidly, 1987;
Murray & Gardner, 1997; Trolle & Kery, 2003; Oliveira & Cassaro, 2005), já a coloração ventral
é esbranquiçada. As manchas negras tendem a formar rosetas abertas às quais coalescem
formando bandas longitudinais nos flancos (Murray & Gardner, 1997; Oliveira & Cassaro, 2005).
Esta característica é diagnóstica para a espécie, diferenciando a mesma das demais espécies.
De ampla distribuição, a jaguatirica ocorre desde o sudoeste do Texas e do oeste do
México até o norte da Argentina. Ocorre em todo o Brasil com exceção do sul do Rio Grande do
Sul (Tewes & Schmidly, 1987; Murray & Gardner, 1997; Oliveira & Cassaro, 2005), ocorrendo
em várias fitofisionomias (Navarro, 1985; Tewes, 1986; Bisbal, 1986; Mondolfi, 1986; Ludlow
& Sunquist, 1987; Konecny, 1989; Emmons, 1987; Emmons, 1988; Crawshaw & Quigley, 1989;
Crawshaw, 1995; Facure & Giaretta, 1996; Jácob, 2002; Villa Meza et al., 2002; Wang, 2002;
Trolle & Kery, 2003). Ao longo de sua distribuição não ocorre em altitudes superiores a
1.200 m, (Mondolfi, 1986; Sunquist & Sunquist, 2002) e sua presença está positivamente
correlacionada à cobertura vegetal (Emmons, 1987; Ludlow & Sunquist, 1987; Emmons, 1988).
A dieta é composta principalmente por pequenos mamíferos (<1 kg) (Bisbal, 1986;
Emmons, 1987; Emmons, 1988; Konency, 1989; Sunquist & Sunquist, 2002). Porém presas de
maior porte (>1 kg) esporadicamente compõem sua dieta (Bisbal, 1986; Emmons, 1987;
Emmons, 1988; Wang, 2002; Aliaga-Rossel et al., 2006; Moreno et al., 2006; Bianchi, 2007;
22
Abreu et al., 2008). Por ser um caçador oportunista (Emmons 1987; Emmons, 1988; Ludlow &
Sunquist, 1987) a atividade circadiana das jaguatiricas está relacionada ao ciclo circadiano da
presa mais abundante (Emmons, 1988).
A jaguatirica é um animal solitário, com hábito predominantemente terrestre e noturno
(Emmons, 1987; Emmons, 1988; Murray & Gardner, 1997; Emmons & Feer, 1997; Di Bitteti et
al.,2006). O seu comportamento territorial é bastante característico entre os felinos, onde os
machos adultos se evitam, mas a presença de fêmeas em seu território é tolerada. Entre fêmeas,
pode ocorrer desde sobreposição territorial parcial até a total exclusão (Ludlow & Sunquist,
1987; Emmons, 1988). As jaguatiricas subadultas são normalmente toleradas tanto por machos
adultos como por fêmeas adultas, até atingirem maturidade sexual. A partir da maturidade sexual,
os indivíduos machos normalmente dispersam para novas áreas, enquanto que fêmeas podem
dispersar ou estabelecer-se na mesma área, sobrepondo parte do território materno (Ludlow &
Sunquist, 1987; Emmons, 1988; Crawshaw, 1995).
Atualmente as jaguatiricas não são consideradas ameaçadas de extinção pela lista da
IUCN (2008), mas as populações extras amazônicas de L. pardalis são consideradas vulneráveis
(MMA, 2008). Porém as mesmas já foram consideradas criticamente ameaçadas pelo comércio
de peles até meados dos anos 80 (Mondolfi 1986; Murray & Gardner, 1997). As populações
atuais sofrem com ameaças de diversas magnitudes, porém todas estão relacionadas diretamente
ou indiretamente à perda de hábitat e fragmentação (Chiarello, 1999; Costa, 2005).
2.0 – INTRODUÇÃO E OBJETIVOS
Os predadores de topo da cadeia alimentar constituem um dos grupos mais vulneráveis ao
processo de fragmentação, pois apresentam uma baixa densidade populacional e requerem uma
ampla área de vida (Chiarello, 1999). Os felinos são os únicos mamíferos predadores de grande
porte da região Neotropical (Emmons, 1987). Estes exercem importantes funções ecológicas,
influenciando na abundância da população das suas espécies de presas e também na dinâmica e
diversidade da comunidade animal e vegetal (Emmons, 1987; Terborgh, 1988; Fonseca &
Robinson, 1990; Terborgh et al., 2001; Miller et al., 2001; Mangini et al., 2006;
Terborgh et al. 2006). Estes predadores são considerados espécies-chaves (“keystone species”)
23
pela função desproporcional que desempenham dentro do sistema ecológico (Soulé & Montoya,
2001; Sinclair, 2003; Jordán et al., 2006; Mangini et al., 2006).
Atualmente, os predadores de topo, como a onça-pintada, se encontram extintos ou em
processo de extinção na maioria dos remanescentes de Mata Atlântica (Chiarello, 1999; Cullen et
al., 2000), os quais raramente são maiores do que 200 ha (Silva & Casteleti, 2003). A ausência
dos predadores de topo acarreta em modificações drásticas no ecossistema, podendo resultar na
liberação do mesopredador (“mesopredator release”), ou seja, quando predadores de posições
intermediárias na cadeia trófica, de hábitos generalistas e oportunistas, são beneficiados pela a
ausência dos predadores de maior porte (Fonseca & Robinson, 1990; Palomares, 1995; Moreno et
al., 2006). Vários trabalhos realizados discutiram os impactos causados pelos mesopredadores
nos ecossistemas (Soulé & Noss, 1998; Crooks & Soulé, 1999; Terborgh et al., 1999; Chiarello
& Mello, 2001; Miller et al., 2001; Crooks, 2002; Schmidt, 2003; Horn et al., 2005; Gehrt &
Prange, 2006; Elmhagem & Rushton, 2007), mas pouco foi explorado sobre este tema na Mata
Atlântica (Fonseca & Robinson, 1990).
Na RPPN FMA duas conseqüências do processo de fragmentação florestal podem estar
ocorrendo. A primeira refere-se à liberação do mesopredador. Essa hipótese foi aventada devido à
ausência do predador de topo, a onça-pintada, que se encontra extinta na área desde o início do
século XX (Hatton et al.,1984; Ferrari, 1988) e ao alargamento do nicho alimentar da jaguatirica.
A extinção da onça-pintada pode ter influenciado positivamente a recuperação da população local
de onças-pardas e de jaguatiricas. Vários estudos anteriores indicavam a ausência da onça-parda
(Hatton et al., 1984; Fonseca & Robinson, 1990; Ferrari, 1988; Veado, 2002), entretanto, o
presente estudo confirmou sua presença na área (veja Resultados). Além disso, estudo recente
indicou que primatas compõem quase 1/3 da dieta da jaguatirica na RPPN FMA (Bianchi &
Mendes, 2007). Estudos realizados em outras áreas indicam, no entanto, que vertebrados de
pequeno porte são as presas normalmente mais consumidas pelas jaguatiricas (Bisbal, 1986;
Emmons, 1987; Emmons, 1988; Konency, 1989; Ludlow & Sunquist, 1987; Facure & Giaretta,
1996; Sunquist & Sunquist, 2002; Wang, 2002). A segunda conseqüência da fragmentação, que
está ocorrendo na RPPN FMA, refere-se à introdução de espécies exóticas, no caso o cão
doméstico (Capítulo 2).
Neste contexto, o presente Capítulo teve como objetivo principal investigar se a densidade
da população da jaguatirica está alta na reserva em comparação com outras áreas maiores e
24
menos degradadas. Secundariamente, foi realizado um levantamento da mastofauna de médio e
grande porte na reserva, necessário para a compreensão mais detalhada da comunidade de
mamíferos atualmente existentes na área de estudo.
3.0 – METODOLOGIA
3.1 Desenho experimental e coleta de dados
A estimativa do tamanho populacional é de importância central no manejo e conservação
da fauna (Thomas & Miranda, 2003). Desde seu desenvolvimento no início da década de 80, as
armadilhas fotográficas têm se tornado uma importante ferramenta para o monitoramento de
espécies crípticas nos mais diversos ambientes, havendo um crescente número de trabalhos nos
últimos anos (Karanth, 1995; Karanth & Nichols, 1998; Otani, 2001; Trolle & Kéry, 2003; Silver
et. al., 2004; Trolle & Kéry, 2005; Maffei et al., 2005; Srbek-Araújo & Chiarello, 2005; Soisalo
& Cavalcanti, 2006; Trolle et al., 2007). Esta técnica é largamente empregada para espécies que
podem ser individualmente identificadas, o que torna possível a estimativa do tamanho e da
dinâmica populacional e de vários outros aspectos da ecologia da espécie alvo (Karanth &
Nichols, 1998; Karanth et al., 2003).
O projeto foi realizado durante nove meses (abril a dezembro de 2007), sendo que os três
primeiros meses foram dedicados ao reconhecimento da área e familiarização com equipamento.
Já a análise dos dados foi realizada com as informações obtidas nos meses de julho a dezembro.
Para o presente estudo foram utilizadas dez armadilhas fotográficas da marca
Cam Trackers©, providas de filme fotográfico Kodak ASA 400, 36 poses para cópias em papel.
O equipamento empregado apresenta uma câmera fotográfica automática 35 mm e um sensor
passivo para detecção de calor e movimento (“passive motion detection”). O sensor detecta
movimento associado à mudança de temperatura, permitindo o registro do animal alvo pela
câmera fotográfica. Todo o equipamento foi cedido pelo “TEAM” (“Tropical Ecology,
Assessment and Monitoring Program”) através da Conservação Internacional do Brasil.
Tendo em vista que os padrões da pelagem dos flancos direito e esquerdo dos felinos são
assimétricos (Karanth, 1995), duas armadilhas fotográficas foram fixadas em cada ponto
amostral, uma de cada lado da trilha ou estrada, em árvores com diâmetro superior a 15 cm.
O pareamento das câmeras também reduz a perda de dados com a eventual falha de um dos
equipamentos (Karanth, 1995; Karanth & Nichols, 1998).
25
As câmeras foram ajustadas para intervalo mínimo entre fotografias de 5 minutos e
mantidas em funcionamento por 24 horas. As mesmas foram programadas para registrar data e
hora. A data na fotografia é essencial para determinar o evento de captura individual (Silver,
2005). Os equipamentos foram vistoriados em intervalos de 30 dias para manutenção (renovação
de filme fotográfico e bateria), limpeza e verificação do estado de funcionamento das unidades.
Sabe-se que matriz de vegetação, como estradas (qualquer via terrestre, destinada ao trânsito
local de veículos, de tração animal ou não, com largura superior a dois metros) e trilhas antigas
pode constituir rotas de deslocamento para os felinos, o que favorece a coleta de dados nestes
pontos (Karanth & Nichols, 1998; Srbek-Araujo & Chiarello, 2005; Trolle & Kéry, 2005). Sendo
assim, as câmeras foram instaladas predominantemente nestes locais, mas obedecendo a um
distanciamento relativamente homogêneo entre as câmeras. Estudos realizados em várias
localidades da região Neotropical indicam que as áreas de vida de jaguatiricas (L. pardalis)
variam de 76 a 3709 ha (Emmons, 1987; Ludlow & Sunquist, 1987; Crawshaw & Quigley, 1989;
Oliveira, 1994; Crawshaw, 1995; Jacob, 2002; Dillon, 2005; Di Bitetti, 2006). No presente
estudo considerou-se como parâmetro para espaçamento entre câmeras adjacentes, o valor da
menor área de vida já estimada para a espécie (76 ha), o que equivale, grosseiramente, a área de
um círculo de raio igual a 500 m. Assim, a distância entre câmeras foi de 1000 m, maximizando a
chance de registro de todos os indivíduos existentes no interior da área coberta pelas armadilhas
fotográficas (Figura 1).
26
Figura 1: Disposição das armadilhas fotográficas (pontos) e suas respectivas áreas de cobertura (círculos).
Quando o número de armadilhas fotográficas é reduzido e a área a ser amostrada é
extensa, recomenda-se subdividir a área total em subáreas (Karanth, 1995; Karanth et al., 2002).
Deste modo, a RPPN FMA foi dividida em duas subáreas (Vale do Matão amostrado de julho a
setembro e o Vale do Jaó amostrado de outubro a dezembro) de extensão semelhante (cerca de
500 ha cada) (Figura 2). Em cada subárea foram selecionados cinco pontos, que foram
amostrados no decorrer de três meses consecutivos (seis meses no total), obedecendo a premissa
de população geografica e demograficamente fechada (Karanth, 1995; Karanth & Nichols, 1998;
Silver, 2004; Soisalo & Cavalcanti, 2006).
27
Figura 2: Figura representativa da divisão da RPPN FMA em duas subáreas (Vale do Matão e Vale do Jaó). A linha branca tracejada indica a divisão aproximada dos dois vales e os pontos vermelhos
representam as armadilhas fotográficas.
Levando em conta que nunca houve um levantamento da mastofauna de médio e grande
porte na RPPN FMA, foram colecionados todos os tipos de evidências que pudessem comprovar
a presença deste grupo de mamíferos durante o estudo. Sendo assim, fotos (armadilhas
fotográficas), visualizações, fezes, pegadas e carcaças foram utilizadas para a identificação e
confirmação das espécies na RPPN FMA.
3.2 Análise dos dados
O esforço amostral foi calculado multiplicando-se o número de armadilhas fotográficas
pelo número de dias amostrados. Já o sucesso de captura foi calculado a partir da razão entre o
número de registros e o esforço amostral, multiplicando o resultado por 100. Ambos foram
estimados separadamente para as duas subáreas da reserva (Vale do Matão e Vale do Jaó). Após a
individualização e respectiva identificação dos espécimes, foi gerada uma matriz de captura.
28
A matriz de captura é composta por linhas (indivíduos) e colunas (ocasiões de captura).
O primeiro registro de cada indivíduo foi considerado captura e os demais registros do mesmo
espécime, constituíram recapturas. A presença ou ausência de cada indivíduo, em cada ocasião de
captura, foi designada por “1” e “0”, respectivamente (Karanth, et al., 2004).
O programa “CAPTURE” (White et al., 1982; Rexstad & Burmham, 1991) foi utilizado
para estimar a abundância das jaguatiricas. Este programa testa o ajuste de vários modelos e
também se a população é demograficamente fechada (Otis et al., 1978; Karanth et al., 2004).
Os pressupostos básicos para a adequada aplicação do método são: 1) a população é
demograficamente fechada, isto é, não ocorrem mortes, nascimentos e migrações durante as
amostragens; 2) todo animal deve possuir a probabilidade de captura diferente de zero; 3) a
“marcação” (no caso, a fotografia) não altera a probabilidade de captura ou de recaptura, ou seja,
todos os animais marcados se misturam na população, conferindo igual chance de captura na
segunda ocasião a todos os indivíduos presentes na população (marcados e não marcados) e 4) as
“marcas” (= padrão da pelagem e coloração) não são perdidas (Thomas & Miranda, 2003).
A identificação dos espécimes foi possível devido a variações individuais nos padrões específicos
de pelagem e coloração, conforme demonstrado em estudos anteriormente desenvolvidos com
felinos (Karanth, 1995; Karanth & Nichols, 1998; Jacob, 2002; Trolle & Kéry 2003; Silver et al.,
2004). Os modelos disponíveis no programa “CAPTURE” são:
M(0) – Probabilidade de captura igual para todos os indivíduos, sendo que esta
não é influenciada pela resposta comportamental, tempo e heterogeneidade
individual;
M(h) – Probabilidade de captura heterogênea para cada indivíduo, porém, esta
não é afetada pela resposta comportamental e tempo;
M(b) – Probabilidade de captura difere entre indivíduos previamente capturados
ou não, devido a diferentes respostas comportamentais durante o período de
amostragem. No entanto, o fator heterogeneidade e tempo não influenciam na
probabilidade de captura;
M(t) – Probabilidade de captura é a mesma para todos os indivíduos, porém,
varia durante o período de amostragem devido a fatores ligados ao tempo.
29
Além dos quatro principais modelos considerados pelo “CAPTURE”, outros mais
elaborados, como M(bh), M(th), M(tb) e M(tbh) são incorporados aos efeitos de heterogeneidade
(h), comportamento (b) e tempo (t) (Otis et al., 1978; Karanth et al., 2004). Para cada análise é
estimada ainda, a probabilidade de captura por amostra (p) e o tamanho da população (N) (Otis et
al., 1978; Karanth et al., 2004). Como White et al. (1982) sugerem precaução quanto ao uso do
modelo M(0), principalmente em situações de pequenos números amostrais ou ante a
possibilidade da presença de heterogeneidade individual da capturabilidade (p), optou-se aqui
pelo cálculo de estimativa populacional de jaguatiricas utilizando o modelo M(h). Este modelo é
mais realista para animais com probabilidade de captura (p) heterogênea, como a jaguatirica e os
demais felinos já estudados (Ludlow & Sunquist, 1987; Emmons, 1988). A amostragem no Vale
do Matão para as jaguatiricas foi dividida em dez ocasiões de captura com nove dias cada.
Não foi realizada a estimativa de densidade para as jaguatiricas do Vale do Jaó, pois nesta
subárea não houve registros fotográficos da espécie. A definição de dez ocasiões segue a
recomendação de Otis et al. (1978), que indica que idealmente o número de ocasiões de captura
deve ficar entre sete e dez.
O programa “CAPTURE” gera estimativas de abundância (N). A partir destes dados, a
estimativa de densidade de jaguatirica foi calculada no Vale do Matão, dividindo-se o N pela área
efetivamente amostrada (AEA). A AEA envolve a área compreendida pelo Mínimo Polígono
Convexo (MPC) formado pelas armadilhas fotográficas mais externas e mais uma área tampão ou
“Buffer” (W). Existem vários métodos para estimar a extensão do W (Silver et al., 2004). Karanth
& Nichols (1998) usaram uma área tampão sugerida por Wilson & Anderson (1985), cuja largura
correspondia à metade da média da distância máxima percorrida (“half the mean maximum
distance moved” ou HMMDM) entre capturas e recapturas de diferentes indivíduos (da espécie
alvo) durante o levantamento. Este padrão também foi adotado por Trolle & Kéry (2003). Soisalo
& Cavalcanti (2006) utilizaram para a estimativa da densidade de população de onça-pintada no
Pantanal, a metodologia de armadilhas fotográficas em conjunto com a de telemetria por GPS,
chegando à conclusão que o uso do MMDM total (“mean maximum distance moved”, ou média
das distâncias máximas percorridas), gera valores de densidade mais realistas do que o
HMMDM. Tendo em vista que um padrão consensual de “Buffer” ainda não foi definido, no
presente estudo as densidades foram estimadas com base tanto no MMDM como no HMMDM.
30
Utilizou-se o programa ARCMAP versão 8.3 para o mapeamento dos pontos amostrais, do MPC
e da AEA.
Para investigar eventuais diferenças na composição de mamíferos entre os dois vales
amostrados, as espécies confirmadas para a RPPN FMA foram divididas em dois grupos
(mamíferos carnívoros e demais mamíferos). Posteriormente, foi realizado o teste do Qui-
quadrado entre os grupos de mamíferos carnívoros e grupos de demais mamíferos para os dois
Vales, com o intuito de testar se houve diferenças estatísticas significativas entre o número de
registros fotográficos entre as subáreas. A sistemática e taxonomia dos espécimes registrados
estão de acordo com Wilson & Reeder (2005).
4.0 – RESULTADOS
4.1 Levantamento da mastofauna
Foram confirmadas 19 espécies silvestres de mamíferos de médio e grande porte e uma
espécie doméstica, o cão-doméstico (C.lupus familiaris) para a RPPN FMA durante o período
amostral (Tabela 1). Treze espécies foram registradas pelas armadilhas fotográficas e 17 espécies
por outros tipos de evidências diretas ou indiretas. O cão-doméstico foi a espécie mais
fotografada. Das três espécies silvestres de felinos registradas, a onça-parda foi a mais
fotografada, seguida pela jaguatirica e gato-mourisco (Puma yagouaroundi). Os registros de
jaguatiricas como de onças-pardas foram diferenciados e individualizados pelos padrões de
pelagem, sendo que dois espécimes de jaguatirica e um de onça-parda puderam ser identificados
(veja, por exemplo, Figura 3 e Figura 4).
O esforço amostral foi igualmente distribuído entre o Vale do Matão e o Vale do Jaó
(900 armadilhas/dia em cada vale, 1800 armadilhas/dia no total). O vale do Matão apresentou
maior riqueza de espécies (n= 11) e maior número de registros fotográficos (n= 158) do que o
vale do Jaó (24 registros de sete espécies). A diferença no número total de registros entre os dois
vales foi significativa (χ² com correção de Yates= 97,192; G.L. = 1; P < 0,0001). Dividindo o
total de registros entre carnívoros (Ordem Carnivora) e não carnívoros (demais ordens), percebe-
se que ambos os grupos foram significativamente mais fotografados no Vale do Matão
(Carnivora: χ² com correção de Yates= 87,101; G.L. =1; P < 0,0001; Demais ordens: χ ² com
correção de Yates= 12,755; G.L. =1; P = 0,0004). Entretanto, se a paca for excluída da análise
dos “demais mamíferos” a diferença entre os dois vales deixa de ser significativa (χ ² com
31
correção de Yates= 1,042; G.L. = 1; P= 0,307). Esta exclusão deve ser considerada, pois todos os
25 registros fotográficos de paca obtidos no vale do Matão foram registrados em um único ponto
amostral deste vale, justamente onde havia uma trilha (“carreiro”) natural desta espécie.
32
Tabela 1: Número de registros (N) e sucesso de captura (SC%) de espécies de mamíferos de médio e grande
porte, confirmadas nas duas subáreas (vales) amostradas com armadilhas fotográficas na RPPN FMA. Para as
espécies de felinos nas quais foi possível diferenciar os indivíduos por padrões de pelagem, o número de indivíduos fotografados é indicado entre parênteses.
Vale Matão Vale do Jaó Total
Espécies N SC(%) N SC(%) N SC(%) Demais tipos de
registros*
Ordem Cingulata
Família Dasypodidae
Cabassous sp.┼ 4 0,44 1 0,11 5 0,55 -
Dasypus novemcinctus - - 3 0,33 3 0,33 CA; VI
Ordem Pilosa
Família Bradypodidae
Bradypus variegatus - - - - - VI
Ordem Primates
Família Cebidae
Callithrix flaviceps - - - - - VI; VO
Cebus nigritus - - - - - CA; VI; VO
Família Atelidae
Brachyteles hypoxanthus - - - - - CA; PE; VI; VO
Alouatta guariba - - - - - CA; PE; VI; VO
Ordem Carnívora
Família Canidae
Canis lupus familiaris 95(13) 10,55 10(6) 1,11 105 (13) 11,66 FE; RA; VI; VO
Família Procyonidae
Nasua nasua 5 0,55 1 0,11 6 0,66 -
Procyon cancrivorus 1 0,11 - - 1 0,11 RA
Família Mustelidae
Eira Barbara 1 0,11 - - 1 0,11 VI
Galicts sp. - - - - - - PE**
Família Felidae
Leopardus pardalis 3(2) 0,33 - - 3 (2) 0,33 CA; RA
Puma yagouaroundi 2 0,22 - - 2 0,22 -
Puma concolor 11(1) 1,22 - - 11 (1) 1,22 FE; RA
Ordem Rodentia
Família Erethizonthidae
Sphiggurus sp. - - - - - - PE**
Família Caviidade
Hydrochoerus hydrochaeris - - 1 0,11 1 0,11 FE
Família Cuniculidae
Cuniculus paca 25 2,77 4 0,44 29 3,22 RA
Família Dasyproctidae
Dasyprocta leporina 10 1,11 4 0,44 14 1,55 RA
Ordem Lagomorpha
Família Leporidae
Sylvilagus brasiliensis 1 0,11 - - 1 0,11 CA; VI
Total de registros 158 17,52 24 2,65 182 20,18 -
Total de espécies 11 - 7 - 13 - 16
*CA – Carcaça; FE – Fezes; PE – Pêlos; RA – Rastros; VI – Visualização; VO – Vocalização.
** Os espinhos de Sphiggurus sp. e pêlos de Galicts sp. foram encontrados em fezes de felino. ┼ A espécie apresentou características morfológicas externas correspondente a Cabassous tatouay.
33
Figura 3: Jaguatiricas registradas pelas armadilhas fotográficas durante amostragem na RPPN FMA.
Notar diferenças no padrão de listras entre os indivíduos (setas).
Figura 4: Onça-parda registrada pelas armadilhas fotográficas durante amostragem na RPPN FMA. Notar
coincidências no padrão de coloração da pelagem (setas e círculos).
34
4.2 Abundância e densidade populacional da jaguatirica
O sucesso de captura das jaguatiricas foi de 0,33% para o Vale do Matão. Nenhum
registro foi obtido para o Vale do Jaó, portanto as demais análises foram feitas apenas com os
dados do vale do Matão, onde dois indivíduos foram identificados. O histórico de capturas para o
Vale do Matão é mostrado na Tabela 2. O teste de violação da premissa de população fechada
disponível no programa “CAPTURE” não foi significativo (z = -0.302; p = 0.38151), validando,
portanto, a computação da estimativa populacional através dos modelos disponíveis no programa.
Tabela 2: Matriz de captura e recaptura dos indivíduos (“ID”) de jaguatirica registrados durante
amostragem no Vale do Matão na RPPN FMA. Veja Métodos para detalhes.
OCASIÃO DE CAPTURA
ID 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
#01 1 0 0 0 0 0 0 1 0 0
#02 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
As estimativas geradas pelo programa “CAPTURE” são mostradas na Tabela 3.
A seleção do modelo mais adequado ao conjunto de dados, não foi capaz de rejeitar M(0) quando
comparado com os demais modelos alternativos. O teste do qui-quadrado (χ²) para comparação
entre os modelos M(0) x M(h) não pôde ser efetuado em função de valores esperados muito
baixos, causados pelo número amostral reduzido. No entanto, a computação dos critérios de
seleção do programa colocou o M(h), como o segundo melhor modelo disponível [M(0) = 1.0 e
M(h) = 0.85]. Como salientado na metodologia, optou-se pela a utilização do M(h) para a
estimativa da densidade.
Tabela 3: Estimativas de probabilidade de captura (P) e tamanho populacional (N; com Erro Padrão e
Intervalo de Confiança) para os modelos M(0) e M(h) gerados pelo programa “CAPTURE” para as
jaguatiricas amostradas no vale do Matão na RPPN FMA. Veja Métodos para detalhes.
Modelo Ocasiões P N
EP IC (95%)
M(0) 10 0,15 2 0,9295 2 a 2 M(h) 10 0,10 3 1,3636 3 a 9
35
As áreas cobertas pelas armadilhas e as AEAs geradas, considerando os dois níveis de
“Buffer” (W), são mostrados na Figura 5. A partir dos valores de estimativa populacional para o
modelo M(h) (N=3) e de AEA, a densidade de jaguatirica estimada para o vale do Matão variou
de 0,23 indivíduos/km² (MMDM) a 0,52 indivíduos/km² (HMMDM) (Tabela 4).
Figura 5: Localização das armadilhas fotográficas (pontos brancos) usadas na amostragem dos vales do
Matão e do Jaó da RPPN FMA. O polígono formado pelas armadilhas usadas durante amostragem no vale
do Matão é mostrado pela linha contínua amarela. As linhas amarelas, pontilhada (mais interna) e tracejada (mais externa), representam as AEAs estimadas usando dois níveis de “Buffers” (HMMDM e
MMDM, respectivamente).
Tabela 4: Estimativas de densidade de jaguatiricas para o Vale do Matão na RPPN FMA considerando
dois níveis de “Buffers” no cálculo da área efetivamente amostrada pelas armadilhas fotográficas.
Tipo de
“Buffer”
Extensão do
“Buffer” (m)
Área Efetivamente
Amostrada (ha)
Densidade
(indivíduos/km2)
IC (95%)
(indivíduos/km2)
MMDM 1250 1264,14 0,237 0,237-0,712
(*) Estimativa utilizada
(*) Modelo utlilizado no presente estudo
36
HMMDM 625 575,56 0,521 0,521-1,564
5.0 – DISCUSSÃO
5.1 Riqueza da mastofauna
Sabe-se que a riqueza de espécies está positivamente correlacionada ao tamanho do
fragmento (Mac Arthur 1967; Chiarello, 1999; Cullen, 2000). Vários trabalhos têm demonstrado
que fragmentos de grande porte suportam uma maior diversidade de espécies do que pequenos
fragmentos (Matthiae & Stearns, 1981; Fonseca & Robinson, 1990; Laurance, 1990), e que a
combinação de processos biológicos e antropogênicos resultam no declínio da riqueza e
abundância das espécies em fragmentos neotropicais (Saunders et al., 1991; Murcia, 1995;
Bodmer et al., 1997; Cullen, 2000).
Chiarello 1999 analisou seis fragmentos de Mata Atlântica de tamanhos variados e
observou que a comunidade, de mamíferos de médio e grande porte, encontrada em pequenos
fragmentos apresenta perdas significativas principalmente de animais terrestres de grande porte
como anta (T. terrestris), porcos-do-mato (P. tajacu; Tayassu pecari); tatu-canastra (Priodonte
maximus) e grandes predadores como a onça-pintada e onça-parda. Na comunidade, de
mamíferos de médio e grande porte, da RPPN FMA também foi observado à completa ausência
destas espécies com exceção da onça-parda, que foi confirmada para área (para mais detalhes ver
tópico 5.2 de carnívoros silvestres). A ausência destas espécies pode estar relacionada ao grande
requerimento espacial por recursos para sua sobrevivência (Redford & Robinson, 1991).
Assim como em outros trabalhos realizados em áreas fragmentadas, a comunidade de
mamíferos na área do presente estudo é basicamente constituída por espécies com hábito folívoro
e onívoro, considerando que os felinos (estritamente carnívoros) estudados não aparentam ser
residentes na área (Chiarello, 1994; Chiarello, 1997; Chiarello et al., 1997; Chiarello, 1998).
Das dezenove espécies silvestres de mamíferos de médio e grande porte que foram
confirmadas para a RPPN FMA, quatro encontram-se nacionalmente sob ameaça de extinção,
sendo uma considerada como "criticamente ameaçada" (B. hypoxanthus), uma "em perigo"
(C. flaviceps) e duas consideradas "vulneráveis" (L. pardalis; P. concolor), (Biodiversitas, 2005;
MMA, 2008). Durante o período de estudo não foi registrado para área a presença de Veado-
mateiro (Mazama americana), espécia a qual havia sido descrita para a reserva (Ferrari, 1988;
37
Fonseca, 1988). Esse animal pode estar em uma densidade muito baixa ou até mesmo em
processo de extinção local na área, podendo se juntar a outras espécies já extintas para a região
(Hatton et al., 1984; Ferrari, 1988; Veado, 2002). Entre as espécies mais comuns, é interessante
mencionar a ausência de registros para o cachorro-do-mato (Cerdocyon thous). A ocorrência
deste táxon era esperada por se tratar de espécie generalista e amplamente distribuída pelo bioma
Mata Atlântica (Emmons & Feer, 1997). Fonseca & Robinson (1990) também não registraram a
espécie nesta RPPN. Estudos futuros deveriam investigar se há relação entre a ausência desta
espécie e a forte presença de cães-domésticos na RPPN FMA.
5.2 Carnívoros silvestres
A presença de onça-parda foi registrada pelas armadilhas fotográficas. Estudos pretéritos
não incluem esta espécie na reserva (Hatton et al., 1984; Ferrari, 1988; Bianchi, 2001; Veado,
2002; Bianchi & Mendes, 2007). Não se sabe se a área foi recolonizada recentemente pela onça-
parda, ou se a espécie sempre esteve presente, mas passou despercebida pelos vários
pesquisadores que realizaram estudos na reserva.
O número de registros fotográficos foi significativamente maior no Vale do Matão que o
Vale do Jaó. Este resultado é de certa maneira surpreendente, pois ao que se sabe, não há
diferenças óbvias na composição ou na estrutura da mata entre estes dois vales. É possível que
existam diferenças biológicas entre estas áreas, no entanto isto ainda não foi investigado. Outras
duas possibilidades devem ser levantadas. Primeiramente, sabe-se que carnívoros, como as
jaguatiricas e a onça-parda, utilizam mais estradas que trilhas (Trolle & Kéry, 2005). Assim, uma
hipótese para o maior número de registros fotográficos para esses carnívoros no Vale do Matão,
seria o fato deste Vale ser comparativamente mais recortado por estradas do que o Vale do Jaó.
Além disso, o ponto amostral onde mais se registrou carnívoros foi justamente disposto em uma
estrada interna (“Estrada de acesso a CEMIG”) amostrada no Vale do Matão.
Uma segunda possibilidade para explicar a diferença entre os vales, é que no Vale do
Matão, onde a população de Muriquis é estudada por mais de 20 anos (Strier & Boubli, 2006), os
mesmos apresentam um comportamento incomum. Os indivíduos deste grupo estão descendo ao
chão com uma alta freqüência (Mourthé et al., 2007). Todos os padrões comportamentais
descritos para a espécie (beber água; descansar; alimentar; locomover e socializar) já foram
observados com os muriquis no chão (Mourthé et al., 2007). Até mesmo o comportamento de
38
cópula já foi observado (Hack & Rocha, 2007 obs. pessoal). Por outro lado, o uso do solo tem
sido raramente observado nos indivíduos do grupo de muriquis que habitam o Vale do Jaó.
Os indivíduos deste grupo demonstram ser arredios, descendo ao solo na grande maioria das
vezes, apenas para beber água na época da seca, diferentemente do grupo do Matão (Mourthé et
al., 2007).
Figura 6: Registros de padrões comportamentais observados em muriquis no chão.
Adicionalmente, durante a coleta dos dados, ocorreram vários encontros com grupos de
bugios (A. guariba) e macacos-pregos (C. nigritus). Durante estes encontros observaram-se
várias ocasiões em que os primatas forrageavam e socializavam no nível do solo no Vale do
Matão. Porém, até o momento, nenhum trabalho foi conduzido visando comprovar se o
deslocamento de hábitos observado nos muriquis está também acontecendo com os bugios e
macacos-prego. Os sagüis (C. flaviceps) são os primatas mais raros na RPPN FMA, tendo sido
raramente observados durante o projeto.
Foto: Daniel Ferraz
Foto: Daniel Ferraz
Foto: Samantha Rocha
Foto: Robson Hack
39
Os fatores que contribuíram para este comportamento atípico apresentado pelos muriquis
no Vale do Matão ainda são desconhecidos, mas alguns trabalhos sugerem que pode ser devido à
habituação dos primatas aos seres humanos, principalmente os pesquisadores (Mourthé, 2007).
Não se sabe se a densidade de primatas é maior no Vale do Matão que no Vale do Jaó. No
entanto, a maior freqüência de descer ao solo pode estar tornando os muriquis do Vale do Matão
mais vulneráveis à predação por felinos que, por sua vez, estariam usando mais frequentemente
este vale devido à maior facilidade para capturar presas (primatas), em comparação ao Vale do
Jaó. Estudos futuros deveriam investigar se estes dois fatores estão de fato correlacionados.
Apenas dois indivíduos de jaguatirica foram capturados durante o período amostral, sendo
que a matriz foi gerada a partir dos dados de captura e recaptura desses indivíduos. Sabe-se que
quanto maior o número de indivíduos e de recapturas mais robusta será a estimativa de
abundância gerada pelo programa “CAPTURE” (Otis et al., 1978; White et al., 1982).
No entanto, as estimativas de densidade geradas para jaguatirica no presente estudo, satisfizeram
todos os pressupostos básicos exigidos pelo programa. Sendo assim, as estimativas de abundância
e densidade populacional geradas devem ser consideradas como estatisticamente aceitáveis. Além
disso, outra indicação de que a estimativa foi robusta é o fato de que outros dois indivíduos de
jaguatiricas foram confirmados na RPPN fora do período de amostragem ou por outros meios.
Um indivíduo foi fotografado durante dois meses que antecederam o período amostral
propriamente dito, no qual o desenho amostral foi diferente do utilizado durante o período de
amostragem. O outro indivíduo foi encontrado atropelado na estrada da RPPN FMA com destino
a Ipanema (Figura 6). Apesar de não ter sido fotografado durante o período de amostragem, esse
indivíduo provavelmente faz parte da população de jaguatirica da RPPN FMA, pois o local do
atropelamento é muito próximo da reserva (aproximadamente 700m). Com estes dois indivíduos,
sobe para quatro o número de espécimes confirmados para a RPPN, o que está dentro do
intervalo de confiança gerado pelo “CAPTURE” (três a nove indivíduos).
40
Figura 7: Indivíduo de jaguatirica, macho, atropelado na estrada próxima a RPPN FMA que liga
Caratinga à Ipanema.
A densidade estimada para jaguatiricas na RPPN FMA se assemelha às estimativas já
obtidas para a espécie em outras áreas de florestas neotropicais (Tabela 5). Para a Mata Atlântica
brasileira há outros dois estudos disponíveis, ambos realizados em áreas muito mais extensas do
que a do presente estudo: um apresentou densidade ligeiramente maior e outro ligeiramente
menor que o da RPPN FMA. Apenas a estimativa de densidade gerada usando o HMMDM como
parâmetro para o cálculo da área efetivamente amostrada é maior que a dos demais trabalhos que
utilizaram a mesma metodologia e tipo de “buffer”. Pórem, segundo Parmenter (2003) e Soisalo
& Cavalcanti (2006), a densidade gerada a partir do HMMDM tende a superestimar a população
real encontrada. Deste modo ela é apresentada aqui apenas para possibilitar comparações com um
maior número de estudos que também utilizaram esta metodologia (Jacob, 2002; Dilon, 2005;
Di Bitetti et al., 2006; Costa, 2007). Um único indivíduo fêmea de onça-parda foi registrado para
toda a reserva. Portanto, não foi possível calcular a densidade populacional para a espécie.
41
Tabela 5: Estimativas de densidade para jaguatiricas, utilizando a metodologia de armadilhamento
fotográfico em áreas de Florestas Neotropicais. MMDM= 1250m, HMMDM= 625m.
Indivíduos/km²
Fonte Local País Bioma Área (ha) MMDM HMMDM
Di Bitetti (2006)
Urugua-í Argentina Mata Atlântica 113.243 0.07 0.13
Di Bitetti
(2006) PNI
1 Argentina Mata Atlântica 170.000 0.12 0.19
Dilon (2005) RFPNC 2
Belize Floresta
Neotropical 177.500 - 0.20
Costa (2007) PEIC 3 Brasil Mata Atlântica 15.100 0.21 0.40
Presente estudo RPPN
FMA4
Brasil Mata Atlântica 957 0.23 0.52
Jacob (2002) PEMD 5
Brasil Mata Atlântica 36.000 0.31 -
1 Parque Nacional Foz do Iguaçu. 2 Reserva Florestal e Parque Nacional Chiquibul. 3 Parque Estadual Ilha do Cardoso, São Paulo.
4 Reserva Particular do Patrimônio Natural Feliciano Miguel Abdala, Minas Gerais. 5 Parque Estadual Morro do Diabo, São Paulo.
O baixo número de capturas de felinos na reserva indica que estes animais não são
residentes na área, mas utilizam a mesma como complemento de sua área de vida. Este padrão de
utilização espacial do ambiente pelos felinos mostra que os mesmos podem ser peças integrantes
de uma metapopulação. Durante o processo de fragmentação, populações de uma mesma espécie
podem manter-se isoladas em fragmentos, conectando- se com outras ocasionalmente, através da
dispersão de indivíduos (Hanski & Gilpin, 1991). Esse tipo de estruturação pode gerar uma
metapopulação, porém é necessário que os indivíduos capazes de se mover livremente dentro de
cada fragmento apresentem certa freqüência de movimentos entre os fragmentos. Esta freqüência
não pode ser alta, de forma a caracterizar uma população única, nem tão baixa a ponto de manter
as populações isoladas (Szacki,1999).
Deste modo, os dados não indicam uma explosão populacional de jaguatiricas na RPPN
FMA, a ponto de ameaçar a população de primatas ou outras presas. Também não há indícios de
que a população local de onças-pardas seja excessiva. O que pode estar ocorrendo é uma
superabundância de presas, no caso primatas, que, estaria facilitando a predação deste grupo
42
pelos felinos. A presença de primatas é mais comum na dieta dos grandes felídeos neotropicais
(onça-pintada e onça-parda), embora não seja muito freqüente (Emmons, 1987; Olmos, 1994;
Chinchilla, 1997; Crawshaw, 1995; Garla, 1998). Já a presença de primatas na dieta da
jaguatirica, um felino de médio porte, é incomum (Bisbal, 1986; Emmons, 1987; Emmons, 1988;
Konency, 1989; Ludlow & Sunquist, 1987; Facure & Giaretta, 1996; Sunquist & Sunquist, 2002;
Wang, 2002). Trabalhos realizados em outras localidades maiores ou menos perturbados por
fatores antrópicos, pequenos vertebrados (<2 Kg de peso corporal) constituem a maior parte da
dieta deste felino (Bisbal, 1986; Emmons, 1987; Emmons, 1988; Konency, 1989; Ludlow &
Sunquist, 1987; Facure & Giaretta, 1996; Sunquist & Sunquist, 2002; Wang, 2002).
Em estudo realizado na Ilha de Barro Colorado, Panamá, Iriarte et al. (1990) indicaram
que na ausência da onça-pintada, a onça-parda amplia seu nicho alimentar, consumindo maior
variedade de presas de grande porte. Ainda não foi realizado um estudo da dieta da onça-parda na
RPPN FMA. Entretanto, a ausência da onça-pintada e talvez a baixa densidade da onça-parda,
podem ter causado alargamento do nicho alimentar (Moreno et al., 2006) da jaguatirica, já que
uma alta proporção de primatas (27%) foi encontrada num estudo sobre a dieta deste felino
realizado nesta reserva (Bianchi & Mendes, 2007). O guariba (A. guariba) foi o primata mais
consumido pela jaguatrica em Caratinga (20,0%), seguido pelo muriqui (B. hypoxanthus; 5,0%) e
pelo macaco-prego (C. nigritus; 1,7%) (Bianchi, 2001; Bianchi & Mendes, 2007).
O alargamento de nicho da jaguatirica pode ser resultado de outras duas possibilidades.
A primeira refere-se a uma resposta à super abundância de primatas na Reserva (Hirsch, 1995;
Strier et al., 2002; Strier & Boubli, 2006). Estudos com estas espécies geraram um enorme
volume de dados, particularmente sobre os muriquis-do-norte, B. hypoxanthus, tendo em vista
que esta espécie tem sido objeto de estudo na área por mais de 20 anos (Strier, 2000). A partir
destes estudos, sabe-se, por exemplo, que a população residente de muriquis-do-norte
(B. hypoxanthus) tem aumentado na reserva, já atingindo 279 indivíduos distribuídos em quatro
grupos (Matão, Matão II, Nadir e Jaó), utrapassando a capacidade de suporte da área, que
corresponde a 0,3 ind./ha, ou seja, 240 indivíduos (Strier, 1993/1994; Almeida-Silva et al., 2005).
Segundo Hirsch (1995), a densidade do guariba (A. guariba) na RPPN FMA é uma das maiores
já encontradas em áreas de Mata Atlântica, com valores entre 0,922 a 1,493 indivíduos por
hectare. Se extrapoladas para a área desta RPPN (957 ha), estas densidades indicam uma
população entre 882 a 1428 guaribas. A segunda possibilidade, associada à anterior, refere-se ao
43
comportamento atípico dos primatas, que estariam facilitando a predação deste grupo pelos
felinos (Mourthé, 2007), conforme já discutido.
Bianchi (2001) e Bianchi & Mendes (2007) sugeriram que a jaguatirica na reserva estaria
se adaptando em predar mamíferos arborícolas. No entanto, acredita-se que tanto a jaguatirica
quanto a onça-parda podem aproveitar do hábito dos primatas de descer ao solo para então,
efetivar a predação. Lembrando que esses felinos são oportunistas e que os primatas não possuem
uma locomoção tão eficiente quando estão no solo (Mourthé, 2007), os felinos podem estar se
aproveitando deste comportamento atípico. Analisando a situação no ponto de vista da demanda
energética, os felídeos gastariam muito mais energia para predar os primatas na copa das árvores
(Begon, 2006), pois são animais terrestes e que caçam eventualmente sobre o dossel (Ludlow &
Sunquist, 1987).
A onça-parda é um felino que mescla hábitos diurnos e noturnos (Crawshaw & Quigley,
1989). Sabe-se, segundo alguns estudos, que felídeos como a onça-parda, moldam sua ecologia e
comportamento conforme as variáveis ambientais físicas e biológicas, como por exemplo,
predando as espécies localmente mais abundantes (Schaller & Vasconcelos, 1978; Bank &
Franklin, 1998) e que o ciclo circadiano do predador é compatível com o ciclo circadiano da
presa (Emmons, 1987; Ludlow & Sunquist, 1987). As capturas de onça-parda (n=11), durante o
período de realização do projeto, mesclaram-se entre registros diurnos (18,18%) e noturnos
(81,82%). As capturas diurnas coincidem com o pico de atividade dos primatas (Bianchi, 2001).
Em relação à jaguatirica, alguns trabalhos afirmam que a mesma possui hábitos noturnos.
No entanto, os mesmos sugerem que apesar de menos comum, a espécie também é ativa durante
o dia (Emmons, 1987; Ludlow & Sunquist, 1987; Emmons, 1988; Crawshaw & Quigley, 1989;
Crawshaw, 1995; Di Bitetti et al., 2006). Devido ao baixo número de registros tanto de onça-
parda (n=11) quanto de jaguatirica (n=3), nada se pode afirmar sobre a preferência do padrão de
atividade destas espécies, tendo em vista que 11 e três registros respectivamente são números
amostrais pequenos para se realizar um teste estatístico robusto. Assim, o estudo não teve como
comprovar se houve um deslocamento diurno no padrão de atividades destes felídeos.
44
6.0 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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49
CAPÍTULO 2
ESTUDO POPULACIONAL DO CÃO-DOMÉSTICO
(Canis lupus familiaris) NA RPPN FELICIANO MIGUEL
ABDALA, CARATINGA, MG.
50
1.0 – INTRODUÇÃO E OBJETIVOS
O cão doméstico é a espécie de carnívoro mais abundante no mundo (Daniels & Bekoff,
1989a; Green & Gipson, 1994). O processo de domesticação dos cães pelos humanos
provavelmente começou à aproximadamente 15000 anos (Savolainen et al., 2002), e desde então,
estes animais têm sido introduzidos onde quer que os seres humanos tenham se estabelecido e,
conseqüentemente, todos os continentes e a maioria das ilhas tem sido colonizado por esta
espécie (WHO/WSPA, 1990; Wandeler et al., 1993). No Brasil esta espécie foi introduzida pelos
europeus em meados do século XVI e era empregada principalmente para caça (Dean, 1996;
Miranda, 2004), prática esta que persiste até os dias atuais (Chiarello, 2000; Cullen et al., 2000)
(Figura 1).
Figura 1: Cães-domésticos utilizados para caça na Mata Atlântica durante o século XIX. Fonte: Brasilien
Bibliothek, Autor: Robert Bosch GmbH.
51
Quando são abandonados pelos donos ou quando estes não oferecem os cuidados
necessários, os cães passam por um processo de “feralização” e além de se tornarem um
problema de saúde pública (Mater & Daniels, 2000), representam um grande problema para a
biodivesidade (Campos, 2007; Curi, 2005; Galetti & Sazima, 2006; Oliveira et al., 2008; Srbeck-
Araujo & Chiarello,2008).
O aumento do número de cães em áreas naturais pode interferir em vários aspectos
referentes à dinâmica das comunidades biológicas (Kay, 1998). Apesar dos cães serem
considerados predadores ineficientes (Van’t Woudt, 1990; Oliveira & Cavalcanti, 2002), estes
predam animais de pequeno e médio porte (Campos, 2007; Galetti & Sazima, 2006) e quando
formam matilhas, podem predar animais de grande porte, como o lobo-guará (Lacerda 2002;
Rodrigues 2002b). Eles também competem com a fauna local por recursos (Boitani 1983; Butler
& Du Toit, 2002; Campos, 2007; Curi, 2005) e podem deslocar as mesmas do seu habitat (Lenth,
2006; Negrão & Valladares-Pádua, 2006). Os cães também são potenciais vetores de diversas
doenças, como raiva, leishmaniose, cinomose, parvovirus, giárdia e cisto muscular, sendo estas as
maiores conseqüências da interação da fauna silvestre com os cães (Alexander & Appel 1994;
Rhodes et al., 1997; Laurenson et al., 1998; Sime,1999; Cleveland et al., 2000; Butler & Du Toit,
2004; Curi, 2005).
Nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como o Brasil, o número de cães
domésticos abandonados é muito superior ao dos países desenvolvidos (Daniels & Bekoff,
1989a). A maioria das Unidades de Conservação Nacionais sofre com a pressão causada por
animais domésticos, principalmente os cães (Campos, 2007; Curi, 2005; Gaspar, 2005; Galetti &
Sazima, 2006; Negrão & Valladares-Pádua, 2006; Oliveira, 2007; Oliveira et al., 2008; Srbeck-
Araujo & Chiarello, 2008). Segundo Galetti & Sazima (2006) essa ameaça é tratada como
“invisível”, pois ela existe, a comunidade científica tem conhecimento da mesma, mas poucas
iniciativas são realizadas, as quais ainda são insuficientes diante da extensão do impacto causado
por esses animais.
Considerando que o efeito de borda pode ser entendido como o conjunto de alterações
causadas no interior de um fragmento de qualquer tamanho por influência da matriz que o
circunda (Murcia, 1995; Marinho-Filho & Machado, 2006), o impacto gerado por cães
domésticos sobre as populações da fauna silvestre, pode ser considerado um efeito de borda
(Lacerda, 2002; Lacerda et al., 2003; Srbeck-Araujo & Chiarello, 2008). Apesar desta espécie
52
possuir um elevado potencial de impacto nos ambientes em que está inserida (acidentalmente ou
intencionalmente), poucos trabalhos sobre a ecologia do cão-doméstico foram realizados no
Brasil (Campos, 2007; Curi, 2005; Gaspar, 2005; Galetti & Sazima, 2006; Srbeck-Araujo &
Chiarello, 2008).
Neste contexto, a presente proposta teve também como objetivo, investigar a abundância
e a densidade populacional do cão-doméstico, já que este pode também causar impactos diretos
(predação) e indiretos (como a introdução de zoonoses) na população de mamíferos da RPPN.
2.0 – METODOLOGIA
2.1 Coleta de dados e desenho experimental
A área de estudo, o equipamento utilizado na coleta e o delineamento amostral foram
detalhados no Capítulo 1. Abaixo são mencionados apenas os aspectos relativos à coleta de dados
e análise particulares a este Capítulo.
Além da amostragem com as armadilhas fotográficas (Capítulo 1), foram conduzidas com
a população humana local e dos arredores da RPPN FMA, entrevistas objetivando identificar e
localizar corretamente o ponto de origem dos cães registrados pelas armadilhas fotográficas.
As coordenadas das residências foram registradas com GPS, permitindo o cálculo das distâncias
percorridas pelos cães identificados (residência-armadilha fotográfica).
2.2 Análise dos dados
Para o cálculo do esforço amostral e sucesso de captura dos cães-domésticos, foi utilizado
o mesmo procedimento já descrito no Capítulo 1.
Métodos diferentes foram usados para estimar a abundância de cães-domésticos do Vale
do Matão e do Vale do Jaó. Os cães no Vale do Jaó apresentaram uma população fechada durante
todo o período de amostragem. Sendo assim, o programa “CAPTURE” (White et al., 1982;
Rexstad & Burmham, 1991) foi usado para estimar a abundância dos mesmos (Capítulo 1).
A identificação dos espécimes foi possível devido a pronunciada variação fenotípica (Neff et
al.,1999). Para os cães do Vale do Jaó, optou-se pela estimativa de abundância (N) gerada pelo
modelo M(tb), pois o mesmo foi o que melhor se adequou à ecologia desta espécie.
53
A amostragem no Vale do Jaó foi dividida em dez ocasiões de captura com nove dias
cada, assim como para as jaguatiricas. A definição de dez ocasiões seguiu a recomendação de
Otis et al. 1978, na qual o número de ocasiões de captura deve, idealmente, ficar entre sete e dez.
Assim como para as jaguatiricas, as densidades de cães do Vale do Jaó foram estimadas com base
tanto no MMDM como no HMMDM. Utilizou-se o programa ARCMAP versão 8.3 para o
mapeamento dos pontos amostrais, do MPC e da AEA.
Tentou-se adotar o mesmo procedimento detalhado previamente para estimar a abundância
(N) e a densidade populacional do cão-doméstico no Vale do Matão. Inicialmente, foram testadas
várias matrizes de captura, variando o número de dias compondo cada ocasião de captura. Porém,
para todas as análises realizadas com as diversas matrizes, o programa “CAPTURE” apontou
rejeição significativa da premissa de população fechada para os cães do Vale do Matão. Portanto,
diferentemente do adotado para as jaguatiricas e para a população de cães do Vale do Jaó, tentou-
se estimar a abundância do cão-doméstico no Vale do Matão usando o método Jolly-Seber, que é
adequado para populações demograficamente abertas (Krebs, 1999). Este método está disponível
na opção “Jolly-Seber full model version 5.1” do CD-ROM “PROGRAMS FOR ECOLOGICAL
METHODOLOGY 2nd EDITION” (Krebs, 1999). O método apresenta quatro premissas básicas:
1) todo indivíduo, marcado ou não marcado, tem a mesma probabilidade de ser capturado na t-
ésima amostra; 2) todo indivíduo marcado tem a mesma probabilidade de sobrevivência entre as
amostras t e t+1; 3) indivíduos não perdem suas marcas e 4) o tempo de amostragem (= ocasião
de captura) é muito pequeno em relação ao intervalo entre amostras (Krebs, 1999).
Anterior à utilização do método Jolly-Seber recomenda-se a realização do teste de igual
capturabilidade (“Zero-Truncated Poisson Test of Equal Catchability”; Krebs, 1999). Este teste
está disponível também no CD-ROM “PROGRAMS FOR ECOLOGICAL METHODOLOGY 2nd
EDITION” (Krebs, 1999). Este método é recomendado em casos onde o período de amostragem é
curto (como no presente estudo) e onde as chances de mortalidade são mínimas ou inexistentes
(Krebs, 1999). O método estima o número médio de capturas por indivíduos amostrados durante
o período de estudo (Krebs, 1999). Segundo Seber (1982), quando o número médio de capturas
por indivíduo é maior que 0,25, sugere-se que seja feito um teste do Qui-quadrado entre o
número de capturas observadas e esperadas (veja Krebs, 1999). O teste foi estatisticamente
significativo (χ ²= 70, 828; P= <0, 0001), sendo assim, a hipótese nula de igual capturabilidade
para os indivíduos foi rejeitada. Nesses casos, o método Jolly-Seber disponível no CD ROM
54
acima relacionado, não se mostrou adequado como estimador de abundância para a população de
cães do Vale do Matão. Em função desta limitação, optou-se, então, por realizar a estimativa de
densidade destes cães de maneira conservadora, dividindo o número de indivíduos fotografados
(n= 13) pela AEA do Vale do Matão (veja resultados).
Para o cálculo da área efetivamente amostrada (AEA), foi adicionado um “Buffer” (W) ao
polígono (MPC) formado pelas armadilhas usadas no Vale do Matão. Para a estimativa de
densidade populacional, dois valores de W foram calculados, um usando o MMDM e o segundo
usando HMMDM. A AEA, considerando os dois níveis de “Buffer”, foi então calculada
utilizando o programa ARCMAP versão 8.3, assim como para as jaguatiricas do Vale do Matão e
para os cães do Vale do Jaó.
Os registros de cães foram divididos em dois subgrupos: 1) fotos de um indivíduo e
2) fotos de indivíduos em grupos. Vale ressaltar que foi considerado grupo todos os registros
fotográficos com mais de um cão. Foram considerados como novos registros, todas as fotos
tiradas em um intervalo de cinco minutos. Feito isto, foi realizado um teste do Qui-quadrado para
comparar o número de registros de cães domésticos entre ambos os grupos. O número médio do
tamanho dos grupos foi também mensurado. A identificação do sexo dos indivíduos foi feita para
as duas subareas amostradas.
Outro teste do Qui-quadrado foi usado para comparar o número de registros de cães-
domésticos entre o período diurno (06:00-17:59h) e noturno (18:00-05:59h) e posteriormente,
entre quatro períodos (00:01-06:00; 06:01-12:00; 12:01-18:00; 18:01-00:00) de seis horas cada.
Devido ao alto valor de registros fotográficos de cães-domésticos, foi conduzido com a
população local e dos arredores da RPPN FMA, um questionário objetivando identificar e
localizar corretamente o ponto de origem dos cães. As entrevistas foram realizadas com o maior
número de pessoas possíveis e na maioria das residências. A confirmação dos indivíduos somente
foi afirmada após a visualização dos mesmos.
55
3.0 – RESULTADOS
3.1 Sucesso de captura, tamanho dos grupos e o horário de atividade dos cães.
O esforço de captura de cães na reserva foi de 900 armadilhas/dia, tanto para o Vale do
Matão quanto para o Vale do Jaó. O sucesso de captura foi de 10,55 % (95 registros fotográficos)
para o Vale do Matão e de 1,11 % (10 registros fotográficos) para o Vale do Jaó.
Os cães foram fotografados na reserva individualmente (n=44 registros) ou em pequenos
grupos (com mais de um indivíduo; n=28 registros). Esta diferença na frequência de registros de
indivíduos ou grupos não foi significativa (χ² com correção de yates= 3,125; G.L. =1; p= 0,0771).
Para os registros com mais de um indivíduo, o tamanho médio do grupo foi de 2,17 indivíduos.
A freqüência de registros de cão-doméstico foi semelhante entre o período diurno (06:00-
17:59h) e noturno (18:00-05:59h) (χ² com correção de yates= 1,867; G.L.=1; p= 0,1719).
Entretanto, a concentração de registros obtidos na primeira metade do dia (06:01-12:00h) e na
primeira metade da noite (18:01-00:00h) foi significativamente mais elevada que nos demais
períodos (χ²= 66.771; G.L.=3; p = <0.0001). Porém, não houve diferença estatítica significativa
entre os dois picos de atividade (χ² com correção de yates = 2, 108; G.L. =1; p= 0, 1466)
(Figura 2).
Figura 2: Número de registros fotográficos de cães-domésticos entre quatro períodos do dia.
56
3.2 Abundância e densidade populacional do cão-doméstico
A partir das fotos registradas pelas armadilhas fotográficas foi possível a diferenciação de
13 indivíduos (Figura 3). A discriminação sexual foi possível em 92,4% dos registros
fotográficos. No Vale do Matão foram registrados 13 indivíduos (oito machos e cinco fêmeas)
enquanto o Vale do Jaó registrou seis (quatro machos e duas fêmeas), todos também registrados
no Vale do Matão. O histórico de captura para os indivíduos capturados no Vale do Jaó é
mostrado na Tabela 1.
As estimativas de abundância (N), para o Vale do Jaó, geradas pelo programa
“CAPTURE” são mostradas na Tabela 2. A computação dos critérios de seleção do programa
rejeitou o modelo M(0) e indicou o M(b) como o melhor modelo disponível seguido pelo M(tb)
[M(b) = 1.0 e M(tb) = 0.93]. Estes dois modelos geraram estimativas populacionais semelhantes
(N=6). O modelo M(tb) gera estimativas de probabilidades de captura (P) por ocasião amostral,
sendo assim, o mesmo gerou dez diferentes P’s que variaram conforme cada amostra.
A abundância (N) para o Vale do Matão foi gerada a partir do número de indivíduos que puderam
ser identificados pelos registros das armadilhas fotográficas (13 indivíduos) (veja Material &
Métodos).
Figura 3: Alguns indivíduos de cão-doméstico registrados pelas armadilhas fotográficas durante amostragem na RPPN FMA.
57
Tabela 1: Matriz de captura dos indivíduos (“ID”) de cão-doméstico registrados durante amostragem no
Vale do Jaó na RPPN FMA. Veja Métodos para detalhes.
OCASIÃO DE CAPTURA
SUBÁREA ID 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Vale do Jaó
#01 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
#02 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
#03 0 1 0 0 1 0 0 0 0 0
#04 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
#05 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0
#06 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0
Tabela 2: Estimativas de probabilidade de captura (P) e tamanho populacional (N; com erro padrão e
intervalo de confiança) para os modelos M(b) e M(tb) gerados pelo programa CAPTURE para os cães-domésticos amostrados no vale do Jaó na RPPN FMA.
Modelo Ocasiões P N
EP IC (95%)
M(tb) 10 0,00-1,00 6 0,0000 6 a 6
M(b) 10 0,54 6 0,0481 6 a 6
As AEAs estimadas para o Vale do Matão variaram de 725,66 ha (HMMDM) a 1703,43
ha (MMDM) e para o Vale do Jaó as estimativas foram de 749,29 ha (HMMDM) a 1731,52 ha
(MMDM) (Figuras 4 e 5). As estimativas de densidade de cão-doméstico são mostradas na
Tabela 3.
58
Figura 4: AEAs geradas através do programa “ARCMAP” para o cálculo de densidade de cão-doméstico
no Vale do Matão, na RPPN FMA.
59
Figura 5: AEAs geradas através do programa “ARCMAP” para o cálculo de densidade de cão-doméstico
no Vale do Jaó, na RPPN FMA.
Tabela 3: Estimativas de densidade de cão-doméstico para os dois Vales amostrados na RPPN FMA, considerando dois níveis de “Buffer”, no cálculo da área efetivamente amostrada pelas armadilhas
fotográficas.
Subárea
amostrada
Tipo de
“Buffer”
Extensão
do
“Buffer”
(m)
Área
efetivamente
amostrada
(ha)
Densidade
(indivíduos/km2)
IC (95%)
(indivíduos/km2)
Vale do Matão MMDM 1564,44 1703,43 0,763 0,763-0,763
HMMDM 782,22 725,66 1,791 1,791-1,791
Vale do Jaó MMDM 1564,44 1731,52 0,346 0,346-0,346
HMMDM 782,22 749,29 0,800 0,800-0,800
60
3.3 Entrevistas
As entrevistas foram realizadas com 27 pessoas de 23 residências. Foram entrevistadas
pessoas residentes no interior e arredores da RPPN FMA, bem como funcionários e
pesquisadores desta reserva. As entrevistas não foram conduzidas com todas as residências da
região, pois foram direcionadas para as residências dos prováveis proprietários dos cães
fotografados. Dos treze cães capturados pelas armadilhas fotográficas durante o período amostral,
onze (84,61%) foram localizados e identificados (Figura 6). A distância média entre residência e
local onde o cão foi registrado no interior da RPPN FMA foi de 2.537 m (amplitude: 589 m a
5.555 m).
Figura 6: Mapa mostrando os locais onde cães (números 1-13) foram registrados pelas armadilhas fotográficas e os locais onde entrevistas foram realizadas (quadrados brancos). Onde os cães-domésticos
foram identificados está assinalado de vermelho. Círculos indicam a localização das armadilhas
fotográficas. * Indivíduos foto-armadilhados fora do período amostral.
61
4.0 – DISCUSSÃO
O número de registros fotográficos de cães foi diferente para os dois vales. O vale do Matão
apresentou um número muito maior de indivíduos e capturas em relação ao vale do Jaó. Duas
hipóteses podem explicar esta diferença. A primeira hipótese pode estar relacionada ao desenho
amostral. Como já foi discutido no capítulo 1, o Vale do Matão é muito mais recortado por
estradas do que o Vale do Jaó. Canídeos silvetres, assim como os cães, preferem usar estradas
(Trolle & Kéry, 2005, Oliveira, 2007). Portanto, a disposição das armadilhas em estradas
certamente influenciou os resultados, sendo os cães fotografados mais facilmente no Matão. Por
exemplo, somente na estrada denominada “Acesso a Cemig” houve 86 capturas de 10 indivíduos
(ver figura 6).
A segunda hipótese é de que exista algum fator biológico influenciando direta ou
indiretamente os cães, fazendo com que estes estejam mais presentes no Vale do Matão. Como
discutido no capítulo 1, não há diferenças óbvias na composição ou na estrutura da mata entre
estes dois vales. É possível que existam diferenças biológicas entre estas áreas, no entanto isto
ainda não foi investigado. Sabe-se de uma maior susceptibilidade dos primatas à predação por
predadores terrestres na subárea do Matão, devido a maior freqüência com que estes primatas
descem ao chão neste vale (Mourthé, 2007), como já mencionado no capítulo anterior. Há várias
situações relatadas pelos primatólogos da reserva em que os cães investiram contra os muriquis
da reserva, e estes apresentaram um comportamento de alarme, ou seja, reconhecem os cães
como uma potencial ameaça (Hack, Santos & Ferraz, obs. Pess.). Ainda não foi confirmada a
predação de primatas por cães nesta reserva, mas em outras áreas da Mata Atlântica este fato já
foi confirmado (Galetti & Sazima, 2006; Oliveira et al., 2008).
A população do Vale do Matão se mostrou demograficamente aberta, diferentemente do
Vale do Jaó, a qual se comportou como demograficamente fechada. Quando o teste de população
fechada é rejeitado, deve-se considerar duas possibilidades mais óbvias (Karanth & Nichols,
2002). A primeira é de que houve mudaça demográfica durante a amostragem (nascimentos,
migrações e mortes). Embora esta possibilidade não possa ser descartada, o tempo de
amostragem em cada vale (três meses) foi muito curto para que de fato alguma alteração
demográfica possa ter ocorrido na população. A segunda, talvez mais provável, é que a população
amostrada do Vale do Matão represente uma parcela muito pequena da população total. Ou seja,
62
há uma superpopulação de cães na região, dos quais uma parcela muito pequena foi registrada
pelas armadilhas (Karanth & Nichols, 2002).
Todos os onze indivíduos de cães que foram fotografados e tiveram a sua origem
localizada, eram provenientes de residências que fazem limite ou são próximas à reserva, em um
raio de 5,5 km. Para todos os indivíduos foi identificado um responsável. Portanto, os cães foram
classificados segundo Brickner (dados não publicados), como semiferais, por apresentarem uma
dependência parcial dos “donos”, pois utilizam alguns recursos provenientes dos seres humanos,
como moradia e alimentação. No entanto, estes cães são arredios e utilizam a mata como área
integrante de sua rotina diária, para forrageio.
Na RPPN os cães foram capturados individualmente ou em pequenos grupos. Em alguns
dos registros fotográficos os cães estavam em pequenos bandos (28 registros), sendo que estes
eram compostos, em média, por 2,17 indivíduos. Por outro lado, o número de cães registrados
sozinhos na mata foi ligeiramente maior (44 registros), apesar de não ter ocorrido diferença
estatística entre o número de cães em bando e o número de cães sozinhos. Alguns
trabalhos relatam que em média os cães formam grupos de dois (Scott & Causey, 1973;
Causey & Cude, 1980; Daniels & Bekoff, 1989b) a seis indivíduos (Causey & Cude, 1980).
Outros estudos ainda discutem que o número de indivíduos que compõe o grupo de cães está
intrinsicamente ligado à disponibilidade do recurso alimentar (Daniels & Bekoff, 1989b; Butler,
1998; Beck, 2001). Cães que vivem onde a disponibilidade de comida é alta tendem a forragear
individualmente ou em pares, sendo que quando formam grupos, os mesmos são pequenos
(Daniels & Bekoff, 1989b; Butler, 1998; Beck, 2001). É provável que os cães da RPPN FMA
andem em grupos pequenos ou individualmente, justamente pela abundância de recurso alimenar
ou até mesmo pela facilidade em se obter o mesmo. Além disso, os cães da reserva possuem
donos (11 indivíduos) e residência, onde podem obter o recurso alimentar diariamente.
É interessante observar que cães não formam grupos fixos (Butler, 1998), sendo que este fator foi
também observado nos cães da RPPN (Figura 7).
63
Figura 7: Fotos de matilhas na RPPN FMA, mostrando que as mesmas não são estruturas coesas. Nas fotos acima podemos ver a fêmea Baiana (assinalada por uma seta vermelha), compondo diferentes
grupos.
Em algumas regiões, os cães mostram tendência a atividades crepusculares e noturnas
(Beck, 2001; Gaspar, 2005), enquanto em outras regiões, o padrão é de atividade diurna (Srbeck-
Araujo & Chiarello, 2008). Já na RPPN FMA, os cães mostraram usar a reserva tanto durante o
dia, quanto durante a noite, principalmente entre a primeira metade do dia (06:01-12:00h) e a
primeira metade da noite (18:01-00:00h).Vários carnívoros apresentam o padrão de atividade
bimodal (Ables, 1975; Dietz, 1984). Aschoff (1966) sugere que este padrão seja traço de um
comportamento inato, independente de qualquer pressão ambiental. No entanto, o uso da RPPN
em maior freqüência nestes dois períodos pode estar ligado à disponibilidade de recurso
alimentar. Este resultado indica que se o motivo principal que leva os cães a entrarem na reserva
for a disponibilidade de presas, então tanto presas com hábitos diurnos como noturnos estão
sendo perseguidas. O primeiro pico de atividade dos cães, na primeira metade do dia
(06:01:12:00h), coincide com o padrão de atividade dos primatas na reserva. Portanto, os
primatas, que são de hábito diurno, podem ser potencias presas visadas pelos cães,
64
principalmente, por apresentarem o hábito incomum de usar o solo com alta freqüência (Dib et
al., 1997; Mourthé, 2007).
Alguns trabalhos relacionam a presença de cães com o efeito de borda (Lacerda, 2002;
Lacerda, 2003; Srbeck-Araujo & Chiarello, 2008). Ou seja, quanto mais próximo da borda, mais
abundante é a presença dos cães-domésticos. A RPPN possui muitas estradas e trilhas o que
aumenta o número de bordas e conseqëntemente facilita a entrada dos cães. Portanto, as trilhas e
estradas existentes, que possibilitam os pesquisadores a acompanhar os primatas, possivelmente
colaboram para tornam a presença dos cães menos pontual e mais homogênea dentro da RPPN
FMA.
A estimativa de abundância (N) pelo capture se mostrou acurada, pelo menos para o Vale
do Jaó, pois o número de cães fotografados foi idêntico ao da estimativa (n=6). Para o Vale do
Matão, devido às razões já discutidas acima, a estimativa gerada (n=13) provavelmente
representou uma subestimativa da população real.
A comparação deste aspecto com outros trabalhos é impossibilitada, pois não existem
estimativas populacionais utilizando armadilhas fotográficas para outras áreas de florestas
neotropicais. Porém, não há dúvida que a abundância aqui estimada é muito superior à de felinos
(Capítulo 1). Na verdade, o cão doméstico foi de longe a espécie mais fotografada de todos os
mamíferos registrados pelas armadilhas fotográficas (Capítulo 1). Se compararmos a densidade
de cão encontrada com as densidades de outros canídeos de porte aproximadamente similar e
exigências tróficas generalistas, como por exemplo, o cachorro-do-mato (Cerdocyon thous) (em
média 0,55 ind./km2) (Sillero-Zubiri et al., 2004) e o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus)
(0,01-0,03 ind./km2) (Trolle et al., 2007), a densidade de cães domésticos na RPPN FMA está
elevada. No entanto, a alta densidade encontrada por Boitani et al., (1995) para cães na região de
Abruzzo, Itália (0.89 ind./km2), se assemelha à densidade de cães do presente estudo.
Cães domésticos são freqüentes em outras áreas de Mata Atlântica como, por exemplo, na
Mata de Ribeirão Cachoeira, em Campinas, onde a espécie foi detectada por três métodos
diferenciados (armadilhas-fotográficas, parcelas de areia e transecções lineares) (Gaspar, 2005).
Na Estação Biológica de Santa Lúcia (EBSL), Espírito Santo, os cães foram capturados em
diversos registros fotográficos (n=25), sendo a quarta espécie de mamífero mais freqüente e a
primeira se considerarmos apenas a ordem Carnivora, ficando na frente até mesmo da jaguatirica
e da onça-parda, os dois predadores terrestres presentes na EBSL (Srbeck-Araujo & Chiarello
65
2008). Já Oliveira (2007) constatou a presença de cães utilizando a metodologia de parcelas de
pegadas e transecções em duas Unidades de Conservação, sendo o Parque Estadual Serra do
Brigadeiro, localizado no domínio de Mata Atlântica e o Parque Estadual do Rio Preto, no
domínio do Cerrado. O cão foi a espécie mais abundante no primeiro parque, considerando os
dois métodos amostrais (Oliveira, 2007).
A metodologia de armadilhamento fotográfico com o método de captura-marcação-
recaptura se mostrou válida para a amostragem da população de cães domésticos. No entanto,
aconselha-se que o intervalo entre fotos seja mínimo, pois como a espécie possui o hábito de
andar em bando, muitos indivíduos de cães não puderam ser identificados no presente estudo, já
que em várias fotos o registro dos indivíduos foi parcial (apenas parte do bando era registrada),
dificultando a diferenciação dos indivíduos. Sendo assim, é possível que a freqüência de registros
de cães em grupos no presente estudo seja na realidade maior do que a retratada pelas câmeras.
O programa “CAPTURE” se mostrou eficaz para a estimativa de abundância dos cães do
Vale do Jaó e ineficaz para os indivíduos do Vale do Matão. Sendo assim, para regiões com alta
densidade de cães, como Caratinga, talvez seja possível melhorar a eficiência do método
aumentando o prazo de amostragem, talvez para um ano e analisar os resultados num software
mais apropriado para análise de populações abertas, como o “Robust Design” do programa
“MARK” (White & Burnham, 1999). O prazo mais dilatado daria uma melhor idéia da dinâmica
populacional e também do nível de fidelidade dos indivíduos ao sítio em questão. Ao mesmo
tempo, precisa-se de mais informações sobre cães domésticos em outros sítios para conhecer
melhor a ecologia do cão-doméstico no meio florestal. Este é um campo praticamente
inexplorado no Brasil. Formular hipóteses e desenhos amostrais sem este conhecimento é difícil.
Uma das perguntas realizadas durante as entrevistas com a população local foi quanto à
vacinação dos cães. Segundo a população, a prefeitura de Caratinga exerce um programa de
vacinação anual destes animais. No entanto, nenhum outro meio para remediar ou até mesmo
evitar com que estes cães desenvolvam doenças ao longo do ano é realizado. Adicionalmente, os
donos dos cães não possuem controle sobre os mesmos, sendo que os indivíduos da espécie saem
dos domínios do dono, às vezes por dias e quando retornam, podem estar infectados por algum
patógeno. Assim, os cães, podem transmitir doenças à população humana e não somente para as
espécies silvestres. Há, portanto, necessidade de ação urgente, pois se nada for feito a tendência é
de aumento da população humana existente no entorno ou próximo da reserva (Santo Antônio do
66
Manhuaçu e Ipanema) e com isso, aumento ainda maior do impacto de cães-domésticos sobre a
fauna nativa da reserva.
5.0 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados aqui reunidos contribuem significativamente para o aumento do
conhecimento da mastofauna local e indicam a necessidade de estudos mais detalhados
sobre a diversidade e abundância dos mamíferos desta região considerada de alta
relevância biológica para a conservação da biodiversidade (Biodiversitas, 2006 atlas).
A RPPN FMA foi criada principalmente para a conservação do muriqui-do-norte
(B. hypoxanthus), mas para que a preservação desta população seja realmente efetiva,
todo o ecossistema onde a espécie está inserida deve ser considerado.
A mortalidade que tem sido observada para as espécies de primatas na RPPN
recentemente (Lynch & Rímoli, 2000; Almeida-Silva et al., 2005; Strier et al.,2006) não
parece ser conseqüência da super abundância da população de predadores felinos. É mais
provável que os primatas estejam sofrendo impactos de outra natureza, como competição
intra e interespecífica; aumento da carga parasitária, entre outros fatores que precisam ser
investigados. Neste sentido, se de fato a densidade de primatas já atingiu ou mesmo
ultrapassou a capacidade suporte da área, a presença de felinos deve ser vista não como
ameaça, mas sim como um fator natural que pode contribuir para limitar acréscimos
populacionais ainda mais danosos.
70
O cão é a espécie que de fato apresenta uma ameaça não somente para população de
primatas na RPPN FMA, mas para toda a biodiversidade local. A solução não seria
apenas erradicar esta espécie periodicamente como sugere alguns trabalhos (Barnett,
1986; Galetti & Sazima, 2006), pois cães são animais mantidos pelos moradores da área
para auxiliar nas criações de gado, agricultura ou simplesmente pelo prazer de criar o
animal (biofilia; Wilson, 1984). Uma sugestão mais plausível seria realizar na RPPN
FMA, um programa de educação ambiental com os moradores que vivem na reserva e ao
entorno da mesma. Neste programa poderia estar inclusa a esterilização dos machos por
veterinários. Adicionalmente, informações relacionadas aos impactos que os animais
domésticos, principalmente os cães, podem causar à comunidade biológica como um
todo, seriam repassadas à comunidade local, de modo a diminuir a freqüência de entrada
de cães na reserva.
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