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Jurisprudência da Primeira Turma
Relator:
Agravante:
Advogados:
Agravados:
Advogados:
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 272.017 - DF
(Registro n. 99.0103961-4)
Ministro Francisco Falcão
Distrito Federal
Israel José da Cruz Santana e outros
Cláudia Helena Monteiro de Souza Gonçalves e outros
Verônica Balbino de Sousa e outros
37
EMENTA: Matéria constitucional - Medida provisória declarada inconstitucional - COlllpetência do Suprelllo Tribunal Federal -Ofensa a dispositivo de lei não delllonstrado pela falta de sua indicação.
O controle da legalidade das leis infraconstitucionais só pode ser exercido à luz da indicação do dispositivo de lei tido COlllO violado.
A questão da inconstitucionalidade forlllal e/ou lllaterial de lUedida provisória é lllatéria adstrita à cOlllpetência do colendo SuprelUO Tribunal Federal.
Agravo regilllental ao qual se nega provilllento.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, de
cide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado. Votaram de acordo com o Relator os Srs. Ministros Mil
ton Luiz Pereira e José Delgado. Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Garcia Vieira e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros. Custas, como de lei.
Brasília-DF, 18 de maio de 2000 (data do julgamento).
Ministro José Delgado, Presidente.
Ministro Francisco Falcão, Relator.
Publicado no D] de 19.6.2000.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
38 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Francisco Falcão: Trata-se de agravo regimental interposto pelo Distrito Federal de decisão que inadmitiu, liminarmente, agravo
de instrumento contra decisão denegatória de recurso especial, por entender tratar-se de matéria eminentemente constitucional, além da falta de especificação do dispositivo de lei federal violado pelo acórdão recorrido, ensejando, no caso, a aplicação da Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal.
Pretende a Agravante o exame da constitucionalidade da Medida Provisória n. 560/1994 que instituiu a contribuição previdenciária de 12 % sobre a remuneração dos servidores distritais. Sustenta, em termos sucintos, que o dispositivo de lei federal violado restou indicado em diversos parágrafos, transcrevendo-os, como se segue:
"Assim sendo, eram os Recorridos alcançados pela Lei n. 8.688/ 1993, e atualmente, estão sob a égide da Medida Provisória n. 560/ 1994, que, conforme se demonstrará, tem força de lei, por determinação dos artigos 62 e 84, ambos da Constituição Federal." (p. 6).
"Cumpre, pois, enfatizar que o prazo de 90 (noventa dias), na fase de instituição da contribuição, que foi feita pela Lei n. 8.688/1993, foi devidamente observado, conforme se vê do § 1'" do artigo 2'" da referida lei, não sendo obrigatória a sua repetição nas medidas provisórias que a sucedera ... , eis que a Medida Provisória n. 560/1994 e suas reedições mantiveram os mesmos percentuais adotados pela Lei n. 8.688/ 1993." (p. 7).
"O aresto ora impugnado, ao declarar incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 1'" da Medida Provisória n. 560/1994, divergiu manifestamente de outras decisões proferidas por outros tribunais, dando ensejo ao presente recurso pela alínea c do inciso IH do art. 105 da Lei Maior." (p. 8) (fls. 200/201).
Portanto, pede seja admitido o agravo de instrumento para o fim de
processamento do especial.
Em mesa, para julgamento.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator): Tenho que o presente agravo
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 39
não merece prosperar, em face das razões que sustentam o despacho agra
vado.
Com efeito, não há como se proceder ao controle de legalidade reque
rido vez que, ao que parece, nem a própria Recorrente sabe precisar qual dispositivo de lei infraconstitucional restou malferido. Defende, em suas
razões, a observância do § 1!l do artigo 2!l da Lei n. 8.688/1993, o que não
é cabível, eis que se trata de legislação fora de vigência desde a época da propositura do recurso especial. Quanto ao artigo 1!l da Medida Provisória n. 560/1994, sucessora legal da Lei n. 8.688/1993, insurge-se a Agravante contra a declaração incidente de sua inconstitucionalidade, situação diversa da negativa de vigência. Portanto, o inconformismo da parte não restou claramente exposto, prejudicando sobremaneira o conhecimento do
recurso interposto.
Ademais, pelo que se pode entender das razões recursais, pugna a Re
corrente pela aplicação de referida medida provisória, vez que tem força de
lei. Todavia, como exposto, a medida provisória em questão foi declarada inconstitucional em sede de controle concreto de constitucionalidade das
leis exercido pelo egrégio Conselho Especial do Tribunal a quo. A meu sen
tir, tanto a questão da inconstitucionalidade material de referida medida
provisória quanto a questão de suas sucessivas reedições sem a observância
do prazo nonagesimal, são de caráter eminentemente constitucional, deven
do ser examinadas pelo Excelso Pretório. Portanto, o objeto do recurso especial não se cinge à negativa de vigência de lei federal, mesmo que com ves
tes de medida provisória, mas sim ao exame da inconstitucionalidade da norma, cuja aplicação foi afastada no caso concreto com o controle incidente.
Saliente-se, em continuidade ao juízo de admissibilidade, que a Agra
vante interpôs recurso extraordinário concomitantemente ao especial, deixando, porém, de trasladar ao instrumento do agravo a prova de que foi in
terposto agravo de instrumento para o STF, a fim de ser apreciado o tema
constitucional abordado. Desta forma, aperfeiçoou-se a preclusão quanto à matéria constitucional, o que impede a própria admissibilidade do especial, com a incidência, in casu, da Súmula n. 126 deste colendo Tribunal.
Este tem sido o posicionamento das Primeira e Segunda Turmas des
te Superior Tribunal de Justiça. À guisa de exemplo, temos o REsp n. 57.314-SP, publicado no DJ do dia 11.3.1996, Ministro-Relator Peçanha
Martins e EREsp n. 16.630-SP, ReI. Min. Peçanha Martins, DJU do dia
15.5.1995, portando, este último, a seguinte ementa:
"Embargos de divergência. Recurso especial. Acórdão que decide
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questão apoiada em fundamento constitucional e infraconstitucional. Recurso extraordinário inadmitido sem agravo para o STF. Trânsito em julgado do fundamento constitucional. Inadmissibilidade do especial.
Não interposto agravo de instrumento da decisão denegatória do extraordinário, ocorre o trânsito em julgado do fundamento constitucional adotado pelo acórdão recorrido, suficiente, por si só, para mantê-lo, hipótese em que perde a especial eficácia, pois não pode, mesmo que provido, reformar o julgado recorrido, donde a sua inadmissibilidade.
Embargos recebidos."
Destarte, não tendo a Agravante em seus argumentos conseguido infirmar o referido entendimento, não vejo como reformar o decidido.
Isto posto, nego provimento ao agravo regimental.
É o meu voto.
MEDIDA CAUTELAR N. 1.930 - DF (Registro n. 99.0082587-0)
Relator: Ministro Francisco Falcão
Requerente: Edilson Hiroshi Endo
Advogados: Rodrigo Madeira Nazário e outro
Requerida: Fundação Universidade de Brasília - FUB
Advogado: Luiz Carlos de Souza
EMENTA: Administrativo - Ensino superior - Transferência de estudante servidor público.
1. Ao servidor, estudante ou pai de estudante, que mudar de
sede no interesse da Administração é assegurada, na localidade da nova residência ou na mais próxima, matrícula em instituição de
enSInO congênere, em qualquer época, independentemente de vaga.
2. Multiplicidade de precedentes jurisprudenciais.
3. Medida cautelar procedente.
RST], Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 41
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, de
cide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,
julgar procedente o pedido cautelar, na forma do relatório e notas taqui
gráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado. Votaram de acordo com o Relator os Srs. Ministros Garcia Vieira,
Humberto Gomes de Barros e José Delgado. Ausente, ocasionalmente, o Sr.
Ministro Milton Luiz Pereira. Custas, como de lei.
Brasília-DF, 20 de junho de 2000 (data do julgamento).
Ministro José Delgado, Presidente.
Ministro Francisco Falcão, Relator.
Publicado no DJ de 21.8.2000.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Francisco Falcão: Trata-se de medida cautelar ajuiza
da com o fito de atribuir efeito suspensivo a recurso especial, contra acórdão
que determinou o cancelamento da matrícula do Requerente na UnB.
A questão em comento decorre da transferência do Requerente, mili
tar do serviço ativo, em dezembro de 1996, da Base Aérea de Recife para
a 3;.1. Força Aérea, no Distrito Federal.
Na oportunidade, o Requerente freqüentava o Curso de Direito na
Faculdade de Direito de Olinda-PE, tendo requerido, junto à UnB sua
transferência, a qual, após ter sido negada, foi deferida através de liminar
junto à 17;.1. Vara Federal.
Não obstante, o Tribunal Regional Federal da 1;.1. Região reformou a
decisão da liminar em comento, razão pela qual o Requerente interpôs re
curso especial, e, finalmente a presente medida cautelar.
Nesta Casa de Justiça, este Relator indeferiu a pretensão liminar, ten
do, contudo, reformado sua decisão, fl. 66, determinando a rematrÍcula do
Requerente.
Contestação apresentada à fl. 72.
É o relatório.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
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VOTO
O Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator): A hipótese em tela está
configurada no art. 99 da Lei n. 8.112/1990, verbis:
"Art. 99. Ao servidor estudante que mudar de sede no interesse
da Administração é assegurada, na localidade da nova residência ou na mais próxima, matrícula em instituição de ensino congênere, em qual
quer época, independentemente de vaga.
Parágrafo único. O disposto neste artigo estende-se ao cônjuge ou
companheiro, aos filhos, ou enteados do servidor que vivam na sua
companhia, bem como aos menores sob sua guarda, com autorização
judicial."
Esta colenda Corte, em casos semelhantes, vem entendendo ser possÍ
vel a concessão de medida cautelar, para suspender execução de decisão ju
dicial.
Neste sentido, transcrevo os seguintes julgados, verbis:
"Administrativo. Ensino superior. Transferência de estudante ma
triculado em curso superior. Lei n. 4.024/1961 (art. 100). Lei n.
7.037/1982. Lei n. 8.112/1990 (art. 99).
1. Incontestada a mudança de domicílio para exercer específicas funções de cargo público e regular o ingresso, matrícula e freqüência
no curso superior, o estudante tem direito à transferência para unida
de do mesmo curso em universidade localizada em outro Estado-mem
bro.
2. Multiplicidade de precedentes jurisprudenciais.
3. Recurso provido." (REsp n. 152.800-PR, ReI. Min. Milton Pe
reira, DJ de 27.4.1998).
"Processual Civil. Medida cautelar. Efeito suspensIvo. Recurso especial. Servidor público. Estudante. Transferência.
1. Há de se considerar procedente medida cautelar para empres
tar efeito suspensivo a recurso especial que visa a modificar acórdão
que negou a servidor estudante o direito de continuar matriculada em
universidade sediada em seu novo local de trabalho, cargo público as
sumido em decorrência de concurso público.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
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2. Situação peculiar em que a servidora fez concurso público no
Estado de Alagoas para ingresso no serviço público federal do INSS,
cidade onde estudava, e que foi designada, por ato de autoridade, a
aceitar e tomar posse no referido cargo para o qual foi aprovada em
Florianópolis, Estado de Santa Catarina, tudo no ano de 1995.
3. Medida cautelar cujo pedido se tem como procedente." (MC
n. 939-SC, Relator Ministro José Delgado, DJU de 6.4.1998, p. 20).
Neste contexto, julgo procedente a presente medida, condenando a
Requerida ao pagamento das despesas judiciais e honorários advocatícios na
base de 20% sobre o valor da causa.
É como voto.
MEDIDA CAUTELAR N. 2.037 - SP (Registro n. 99.00977 540-5)
Relator: Ministro Milton Luiz Pereira
Requerente: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE
Advogados: Águeda Aparecida Silva e outros
Requerida: Sinasa S/A Administração, Participação e Comércio
Advogados: Andréa de Toledo Pierri e outros
EMENTA: Processual Civil - Salário-educação (Decreto-Lei n.
1.422/1975) - Compensação via tutela antecipada - Medida cautelar
- Efeito suspensivo agregado a recurso especial interposto - CPC,
artigos 796 e seguintes.
1. Bem avivados os requisitos exigidos à provisão acautelatória
durante o processamento do recurso interposto, sobreguardando a
utilidade e eficácia da via recursal eleita, o pedido merece as 10 as
da procedência. Andante, a compreensão pretoriana sedimentou o
descabimento da "compensação" via Zi-lninar ou sob a eficácia de tu
tela antecipada. É o som forte das razões que informaram a Súmula
n.212-STJ.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
44 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2. Precedentes jurisprudenciais.
3. Cautelar procedente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas,
decide a egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, julgar procedente o pedido, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votaram de acordo
com o Relator os Srs. Ministros José Delgado, Francisco Falcão e Hum
berto Gomes de Barros. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Garcia Vieira. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro José Delgado. Custas, como de lei.
Brasília-DF, 25 de abril de 2000 (data do julgamento).
Ministro José Delgado, Presidente.
Ministro Milton Luiz Pereira, Relator.
Publicado no DI de 1.8.2000.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira: O Requerente propôs a presente
ação cautelar, com pedido de liminar, fundada nos artigos 796 e seguintes do Código de Processo Civil, objetivando, "conferir efeito suspensivo ao re
curso especial interposto contra a decisão do Tribunal a quo, a qual contrariou a legislação federal e a jurisprudência dominante nas Cortes do País no que pertine à possibilidade de deferimento liminar em mandado de segurança ou em tutela antecipada para a compensação de tributos". (fl. 3).
Alega, primeiramente, que a jurisprudência desta Corte é favorável ao
cabimento de cautelar, para conferir efeito suspensivo a recurso especial. Aduz estarem presentes o fUIllUS boni juris e o periculuIll in Illora, por
entender "que os requisitos de liquidez e certeza dos créditos tributários
para que haja compensação, exigidos pelo Código Tributário Nacional, foram desconsiderados pela decisão colegiada" (fl. 5), bem como pelo fato de
que "o prejuízo derivado da compensação que vem sendo efetuada pela empresa desde o despacho do relator que apreciou o recurso de agravo de instrumento e conferiu efeito suspensivo ativo à decisão de la instância até o
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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURlv1A 45
trânsito em julgado da decisão de mérito será incomensurável e de difícil
apuração". (fl. 10).
Sustenta ainda que "o acórdão em tela, ao apreciar a questão que se
lhe apresentava para julgamento, desconsiderou a incidência da Súmula n.
212 deste Tribunal ('A compensação de créditos tributários não pode ser
deferida por medida liminar'), a qual aliás, constitui a orientação da maior
parte dos nossos tribunais, para os quais 'descabe concessão de liminar ou
de antecipação de tutela para compensação de tributos' (Súmula n. 45 do
TRF da 4ll. Região)." (fl. 6).
À fl. 68 proferi decisão assim circunstanciada:
"I - Aberto o pórtico do exame sumário, define-se ação com o
fito de soalhar o ' ... efeito suspensivo ao recurso especial interposto
contra a decisão do Tribunal a quo, a qual contrariou a legislação fe
deral e a jurisprudência dominante nas Cortes do País no que pertine
à possibilidade de deferimento liminar em mandado de segurança ou
em tutela antecipada para a compensação de tributos'. (fl. 3).
Com os limites de provisório juízo, sublinhando-se a finalidade
da cautelar, algemada ao âmbito protetivo processual, no sopro do
fUIllUS boni iuris, tem importância lembrar que a compreensão
jurisprudencial prevalecente não acolheu a possibilidade de provimento
liminar ou de solução cautelar para a colheita substancial da compen
sação (p. ex.: REsp n. 179.408-SP, REsp n. 121.315; Súmula n. 212-
STJ). Ora, a narrativa da inicial evidencia que o despique, ao qual se
pleiteia 'efeito suspensivo', voltou-se contra aresto constituído em agra
vo de instrumento provocado por decisão indeferitória de liminar de
antecipação de tutela em ação ordinária. (fls. 25 a 28 e 30 a 49). As
sim, caso deferida, aqui, a pretendida suspensão, via oblíqua, estar-se
ia autorizando a 'compensação' de créditos, abreviando-se o reconhe
cimento de direito desacolhido na cumeeira de liminar assentada em
provisão cautelar.
Desfigura-se, pois, a consubstanciação do bom direito.
No prumo do periculuIll in Illora, refulge que, se procedente
esta ação, ou, ao depois, provido o recurso especial, os efeitos do jul
gado serão ex tunc, ficando banida a possibilidade de ineficácia do
julgado.
Ordenadas as razões, sem a contemplação dos requisitos, conexos
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46 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ou aditivos e não alternativos e sem a configuração de situação excep
cional, indefiro a liminar (art. 804, CPC)."
Em sua contestação, a Requerida sustenta que "a fundamentação ado
tada pela Autora não se presta para a configuração do requisito do fUlllUS
boni iuris, eis que configura o próprio mérito da ação principal, o qual
sequer foi apreciado em P. instância". (fl. 79).
Disse também que "os efeitos da antecipação da tutela não está a pre
judicar a eficácia da decisão final a ser proferida no processo principal, nem
tampouco está causando prejuízo à autarquia, eis que, caso a mesma venha
a ser revogada na decisão final a ser proferida, a Ré deverá arcar com to
dos os ônus decorrentes de tal revogação." (fl. 80).
É o relatório.
VOTO
o SI. Ministro Milton Luiz Pereira (Relator): As anunciações proces
suais põem a lume proposição no firmamento de solução acautelatória agre
gando "efeito suspensivo" ao recurso especial interposto contra aresto
favorecedor de tutela antecipada para "compensação" de contribuição social denominada salário-educação (Decreto-Lei n. 1.422/1975).
Neste contexto, soa a conveniência de reportar que a causa de pedir tem
vertente originária nas razões do julgado no agravo de instrumento provo
cado por decisão indeferitória de liminar de antecipação de cautela em ação
ordinária (fls. 25 a 28 e 30 a 49), abreviando o reconhecimento do direito
à vindicada "compensação".
Sucedeu que, no interregno do processamento desta ação, outras iguais
foram julgadas e, à vista de manifestação do Excelso Supremo Tribunal Fe
deral averbando a constitucionalidade da contribuição questionada, con
cluindo a Turma, unanimemente, pela procedência do pedido. À mão de
conferência, inter alia, registra-se a fundamentação do v. acórdão, textual
mente:
"Em casos tais, pode ocorrer dano grave à parte, no período de
tempo que mediar o julgamento no Tribunal a quo e a decisão do re
curso especial, dano de tal ordem que o eventual resultado favorável,
ao final do processo, quando da decisão do recurso especial, tenha pou
ca ou nenhuma relevância:
RSTJ, Brasília, u. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 47
'Ao sistema todo interessa a efetividade do resultado do pro
cesso, isto é, interessa que as partes possam receber o resultado
do processo de modo que seja possível realizar as transformações
no mundo empírico que foram determinadas pela decisão judicial.
Se esta decisão (em sentido amplo) não servir para isso, de nada
terá adiantado a busca da tutela estatal.'
Firmado o convencimento acima anotado, identifico, no pedido
em apreciação, os pressupostos genéricos e específicos para a conces
são da liminar.
A certeza e a liquidez dos créditos são requisitos indispensáveis
para a compensação autorizada por lei, segundo o texto legal vigorante.
No presente caso, os créditos não são líquidos, porque dependem, tão
-somente, de valores de conhecimento da parte-autora, não sendo pos
sível aferir sua correção em sede de tutela antecipada.
Ao que se depreende do exame do processado, confundem-se os
pedidos liminar (antecipação da tutela) e definitivo, consistentes, a meu
pensar, identicamente, em facultar o direito da compensação postula
da. Há, portanto, insuficiência de elementos para a concessão da an
tecipação postulada.
De fato, o deferimento da liminar mostra-se com caráter de satis
fatividade, esgotando-se, assim, o mérito da demanda e seu objeto não
mais terá sentido, posto que concedido na íntegra.
Ao mais, a compensação de tributos via liminar em mandado de
segurança ou em ação cautelar, ou, ainda, em sede de antecipação da tutela, vem sendo desautorizada por este colendo Superior Tribunal de
Justiça ... "
( ... )
"Destarte, a fumaça do bom direito se faz presente. Caracteriza
do está, também, o periculuIll in Illora.
Penso que, numa situação assim, não seria próprio cogitar-se a
respeito de 'utilidade', para o provimento a ser entregue a final. E é
por isso que se pode concluir, repita-se, acerca da presença do fUIllUS
boni juris.
A busca pela entrega da prestação jurisdicional deve ser presti
giada pelo magistrado, de modo que o cidadão tenha, cada vez mais
facilitada, com a contribuição do Poder Judiciário, a sua atuação em
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
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sociedade, quer nas relações jurídicas de direito privado, quer nas re
lações jurídicas de direito público.
Todos os fundamentos referentes à fumaça do bom direito e ao
perigo da demora atinentes ao pretenso direito do Requerente estão
desenvolvidos, e a seu favor."
Eis a ementa:
"Processual Civil. Medida cautelar para atribuir efeito suspensivo
a recurso especial interposto. Salário-educação. Compensação pela via
da antecipação da tutela. Impossibilidade. Existência dos pressupostos
do fUIllUS boni juris e do periculuIll in Illora.
1. Medida cautelar intentada ao objetivo de atribuir efeito suspen
SIVO ao recurso especial interposto no Tribunal a quo e debate desen
volvido no curso da presente ação acerca da possibilidade de se com
pensar, através de antecipação da tutela, valores pagos a título de sa
lário-educação com parcelas vincendas da mesma exação.
2. O poder geral de cautela há que ser entendido com uma am
plitude compatível com a sua finalidade primeira, que é a de assegu
rar a perfeita eficácia da função jurisdicional. Insere-se, aí, sem dúvi
da, a garantia da efetividade da decisão a ser proferida. A adoção de
medidas cautelares (inclusive as liminares inaudita altera pars) é
crucial para o próprio exercício da função jurisdicional, que não deve
encontrar óbices, salvo no ordenamento jurídico.
3. O provimento cautelar tem pressupostos específicos para sua
concessão. São eles: o risco de ineficácia do provimento principal e a
plausibilidade do direito alegado (periculuIll in Illora e funlUs boni
iuris), que, presentes, determinam a necessidade da tutela cautelar e
a inexorabilidade de sua concessão, para que se protejam aqueles bens
ou direitos de modo a se garantir a produção de efeitos concretos do
provimento jurisdicional principal.
4. Em casos tais, pode ocorrer dano grave à parte, no período de
tempo que mediar o julgamento no Tribunal a quo e a decisão do re
curso especial, dano de tal ordem que o eventual resultado favorável,
ao final do processo, quando da decisão do recurso especial, tenha pou
ca ou nenhuma relevância.
5. Não se vislumbra presente o direito líquido e certo à tutela
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 49
antecipada, a fim de possibilitar a compensação almejada. Ao contrá
rio, tem-se por correto o seu indeferimento, visto que o art. 170 do
CTN estabelece certas condições à compensação de tributos, as quais
não se acham presentes no caso em apreço. A certeza e a liquidez dos
créditos são requisitos indispensáveis para a compensação autorizada
por lei, segundo o texto legal referenciado.
6. Créditos que não se apresentam líquidos, porque dependem, tão-somente, de valores de conhecimento da parte-autora, não sendo
possível aferir sua correção em sede liminar ou em antecipação da tu
tela.
7. Pacificação do assunto no seio jurisprudencial das Primeira e
Segunda Turmas do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o instituto da compensação, via liminar em mandado de segurança ou em
ação cautelar, ou em qualquer tipo de provimento que antecipe a tu
tela da ação, não é permitido.
8. O colendo Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a ADln n. 1.518-4, ReI. eminente Ministro Octávio Gallotti, decidiu: 'A medida
provisória ora impugnada, que altera a legislação que regeu o salário
-educação foi publicada no DOU de 20 de setembro de 1996, data em
que entrou em vigor. Na realidade, o que se quis, com a edição da referida medida provisória, foi consolidar a legislação já existente em
textos esparsos e garantir, em lei, o interesse social do Estado na ma
nutenção do ensino fundamental de cerca de 800.000 (oitocentos mil) alunos beneficiados pelo retro citado Sistema de Manutenção de Ensino - SME'.
9. Tais elementos, por si sós, dentro de uma análise superficial da matéria, no juízo de apreciação de medidas cautelares, caracterizam a
aparência do bom direito.
10. A busca pela entrega da prestação jurisdicional deve ser
prestigiada pelo magistrado, de modo que o cidadão tenha cada vez
mais facilitada, com a contribuição do Poder Judiciário, a sua atuação
em sociedade, quer nas relações jurídicas de direito privado, quer nas relações jurídicas de direito público.
11. Medida cautelar procedente." (MC n. 2.070-SP, ReI. Min.
José Delgado, julgada em 14.3.2000).
Encerrada a exposição, reanimando e incorporando a fundamenta
ção do precedente como fonte do convencimento, emprestando "efeito
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
50 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
suspensivo" ao aludido recurso especial, voto Julgando procedente o pedido
cautelar.
Honorários advocatícios fixados em 10% do valor dado à causa, de
bitados à responsabilidade da Ré.
É o voto.
MEDIDA CAUTELAR N. 2.123 - SP (Registro n. 99.0104321-2)
Relator: Ministro Francisco Falcão
Requerente: Círculo do Livro Ltda
Advogados: Mário Engler Pinto Júnior e outros
Requerida: Fazenda Nacional
EMENTA: Processual Civil - Medida cautelar para conferir efei
to suspensivo a recurso especial - Compensação dos prejuízos fis
cais - Falta dos requisitos autorizadores da medida.
1. Esta Corte somente vem deferindo a suspensão de decisão
de colegiado, com a perfeita constatação dos requisitos autorizadores
da cautela pretendida.
2. Medida cautelar improcedente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos, em que são partes as acima indicadas, de
cide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,
julgar improcedente a medida cautelar, na forma do relatório e notas
taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado. Votaram de acordo com o Relator os Srs. Ministros
Humberto Gomes de Barros, Milton Luiz Pereira e José Delgado. Ausen
te, justificadamente, o Sr. Ministro Garcia Vieira. Custas, como de lei.
Brasília-DF, 16 de maio de 2000 (data do julgamento).
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÉNCIA DA PRIMEIRA TURMA
Ministro José Delgado, Presidente.
Ministro Francisco Falcão, Relator.
Publicado no DI de 19.6.2000.
RELATÓRIO
51
o Sr. Ministro Francisco Falcão: Trata-se de medida cautelar ajuiza
da com o fito de atribuir efeito suspensivo a recurso especial ainda não in
terposto, contra acórdão que negou provimento à apelação do Requerente,
com o entendimento de que a compensação dos prejuízos fiscais apurados
em períodos-base anteriores a 1995 deverá obedecer ao limite de 30% im
posto pela Lei n. 8.981/1995 e art. 12 da Lei n. 9.065/1995.
Aduz o Requerente que possui o direito subjetivo, amparado pela le
gislação de regência, de realizar a compensação dos prejuízos fiscais aci
ma citados, sem a restrição observada.
Afirma que a ausência do provimento liminar poderá tornar inócuo o
recurso especial que será interposto.
O pedido liminar foi negado à fl. 64.
Contestação à fl. 69.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator): A hipótese em exame
gravita em torno da compensação dos prejuízos fiscais, apurados em exer
cícios anteriores, com o lucro tributável no ano-base de 1995 e períodos
subseqüentes, sem as restrições previstas na Lei n. 9.065/1995.
A matéria em questão seria trazida à tona por recurso especial, o qual,
no ajuizamento desta cautelar, ainda não havia sido interposto, e que o Re
querente procura emprestar efeito suspensivo a fim de impugnar o acórdão
proferido pelo Tribunal a quo.
Esta Corte somente vem deferindo a suspensão de decisão de cole
giado, com a perfeita constatação dos requisitos autorizadores da cautela
pretendida.
No caso vertente, verifico que não existe perigo algum para o processo
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
52 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
principal que, se reformado nesta Instância, levará a restaurar-se a perda
sofrida.
Neste contexto, julgo improcedente a presente medida, condenando os
Autores ao pagamento dos honorários advocatícios na base de 20% sobre o
valor da causa.
É como voto.
Relator:
Recorrente:
Advogado:
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 11.183 - PR
(Registro n. 99.0083884-0)
Ministro José Delgado
Carmen Lúcia Fernandes Miguel
Marcelo de Lima Castro Diniz
Tribunal de origem: Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
Secretário de Saúde do Estado do Paraná Impetrado:
Recorrido: Estado do Paraná
Advogados: César Augusto Binder e outros
EMENTA: Constitucional - Recurso ordinário - Mandado de se
gurança objetivando o fornecimento de medicamento (Riluzolj
Rilutek) por ente público à pessoa portadora de doença grave:
Esclerose Lateral Amiotrófica - ELA - Proteção de direitos funda
mentais - Direito à vida (art. 52., caput, CFj1988) e direito à saúde
(arts. 62. e 196, CFj1988) - Ilegalidade da autoridade coatora na exi
gência de cumprimento de formalidade burocrática.
1. A existência, a validade, a eficácia e a efetividade da Demo
cracia está na prática dos atos administrativos do Estado voltados
para o homem. A eventual ausência de cumprimento de uma for
malidade burocrática exigida não pode ser óbice suficiente para im
pedir a concessão da medida porque não retira, de forma alguma, a
gravidade e a urgência da situação da recorrente: a busca para ga
rantia do maior de todos os bens, que é a própria vida.
RST], Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 53
2. É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos, indistinta
mente, ó direito à saúde, que é fundamental e está consagrado na
Constituição da República nos artigos 62 e 196.
3. Diante da negativa/omissão do Estado em prestar atendimento à população carente, que não possui meios para a compra de medicamentos necessários à sua sobrevivência, a jurisprudência vem se fortalecendo no sentido de emitir preceitos pelos quais os necessitados podem alcançar o benefício almejado (STF, Ag n. 238.328-RS, ReI. Min. Marco Aurélio, DJ de 11.5.1999; STJ, REsp n. 249.026-PR, ReI. Min. José Delgado, DJ de 26.6.2000).
4. Despicienda de quaisquer comentários a discussão a respeito de ser ou não a regra dos arts. 62 e 196 da CF/1988, normas
programáticas ou de eficácia imediata. Nenhuma regra hermenêu
tica pode sobrepor-se ao princípio maior estabelecido, em 1988, na Constituição Brasileira, de que "a saúde é direito de todos e dever
do Estado" (art. 196).
5. Tendo em vista as particularidades do caso concreto, faz-se
imprescindível interpretar a lei de forma mais humana, teleológica, em que princípios de ordem ético-jurídica conduzam ao único desfecho justo: decidir pela preservação da vida.
6. Não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e sim,
considerá-la com temperamentos, tendo-se em vista a intenção do legislador, mormente perante preceitos maiores insculpidos na Carta
Magna garantidores do direito à saúde, à vida e à dignidade huma
na, devendo-se ressaltar o atendimento das necessidades básicas dos cidadãos.
7. Recurso ordinário provido para o fim de compelir o ente pú
blico (Estado do Paraná) a fornecer o medicamento Riluzol (Rilutek)
indicado para o tratamento da enfermidade da recorrente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao re
curso. Votaram de acordo com o Relator os Srs. Ministros Garcia Vieira, Humberto Gomes de Barros e Milton Luiz Pereira. Ausente, ocasionalmente,
o Sr. Ministro Francisco Falcão.
RSTI, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
54 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Brasília-DF, 22 de agosto de 2000 (data do julgamento).
Ministro José Delgado, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 4.9.2000.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro José Delgado: Carmen Lúcia Fernandes Miguel inter
põe recurso ordinário em mandado de segurança (fls. 96/106), com fulcro
no artigo 105, inciso 11, b, da Constituição Federal, contra acórdão (fls. 87/
90) proferido pelo 2" Grupo de Câmaras Cíveis do TJPR, cujos fundamentos
encontram-se resumidos na seguinte ementa (fl. 87):
"Administrativo. Mandado de segurança. Direito a tratamento de
saúde. Fornecimento de medicamento pelo Estado. Ausência de ilega
lidade ou abuso de poder. Denegação.
Não é abusiva ou ilegal a exigência da autoridade impetrada para
que a paciente, com direito a tratamento de saúde custeado pelo Es
tado, e se apresente para avaliação diagnóstica.
Desautorizada a concessão de segurança ante a não-apresentação
da paciente ao serviço de saúde pública. Inteligência do artigo 1" da
Lei n. 1.533/1951."
Historiam os autos que a ora recorrente impetrou mandado de segu
rança, com pedido de liminar, contra ato do Sr. Secretário de Saúde do
Estado do Paraná, enquanto autoridade responsável pela negativa/retarda
mento no fornecimento de medicamento essencial à saúde e preservação de
sua vida. Aduziu que, por ser portadora de Esclerose Lateral Amiotrófica
ELA (espécie de patologia que conduz à atrofia muscular progressiva, ca
racterizada pela degeneração das células da medula espinhal, causando le
sões aos neurônios motores inferiores e superiores e certos núcleos moto
res do tronco cerebral, levando à paralisia bulbar e, via de conseqüência, à insuficiência respiratória), necessita continuar tomando o único e exclusi
vo medicamento recomendado pela literatura médica capaz de retardar o
avanço da doença, denominado Rilutek (Riluzol).
A liminar não foi deferida (fl. 45).
Após a oferta de informações pela autoridade coatora (fls. 50/52),
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 55
ouviu-se o Ministério Públiço do Estado do Paraná (fls. 66/72), o qual opi
nou pela denegação da ordem.
O órgão fracionário do Tribunal a quo denegou a segurança sob o fun
damento de inexistência de direito líquido e certo a ser amparado por man
dado de segurança, reconhecendo não ser abusiva ou ilegal a exigência da
autoridade pública para que a Impetrante, com direito a tratamento de saúde
custeado pelo Estado, tivesse que se apresentar para submeter-se a exames
clínicos atualizados para averiguação de enquadramento nos parâmetros científicos nas condições enunciadas, ao que a mesma não atendeu, impos
sibilitando o oferecimento do tratamento de saúde.
N esta Instância, em sede de recurso ordinário, a Recorrente reafirma
a sua necessidade premente ao medicamento solicitado, alegando que a de
cisão do egrégio Tribunal a quo merece ser reformada, eis que:
a) o ofício-resposta (fl. 38) da autoria do Sr. Ouvidor-Geral da Secre
taria de Saúde do Estado do Paraná foi explícito ao afirmar ser necessária
a avaliação médica para saber se a paciente não estaria enquadrada nos cri
térios de exclusão do tratamento a fim de poder cadastrar a indicação para
auxiliar a eventual padronização do medicamento Riluzol por parte do SUS.
Assim, forçoso é reconhecer que a submissão da paciente ao referido exa
me clínico não teria como efeito imediato o fornecimento da medicação,
consoante pleiteado, mas, simplesmente, o cadastro da indicação no SUS;
b) não se pode olvidar a existência nos autos de três diagnósticos que
indicam, objetivamente, o remédio necessário para procrastinar os efeitos nefastos da Esclerose Lateral Amiotrófica - ELA, sendo que um deles pro
vém de médico ligado ao sistema público de saúde;
c) o direito à medicação preceituada pelos atestados médicos de fls.
18/22 trata-se de garantia constitucional elementar e fundamental de qual
quer ser humano que precisa, incontinenti, de uma resposta do Poder Judi
ciário para satisfazer uma pretensão que deveria ter sido atendida adminis
trativamente;
d) não restam dúvidas que o caso enfocado traduz em uma necessária
certeza e liquidez dos fatos pormenorizadamente declinados, na medida em
que a Impetrante foi submetida a três diagnósticos médicos e, ainda, a um
rigoroso exame de eletroneuromiografia, que conduziu à indicação do
Riluteh como única medicação apropriada para tratar a patologia diagnos
ticada;
e) apesar de haver outros direitos assegurados no art. 5'\ caput, da
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
56 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE]USTIÇA
CF/1988 - direito à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade -
há uma notória preponderância de valor a ser salvaguardado: o direito à vida.
O Estado do Paraná, em contra-razões (fls. 116/121), argumenta:
a) que, em momento algum, negou-se a prestar a devida assistência, co
locando-se à disposição da Recorrente para proceder à avaliação médica;
b) acaso a decisão impugnada tivesse sido tomada em sentido contrá
no, tentando amenizar a situação individual da Recorrente, acabaria por
desestabilizar a previsão orçamentária e o Estado de Direito, que requer a
independência dos Poderes, em completa afronta ao art. 2Q da CF/1988;
c) proceder ao inverso abriria espaço à punibilidade do administrador
no manuseio das verbas públicas sem a competente autorização, daí por que
inexiste inconstitucionalidade ou abuso de poder no ato manifestado pela autoridade apontada como coatora;
d) "se é certo que a saúde pública brasileira mais beira às portas dos
cemitérios do que a dos hospitais por descaso, negligência e imperícia dos
comandantes governamentais, não menos correto é afirmar da impossibili
dade de se transpor as regras constitucionais, sob pena de se decretar a falência institucional e anarquia dos Poderes" (fl. 121).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro José Delgado (Relator): Cinge-se a irresignação for
mulada contra entendimento firmado por acórdão de origem do Tribunal de
Justiça do Paraná que denegou mandado de segurança impetrado contra o
Secretário de Saúde daquele Estado.
O 1l1anda1l1us objetiva o fornecimento do medicamento denominado
Rilutek (Riluzol), preceituado pelos atestados médicos de fls. 18/22, à
Impetrante, portadora da doença Esclerose Lateral Amiotrófica - ELA.
O órgão fracionário do Tribunal a quo fundamentou-se nos seguintes
argumentos para repelir a pretensão:
a) inexistência de direito líquido e certo a ser amparado por manda
do de segurança;
b) ausência de comprovação científica de que o medicamento pleiteado
possui eficácia para curar a enfermidade, desservindo até como discreto
prolongador de sobrevida do paciente;
RST], Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 57
c) legalidade da exigência da autoridade coatora para que a Impetrante
se apresentasse perante o sistema público de saúde para submeter-se a exa
mes clínicos atualizados a fim de averiguação de enquadramento nos
parâmetros científicos nas condições enunciadas, ao que a mesma não aten
deu, impossibilitando o oferecimento do tratamento de saúde.
Após detido exame das questões fáticas e jurídicas delimitadas pela
controvérsia, penso assistir razão à Recorrente.
Em primeiro plano, destaca-se este quadro: a Recorrente é portadora de uma doença de altíssima gravidade (neurodegenerativa, progressiva e
irreversível), cuja única possibilidade de amenizar seus sinistros efeitos é através da indicação de Riluteh (Riluzol) como medicação apropriada para tratar a patologia, capaz de amenizar a progressão do mal e, portanto, in
dispensável à sua sobrevida.
Tratando-se, pois, de aquisição de medicamento indispensável à sobre
vivência da pessoa, o que está sendo negado pelo Poder Público nada mais é que o próprio direito à vida.
Sequer a liminar foi deferida a fim de assegurar o recebimento da
medicação até a decisão final porque entendeu o ilustre Desembargador que "a natureza do direito ora pleiteado, via mandamental, a implicar dispên
dio financeiro pelo Estado do Paraná, recomenda prévio pronunciamento do
Impetrado" Este despacho foi exarado há mais de um ano (7.1.1999) e resta a dúvida se, a esta altura, este recurso já não se encontra prejudicado pela
ausência prolongada do uso do medicamento pelo doente, podendo, inclusive, ter ocasionado situação irreversível.
De acordo com as informações da Associação Brasileira de Esc1erose Lateral Amiotrófica -Abrela, depois do início dos primeiros sintomas, a
média de sobrevida dos pacientes é de quatro anos. O óbito geralmente ocorre devido à insuficiência respiratória. Esta sobrevida pode ser aumen
tada, em meses, através do uso do medicamento Riluzol (Rilutek), que diminui a neuroexcitabilidade no sistema nervoso central, através do bloqueio
da ação do glutamato.
Portanto, sem o atendimento da medicação, pode já haver desapareci
do o próprio direito da Impetrante porque, ao aguardar a espera dos trâmites burocráticos que lhe foram impostos, os sintomas da doença já tenham
piorado ou, até mesmo, levado ao óbito, tornando, mais uma vez, inócua
uma prestação jurisdicional perseguida.
A autoridade impetrada, no bojo das informações que prestou, argumentou que (fls. 51/52):
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
58 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
"01) Não há comprovação científica de que o medicamento Riluzol, nome comercial Rilute!?@, possua eficácia para curar a Escle
rose Lateral Amiotrófica - ELA, a contrário senso, há um único estudo
do Sub comitê de Padrões de Qualidade da Academia Americana de
Neurologia, datado de abril de 1997, onde se informa que: 'O trata
mento sintomático de pacientes com ELA não se alterou pela adição
de Riluzol. O conhecimento da história natural da doença e estratégias de reabilitação que ajudam o paciente a evitar complicações do declínio inevitável de força motora continuam sendo a forma mais efi
caz de prolongar a qualidade da sobrevida. Representa um primeiro
passo no sentido de um tratamento para pacientes com ELA. Não existem dados para ajudar a prever como determinado paciente irá se be
neficiar do tratamento com Riluzol'.
02) Há um protocolo elaborado pela Sociedade Paranaense de
Ciências Neurológicas a pedido desta Secretaria para a utilização do
Riluzol como medicamento para Esclerose Lateral Amiotrófica. Tal
documento explica quais são as condições mínimas para a utilização
do remédio e, por outro, as condições de exclusão, ou seja, aquelas
condições onde a utilização do Riluzol não possui eficácia nenhuma, nem como discreto prolongador da sobrevida do paciente.
03) Por último, foi explicado ao DD. Ministério Público que a
paciente deveria ser submetida a exames clínicos atualizados e gratui
tos na estrutura do Sistema Único de Saúde para que fosse avaliado se a paciente enquadra-se ou não nas condições citadas acima.
Infelizmente, a Sra. Carmen Lúcia Fernandes Miguel não nos
procurou para realizar exames complementares e posteriormente rece
ber o medicamento e com isso impossibilitou aos SUS oferecer-lhe o
tratamento que lhe seria aplicável.
Deste modo, nos cumpre informar que, neste caso, não existiu qualquer ato arbitrário ou ilegal cometido por esta administração, a pa
ciente não atendeu às orientações desta Secretaria e com isso, sequer houve negativa ou omissão no fornecimento do medicamento. A ausên
cia de ato arbitrário ou ilegal a ser atacado por mandado de seguran
ça acarreta a carência da ação, pelo que não deve prosperar a presen
te ação."
Por sua vez, o acórdão do Tribunal a quo, nessa mesma trilha de ra
ciocínio, denegou a segurança. Os fundamentos declinados no r. voto-ven
cedor que conduziu o julgamento assim encontram-se postos (fls. 88/90):
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 59
"Não estão presentes os requisitos legais para a concessão da se
gurança pleiteada.
A Impetrante, dizendo-se portadora de Esclerose Amiotrófica, do
que fez prova, alega necessitar exclusivamente do medicamento Rilu
te!?, único capaz de retardar o avanço da doença.
Não tendo condições de comprá-lo, encontra-se dependente do
sistema de saúde pública, incumbindo ao Estado o dever de atendê-la.
Em tese, o direito invocado pela Impetrante é inquestionável.
Todavia, o caso em exame não apresenta os contornos objetivos
que autorizem reconhecer-se a existência de ato ilegal ou abuso de
poder por parte da autoridade impetrada.
Esta, nas informações prestadas, afirmou não haver:
'comprovação científica de que o medicamento Riluzol,
nome comercial Rilute!?, possua eficácia para curar a Esclerose
Lateral Amiotrófica .. .', existindo:
'um único estudo do Sub comitê de Padrões de Qualidade da
Academia Americana de Neurologia, datado de abril de 1997, onde
se informa que o tratamento sintomático de pacientes com a men
cionada doença não se alterou pela adição de Riluzol.'
Informou, ainda, que pediu estudo à Sociedade Paranaense de
Ciências Neurológicas quanto ao medicamento Riluzol, no qual foram
explicitadas:
'as condições mínimas para a utilização do remédio e ... as
condições de exclusão ... onde a utilização do Riluzol não possui
eficácia nenhuma, nem como discreto prolongador da sobrevida
do paciente.'
Disse ainda que informou ao Dr. Promotor de Justiça da comarca
da residência da Paciente-impetrante, que a mesma deveria apresentar
-se ao serviço público para submeter-se aos exames clínicos atuali
zados, sem ônus, para averiguação de enquadramento nas condições
enunciadas, ao que a mesma não atendeu, impossibilitando o ofereci
mento do tratamento de saúde.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
60 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ora, está evidenciado que não houve ilegalidade ou abuso de po
der, no procedimento da autoridade impetrada que, não se recusando
a fornecer o medicamento, tão-só deseja enquadrar o caso nos parâmetros científicos de validade de utilização do meio terapêutico.
Conseqüentemente, não se caracteriza o direito líquido e certo, a ser amparado pela via escolhida.
A propósito, leciona Alfredo Buzaid, in Mandado de Segurança, VoI. I, p.p. 87/88, Saraiva, 1989:
' ... O que, a nosso ver, esclarece o conceito de direito líquido e certo é a idéia de sua incontestabilidade, isto é, uma afir
mação jurídica que não pode ser séria e validamente impugnada
pela autoridade pública, que pratica um ato ilegal ou abuso de
direito. Ele tem, na realidade, dois pólos: um positivo, porque se
funda na constitucionalidade ou na lei; outro negativo, porque
nasce da violação da Constituição ou da lei. Ora, a norma cons
titucional ou legal há de ser certa em atribuir à pessoa o direito
subjetivo, tornando-o insuscetível de dúvida. Se surgir a seu res
peito qualquer controvérsia, quer de interpretação, quer de apli
cação, já não pode constituir fundamento para a impetração de
mandado de segurança.'
Assim, indemonstrada ilegalidade ou abuso de poder, é de de-
negar a segurança.
Acordam os integrantes do 2!l Grupo de Câmaras Cíveis do Tri
bunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos,
denegar a ordem impetrada."
Esclarecimentos sobre a doença e sua dimensão no Brasil podem ser
fornecidos pela Abrela - Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amio
trófica, uma entidade sem fins lucrativos, que tem como objetivo principal a conscientização da sociedade sobre a importância e emergência da doença
em nosso país:
"Laudo da Abrela - Associação Brasileira de Esclerose Lateral
Amiotrófica
Venho por meio desta, familiarizá-lo sobre um grave problema
que aflige várias pessoas em todo o Brasil e no mundo. Uma doença
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 61
neurodegenerativa, progressiva, irreversível, fatal, que afeta os neu
rônios que controlam os movimentos voluntários chamada ELA -
Esclerose Lateral Amiotrófica.
Estima-se a incidência desta doença no nosso país em 1 caso para
100.000 pessoas/ano.
Em um trabalho preliminar, no ano de 1998, catalogamos 531
pacientes portadores de ELA nos vários Estados brasileiros, predomi
nando a sua maior parcela no Estado de São Paulo.
Aqui no Brasil, estes pacientes são praticamente não assistidos.
Devido às limitações físicas inerentes da doença, afetando toda a mus
culatura estriada, incluindo-se a dos membros, da deglutição e da res
piração, os pacientes necessitam de cuidados diários e constantes.
Depois do início dos primeiros sintomas, a média de sobrevida
dos pacientes é de 4 anos. O óbito ocorre, geralmente devido à insu
ficiência respiratória.
Esta sobrevida pode ser aumentada, em meses, através do uso de
medicamento Riluzol (Rilutek) que diminui a neuroexcitabilidade no
sistema nervoso central, através do bloqueio da ação do glutamato.
Recentemente, médicos brasileiros preocupados com este grave
problema, entraram em luta contra esta terrível enfermidade, através
da fundação de uma associação - Abrela - Associação Brasileira de
Esclerose Lateral Amiotrófica. A Abrela é a primeira Associação Bra
sileira de Esclerose Lateral Amiotrófica, uma entidade sem fins lucra
tivos, que tem como objetivo principal a conscientização da socieda
de sobre a importância e emergência da doença no Brasil.
Entre outras finalidades, estaria a melhoria da qualidade de vida
dos portadores de ELA. Para que isso aconteça, dentre outras reco
mendações, os pacientes devem utilizar o remédio chamado Riluteh, fabricado pela Aventis Farma, na Irlanda e importado pela Rhodia
Farma, mas chega a um custo aos pacientes de R$ 1.188,47 (um mil
cento e oitenta e oito reais e quarenta e sete centavos), 56 cápsulas,
preço fornecido em 22.9.1999. Muitos não possuem condições para
realizar o tratamento, sendo a única esperança que possuem no mo
mento.
Nós da Abrela entramos numa luta para conseguirmos incluir este
medicamento, entre outros, na listagem de medicamentos gratuitos, no
Ministério da Saúde, necessários para o tratamento desta grave doença.
RST.J, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
62 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Agradecendo a atenção de V.S.", com a maior estima e apreço,
Dr. Acary Souza Bulle Oliveira, Presidente."
A argumentação desenvolvida pela autoridade coatora no sentido de
que "não há comprovação científica de que o medicamento Riluzol, nome
comercial Rilute!?, possua eficácia para curar a Esclerose Lateral Amiotrófica
- ELA" e que "há um único estudo do Sub comitê de Padrões de Qualida
de da Academia Americana de Neurologia, datado de abril de 1997" não
condiz com a realidade.
Há pesquii'as recentes sendo desenvolvidas mundialmente, encontran
do-se mobilizada a comunidade médico-científica para o estudo e divulga
ção de informações sobre a doença, as quais ratificam a prescrição do
Riluzol (Rilutek) como o único medicamento que, usado isoladamente, mos
trou-se parcialmente efetivo, permitindo o ganho de alguns meses de vida ao paciente, especialmente quando utilizado no início do aparecimento dos
sintomas. Confira-se o resumo do Congresso Internacional sobre ELA re
alizado em novembro de 1999 no Canadá:
"Congresso Internacional no Canadá/1999 sobre Esclerose Lateral
A mio trófic a
Notícias do Décimo Congresso Internacional de ELA - 13 a 17 de
novembro de 1999.
Anualmente, no mês de novembro, faz-se um Congresso Interna
cional somente para o estudo e o melhor entendimento da doença de
nominada Esclerose Lateral Amiotrófica ELA, considerada até o momento uma doença degenerativa, irreversível.
De 13 a 17 de novembro, a Abrela esteve representada, juntamente com outros 700 congressistas, no Décimo Congresso que aconteceu na
cidade de Vancouver, Canadá.
Os laboratórios envolvidos nesta jornada foram:
Amgem) Cephalon) Cytotherapeutics) Eli Lilly) Genentech) Guilford
Pharmaceuticals) Medtronic) Novartis) Par!? Davis) Regeneron) Rhone
Poulenc Roher e Sanofi.
Logicamente, como representante de uma Associação, a respon
sabilidade tornou-se muito maior, devido à necessidade de absorver to
das as informações que são pertinentes e importantes para uma melhor
orientação para aqueles que sofrem de ELA.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 63
Não é uma tarefa fácil passar para o papel, de uma maneira cla
ra e resumida, as principais conclusões desta jornada, omitindo-se, al
gumas vezes, informações que poderão ser importantes.
Para um melhor entendimento) procuramos resumi-las sob a forma de
tópicos:
Causa:
Até o momento, não se sabe a causa específica desta doença. Acre
dita-se em causas multifatoriais onde estariam envolvidos um compo
nente genético, a idade e algumas substâncias do meio ambiente. Não se conhece nenhum fator que predisponha à ELA. Ainda não é possí
vel prevenir o desenvolvimento da ELA.
Os experimentos em animais, como camundongos, alguns deles
com quadro clínico semelhante ao da ELA nos humanos, têm permitido entender melhor o porquê da maior vulnerabilidade à degenera
ção da célula localizada no corno anterior da medula nervosa. Parece
que a falta de uma proteína denominada parvalbumina é a chave es
sencial para este processo de morte celular.
Diagnóstico:
Nem sempre o diagnóstico é fácil. Cerca de 10% dos pacientes
têm o seu diagnóstico feito muito tardiamente. Ainda não há um exa
me específico para a realização do diagnóstico de ELA. Este é feito através de critérios de inclusão (características clínicas da doença), as
sociados com critérios de exclusão (exclusão de outras doenças que
mimetizam a ELA). A eletroneuromiografia, bem feita, nos quatro
membros, no tórax e na língua, continua sendo o exame mais impor
tante para o seu diagnóstico. Até o presente momento, não é possível
detectar pré-clinicamente a ELA.
Tratamento:
Os primeiros sintomas da doença aparecem quando há um com
prometimento de mais de 40% dos neurônios (célula nervosa) na re
gião anterior da medula nervosa. Sendo considerada, portanto, uma
doença degenerativa, progressiva, irreversível, o tratamento deve ser
instituído o mais precocemente possível, com o intuito de desacelerar
o processo de morte celular.
As medidas terapêuticas estão voltadas para a inibição das subs
tâncias que são consideradas como fatores estressantes para a célula,
como o glutamato, o superóxido desmutase, a caspase e o óxido nítrico,
RSTI, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
64 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
assim como centradas na utilização de substâncias que seriam consi
deradas protetoras para a célula, como a parvalbumina, a creatina, e a Heat Schoh Protein.
Propõe-se, portanto, a utilização de um verdadeiro cocluail tera
pêutico. A utilização isolada de uma única droga, não se mostrou fran
camente efetiva. O Riluzol (Riluteh) continua sendo o único medicamen
to que) usado isoladamente) mostrou-se parcialmente efetivo) permitindo o
ganho de alguns meses de vida) especialmente quando utilizado no início
de aparecimento dos sintomas.
Em resumo, preconiza-se a utilização diária de:
Riluzol (Rilutek)
Vitamina E
Coenzima Q10
Vitamina C
Creatina
Indocid
Dehidroepiandrosterona
Últimos trials:
100 mg
400 mg 2x
20 mg 2x
1,0 gramas
5,0 gramas
50 mg
200 mg
Nos anos 1998 e 1999 foram realizados dois trials terapêuticos
com inibi dores do glutamato, um utilizando a gabapentina (Neurontin) e o outro utilizando uma droga, ainda sem comercialização, registrada como Lys 300 164. Nenhum deles mostrou-se efetivo.
Propostas terapêuticas para um futuro próximo:
Inibidores da sintetização do óxido nítrico; Imunofilinas: uma
nova família de ligantes, que tem alta concentração no cérebro e fun
ção neuroprotetora; Parvalbumina.
Qualidade de Vida:
Não houve um consenso acerca do que realmente significa qualidade de vida, mas não restaram dúvidas que devem ser criadas ma
neiras de melhorá-la, especialmente no tocante aos aspectos respira
tórios, nutricionais, comunicação alternativa, fatores emocionais e éti
cos.
o uso de respirador doméstico é a melhor medida para aqueles
que não conseguem respirar. A nutrição através de gastrostomia
RST.J, Brasília, u. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 65
endoscópica percutânea, deve ser instalada o mais precocemente pos
sível, sendo fator decisório importante a perda de peso de mais de 10%.
Não deve ser realizada quando há comprometimento da capacidade
vital de mais de 50%. A comunicação alternativa através de computa
dores não é luxo, mas uma necessidade. A vontade dos pacientes deve
sempre ser respeitada.
Resumo:
Aparentemente, o que foi apresentado é muito pouco, mas se
olharmos para a história da doença denominada ELA, descrita pela
primeira vez em 1871, os últimos 5 anos trouxeram grandes mudan
ças no entendimento desta enfermidade.
O futuro parece encorajador, mas há muito para ainda ser feito.
Os próximos meses serão indubitavelmente amedrontadores, mas
nos próximos poucos anos, teremos os nossos problemas resolvidos,
com perspectiva de cura da ELA em 5 anos".
(Palavras de Andrew Eisen, Presidente do Congresso, registradas
em primeira página no Vancouver Sun, jornal de maior circulação da
cidade de Vancouver).
Conforme exposto no Congresso acima destacado "O Riluzol (Rilur:eh)
continua sendo o único medicamento que, usado isoladamente, mostrou-se par
cialmente efetivo, permitindo o ganho de alguns meses de vida, especialmente
quando utilizado no início de aparecimento dos sintomas ".
Porém, por tratar-se de pessoa carente, despojada de recursos financei
ros para efetuar a aquisição do medicamento de custo muito elevado - R$
l.188,47 (um mil, cento e oitenta e oito reais e quarenta e sete centavos)
- 50 mg, 4 x 14 - de acordo com a lista de preços da Revista ABC Farma,
da Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico para Farmácias, Dro
garias e Empresas do Setor (junho/2000, ano 8, n. 107, Portaria n. 37/1992)
- viu-se compelida a impetrar o presente lllandalllus, a fim de garantir o
tratamento inadiável.
A negativa do Estado do Paraná em atender ao pedido foi imediata,
implicando em risco de vida à Recorrente. Hoje, nas contra-razões ao re
curso ordinário interposto, as argumentações do Estado resumem-se nestes
pontos:
a) acaso a decisão do Tribunal de Justiça tivesse sido tomada em
RSTJ, Brasilia, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 200l.
66 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
sentido contrário, tentando amenizar a situação individual da Recorren
te, acabaria por desestabilizar a previsão orçamentária e o Estado de Di
reito, que requer a independência dos Poderes, em completa afronta ao art.
2!l. da CF/1988;
b) abriria-se espaço à punibilidade do administrador no manuseio das
verbas públicas sem a competente autorização, daí por que inexiste inconsti
tucionalidade ou abuso de poder no ato manifestado pela autoridade apontada como coatora;
c) transpor as regras constitucionais implicaria em se decretar a falên
cia institucional e a anarquia dos Poderes.
Penso que os argumentos articulados pelo Estado do Paraná, além de serem juridicamente inconsistentes, revelam o total desprezo por parte das
autoridades públicas encarregadas da saúde no País. O Estado-recorrido
preocupa-se, nitidamente, em contrapor-se à situação delineada nos autos com teses jurídicas de custosa credibilidade (desestabilização do Estado de
Direito; quebra orçamentária; anarquia dos Poderes; falência institucional)
para negar à ora recorrente o sagrado direito de sobrevivência.
Em situação similar, mas não de menor importância, em emérita de
cisão publicada no DJ de 11.5.1999, no Agravo de Instrumento n. 238.328-
RS, o Pretório Excelso colocou um ponto final no ato de Estados e muni
cípios esquivarem-se continuamente sobre quem deve prestar socorro ao
portador do vírus HIV, com o fornecimento de medicamentos necessários
à sua sobrevivência. As palavras do insigne Ministro Marco Aurélio mere
cem destaque:
"O preceito do artigo 196 da Carta da República, de eficácia
imediata, revela que 'a saúde é direito de todos e dever do Estado, ga
rantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igua
litário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recupera
ção'. A referência, contida no preceito, a 'Estado', mostra-se abran
gente, a alcançar a União Federal, os Estados propriamente ditos, o
Distrito Federal e os municípios."
A comemorada decisão, com certeza, é marco de vitória para todos
aqueles que necessitam de assistência médica e vivem ávidos pelo fim da
escassez de qualquer ação governamental. Eis o seu teor:
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 67
"1. O recurso extraordinário cujo trânsito busca-se alcançar foi
interposto, com alegada base na alínea a do permissivo constitucional,
contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, assim sintetizado:
'Administrativo. Direito à saúde. Fundamentos.
A Constituição Federal prevê ações programáticas para assegurar
à coletividade o direito à saúde) assim também ao indivíduo ao re
ferir que o direito é de todos. A saúde - ou doença - está no corpo)
impondo-se preservar a primeira) nas ações programáticas) e curar a
segunda) na atenção particularizada) fornecendo aos carentes os
medicamentos excepcionais) como os necessários ao tratamento da
Aids) como é de previsão legal (Lei n. 9.908/1993) neste Estado e
no País (Lei n. 9.913/1996).
Recursos desprovidos' (fl. 11).
O Município de Porto Alegre articula com o malferimento dos
artigos 196, 197 e 198 da Carta Política da República. Defende que os
preceitos contêm normas programáticas, dependendo de regulamenta
ção, não implicando a transferência, àquele ente da Federação, da obri
gação de fornecer os medicamentos especiais e excepcionais pleitea
dos. Evoca a Lei n. 8.913/1996, que atribui ao SUS a responsabilidade
pela distribuição de medicamentos necessários ao tratamento da Aids,
asseverando não prescindir de regulamentação o artigo 2.12, no que toca
ao financiamento das despesas. Afirma que, em face da autonomia dos
municípios, é inconstitucional o ato normativo federal ou estadual que
lhes acarrete despesa. Vai além, salientando que, mesmo que o citado
diploma não dependesse de regulamentação, não se poderia impor ao
ente municipal a obrigação sem que antes fossem estabelecidas as for
mas de repasse dos recursos. Alude, ainda, à Portaria n. 874, de 3 de
julho de 1997, oriunda do Ministério da Saúde, que atribui ao órgão
a responsabilidade pelos remédios específicos ao tratamento da Aids
(fls. 26 a 34).
O juízo primeiro de admissibilidade entendeu não configurada a
ofensa aos dispositivos indicados (fls. 53 a 57). O especial simultanea
mente interposto teve a mesma sorte do extraordinário, seguindo-se a
protocolação de agravo, desprovido no âmbito do Superior Tribunal de
Justiça (fls. 64 e 65).
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
68 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o Agravado não apresentou contraminuta (certidão de fl. 62).
Recebi os autos em P" de março de 1999.
2. Na interposição deste agravo, foram observados os pressupostos de recorribilidade que lhe são inerentes. A peça, subscrita por procuradora do Município, veio acompanhada dos documentos previs
tos no artigo 544, § 1'\ do Código de Processo Civil, e restou protocolada no prazo em dobro a que faz jus o Agravante.
O acórdão prolatado pela Corte de origem, da lavra do Desem
bargador Juraci Vilela de Sousa, surge harmônico com a Carta da República. Em primeiro lugar, consigne-se não ter sido objeto de deba
te e decisão prévios o fato de haver-se mencionado lei estadual para concluir-se pela responsabilidade não só do Estado, como também do
Município pelo fornecimento de medicamentos aos necessitados. O preceito do artigo 196 da Carta da República, de eficácia imediata, revela que 'a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido me
diante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações
e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação'. A referência, contida no preceito, a 'Estado' mostra-se abrangente, a alcançar a União Federal, os Estados propriamente ditos, o Distrito Federal e os municípios. Tanto é assim que, relativamente ao Sistema Único de Saúde, diz-se do financiamento, nos termos do artigo 195, com recursos do orçamento, da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, além de outras fontes. Já o caput do artigo informa, como diretriz, a descentralização das ações e serviços pú
blicos de saúde que devem integrar rede regionalizada e hierarquizada, com direção única em cada esfera de governo. Não bastasse o parâmetro constitucional de eficácia imediata, considerada a natureza,
em si, da atividade, afigura-se como fato incontroverso, porquanto registrada, no acórdão recorrido, a existência de lei no sentido da obrigatoriedade de fornecer-se os medicamentos excepcionais, como são os concernentes à Síndrome da lmunodeficiência Adquirida (Sida!
Aids), às pessoas carentes. O Município de Porto Alegre surge com responsabilidade prevista em diplomas específicos, ou seja, os convê
nios celebrados no sentido da implantação do Sistema Único de Saúde, devendo receber, para tanto, verbas do Estado. Por outro lado, como bem assinalado no acórdão, a falta de regulamentação munici
pal para o custeio da distribuição não impede fique assentada a res
ponsabilidade do Município. Decreto visando-a não poderá reduzir, em
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 69
si, o direito assegurado em lei. Reclamam-se do Estado (gênero) as
atividades que lhe são precípuas, nos campos da educação, da saúde e da segurança pública, cobertos, em si, em termos de receita, pelos pró
prios impostos pagos pelos cidadãos. É hora de atentar-se para o ob
jetivo maior do próprio Estado, ou seja, proporcionar vida gregária se
gura e com o mínimo de conforto suficiente a atender ao valor ati
nente à preservação da dignidade do homem.
3. Pelas razões supra, ressaltando, mais uma vez, que, ao invés de
conflitar com os artigos 196, 197 e 198 da Constituição Federal, o acórdão atacado com eles guarda perfeita afinidade, conheço do pedido
formulado neste agravo, mas a ele nego acolhida.
4. Publique-se."
Na mesma linha, este Superior Tribunal de Justiça, através de sua
Primeira Turma, por ocasião do julgamento do Recurso Especial n.
249.026-PR, de minha relatoria, publicado no DJ de 26.6.2000, à una
nimidade, abriu precedente para permitir o levantamento do FGTS
para tratamento de familiar portador do vírus HIV em homenagem aos
princípios constitucionais garantidores do direito à saúde, à vida e à
dignidade humana. Confira-se:
'FGTS. Levantamento. Tratamento de familiar portador do vírus
HIV. Possibilidade. Recurso especial desprovido.
1. É possível o levantamento do FGTS para fins de tratamento de
portador do vírus HIV, ainda que tal moléstia não se encontre elencada
no artigo 20, XI, da Lei n. 8.036/1990, pois não se pode apegar, de
forma rígida, à letra fria da lei, e sim considerá-la com temperamen
tos, tendo-se em vista a intenção do legislador, mormente perante o
preceito maior insculpido na Constituição Federal garantidor do di
reito à saúde, à vida e à dignidade humana e, levando-se em conta o
caráter social do Fundo que é, justamente, assegurar ao trabalhador o atendimento de suas necessidades básicas e de seus familiares.
2. Recurso especial desprovido."
Divaga o Estado ora recorrido ao sustentar que a concessão da segurança, no presente caso, implicaria na "desestabilização" do Estado de Di
reito e "inconstitucionalizaria" a previsão orçamentária do ente público (fls.
116/121) .
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
70 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
É inadmissível também o argumento desenvolvido no sentido de que
foi em virtude do fato da Recorrente não ter se apresentado perante órgão
de saúde pública para colocar-se à disposição de uma nova avaliação mé
dica que não recebeu o tratamento almejado, o que, conseqüentemente, re
vestiu de legalidade o ato negativo da autoridade coatora.
A eventual ausência de cumprimento de uma formalidade burocrática
exigida não pode ser óbice suficiente para impedir a concessão da medida
buscada pela Impetrante porque não retira, de forma alguma, a gravidade
e a urgência na sua situação: a busca para garantia do maior de todos os
bens, que é a própria vida.
Despicienda, ainda, de quaisquer comentários a discussão a respeito de
ser ou não a regra dos arts. 6il e 196 da CF/1988, normas programáticas ou
de eficácia imediata. Nenhuma regra hermenêutica pode sobrepor-se ao
princípio maior estabelecido, em 1988, na Constituição Brasileira, de que
"a saúde é direito de todos e dever do Estado" (art. 196).
o "direito à saúde" posiciona-se no rol dos Direitos Sociais (art. 6il),
encontrando-se alinhado, lado a lado, com outros direitos da mesma natu
reza: a educação, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência, a proteção
à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.
É apontado, ainda, em várias outras partes:
- art. 6il ("É direito social a saúde");
- art. 7il, XXII ("É direito do trabalhador a redução dos riscos ine-
rentes ao trabalho, por meio de normas de saúde");
- art. 23, II ("É competência comum da União, dos Estados, do Dis
trito Federal e dos municípios cuidar da saúde");
- art. 24, XII ("Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal
legislar concorrentemente sobre a defesa da saúde");
- art. 30, VII ("Compete aos municípios prestar, com a cooperação téc
nica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da
população") :
- art. 196 ("A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação");
- art. 197 ("São de relevância pública as ações e serviços de saúde,
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 71
cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamen
tação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado");
- art. 198 ("As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. Parágrafo único. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, além de outras fontes);
- art. 199 ("A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § I!;). -
As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. § 2!;). - É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos. § 3!;). - É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei. § 4!;). -A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e
tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização");
- art. 200 ("Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: I - controlar e fiscalizar procedimentos, produ
tos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; III - ordenar a formação de recursos hu
manos na área de saúde; IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico; VI - fiscalizar e inspecio
nar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho").
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereíro 2001.
72 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Pelo conteúdo dos autos, depara-se facilmente que é salutar o direito
líquido e certo pleiteado.
A existência, a validade, a eficácia e a efetividade da Democracia está
na prática dos atos administrativos do Estado voltados para o homem. Na
medida em que a autoridade coatora se omite de tomar uma decisão ou de
oferecer algum encaminhamento para a questão, dúvida não remanesce de
que, sob tal prisma, está violando direito líquido e certo do Impetrante.
A doutrina, de modo eloqüente, vem defendendo a prioridade do res
peito à dignidade da pessoa humana na interpretação das disposições cons
titucionais atinentes aos preceitos maiores.
O renomado jurista Ives Gandra Martins, ao comentar o art. 196 da
Constituição Federal, ponderaI:
"O art. 196 é uma excelente carta de princípios absolutamente
divorciada da realidade brasileira.
Se há princípios programáticos na Constituição Brasileira, ne
nhum deles bate aqueles expostos no art. 196.
A primeira parte do discurso é comovente. 'A saúde é direito de
todos e dever do Estado'. Sem chegar à ironia de Roberto Cam.pos,
que espera não morrer depois de 1988, porque sua saúde está garan
tida, ou de Roberto Vida! da Silva Martins, que considera suas do
res de cabeça inconstitucionais, porque a saúde é direito de todos, o
certo é que o acesso à assistência médica e hospitalar no País é um di
reito de poucos brasileiros, estando alijada grande parte da população
do exercício de tal direito. Por outro lado, esse dever o Estado não
cumpre, quer através da União, quer dos Estados e da grande maio
ria dos municípios.
Na continuação, o constituinte explicita a ação do Estado, que
deve manter o acesso de todos ao bem-estar físico e à assistência mé
dica e hospitalar 'mediante políticas sociais e econômicas', políticas
estas cuja faceta a sociedade conhece apenas pelo aumento da carga tri
butária, como ocorreu com a instituição da Cofins cumulativa e da
CPMF. O então Ministro Adib Jatene defendeu a oneração da produção
brasileira, por meio desses tributos cumulativos que punem o produtor
1. Comentários à Constituição do Brasil, Ed. Saraiva, 8"" voI., 1998, p.p. 110/113.
RSTJ, Brasília, a. 13, (13S): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURNIA 73
nacional e beneficiam o estrangeiro que exporta para o País, para obter
melhor 'performance' para seu Ministério. À evidência, o povo tem
suportado o aumento de carga tributária, mas os serviços continuam péssimos.
Tais políticas, todavia, deveriam reduzir o 'risco de doença e de outros agravos', outro desiderato que há nove anos o Brasil espera al
cançar, pois tem havido sensível aumento de doenças - inclusive com o retorno de algumas que já haviam sido erradicadas - e de outros
agravos na população, sem política governamental alguma para reduzir tais desconfortos.
A Folha de São Paulo de 8 de julho de 1997 apontou dado assustador: o brasileiro sofre mais porque consome quinhentas vezes menos analgésicos do que os americanos, tendo já se acostumado com o sofrer, à falta de medicamentos ou de aconselhamento médico ade
quado.
Por fim, tais 'políticas' deveriam objetivar o acesso universal e
igualitário às ações e serviços do governo, para que a saúde da população seja promovida, protegida e recuperada. Tanto a promoção quanto
a proteção nessa área dependem de que sejam recuperados os instrumentos de atuação do Estado, degradados nos últimos tempos, assim como da elaboração de estratégia para a recuperação dos doentes.
Quem lê o art. 196 tem a impressão de que o País está acima das demais nações no que diz respeito à saúde, tanto nas ações profiláticas quanto naquelas de recuperação dos doentes. Quem vive a realidade da
grande maioria da população brasileira menos favorecida percebe quão
distante está o sonho do constituinte da prática dos detentores do poder."
Wladinlir Novaez, citado por Ives Gandra Martins, na obra suso
referida, escreve:
"De todos os três instrumentos constitucionais da seguridade so
cial, o da saúde surpreende pela extensão da disciplina. São cinco artigos (196/200), programáticos, bem-intencionados, uma verdadeira carta de propósitos, elevados, raramente dispositivos, nem todos auto-aplicáveis, aceitáveis, em suma, deixando livre o legislador ordinário
para fixar ao Estado e à iniciativa privada as medidas conducentes a
uma futura sistematização do sistema nacional de saúde.
Não é estatizante nem privatizante, embora unifique a direção e
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
74 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
descentralize as atividades, visando a um sistema único em relação à
União, Estados e municípios, com a participação da administração e
do administrado." (A Seguridade Social na Constituição Federal, 211
ed., LTr, 1992, p. 91).
E Jorge Miguel, também referenciado, colabora:
"A promoção da saúde, sua proteção e recuperação são deveres do
Estado. O acesso às ações que garantem a promoção, a proteção e a
recuperação da saúde, é universal e igualitário. Universal, porque obri
ga a todos, sem exceção; igualitário, porque as ações não se comovem
com a diversidade do segurado. Para garantir a saúde ou recuperá-la,
todos recebem o mesmo tratamento. Para atingir estes objetivos, o sis
tema será único, ainda que em convênio com entidades privadas. O
Brasil, diferente de alguns países europeus, não socializou a medici
na, já que no artigo 199 a assistência à saúde é livre, reservada tam
bém à iniciativa privada." (Curso de Direito Constitucional, 211 ed.,
Atlas, 1991, p. 299).
Por último, a referência a Victor Rosine:
"O sistema nervoso proporcionador de todas as funções corporais
é, por sua vez, governado pelo pensamento vigorosamente mantido.
Quando o espírito concentra as suas energias, como o general no cam
po de batalha distribui suas forças, que nesse caso é o nosso corpo,
todas as células recebem a ajuda vital que o espírito lhes envia; e há
êxito, influência e saúde.
Não devemos julgar que nossas células são inconscientes e agem
de forma mecânica. Elas são entes que obedecem às ordens que lhes
transmitimos, encaminhando nosso corpo para a tão desejada saúde ou
para a doença indesejável." (Saúde, Ed. Martin Claret, 1995, p.p. 41/
42).
In Comentários à Constituição de 1988 (Ed. Forense Universitária, 211
ed., vol. VIII), o mestre J. Cretella Jr. nos dignifica com os seus ensina
mentos:
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 75
"A perfeita harmonia dos órgãos e das funções que, no conJun
to, formam a vida humana recebe o nome de saúde: a lesão de um ór
gão e a conseqüente perturbação das funções constituem o estado de doença. Do organismo humano em relação com suas condições psico
lógicas e patológicas ocupam-se as ciências médicas.
Durante longo tempo estas ciências, restringindo-se a limites es
treitos, contentaram-se em considerar a cura das várias doenças mani
festadas no organismo humano, sem a menor preocupação em preve
ni-las, e impedir-lhes a difusão de um a outro indivíduo, mas no presente século a situação sofreu radical transformação. Profundo exame das relações existentes entre as variadíssimas condições do ambiente
externo e a vida das pessoas e o conseqüente incremento das doutri
nas biológicas demonstraram de maneira clara que a sanidade das condições externas tem grande influência sobre a harmonia da vida do corpo e, deste modo de considerar os fatos, nasceu novo ramo das ciên
cias naturais que tomou o nome de Ciência da Saúde, como batizaram os alemães (Gesundheitslehre), ou Higiene, como o denominaram os franceses (Hygiene), com base na etimologia grega. Apresenta esta ciência muitos pontos de contato com a medicina, mas dela difere sob
muitos aspectos, sendo uma conquista da época moderna haver delimitado o respectivo campo de estudo de uma e de outra, de tal modo
que entre ambos não é mais possível nenhuma confusão (cf. F. Call1llleo, Sanità Publica, e Primo Trattato, de Orlando, 1905, vol. IV,
2;.1. parte, p. 213 e L. Stein, La Scienza della Pubblica Amministrazione,
p.p. 602/603).
Ora, como acentua Zanobini, nenhum bem da vida apresenta tão claramente unidos o interesse individual e o interesse social, como o
da saúde, ou seja, do bem-estar físico que provém da perfeita harmo
nia de todos os elementos que constituem o seu organismo e de seu
perfeito funcionamento. Para o indivíduo, saúde é pressuposto e condição indispensável de toda atividade econômica ou especulativa, de
todo prazer material ou intelectual. O estado de doença não só constitui a negação de todos estes bens, como também representa perigo, mais ou menos próximo, para a própria existência do indivíduo e, nos
casos mais graves, a causa determinante da morte. Para o corpo social a saúde de seus componentes é condição indispensável de sua conser
vação, da defesa interna e externa, do bem-estar geral, de todo progresso material, moral e político. As pessoas doentes representam
ônus e perigo contínuo para a sociedade: ônus, na medida em que não
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
76 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
lhe trazem nenhuma contribuição de trabalho e exigem cuidados e as
sistência que comprometem meios econômicos e atividades de outras
pessoas; perigo, pela possibilidade da propagação da doença a outras
pessoas e, em alguns casos, à propagação rápida, de caráter epidêmi
co (cf. Zanobini, Carso, V, p. 59).
Cabe ao Estado impedir que as doenças se propaguem para que
os males de alguns não venham a destruir a sociedade inteira. Daí, as
medidas de vigilância sanitária e epidemiológica (art. 200, II), de com
petência do sistema único de saúde (art. 200, caput)."
Por derradeiro, merece ser citado o jurista Ronaldo Sim.ão (Advoga
do no Rio de Janeiro, membro do Ministério Público Estadual aposentado)
em Temas de Saúde em Direitos Individuais e Coletivos: Espaços Abertos
ao Judiciário (Doutrina Adcoas, n. 3, marçol1999, ano II p.p. 59/63):
"A delicada questão da saúde, seja como direito individual, seja
coletivo, e a celeuma provocada por suas demandas, irresolvidas, ou
apenas parcialmente solucionadas, caracterizam de modo marcante o
momento social vivido neste vertiginoso processo social de transfor
mação.
Considerando tal circunstância, pretendemos produzir esta abor
dagem tão-somente como oferta de subsídio para visões diferenciadas
de discussão, sob algum aspecto específico em que o Judiciário vem
demonstrando pronunciamentos, em linha de coordenação coerente, na
solução de conflitos na matéria.
Partimos do suposto de que saúde, pessoal ou pública, constitui
faceta das mais significantes do universo conhecido genericamente
como cidadania.
Tanto assim é que o tema merece tratamento exaustivo no texto
constitucional, ali se encontrando, com certa facilidade, mais de cin
co dezenas de referências.
Pois, já de pronto em seu art. 62, dispôs a Constituição Federal:
'S ão direitos sociais a educação) a saúde) o trabalho) o lazer)
a segurança) a previdência social) a proteção à maternidade e à in
fância) a assistência aos desamparados) na forma desta Constitui
ção.'
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 77
Por seu turno, o art. 712., visando ao objetivo de melhoria da con
dição social do trabalhador, estabeleceu-lhe específicos direitos, den
tre os quais, ao dispor, no inciso IV, sobre a questão salarial, fê-lo para
garantir atendimento das necessidades de moradia, alimentação, educação, saúde e lazer, dentre outros itens tidos por absolutamente es
senciais.
De grande vulto são as requisições de atendimento destas deman
das e isto se reconheceu pelo constituinte que, no art. 196, assegurou:
'A saúde é direito de todos e dever do Estado) garantido me
diante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações
e serviços para sua promoção) proteção e recuperação ... )
Seguem-se outros dispositivos detalhando temas de relevância pública para as ações e serviços de saúde, estabelecendo competência ao Poder Público para legislar sobre sua regulamentação, fiscalização, controle e execução, seja a procedida diretamente ou através de terceiros, bem como igualmente aquela exercida por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Abrangeu-se, desta forma, todo o universo da sociedade, com óbvia preponderância do setor público, para o desenvolvimento das ações e serviços de saúde, passando a integrar uma rede regionalizada e
hierarquizada, constituída em sistema único, organizado de acordo com
as diretrizes expostas no art. 198:
'I - descentralização, com direção única em cada esfera de
governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as ativida
des preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.'
o financiamento do sistema vem abrangido prioritariamente pela competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, nos termos do art. 23, VII.
Para evitar amplificação, incabível nos limites deste trabalho,
consideramos, em visão focal, que os aspectos referentes à seguridade social merecem especial destaque pelo quanto representam como parte
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
78 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
integrante e essencial do exercício de cidadania, ainda que a sociedade brasileira demonstre por vezes estar nos primórdios dos adestramen
tos necessários a tal finalidade (diferentemente, por exemplo, da sociedade norte-americana, em que o social security card chega a cons
tituir documento essencial para a prática de atos triviais diários do cidadão comum ... ).
Cabe, desta forma, referenciar o universo compreendido pelo sistema da seguridade social, estabelecido no art. 194 da Lei Magna,
como um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saú
de, à previdência e à assistência social.
Embora aspectos do sistema de seguridade social não esgotem, como já visto, o tratamento constitucional das questões ligadas à saú
de, força é convir, principalmente em face dos termos do dispositivo supra, na adequação de algum alongamento mais, ainda escapando dos objetivos deste texto a tentativa de fazê-lo de forma inteiramente or
denada e completa.
Daí que os destaques aqui se fazem de forma esparsa, apenas para vocacionar o objetivo de encaminhar adequadamente um ou dois espe
cíficos pontos; que podem merecer adiante algum detalhamento.
Veja-se, então: o parágrafo único do citado art. 194 determinou competência ao Poder Público, nos termos da lei, para prever a organização da seguridade social (e, por via de conseqüência, a instrumentalização do pleno exercício do direito à saúde), com base em determinados princípios, pormenorizando-lhe os objetivos.
Poderíamos, assim, enunciar tais princípios como sendo os da universalidade, uniformidade, seletividade, irredutibilidade, eqüidade, diversidade, e, finalmente, o caráter democrático do sistema.
O princípio da universalidade destina-se a assegurar a mais plena garantia de cobertura e atendimento; o segundo (uniformidade), à equivalência dos benefícios e serviços eventualmente prestados às populações urbanas e rurais; e o terceiro, à distributividade na prestação dos benefícios e serviços.
Por seu turno, a manutenção, ao longo do tempo, do real valor dos benefícios teria guarida no princípio da irredutibilidade, sendo igualitária, tão quão possível - e obedecido o essencial de respeito aos diferentes - a participação social no custeio do sistema e em sua base
de financiamento, corporificando aqui a eqüidade e a diversidade.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 79
Finalmente, a importante referência ao caráter democrático do
sistema, que, visando à descentralização da gestão administrativa, re
sulta na convocação à participação, em somatório de esforços, da co
munidade, trabalhadores, e particularmente empresas.
Vamos agora nos ater a algumas concretas aplicações destes prin
cípios, na forma aqui enunciada, em pronunciamentos de órgãos do
Judiciário ao dirimir conflitos referentes a questões de saúde.
Assim se deu recentemente, quando o Tribunal de Justiça do Es
tado do Rio de Janeiro veio a pronunciar decisão em lide envolvendo
o Poder Público estadual em face de número significativo de pleitean
tes, em reivindicação referente a tema de saúde coletiva, de pronun
ciada atualidade.
Refiro-me à querela em que entidades de defesa e cidadãos por
tadores do vírus da imunodeficiência humana pretenderam compelir o
órgão governamental específico ao fornecimento gratuito e sistemáti
co dos medicamentos desenvolvidos recentemente - depois populari
zados sob a genérica denominação de coquetéis e que levaram à
cronificação da doença, estendendo, a princípio ilimitadamente, a
sobrevida dos soropositivos.
A ação, ainda em forma de medida cautelar, foi proposta origi
nariamente frente ao Juízo Fazendário, que, tendo deferido liminar
mente a pretensão, obrigou o Poder Público ao fornecimento dos me
dicamentos ao universo dos solicitantes.
Esta circunstância levou a Procuradoria do Estado a produzir
agravo de instrumento, em que, em face da intervenção obrigatória do
Ministério Público, a nós coube formular o parecer cabível, afinal aco
lhido unanimemente pelo Tribunal.
Na peça em questão, que encaminhou a decisão judiciária, fize
mos destacar a análise de plausibilidade do direito invocado no pro
cesso, na seguinte forma:
'N ecessário, para tanto, que se analise, com absoluta prio
ridade, a plausibilidade do direito invocado pelos agravados e a
concretude do risco decorrente de sua imediata instrumenta
lização.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
80 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Quanto ao primeiro dos requisitos apontados, temos a con
siderar que os direitos ameaçados, e cuja integridade se preten
de resguardar pelo procedimento cautelar, constituem a vida e a
saúde dos agravados, acometidos de doença potencialmente letal.
O só enunciado deixa patente que se tratam de bens, cuja
proteção constitui direito fundamental assegurado na Constitui
ção (arts. 5'\ caput, e 6!l.), cometido ao Estado o respectivo de
ver assecuratório, art. 196.
Não bastassem os princípios insculpidos na Carta Magna,
ainda que considerados como ideais de permanente e continuada
persecução (ou proposição constitucional ineficaz como ousado
por alguns ... ), inegável é que, no que se refere à imunodefi
ciência humana adquirida, os princípios da Lei Magna, como
acentuado pelos litigantes, têm editados regulamentos próprios,
especificadamente a Lei n. 9.313/1996 e a malsinada portaria
mencionada pelo agravante.
Diz-se - e reafirma-se - malsinada, pelo evidente contra
-senso representado pela edição de textos burocráticos enumera
tivos, jamais nUIllerus c1ausus em matéria em que a pesquisa se
desenvolve mundialmente, mobilizando milhares de cientistas e
técnicos, mediante dispêndios de importâncias astronômicas das
mais variadas fontes, governos, entidades não governamentais e
supragovernamentais, além de corporações transnacionais.
Quer isto significar que os avanços da pesquisa se fazem a
passos gigantescos e em porções mínimas de tempo, com o lan
çamento, em escala experimental e comercial, de novas drogas
tendentes à solução dos desafios postos à capacidade humana.
Resta óbvio, assim, que não seria razoável esperar que a bu
rocracia pudesse fazer-se ágil a ponto de se pôr em dia, a cada
dia, com as inovações da pesquisa, daí que as enumerações con
tidas na portaria invocada pelo Estado devem ser tidas como mera
declaração de intenções, sendo de inteira desvalia a sua invoca
ção para os fins colimados.
Questão subsiste, ainda quanto à temática do bom Direito,
cuja abordagem se afigura inevitável.
Trata-se do tanto que pertine ao microuniverso dos so
licitantes - apenas uns poucos em um universo tão numeroso.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 81
Pode-se, sem dúvida, de um lado, cogitar da carência de recursos
a resultar a estes um pretenso privilégio assistencial, em detrimen
to de milhares de outros, igualmente carentes e portadores de
mesma infestação.
Ocorre, contudo, que subtrair ao solicitante o direito por ele
pleiteado, que, como visto, é inegável e está assegurado na Cons
tituição e nas leis, constituiria, não só em negativa de vigência aos
textos, como, igualmente, em incompreensível aval para difi
culdades decorrentes, as mais das vezes, de limitações de diver
sas ordens nas capacidades de governo.
Por outro lado, não se pode olvidar que o Judiciário cons
titui o Poder cuja ação se faz estritamente mediante provocação,
descabendo, assim, inteiramente, invocar os não exercentes como
justificação, aparentemente tíbia, para a negativa do direito dos
pleiteantes.
Já no que se refere ao que nos habituamos a conhecer como
periculum in mora, basta, para sua constatação, ter bem cien
te a circunstância de que, inerme o doente dos medicamentos ne
cessários, a letalidade potencial da síndrome se torna real, tornan
do ineficaz a prestação jurisdicional.
Finalmente, cabe considerar, mais, a circunstância, destacada
nas informações prestadas pelo MM. Juízo Fazendário - tema
objeto, também, do agravo, por seu interponente - quanto à in
cidência da responsabilidade específica da prestação solicitada e
deferida cautelarmente. Inegável que a prudência determina a so
lução deste aspecto da querela a final, bastando, apenas, suscitar
a sua imensa complexidade, na constatação das afirmativas reite
radamente prestadas pelo ilustre pesquisador francês, Dr. Luc
Montaigner, a quem se atribui a descoberta do vírus HIV, e se
gundo quem a síndrome da imunodeficência adquirida, bem as
sim outras ditas novas síndromes virais, tão ou mais letais que as
anteriores, tais as hepatites B, C, D, E, dentre outras, cuja origem
residiria na irresponsável forma com que os humanos cuidam do
seu habitat, únicos seres, aliás, em toda a natureza conhecida,
capazes de tamanha insanidade.'
Da simples leitura do texto supra, que constitui reprodução parcial
do parecer constante do feito, não é difícil perceber que a oposição
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
82 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
então manifestada pelo Estado estava centrada essencialmente em duas
ordens de ponderações.
O primeiro argumento pretendia convencer que as drogas de dis
tribuição obrigatória seriam exclusivamente as relacionadas em textos
emanados da burocracia inferior, considerando nuxnerus clausus tal
listagem.
A aceitar-se tal ponderação e estando bem ciente do nível de agi
lidade da burocracia, o risco social assumido seria o de eventualmen
te considerar cabível a distribuição de ventosas aos portadores de qua
dro de falência respiratória, eis que esta era a prática medieval comu
mente adotada em casos tais ...
Já pelo segundo argumento, pretendeu o procuratório do Estado
fazer convencer que a carência generalizada de recursos financeiros
destinados ao atendimento à saúde mais ainda se agravaria na hipóte
se de se ver ele obrigado ao atendimento de uma parcela de doentes,
que qualificou de privilegiados (?), em detrimento do conjunto da so
ciedade.
Ironia à parte, não é difícil perceber a tibieza dos argumentos
'estatais, principalmente em face dos princípios constitucionais inspira
dores do sistema de seguridade social, como já antes destacado.
Bastava assim considerar, de forma integrada, os princípios da
universalidade e da distributividade para concluir de imediato pela in
consistência dos argumentos apresentados.
E assim se deu pois, ao decidir que ao Poder Público competia
fornecer àquele universo de contribuintes os produtos, de alto custo,
essenciais à manutenção de suas vidas e saúde, o Judiciário nada mais
estaria senão formulando adequada interpretação aos princípios
insculpidos na Constituição Federal referentes à seguridade social.
O acórdão, com efeito, em decisão unânime, ao confirmar a con
cessão da medida pleiteada, destacou que:
'A saúde é um direito assegurado constitucionalmente às pes
soas, dado que inerente à vida. O Estado tem o dever de prover as
condições indispensáveis ao seu pleno exercício.'
Em idêntico sentido, e de forma sensivelmente mais precisa,
RSTJ, Brasília, a, 13, (138): 35-166, fevereiro 2001,
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 83
decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, também em ação cautelar promovida contra o Estado:
'Ação cautelar. Liminar contra o Estado. Fornecimento de
coquetel de medicamentos para tratamento da Aids. Admissibi
lidade. Estando presentes as condições especiais do processo
cautelar, do fUIllUS boni iuris e do periculuIll in Illora, posto
que o direito à vida é o maior deles e que a droga é de compro
vada eficácia, porém custosa e fora das possibilidades econômi
cas dos enfermos, é dever do Estado custeá-la. Inteligência do art.
196 da CF. Liminar mantida.
Recurso não provido' (Agravo de Instrumento n. 22.239-5-
São Paulo, Oitava Câmara de Direito Público, Relator Felipe
Ferreira, 18.12.1996, v.u.).
Os exemplos apresentados parecem eloqüentes de como, através
de adequado exercício interpretativo, pode o conflito de interesses em
matéria de saúde, quando laborado de forma embasada frente ao Po
der Judiciário, produzir deslinde significante de superior exercitação
de cidadania.
Até mesmo com repercussão na sociedade como um todo, eis que,
nesta específica matéria, lides como as aqui referenciadas, em soma
tório a outras similares, raras aliás, findariam por resultar na imedia
ta generalização da prática de distribuição dos produtos em nível na
cional, como hoje se vê.
Curiosamente nem por isto o alegado caos financeiro nos orça
mentos de saúde que pretensamente resultaria de decisão favorável aos
pleitos jamais aconteceu; nada, pelo menos, além da desordem já co
nhecida de todos ...
Trata-se, pois, de uma faceta da complexa questão da garantia de
preservação da saúde, individual e pública, cuja solvabilidade vem de
ter berço nos órgãos judiciários do País.
Inúmeros outros pleitos, incidentes sobre o tema, têm sido, e ou
tros poderão tornar-se, objeto de amplo debate e decisões dos tribu
nais pátrios, eis que, nos termos do art. 199 da CF, sendo a assistên
cia à saúde livre à iniciativa privada dela derivam atos jurídicos de
RST], Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
84 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE]USTIÇA
natureza contratual, que se reproduzem ad infinituIll, no dia-a-dia dos
cidadãos.
Poderiam, por exemplo, ser tratados de forma detalhada em ou
tros trabalhos os contratos de seguro (supomos que não devam ser ti
dos por engessados pela recente edição legislativa, que veio em atro
pelo de uma construção jurisprudencial de grande envergadura), os
contratos pessoais bilaterais de assistência em situações específicas e
conflitos de interesses daí decorrentes (erro médico, custos e procedi
mentos, dentre outros que, em sociedades mais amadurecidas, vêm sen
do solvidos por via parajudiciária, através de mediação e arbitragem,
como ocorre massivamente em países do Hemisfério Norte), além do
que se possa referir às relações de consumo de fármacos, sua autenticidade e principalmente a responsabilidade e reparações decorrentes
atribuíveis a detentores das marcas, isto apenas para citar alguns dos
mais explosivos.
São, contudo, suscitações de grande complexidade, que, por isto
mesmo, extrapolam as pretensões deste texto, ficando lançadas para
oportunidade - ou desafio - futuros."
Conclusões:
1.a) A vida é considerada o mais precioso dos bens e atributos do ser
humano. Sem ela, os demais valores socialmente reconhecidos não têm o
menor significado ou proveito.
2.a) Para o indivíduo, saúde é pressuposto e condição indispensável de
toda atividade econômica ou especulativa, de tudo prazer material ou inte
lectual. O estado de doença não só constitui a negação de todos estes bens,
como também representa perigo, mais ou menos próximo, para a sua pró
pria existência e, nos casos mais graves, a causa determinante da sua mor
te (cf. Zanobini, Corso, V, p. 59, citado por J. Cretella Jr., in Comentários
à Constituição de 1988, Ed. Forense Universitária, 2.a ed., vol. VIII).
3.a) A eventual ausência de cumprimento de uma formalidade burocrá
tica exigida pela autoridade pública não pode ser óbice suficiente para im
pedir a concessão da medida buscada pela Impetrante porque não retira, de
forma alguma, a gravidade e a urgência da sua situação: a busca para ga
rantia do maior de todos os bens, que é a própria vida.
4.a) Despicienda de quaisquer comentários a discussão a respeito de ser
ou não a regra dos arts. 6!2 e 196 da CF/1988, normas programáticas ou de
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 85
eficácia imediata. Nenhuma regra hermenêutica pode sobrepor-se ao principio maior estabelecido, em 1988, na Constituição Brasileira, de que "a saúde é direito de todos e dever do Estado" (art. 196).
511.) Não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e SIm considerá-la com temperamentos, tendo-se em vista a intenção do legislador, mormente perante preceitos maiores insculpidos na Constituição Federal garantidores do direito à saúde, à vida e à dignidade humana, devendo-se privilegiar o atendimento das necessidades básicas dos cidadãos.
611.) Diante da negativa/omissão do Estado em prestar atendimento à população carente, que não possui meios para a compra de medicamentos necessários à sua sobrevivência, a jurisprudência vem se fortalecendo no sentido de emitir preceitos pelos quais os necessitados podem alcançar o benefício almejado (STF, Ag n. 238.328-RS, ReI. Min. Marco Aurélio, DJ de 1l.5.1999; STJ, REsp n. 249.026-PR, ReI. Min. José Delgado, DJ de 26.6.2000).
711.) Da conjugação dos quatro elementos abaixo enumerados, há justificativa, mais do que suficiente, para proceder-se à concessão da segurança em definitivo:
a) a Impetrante necessita de tratamento inadiável e indispensável;
b) o medicamento em questão é o único preceituado pela medicina para o tratamento da doença em questão;
c) a medicamento é encontrado disponível no mercado e mostra-se essencial à preservação da vida da Impetrante;
d) é dever do Estado assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito à saúde, que é fundamental e está consagrado na Constituição da República Federativa do Brasil nos artigos 6Jl. e 196.
Tendo em vista as particularidades de casos como o analisado, faz-se imprescindível interpretar a lei de forma mais humana, teleológica, em que princípios de ordem ético-jurídica conduzam ao único desfecho justo: decidir pela preservação da vida.
O maior fundamento para a concessão da ordem à Recorrente é a própria doença grave, progressiva, irreversível e fatal, que a faz padecer.
Face às explanações supradelineadas, dou provimento ao presente recurso para o fim de impor ao Estado do Paraná a obrigação de fornecer o medicamento Riluzol (Rilutek) indicado para o tratamento da enfermida
de da Recorrente.
É como voto.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 200 I.
86 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 11.603 - ES
(Registro n. 2000.0017612-5)
Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros
Recorrentes: Itaparica Ltda e outro
Advogados: Rodrigo Loureiro Martins e outro
Tribunal de origem: Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo
Impetrado: Governador do Estado do Espírito Santo
Recorrido: Estado do Espírito Santo
Procuradores: Luciana Marques Judice de Mello e outros
Sustentação oral: Rodrigo Loureiro Martins (pelos recorrentes), e Luciana Marques Judice de Mello (pelo Estado do Espírito Santo)
EMENTA: Processual - Mandado de segurança - Lei - Criação de reserva ecológica - Não cabimento.
- Não cabe mandado de segurança para impedir a execução de lei estadual que criou reserva ecológica. Se a execução da lei acarretar prejuízos patrimoniais, estes poderão ser identificados e demonstrados em procedimento administrativo ou judicial.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Milton Luiz Pereira acompanhando o Relator, por unanimidade, rejeitar as preliminares suscitadas pelas partes e, no mérito, negar provimento ao recurso. Votaram de acordo com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira, José Delgado e Garcia Vieira. Ausentes, justificadamente, nesta assentada, os Srs. Ministros Francisco Falcão e Garcia Vieira.
Brasília-DF, 29 de junho de 2000 (data do julgamento).
Ministro José Delgado, Presidente.
Ministro Humberto Gomes de Barros, Relator.
Publicado no DJ de 28.8.2000.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 87
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros: As Recorrentes pediram mandado de segurança contra ato em que o Sr. Governador do Estado sancionou lei, transformando em reserva ecológica, terrenos de que são proprietárias. A segurança haveria de se traduzir em ordem para que o Governador se abstivesse na prática de qualquer outro ato, visando a estabelecer limitação ao exercício da propriedade sobre os terrenos envolvidos pela reserva, sem pagamento de prévia indenização.
A segurança foi denegada sob o argumento de que a lei malsinada tem boa qualidade jurídica e de que a pretensão indenizatória há que ser buscada em procedimentos jurisdicionais e administrativos apropriados.
O Ministério Público Federal manifestou-se em parecer lançado pelo eminente Subprocurador-Geral da República Wagner de Castro Mathias Netto. Indica o provimento parcial do recurso, para que se declare extinto o processo, sem julgamento do mérito.
Esta a controvérsia.
VOTO
o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros (Relator): O acórdão recorrido limitou-se em afirmar que a lei impugnada foi emitida no exercício .de competência concorrente do Estado (art. 24, VI, da Constituição Federal) .
Dos votos que integraram o acórdão recorrido restou clara a possibilidade de as Impetrantes buscarem indenização por eventuais danos sofridos com a criação da reserva ecológica.
Tenho para mim que o acórdão merece confirmação. Em verdade, a lei malsinada não padece de qualquer mazela. Dela podem resultar atos administrativos prejudiciais aos patrimônios dos Impetrantes. Tais prejuízos, entretanto, haverão de ser identificados e demonstrados. Isso poderá ser feito em procedimento administrativo, ou se não houver concordância entre as partes, em processo judicial.
Nego provimento ao recurso.
VOTO
O Sr. Ministro Garcia Vieira: Sr. Presidente, também entendo, como o Sr. Ministro-Relator, que a via eleita é imprópria porque a pretensão seria
RST], Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
ss REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
de anular a lei que criou a reserva. Não podemos negar ao Estado o direi
to de criar uma reserva. O ato que cria uma reserva, somente porque atinge o direito do particular, pois estabelece restrições, limitações, não é nulo. Ao contrário, ele pode subsistir, e o particular entrar com a via judicial pró
pria para receber indenização, pois ele tem direito. De qualquer forma, não
podemos, em mandado de segurança, proibir o Estado de legislar. Se ele
edita uma lei inconstitucional, existem os meios próprios para decretar a
inconstitucionalidade. Se atinge o direito de propriedade, tem a ação pró
pria, mas não no mandado de segurança. Como iremos estabelecer, apurar em mandado de segurança quais são essas limitações?
Com essas considerações, antecipo o meu voto, ficando de acordo com
o voto do Sr. Ministro-Relator.
VOTO-VISTA
O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira: Necessitando afastar dúvidas, so
licitei vista direta das peças informativas do processo, a final, colhendo que, na via do IllandaIllus, foi pedida segurança de invalidade da Lei Estadual
n. 5.427/1997, ordenando "à autoridade apontada coatora se abster da prá
tica de qualquer outro ato visando a estabelecer limitação ao direito de
propriedade sobre os terrenos compreendidos na dita 'reserva de Jacare
nema', sem a concretização de área e justa indenização" (fls. 2 usque 19).
A segurança foi denegada com os fundamentos assegurativos, assim resumidos:
- "Mandado de segurança. Preliminar de inépcia da inicial rejeitada. Preliminar de inadequação da via mandamental. Rejeição.
Impetração contra lei em tese. Inocorrência. Mérito: reserva ecológi
ca. Proteção por lei. Liceidade da norma estadual. Ordem denegada.
1) Demonstrado que o pedido foi devidamente formulado, rejei
ta-se a preliminar de inépcia da inicial.
2) As questões de direito, por mais complicadas e difíceis, podem
ser resolvidas através de mandado de segurança. Não é inadequada,
pois, a via mandamental. Preliminar rejeitada.
3) As leis de efeitos concretos tornam-se passíveis de mandado de
segurança, desde sua publicação, por equivalentes a atos administra
tivos nos seus resultados imediatos. Não se tratando de impetração
contra lei em tese, rejeita-se a preliminar.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 89
4) Mérito: mais de 65% dos ecossistemas que integram a área são constituídos de manguezais e restinga, bem como de vegetação ao longo de rios.
Área protegida pelo Código Florestal. Reserva ecológica criada por lei estadual. Competência concorrente do Estado (art. 24, VI, CF).
Compatibilidade dos interesses econômicos dos autores com os interesses maiores da preservação ambiental.
Ordem denegada por maioria de votos." (fl. 227).
À sua vez, o Ministro, negando provimento ao recurso, o eminente Ministro-Relator sumariou:
- "Processual. Mandado de segurança. Lei. Criação de reserva ecológica. Não cabimento.
Não cabe mandado de segurança para impedir a execução de lei estadual que criou reserva ecológica. Se a execução da lei acarretar prejuízos patrimoniais, estes poderão ser identificados e demonstrados em procedimento administrativo ou judicial."
Feito o perfil da relação jurídico-litigiosa fonte da impetração, pela espia da causa de pedir, imana forte que foi articulada ao derredor da mencionada lei estadual, de imediato, provocando debates quanto à aplicação da Súmula n. 266-STF. Sob as tendas desses apontamentos, conquanto dita lei dependa de regulamentação (art. 5"), em criando reserva ecológica, significando imediatas restrições administrativas, sem dúvidas, repercutiu no uso
e gozo da propriedade (art. 524, Código Civil). É dizer: in genere, objetivamente criada a reserva, concretamente gerou efeitos - por exemplo, inviabilizando a livre exploração de natural potencialidade econômica ou afetando a valorização da área. Inegavelmente, pois, a propriedade imóvel sofreu influência do comando normativo. Assim acontece com os decretos que constituíram "reservas ecológicas" na Serra do Mar, ensejando ações por desapropriações indiretas e servindo o decreto para a fixação do dies a quo para a contagem dos juros compensatórios (Súmula n. 114-STJ). Nesse sentido, os precedentes jurisprudenciais são iterativos. Logo, não se trata de mera expectativa, mas, isto sim, de ato constitutivo de conseqüências concretas, uma vez que a mencionada lei, nos planos fático e jurídico alcançou a propriedade da Impetrante, inclusive, avivando o seu interesse de agir (art. 3", CPC). À mão de reforçar, no ponto, comemoram-se as anotações feitas
na inicial:
RSTI, Brasília, 3.13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
90 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DEJUSTIÇA
" ... O Supremo Tribunal Federal, conforme acórdão publicado na
RTJ 113/161, decidiu que 'em caráter excepcional, se ocorre a eficá
cia concreta, direta e imediata da norma contra a qual se impetra a ordem, e não há outro remédio eficaz para obviar-lhe os efeitos' é idô
nea a segurança.
E do eminente Ministro Carlos M. Velloso:
'O que se sustenta é que o acórdão teria divergido da súmula
do Supremo Tribunal Federal, que enuncia não caber mandado de
segurança contra lei em tese. Na verdade, não cabe, e não cabe
porque a lei, em sentido material, tem caráter abstrato. Assim, não atinge diretamente direito subjetivo de ninguém.
Entretanto, há leis puramente formais que, em sentido ma
terial, têm efeitos concretos e são, portanto, em tal sentido, ato administrativo. Neste caso, cabe mandado de segurança contra
essa lei puramente formal com efeitos concretos.
O eminente Sr. Ministro-Relator, no seu douto voto, de
monstrou que a norma municipal é em sentido material, ato administrativo, dado que tem efeitos concretos'." (fi. 17 destes au
tos) .
Eis a ementa do v. acórdão:
"Mandado de segurança.
O mandado de segurança ampara direito líquido e certo, afetado ou posto em perigo por legalidade ou abuso de poder. Não é admis
sível contra a lei em tese. Todavia, idôneo se a lei gera situação específica e pessoal, sendo, por si só, causa de probabilidade de ofensa a
direito individual. Cumpre distinguir possibilidade (em tese) e proba
bilidade (em concreto) de violação de direito." (in Rev. STJ 8/438).
Enfim, divisados os efeitos concretos, a lei (como ato político) não se furta de controle judicial - artigo 5il
, XXXV, Constituição Federal.
Não obstante a adequação do lTIandalTIus para o controle da legali
dade dos efeitos da lei questionada, no caso, é preciso considerar que não
é objeto da causa de pedir e pedido o exame da sua legalidade formal. Somente
os seus efeitos são visados (pedido - item 5, fi. 17). Por esse único pórtico,
quanto à legalidade ou abusividade, na vanguarda, impõe-se reconhecer que
RSTJ, Brasília, a. 13, (138); 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 91
a existência de legislação específica, sobreguardando as reservas ecológi
cas e biológicas, por si, não está sob o amálgama de vedação na sua instituição.
Demais, tem sido reconhecida a competência concorrente dos Estados
-membros para edição de leis específicas.
Nessa perspectiva, à vista do campo restrito da finalidade da via man
damental, avessa à verificação de provas, se os efeitos são danosos, a com
posição judicial deverá assoalhar-se no exame de ação ordinária. Daí, as freqüentes ações indenizatórias ou, muitas vezes, em casos tais, o ajuizamento
de "desapropriações indiretas" (na essência e fim, também indenizatórias
para a recomposição patrimonial do proprietário).
Diferente não é a motivação do voto proferido pelo eminente Relator
Ministro Humberto Gomes de Barros:
" ... Em verdade, a lei malsinada não padece de qualquer mazela.
Dela podem resultar atos administrativos prejudiciais ao patrimônio dos
Impetrantes. Isso poderá ser feito em procedimento administrativo, ou
se não houver concordância entre as partes, em processo judicial."
Enfim, alçado que os Impetrantes não pretendem a desconstituição da Lei Estadual n. 5.427/1997, seja por inconstitucionalidade ou por vício for
mal, mas, por expresso pedido, a trava dos seus efeitos concretos (que afe
tam o uso e gozo da propriedade), dependente de demonstração probatória incompatível na via eleita, intangida dita lei, no ponto atacado, não se evi
dencia direito líquido e certo para coarctar a sua dimensão e eficácia no
mundo jurídico. Pois, ao fim e cabo, já que a desconstituição da lei não é
objeto do pedido e sem a possibilidade de ser modificada a litiscontestatio
(arts. 264 e 321, CPC), à falta do alegado direito líquido e certo vindicado, na confluência da exposição, também voto negando provimento.
É o voto-vista.
Relator:
RECURSO ESPECIAL N. 163.211 - SP (Registro n. 98.0007448-1)
Ministro Milton Luiz Pereira
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
92 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Recorrente: Município de Cubatão
Advogado: Antônio Carlos Trindade Ramajo
Recorridos: José Nogueira e cônjuge
Advogado: Luiz Lopes
EMENTA: Administrativo - Processual Civil - Desapropriação
Descaracterização e modificação da destinação do imóvel - Im
possibilidade da restitutio in integrum - Descabimento da desis
tência - Decreto-Lei n. 3.365/1941 (arts. 2-º-, § 2-º-; e 24 a 28) - Decre
to-Lei n. 9.760/1946 (art. 198) - CPC, artigos 128, 165, 458, lI; e 535,
II - Código Civil, artigo 146.
1. Fundamentação suficiente para a composição do litígio dis
pensa razões adstritas ao mesmo fim. A finalidade da jurisdição é
compor a lide e não a discussão de todas as teses jurídicas expos
tas. O juiz estabelece as normas que incidem no caso concreto, ati
vidade que exclui a largueza da exposição feita pelos litigantes. Por
essa espia, no caso, não se viabiliza o aceno de contrariedade ao art.
535, I e lI, CPC. Corno desfrute dos apontamentos, nos limites obje
tivos do recurso (versando aresto originário de decisão interlocutó
ria), distanciado o mérito, não se define contrariedade aos artigos
128, 165 e 458, lI, CPC.
2. Impossibilidade da desistência de ação expropriatória quan
do o imóvel afetado sofreu profundas alterações, com acessões e
benfeitorias próprias à destinação diversa da originária, travando a
restitutio in integrum. A jurisprudência admite a desistência quan
do é possível a restituição sem modificações desfigurativas do esta
do anterior.
3. A fundamentação com alcatifa nas provas não se expõe a exa
me na via especial (Súmula n. 7-STJ).
4. Precedentes iterativos.
5. Recurso parcialmente conhecido, com provimento na parte
examinada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas,
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 93
decide a egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por una
nimidade, conhecer parcialmente do recurso e nesta parte dar-lhe provimento,
nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, na forma do relatório e notas
taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros José Delgado e
Humberto Gomes de Barros. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Garcia Vieira e Demócrito Reinaldo. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro
Milton Luiz Pereira. Custas, como de lei.
Brasília-DF, 11 de março de 1999 (data do julgamento).
Ministro Milton Luiz Pereira, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 1.7.1999.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira: Em agravo de instrumento, o
colendo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo firmou o entendimen
to cristalizado na ementa, in verbis:
"Desapropriação. Desistência pela Municipalidade. Impossibili
dade de devolução do imóvel em seu primitivo estado. Prova nos au
tos da não restitutio in integrulll. Inviabilidade. Decisão singular
mantida. Improvimento do recurso." (fi. 498).
Foram rejeitados os embargos de declaração interpostos, em aresto
assim ementado:
"Embargos de declaração. Alegação de pontos omissos. Inexis
tência de qualquer vício previsto no artigo 535, n, do CPC. Embar
gos com caráter de infringentes do julgado. Recurso não provido." (fi.
512).
Não se conformando, o Município de Cubatão apresentou recurso es
pecial, fulcrado na alínea a do autorizativo constitucional, afirmando:
" ... ao optar pela simplicidade da invocação da impossibilidade da
restitutio ad integrulll, para negar provimento ao agravo, sem ana
lisar todas as demais questões federais levantadas pelo Recorrente, que
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
94 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
conforme dito alhures, tratam-se de questões concatenadas, integran
tes de uma só linha de argumentação, bem como desconsiderar maté
ria de direito (sem que haja prejuízo ao expropriante, consistente na
impossibilidade de reverter por ato seu ou às suas expensas o bem ao
estado em que se encontrava quando da imissão provisória na posse,
não há que se invocar o fundamento da restitutio ad integrum para
negar pedido de desistência em expropriatória) que infirma a funda
mentação eleita para negar provimento ao agravo, o que remanesceu
mesmo foi a omissão do julgado recorrido, contrariando às escâncaras
o disposto nos artigos 128, 165, 458, II; e 535, II, do Código de Pro
cesso Civil, Lei n. 5.869/1973." (fl. 527).
Em suas contra-razões, às fls. 629/634, os Recorridos sustentaram:
"O motivo da desistência não é o desinteresse pela obra públi
ca, que já foi implantada no local, inclusive com a demolição total das
benfeitorias que ali existiam (fls. 190/193).
A argumentação do Recorrente é capiciosa: alega que, com base
em informação unilateral da Delegacia do Patrimônio da União, a área
em questão constitui terreno de marinha, e, por isso, não seria indeni
zável.
Ocorre que os Recorridos têm título de propriedade regular e
convenientemente registrado (fls. 120/121).
E, por isso, o digno Tribunal a quo concluiu que a questão
dominial não poderia ser resolvida neste processo, nem sob forma
incidental, como supõe a Municipalidade, que, além do mais, já tomou
a posse da área expropriada (fl. 34) e deu-lhe o destino que preten
deu (fls. 209/213), tanto que derrubou todas as casas da Vila Parisi,
eliminando todo o bairro, ruas e serviços de infra-estrutura do lotea
mento que ali existia (fls. 190/193).
A questão proposta, pois, foi apreciada nos limites da lide, ou seja,
o v. acórdão atacado demonstrou que não poderia enfrentar, em sim
ples pedido de desistência da desapropriação, um tema resolvido na
sentença proferida no processo de conhecimento, que há muito tran
sitou em julgado." (fls. 630/631).
O recurso especial não logrou ser admitido na origem, decisão que
RST}, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 95
motivou a interposição de agravo de instrumento que restou provido, resul
tando na subida dos autos.
Ao opinar pelo não-conhecimento do recurso, o ilustre Ministério PÚblico Federal, asseverou:
"Com efeito, pode o expropriante desistir da expropriatória an
tes de verificado o pagamento integral do preço, independentemente do assentimento do expropriado, assegurada ação de perdas e danos. Todavia, não alcança situações em que o expropriante não tem condições
de devolver o bem no estado em que o recebeu ou com danos de pouca extensão que, em outra demanda, pudessem ser avaliados. Na espécie, a total destruição das edificações que integravam um bairro residencial e a transformação da área desapropriada em distrito indus
trial, tornam irreversível o ato expropria tório e, nessas circunstâncias, não há que se deferir posterior pedido de desistência formulado pela
Municipalidade.
Ademais, o fato é que o acórdão também decorreu de convicção formada pela Câmara julgadora diante das provas existentes nos autos, e as razões que escoram o recurso atêm-se a uma perspectiva de ree
xame dessas provas. A impossibilidade de restituição do imóvel, no estado anterior ao processo, em face de alterações substanciais, vale dizer tendo em vista sua descaracterização e destinação desde a imissão
na posse pelo expropriante, declarada pelo acórdão recorrido, é matéria que exige reapreciação de provas. A esse objetivo, contudo, não se presta o apelo especial, de acordo com a Súmula n. 7 dessa egrégia Corte." (fls. 7081709).
É o relatório.
VOTO
o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira (Relator): Contemplam-se razões
recursais lançadas contra v. acórdão que negou provimento a agravo de instru
mento interposto no processo de ação expropriatória, desafiando decisão indeferitória de desistência, considerando que houve alteração das condições do
local de situação do imóvel, ficando assim sumariado o verrumado aresto:
"Desapropriação. Desistência pela Municipalidade. Impossibilidade
de devolução do imóvel em seu primitivo estado. Prova nos autos da não
RSTJ, Brasília, 3.13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
96 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
restitutio in integruIll. Inviabilidade. Decisão singular mantida. Improvimento do recurso." (fl. 498).
A falar de omissões na solução de questões de direito argüidas foram
rejeitados os embargos declaratórios (art. 535, II, CPC), conforme ementa:
"Embargos de declaração. Alegação de pontos omissos. Inexistência de qualquer vício previsto no artigo 535, II, do CPC. Embargos com caráter de infringentes do julgado. Recurso não provido." (fl. 512).
Adveio, então, o recurso sob exame, afirmando que foram contrariados os artigos 128, 165, 458, II; e 535, II, CPC, e, ainda, os artigos 2'"-, § 2Q
; e 24 a 28, do Decreto-Lei n. 3.365/1941, e, por fim, o artigo 198, Decreto-Lei n. 9.760/1946 (fls. 524 a 529).
Concluído o memento favorecedor da compreensão das questões jurídico-litigiosas, no sítio da admissibilidade, inicialmente, impõe-se conhecer da manifestação recursal no ponto adstrito à alegada contrariedade ao art. 535, II, CPC, à vista da fundamentação do v. julgado.
Nessa lida, necessariamente fixada a atenção às razões contidas na petição dos embargos, anota-se que versaram argumentação voltada à situação dominial do imóvel, procurando ressaltar a nulidade do título de propriedade; daí a indicação do art. 2Q
, § 2Q, Decreto-Lei n. 3.365/1941; do
artigo 198, Decreto-Lei n. 9.760/1946 e do artigo 146, Código Civil (fls. 504 e 505).
Sem dúvidas, abordoamento de mérito, desligado do exame direto e aplicação dos padrões assentados no Código de Processo Civil: artigos 128, 165 e 458, II, somente referenciados na via especial; portanto, sem prévia constituição de causa decidida no Tribunal a quo (art. 105, III, CF).
Apropriados, pois, os fundamentos para a rejeição dos embargos; textualmente:
( ... )
"Em realidade, a Recorrente pretende discutir novamente as questões decididas pelo acórdão recorrido. Este é resultado apenas de critério de julgamento que, certo ou errado, poderá ser revisto, mediante recurso apropriado, nas instâncias especial e extraordinária.
Mas, se o Embargante entende ter ocorrido errada ou deficiente
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURlvlA 97
interpretação de dispositivos legais ou equivocada apreciação dos fa
tos, não é por intermédio de embargos de declaração - recurso de
âmbito restrito e onde sequer existe manifestação da parte contrária -
que poderá alterar a decisão por ele catalogada como omissa.
Há muito tempo dizia o Professor e Ministro Aliornar Baleeiro:
' ... os embargos de declaração não são sucedâneos dos infrin
gentes e que são temerários, incabíveis e subversivos os que pre
tendem o que só poderia ser objeto de embargos infringentes, ten
tando inverter, destarte, o sentido do julgamento desfavorável ao
embargante' (Recurso Extraordinário n. 75.063, Pleno, STF, RTJ 74/410)'." - fl. 514.
( ... )
" ... os embargos de declaração que somente pretendem reverter a
substância da decisão, no suposto cometimento de error juris, são, na
verdade, infringentes" (Reclamação n. 165-5, Relator Ministro Rafael
Mayer) - fl. 517.
Com os olhos de bem se ver, colhendo-se que o v. acórdão embargado
pontuou a fase processual do pedido de desistência e, também, a impossi
bilidade da restitutio in integrurn, configurou-se solução vincada à decisão
de natureza processual, verberada por agravo de instrumento e ajustada ao
processo da ação expropriatória. Nessa perspectiva, por óbvio, não cabia
debate agregado ao vício do título dominial, exame viável por senda ordi
nária própria e adequada; porém, inadequado às estritas hipóteses legais,
estatuídas no artigo 535, I e rI, CPC.
Desse modo, neste caso, não se divisa ofensa ao artigo 535, rI, CPC,
indicado como contrariado.
Na vertente desses apontamentos, quanto à contrariedacte ou negati
va de vigência aos artigos 128, 165 e 458, rI, CPC, como adiantado, a res
peito, não houve interpretação ou aplicação: não há causa decidida (art. 105,
rII, CF). Outrossim, a atividade jurisdicional corporificadora do verrumado
v. acórdão estabeleceu motivações suficientes. Inexistia a obrigação de
pesquisar outras razões, senão aquelas objetivamente necessárias para jul
gar o agravo de instrumento. Enfim, tal como edificado o aresto, substan
cialmente, no eito processual não se revelam as acenadas violações.
Em conclusão, não merecem provimento as prédicas de inconformismo
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
98 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
talhado à sombra dos artigos 128, 165,458, II; e 535, II, CPC.
Como fase seguinte, preambularmente, como facies, projetou-se
alegada contrariedade aos artigos 2Q, § 2Q
; e 24 a 28, do Decreto-Lei n.
3.365/1941, e ao artigo 198, Decreto-Lei n. 9.760/1946, vinga a percepção
de análise conjugada com o próprio mérito.
Para a pertinente pesquisa, aviva-se que o julgado alicerçou-se na si
tuação do imóvel quando do pedido de desistência, observando:
( ... )
"Nas circunstâncias em que o processo se encontra, o despacho judicial merece confirmação, pois o agravado que tinha o uso, gozo e
fruição do bem, com a desapropriação e a destinação que foi dada ao
imóvel, agora se vê sem a individuação do seu lote, destruídas todas
as o bras e serviços de infra-estrutura que caracterizavam um bairro
residencial." (fl. 500).
É o bastante para sublinhar-se exame cingido ao conjunto probatório,
timbrando circunstâncias factuais para reconhecer que o município expro
priado foi imitido na posse da área, realizando " ... obras e serviços desca
racterizando sua primitiva configuração ... " (fl. 500).
Por essa espia significa dizer que se tornou impossível a restituição do
imóvel na situação anterior, sendo inafastável a sua desfiguração, com re
percussões na sua destinação privada.
Essas considerações, entregues à soberania das instâncias ordinárias,
são insuscetíveis de reexame na via especial (Súmula n. 7 -STJ).
Em outra perspectiva, recorda-se que o recurso tem por motivo aresto
que julgou agravo de instrumento lançado contra decisão interlocutória, sem
avançamento do juízo específico de mérito, tratando apenas de um episó
dio processual - desistência da ação. Logo, até aqui, sem provimento o agra
vo, a ação continua o seu curso, ainda desconhecendo-se a composição fi
nal que, em tese, até poderá restabelecer o status quo ante. Desse modo, descabe adiantar na via especial verificação de mérito, diante dos limites
objetivos do v. acórdão combatido, sendo notória a falta de prequestiona
mento.
Na parte do conhecimento, com a interposição do agravo, devolvido ao
Tribunal de Justiça, inclusive, a composição harmoniza-se com a jurispru
dência desta Corte. Ou seja, é possível a desistência, desde que o imóvel não
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 99
tenha sofrido profundas alterações e descaracterizado. Inter alia, confira
-se:
"Desapropriação. Desistência. Impossibilidade, no caso de irre
versibilidade do ato expropriatório.
A jurisprudência é no sentido de que pode o expropriante desis
tir da expropriatória antes de verificar-se o pagamento do preço, in
dependentemente da vontade do expropriado, com ressalva a este da ação de perdas e danos. Todavia, não alcança casos como o presente, em
que o expropriante não tem condições de devolver o bem no estado em que
o recebeu ou com danos de pouca monta que, em outra ação, pudessem ser
avaliados. Com efeito, o expropriante, na espécie, construiu no imó
vel expropriado escola, campo de futebol, parque infantil, gramados,
avenida, com canalização de córrego e, finalmente, permitiu a invasão de favelados, incentivando-os com a ligação de água e luz. Nessas cir
cunstâncias, tornando irreversível o ato expropriatório, impossível ad
mitir-se a desistência da respectiva ação.
Ofensa ao art. 2J:!. do Decreto-Lei n. 3.365, de 1941, não carac
terizada.
Recurso especial não conhecido." (REsp n. 38.966-6-SP, ReI.
Min. Pádua Ribeiro, in DJU de 14.3.1994 - grifei).
"( ... ) A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que o
expropriante pode, a todo o tempo, e antes do pagamento integral do
preço, desistir da expropriatória, independentemente do assentimento do expropriado. Todavia, a desistência não alcança casos como presen
te, em que, no imitir-se na posse, o expropriante realizou profundas
alterações no imóvel, impossibilitando a sua restituição no estado an
terior.
Recurso a que se nega provimento. Decisão indiscrepante". (REsp
n. 136.761-SP, ReI. Min. Demócrito Reinaldo, in DJU de
15.12.1997).
No ponto sob enfoque, como reforço, lembra-se: REsp n. 158.355-SP, ReI. Min. Peçanha Martins, in DJU de 6.4.1998; Ag. n. 157.132-SP, ReI.
Min. Milton Luiz Pereira, in DJU de 8.10.1997; Ag. n. 81.210-RJ, ReI.
Min. Antônio de Pádua Ribeiro, in DJU de 10.6.1996; Ag. n. 140.165-SP,
in DJU de 9.5.1997.
RST], Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
100 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Confluente às razões desenvolvidas, no juízo definitivo de admissibi
lidade, parcialmente, conhecendo do recurso, quanto à parte examinada,
voto negando provimento.
É O voto.
RECURSO ESPECIAL N. 212.961 - MG (Registro n. 99.0039817-3)
Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros
Recorrente: Ministério Público do Estado de Minas Gerais
Recorrido: Diretor da Escola Municipal São Luís
EMENTA: Mandado de segurança - Ensino público - Criança -
Direito à educação - Ministério Público - Competência - Substitui
ção processual - Lei n. 8.069/1990, art. 201, IX.
- A teor do Código da Criança e do Adolescente, o Ministério
Público não apenas está legitimado, mas "é competente". Vale di
zer: tem o encargo legal de defender, em substituição processual,
os interesses sociais da criança.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo
tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao
recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Sr.
Ministro-Relator os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira, José Delgado e
Francisco Falcão. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Garcia Vieira.
Brasília-DF, 15 de agosto de 2000 (data do julgamento).
Ministro José Delgado, Presidente.
Ministro Humberto Gomes de Barros, Relator.
Publicaciú no DI de 18.9.2000.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 101
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros: O Ministério Público es
tadual impetrou mandado de segurança contra ato que indeferiu matrícula
de menor, em escola pública. A segurança foi deferida em 1 Q grau. No en
tanto, o v. acórdão recorrido cassou-a, extinguindo o processo, sem julga
mento do mérito. Tomou como fundamento a assertiva de que o Ministério
Público carece de legitimidade para atuar como substituto processual de
menor. Para chegar a tanto, afastou a incidência do dispositivo contido no
art. 201 da Lei n. 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), es
pecialmente de seu inciso IX.
O acórdão inspirou-se no dispositivo do REsp n. 102.029, em que a
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça afirmou a impossibilidade
de substituição processual de menor sob pátrio poder.
O recurso especial traz-nos reclamação de ofensa ao art. 201, IX, da
Lei n. 8.069/1990. Oferece como padrão de divergência, acórdão da Quarta
Turma do Superior Tribunal de Justiça.
Este, o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros (Relator): Conheço do
recurso pela alínea a. O dispositivo supostamente ofendido foi eloqüente
mente debatido na formação do acórdão recorrido.
No mérito, o art. 201, IX, da Lei n. 8.069/1990 afirma, textualmente:
"Compete ao Ministério Público:
IX - impetrar mandado de segurança, de injunção e habeas corpus, em qualquer juízo ou tribunal, na defesa dos interesses sociais
e individuais indisponíveis afetos à criança e ao adolescente."
Aqui, o Ministério Público movimentou-se para defender o direito de
uma criança, moradora em zona rural, ter acesso ao ensino público.
A teor do art. 201 que acabo de transcrever, o Ministério Público não
apenas está legitimado, mas "é competente". Vale dizer: tem o encargo
legal de defender, em substituição processual, os interesses sociais da
cnan,ça.
RST}, Brasília, a, 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
102 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Como assinala o Ministério Público, nas substanciosas razões de seu apelo, é a própria Constituição Federal que insere a educação no rol dos direitos sociais. Em verdade, educação é o primeiro dos direitos sociais, não apenas na enunciação constitucional, como na ordem natural das coisas.
Com efeito, onde há educação, existe saúde, saúde gera trabalho, trabalho pede lazer e assim por diante. Em recente pronunciamento, notável economista não vacilou em dizer: "houvesse apenas um real em caixa, eu não vacilaria em destiná-lo à educação".
Ora, se há uma criança a quem se nega o direito à educação, não vejo como negar ao Ministério Público o direito-dever de substituí-la processualmente, pleiteando em nome dela a necessária prestação jurisdicional.
Dou provimento ao recurso.
RECURSO ESPECIAL N. 226.863 - GO (Registro n. 99.0072899-8)
Relator:
Recorrente:
Advogado:
Recorrido:
Sustentação oral:
Ministro Humberto Gomes de Barros
Gildomar Gonçalves Ribeiro
Irajá Pimentel
Ministério Público do Estado de Goiás
Irajá Pimentel (pelo recorrente)
EMENTA: Ação civil pública - Defesa do patrimônio público -Legitinlidade do Ministério Público - Indisponibilidade de bens.
I - "O Ministério Público possui legitimidade ativa para propor ação civil pública visando ao ressarcimento de danos causados ao patrimônio público por prefeito municipal." (REsp n. 159.231/
Humberto).
II - A indisponibilidade patrimonial, na ação civil pública para ressarcimento de dano ao Erário deve atingir bens na medida em que bastam à garantia da indenização.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 103
Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo
tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento
ao recurso, vencido parcialmente o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira. Votaram integralmente de acordo com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Minis
tros José Delgado, Francisco Falcão e Garcia Vieira.
Brasília-DF, 2 de março de 2000 (data do julgamento).
Ministro José Delgado, Presidente.
Ministro Humberto Gomes de Barros, Relator.
Publicado no DJ de 4.9.2000.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros: O recorrente, ex-prefei
to municipal, teve seus bens declarados indisponíveis, em processo de ação
civil pública. Houve agravo contra essa declaração, afirmando, em suma:
1. impropriedade da ação civil pública, para reparar danos resultantes
de suposta improbidade administrativa;
2. impossibilidade de providência liminar no processo principal da ação
de improbidade;
3. inexistência de condições de ação;
4. o perigo de lesão irreversível ameaça o agravante, que pode ser con
denado à miséria - não o Município;
5. a indisponibilidade, atingindo todo o patrimônio do agravante, ex
cede os limites do pedido;
6. a comunicação da indisponibilidade aos cartórios de registro públi
co também foi adotada extra petita;
7. agrediu-se o devido processo legal, garantido pelo art. 52, LIV e LV,
da Constituição Federal.
O egrégio Tribunal a quo deu provimento parcial ao agravo, porque:
1. não existe a alegada impropriedade da ação civil pública, eis que a
Lei n. 7.347/1985 foi acolhida pela Constituição Federal de 1988;
2. "a ação civil pública mostra-se adequada para busca de ressarcimen
to aos cofres públicos, de prejuízos decorrentes de atos lesivos ao patrimônio
público (CF, art. 129, IH), sem prejuízo da iniciativa de terceiros";
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104 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL
3. a teor da Constituição Federal (art. 129, IH), o Ministério Público tem legitimidade para exercer ação civil pública em defesa do patrimônio público;
4. "apesar da auto-aplicabilidade da norma constitucional, o art. 110 da Lei n. 8.079/1990 (Código de Defesa do Consumidor) determinou o acréscimo do inc. IV ao art. 1!2. da Lei de Ação Civil Pública, ampliando o rol dos interesses (direitos a serem defendidos por meio da ação, com acréscimo da expressão a defesa de "qualquer outro interesse difuso ou coletivo") ;
5. ora, o patrimônio público, embora esteja vinculado a algum dos entes estatais, pertence a toda coletividade;
6. o art. 25, IV, da Lei n. 8.625/1993 (Lei do Ministério Público) indicou a ação civil pública para a desconstituição de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa, dando-lhe o mesmo alcance da ação popular;
7. a conjunção entre os artigos 11 e 12 da Lei de Ação Civil Pública e os arts. 7!2., parágrafo único; e 16 da Lei de Improbidade Administrativa
evidencia a possibilidade de liminar em ação civil pública, da qual a ação de improbidade é espécie;
8. a intimação dos cartórios de registro não traduz decisão extra petita, consistindo em mera conseqüência da indisponibilidade;
9. a teor do art. 6!2. da Lei de Improbidade, a constrição de bens deve limitar-se ao necessário para garantir o ressarcimento do dano à coisa pública ou do enriquecimento ilícito.
O recurso especial procura conforto na alínea a. Nele desenvolvem-se argumentos que resumo assim:
1. o pedido que justificou a ação foi suposto "dano ao Erário público por ato de improbidade administrativa". Assim, o fundamento da ação é a Lei n. 8.429/1992 (Lei do Enriquecimento Ilícito);
2. essa lei criou normas especiais de procedimento, não adotando aquelas consagradas na Lei de Ação Popular. Com efeito, seu art. 17 é claro ao dizer que "a ação principal terá o rito ordinário";
3. a Lei de Ação Civil Pública não se presta à defesa daqueles interes
ses não catalogados nos quatro incisos que integram seu art. 1!2.. Bem por isso, a pretensão de reparar supostos danos ao Erário, com o exercício da ação civil pública deveria ter sofrido indeferimento liminar (art. 295, V, do
CPC);
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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 105
4. o procedimento ordinário, eleito pelo legislador, para a Lei de
Improbidade, não admite liminar. Assim, caso pretenda obter medida
cautelar, o demandante deve eleger o processo específico, para geração de
tal providência;
5. o art. 16 da Lei de Improbidade (n. 8.429/1992) determina que o
seqüestro de bens obedeça ao rito estabelecido pelos artigos 822 e 825 do
Código de Processo Civil;
6. a comunicação dos seqüestros aos cartórios de registro público,
além de ser concedida ultra petita, constituiu "maldade sem tamanho".
Este, o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros (Relator): O recurso es
pecial envolve duas questões, a saber: legitimidade ativa do Ministério PÚ
blico, nas ações civis públicas em defesa do Erário e a possibilidade de
arrestarem-se bens do agente público, no curso de tal processo.
Esta Turma, entretanto, já apreciou ambas as questões, firmando o en
tendimento de que:
"O Ministério Público possui legitimidade ativa para propor ação
civil pública visando ao ressarcimento de danos causados ao patrimônio
público por prefeito municipal." (REsp n. 159.2311Humberto).
"Tem o Ministério Público legitimidade para propor ação civil
pública visando ao ressarcimento de dano ao Erário. A Lei n. 8.429/
1992, que tem caráter geral, não pode ser aplicada retroativamente
para alcançar bens adquiridos antes de sua vigência, e a indisponibi
lidade dos bens só pode atingir os bens adquiridos após o ato tido
como criminoso." (REsp n. 196.932/Garcia).
Em homenagem a estes precedentes, nego provimento ao recurso es
pecial.
VOTO-VENCIDO (EM PARTE)
O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira: Sr. Presidente, o histórico rela
tado, os aditivos trazidos como informações na brilhante sustentação oral
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106 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
do ilustre Advogado e agora a didática exposição do voto do eminente Mi
nistro-Relator, evidentemente, mostram a dispensabilidade de quaisquer
outras considerações. Todavia, à guisa apenas de ousado reforço, lembro que,
no contingente agregado ao art. 1" da Lei de Ação Civil Pública, estabele
ceram-se, não só nesta Corte, mas de modo geral em todos os tribunais e
na culminância da Excelsa Corte, longas considerações sobre a extensão das
disposições desse art. 1", paralelamente à legitimação ou não do Ministé
rio Público.
Aliás, no sítio restrito desta Turma, V. Ex. a, tão logo percebeu-se da
importância e do significado, notoriamente, da legitimação do Ministério
Público, sufragou um entendimento de ampliação à vista do texto consti
tucional e compreendendo num elastério que V. Ex. a intitulou de magno in
teresse público ou coletivo, ao qual o Ministério Público estava legitima
do, podendo ele participar da ação popular e da ação de improbidade, que
veio a posteriori.
O que na verdade restou disso tudo é o cabimento ou não da ação ci
vil pública para a desconstituição de lançamentos tributários, à vista de que
cada contribuinte, no resumo dos seus próprios interesses, poderia ser al
cançado pelos efeitos genéricos de uma ação de alcance coletivo.
Salvo também registro equivocado da minha memória, e assim subli
nho porque não tenho certeza, a questão da legitimação do Ministério PÚ
blico e do cabimento da ação civil pública já foram assuntos debatidos pela
Corte Especial. E reitero: salvo registro equivocado, a Corte entendeu do
cabimento da ação civil pública e a distinguiu da ação de improbidade em
determinados pontos. O que ficou fixado é a impossibilidade da simultanei
dade dessas ações; dadas as peculiaridades dos casos concretos.
Fiz esse breve reforço apenas para, no final, situar que comungo e que
faço uma manifesta adesão ao que expôs no seu voto o eminente Ministro
-Relator. Todavia, Sr. Presidente e eminente Ministro-Relator, divergindo
num tópico parcial: quanto à extensão do registro da constrição dos bens
em todos os registros cartoriais de Goiás, se assim bem entendi; quer di
zer, não só ao registro de imóveis, mas a todos os registros civis de cartó
rios de protestos. Por que divirjo? O efeito que a lei almeja é o de assina
lar para evitar prejuízo à boa-fé de terceiro adquirente, porque o imóvel está
sofrendo um ônus de dúvida na cadeia dominial quanto à legalidade da
transmissão ou quanto ao meio de aquisição lícito ou ilícito.
Essa publicidade, aliás, como todos sabemos, faz uma prova juris
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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 107
tantum e não juris et de jure no nosso sistema. A verdade é que, na prá
tica, ela tem um efeito juris et de jure, porque afastada a boa-fé ao
surgimento da hipótese da fraude com uma conseqüente anulação da trans
missão. Por outro lado, no aspecto teleológico da lei, feito o registro de
imóvel na comarca onde se localiza o imóvel, a proteção e a garantia es
tão perfeitamente alcançáveis. Essa outra extensão, embora não traga aquele
efeito de impedir a transmissão ou evitar a legação de boa-fé, causa danos,
porque a assinalação numa certidão desse fato põe em dúvida a idoneidade
patrimonial daquele que tem o seu bem registrado, seja a que título for.
Agora, com a informática, esses registros são amplos, quase que totais, é um
extrato da vida do próprio imóvel e da vida do cidadão.
Então, com essas rápidas palavras, divirjo neste ponto único, porque
os demais já estão vencidos e assinalados na nossa jurisprudência. Daí tam
bém a minha surpresa ao ouvir o eminente Ministro-Relator dizer que não
encontrou precedentes. Temos vários precedentes. Há, inclusive, um prece
dente antigo de Campos dos Goytacazes - se não estiver outra vez a minha
memória falhando -, em que se iniciaram as discussões quanto a esse as
pecto da legitimação do Ministério Público e da viabilidade da ação civil
pública. O Sr. Ministro Demócrito Reinaldo, naquele caso específico, en
tendia - ainda não havia a Lei de Improbidade - que o caminho seria uma
ação popular e não a ação civil pública. Então temos precedentes nos re
gistros, não diria com o detalhamento do caso concreto, mas quanto à dis
cussão sobre esses temas. Recentemente, há no Supremo Tribunal Federal
um precedente quanto ao aspecto do alcance da ação civil pública para
desconstituir o lançamento tributário.
Acompanho o voto do eminente Ministro-Relator quanto aos demais
tópicos, divergindo parcialmente para prover o recurso no sentido de que
sejam cancelados os registros cartoriais com exceção do registro feito no
cartório de imóveis da comarca ou das comarcas onde se situam os bens sob
constrição.
ADITAMENTO AO VOTO-VENCIDO (EM PARTE)
O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira: Sr. Presidente, peço permissão a
V. Ex. a, porque há um ponto enfatizado pelo eminente Advogado que não
ressaltei.
S. Ex. a sustenta, fortemente, a inadequação da liminar, porque os pro
cessos e os procedimentos estariam diferenciados, sendo que há a aplicação
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lOS REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
da Lei de Improbidade. S. Ex." destaca que o Ministério Público teria en
contrado dificuldade, tanto que tipificou na Lei de Improbidade e susten
tou isso processualmente na ação civil pública.
o caminho hoje está aberto; há um pórtico de certo modo lineado na
jurisprudência, com a aplicação por aproveitamento expresso na Lei do
Código do Consumidor.
Efetivamente, se isso não acontecesse, essa transposição de procedimen
to de desobediência de uma lei com aplicação em outra lei que não prevê,
estaríamos com um complicador processual.
Por essa outra razão surge no Código do Consumidor o que agora foi
lembrado pelo eminente Ministro-Presidente: o poder geral de cautela diante
de casos concretos, em que a urgência viabiliza esse caminho, evidente que
dentro de um processo legal. Esse processo legal não é cerceado; ele é pro
piciado após o ato judicial, vale dizer, o acesso ao Judiciário para des
constituir esse ato do juiz tem as suas vias próprias, e a primeira delas se
ria a via do agravo.
Pedi para fazer esse aditamento para que o ilustre Advogado não ima
ginasse ... - sei que V. Ex." não imaginaria -, mas pelo menos para evitar
a conjectura de que não quis enfrentar a questão. Foi apenas esquecimento.
ESCLARECIMENTOS
o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira: Sr. Presidente, em razão dos dois
votos que se seguiram, quero dar um esclarecimento que serve também
como adição. Ousei divergir, porque essa averbação, ou outro nome que se
dê no registro de imóveis, não impede a transmissão. Não impede por quê?
Porque não há o cancelamento da matrícula. Quem quiser comprar, com
pre. Só que arcará com o ônus do prévio conhecimento de que há incidên
cia. Não há desconstituição do registro.
Daí por que fui para a divergência imaginando a ilegalidade não ci
tei isso - de falar para um cartorário que não lavre a escritura, que não faça
a venda. Essa é uma outra relação jurídica que não pode ser aqui tratada.
Se alguém quiser comprar, compre, mas está averbado. Não me parece que
é uma ilegalidade flagrante impedir que um tabelionato lavre a escritura de
quem quer comprar com aqueles ônus. É como quem compra uma dívida
de um falido. Ele pode, mas arcará com as conseqüências jurídicas.
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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 109
VOTO
o Sr. Ministro José Delgado (Presidente): Srs. Ministros, acompanho
o eminente Ministro-Relator na inteireza do seu voto. A Turma conhece o
meu posicionamento a respeito da interpretação sistêmica que dou à Lei de
Improbidade e à Lei de Ação Civil Pública, e penso que, no caso do arres
to, o juiz se utilizou do poder geral de cautela que, a meu ver, não foi ata
cado com demonstração de que tivesse havido uma violação à lei por parte
do magistrado, nesse sentido.
VOTO
o Sr. Ministro Garcia Vieira: Sr. Presidente, temos vários preceden
tes nesta Turma, inclusive na Corte, no mesmo sentido em que votou o Sr.
Ministro Humberto Gomes de Barros: da legitimidade do Ministério PÚ
blico para mover ação civil pública em caso de danos ao Erário.
Com referência à comunicação aos cartórios, acompanho inteiramen
te o voto, V. Ex.", na sua conclusão, porque o juiz, utilizando o poder de cau
tela, poderia comunicar aos demais cartórios que aqueles imóveis não po
diam ser alienados.
Quero render as minhas homenagens ao Dr. Irajá Pimentel pela exce
lente sustentação. Trata-se de uma pessoa de inteligência brilhante.
Acompanho o voto do eminente Ministro-Relator.
RECURSO ESPECIAL N. 240.033 - CE (Registro n. 99.0107537-8)
Relator:
Recorrente:
Recorrido:
Advogados:
Ministro José Delgado
Ministério Público Federal
Universidade Federal do Ceará - UFC
Maria Auxiliadora Braga Castelo Branco e outros
EMENTA: Processual Civil - Interesses coletivos - Conceituação
- Ação civil pública - Ministério Público - LegitiInidade.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereíro 2001.
110 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. Não ingressa no rol dos denominados interesses difusos e co
letivos o do aluno de ensino superior público pretender ingresso em
dois cursos na mesma universidade.
2. Tal tipo de interesse, além de não ser social, atua de forma
isolada e por conveniência pessoal do indivíduo, pelo que não tem
características de transindividualidade e indivisibilidade.
3. Ilegitimidade bem reconhecida pelo acórdão recorrido.
4. Recurso improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutÍdos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar
provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Vota
ram de acordo com o Relator os Srs. Ministros Francisco Falcão, Humberto
Gomes de Barros e Milton Luiz Pereira. Ausente, justificadamente, o Sr.
Ministro Garcia Vieira.
Brasília-DF, lS de agosto de 2000 (data do julgamento).
Ministro José Delgado, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 18.9.2000.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro José Delgado: O Ministério Público Federal insurge-se, via recurso especial (fls. lS2/1S8), ao abrigo das alíneas a e c do inc.
lU do art. lOS da Constituição Federal, contra acórdão (fls. l44/1S0) pro
ferido pela Primeira Turma do TRF/S.a Região, assim ementado (fl. ISO):
"Constitucional e Processual Civil. Ação civil pública. Interesse individual disponível. Ilegitimidade ativa ad causam do Ministério
Público. Extinção do processo sem julgamento de mérito.
- Ação que objetiva assegurar a alunos universitários do Estado
do Ceará a ocupação de mais de uma vaga em cursos de estabeleci
mentos de ensino superior.
- Entre as funções institucionais do Ministério Público, em face
da Constituição de 1988, inclui-se a defesa, via ação civil pública, dos
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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 111
interesses sociais e indisponíveis, além de outros interesses difusos e
coletivos.
- Não constitui função do Parquet, tampouco objeto de ação ci
vil pública (Lei n. 7.347/1985, art. }-Il), a defesa de interesses indivi
duais disponíveis.
- Reconhecimento de ofício da ilegitimidade ativa ad causalll do Ministério Público.
- Extingue-se o feito sem julgamento do mérito, com base no art. 267, VI, do CPC."
Historiam os autos que o ora recorrente a)UlZOU ação civil pública,
com pedido liminar, em face da Universidade Federal do Ceará - UFC tendo como escopo a obtenção de um provimento jurisdicional capaz de afas
tar a potencialidade da produção de efeitos jurídicos de ato administrativo
emanado do Ministério da Educação (Portaria n. 837, de 31 de agosto de 1990) em face de sua ilegalidade consubstanciada na norma vedatória (art.
52) de matrícula simultânea em instituições públicas de ensino superior.
A liminar foi deferida, afastando-se os efeitos da referida portaria com
a determinação de que fosse efetivada a matrícula da coletividade de estudantes que figuravam como "destinatários normativos".
Citada a Universidade Estadual do Ceará - U ece, passou esta a compor, também, o pólo passivo da demanda, sendo-lhe estendidos os efeitos da liminar.
o r. juízo monocrático, afastando a preliminar de ilegitimidade ad
causalll, julgou parcialmente procedente o pedido, assegurando, apenas, aos
estudantes das universidades, de vestibulares de anos diversos, as matrículas
simultâneas. A sentença assim foi ementada (fls. 117/118):
"l. Ação cível pública. Ensino superior. Vedação, por portaria, de
matrícula simultânea em instituições públicas de ensino superior.
2. Em razão do interesse social é mantida a legitimidade do Mi
nistério Público Federal.
3. Procedência parcial da demanda. Portaria não é lei em sen
tido formal. Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa, senão em virtude de lei, em sentido material e formal, confor
me preceito constitucional. Ademais, a liminar que subsistiu até hoje,
consolidou a situação dos estudantes, ao longo do tempo, sendo
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
112 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
desaconselhável desconstituí-Ia a estas alturas, conforme iterativa ju
risprudência.
4. 'Uma Constituição escrita não configura mera peça jurídica,
nem é simples estrutura de normatividade e nem pode caracterizar um
irrelevante acidente histórico na vida dos povos e nas nações. Todos os
atos estatais que repugnem à Constituição expõem-se à censura jurí
dica dos tribunais, especialmente porque são írritos, nulos e desvestidos
de qualquer validade. A Constituição não pode submeter-se à vontade
dos poderes constituídos e nem ao império dos fatos e das circunstân
cias. A supremacia de que ela se reveste - enquanto for respeitada cons
tituirá a garantia mais efetiva de que os direitos e as liberdades não
serão jamais ofendidos' (ADIn n. 293-7-DF, ReI. Min. Celso de Melo,
STF, DJU de 16.4.1993, p. 6.429).
5. Inexistência de duplo grau, por se tratarem, as rés, de autar
quias."
A Universidade Federal do Ceará - UFC apelou da decisão e o egré
gio Tribunal a quo, à unanimidade, declarou de ofício a ilegitimidade ati
va ad causaIll do Parquet, extinguindo o processo sem exame do mérito sob
o entendimento central de que não constitui função ministerial a defesa de
interesses individuais disponíveis, como os que estão sob tutela.
N este momento, em sede de recurso especial, aduz o Recorrente vio
lação destes dispositivos legais:
art. 21 da Lei n. 7.347/1985 ("Aplicam-se à defesa dos direitos e
interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositi
vos do Título UI da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor");
- arts. 81 ("A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das
vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo"),
parágrafo único ("A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:"), IIJ
("interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decor
rentes de origem comum"); e 82 ("Para os fins do art. 81, parágrafo úni
co, são legitimados concorrentemente:"), I ("o Ministério Público"), da Lei
n.8.078/1990;
- art. 6.Jl ("Compete ao Ministério Público da União"), VII ("promo
ver o inquérito civil e a ação civil pública para:"), d ("a proteção de ou
tros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e co
letivos"), da Lei Complementar n. 75/1993.
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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 113
Sustenta, ainda, a existência de divergência jurisprudencial com os se
guintes julgados (fls. 156/158):
"Ação civil pública. Legitimidade ativa do Ministério Público.
Interesses individuais homogêneos. Liminar. Tabela AMB/1992.
Segundo a interpretação mais adequada dos arts. 127, 129, UI e
IX, e 3.0., CF/1988, a legitimidade do Ministério Público para promo
ver ação civil pública na defesa dos interesses individuais homogêneos só se configura quando tais interesses alcançam, pelo seu conjunto, sig
nificação social relevante. Valoração que, competindo ao Ministério
Público, fica, inobstante, sujeita ao controle judicial, no caso, somente é exercitável a final porque envolta no exame do mérito do pedi
do.
Decisão liminar que, de resto, atendeu aos demais requisitos, pois o aparente aumento imoderado dos honorários médicos exigidos nos
contratos da chamada medicina de grupo, e que tem fundamento dis
cutível, pode causar lesão de difícil reparação aos associados, estes
considerados coletivamente.
Agravo improvido." (TRF, 4.a. Região, Terceira Turma, Ag n.
93.04.42870-0-PR, 1.3.1994, unânime, Relator Juiz Volkmer de
Castilho, DJ de 11.5.1994, Seção 2, p. 22.050).
"Processo Civil. Ação civil pública. Empréstimo compulsório. Decreto-Lei n. 2.288/1986. Instituto Brasileiro de Defesa do Consu
midor - Idec. Direitos individuais homogêneos. Legitimidade.
I - São objetivos do Idec, expressamente apontados em seu esta
tuto, a defesa do contribuinte bem como a defesa do consumidor em suas múltiplas relações.
U - O Código de Defesa do Consumidor introduziu, como ob
jeto de ação civil pública, dentre outros, a defesa dos direitos indivi
duais homogêneos.
lU - Tanto o texto constitucional, em seu artigo 129, § 1.0., como
a Lei de Ação Civil Pública, admitem a legitimidade disjuntiva e con
corrente das associações com o Ministério Público.
IV - Legitimidade do autor reconhecida, devendo, porém, o JUIZ
a quo atentar para as demais condições da ação, conforme explicitado
na declaração de voto." (TRF, 311 Região, Quarta Turma, AC n. 129.677,
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114 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
20.4.1994, unânime, Relatora Juíza Lúcia Figueiredo, DJ de
18.10.1994, Seção 2, p. 59.312, grifos acrescentados).
"Processual Civil. Interesses coletivos ou difusos. Ação civil pública.
- Legitimidade ativa do Ministério Público. Indiscutibilidade da afirmação, mormente se proposta a ação em defesa de favorecimento
constitucional dirigido, dentre outras, às pessoas portadoras de defi
ciência. Lei n. 7.347/1985, a que faz remissão à Lei n. 7.853/1989." (STJ, Quinta Turma, REsp n. 74.235-RS, 6.8.1996, Relator Ministro
José Dantas, 26.8.1996, Seção I, p. 29.709).
"Recurso especial. Ação civil pública. Legitimidade ativa do Mi
nistério Público. Danos causados aos trabalhadores nas minas de Morro
Velho. Interesse social relevante. Direitos individuais homogêneos.
1. O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação
civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos, desde que esteja configurado interesse social relevante.
2. A situação dos trabalhadores submetidos a condições insalubres, acarretando danos à saúde, configura direito individual homogê
neo revestido de interesse social relevante a justificar o ajuizamento da ação civil pública pelo Ministério Público.
3. Recurso especial conhecido e provido." (STJ, Terceira Turma,
REsp n. 58.682-MG, 8.10.1996, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes, 16.12.1996, Seção 1, p. 50.864).
Em suas razões, argúi o Ministério Público:
a) que a interpretação emprestada ao instituto da ação civil pública se
deu de modo restritivo quando se sabe que a sua finalidade e importância consistem, precisamente, em ampliar os conceitos clássicos de procedimentos
de natureza estritamente individual para garantia da tutela coletiva de interesses difusos e homogêneos;
b) a legitimidade do Ministério Público para a defesa dós direitos não
decorre da natureza deles, que é individual, mas da circunstância de que devem ser defendidos coletivamente;
c) no caso dos autos, a expressão "para a coletividade" está claramente presente nos termos da letra b da Súmula n. 7 do Conselho Superior do
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 200l.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 115
Ministério Público ("O Ministério Público está legitimado à defesa de in
teresses individuais homogêneos que tenham expressão para a coletividade,
como: a) os que digam respeito à saúde ou à segurança das pessoas, ou ao
acesso das crianças e adolescentes à educação; b) aqueles em que haja
extraordinária dispersão dos lesados; c) quando convenha à coletividade o zelo
pelo funcionamento de um sistema econômico, social ou jurídico"). Há evi
dente dispersão dos lesados (todos os indivíduos que desejam ingressar em
mais de um curso em instituição pública de ensino superior no Ceará), de
forma a tornar patente a legitimidade do Ministério Público na defesa co
letiva de seus interesses, evitando, com isso, um grande número de ações in
dividuais.
Ofertadas contra-razões (fls. 168/170), defendendo-se a manutenção do
decisurn vergastado por seus próprios e jurídicos fundamentos. Reafirma
-se a ilegitimidade ativa do Ministério Público, bem como a falta de inte
resse processual, vez que inocorrentes as hipóteses previstas na Lei n. 7.347/
1985, além de tratar-se, in casu, de direitos puramente individuais, ine
xistindo qualquer razão para a anulação da Portaria Ministerial n. 837/1990.
Houve interposição de recurso extraordinário (fls. 159/164).
Conferido crivo positivo ao processamento de ambos os apelos perpe
trados (fls. 172/173), ascenderam os autos a esta Corte.
Solicitado parecer ao Ministério Público Federal, opinou a ilustre
Subprocuradora-Geral da República Dra. Gilda Pereira de Carvalho, às fls.
179/190, pelo provimento do presente recurso especial sob os fundamentos
assim resumidos (fl. 179):
"Ação civil pública. Interesse individual homogêneo. Legitimida
de do Ministério Público. Restrição de direitos. Portaria n. 837/1990.
Ilegalidade.
1. Portaria do Ministério da Educação restringiu direitos de es
tudantes de freqüentarem duas universidades públicas.
2. O objeto da ação era para que a UFC procedesse à matrícula
dos estudantes face à ilegalidade da portaria. Interesse coletivo é o vis
lumbrado, para outros, é o caso de interesse individual homogêneo.
3. O Ministério Público tem legitimidade para promover ação
civil em defesa de interesses individuais homogêneos quando existente
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
116 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
interesse social compatível com a finalidade da instituição. Preceden
tes do STJ.
4. Convém à sociedade a defesa conjunta de vários interesses in
dividuais homogêneos quando há dispersão de interessados. Garantia
da segurança jurídica e da economia e celeridade processual.
5. O correto funcionamento do sistema jurídico é interesse rele
vante que legitima a atuação do Ministério Público pela via da ação
civil pública.
6. Pelo provimento do recurso especiaL"
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro José Delgado (Relator): O tema em debate no âmbito
do presente recurso especial está circunscrito a se definir se as situações
jurídicas que estão envolvidas pela Portaria n. 837, de 31.8.1990, expedida
pelo Ministério da Educação, estão incluídas no conceito de interesses so
ciais e indisponíveis considerados, portanto, como sendo de natureza difusa
ou coletiva, tudo para se consagrar ou não a legitimidade do Ministério Público em face de ação civil pública.
A Portaria n. 837, de 31.8.1990, a questionada, tem a seguinte reda
ção (fi. 12):
"O Ministro de Estado, no uso de suas atribuições, tendo em vista o que dispõe o Decreto n. 99.490, de 30.8.1990, resolve:
Art. 1.0. - A inscrição no concurso vestibular será concedida à vista
da prova de conclusão do ensino de 2.0. grau ou equivalente, podendo, a
juízo da instituição responsável, ser apresentada até a data final de ma
trícula, considerando-se nula a classificação quando assim não ocorrer.
Art. 2.0. - As instituições particulares sujeitas à supervisão submeterão, em tempo hábil, o edital do concurso à Delegacia do Ministé
rio da Educação de sua região.
Art. 3.0. - Os resultados do concurso vestibular são válidos ape
nas para o período letivo a que se refere o edital.
Art. 4.0. - As instituições explicitarão no edital o número de va
gas oferecidas ao concurso.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 117
§ 1'"- - No caso de não preenchimento das vagas poderão optar pela realização de novo concurso vestibular.
§ 2"" - Em qualquer caso, nas instituições federais de ensino superior, ocorrendo vagas remanescentes, deverão estas ser preenchidas mediante matrícula de graduados e transferências, nos termos da legis
lação e das normas vigentes.
Art. 5'"- - É vedado ao aluno a ocupação simultânea de mais de uma vaga em instituições públicas de ensino superior.
Art. 6'"- - As instituições de ensino superior encaminharão ao Mi
nistério da Educação os formulários adotados pelo órgão de estatística, em tempo hábil, visando a permitir o acompanhamento dos concursos vestibulares.
Parágrafo único - Todas as instituições de ensino superIor pro
moverão a análise de informações socioculturais coletadas por ocasião da inscrição no concurso vestibular, tendo em vista pesquisas e estu
dos mais amplos sobre os candidatos inscritos e classificados.
Art. 7'"- - Os casos omissos serão resolvidos pela Secretaria Nacional de Educação Superior deste Ministério, revogadas as disposições em contrário.
Art. 8'"- - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação."
O dissídio em apreço refere-se, apenas, ao art. 5'"- da referida portaria, por assinalar que: "É vedado ao aluno a ocupação simultânea de mais de uma vaga em instituições públicas de ensino superior".
Observa-se, de imediato, que a vedação acima identificada só atinge
o aluno que pretenda ocupar, de modo simultâneo, mais de uma vaga em instituições públicas de ensino superior.
Identificado o campo de atuação da ordem ministerial, firma-se, desde logo, a convicção de que não está em palco a existência de interesses coletivos ou difusos, nem interesses sociais e indisponíveis.
A hipótese regulada pelo art. 5'"- da portaria hostilizada, vincula-se, de
modo rigoroso, a interesses puramente individuais marcados pela discricionariedade do agente, oportunidade em exercê-los e presença de condi
ções plausíveis para pretender consumá-los.
Forte em tais circunstâncias, acolho, de modo integral, as razões desenvolvidas pelo acórdão recorrido, especialmente quando afirma (fls. 145/ 147):
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
118 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
"Os interesses que estão sob tutela da instituição ministerial, na clara dicção constitucional e infraconstitucional, escapam à esfera in
dividual. Não obstante alguns tenham caráter individual, como os difusos, apresentam impregnado em seu bojo nítido conteúdo social.
São, pois, metaindividuais. Apresentam-se, assim, dotados de relevan
te espectro social os interesses difusos, os coletivos propriamente ditos, e os individuais homogêneos - estes últimos definidos pelo Có
digo de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990).
A par desta categoria, consagrou ainda a Carta de 1988 entre as
funções do Ministério Público defesa dos interesses individuais indisponíveis, que, num sentido lato, também coincidem com o interesse público primário, ou o bem geral.
No caso ora apreciado, não se me afigura presente nenhum interesse coletivo, difuso ou individual indisponível a legitimar, à luz dos
dispositivos supracitados, o patrocínio do Parquet.
Trata-se, na verdade, de interesse material particular de alguns
estudantes universitários do Estado do Ceará que pretendem ocupar
vaga em mais de uma instituição pública de ensino superior (UFC e Uece), pretensão visivelmente disponível, fugindo ao campo da ação civil pública e à esfera de atuação do Ministério Público.
Transcrevo, nessa direitura, ementa que traduz o entendimento
prevalente nesta egrégia Corte:
'Constitucional e Processual Civil. Ação civil pública. Ile
gitimidade ativa do Ministério Público. Direitos individuais.
1. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público, ao
fito de que seja determinada a sustação de procedimento administrativo, com a conseqüente não-realização da segunda etapa do concurso para o provimento de cargos de assistente social, no
âmbito da UFC - Universidade Federal do Ceará.
2. Tentativa de proteger direitos individuais homogêneos e disponíveis, cuja defesa não deve ser admitida mediante o empre
go da ação civil pública.
3. As atribuições institucionais do Ministério Público são aquelas previstas ou autorizadas nos artigos 127, caput; e 129,
III e IX, da Constituição Federal, os quais somente prevêem a atuação desse ente em juízo na defesa de direitos sociais, difusos
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 119
ou coletivos ou mesmo individuais, desde que indisponíveis, tais
atribuições não estão presentes no caso em tela.
4. Ilegitimidade ativa ad causam. do Ministério Público
para aforamento de ação civil pública que não colime a proteção de interesses difusos ou coletivos, que não se confundem com direitos individuais outros afetados a um determinado estamento social.
5. Apelação improvida." (AC n. 80.851-CE, ReI. Juiz Geral
do Apoliano, Terceira Turma, unânime, DJ de 1.8.1996). Grifei.'."
o entendimento do acórdão supra-indicado e em exame está harmônico com o que escrevi no artigo Interesses Difusos e Coletivos: Evolu
ção Conceitual. Doutrina e Jurisprudência do STF, na parte que passo a
citar:
"66. Mário Nigro, autor de Giustizia Amministrativa, Editrice II Mulino, p. 114, citado por Péricles Prade, in Conceito de Interesses Difusos, 2" edição, p. 45, afirmou, em 1975, que:
'Os interesses difusos (a palavra não é perfeita, mas expressa o conceito melhor que outras) são interesses que pertencem de maneira idêntica a uma pluralidade de sujeitos mais ou menos
vasta e mais ou menos determinada, a qual pode ser, ou não, unificada, e unificada mais ou menos estreitamente, em uma coletividade (no caso de tal unificação fala-se em interesses cole
tivos) .'
67. A seguir, em nota rodapé, vem o mesmo autor, citado por Péricles Prade, explicitando as afirmações acima anotadas:
'A posição do Direito com respeito a estes direitos pode ser
uma das três seguintes: ou estes interesses - considerados de forma seriada ou globalmente na sua soma ou no seu resultado (em cada uma destas palavras coloca-se um problema que aqui não
pode ser de forma alguma tratado) - são apenas o fim objetivo do
cuidado do ordenamento; ou o ordenamento reconhece a entes ou
a sujeitos exponenciais da coletividade a titularidade dos interes
ses na sua globalidade, ou então qualquer interesse singular (ou
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
120 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
fração de interesse global) vem reconhecido como suscetível de tutela por si e separadamente. A diferença entre o primeiro caso e os outros dois é nítida: no primeiro, há apenas proteção objetiva do interesse ou dos interesses; no segundo e no terceiro há também subjetivação da tutela ou para a coletividade ou para os sujeitos singulares. Dito em termos de situações jurídicas subjetivas substanciais (mas a questão se complica pelas concessões com os perfis processuais), no primeiro caso não há interesses legítimos mas meros interesses de fato, no segundo reconhece-se o interesse legítimo da coletividade ou da entidade ou repartição exponencial; no terceiro, o interesse legítimo de cada um componente do grupo.'
68. O conceito acima sublimado mereceu crítica de Péric1es Prade, ob. cit., p. 46, ao afirmar:
'Vê-se que o autor cujo texto é transcrito introduz na definição alguns mais ou menos de roupagem cinzenta, de tons esmaecidos, como se estivesse subjacente em seu pensamento o próprio significado etimológico do adjetivo difuso, o qual, por exemplo, na expressão luz difusa, nomeia a claridade não adventícia de raios solares diretos e que, pelo efeito da refração, intercala região de luminosidade com esferas de sombras.'
69. O essencial, na discussão instalada no campo doutrinário a respeito do tema, é a tendência, hoje, de se estabelecer nítida diferenciação entre interesses difusos e coletivos.
70. Péricles Prade, ob. cit., defensor intransigente dessa diferenciação, mostra que ela se concretiza pelo fato dos interesses difusos possuírem características próprias que não estão presentes nos coletivos. Essas características são, no seu entender, as que enumero:
a) ausência de vínculo associativo;
b) alcance de uma cadeia abstrata de pessoas;
c) potencial e abrangente conflituosidade;
d) ocorrência de lesões disseminadas em massas;
e) vínculo fático entre os titulares dos interesses.
71. Forte em tais elementos que tem como caracterizadores de direitos difusos, Péricles Prade define-os assim:
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereíro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 121
'Interesses difusos, tendo-se como parâmetro as caracterís
ticas arroladas no subitem precedente, são os titularizados por
uma cadeia abstrata de pessoas, ligadas por vínculos fáticos
exsurgidos de alguma circunstancial identidade de situação, passível de lesões disseminadas entre todos os titulares, de forma
pouco circunscrita e num quadro de abrangente conflituosidade.'
72. Hugo Mazzilli, in A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, 1O1l. ed., Saraiva, p.p. 4 e 5, aceita a definição de interesses difusos que
está consagrada no art. 81, parágrafo único, I, do Código de Defesa do Consumidor. Afirma, a respeito, que:
'Difusos são interesses ou direitos 'transindividuais, de na
tureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas
e ligadas por circunstâncias de fato. Compreendem grupos menos
determinados de pessoas, entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático preciso. São como um conjunto de interesses indivi
duais, de pessoas indetermináveis, unidas por pontos conexos.
Há interesses difusos: a) tão abrangentes que coincidem com o interesse público (como o meio ambiente); b) menos abrangentes que o interesse público; c) em conflito com o interesse da coletividade como um todo; d) em conflito com o interesse do
Estado, enquanto pessoa jurídica; e) atinentes a grupos que mantêm conflitos entre si.
Neles, o objeto do interesse é indivisível. Assim, por exemplo, a pretensão ao meio ambiente hígido, posto compartilhada
por número indeterminável de pessoas, não pode ser quantificada
ou dividida entre os membros da coletividade.'
73. Adolfo Geisi Bidart, que foi Professor Catedrático de Processo Civil em Montevidéu, Uruguai, em trabalho intitulado Proces
so de Amparo y Tutela de Interesses Dzfusos, publicado na Revista de Pro
cesso de n. 91, p.p. 133 e seguintes, observa que:
'Se habla de un interés dzfuso, para - positivamente - senalar
un interés propagado, que abarca a muchos, a varias, generalmente
indicados de manera genérica, no individualizados," vale decir, un
interés comparado, negativamente, com interés no-exclusivo de algún
o algunos titulares individualizados," puer no se trata de un interés
RST], Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
122 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
exclusivo de el o los titulares determinados. Existe una necesidad
difusa o generalizada a determinado género de sujetos que, por ende,
comparten los integrantes de la misma.'
74. Observa, a seguir, que Los intereses difusos, tienen siempre un
sentido social o genérico, en la que lo abstracto predomina, sin perjuicio
- lo adelantamos - de que pueda individualizar-se, en casos concretos, la
vía para logralo y el resultado obtenido. La existencia (aquí humana) se
da siempre en forma concreta, individual; dificilmente podemos obtener un
resultado que satisfaga al mismo tiempo a todos los integrantes de la clase
o categoria o grupo ou conjunto que participa de esa necesidad, v. g., con
sumidores. Pera aunque asi lo lograra siempre la satisfacción será de cada
uno de dichos integrantes; no se puede satisfazer a una categoría abstracta.
75. Ronaldo Cunha Campos, in A Ação Civil Pública, Ed. Aide,
apresenta interessante estudo sobre a conceituação de interesses
difusos. Os fundamentos que desenvolveu merecem ser revisitados. Ei
-los:
'Da outra face, o interesse coletivo afasta-se do 'difuso' por
quanto este reflete necessidades de grupos de difícil identificação
e de inexistente organização.
Vigoritti entende que os interesses difusos e os coletivos te
riam o mesmo conteúdo (agrupamento de interesses). Todavia,
enquanto o coletivo se apresentava coordenado e dotado portan
to de organização, o difuso encontrava-se em uma fase onde a
coordenação não se obtivera ainda. Tratar-se-ia portanto de fases
de um mesmo fenômeno, o de agregação de interesses. A posição
de Vigoritti não se mostra isolada como noticia Grasso.
Também Trubec refere-se a interesses difusos como aque
les privados de organização e ainda aqueles cuja estruturação e
coordenação apresentam grandes dificuldades.
Contudo, a nosso sentir, marcar estes extremos ainda não
seria suficiente para a obtenção de um conceito de interesse co
letivo. Aqui tal conceito ainda seria uma hipótese de trabalho a
ser trabalhada no decorrer deste estudo.
A rigor, teríamos duas espécies de interesse coletivo, enten
dendo este como interesse comum a um grupo.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 123
A primeira espécie (no caso, uma subespécie) resultaria ape
nas de coordenação de interesses individuais. É a posição de
Vigoritti para quem o relacionamento de interesses dirigidos a
um objetivo comum atinge a 'dignidade' de interesse coletivo
quando se prevê uma coordenação das vontades dirigidas à per
seguição do referido escopo comum (Vicenzo Vigoritti, Interessi
... , cit., p. 60).
Percebe-se assim que nesta subespécie um dos interesses in
dividuais poderia obter satisfação isoladamente, e agregou-se a
outros tão-só no sentido de obter maior probabilidade de satis
fação (Vicenzo Vigoritti, Interessi ... , cito p. 59).
Aceitamos as colocações de Vigoritti como idôneas à carac
terização de uma 'subespécie' de interesse coletivo, mas não
como uma adequada conceituação da espécie.
Grasso noticia a corrente doutrinária para a qual a indi
visibilidade caracteriza o interesse coletivo. Neste sentido as ne
cessidades dos integrantes do grupo apenas se satisfazem em con
junto (Eduardo Grasso, Gli Interessi ..... , cit., p. 26 e nota 7).
Carnelutti bem colocou a questão quando estabeleceu que
no interesse coletivo as necessidades dos integrantes do grupo
obtinham satisfação simultânea através do desfrute de um mesmo
bem, ou não logravam satisfação alguma (Francesco Carnelutti,
Sistema .... , cit.).
Esta, a nosso ver, a outra subespécie de interesse coletivo. O
interesse coletivo atende à necessidade de um grupo, sentidas es
tas necessidades por todos e por cada um. Desta forma já colo
camos o tema (Ronaldo Cunha Campos, Comentários ... , cit.,
n. 27, p. 72). Esta espécie admite subespécies como vimos acima.
Por interesse difuso entender-se-á neste trabalho aquele
manifestado por grupos não organizados e cuja identificação apre
sente dificuldades.
Adverte-se que não entendemos como característica própria
do interesse difuso o constituir uma fase na formação do interesse
coletivo, como o pretende Vigoritti (Vicenzo Vigoritti, Interessi
... , cit., p.p. 43/61).
Um interesse considerado difuso pode representar uma fase
RST], Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
124 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNALDEJUSTIÇA
na evolução de um interesse coletivo que se organiza através da
coordenação das atividades de titulares de interesses particulares afins e voltados para o mesmo escopo. Todavia, tal característica não é necessária, ou seja, nem sempre esta figura se faz presente
nos chamados interesses difusos.
Barbosa Moreira observou que a expressão 'interesses di
fusos' não adquiriu até agora sentido preciso na linguagem jurí
dica. Ao apresentar um de seus pronunciamentos sobre o tema
sugere duas notas essenciais ao conceito de interesse difuso. Uma pertinente ao sujeito, outra ao objeto.
No que tange ao sujeito o interesse não pertence à pessoa
determinada ou a grupo nitidamente delimitado. Eis aqui o ponto.
Ao ver do processualista, a titularidade do interesse encontrar-se-ia em um grupo cujos membros seriam de difícil ou impossível determinação. Ademais, isto é de se sublinhar, inexistiria neces
sariamente um vínculo jurídico entre estes componentes do gru
po, ao contrário do que ocorre, e.g., com uma sociedade anôni
ma.
Do ângulo do objeto, o interesse refere-se a um bem individual, de tal sorte que a satisfação de um elemento do grupo
implicaria a satisfação dos demais (J. C. Barbosa Moreira, A
Legitimação para a Defesa dos 'Interesses Difusos' no Direito
Brasileiro; in Temas de Direito Processual, 3.0. série, São Paulo, 1984, Saraiva, p.p. 183/184).
No que concerne ao titular do interesse, estamos em que correta se mostra a análise do jurista.
Todavia, não adotamos seu enfoque no que respeita ao ob
jeto do interesse denominado 'difuso'.
A nosso sentir, a indivisibilidade não é característica indis
pensável a um interesse coletivo e também não o seria quanto a
um difuso.
Quanto ao interesse coletivo, já nos manifestamos anterior
mente neste sentido (Ronaldo Cunha Call1pos, Comentários ... ,
cit., nota 57 à p. 70).
No que concerne a interesses difusos, possível que se rela
cionem a objeto divisível, a nosso sentir. Os consumidores de um
determinado produto podem sofrer prejuízo em virtude de defeito
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 125
de fabricação. Estes consumidores constituem grupo de difícil
identificação e apresentam o interesse comum na obtenção do ressarcimento do dano sofrido. Entretanto, e este é o ponto, pode um consumidor isoladamente obter do fabricante a indenização
pleiteada. O bem perseguido por este interesse comum não seria,
pois, indivisível.
No presente estudo, como hipótese de trabalho, consideraremos o interesse difuso como aquele cujo titular é grupo de di
fícil ou impossível identificação.
Outra espécie de interesse é o estatal, distinto como VImos
daqueles outros cujos titulares são a sociedade ou grupos sociais.'
76. Há centenas de outras manifestações a respeito da concei
tuação de interesses difusos e coletivos.
77. O debate doutrinário, pela diversidade de posições assumidas,
tem contribuído para a instalação de um estado de incerteza entre os
profissionais do Direito, ensejando, conseqüentemente, no campo da jurisprudência, uma certa instabilidade.
78. Ocorre que, em boa hora, pela voz autorizada do colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário
n. 163.231-3, São Paulo, relatado pelo eminente Ministro Maurício
Corrêa, o conceito de interesses difusos e coletivos mereceu aprecia
ção e definição terminativa pelo Pleno da Corte.
79. A autoridade da referida decisão gera efeitos de produzir entendimento estável e solidificado a respeito da matéria, pelo que se
impõe a sua aceitação, no campo jurisprudencial e no doutrinário. Não
se perca de vista que o recurso extraordinário foi decidido pelo Ple
no do STF, por votação unânime.
80. Certo que cabe à doutrina analisar a referida decisão e lançar sobre ela o seu olhar crítico, com sugestões para o aperfeiçoamento
conceitual de 'interesses difusos e coletivos'. Ocorre que, tal aconte
cendo por via de decisão judicial, há de se homenagear, sem qualquer
tergiversação, o entendimento posto pela alta Corte, porque lhe cabe
a competência e atribuição de interpretar e aplicar, de modo supremo,
a Carta Magna.
81. Cedo espaço, a seguir, para transcrever parte do voto profe
rido pelo eminente Ministro Maurício Corrêa, com o apoio unânime
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
126 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
dos seus pares, onde está posta, de modo muito claro, a compreensão
conceitual sobre 'interesses difusos e coletivos'.
82. Eis o trecho em questão:
'7. Deixando de lado o exame histórico do aparecimento no
ordenamento jurídico nacional da proteção estatal sobre esses direitos, verifico que a partir da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, os direitos difusos e coletivos passaram a integrar o com
plexo das funções do Ministério Público, como na hipótese des
sa lei que assegurou ao Parquet, em seu artigo 1'"-, a respectiva defesa por meio desse rito processual, ao proclamar o inciso V desse dispositivo a viabilidade do procedimento 'a qualquer ou
tro interesse difuso ou coletivo'.
8. Posteriormente, com o advento da nova ordem constitucional, ficou expresso que dentre as competências do Ministério
Público estariam aquelas pertinentes à promoção do 'inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público
e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos' (CF, artigo 129, inciso HI).
9. Restou ampliada a atuação do órgão ministerial para al
bergar esses interesses, consolidando-a ainda mais, ao determinar
o Código de Defesa do Consumidor, aprovado pela Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, em seu artigo 81, que a defesa cole
tiva será exercida quando se tratar de:
'I - interesses ou direitos difusos, entendidos para efei
tos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível, de que titulares pessoas indeterminadas e ligadas circunstâncias de fato;
H - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos
para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza
indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de
pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma
relação jurídica-base;
IH - interesses ou direitos individuais homogêneos,
assim entendidos os decorrentes de origem comum.'
10. E no mais recente diploma acerca do tema, que é a Lei
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 127
n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, veio o seu artigo 25, IV, a, dimensionar ainda mais o conceito do que é interesse coletivo,
atribuindo ao Ministério Publico a competência para a sua defesa.
11. Como se sabe, o termo difuso, já do domínio público nos
dias de hoje, não foi criado modernamente, visto que tem a sua
origem na doutrina romanística. Vittorio Scialoja já se referia ao
conceito de difuso, no século passado, ao mencionar que 'di
reitos difusos, que não se concentram no povo considerado
como entidade, mas que tem por próprio titular realmente cada
um dos participantes da comunidade' (Procedura Civile Roma
na, Anonima Romana Edtoriale, Roma 1932, § 69, p. 345).
Àquela ocasião, todavia, não se havia estabelecido a diferença en
tre direitos difusos e coletivos, não obstante alguns desses di
reitos sendo coletivos fossem rotulados implicitamente como difu
sos. Por isso mesmo MassinlO Villone já houvesse concebido
que interesse difuso é 'uma personagem absolutamente miste
riosa' (La Colocazzione Instituzionale dell'Interesse Difuso in La
Tutela Degli Interessi Difusi nel Dirito Comparato, Giufré, Mi
lão, 1976, p. 73).
12. Hoje as fronteiras dos dois interesses estão definitivamente delimitadas, sendo difuso o interesse que abrange núme
ro indeterminado de pessoas unidas pelo mesmo fato, enquanto
interesses coletivos seriam aqueles pertencentes a grupos ou ca
tegorias de pessoas determináveis, possuindo uma só base jurídica.
Portanto, a indeterminidade seria a característica fundamental dos
interesses difusos, e a determinidade aqueles interesses que envol
vem os coletivos.
13. Teori Albino Zevascky classifica esses direitos, sob o
aspecto subjetivo, os difusos como transindividuais, como aqueles
que não têm titular individual, sendo que a ligação entre os seus
vários titulares decorre de mera circunstância de fato; e os cole
tivos, também transindividuais, com determinação relativa de seus
titulares, ou seja, que não têm titular individual e a ligação en
tre os vários titulares coletivos nasce de uma relação jurídica-base.
Definido o conceito dessa forma, seriam difusos, por exemplo, as
vítimas do uso de um determinado remédio, que vendido a uma
clientela indeterminada, fosse nocivo à saúde; e coletivos aque
les que, constituídos em grupos ou categorias, fossem objeto de
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
128 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
certo ato que violasse direitos desses grupos ou categorias, razão
pela qual Péricles Prade conceituou-os como aqueles que 'têm como característica principal a ligação com o fenômeno associa
tivo, dirigindo-se aos fins institucionais dos grupos'. (Conceito
de Interesses Difusos, RT, 2Jl. ed., p. 39).
14. Nessa mesma esteira posiciona-se Édis Milaré:
'Embora a distinção entre interesses difusos e interes
ses coletivos seja muito sutil - por se referirem a situações
em diversos aspectos análogos - tem-se que o principal divisor de águas está na titularidade, certo que os primeiros
pertencem a uma série indeterminada e indeterminável de
sujeitos; enquanto os últimos se relacionam a uma parcela também indeterminada, mas determinável de pessoas. Fun
da-se, também, no vínculo associativo entre os diversos ti
tulares, que é típico dos interesses coletivos ausente nos interesses difusos' (A Ação Civil Pública na Nova Ordem
Constitucional, Saraiva, 1990, p.p. 27/28).
15. Da mesma forma, apenas com fundamentação distinta, é
a opinião de Alcides A. Munhoz da Cunha (A Evolução das
Ações Coletivas no Brasil, Revista de Processo n. 77, p.p. 224/
235); Kazuo Watanabe (Demandas Coletivas e os Problemas
Emergentes da Praxis Forense, Forense, p.p. 185/196) e tantos
outros.
16. No entant9, ao editar-se o Código de Defesa do Consu
midor, pelo seu artigo 81, inciso lU, uma outra subespécie de direitos coletivos fora instituída, dessa feita, com a denominação
dos chamados interesses ou direitos individuais homogêneos as
sim entendidos os decorrentes de origem comum.
17. Por tal disposição vê-se que se cuida de uma nova conceituação no terreno dos interesses coletivos, sendo certo que esse
é apenas um nOIllen iuris atípico da espécie direitos coletivos.
Donde se extrai que interesses homogêneos, em verdade, não se
constituem como um tertiuIll genus, mas sim como uma mera
modalidade peculiar, que tanto pode ser encaixado na circunfe
rência dos interesses difusos quanto na dos coletivos.
18. Por isso mesmo Kazuo Watanabe (ob. cit., p. 196), que
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 129
integrou a comissão que apreçou os estudos preliminares da en
tão proposta do Código do Consumidor, haver afirmado que, no
ponto, são 'interesses ou direitos individuais homogêneos, os de origem comum, permitindo a tutela deles a título coletivo. Origem comum não significa, necessariamente, uma unidade factual
e temporal', endossando igual escólio Hugo Nigri MazziHi (A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, Saraiva, p. 10, 7a edição,
1995), para quem 'os interesses individuais homogêneos, em sentido lato, na verdade não deixam de ser também interesses coletivos' .
19. Quer se afirme na espécie interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão nitidamente cingidos a uma mesma relação jurídica-base e nas
cidos de uma mesma origem comum, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque incluem grupos, que conquanto atinjam as
pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais, no sentido do alcance da ação civil pública, posto que sua concepção finalística destina-se à proteção do grupo. Não está,
como visto, defendendo o Ministério Público subjetivamente o indivíduo como tal, mas sim a pessoa enquanto integrante desse grupo. Vejo, dessa forma, que me permita o acórdão impugnado,
gritante equívoco ao recusar a legitimidade do postulante, porque estaria a defender interesses fora da ação definidora de sua competência. No caso agiu o Parquet em defesa do grupo, tal como
definido no Código Nacional do Consumidor (artigo 81, incisos H e IH) e pela Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993), cujo artigo 25, inciso IV, letra a, o autoriza como titular da ação, dentre muitos, para
a proteção de outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos.
20. E a respeito dessa nota que caracteriza os interesses
difusos e coletivos, a transindividualidade e indivisibilidade, anotou J .C. Barbosa Moreira que os interessados nessa relação, tal qual a dos autos, 'se põem numa mesma espécie de comunhão
tipificada pelo fato de que a satisfação de um só implica por força
a satisfação de todos, assim como a lesão de um só constitui, ipso
facto, lesão da inteira coletividade' (A Legitimação para a Defesa dos Interesses Difusos no Direito Brasileiro, Revista Ajuris
32/82), aduzindo, a propósito, Ada Pellegrini Grinover, acerca
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
130 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
dos interesses coletivos, no círculo protegido pela tutela estatal,
que 'a satisfação de um interessado implica necessariamente a satisfação de todos, ao mesmo tempo em que a lesão de um indica a lesão de toda a coletividade'. (A Problemática dos Interesses
Difusos, Editora Max Limonad, p. 31)'.
83. O acórdão em referência (RE n. 163.231-3-SP), julgamento
de 26.2.1997, tratou da legitimidade do Ministério Público para pro
mover ação civil pública no intuito de discutir aumento de mensalidades escolares. Mereceu a seguinte ementa:
'Legitimidade do Ministério Público para promover ação
civil pública em defesa dos interesses difusos, coletivos e homogêneos. Mensalidades escolares: capacidade postulatória do Parquet para discuti-las em juízo.
1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério PÚ
blico como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indis
poníveis (CF, art. 127).
2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade
postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação
penal pública e da ação civil pública para a proteção do patri
mônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e UI).
3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número
indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de
fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte con
trária por uma relação jurídica-base.
3.1. A indeterminidade é a característica fundamental dos
interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que
envolvem os coletivos.
4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mes
ma origem comum (art. 81, lU, da Lei n. 8.078, de 11 de setem
bro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos.
4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 131
interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a
uma mesma base jurídica, sendo 'coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pes
soas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser veda
da a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção fina
lística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe
de pessoas.
5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou
ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública, a
requerimento do órgão do Ministério Público, pois ainda que se
jam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio proces
sual como dispõe o artigo 129, inciso III, da Constituição Fe
deral.
5.1. Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada cons
titucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF,
art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade
postulatória, patente a legitimidade ad causalIl, quando o bem
que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social
tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal.
- Recurso extraordinário conhecido e provido para, afasta
da a alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à
defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao tribunal de origem, para prosseguir no julgamento
da ação.'
v - Conclusões
84. É de se considerar que, a partir de 26.2.1997, data do julga
mento pelo pleno do Supremo Tribunal Federal, do RE supra-referi
do, o conceito de interesses difusos e coletivos passe a receber trata
mento uniforme no campo jurisprudencial. Esse posicionamento a ser
adotado, com certeza, produzirá celeridade nos julgamentos, pelo fato
de evitar discussões de natureza subjetiva sobre tal tipo de interesse.
O seguimento do acertado pela Suprema Corte, sem se questionar a
postura da doutrina em analisá-la, criticá-la, aprovando-a ou não, por
todos aqueles que têm a missão constitucional de ser o condutor da
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
132 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
entrega da prestação jurisdicional buscada pelo cidadão, constituirá
uma forte contribuição para acelerar o julgamento final da causa e, em
razão de tal atitude, atender aos anseios da cidadania: uma justiça mais rápida e com segurança.
85. Em face do que foi exposto nos capítulos precedentes e, es
pecialmente, no acórdão do STF suso referido, firmo os seguintes
enunciados sobre a evolução conceitual da expressão 'interesses difusos e coletivos':
a) os interesses difusos e coletivos passaram a integrar o complexo das funções do Ministério Público, desde o art. 1!l da Lei n. 7.347,
de 2.7.1985, ao proclamar a viabilidade da ação civil pública ser por
ele interposta para proteger qualquer outro interesse difuso e coleti-
vo;
b) com o advento da CF11988, de forma expressa, outorgada foi competência ao Ministério Público para promover ação civil pública,
com o fim de proteger o patrimônio público, o meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III, CF);
c) a Lei n. 8.625, de 12.2.1993, no art. 25, IV, dimensionou ainda
mais o conceito do que é interesse coletivo, atribuindo ao Ministério
Público a competência para a sua defesa;
d) é difuso o interesse que abrange número indeterminado de pessoas unidas pelo mesmo fato;
e) é interesse coletivo o pertencente a grupos ou categorias
determináveis, possuindo uma só base jurídica;
f) a indeterminidade é a característica fundamental dos interes
ses difusos;
g) a determinidade marca o conceito dos interesses coletivos;
h) os interesses coletivos ou particularmente os interesses homo
gêneos, stricto sensu, ambos estão ligados a uma mesma relação ju
rídico-base e nascidos da mesma origem comum;
i) os interesses coletivos caracterizam-se porque 'incluem grupos,
que, conquanto atinjam pessoas isoladamente, não se classificam como
direitos individuais, no sentido da ação civil pública, posto que sua
concepção finalística destina-se à proteção do grupo' (recurso extraor
dinário citado);
j) O Ministério Público, na ação civil pública visando a proteger
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 133
interesses coletivos, não defende, de modo subjetivo, o indivíduo como
tal, mas sim a pessoa enquanto integrante desse grupo."
Ora, de tudo quanto foi exposto, conclui-se que os interesses em exame são rigorosamente individuais, abrangendo poucos interessados e sem qualquer ligação com a mesma relação jurídico-base e sem nascerem da
mesma origem comum.
Os interesses discutidos atuam isoladamente por força da ação de cada
pessoa, sem terem conteúdo social, sem assumirem as características de
transindividualidade e indivisibilidade.
O aluno, ao ingressar na universidade, está subordinado às regras de sua
disciplina e organização, sendo regular perante o ordenamento jurídico a exi
gência que lhe impossibilita cursar, na mesma entidade, dois cursos.
Por tais considerações, conheço do recurso, porém, nego-lhe provi
mento.
É como voto.
Relator:
RECURSO ESPECIAL N. 249.368 - SC (Registro n. 2000.0017619-2)
Recorrente:
Ministro Garcia Vieira
Fazenda Nacional
Procuradores: Anna Azevedo Torres Goulart e outros
Recorrida:
Advogados:
Cooperativa Regional Auriverde Ltda
Armeu Bergmann e outro
EMENTA: Tributário - Imposto de renda - PIS - Cooperativas
- Atos não cooperativos - Incidência.
As aplicações financeiras não são atos cooperativos (praticados entre a cooperativa e seus associados, para a consecução dos seus
objetivos sociais), e devem ser levados à conta do Fundo de Assis
tência Técnica, Educacional e Social, conforme preceitua a Lei n.
5.764/1971, artigos 85 e 86, a fim de que sejam contabilizados em
RST}, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
134 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
separado, de molde a permitir o cálculo para fins de incidência de
imposto de renda.
As empresas em geral estão SUjeItas ao PIS de 0,65% sobre a
receita bruta operacional, além de 1 % sobre a folha de pagamento
mensal, inclusive as cooperativas em relação aos atos não coopera
tivos.
Recurso parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo
tos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, vencido o Sr. Ministro
Milton Luiz Pereira, dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto
do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, José Delgado e Francisco Falcão.
Brasília-DF, 23 de maio de 2000 (data do julgamento).
Ministro José Delgado, Presidente.
Ministro Garcia Vieira, Relator.
Publicado no DI de 25.9.2000.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Garcia Vieira: A Fazenda Nacional interpõe recurso especial (fls. 108/117), com fundamento na Constituição Federal, artigo 105, inciso IH, letra a, aduzindo tratar-se de mandado de segurança impetrado com objetivo de assegurar o direito de se recolher o PIS sem a
incidência dos Decretos-Leis n. 2.445/1988 e 2.449/1988 e Ato Declaratório Normativo CST n. 14/1985, relativamente ao período de 7.1991 a 12.1993, que resultou no pedido de parcelamento dos débitos.
A r. sentença concedeu, em parte, a segurança, sendo reformada pelo
egrégio Tribunal a quo por decisão assim ementada:
"Tributário. PIS. Inconstitucionalidade. Decretos-Leis n. 2.445 e 2.449/1988. Ato Declaratório Normativo CST n. 14/1985. Compen
sação. Possibilidade. Correção monetária.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 200l.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 135
1. Inconstitucionalidade dos Decretos-Leis n. 2.445 e 2.449/1988,
aplicabilidade da Súmula n. 28 desta Corte.
2. Ausência de amparo legal para a aplicação do disposto no Ato
Declaratório Normativo CST n. 14/1985.
3. Para a contribuição para o PIS não se aplicam as disposições
do artigo 111 da Lei n. 5.764/1971, porque o programa tem legisla
ção própria.
4. Tem o contribuinte direito a compensar os valores indevida
mente pagos com parcelas vincendas da mesma contribuição, confor
me disposto no § 111. do artigo 66 da Lei n. 8.383/1991.
5. A correção monetária dos valores compensáveis recolhidos se
fará, desde o pagamento indevido, pelo INPC de março a dezembro de
1991 e a partir de janeiro de 1992, pela Ufir. A partir de Jll de janei
ro de 1996 aplicam-se juros equivalentes à Selic, nos termos do arti
go 39, IV, da Lei n. 9.250/1995.
6. Apelação da Autora provida. Recurso da União e remessa ofi
cial improvidos." (fi. 104).
Alega que "as sociedades cooperativas não gozam de isenções de tri
butos ou contribuições. A ausência de lucro, o que decorre da própria na
tureza destas entidades, implica necessariamente na não incidência da nor
ma tributária". Acrescenta que, ao praticarem atos que escapam à sua fina
lidade social, as cooperativas se equiparam às sociedades lucrativas, reali
zando a hipótese de incidência prevista em lei.
Aponta a Recorrente negativa de vigência ao disposto nos arts. 85, 86,
87,88 e 111 da Lei n. 5.764/1971.
Pede reforma do v. acórdão.
Contra-razões (fIs. 119/121).
Despacho de admissibilidade (fi. 123).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Garcia Vieira (Relator): Sr. Presidente, aponta a Recorrente como violados os artigos 85, 86, 87 e 111 da Lei n. 5.764/1971,
versando sobre questões devidamente prequestionadas.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
136 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Conheço do recurso pela letra a.
As cooperativas praticam atos cooperativos e atos não cooperativos e
estes estão sujeitos à incidência de tributos.
A Lei n. 5.764, de 16 de dezembro de 1971, em seu artigo 79, define
o ato cooperativo como sendo "os praticados entre as cooperativas e seus
associados, para a consecução dos seus objetivos sociais". Ora, é evidente
que aplicações financeiras não são atos praticados entre as cooperativas e
seus associados. São atos praticados com não associados (Lei n. 5. 764/1971,
artigos 85 e 86) e, nos termos claros do artigo 87 da mencionada norma
legal.
"Os resultados das operações das cooperativas com não aSSOCIa
dos, mencionados nos artigos 85 e 86, serão levados à conta do 'Fun
do de Assistência Técnica, Educacional e Social' e serão contabilizados
em separado, de molde a permitir cálculo para a incidência de tribu
tos."
É claro que o lucro obtido pela Recorrida com suas aplicações finan
ceiras tinha de ter sido levado à conta do referido fundo e contabilizado em
separado para ser calculado o imposto de renda a ser recolhido. E isto tam
bém em obediência ao disposto no artigo 111 da mesma Lei n. 5.764/1971.
Estabelece este dispositivo legal que:
"Serão considerados como renda tributável os resultados positi
vos obtidos pelas cooperativas nas operações de que tratam os artigos
85, 86 e 88 desta Lei."
Neste sentido os Recursos Especiais n. 191.424-RS, RSTJ 116/106, e
36.887-1-PR, RSTJ 57/385, dos quais fui relator. As empresas em geral es
tão sujeitas ao PIS de 0,65% sobre a receita bruta operacional, além de 1 %
sobre a folha de pagamento mensal, inclusive as cooperativas em relação aos
atos não cooperativos (arts. 85, 88 e 111 da Lei n. 5.764/1971). Como se
vê, mesmo depois da decretação da inconstitucionalidade dos Decretos-Leis
n. 2.445 e 2.449, de 1988, ele subsiste na forma estabelecida pela Lei Com
plementar n. 7/1970.
Assim sendo, dou parcial provimento ao recurso especial para decla
rar que a Recorrida está sujeita ao PIS com referência a seus atos não coo
perativos.
RST], Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 137
Tendo havido sucumbência recíproca, mais ou menos na mesma pro
porção, cada parte pagará os honorários de seu advogado.
VOTO-VENCIDO
o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira: Sr. Presidente, fico vencido. Fa
rei juntada de voto.
"ANEXO
RECURSO ESPECIAL N. 109.714 - RS
VOTO
O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira (Relator): Da leitura das pá
ginas dos autos sobra espaço para o litígio fincado em mandado de
segurança, com o fito de obter o reconhecimento da não incidência do
Imposto de Renda sobre aplicações financeiras de momentâneas dis
ponibilidades de 'sobras em caixa' de cooperativa de agricultores, côn
sono assentou o verrumado v. acórdão, resumido na seguinte ementa:
'1. Direito Tributário.
2. Operações financeiras de curto prazo. Imposto de renda
exigido nos exercícios de 1984 e 1985.
3. Resultados não previstos na Lei n. 5.764/1971, art. 111
(RIR/1980, art. 129), Precedente jurisprudencial.
4. Apelação e remessa ex officio desprovidas.' (fi. 187).
Presentes os requisitos de admissibilidade, o recurso merece ser
conhecido (art. 105, lII, a e c, CF).
Prenunciada a relação jurídico-litigiosa e aberto o pórtico para
o exame, descortina-se tema já versado por esta Turma, inter alia,
podendo ser lembrado o REsp n. 35.843-PR, ReI. Min. Demócrito
Reinaldo, assim ementado:
'Tributário. Repetição de indébito. Cooperativa. Aplicações
de sobras de caixa do mercado financeiro. Negócio jurídico que
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
138 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
extrapola a finalidade básica dos atos cooperativos. Imposto de renda. Incidência.
I - A atividade desenvolvida junto ao mercado de risco não é inerente à finalidade a que se destinam as cooperativas. A especulação financeira, como forma de obtenção do crescimento da entidade, não configura ato cooperativo e extrapola dos seus objetivos institucionais.
II - As aplicações de sobra de caixa no mercado financeiro, efetuados pelas cooperativas, por não constituírem negócios jurídicos vinculados à finalidade básica dos atos cooperativos, sujeitou-se a incidência do Imposto de Renda.
III - Recurso a que se nega provimento. Decisão por maioria.' (in DJU de 27.6.1994).
Em que pesem as razões orientadoras desse precedente, peço vênias para continuar divergindo da douta maioria, reiterando os fundamentos que desenvolvi naquele julgamento, textualmente:
' ... de acordo com o contido no art. 129, caput, do Decreto n. 85 .450/1980-RIR, 'as sociedades cooperativas, que obedeceram ao disposto na legislação específica, pagarão o imposto calculado unicamente sobre os resultados positivos das operações ou atividades' (gf.), enumeradas nos incisos I a IlI, artigo citado, previstas nos arts. 85, 86 e 88 da Lei n. 5.764/1971, percebendose que aludida norma reforça o estabelecido na art. 111 da lei retroinvocada, obviando-se que as demais operações praticadas pelas supracitadas sociedades, não amoldadas nos dispositivos apontados - arts. 85, 86 e 88, à força aberta, estão fora do campo de incidência do tributo em comento. Sobressai, assim, que as sociedades cooperativas - Lei n. 5.764/1971, como regra geral, estão escudadas contra a incidência do Imposto de Renda:
'É manifesta a intenção do legislador: tributáveis pelo Imposto de Renda são os resultados positivos auferidos nas operações de que tratam os arts. 85, 86 e 88 da Lei n. 5.764/1971. Os resultados positivos obtidos pelas cooperativas em outras operações, que não se enquadram nos arts. 85, 86 e 88, ficam excluídos do âmbito da incidência do imposto sobre a renda.' (Walmor Franke, in Doutrina e Aplicação do Direito Cooperativo, p. 27).
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 200l.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 139
A jurisprudência não discrepa (REO n. 106.342-TFR, ReI.
Min. Carlos M. Velloso, in DJU de 26.6.1986, p. 11.521).
Fincadas essas observações, à vista do art. 79 da Lei n.
5.764/1971, comporta verificar se, relativamente às receitas
operacionais positivas decorrentes de aplicações financeiras para
as cooperativas amolda-se um fato imponível ou não. A teor do
art. 111 da Lei n. 5.764/1971, somente os resultados positivos
obtidos pelas sociedades cooperativas nas operações de que tra
tam os arts. 85, 86 e 88, é que estão sujeitos à incidência do Im
posto de Renda, em favor delas, assim, configurando-se, exce
tuadas as hipóteses exaustivamente previstas, a não-incidência por
inocorrência do fato gerador. Desse modo, embora se possa até
conjecturar, como fez a Ré, que a redação do art. 129, Decreto
n. 85.450/1980 - RIR - é equivocada ou órfã de melhor técnica
na legislação fiscal, porém, não sendo possível a esquiva ao prin
cípio da reserva da lei (arts. 19, I; e 153, § 29, Constituição Fe
deral; arts. 9J\ I; e 97, I, CTN) no caso, por interpretação exten
siva não se pode exigir ou estabelecer obrigação tributária,
discricionariamente completando a autoridade fazendária a lei
que, no seu pensar, quanto aos seus fins, tem alcance para tribu
tar em combinação com os arts. 95, I; 96, I; e 405 do RIR (fl.
883). Tal proceder lhe é defeso - art. 108, § P', CTN. Referen
temente à composição de que as aplicações financeiras teria
extrapolado o 'ato cooperativo', por isso, tornando-se suscetível
de tributação, em contraposição, ao redor do art. 129, I, II e III
- RIR, calha rememorar:
'Nesses seus três (3) itens, acima transcritos, o NRIR
enumera especificamente, os negócios jurídicos cujos resul
tados positivos são tributados pelo imposto de renda. E no
caput, o artigo 129 ainda acentua, com ênfase, que o impos
to de renda é pago pelas cooperativas unicamente nestes ca
sos.
No item lII, o dispositivo prevê a hipótese de partici
pação da cooperativa, como sócia ou acionista, em socieda
des não-cooperativas. Os dividendos propiciados por essas
RST], Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
140 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
participações societárias sofrem a incidência do imposto de renda.
Nos itens I e II, o art. 129 caracteriza, especificamente, os negócios ou operações que a sociedade cooperativa pode realizar com não-associados, pagando ela, nestes casos, o competente imposto de renda sobre os resultados positivos auferidos em tais negócios.
Da leitura dos itens I e II do art. 129 do NRIR ressalta, inquestionavelmente, que a cooperativa não está sujeita à incidência do imposto de renda sobre todo e qualquer negócio celebrado com terceiros, não-associados. É evidente que, no movimento operacional das cooperativas, há negócios que ela precisa realizar com não-associados, com condição sine qua non para alcançar plenamente os seus fins sociais e prestar, da melhor forma possível, os seus serviços aos próprios associados.' (gf).
'O art. 129, com seus itens I e II, é da aplicação restrita às hipóteses da incidência que nele são especificadas e unicamente a tais hipóteses, como o determinou o legislador mediante o emprego desse advérbio (unicamente) no caput do art. 129. Os ganhos auferidos em transações com títulos no Open Market são negócios auxiliares que nenhuma analogia apresentam com o 'fornecimento de bens de consumo ou de serviços a não-associados' ou com a 'aquisição de produtos agropecuários, feita a não-associados, para completar lotes destinados ao cumprimento de contratos ou para suprir capacidade ociosa de instalações industriais da cooperativa'. Aliás, na lição da mais autorizada doutrina, o argumento da analogia não tem cabimento na esfera do direito tributário material.' Walmor Franke, in Doutrina e Aplicação do Direito Cooperativo, p.p. 28 e 34).
Esses resultados tiveram origem em sua grande parte, na
imperiosa necessidade de se resguardar, tanto quanto possível, o
poder de compra de vultosas somas em dinheiro que a autora constante e necessariamente detinha em seu poder, resultante do normal desempenho de suas atividades, e que representavam as economias de seu grande número de associados.
RSTJ, Brasília, u. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 141
Experimentando, como efetivamente toda a Nação expen
menta um regime econômico caótico, onde os efeitos do fenôme
no inflacionário se fazem sentir dia a dia, corroendo impiedo
samente o valor nominal da moeda, era imprescindível a realiza
ção destas aplicações, nem tanto com o objetivo de se auferir al
gum ganho real, senão com o propósito maior de proteger o
patrimônio social, mantendo o valor aquisitivo desta altíssimas
importâncias, resguardadas dos ruinosos efeitos da inflação.
Por isso embora não figurassem no elenco dos objetivos so
ciais da autora, constituíam-se, efetivamente, ditas operações, em
atividade-meio para a consecução desses objetivos, pois não é di
fícil imaginar a gravidade dos prejuízos que lhe seriam impostos,
caso, administrando elevadas somas, pertencentes aos seus asso
ciados, descurasse de seu devedor, de bem zelar o patrimônio so
cial, permitindo sua deteriorização por índices inflacionários
altíssimos.
Dessarte, quando realizou operações financeiras estava, em
última análise, protegendo o patrimônio de seus associados, o que
implícita e legalmente faz parte de seus objetivos sociais, estan
do, por conseguinte, em perfeita sintonia com os preceitos da le
gislação cooperativista.
Postas de lado essas considerações de cunho econômico, sob
a ótica estritamente jurídica dúvidas não há de que tais resulta
dos não constituem fato gerador do tributo, quando obtidos por
sociedades cooperativas, à vista do critério utilizado pelo legis
lador ao elaborar a Lei n. 5.764/1971, quando optou por enume
rar taxativamente as únicas hipóteses de incidência tributária nas
cooperativas. Em qualquer dessas hipóteses não se conformam os
resultados obtidos em aplicações financeiras, inocorrendo, portan
to, fato imponível hábil a legitimar a exigência do referido tri
buto'.
São considerações que se conciliam com o objetivo final das
cooperativas, sem confundir-se com o das sociedades mercantis
(obtenção de lucro), não se olvidando que, naquelas, as despesas
gerais são cobertas, por rateio, pelos associados e, havendo sobras,
retornando-lhes proporcionalmente, com a permanente preo
cupação da elevação sócio econômica do associado, espelhando o
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
142 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
necessário divorciamento de lucro como fim em si mesmo. En
fim, no caso não vejo por que deixar de considerar as aplicações financeiras como atividade-meio para a consecução dos superio
res interesses da cooperativa, que visou só a resguardar o interesse
dos seus associados, a que, a meu ver, ato cooperativo atípico, não
tributável. Demais, o que a coloca a salvo da suspeita de apenas procurar fugir à obrigação fiscal, sublinhe-se que admite a inci
dência proporcional em suas operações com terceiros - arts. 85
e 86, Lei n. 5.764/197l.
Dessa maneira, o critério fiscal (art. 34 da Lei n. 7.450/ 1985), exigindo uma retenção de Imposto de Renda na fonte, in
cidente sobre resultados de aplicações financeiras, impedindo a
compensação na respectiva declaração anual de rendimentos, con
figura ilegalidade.
Nesse sentido, lembro precedentes do extinto Tribunal Federal de Recursos, que se afinam com o mesmo entendimento,
destacando a Apelação Cível n. 8l.315, também do Paraná, rela
tada pelo Sr. Ministro Pedro Acioli:
'A teor do art. 111 da Lei n. 5.764, somente os resul
tados obtidos pelas sociedades cooperativas nas operações de
que tratam os arts. 85, 86 e 88 é que estão sujeitos. A tri
butação de excesso de retiradas de diretores tem - e que era
também um outro aspecto - conseqüente redução nesses mesmos resultados tributáveis.'
Em reforço de argumentação, pela significação, observo que o procedimento fiscal é contrário à lei (art. 108, § 1.!l, do CTN),
ressaltando-se que, inquestionavelmente, a cooperativa não está
sujeita à incidência do imposto questionado, enfatizando-se que, não obstante, não façam parte dos seus objetivos sociais, consti
tuem essas aplicações uma atividade-meio para a concepção da
atividade básica, haja vista que é realizada com o fim precípuo de
obter maiores recursos, que reverterão em benefício dos associa
dos, sem o fim especulativo de lucro.
Em contrário pensar, seria esquecer a realidade das C01sas
ficando o direito desajustado à realidade.
Desse modo, ou a cooperativa, diante de verdadeiro estado
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 143
de necessidade, fez ditas aplicações (operação-meio) ou vai falir. Não se diga que a simples correção monetária, datíssima vênia do eminente Relator, vai satisfazer, diante de crescente desvalorização da moeda, tumultuária de qualquer estabilidade econômico-financeira. Esquecida tal realidade, o desajustamento, sem dúvi
da nenhuma, levará a cooperativa a um fatal desenlace nas suas atividades. São considerações que se conciliam com o objetivo final das cooperativas, sem confundir-se com as sociedades mercantis, somente voltadas à obtenção de lucro, não se olvidando
que, naquelas, as despesas gerais são cobertas por rateio pelos seus associados e, havendo sobras, retornando-lhes proporcionalmente, com a permanente preocupação da elevação sócioeconômica do associado, espelhando inequívoco divorciamento com o lucro-fim em si mesmo.
Estas aplicações fogem, refogem, afugentam-se, desapare
cem, como o diabo diante da cruz, de qualquer mácula mercenária, certo de que as cooperativas não têm a finalidade do lucro
fácil. Demais, o Imposto de Renda incide sobre o lucro - lucro que é próprio do regime capitalista, não censurável quando não for explorador nem escravizador. O caso em questão não tem esse sentido e sim o de superar a necessidade suprema dos interesses dos cooperados, como meio-fim para a sobrevivência da cooperativa.
Enfim, feita a objetiva análise, não vejo por que deixar de considerar as aplicações financeiras como atividade-meio para a
consecução dos superiores interesses da cooperativa, para resguardar os interesses dos seus cooperados, constituindo ato cooperativo atípico não tributável, livre da suspeita de apenas procurar fugir à obrigação fiscal.
Srs. Ministros, é bem possível, e por isso submeterei-me à censura de V. Ex."S, que tenham dado demasiada ênfase. Porém,
na perspectiva da realidade das coisas, em que pese reconhecer a importância dos argumentos expendidos pelo eminente Relator,
voto provendo o recurso.' (REsp n. 35.843-4-PR).
Justaponha-se que não seria aconchegado à razão exigir da coo
perativa, então, sob a procela de agudo período inflacionário, a retenção das suas sobras momentâneas de caixa em simples conta-corren
te, causando injustificável prejuízo financeiro aos cooperados. Demais,
RST], Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
144 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o RIR (Decreto n. 85.450/1980), com característica de norma comple
mentar (art. 100, I, CTN), adotou interpretação favorável ao contribuinte, permitindo a exclusão do campo de incidência do tributo.
Por todo o exposto, como motivação, reanimando a comemora
da fundamentação, posta no julgamento de questão jurídica idêntica,
voto improvendo o recurso.
É o voto."
RECURSO ESPECIAL N. 249.442 - SP (Registro n. 2000.0017837-3)
Relator:
Recorrente:
Ministro José Delgado
Hidroservice Engenharia Ltda
Ronaldo Corrêa Martins e outros Advogados:
Recorrido: Município de São Paulo
Advogados: Maria Isabel de Oliveira e Silva e outros
EMENTA: Recurso especial - ISS - Alegativa de violação aos ar
tigos 130, 535 e seguintes do CPC e artigos 151, IIl; 174, 201 e 204
do CTN, artigos 11, 12, a e b; e 92 , §§ 12 e 32 , do Decreto-Lei n. 406/ 1968 - Ausência de prequestionatnento - Acórdão fundado nos fatos
circunstanciados da lide - Recurso especial conhecido apenas quan
to à aludida vulneração ao artigo 151, IlI, do CTN e quanto à multa de que trata o parágrafo único do artigo 538 do CPC e provido tão
-só para relevar a multa de 1 % aplicada à recorrente.
1. Não se conhece de recurso especial quando os dispositivos
legais que se entende por violados não foram debatidos pelo
decisório impugnado. No caso, os artigos 130 e 535 do CPC e 174, 201 e 204 do CTN não foram resolvidos pelo aresto combatido. Por
sua vez, a expressão "e seguintes" utilizada pela parte em seqüên
cia ao artigo 535, não serve para individuar e caracterizar os pre
ceitos legais acusados configurando-se, destarte a deficiência de fun
damentação recursal. Incidem, portanto, as Súmulas n. 282, 356 e
284, todas do colendo STE
RSTJ, Brasília, u. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 145
2. No que diz respeito aos artigos 11, 12, a e b; e 9Q, §§ 1Q e 3Q
,
todos do Decreto-Lei n. 406/1968, o aresto ao aplicá-los, tOlllOU elll consideração os fatos circunstanciados dos autos, de lllaneira que a
investigação de sua suposta infringência, acarretaria necessarialllen
te o reexallle de lllatéria fática illlpossível na instância especial, con
forllle verbete da SÚlllula n. 7-STJ.
3. Inocorreu violação ao artigo 151, In, do CTN, tendo o decisulll
reclalllado dado-lhe correta aplicação consoante a linha de entendilllento deste Sodalício.
4. Deve ser relevada a lllulta de 1 % de que trata o artigo 538,
parágrafo único, do CPC, posto que não develll ser considerados
COlllO protelatórios elllbargos de declaração interpostos de sentença lllonocrática, lllorlllente quando se sabe que a parte ainda dispunha do direito à apelação.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhe
cer em parte do recurso e, na parte conhecida, dar-lhe provimento para afas
tar a multa do parágrafo único do artigo 538 do CPC. Votaram de acordo
com o Relator os Srs. Ministros Francisco Falcão, Garcia Vieira, Humberto Gomes de Barros e Milton Luiz Pereira.
Brasília-DF, 15 de agosto de 2000 (data do julgamento).
Ministro José Delgado, Presidente e Relator.
Publicado no DI de 18.9.2000.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro José Delgado: Cuidam os autos de embargos à execução
fiscal opostos por Hidroservice Engenharia Ltda, assim relatada no juízo monocrático (fls. 187/189):
"Hidroservice Engenharia Ltda teve contra si ajuizada esta exe
cução pelo Município de São Paulo, através da qual são-lhe exigidos
o imposto devido por todo o exercício de 1983, além de multas por
descumprimento de obrigações acessórias contidas na legislação do
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
146 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ISS, mais encargos (multa e juros moratórios).
Citada pessoalmente a Empresa, na pessoa de seu representante
legal em 22 de julho de 1991, não pagou preferindo garantir o juízo através de fiança bancária, na forma prevista no artigo 9.Q, inciso II, da Lei n. 6.830/1980.
Protocolou tempestivamente suas razões, alegando ter havido decadência, dizendo que os débitos remontavam ao exercício de 1983, tendo sido o lançamento feito através de auto de infração e intimação ter sido lavrado e notificado ao contribuinte em 1988, em 5 de dezembro daquele ano mais precisamente, tributando a Empresa não como sociedade uniprofissional, pelas denominadas 'alíquotas fixas', mas em percentual incidindo sobre sua receita bruta, mais multa de 50%, juros e correção monetária. Em longo arrazoado, explica ter sido enquadrada pela Prefeitura como empresa-construtora, quando se restringia a elaborar projetos na área de engenharia consultiva, deixando a outras empresas o encargo de executá-los, menciona o fato de não ser devido o ISS fora do município onde os serviços são prestados, ou mesmo no estrangeiro; aponta para o artigo 11 do Decreto-Lei n. 406/ 1968, com a redação que lhe foi dada pela Lei Complementar n. 22, de 1975, definindo o que fosse engenharia consultiva em três incisos, e que somente a partir do ano de 1983 a legislação do Município de São Paulo, a partir da entrada em vigor da Lei local n. 9.664, de 29.12.1983, foi definido o que se haveria de entender como local da prestação do serviço para efeito de incidência do ISS, e que contraditoriamente queria que 'os pontos de contato' ou seja, o local considerado como prestador de serviço fosse esta Capital.
A Prefeitura impugna, explicitando o que nas razões de embargos tinha ficado obscuro. Demonstra que de fato a Empresa tinha sido vencida em pleito em que desejava ver-se tributada como saciedade uniprofissional, em alíquotas fixas calculadas em função do número de profissionais empregados ou não dela, e que, vencida, ajuizou ação rescisória perante o egrégio 1.Q Tribunal de Alçada Civil, da qual só trouxe o acórdão com o voto-vencedor do Relator, tendo aquela Corte em seguida revisto sua posição em sede de embargos infringentes, voltando a prevalecer a tese antiga, por afronta ao Verbete n. 343 da Súmula de JuriSprudência Dominante do Supremo, o qual determina
o não cabimento de rescisória por ofensa à literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto de legal interpretação controvertida nos tribunais. Exatamente em função dessa
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 147
derrota - nos embargos infringentes da ação rescisória, a Hidroservice
tentou mas não conseguiu remeter a questão à sede de recurso extraor
dinário, tendo sido admitida a subida apenas da argüida relevância da
questão federal, isso por respeitável despacho do Presidente daquela
Casa datado de 2 de setembro de 1986.
Quanto à decadência não tinha razão de ser alegada, considerando
que o lançamento feito através de auto de infração e intimação, fora
lavrado dentro do qüinqüênio, ocorrendo a notificação ao contribuinte
em 5.12.1988, por descumprimento do artigo 67 da Lei Municipal n.
6.989/1966, que em resumo obriga o estabelecimento prestador de ser
viços a manter em cada um de seus estabelecimentos prestadores obri
gados à inscrição, escrita fiscal destinada ao registro dos serviços pres
tados, ficando a cargo do regulamento estabelecer os modelos, as for
mas e os prazos para sua escrituração, podendo ainda dispor sobre a
dispensa ou a obrigatoriedade de manutenção. Os títulos executivos
estavam revestidos de todas as exigências legais, sendo aptos a ensejar
as execuções, pedindo ao final pela rejeição dos embargos. Aproveitou
para juntar cópia de sentença de I" grau proferida em 1979, a apela
ção que a confirmou ainda naquele ano, e dos embargos infringentes
da ação rescisória, decididos em 16 de abril de 1986, além do despa
cho que indeferiu a subida do extraordinário de 2 de setembro daquele
ano.
Sentença foi proferida originariamente em 18 de agosto de 1992,
dando pela improcedência dos embargos, anulada por v. acórdão pro
ferido à unanimidade pela Oitava Câmara do egrégio 1 Q. Tribunal de
Alçada Civil, em sessão de 17 de agosto de 1994, por não terem sido apreciadas todas as questões argüidas nos embargos, baixando os au
tos à instância de origem para reapreciação, sob pena de restar des
cumprida a garantia do duplo grau de jurisdição."
Julgados improcedentes os embargos à execução, a Sociedade-contri
buinte apresentou embargos declaratórios (fls. 197/201), sustentando a exis
tência de omissão relativamente a fato superveniente por ela alegado no sen
tido de que a execução promovida seria ilegítima por não ter sido esgota
da a via administrativa.
Em sucinta decisão proferida à fl. 202v., os embargos foram rejeita
dos por protelatórios, aplicando-se multa à Embargante de 1 % sobre o va
lor da causa.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
148 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Irresignada, a Empresa apresentou nova apelação (fls. 205/206), que
restou desprovida em acórdão assim ementado (fl. 267):
"Execução fiscal. Inexistência de duplicidade na cobrança.
Descaracterização do traço distintivo de trabalho pessoal do contri
buinte. Inaplicabilidade da exceção atinente à execução de obras de
construção civil. Decisão mantida. Recurso improvido."
A Recorrente, não se dando por vencida, apresenta, agora, recurso es
pecial com fulcro na alínea a do permissivo constitucional.
Sustenta a infringência, pelo decisório, dos seguintes dispositivos de
lei federal:
Do Código Tributário:
"Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
III - as reclamações, os recursos, nos termos das leis regulamen
tadoras do processo tributário administrativo."
"Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescre
ve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva."
"Art. 201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente de cré
dito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrati
va competente, depois de esgotado o prazo fixado para pagamento, pela
lei ou por decisão final proferida em processo regular."
"Art. 204. A dívida regularmente inscrita goza de presunção de
certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída."
Do Código de Processo Civil:
"Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte,
determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo
as diligências inúteis ou meramente protelatórias."
"Art. 535. Cabem embargos de declaração quando:
I - houver na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradi-
ção;
II - for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou
tribunal."
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 149
Do Decreto-Lei n. 406/1968:
"Art. 12. Considera-se local da prestação do serviço:
a - a do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimen
to, o do domicílio do prestador;
b - no caso de construção civil, o local onde se efetuar a presta-
ção."
Os fundamentos recursais expõem que:
1) ocorreu a decadência do direito de a Fazenda constituir os crédi
tos relativos a janeiro de 1983 a novembro de 1983, já que "o período apon
tado no auto de infração refere-se aos meses de janeiro de 1983 a dezem
bro de 1983, sendo que o auto de infração só foi lavrado em 5.12.1988";
2) houve cerceamento do direito de defesa em face de que "desde o
princípio, foi requerida a produção de todos os meios de prova necessári
os para provar o alegado, sendo que o MM. juiz singular, em duas senten
ças, não deu cumprimento ao disposto no art. 130 do Código de Processo
Civil, e imotivadamente não produziu as provas em ofensa ao artigo 130 do
citado diploma legal";
3) "a inexistência de lançamento regular, soma-se à carência do con
trole administrativo da legalidade para, a seguir, adicionarem-se à elimina
ção do direito à ampla defesa do contribuinte, bem como a segurança re
presentada pelos prazos prescricionais. O resultado dessa operação não pode
ser outro: corporifica-se absoluta nulidade, inviabilizando a constituição de
crédito tributário com as características de liquidez e certeza, indispensá
veis à sua inscrição como Dívida Ativa da Fazenda Pública e posterior exe
cução, caracterizando-se expressa ofensa à letra c, inciso III do artigo 102
da CF, por não validar a constitucionalidade do art. 174 do CTN";
4) "entende estar sujeita à tributação do ISS através de alíquotas fi
xas, por ser sociedade de profissionais de engenharia, prestando serviços de
projetos e supervisão técnica, serviços esses do profissional e não de exe
cução de obras de construção civil";
5) "a recorrente não está obrigada a emitir notas fiscais de serviços e
nem a manter livros fiscais (específicos para quem paga o ISS por meio de
alíquotas sobre o preço do serviço)";
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
150 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
6) "não existir substrato fáctico para incidência do ISS como quer a
fiscalização; os serviços foram prestados no exterior, infringindo o disposto
no artigo 12 do Decreto-Lei n. 406, de 31.12.1968, que considera como
relevante, para efeito de determinação da competência tributária, e conse
qüente recolhimento do tributo, o da localização do estabelecimento
prestador do serviço, não levando em conta o aspecto territorial da incidên
cia do ISS previsto no Ato Complementar n. 36, de 13.3.1967. Assim, a re
gra geral de incidência tributária municipal é aquela em razão do domicí
lio do estabelecimento prestador do serviço, estabelecendo como exceção
apenas o do lugar da prestação de serviço quando se tratar de construção
civil;
7) a Recorrente prestou serviços na construção de hidrelétricas a autar
quias e empresas concessionárias de serviços públicos, estando enquadrada
no disposto no artigo 11 do Decreto-Lei n. 406/1968;
8) configura-se a infringência ao artigo 151, lU, do CTN por se con
siderar o crédito tributário regularmente constituído com a simples notifi
cação regular da executada e não quando da decisão dos recursos adminis
trativos interpostos. Ainda que considerada a possibilidade de se conside
rar válida a constituição do mencionado crédito, surgiu fato superveniente
não apreciado pela sentença e pelo acórdão, qual seja, a intimação, dois anos
após o ajuizamento da execução, pelo Ex. mo Sr. Secretário das Finanças,
negando provimento ao recurso voluntário tempestivamente interposto pe
rante aquela autoridade, evidenciando que o título que instrui a execução
não se reveste da certeza e liquidez necessárias;
9) deve ser banida a multa de 1 % imposta à ora recorrente, quando da
oposição dos embargos declaratórios contra a sentença monocrática, uma vez
que os referidos embargos não tinham caráter procrastinatório.
Com apoio nas razões supra-referenciadas, firma o seguinte pedido (fi.
316) :
"Por todas as razões expostas, deve ser admitido e processado o
presente recurso, tendo em vista a infringência ao art. 130 do Código
de Processo Civil, a infringência ao art. 12 do Decreto-Lei n. 406/
1968, a negativa de vigência do art. 151, inciso lII, do CTN, e ao art.
174 do mesmo CTN, a ofensa direta aos artigos 201 e 204 do CTN,
e a negativa de vigência aos arts. 535 e seguintes do CPC, com ofensa
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 151
expressa à letra a do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, para que o egrégio STJ, reformando o v. acórdão recorrido, reconhecendo-se o direito da Recorrente em não ser obrigada à emissão de notas fiscais e à escrituração dos livros, bem como não estar sujeita à tributação do ISS pela base de cálculo do faturamento, pois à época da ocorrência dos fatos geradores a Recorrente - conforme prova acostada desde os embargos à execução fiscal, e não apreciada pela r. sentença e pelo v. acórdão, o que claramente induz ao cerceamento
de defesa, estava sujeita à base de cálculo levando-se em conta o número de funcionários existentes - invertendo-se o ônus da sucumbên-cia."
A Recorrente apresentou recurso extraordinário às fls. 319/355.
Foram ofertadas contra-razões a ambos os recursos interpostos.
As contra-razões ao recurso especial (fls. 359/365) aduzem:
1) preliminarmente, ausência de prequestionamento, explícito ou implícito, dos dispositivos de lei federal acusados de violados;
2) no mérito, não merecer reforma o aresto atacado, pois proferido em consonância com a legislação regente, a saber: artigo 173, I, do Código Tributário Nacional; artigo 9Q
, §§ 1 Q e 3Q, do Decreto-Lei n. 406/1968; De
creto Municipal n. 22.470/1986 e artigos 30, IIl; e 156, IV, da Constituição Federal;
3) não proceder a intenção da Recorrente em ver desconstituído o lançamento sob o argumento de que à época da infração era sociedade de profissionais de engenharia, prestando serviços de projetos e supervisão técnica e enquadrando-se, destarte, na incidência prevista no item 89 da lista de serviços, tendo por base de cálculo alíquotas fixas, pois conforme ressaltado no decisório alvejado, trata-se de empresa com profissionais e não de profissionais habilitados, que seria o traço distintivo e essencial para a sua inclusão na exceção prevista no artigo 9Q
, §§ li:'. e 3i:'., do Decreto-Lei n. 406/ 1968;
4) " ... no que concerne ao pretenso desatendimento às regras vigentes para a construção civil, com o mesmo acerto o v. acórdão guerreado tratou a matéria à luz do artigo 12 do multicitado Decreto-Lei n. 406/1968. Neste dispositivo delimitou o legislador a competência impositiva em razão do 'lo
cal da prestação de serviço', e para a sua caracterização, fixou normas disciplinadoras, já claramente mencionadas nas manifestações da Municipa
lidade paulista. E para os serviços prestados pela Recorrente, à evidência,
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
152 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
prevalece o disposto no item a do citado artigo 12 do Decreto-Lei n. 406/
1968, valendo a regra geral da sede do estabelecimento prestador."
Assim respaldado, pugna pelo improvimento do especial.
Em juízo de prelibação prolatado às fls. 375/379, os recursos especial
e extraordinário foram inadmitidos.
Em sede de agravo de instrumento interposto contra o decisuIll
denegatório do especial, proferi despacho determinando a subida do recurso,
conforme consta à fl. 396.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro José Delgado (Relator): A Recorrente acusa de viola-
dos os seguintes dispositivos legais:
- Artigos 151, lII; 174, 201 e 204 do Código Tributário Nacional;
- Artigos 130 e 535 e seguintes do Código de Processo Civil;
- Artigo 12, a e b, do Decreto-Lei n. 406/1968.
Assinalo, preliminarmente, que os artigos 174, 201 e 204 do Código
Tributário Nacional, 130 do Código Processual Civil, não foram debatidos
pelo aresto vergastado, como se depreende da leitura do voto-condutor ata
cado, integralmente transcrito abaixo (fls. 268/270):
"A questão da decadência foi devidamente apreciada pelo v.
acórdão de fls. 174/181.
Afasta-se a preliminar suscitada.
Diga-se, de início, que a questão abordada nos embargos de de
claração foi devidamente apreciada no julgamento do primeiro recurso,
tendo-se por legal a certidão objeto do presente feito.
A preliminar apresentada com a apelação agora apreciada traz
matéria diversa, mencionando duplicidade de cobrança.
Não há, contudo, a apontada duplicidade, pois ainda que equivo
cadamente tenha a Municipalidade feito tal exigência, o segundo fei
to foi extinto segundo notícia trazida por ela própria.
No que tange ao mérito, a tese colocada pela Apelante não pode
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 153
prevalecer, respeitados os posicionamentos contrários trazidos aos au
tos.
A Empresa é de planejamento e consultoria de engenharia, como
reconhecido em laudos técnicos efetuados em outras demandas sobre
o mesmo tema, por isso incluída no item 17 da lista de serviços (en
genheiros, arquitetos, urbanistas). Todavia, segundo o constatado, a
Apelante é empresa de grande porte (ao menos à época do fato gera
dor), com cerca de 2.138 profissionais de engenharia, além de 2.203
outros profissionais de outras áreas, como economistas; administrado
res de empresa, advogados, sociólogos, contabilistas (fl. 74). Não se
cuida de sociedade de profissionais habilitados, mas com profissionais
habilitados.
Assim não se pode definir que por isso faça jus à exceção prevista
no art. 9'2., §§ 12 e 32 , do Decreto-Lei n. 406/1968, onde o traço dis
tintivo é o trabalho pessoal do contribuinte, ainda que constituindo
sociedade comercial. Não é o caso da Recorrente.
o colendo Supremo Tribunal Federal, em diversos pronuncia
mentos, inclusive em caso no qual participou a própria Apelante, de
finiu que 'O § 3!1. do art. 9!1. do Decreto-Lei n. 406, de 1968, ao refe
rir-se a 'serviços prestados por sociedades', alcança, limitadamente,
aquelas em que os trabalhos resultantes conservam normalmente a
marca individual de seus autores, e não aquelas em que os trabalhos
são de produção promíscua ou indistinta'.
E arremata:
'É o sócio, é o indivíduo, que transparece, diferentemente do
que ocorre em sociedades prestadoras de serviços unificados pela
marca comum, da empresa, não de seus numerosos e indistintos
autores' (fls. 64/65, AgRg n. 80.985, ReI. Min. Décio Miranda).
Esse entendimento tem sido reiterado (RTJ 105/292 e 106/183).
No que tange à competência tributária, a questão é resolvida pelo
que dispõe o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968, não podendo se va
ler a Apelante da exceção atinente à execução de obras de construção
civil (item b), atividade que confessadamente não exerce, prevalecendo
o disposto no item a, a sede do estabelecimento prestador.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
154 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Correta, pois, a r. sentença, merecendo mantida por seus funda
mentos e os ora acrescidos.
Posto isso, nega-se provimento ao recurso."
Doutro lado, não consta a oposição de embargos de declaração do
acórdão hostilizado a viabilizar a possibilidade de afronta ao artigo 535 do Código de Processo Civil, pelo que também deve este ser considerado como não prequestionado.
Quanto à expressão "e seguintes", usada após o artigo 535, não serve
para caracterizar e individuar os dispositivos legais considerados como vul
nerados, configurando-se, neste aspecto, uma deficiência na fundamentação
do especial.
Ausente, portanto, o prequestionamento dos aludidos cânones legais e deficiente a fundamentação no tocante à expressão "e seguintes", utilizada após o artigo 535 do CPC, inviável se torna nesta Instância Superior, a aná
lise da alegada ofensa cometida aos mesmos, por aplicação das Súmulas n. 282 e 284 do STF.
Outrossim, como já dito, não foram opostos embargos de declaração do aresto de fls. 267/271, visando a suprir a falta de pronunciamento judi
cial a respeito dos mencionados dispositivos legais, o que atrai, por sua vez, a incidência da Súmula n. 356-STF.
No que pertine à preliminar de decadência do crédito tributário, bem como a alegada ofensa ao artigo 151, lII, do Código Tributário Nacional, sob o argumento de que não estando esgotadas as vias administrativas, o
crédito não estaria regularmente constituído, reportou-se, o acórdão recla
mado, àquele proferido às fls. 174/181, que por sua vez diz, às fls. 176/179
que:
"No entanto, no que tange à decadência, o exame foi feito e cor
retamente, afastando a interpretação buscada pela Apelante.
Com efeito, o equívoco da Apelante se deu no momento em que considerou o lançamento como sendo por homologação, que não ocor
reu no caso discutido. A homologação se dá quando o imposto é pago
antecipadamente, fazendo-se o lançamento posteriormente, quando a
autoridade homologa-o, se exato, ou faz um lançamento suplementar,
para haver a diferença. No caso dos autos houve a lavratura de um auto
de infração, com atuação direta da autoridade, de ofício, impondo-se
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 200l.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 155
seja capitulada a decadência na forma do art. 173, I, do Código Tributário Nacional. A contagem do prazo decadencial, portanto, se inicia no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que poderia ter sido feito o lançamento. Iniciou-se, destarte, em 1!l de janeiro de 1984, encerrando-se em 31 de dezembro de 1988. O auto de infração (aqui entendido também como notificação) se deu em 5.12.1988, data em que se considera constituído definitivamente o crédito tributário.
A respeito dessa última afirmação, relativa à constituição definitiva do crédito tributário, lecionou AliOInar Baleeiro:
'Quando se dá a constituição definitiva do crédito tributário? Penso que é quando a autoridade ultima o procedimento do art. 142, caput, determinando a matéria tributária, calculando o montante do tributo devido, identificando o sujeito passivo e, se cabível, aplicando a pena, tudo seguido da notificação a esse respeito (cf. Decreto Federal n. 70.235, de 6.3.1972, art. 11).
Estará constituído definitivamente o crédito tributário, mas seus efeitos só se produzem quanto ao sujeito passivo a partir do dia em que este for 'regularmente notificado' (art. 145). A notificação marca a data da constituição, a salvo de qualquer contestação, sobre o respectivo dia. O lançamento está constituído embora possa ser alterado por impugnação, recurso ex officio ou iniciativa da autoridade administrativa nos casos previstos no art. 149 do CTN (erros, ilegitimidade do declarante, omissões de esclarecimentos, falsidade, dolo, conhecimento superveniente de fato relevante, prevaricação da autoridade).
Pelos termos incisivos do art. 145 do CTN, a definitividade do crédito tributário procede do 'lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo'. Qual lançamento? O ato do art. 142 e não a decisão dos recursos que ele suscitou.' (Direito Tributário Brasileiro, 10a edição, 1 oa tiragem, 1994, Forense, p.p. 507/508).
Por tais conceitos, verifica-se a não ocorrência de decadência ou de prescrição, uma vez que se trata de lançamento de ofício, constituído definitivamente na data da lavratura do auto de infração, 5.12.1988. Desta forma, afastam-se tais alegações, bem como aquela serodiamente apresentada (fls. 150/155), em que se postulava a extinção da execução, por não esgotada a via administrativa."
RST], Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
156 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Com toda a razão o eminente Relator. O lançamento, momento em que
inicia o processo de constituição do crédito tributário, se deu, no presente
caso, com a lavratura do auto de infração, e não com a notificação do jul
gamento definitivo proferido no processo administrativo-fiscal. Em face dis
so, a decadência não teria se configurado, eis que o crédito fiscal foi bus
cado pelo agente ativo antes do prazo de 5 (cinco) anos previsto no art. 173
do CTN.
Assim, corroboro os elucidativos fundamentos suprapostos e rejeito,
também, a preliminar de decadência, do mesmo modo que não reconheço,
como vulnerada, a norma inserta no artigo 151, III, do Código Tributário
Nacional.
A preliminar de duplicidade de cobrança, suscitada pela Empresa-re
corrente foi resolvida pelo aresto impugnado com suporte no noticiado nos
autos, pois assim disse o seu eminente prolator: "A preliminar apresentada
com a apelação agora apreciada traz matéria diversa, mencionando dupli
cidade de cobrança. Não há, contudo, a apontada duplicidade, pois ainda que
equivocadamente tenha a Municipalidade feito tal exigência, o segundo feito
foi extinto segundo notícia trazida por ela própria".
Portanto, qualquer novo juízo a ser emitido sobre a citada preliminar,
acarretaria o reexame de matéria fática a que se sobrepõe o óbice da Súmula
n. 7 desta egrégia Corte.
Passo a perquirir, agora, do llleritulll causae, propriamente dito.
Este abarca, basicamente, as seguintes questões:
1) a primeira concerne em se saber se a Empresa faz jus à tributação
do ISS por meio de alíquotas sobre o preço do serviço ou, conforme o pri
vilégio previsto no artigo 9'\ §§ F e 32 , do Decreto-Lei n. 406/1968, com
base em alíquota fixa, não estando, destarte, obrigada a emitir notas fiscais
de serviços e nem a manter livros fiscais;
2) a segunda passa pelo exame da correta aplicação do artigo 12, le
tras a e b, que regula a competência impositiva da exação;
3) a terceira diz respeito à isenção prevista no artigo 11 do multi citado
Decreto-Lei n. 406/1968.
Desmerece êxito a irresignação apresentada.
Ao decidir sobre a aplicação dos retrocitados dispositivos de lei, o
acórdão açoitado tomou em consideração os fatos circunstanciados nos au
tos.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 200l.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 157
No que tange ao artigo 9'\ §§ 1!2 e 3!2, do Decreto-Lei n. 406/1968, o
aresto, como se constata do trecho do voto-condutor, assim disse à fl. 269:
"A Empresa é de planejamento e consultoria de engenharia,
como reconhecido em laudos técnicos efetuados em outras demandas
sobre o mesmo tema, por isso incluída no item 17 da lista de servi
ços (engenheiros, arquitetos, urbanistas). Todavia, segundo o constata
do, a Apelante é empresa de grande porte (ao menos à época do fato
gerador), com cerca de 2.138 profissionais de engenharia, além de
2.203 outros profissionais de outras áreas, como economistas, administradores de empresa, advogados, sociólogos, contabilistas (fl. 74).
Não se cuida de sociedade de profissionais habilitados, mas com pro
fissionais habilitados.
Assim não se pode definir que por isso faça jus à exceção prevista no art. 9!2, §§ 1!2 e 3!2, do Decreto-Lei n. 406/1968, onde o traço dis
tintivo é o trabalho pessoal do contribuinte, ainda que constituindo
sociedade comercial. Não é o caso da Recorrente.
o colendo Supremo Tribunal Federal, em diversos pronuncia
mentos, inclusive em caso no qual participou a própria Apelante, de
finiu que 'O § 3!2 do art. 9!2 do Decreto-Lei n. 406, de 1968, ao refe
rir-se a 'serviços prestados por sociedades', alcança, limitadamente,
aquelas em que os trabalhos resultantes conservam normalmente a
marca individual de seus autores, e não aquelas em que os trabalhos
são de produção promíscua e indistinta'.
E arremata:
'É o sócio, é o indivíduo que transparece, diferentemente do
que ocorre em sociedades prestadoras de serviços unificados pela
marca comum, da empresa, não de seus numerosos e indistintos
autores' ."
Conforme se vê, incide, no caso, a Súmula n. 7-ST].
Porém, ainda que assim não fosse, também não lograria sucesso a queixa da Executada-recorrente, posto que o aresto encontra-se na linha de en
tendimento firmado neste Sodalício:
"ISSQN. Sociedades de profissionais. Sociedade por cotas de res
ponsabilidade limitada. Médicos. Comerciante. Caráter empresarial.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 200 I.
158 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
É devido o ISSQN pelas sociedades profissionais quando estas
assumem caráter empresarial.
As sociedades civis, para terem direito ao tratamento privilegia
do previsto pelo artigo 9!l, § 3!l, do Decreto-Lei n. 406/1968, têm que
ser constituídas exclusivamente por médicos, ter por objeto social a prestação de serviço especializado, com responsabilidade pessoal e sem
caráter empresarial.
Recurso improvido." (REsp n. 158.477-SC, ReI. Min. Garcia Vieira) .
"Tributário. Imposto sobre Serviços. Sociedades profissionais. Decreto-Lei n. 406, art. 9!l, § 3!l.
Sociedades civis integradas por médicos para ministrar serviço especializado, com responsabilidade pessoal destes, e sem caráter em
presarial, têm direito ao privilégio contido no § 3!l do art. 9!l. do De
creto-Lei n. 406/1968.
Recurso conhecido, mas desprovido." (REsp n. 34.326-MG, DJ de
19.12.1997, ReI. Min. José de Jesus Filho).
Ao julgar qual o critério para fixação da competência tributária e a inaplicabilidade do artigo 11 do Decreto-Lei n. 406/1968, o decisório mais
uma vez, tomou em consideração a situação circunstanciada nos autos: a)
a Reclamante não é empresa de construção civil e b) ausência de provas da prestação de serviços em outras localidades ou existência de estabelecimen
to prestador fora do Município.
Comprove-se o afirmado pela leitura dos seguintes trechos:
à fi. 270:
"N o que tange à competência tributária, a questão é resolvida pelo que dispõe o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968, não podendo
se valer a Apelante da exceção atinente à execução de obras de cons
trução civil (item b), atividade que confessadamente não exerce, pre
valecendo o disposto no item a, a sede do estabelecimento prestador."
Na declaração de voto, à fi. 273, diz:
"Destaco, desde logo, que a Embargante não fez nenhuma prova
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 159
específica e relativa à matéria alegada. Intimada a especificá-las à fl.
108, quedou-se silente como certificado à fl. 110. Já por isso, não pode exigir decisão favorável sobre incidência tributária em outros países,
estados e municípios, pois não há prova da prestação e da existência
de estabelecimento prestador fora do município da sede, nem de que
no exercício em foco tenha prestado algum serviço aos entes públicos referidos no art. 11 do Decreto-Lei n. 406/1968."
e à fl. 277:
"Conforme referido anteriormente, sem prova da prestação de
serviços em outras localidades e da existência de estabelecimento
prestador de serviços fora do município-sede, não há porque discutir
-se a questão da competência para a exigência sobre todos os valores considerados no auto de infração. Da mesma forma, sem prova da pres
tação de serviços aos entes públicos, também é acadêmica a alegação de que aí haveria isenção tributária."
Portanto, a atração, ao caso, da Súmula n. 7-STJ obstaculiza o conhe
cimento da aludida vulneração aos artigos 9'\ §§ 1"" e 3"", 12, a e b, e 11, do Decreto-Lei n. 406/1968, pois o decisório buscou, nas provas dos autos,
a razão da não incidência dos mesmos.
Por último, examino a aplicação da multa de 1 % à Recorrente.
Sobre ela não se pronunciou o acórdão de fls. 267/27l. Contudo, na
declaração de voto posta às fls. 272/277, houve deliberação sobre a sua aplicação (fls. 272/273):
"Inicialmente, também afasto as preliminares. A r. sentença e o
recurso não tinham que voltar ao tema da decadência e prescrição. Tais
questões estavam definitivamente repelidas no v. acórdão anterior, mais
especificamente à fl. 179. O mesmo acontece com o tema da carência
por falta de título executivo, vez que o processo administrativo não
estaria encerrado quando da inscrição da dívida. Quanto a esta última preliminar, observa-se mais que a questão foi indevida e novamente
levantada nos embargos de declaração, por isso que foram rejeitados
com imposição de multa. A argüição era flagrantemente protelatória,
já que havia decisão anterior tornando preclusa a matéria. Destarte, a
multa não pode ser relevada."
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
160 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Não obstante a questão preliminar levantada pela parte relativa à carência do título executivo, por inesgotada a via administrativa, tenha sido
resolvida no decisório de fls. 174/181, e por esse motivo, não tenha sido discutida, quando da prolação da sentença de fls. 187/195, não me parece que os embargos declaratórios dela interpostos, revistam-se de caráter
protelatório, mesmo porque a parte ainda dispunha do direito à apelação.
Posto isto, entendo deva ser relevada a multa aplicada.
Em conclusão: não conheço do recurso especial pela apontada violação aos arts. 174, 201 e 204 do CTN, e 130 e 135 e seguintes do CPC, por
ausência de prequestionamento e incidência da Súmula n. 7 deste STJ, conforme acima explicitado.
Conheço do recurso especial pela apontada violação ao art. 151, III, CTN, porém, nego-lhe provimento. Conheço, ainda, do recurso especial pela afronta ao art. 538, parágrafo único, do CPC, para dar-lhe provimento, afastando a multa aplicada.
Isto posto, conheço parcialmente do recurso especial e, no tocante à parte conhecida, dou-lhe parcial provimento para afastar a multa aplicada,
negando-lhe provimento no referente ao art. 151, III, do CTN.
É como voto.
RETIFICAÇÃO DE DECISÃO
O Sr. Ministro José Delgado (Relator): Neste processo, a decisão cor
reta é a seguinte: A Turma conheceu em parte do recurso e, nesta parte, deu-lhe provimento para afastar a multa do parágrafo único do art. 538 do CPC.
Relator:
Recorrente:
Advogados:
Recorrida:
RECURSO ESPECIAL N. 259.055 - RS (Registro n. 2000.0046838-0)
Ministro Garcia Vieira
Dinorah Maria Weissheimer
Lorena Feijó Lima e outros
Fazenda Nacional
Procuradores: Dolizete Fátima Michelin e outros
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 161
EMENTA: Processual Civil - Penhora - Belll indivisível -
Meação - Alienação.
Sendo o belll penhorado indivisível, a solução para que se reserve o direito de llleação sobre o llleSlllO é sua alienação COlll a re
partição do preço.
Recurso illlprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo
tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Re
lator os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Milton Luiz Pereira e
José Delgado. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Brasília-DF, 25 de setembro de 2000 (data do julgamento).
Ministro José Delgado, Presidente.
Ministro Garcia Vieira, Relator.
Publicado no DJ de 30.10.2000.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Garcia Vieira: Dinorah Maria Weissheimer, lastreada
na Constituição Federal, art. 105, lII, letras a e c, interpõe recurso espe
cial (fl. 84), aduzindo tratar-se de embargos de terceiro a fim de defender
sua meação. Os embargos foram julgados procedentes, reconhecendo-se o
direito à meação, mas, por tratar-se de bem indivisível, determinou que tal
direito consubstancie-se na metade do produto arrecadado com a venda do
bem em praça pública.
o v. aresto ora combatido apresenta a seguinte ementa:
"Embargos de terceiro. Execução fiscal. Penhora de imóvel. Meação da mulher.
1. Em execução fiscal, a responsabilidade pessoal do sócio-gerente
de sociedade por quotas, decorrentes de violação da lei ou excesso de
mandato, não atinge a meação de sua mulher. Súmula n. 112 do TFR.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
162 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DEJUSTICA
2. Sendo indivisível o bem, a solução adequada é levar o bem à
hasta pública, reservando-se metade do produto da venda em favor da mulher do executado." (fi. 81).
Aduz violação ao Código Civil, arts. 629 e 632, além da divergência.
Requer provimento, decidindo-se pela impossibilidade da alienação do bem, garantindo-se a meação sobre o mesmo.
Resposta (fi. 105).
Despacho (fi. 108).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Garcia Vieira (Relator): Sr. Presidente, aponta a Recorrente, como violados, os artigos 629 e 632 do Código Civil, versando sobre questões devidamente prequestionadas e comprovou a divergência.
Conheço do recurso pelas letras a e c.
Na execução, foi penhorado o prédio situado na avenida Chicago n. 108, com suas dependências e instalações (fi. 25 dos autos em apenso). A MMa. Juíza Federal da l.il. Vara das Execuções Fiscais de Porto Alegre julgou parcialmente procedentes os embargos de terceiro movidos por Dinorah Maria Weissheimer, mulher do executado, Raul Weissheimer, e subsistente a penhora para assegurar a meação da Embargante sobre o produto do praceamento do bem penhorado (fi. 46). Ambas as partes apelaram, mas foi negado provimento à apelação da Fazenda Nacional e à remessa oficial e dado parcial provimento à apelação da Embargante para condenar a Embargada em honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa. Ficou, assim, mantido o entendimento adotado pelo MM. Juiz singular no sentido de que, sendo indivisível o bem, a solução adequada é levá-lo à hasta pública, reservando-se metade do produto da venda em favor da mulher do executado (ementa de fi. 81). A questão é controvertida, mas, partindo-se do pressuposto fático de que o bem penhorado é indivisível, deveria ser aplicado o disposto no artigo 632 do Código Civil, que determina a sua alienação e repartição do preço. No caso, a parte concernente à meação da mulher seria a ela entregue. No Recurso Especial n. 171.275-SP, DJ de 14.6.1999, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, entendeu a egrégia Quarta Turma que:
"O bem que não comporte cômoda divisão será levado por inteiro
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 163
à hasta pública, entregando-se a metade do preço alcançado ao cônju
ge-meeiro, após o praceamento."
A mesma Turma, no Recurso Especial n. l6.950-0-MG, DJ de
5.4.1993, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, entendeu que:
" ... o bem, se for indivisível, será levado por inteiro à hasta pú
blica, cabendo à esposa a metade do preço alcançado."
Nego provimento ao recurso.
RECURSO ESPECIAL N. 262.591 - RN (Registro n. 2000.0057472-4)
Relator: Ministro Garcia Vieira
Recorrente: Fazenda Nacional
Procuradores: Adonias dos Santos Costa e outros
Recorrido: Antônio Fernando Rocha Coelho e outros
Advogado: Fernando Gurgel Pimenta
EMENTA: Tributário - Imposto de renda - Complementação de
aposentadoria - Entidade fechada de previdência privada - Isen
ção.
Estabelece o artigo 6!!., inciso VII, da Lei n. 7.713/1988 que fi
cam isentos do imposto de renda os rendimentos recebidos por pes
soas físicas e os benefícios das entidades de previdência privada, re
lativamente ao valor das contribuições cujo ônus tenha sido do par
ticipante, se os rendimentos e ganhos de capital produzidos pelo
patrimônio da entidade tenham sido tributados na fonte.
Em precedentes do STJ e do STF, considerou-se que as entida
des fechadas de previdência privada não têm direito à isenção do
imposto de renda.
Recurso improvido.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
164 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DEJUSTIÇA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos
e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Milton Luiz Pereira e José Delgado. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Brasília-DF, 25 de setembro de 2000 (data do julgamento).
Ministro José Delgado, Presidente.
Ministro Garcia Vieira, Relator.
Publicado no DI de 30.10.2000.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Garcia Vieira: A Fazenda Nacional, lastreada na Constituição Federal, artigo 105, III, a, interpõe recurso especial (fi. 113), guerreando acórdão proferido pelo egrégio Tribunal Regional Federal/5a Região, cuja ementa restou vazada nos seguintes termos:
"Tributário. Imposto de renda na fonte. Complementação de proventos de aposentadoria paga por entidade de previdência privada. Lei n. 7.713/1988, art. 62 , VII, b. Isenção. Condições. Tributação dos rendimentos e ganhos de capital. Honorários advocatícios. Art. 20 e parágrafos, do CPC.
1. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão (CTN, art. 176).
2. É requisito para gozo da isenção do imposto de renda na fonte, previsto no art. 62 da Lei n. 7.713/1988 - Complementação de proventos de aposentadoria proveniente de 'entidade privada' - que os rendimentos e ganhos de capital produzidos pelo patrimônio da entidade tenham sido tributados.
3. Os honorários advocatícios devem ser fixados em valores re
duzidos, tratando-se de matéria pacificada, não devendo-se, entretanto, importar, em tal arbitramento, em aviltamento do labor profissional. Art. 20, § 42 , do CPC.
4. Apelação, remessa oficial e recurso adesivo improvidos." (fi. 111).
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 165
Aduz violação ao artigo 6!l, VII, b, da Lei n. 7.713/1988. Requer re
forma do v. aresto combatido.
Sem resposta.
Despacho (fi. 124).
VOTO
o Sr. Ministro Garcia Vieira (Relator): Aponta a Recorrente, como vio
lado, o artigo 6'\ inciso VII, letra b, da Lei n. 7.713/1988, versando sobre
questão devidamente prequestionada.
Conheço do recurso pela letra a.
Estabelece referido dispositivo legal que ficam isentos do imposto de
renda os rendimentos recebidos por pessoas físicas e os benefícios das en
tidades de previdência privada, relativamente ao valor das contribuições cujo
ônus tenha sido do participante, se os rendimentos e ganhos de capital pro
duzidos pelo patrimônio da entidade tenham sido tributados na fonte. As
sim, para que os Autores, servidores aposentados do Banco do Brasil e con
tribuintes para a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil
- Previ, tenham direito à isenção por eles perseguida sobre a complemen
tação de suas aposentadorias, teriam de demonstrar serem tributados os ren
dimentos e ganhos de capital produzidos pela Previ, entidade fechada de
Previdência Privada (fi. 53). Embora não exista prova nestes autos no sen
tido de que os ganhos de capital, produzidos pelo patrimônio da Previ, te
nham sido tributados na fonte, existem precedentes do STJ e do STF no
sentido de que as entidades fechadas de previdência privada não têm direi
to à isenção do imposto de renda. O STF, no RE n. 146.747-9, Relator
Ministro Octávio Gallotti, julgado no dia 10.8.1999, decidiu que a Caixa
de Previdência dos Funcionários do Banco do Nordeste do Brasil - Capef,
entidade de previdência privada, não tendo natureza assistencial, não tem
direito à isenção do imposto de renda. No mesmo sentido o RE n. 127.584-
SP, DJ de 22.11.1996, Relator Ministro Carlos Velloso. O STJ, no Recurso
Especial n. 150.936-CE, DJ de 22.5.2000, Relatora Ministra Eliana Calmon,
a egrégia Segunda Turma entendeu que:
"Tributário. Imposto de renda. Complementação de aposentado
ria: art. 60. da Lei n. 7.713/1988. Isenção. Questão prejudicial.
1. A isenção do art. 6!l da Lei n. 7.713/1988 contempla as
complementações de aposentadorias pagas por entidades fechadas de
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
166 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Previdência Social, quando não imunes ao imposto sobre os ganhos de
capital.
2. Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Nordes
te do Brasil - Capef, que foi considerada não imune pelo STF (RE n.
146.747-9), sedimentando tese do acórdão, quanto à isenção da complementação.
3. Recurso especial não conhecido pela letra a."
Conforme a própria Recorrente reconhece, "o desiderato da lei é viabilizar uma única cobrança do imposto de renda, seja sobre os rendimen
tos do patrimônio da entidade, seja sobre os rendimentos por ela pagos a
título de complementação de proventos". (fi. 118, in fine).
Não podem os Autores sofrer a incidência do imposto de renda sobre
o patrimônio da Previ e também incidente sobre a complementação de aposentadoria que recebe da referida entidade, se esta não é isenta.
Nego provimento ao recurso.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.
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