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Um ministério para a Ciência e Tecnologia: cientistas e militares na expansão do Estado
brasileiro (1957-1985)
Carlos Roberto Torres Filho
carlostorres.hist@gmail.com
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Introdução
Em 15 de março de 1985, o governo brasileiro, por meio do Decreto nº 91.146, criou
um ministério específico para tratar dos assuntos relativos à ciência e tecnologia. O
documento vinha assinado pelo então presidente interino da República José Sarney; pelo
ministro do Planejamento João Sayad; e por aquele que, sob indicação de Tancredo Neves,
seria o primeiro a ocupar a nova pasta, Renato Archer.
O referido decreto manifestava o interesse governamental de realizar, naquele
momento em que o Brasil se redemocratizava, investimentos no campo científico-tecnológico,
compreendidos como fundamentais para o desenvolvimento do país. Em vista disso, a função
do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) seria de unificar sob uma mesma supervisão e
orientação uma gama de entidades pré-existentes. Tal ação intencionava gerar os meios para
formular e executar de modo efetivo uma política nacional destinada ao setor.
Em decorrência da criação do órgão ocorreu uma ampla reestruturação administrativa
nas bases científico-tecnológicas nacionais. Diversas instituições foram transferidas para o
âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia, levando-o, dessa maneira, a incorporar os seus
respectivos quadros de pessoal, materiais (maquinários, equipamentos, instalações e
documentação) e dotações orçamentárias.
Constavam na lista o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq); a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP); a Comissão de
Cartografia (COCAR); o Conselho Nacional de Informática e Automação (CONIN); a
Secretaria Especial de Informática (SEI); a Fundação Centro Tecnológico para Informática
(CTI); os Distritos de Exportação de Informática; e o Fundo Especial de Informática e
Automação.
Posteriormente entraram para o rol o Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) e o
Conselho Científico e Tecnológico (CCT), ambos incluídos através do Decreto nº 91.582, de
29 de agosto de 1985, assim como, a Comissão Nacional de Meteorologia (CONAME),
adicionada mediante o Decreto nº 93.483, de 29 de outubro de 1986.
Naquele ínterim, a Secretaria de Planejamento da Presidência da República teve que
providenciar a passagem para o Ministério da Ciência e Tecnologia dos recursos
orçamentários referentes a variados fundos, programas, atividades e projetos. Destacadamente
o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT); o Programa de
Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT); o Programa de Dinamização
da Cartografia (PDC); o Programa de Desenvolvimento Científico e Tecnológico para o
Nordeste (PDCT); o Apoio a Programas em Ciência e Tecnologia; e o Apoio aos Sistemas
Estaduais de Ciência e Tecnologia.
Todo esse expediente caracterizou a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia,
em 1985, como um marco institucional no processo de expansão do Estado brasileiro. O que
nos chamou particularmente a atenção foi o seu longo período de gestação, iniciado na
transição entre as décadas de 1950 e 1960. Levando-nos a questionar quais interesses
estiveram presentes nesse trajeto. É a isso que vamos dedicar as páginas seguintes.
A institucionalização da ciência e da tecnologia no Brasil: o Conselho Nacional de
Pesquisas (CNPq)
A experiência da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) infundiu nos países a
convicção de que era imprescindível promover a ciência e tecnologia, entendidas como
instrumentos estratégicos de poder do Estado. A própria Guerra Fria foi uma expressão disso,
exemplificada de forma xifópaga tanto pela Corrida Armamentista, com suas ogivas nucleares
e mísseis balísticos intercontinentais, quanto pela Corrida Espacial, com seus satélites e
foguetes.
No caso do Brasil, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) vinha reivindicando,
desde os anos de 1930, que fosse criado pelo governo um conselho nacional de pesquisas,
conforme já haviam feito outras nações. Essa demanda foi atendida durante o mandato do
presidente Eurico Gaspar Dutra, que incumbiu, em 1949, uma comissão, liderada por Álvaro
Alberto da Mota e Silva, de elaborar um anteprojeto de estruturação para tal órgão. Ao tomar
essa iniciativa, Dutra, demonstrou possuir a vontade política necessária para alicerçar
institucionalmente as bases científicas e tecnológicas nacionais.
Como resultado, pela Lei nº 1.310, de 15 de janeiro de 1951, nasceu o Conselho
Nacional de Pesquisas (CNPq). A argumentação que o respaldou apontava a importância da
participação coletiva de civis e militares, igualmente de políticos e cientistas, no benefício do
desenvolvimento econômico e da segurança nacional.
O CNPq, enquanto uma entidade de coordenação central subordinada diretamente à
presidente da República e usufruindo de autonomia administrativa e financeira, passou a
expressar o controle estatal sobre a produção de ciência e tecnologia no país. Um verdadeiro
Estado-Maior da Ciência, da Técnica e da Indústria, segundo o modo como era concebido à
época.
O contexto da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) motivou as nações a constituírem
seus conselhos nacionais de pesquisa. Por sua vez, o Estado brasileiro, em descompasso,
relutou por décadas em criar o CNPq, mesmo diante das pressões favoráveis oriundas da
comunidade científica nacional. Observamos aqui um precedente para a delonga, que também
se fez vigente no trâmite de efetivação do Ministério da Ciência e Tecnologia no Brasil,
conforme veremos abaixo.
A campanha em favor do novo ministério (1957-1958; 1963)
Até onde conseguimos averiguar, as primeiras iniciativas direcionadas a conscientizar
sobre a importância da criação de um Ministério da Ciência e Tecnologia no Brasil ocorreram
entre os anos de 1957 e 1958, no decurso do governo de Juscelino Kubitschek. Cientistas,
como o físico José Leite Lopes e os médicos Haity Moussatché e Walter Oswaldo Cruz,
denunciavam as péssimas condições de pesquisa no país. Ao mesmo tempo em que eles
salientavam o descaso do governo apontavam o desinteresse da sociedade em geral. A
campanha em prol do referido ministério alcançou os meios de comunicação da época,
contando com o apoio de Francisco San Tiago Dantas, então proprietário do Jornal do
Commercio.
O grupo de intelectuais argumentava ser imprescindível que investimentos tanto de
caráter público quanto privado fossem realizados em ciência e tecnologia, assim como na
educação, almejando o progresso da nação. O caminho para isso era a institucionalização do
setor, cabendo ao governo federal, por sua vasta capacidade de mobilizar recursos, executar
tal tarefa. Por fim, defendiam que a temática científico-tecnológica entrasse de fato na agenda
política nacional.
Na conjuntura da reforma administrativa que se pretendia implementar na gestão do
presidente João Goulart (1961-1964) surgiu a proposta, do ministro extraordinário Ernani do
Amaral Peixoto, na qual o Conselho Nacional de Pesquisas passasse a integrar o Ministério da
Educação e Cultura, mediante a alegação de ser impraticável a demasiada existência de
órgãos subordinados diretamente a presidência da República.
A possível perda de posição/poder resultante preocupou a comunidade científica
brasileira, levando-a a cerrar fileiras na luta pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. O
discurso do então presidente da Academia Nacional de Medicina, o médico Olympio da
Fonseca Filho, em sessão de 14 de junho de 1963 por ocasião do aniversário daquela
entidade, foi um exemplo disso.
Em sua fala, que posteriormente foi publicada no Jornal Brasileiro de Medicina (vol.
VIII, nº 3, março de 1964), Olympio da Fonseca defendeu a criação pelo governo brasileiro
de um ministério específico para a Ciência e a Tecnologia. Justificando sua opinião no fato do
Conselho Nacional de Pesquisas não conseguir na prática tratar sem intermediários com a
presidência da República.
Existia um problema concreto de ordem administrativa, a impossibilidade do chefe do
Executivo nacional de lidar de modo direto com a grande quantidade de órgãos que lhe eram
subordinados, acabando os dirigentes dos mesmos sendo obrigados a despachar com escalões
que lhe eram hierarquicamente inferiores. A argumentação de Olympio da Fonseca, nesse
ponto, fazia eco com a do ministro extraordinário Ernani do Amaral Peixoto.
Cabe ressaltar, que havia também um contexto externo propício à formação pelos
governos de ministérios dedicados especificamente à ciência e tecnologia. A Conferência
Internacional sobre as Aplicações da Ciência e da Tecnologia às Áreas menos Desenvolvidas
(UNCSAT), promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em fevereiro de 1963
(Genebra), atesta isso. Nela, países como o Brasil foram incentivados a adotar políticas
nacionais de uso intensivo dos meios científico-tecnológicos objetivando o crescimento
econômico.
Por fim, dos debates que envolveram tanto a Academia Brasileira de Ciências quanto o
próprio Conselho Nacional de Pesquisas chegou-se a um projeto de estruturação do Ministério
da Ciência e Tecnologia (668ª sessão do Conselho Deliberativo do CNPq, 20 de agosto de
1963), respaldado pelo então já demovido ministro Amaral Peixoto.
Contudo, o Golpe Militar-Civil de 1964 provocou uma reviravolta política
ocasionando a deposição de João Goulart. Por sua vez, o Conselho Nacional de Pesquisas
também passou por uma mudança na direção, quando o químico Athos da Silveira Ramos
(1962-1964) foi sucedido na presidência do órgão pelo médico Antônio Moreira Couceiro
(1964-1970), levando o CNPq a retroceder no apoio a criação do Ministério da Ciência e
Tecnologia. Couceiro pretendia manter o status quo, ou seja, o acesso imediato do Conselho
ao presidente da República, sem ter que se submeter a qualquer ministério.
Em caráter preliminar, enfocando a campanha pela criação do Ministério da Ciência e
Tecnologia, evidenciamos a falta de consenso existente no seio da comunidade científica
brasileira no tocante ao assunto.
O Ministro Extraordinário para Ciência e Tecnologia (1967)
O grupo que assumiu o comando do Brasil por meio do Golpe de 1964 precisava
legitimar legalmente o regime que pretendiam instaurar. O então presidente da República
Castelo Branco (1964-1967), no intuito de realizar uma profunda reforma administrativa
federal, baixou o Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, que estabelecia as diretrizes
para a implementação da mesma. Essa ação representou uma prerrogativa de força do
Executivo sobre o Legislativo, respaldada pelo Ato Institucional nº 4, de 7 de dezembro de
1966, o qual dava encaminhamento ao processo de promulgação de uma nova Constituição
para o país. A dita Carta institucionalizaria os ideais e princípios da facção ligada à Escola
Superior de Guerra (ESG).
Dentre outras deliberações, o Decreto-Lei nº 200 prescrevia a criação do cargo de
Ministro Extraordinário para Ciência e Tecnologia, cuja atribuição seria de coordenar e
estimular os trabalhos na referida área. Durante o período de gestão desse ministro passariam
a estar vinculados à ele o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e a Comissão Nacional de
Energia Nuclear (CNEN), assim como, as entidades dedicadas às atividades espaciais.
Os misteres de cunho científico e tecnológico perpassavam as competências de
diversos órgãos governamentais, sendo dessa maneira considerados um assunto afim ou
interdependente, portanto, entendido no documento em questão como objeto passível de uma
coordenação global, enquadrando-se na mesma categoria de problemas que o abastecimento
nacional, a integração da Forças Armadas e a própria reforma administrativa.
Fazemos então a seguinte indagação: por que não criar de imediato um Ministério da
Ciência e Tecnologia? Sabemos que o Ministério do Planejamento e Coordenação Geral foi
antecedido por um Ministro Extraordinário para o Planejamento e Coordenação Econômica,
assim como, o Ministério do Interior por um Ministro Extraordinário para Coordenação dos
Organismos Regionais. A intenção do governo talvez fosse manter o mesmo expediente.
Contudo, quando uma Junta Militar – composta pelos ministros da Marinha almirante
Augusto Rademaker Grünewald; do Exército general Aurélio de Lyra Tavares; e da
Aeronáutica brigadeiro Márcio de Souza e Mello – passou a governar o país entre agosto e
outubro de 1969, durante o afastamento por motivo de doença do presidente Costa e Silva
(1967-1969), ela fez alterações no Decreto-Lei nº 200, por meio do Decreto-Lei nº 900, de 29
de setembro de 1969.
Embora no texto se tenha mantido o direito da presidência da República de prover
cargos de ministro extraordinário, suprimiu-se qualquer menção explícita a um Ministro
Extraordinário para Ciência e Tecnologia. Na nova redação manteve-se somente a
necessidade de orquestrar e incentivar as ações voltadas à produção científica e tecnológica
visando o crescimento nacional. O que poderia ser feito através de um Ministro Coordenador,
nomeado em caráter temporário, escolhido dentre os ministros de Estado então já existentes,
cuja função seria tratar de temas de interesse comum aos ministérios, contando com a
colaboração desses e respeitando os seus respectivos âmbitos.
Cabe aqui salientar que a nomeação de ministros extraordinários, por um tempo
indeterminado pelo presidente da República, mexia na estrutura de poderes pré-existente.
Entidades que antes se encontravam atreladas a determinados órgãos transferir-se-iam por
motivo de pertinência para a esfera de competência daquele que fosse recém-criado.
Entendemos assim, ter sido mais confortável para os ministérios e instituições já operantes a
opção por ministros coordenadores ao invés de ministros extraordinários, embora ambas as
possibilidades estivessem disponíveis.
No decorrer dos governos militares (1964-1985) foi empreendida uma ampla reforma
no país. A ideia era tornar o Brasil uma potência regional, seguindo uma ótica capitalista de
desenvolvimento e segurança. A reestruturação das bases científicas e tecnológicas nacionais
fez parte do projeto de Estado castrense, sendo consubstanciada numa Política Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Conforme atestou o Programa de Metas e Bases
para a Ação do Governo (1970-1973), operado no mandato presidencial de Emílio Garrastazu
Médici (1969-1974), que teve como uma de suas prioridades a aceleração do
desenvolvimento científico e tecnológico.
Ao examinarmos a consulta feita por Médici, em 1970, ao Conselho de Segurança
Nacional (CSN) a respeito da proposta de diretrizes gerais para a Política Nacional de
Desenvolvimento das Atividades Espaciais (PNDAE), setor considerado estratégico pelos
militares, notamos nos pareces de alguns dos seus membros uma expectativa quanto a criação
do Ministério da Ciência e Tecnologia. Naquela ocasião, os ministros e chefes de Estado
aproveitaram o ensejo e expressaram à presidência da República suas opiniões sobre os
instrumentos de ciência e tecnologia do país, em especial o papel que o Conselho Nacional de
Pesquisas deveria assumir.
Com o início do governo Ernesto Geisel (1974-1979) o CNPq acabou sofrendo uma
transformação, passando a subordinar-se à Secretaria de Planejamento da Presidência da
República e a denominar-se Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(Lei nº 6.129, de 6 de novembro de 1974). Esse episódio se assemelhou ao da proposta do
ministro extraordinário Ernani do Amaral Peixoto, durante o governo Jango, de submeter o
Conselho ao Ministério da Educação e Cultura. O que nos faz refletir se tal fato não teria mais
uma vez motivado a comunidade científica a optar por um ministério próprio. De qualquer
modo, o Ministério da Ciência e Tecnologia precisou esperar a redemocratização do Brasil
para, enfim, ser instituído (Decreto nº 91.146, de 15 de março de 1985).
Considerações finais
O presente texto consolida nosso primeiro esforço de pesquisa destinado a analisar o
processo de criação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) no Brasil, no intuito de
colaborar com os estudos relativos a institucionalização científica e tecnológica. Tendo em
vista que na etapa do levantamento bibliográfico nos surpreendemos com a escassez de
trabalhos dedicados ao tema em questão.
Dito isso, concluímos, com base nas informações coletadas até o momento, que dentre
os motivos que ocasionaram o longo período de espera para a insitutição do Ministério da
Ciência e Tecnologia (1957-1985) destacamos como principal a forte cisão dentro da própria
comunidade científica brasileira a respeito do assunto. Tal divergência acabou repercutindo
sobre a mobilização dos demais grupos sociais referente à matéria, em particular a classe
política.
Cientistas como Álvaro Alberto e José Leite se engajaram politicamente na luta pela
institucionalização da ciência e tecnologia no Brasil, baseando-se num discurso autonomista e
desenvolvimentista advogaram por uma política científica nacional. Indivíduos como eles
acabaram por transcender os âmbitos restritos de suas atividades profissionais, ao buscarem
organizar e dirigir as demandas da categoria da qual faziam parte. O que os caracteriza,
segundo uma perspectiva gramsciana, como intelectuais orgânicos.
Referências
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