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1
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião
NEOTRIBALISMO E NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS: ESTUDO
DE CASO DA PRÁXIS DA IGREJA BOLA DE NEVE CHURCH
MARCIO BERGAMO DE ARAÚJO
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2006
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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião
NEOTRIBALISMO E NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS: ESTUDO
DE CASO DA PRÁXIS DA IGREJA BOLA DE NEVE CHURCH
por
Marcio Bergamo de Araújo
Orientador
Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva
Dissertação apresentada em cumprimento
parcial às exigências do programa de Pós�
Graduação em Ciências da Religião, para
obtenção do título de Mestre.
SÃO BERNARDO DO CAMPO
Julho de 2006
3
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva � UMESP
Presidente
__________________________________________________
Prof. Dr. Ronaldo Sathler-Rosa � UMESP
Titular
___________________________________________________
Prof. Dr. José Rubens de Lima Jardilino � UNINOVE
Titular
4
DEDICATÓRIA
À minha querida FAMÍLIA: lugar terapêutico.
5
AGRADECIMENTO
Ao Trino Deus, Amado da minh�alma, por conceder-me forças na árdua
caminhada.
À Fundação Mary Harriet Speers, por dar crédito ao projeto de pesquisa e
contribuir com parte da manutenção financeira dos estudos.
Ao IEPG (Instituo Ecumênico de Pós-Graduação), por prover parte da bolsa
de estudos.
Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião � UMESP, pela
oferta de estrutura relevante e suficiente para o desenvolvimento da pesquisa.
Aos mestres do ensino, companheiros de caminhada. Facilitadores do
processo de aprendizagem e pesquisa.
Ao GETEP (Grupo de Estudos em Teologia Prática), importante lugar de
reflexão científica e formação de senso crítico. Produtivos encontros.
À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal) pelo
financiamento de parte da pesquisa.
Aos membros da Igreja Presbiteriana Independente de Salto Grande � SP,
pelas orações, incentivos e compreensão dos momentos de ausência, a fim de realizar a
pesquisa de campo.
Aos meus amigos e amigas pela força e incentivo.
Aos companheiros de caminhada, principalmente o povo amigo da Casa do
Estudante � Prof. Dr. Prócoro Velasques Filho.
Ao grande mestre e amigo, Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva, por ser muito
mais que um mero orientador acadêmico.
6
EPÍGRAFE
Inteligência é saber adicionar coisas na vida todos os dias.
Sabedoria é saber desfazer-se delas.
Mao Tsé
�Não se julguem melhores do que realmente são.
Ao contrário, sejam modestos nos seus pensamentos�.
Epístola de São Paulo aos Romanos 12: 3b
(Bíblia Sagrada � Versão LH)
7
ARAÚJO, Marcio Bergamo. Neotribalismo e Novos Movimentos Religiosos: estudo de caso
das práxis da Igreja Bola de Neve Church. Dissertação. Universidade Metodista de São Paulo
� UMESP, São Bernardo do Campo, SP, 2006.
Sinopse
A presente pesquisa �Neotribalismo e Novos Movimentos Religiosos:
Estudo de Caso das Práxis da Igreja Bola de Neve Church� é uma investigação in loco que se
propõe analisar, descrever e interpretar o contexto de uma práxis religiosa emergente, com
uma abordagem teórico-científica deste movimento religioso. A partir da década de 80 do
século XX houve uma nova configuração social permitindo criar grupos de identificação
própria, principalmente no contexto urbano. Um destes grupos que vieram a surgir foram as
chamadas �tribos urbanas�. Esta nova configuração neo-tribalista permitiu o desenvolvimento
de expressões de religiosidade própria, chamado de Novos Movimentos Religiosos, dentre os
quais, destaca-se a Igreja Bola de Neve Church. O tema desta pesquisa científica tem
despertado grande interesse pelos cientistas sociais e da religião, apresentando-se, também,
como um novo desafio aos pastoralistas por analisar os efeitos que este fenômeno religioso
implica na sociedade contemporânea. Por isso, além de compreender os fundamentos teórico-
científicos da construção do modelo social neotribalista e dos Novos Movimentos Religiosos,
a pesquisa propõe-se a investigar o surgimento, descrevê-lo e interpretar suas práticas
religiosas sob a chave hermenêutica da teoria da práxis religiosa, a fim de compreender como
a Igreja Bola de Neve Church é interpretada pelas religiões de tradição cristã.
Palavras chaves: neotribalismo, novos movimentos religiosos, práxis religiosa, Igreja Bola
de Neve Church.
8
ARAÚJO, Marcio Bergamo. Neotribalismo e Novos Movimentos Religiosos: estudo de caso
das práxis da Igreja Bola de Neve Church. Dissertação. Universidade Metodista de São Paulo
� UMESP, São Bernardo do Campo, SP, 2006.
Abstract
The present research �Neotribalism and new religious movements: case study about the praxis
of Igreja Bola de Neve Church� is an in loco investigation that aims to analyse, describe and
to interpret the context of an emerging religious praxis, with a theoric-scientifical approach of
this religious movement. Since the 80�s of the twentieth century a new social system emerged
that allowed for the appearance of groups that create their own identity, especially in an urban
context. One of those groups that arised were the so-called �urban tribes�. This neotribalist
system, that allowed for the development of religious self-expression, is called New Religious
Movements. One of the groups within this system draws attention: the Igreja Bola de Neve
Church. The subject of this research has received a lot of attention from social and religious
scientists, presenting itself as a new challenge for those studying practical theology, in trying
to analyse the effects that this religious fenomenon has on contemporary society. The goal of
this thesis is comprehending the theoric-scientific fundaments of the construction of the
neotribalist social model and of the New Religious Movements. This research intends to
investigate the creation of the Igreja Bola de Neve Church, describe it and interpret its
religious practices based on the hermeneutics of the theory of religious praxis, in order to
understand how the Igreja Bola de Neve Church is interpreted by christian religion.
Key words: Neotribalism, New Religious Movements, Religious Praxis, Igreja Bola de Neve
Church.
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 01 � Quadro sinótico da tipologia dos movimentos religiosos brasileiro .................... 44
Figura 02 � Fachada da Igreja Bola de Neve Church ............................................................ 62
Figura 03 � Panfleto divulgação do Campeonato de Skate da Igreja Bola de Neve Church ... 63
Figura 04 � Panfleto de divulgação de Evento Musical da Igreja Bola de Neve Church...... 644
Figura 05 � Panfleto de divulgação de Evento Cultural da Igreja Bola de Neve Church........ 64
Figura 06 � Panfleto de divulgação de Reunião de Células ................................................... 65
Figura 07 � Lojinha da Igreja Bola de Neve Church............................................................. 66
Figura 08 � Logomarca da Igreja Bola de Neve Church ....................................................... 67
Figura 09 � Quadro �A� (motivo surfista). ........................................................................... 68
Figura 10 � Quadro �B� (motivo: surfista). .......................................................................... 68
Figura 11 � Quadro �C� (motivo: surfista). .......................................................................... 69
Figura 12 � Prancha de surf como púlpito e Pastor Rinaldo pregando................................... 69
Figura 13 � Púlpito-Prancha-de-surf (uma das marcas da Igreja Bola de Neve Church)........ 70
Figura 14 � Quadro decorativo do altar da Igreja Bola de Neve Church ............................... 71
Figura 15 � Telão para projeção das imagens ....................................................................... 79
Figura 16 � Organograma hierárquico da Igreja Bola de Neve Church ................................. 85
Figura 17 � Material de divulgação: Novo Amanhecer............................................................87
Figura 18 � Material de divulgação: Culto de Doação.......................................................... 88
Figura 19 � Material de divulgação: Lanchão....................................................................... 90
10
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01 � Idade dos participantes da Igreja Bola de Neve Church.................................... 72
Gráfico 02 � Sexo dos participantes da Igreja Bola de Neve Church..................................... 73
Gráfico 03 � As tribos urbanas e os adeptos da Igreja Bola de Neve Church ........................ 74
Gráfico 04 � O que mais atrai na Igreja Bola de Neve Church.............................................. 80
Gráfico 05 � Participava de outra religião .......................................................................... 102
Gráfico 06 � Tempo que participa da Igreja Bola de Neve Church ..................................... 103
Gráfico 07 � Freqüência semanal das atividades da Igreja Bola de Neve Church................ 103
Gráfico 08 � O que pensam das outras religiões ................................................................. 104
Gráfico 09 � Como ficou sabendo da Igreja Bola de Neve Church ..................................... 106
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13
CAPÍTULO 1 ...................................................................................................................... 21
1. Tribos Urbanas e Movimentos Religiosos Emergentes............................................ 21
1.1 Tribos Urbanas � conceitos teórico-científicos. ................................................ 22
1.2 Novos Movimentos Religiosos � conceitos teórico-científicos .............................. 32
1.2.1 Panorama do Cenário Religioso Brasileiro .................................................... 42
CAPÍTULO 2 ...................................................................................................................... 52
2. Histórico e Desenvolvimento da Igreja Bola de Neve Church ................................. 52
2.1 Campo Religioso Brasileiro e a Igreja Bola de Neve Church............................ 53
2.2 A Igreja Renascer em Cristo: laboratório da Igreja Bola de Neve Church ............. 54
2.3 Aspectos históricos da criação da Igreja Evangélica Bola de Neve Church ........... 57
2.4 Descrição do Ambiente e Espaço de Culto da Igreja Bola de Neve Church ........... 61
2.5 (In)Descrição do estilo dos adeptos da Igreja Bola de Neve Church ...................... 71
2.5.1 Tribo dos surfistas......................................................................................... 73
2.5.2 Outras tribos ................................................................................................. 76
2.6 Ordem de Culto .................................................................................................... 77
2.7 Estrutura hierárquica e cargos religiosos da Igreja Bola De Neve Church ............. 83
2.8 A Igreja Bola de Neve Church e a proposta social................................................. 86
CAPÍTULO 3 ...................................................................................................................... 91
3. Interpretação das práticas religiosa da Igreja Bola de Neve Church a partir da teoria
práxis. ........................................................................................................................ 91
3.1 Conceitos Fundamentais da Práxis ....................................................................... 91
12
3.1.1 Práxis Cristã?................................................................................................ 96
3.1.2 Dimensões da práxis ..................................................................................... 98
3.2 Crítica das práticas da Igreja Bola de Neve Church a partir das dimensões da teoria
da práxis em Casiano Floristán................................................................................. 100
3.2.1 Transito Religioso dos fiéis da Igreja Bola de Neve Church ........................ 100
3.2.2 Liturgia da Igreja Bola de Neve Church ...................................................... 108
3.2.3 Pregação da Palavra .................................................................................... 114
3.3 Desafios e pistas à pastoral para a juventude em tempos modernos. .................... 118
3.3.1 Contextualização da Liturgia....................................................................... 121
3.3.2 Espiritualidade e espiritualidades ................................................................ 124
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 129
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................ 135
ANEXOS........................................................................................................................... 145
13
INTRODUÇÃO
A sociedade contemporânea, principalmente no contexto urbano, tem
apresentado novos modelos de configuração na sua construção social, onde os indivíduos
tendem a superar o individualismo assumindo papéis e atuando a partir de suas próprias
escolhas � geralmente escolhas afetuais1 � estabelecendo-se em grupos de afinidades. Foi a
partir da década de 80 do século XX, devido a manifestação destes grupos específicos, que o
teórico Michel Maffesoli conceituou essa nova formação de socialidade chamando-a de
neotribalismo2. Para ele, os estudos da sociedade a partir do modelo moderno � onde se
contemplavam os indivíduos � devem ser superados pela chave de leitura do contexto pós-
moderno � onde não mais os indivíduos, mas sim, os grupos de relações de afetividade
própria � pois, descrevem melhor esse contexto social contemporâneo.
À priori, à medida que estes novos grupos foram se configurando, novas
expressões de religiosidade também emergiam. Numa dinâmica de bricolagem de
religiosidades surgem os Novos Movimentos Religiosos3. Entretanto, para Stefano Martelli,
falar sobre �novos movimentos4� pode parecer redundante, pois, qual religião é estática?
Similar postulado é lido na teoria de Émile Durkheim sob os aspectos evolutivos da religião5,
afirmando que, as bases da religião são as mesmas, mudando de acordo com o
desenvolvimento da cultura e das sociedades. A afirmação anterior também se encontra em
1 MAFFESOLI, Michel. O Tempo das Tribos � o declínio da individualidade nas sociedades de massa, p. 93. 2 Idem. Ibidem, p. 28. 3 Fica convencionado a partir de aqui que a sigla �NMR� é a abreviatura de �Novos Movimentos Religiosos�,
podendo aparecer no plural, �MNRs�. A sigla �MRE� é abreviatura de Movimentos Religiosos Emergentes � que tem valor semântico à �NMR� �, podendo aparecer no plural �MREs�, e que, estas siglas bem como os termos podem aparecer em escrita minúscula, livre de aspas e de diferenciação de texto tipo itálico. 4 MARTELLI, Stefano. A Religião na Sociedade Pós-Moderna, p. 339. 5 DURKHEIM, Émille. As formas elementares de vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo:
Paulus, 1989.
14
Francis Westley, ao interpretar6 os NMR a partir da teoria durkheimiana � que em grande
parte auxiliará na compreensão do teórico.
O surgimento de Novos Movimentos Religiosos (NMR) é anterior ao
período da década de 80 do século XX, mas, os que surgiram posteriormente a este período
também receberam a nomenclatura de �novos�. Se bem que, segundo Silas Guerriero, podem
ser inseridos como Novos Movimentos Religiosos �todos os novos grupos7� que fogem das
convenções ou tipificações das Igrejas de tradição cristã. Embora esta seja uma afirmação tão
genérica, conceituar esses novos grupos religiosos não é tão fácil assim. Para a delimitação
desta pesquisa, optou-se em aproximar-se dos movimentos de tipologia movimentos
relacionados com o cristianismo8.
Como rigor metodológico, descartou-se a abordagem de diversos grupos
que também são considerados Novos Movimentos Religiosos (NMRs), como por exemplo: os
movimentos religiosos de tipologia originados no judaísmo, movimentos precedentes do Islã,
movimentos orientalistas (ou orientais), movimentos inspirados nas religiões antigas,
movimentos esotéricos, movimentos de enriquecimento pessoal. Foi estabelecido esse critério
por dois motivos: para dar aproximação aos aportes científicos de aplicabilidade mais
abrangente ao fenômeno religioso em estudo; segundo, porque tratar ou exemplificar cada
NMR se tornaria fuga dos objetivos da pesquisa tornando-a demasiadamente extensa. O autor
tem ciência da existência de diversos grupos religiosos emergentes9.
As transformações do conteúdo e forma de religiosidade de diversos grupos
vêm despertando nos teóricos da pastoral esforços para construir fundamentos teórico-
científicos que auxiliem em suas reflexões e práticas. Torna-se objetivo dos pastoralistas
interpretar as práticas dos diversos grupos a partir da leitura desses movimentos. Para tanto,
Casiano Floristán10 é um dos teóricos da pastoral que se destaca, e sua teoria da práxis servirá
de chave hermenêutica para a leitura e interpretação do movimento religioso em tela.
6 DURKHEIM. Apud, WESTLEY, Francis. The Complex Forms of the Religious Life � A Durkheimian View of
New Religious Movements, p. 01. 7 GUERRIERO, Silas. A visibilidade das novas religiões no Brasil, p. 163. 8 MORALEDA, José. As seitas hoje: Novos Movimentos Religiosos, p. 23. 9 Sobre os movimentos religiosos acima mencionados o leitor deve recorrer à: MORALEDA, José. As seitas
hoje: Novos Movimentos Religiosos. São Paulo: Paulus, 1992. 10 FLORISTÁN, Casiano. Teología Práctica � Teoría y praxis de la acción pastoral. Salamanca, Ed. Sígueme.
2002. (4ª Edição).
15
O pesquisador tem consciência dos desafios e limites que a pesquisa se
depara com alguns termos que não são unívocos, mas, polissêmicos. Desta forma, implica-se
definir alguns conceitos a partir de teóricos para melhor estabelecer o campo religioso dos
novos movimentos. Muito embora este assunto tem ganho grande visibilidade e interesse nos
estudos sociais e da religião tem pouca tradição nos estudos brasileiros11, ainda assim, os
estudos que surgem são bem recebidos pela grande originalidade. O caminho escolhido para o
estudo parte dos aspectos gerais e comuns dos Novos Movimentos Religiosos, sem, contudo,
ater-se a detalhes singulares � o que sairia do caminho proposto na pesquisa. A pesquisa se
apresenta estruturada na divisão de três capítulos a partir de seus objetivos: analisar, descrever
e interpretar o fenômeno religioso.
No primeiro capítulo propõe-se apresentar um panorama do cenário
religioso brasileiro, visualizando e pontuando as principais mudanças na configuração
religiosa (análise), verificando a plausibilidade de algumas hipóteses: se a partir da teoria
maffesoliana o grupo correspondente trata-se da configuração de socialidade chamada
�neotribalista�; se o grupo investigado pode ser configurado como Novos Movimentos
Religiosos; se o grupo observado trata-se de um grupo segregado, que se relaciona a partir das
lógicas de identificação para formar sua identidade própria e assim ganhar visibilidade e, se
há relação do neotribalismo com o surgimento dos novos movimentos religiosos � já que o
grupo faz questão de ser identificado como a �igreja dos surfistas�, e ainda, Julio de
Sant�Ana afirma que �os seguidores dos movimentos religiosos [...] se preocupam em ser
apreciados pelo estilo de vida que levam12�.
Tendo como ponto de partida as observações in loco (pesquisa de campo), a
pesquisa se propõe no segundo capítulo descrever um novo modelo religioso. O diferencial
desta pesquisa se dá principalmente por essa sua natureza. Assim sendo, a Igreja Bola de
Neve Church13 � com sede em São Paulo /SP � foi escolhida como recorte para a investigação
desta pesquisa. A escolha deu-se pela possibilidade do pesquisador investigar in loco o
modelo religioso por aproximadamente 24 meses (Agosto/2004 � Julho/2006), participando
com certa regularidade dos encontros do grupo. A Igreja Bola de Neve Church (IBDNC) além
11 MARTELLI, Stefano. Op. cit., p. 159. 12 SANT�ANA, Julio de. Igreja e seita � reflexões sobre esse antigo debate, p. 13. 13 Fica convencionado a partir de aqui que a sigla IBDNC é a abreviatura de �Igreja Bola de Neve Church�, podendo também aparecer apenas �Bola de Neve�, ou simplesmente, �Bola�. Fica convencionado que as siglas e o termo podem aparecer ou não, livre de aspas e de diferenciação de texto � tipo itálico.
16
de apresentar elementos suficientes para a análise e descrição, favoreceu a pesquisa de campo
na possibilidade de aplicar questionário14 aos participantes. A aplicação do questionário é de
fundamental importância posto que, em momento oportuno, seus dados tabulados serão
usados como conteúdo para a análise crítica interpretativa do objeto em tela.
Propõe-se ainda descrever a origem (matriz religiosa) desta Igreja,
aproximando-a o mais possível do provável campo religioso à qual ela pertence, e na tentativa
de construir seu lócus � ainda que provisoriamente; bem como, recuperar historicamente seu
desenvolvimento; a descrição do ambiente cúltico e do seu espaço físico; do estilo dos fiéis e
da tribo dos surfistas; a ordem de culto que esta Igreja apresenta; a estrutura hierárquica dos
cargos religiosos desta Igreja; e, se este movimento religioso tem algum vínculo com as
preocupações sociais.
Este fenômeno religioso tem ganhado grande visibilidade nos últimos anos,
inclusive com atenção da mídia televisiva, jornais e revistas de grande circulação do país,
além da visibilidade nas revistas de cunho religioso, que têm especulado o novo movimento
religioso pela sua proposta de originalidade e criatividade e principalmente pelo número
vertiginoso de adeptos em pouco tempo de existência.
A IBDNC é dirigida pelo pastor/fundador Rinaldo Luiz de Seixas Pereira,
com graduação acadêmica em Propaganda e Marketing e surfista. Foi iniciado seu trabalho
em 1993, ainda sob a tutela da Igreja Renascer em Cristo15 onde o líder Rinaldo comandava
os jovens, inclusive promovendo mega eventos ou shows evangelísticos. Rompendo com a
Igreja de origem deu-se início ao trabalho independente em fevereiro de 1999 numa pequena
loja de artigos de surf no bairro do Brás, com uma celebração que explora uma mensagem na
linguagem acessível aos jovens, fortes questionamentos sobre valores sexuais, moral e
principalmente muita música � mais de uma hora de reggae e rock embalando os fiéis a se
soltarem e dançar nos cultos que se estendem até altas horas da noite, inclusive explorando
parte do ritual no qual são esperados manifestações sobrenaturais, curas milagrosas e o dom
14 O questionário foi aplicado com um número de 100 pessoas com devolução de 100%. Para obter resultados
heterogêneos e menos tendenciosos possíveis na coleta de informações o questionário foi aplicado em dias de
culto alternado (quinta-feira, Sábado e Domingo). O pesquisador obteve autorização da direção da Igreja para
aplicar o questionário. O modelo do questionário segue anexo. Ver anexo: 01. 15 Sobre a Igreja Renascer em Cristo, o leitor pode recorrer à: DOLGHIE, Jacqueline Ziroldo. A Renascer em
Cristo e o Mercado de Música Gospel no Brasil. Mestrado � Ciências da Religião. São Bernardo do Campo/SP:
UMESP, 2002.
17
de falar em línguas não-identificáveis. Desde março de 2003 a Igreja Bola de Neve Church
está instalada com sua sede num espaço que era um antigo bingo da rua Turiaçu, no número
734, no Bairro de Perdizes e conta com templos em mais de 29 cidades do Brasil e 3 países
(Peru; Japão; Austrália).
Não apenas os teóricos das ciências sociais e da religião se interessam pela
investigação científica destes novos movimentos religiosos, mas, também os pastoralistas. É
fundamental compreender quais são os desdobramentos destes Novos Movimentos Religiosos
e sua interface com a sociedade contemporânea e as Igrejas de tradição cristã. Esta
compreensão urge, mesmo porque muitas vezes estes fenômenos são vistos apenas como uma
doença social16, resultados de uma condição imposta pela pós-modernidade e uma ruptura às
religiões tradicionais. Este tema apresenta, um desafio à pastoral e suas implicações como
novos modelos de religiosidade principalmente diante das massas majoritárias, que no Brasil
representam a juventude.
O terceiro capítulo tem como objetivo interpretar algumas práticas religiosas
da IBDNC usando como chave hermenêutica a teoria da práxis religiosa17 em Casiano
Floristán sob a perspectiva das dimensões da práxis18. O conceito de práxis será recuperado,
pois o termo sofreu desgastes pelas indevidas aproximações semânticas19 e seu conteúdo
recuperado possibilitará o desenvolvimento da teoria nos espaços acadêmicos. A tabulação
dos resultados do questionário aplicada servirá de suporte para as aproximações às leituras
críticas sendo apresentados em forma de gráficos, facilitando ao leitor a compreensão e
interpretação dos conteúdos.
Serão construídos conceitos fundamentais da liturgia cristã, na intenção de
interpretar o modelo litúrgico. A partir dos aportes científicos recuperados serão privilegiados
na crítica: a da ordem do culto na IBDNC; o estilo da pregação do líder; e, a questão do
fenômeno do trânsito religioso existente entre os adeptos. Serão apresentados ainda, alguns
desafios à pastoral da juventude neste contexto atual, pois, os jovens que compõem as massas
majoritárias no país estão sob o alvo das intensas mudanças sociais e culturais, bem como
16 MORALEDA, José. As Seitas Hoje � Novos Movimentos Religiosos, p. 12. 17 FLORISTÁN, Casiano. Teología Práctica � Teoría y praxis de la acción pastoral. Salamanca, Ed. Sígueme.
2002. (4ª Edição). 18 FLORISTÁN, Casiano. Op. cit., p. 180. 19 SILVA, Geoval Jacinto. Idéias fundamentais para o estudo de Teologia Prática, p. 199.
18
diante de um pluralismo religioso jamais observado. Essas rápidas transformações afetam a
juventude na construção de sua espiritualidade e identidade religiosa, levando o homem
moderno buscar a sempre os interesses pessoais em detrimento ao comunitário20.
Desafios se apresentam diante da tensão entre os NMR e os líderes
religiosos de Igrejas tradicionais. Estes reclamam do proselitismo dos novos movimentos,
pois, para eles estão perdendo grande parte de sua membresia. Por sua vez, os líderes dos
novos movimentos religiosos replicam às grandes religiões dominantes afirmando que elas se
esvaziaram e perderam o conteúdo e a contextualização da mensagem do evangelho, da
crença e da expressão de sua religiosidade. Esta tensão deve ser ponto de partida para a
apresentação de algumas pistas em direção ao diálogo inter-religioso e à pastoral da juventude
em tempos modernos.
O interesse da escolha desse tema dá-se pelo fato de que a os pastoralistas
tem buscado subsídios teórico-científicos para melhor compreender as práticas religiosas
destes novos movimentos diante das transformações sociais, bem como, suas ações e seus
desdobramentos na sociedade atual. Também pelo fato de que o neotribalismo e �o
surgimento dos NMR é um fenômeno de grande relevância social e de grande interesse para
a teoria sociológica21�. Esta pesquisa �oferece oportunidade para o estudo do fenômeno
religioso em nossos dias22�, e neste caso, a investigação do fenômeno a partir da práxis
religiosa.
O método que mais se aproxima à natureza da pesquisa, e que será utilizado
é o método histórico, proposto por Eva Maria Lakatos, pois:
(...) consiste em investigar acontecimentos, processos e instituições do
passado para verificar a sua influência na sociedade de hoje, pois as instituições alcançaram sua forma atual através de alterações de suas
partes componentes, ao longo do tempo, influenciadas pelo contexto cultural particular de cada época
23.
Para o desenvolvimento desta pesquisa é fundamental a aplicabilidade de
uma combinação de metodologias devido à sua própria natureza. O tema proposto perpassa
20 ROJAS, Enrique. O homem moderno: a luta contra o vazio, p. 26. 21 MARTELLI, Stefano. A Religião na Sociedade Pós-Moderna, p. 339. 22 MORALEDA, José. Op. cit., p. 05. 23 LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Maria de Andrade. Metodologia Científica, p. 79.
19
por uma série de conceitos de alguns teóricos, onde será primada a transdisciplinaridade � tão
defendida nos redutos acadêmicos.
Por se tratar de uma pesquisa descritiva ela pode assumir diversas formas,
por exemplo, a de estudo de caso, que é a proposta desta dissertação. Diante disso propõe-se
adotar as seguintes metodologias: pesquisa bibliográfica; pesquisa de campo; aplicação de
questionário quantitativo. Sobre as metodologias adotadas, Amado Luiz Cervo afirma que �a
pesquisa descritiva observa, registra, analisa e correlaciona fatos e fenômenos (variáveis)
sem manipulá-los24�. E ainda:
Estudo de caso é a pesquisa sobre um determinado indivíduo, família,
grupo ou comunidade que seja representativo do seu universo, para examinar aspectos variados de sua vida25.
Sobre a pesquisa bibliográfica Cervo comenta:
A pesquisa bibliográfica procura explicar um problema a partir das
referências teóricas publicadas em documentos. Pode ser realizada independentemente ou como parte da pesquisa descritiva ou experimental. Em ambos os casos, busca conhecer e analisar as contribuições culturais ou científicas do passado existente sobre um
determinado assunto, tema ou problema26.
Sobre a metodologia de aplicação de questionário em pesquisas, Cervo
atesta:
O uso de questionário é a forma mais usada para coletar dados, pois, possibilita medir com melhor exatidão o que se deseja. Em geral a
palavra questionário refere-se a um meio de obter respostas às
questões por uma fórmula que o próprio informante preenche27.
Cervo continua:
A coleta dos dados ocorre após a escolha e delimitação do assunto, a
revisão bibliográfica, a definição dos objetivos, a formulação do
problema e das hipóteses e a identificação das variáveis28.
24 CERVO, Amado Luiz. Metodologia Científica, p. 66. 25 Idem. Ibidem, p. 67. 26 Idem. Ibidem, p. 65. 27 Idem. Ibidem, p. 48. 28 CERVO, Amado Luiz. Metodologia Científica, p. 44.
20
Estabelecido com critério as questões mais importantes, selecionado o tipo e
número de perguntas, analisado as questões elaboradas quanto a clareza de sua redação, o
questionário foi submetido a um pré-teste e obtendo auxílio em sua elaboração a partir de
membros do grupo de pesquisa.
A aplicação do questionário será de responsabilidade do pesquisador e para
que os entrevistados se apresentem de maneira mais heterogênea possível os questionários
foram aplicado em dias alternados de cultos na Igreja Bola de Neve Church até que se
atingisse um número de 100 (cem) entrevistados. O questionário será de natureza quantitativa
não aparecendo informações pessoais ou opiniões que comprometam os entrevistados,
mantendo o sigilo de suas identidades.
21
CAPÍTULO 1
Tribos Urbanas e Movimentos Religiosos Emergentes
A partir da década de 80 houve uma nova configuração de socialidade com
identidade própria principalmente no contexto urbano com o surgimento de grupos. Um
desses grupos que vieram surgir foram chamados tribos urbanas. O objetivo deste primeiro
capítulo é analisar e conceituar esse novo modelo de configuração de socialidade
apropriando-se dos fundamentos teórico-científicos, o que permitirá analisar o surgimento
dessas novas expressões socialidade. Michel Maffesoli29 apresenta uma teoria para essa nova
configuração social denominada �tribos� ou �neotribalismo�. À priori essas configurações
de socialidade implicam efeitos na maneira da religiosidade de certos grupos.
Sincronicamente, ao passo que a estrutura social se configurava em grupos
de expressão própria, novos modelos de religiosidades também emergiam e se configuravam.
Os estudiosos30 têm entendido que essas manifestações religiosas dos grupos podem ser
estudadas como fenômeno de Novos Movimentos Religiosos ou Movimentos Religiosos
Emergentes31.
29 Michel Maffesoli é sociólogo e diretor dos Centros de Estudos Sobre o Quotidiano na Universidade de
Sorbonne, Paris. É autor de �O tempo das tribos � o declínio do individualismo nas sociedades de massa�. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. 30 MARTELLI, Stefano. A religião na Sociedade Pós-Moderna. São Paulo, Ed. Paulinas, 1995. Martelli é um
dos estudiosos que apresentam formas de religiosidade no contexto pós-moderno, que segundo ele, tais movimentos são significativos pelos seus avanços no campo religioso, sua grande visibilidade e grande número
de adesão, merecendo um estudo rigoroso desses fenômenos. 31 As definições deste tema serão abordadas na segunda parte deste primeiro capítulo.
22
1.1 Tribos Urbanas � conceitos teórico-científicos.
Para compreender esse novo processo de socialidade recorre-se
historicamente a alguns períodos. Essa nova configuração já foi se cristalizando a partir da
década de 50 do século XX, ou seja, o período chamado pós-guerra, onde a idéia de cultura
jovem e juventude também foi se consolidando. O contexto em que esses grupos se formaram
foi especificamente com o desenvolvimento da comunicação em massa, a expansão dos
movimentos culturais, o modelo de estado de bem-estar social, a grande oferta de atividades
de lazer e bens de consumo.
Mesmo um período anterior, os teóricos das ciências sociais se propunham
analisar grupos sociais sob o aspecto etnográfico ficando conhecido esses estudos como
�teoria dos desvios comportamentais�, a exemplo da obra The gang, de Frederik Trasher em
1927 que destinava o enfoque central a questões relativas à marginalidade e à delinqüência32.
Contudo, foi na década de 60 que a sociologia teve um significativo avanço nos estudos da
socialidade, mudando o enfoque de desvios comportamentais para estudos das �relações de
poder� e rótulos com Haward Becker33. Os grupos dominados e dominantes foram pauta de
estudos sociológicos de Dick Hebdige na década de 70 e início dos anos 80 propondo uma
teoria de subculturas34.
O conceito �tribo� surge especificamente no final dos anos 80 e década de
90 do século XX com a manifestação de grupos específicos a partir de novos modelos de
apresentação na sociedade. Para tanto, Michel Maffesoli usa os termos tribo e tribalismo (ou
ainda, neotribalismo) para conceituar esse evento na sociedade contemporânea. Maffesoli
justifica o uso destes termos da seguinte forma:
32 TRASHER. Apud, FEITOSA, Ricardo Augusto de Sabóia. Jovens em transe: grupos urbanos juvenis da
contemporaneidade, conceitos e o �underground�, Comunicação disponível nos anais do XXVI Congresso
Anual em Ciências da Comunicação, Belo Horizonte/MG, 02 a 06 de setembro de 2003. O artigo propõe uma
discussão sobre os principais conceitos utilizados nos estudos das manifestações de grupos juvenis urbanos como
subcultura e (neo)tribalismo na compreensão desses grupamentos e suas práticas culturais. 33 BECKER, Haward S., Outsiders: studies in the sociology of deviance. Nova York, Free Press, 1991. O autor questiona a �teoria do desvio�, ressaltando que a criação de desvio coletivo está relacionada às regras de poder.
(Trad. livre do autor). 34 HEBDIGE, Dick, Subculture: the meaning of style. Londres, Routledge, 1996. Para o autor os grupos se estabeleceram a partir da opção da moda, música e atividades de lazer em comum tendo como conceito estilo
cultural. (Trad. livre do autor).
23
É para dar conta desse conjunto complexo que proponho usar, como metáfora, os termos de �tribo� ou de �tribalismo�. Sem adorná-los, cada vez, de aspas, pretendo insistir no aspecto �coesivo� da partilha
sentimental de valores, de lugares ou de ideais que estão, ao mesmo tempo, absolutamente circunscritos (localismo) e que são encontrados,
sob diversas modulações, em numerosas experiências sociais35.
Algumas primeiras afirmações são necessárias para a compreensão da
construção do novo modelo de apresentação social, chamado pelo teórico de socialidade. Este
teórico propõe a superação da leitura da vida social sob o aspecto de uma estrutura mecânica
chamada modernidade. Bem se sabe que somente esse tema daria por si mesmo uma extensa
dissertação, mas, a intenção dessa afirmação é mostrar que a proposta do teórico é ler a partir
de uma estrutura da vida social contemporânea complexa e/ou orgânica chamada pós-
modernidade36. Maffesoli afirma:
A modernidade é o grande modelo europeu. Inclui os séculos XVIII,
XIX e XX até os anos 60, a meu ver. De acordo com esse modelo, a vida social é organizada de forma racional. O grande valor é a razão,
tudo é previsível. As escolas são organizadas de modo uniforme, a
saúde é organizada através das políticas de saúde. A modernidade se
apoiou sobre uma grande obsessão: o progresso. A ênfase está no
futuro. Partimos de um ponto de barbaridade e vamos chegar ao ponto da civilização absoluta. Valores inspirados nas idéias judaico-cristãs,
que consideram que há um paraíso, um fim ideal37.
Há, segundo Maffesoli, em sua teoria, uma dupla hipótese: um
deslocamento e uma tensão. Há uma superação da uma leitura social de modernidade por uma
leitura da socialidade38 sob a estrutura da pós-modernidade. Deslocamentos de conceitos de
35 MAFFESOLI, Michel, O Tempo das Tribos � o declínio da individualidade nas sociedades de massa, p. 28. 36 Os conceitos de modernidade e pós-modernidade são extremamente amplos e difusos entre alguns teóricos,
inclusive na aplicação dos termos e períodos. O leitor pode recorrer à obra de BAUMAN, Zygmunt. O mal estar
da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1998. Desta forma propõe-se uma breve definição do
conceito de modernidade e pós-modernidade: �modernidade é mais ou menos beleza (�essa coisa inútil que
esperamos ser valorizada pela civilização�), limpeza (�a sujeira de qualquer espécie parece-nos incompatível
com a civilização�), ordem (�Ordem é uma espécie de compulsão à repetição que, quando um regulamento foi
definitivamente estabelecido, decide quando, onde e como uma coisa deve ser feita, de modo em que toda
circunstância semelhante não haja hesitação ou indecisão�). [...] Os seres humanos precisam ser obrigados a
respeitar e apreciar a harmonia, a limpeza e a ordem. Sua liberdade de agir deve ser preparada. [...] Nossa
hora, contudo, é a da desregulamentação. O princípio de realidade, hoje, tem de se defender no tribunal de
justiça onde o princípio de prazer é o juiz que a está presidindo. �A idéia de que há dificuldades inerentes à
natureza que não se submeterão a qualquer tentativa de reforma� parece ter perdido sua prístina obviedade.
[...] os homens e as mulheres pós-modernos trocaram um quinhão de suas possibilidades de segurança por um
quinhão de felicidade�. In: BAUMAN, Zigmunt. O mal-estar da pós-modernidade, pp. 07-10. 37 MAFFESOLI, M. Apud, BERLINCK, Deborah. Tribalismo Pós-Moderno: O Brasil é modelo de
comportamento. Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 29/março/2001 � Cadernos. 38 Para entender essa expressão de socialidade versus sociedade, de maneira resumida pode ser explicado da seguinte maneira: �O ethos comunitário designado pelo primeiro conjunto de expressões remete a uma
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domínios culturais, produtivos, ideológicos, cultuais, e tensão no que diz respeito à superação
de indivíduos (grupos contratuais exercendo função), para pessoas (exercendo papéis, não
mais grupos contratuais, mas tribos afetuais). Maffesoli faz essa distinção entre indivíduo e
pessoa afirmando que:
O indivíduo é livre, ele contrata e se inscreve em relações igualitárias.
Isso servirá de base ao projeto, ou melhor, à atitude projetiva (isto é, à
política). Em contrapartida, a pessoa é tributária aos outros, aceita um
dado social e se inscreve num conjunto orgânico. Em suma, podemos
dizer que o indivíduo tem uma função, e a pessoa um papel39.
Essa diferenciação incide diretamente sobre as características entre
sociedade e socialidade, sendo muito provável que seja esse o elemento que faz com que os
fiéis/adeptos da Igreja Bola de Neve Church40 � considerada �a igreja dos surfistas� �
desempenhem papéis de surfistas, mesmo que não sejam, teatralizando e assumindo figurinos
à medida de seus gostos. Maffesoli exemplifica essa teoria fazendo a devida diferenciação:
Característica do social: o indivíduo pode ter uma função na
sociedade, e funcionar no âmbito de um partido, de uma associação,
de um grupo estável. Características de socialidade: a pessoa (personna) representa papéis, tanto dentro de sua atividade profissional quanto no seio das diversas tribos de que participa. Mudando o seu figurino, ela vai, de acordo com seus gostos (sexuais, culturais, religiosos, amicais) assumir o seu lugar, a cada dia, nas diversas peças do theatrum mundi
41.
A guinada na maneira de se fazer essa leitura sociológica está relacionada à
nova configuração que a sociedade foi construindo a partir das relações emocionais
quotidianas. Assim se apresenta o tribalismo no antagonismo à modernidade, embora o
modelo da modernidade tenha influenciado a configuração da sociedade contemporânea. Ele
explica esse processo afirmando que:
Começando nos anos 60 e 70, observamos uma crescente saturação
desse modelo racional. A educação centralizada não funciona mais, há
movimentos beneficentes que se desenvolvem para compensar a
subjetividade comum, à uma paixão partilhada, enquanto tudo o que diz respeito à sociedade é essencialmente
racional�. In: MAFFESOLI, Michel. Op. Cit., p. 86. 39 MAFFESOLI, Michel. Op. Cit., p. 93. 40 Sobre a Igreja Bola de Neve Church � que compreende o estudo de caso dessa dissertação � será mais bem
trabalhado no segundo capítulo. 41 MAFFESOLI, Michel. Op. Cit., p. 108. Para melhor compreensão sobre essa diferenciação o leitor deve
recorrer à: MAFFESOLI, Michel. Op. Cit., pp. 79-99.
25
disfunção da saúde pública. Toda uma série de fenômenos que, para
mim, são tribais. Não é mais uma organização jacobina, piramidal e
muito racional que organiza o social. Ao contrário, o comando desse social começa a ser tomado por baixo, pelas microtribos, a partir da
emoção, do afeto, e não da razão. A ênfase está no presente: é preciso
viver aqui e agora42.
De acordo com alguns teóricos, um dos muitos fenômenos que podem ser
vistos na pós-modernidade é o rápido avanço do pluralismo cultural, e, em sua envergadura
contemplam-se crenças, estilos, novos modelos arquitetônicos sociais dentre muitos outros
aspectos. Estes, entretanto, transformados numa velocidade vertiginosa e sem consistência de
postulados definitivos, ou seja, tudo é muito provisório e efêmero. O que é, já se foi.
Por estas mudanças drásticas e repentinas, o indivíduo se vê desnorteado e
sem referenciais no processo de construção identitária, buscando por si mesmo, a qualquer
custo, construir uma identidade pessoal. Para Zygmunt Bauman, os homens e mulheres
contemporâneos que vivem em nosso tipo de sociedade sofrem permanentemente com um
�problema de identidade não-resolvido43�. Sofrem porque lhes faltam recursos com os quais
possam construir uma identidade verdadeiramente �sólida e duradoura44�. Eis aqui um
paradoxo que deve ser notado: à medida que o indivíduo cria sua identidade pessoal ele torna-
se �diferente� e essa diferença pode excluir o indivíduo da sociabilidade.
Simultaneamente, ao serem encorajados em ter suas próprias identidades
ficam reféns de seus estilos únicos, e portando, �estranhos� aos demais. Por isso, parece ser
mais uma desvantagem do que uma qualidade ter uma identidade própria para aqueles que
não tem controle suficiente das circunstâncias e dos itinerários de suas vidas. Resumidamente,
para Bauman esse é um processo concomitante de �criação e anulação de estranhos45�.
Portanto, pergunta-se: como ser indivíduo e coletividade nesse contexto
pós-moderno? É nessa direção que nasce um conceito de arquitetura social proposto por
Maffesoli. Ao passo que a socialidade é intimista no momento de sua fundação, ela também o
é comum a todos. Ou seja, ao ponto que é ressaltado o aspecto individual é também ressaltado
42 MAFFESOLI. Apud, BERLINCK, Deborah. Tribalismo Pós-Moderno: O Brasil é modelo de comportamento. Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 29/março/2001 � Cadernos. 43 BAUMAN, Zygmunt. O mal estar da pós-modernidade, p. 38. 44 Idem. Ibidem, p. 38. 45 Idem. Ibidem, p. 27. O leitor pode recorrer ao segundo capítulo desta obra para uma compreensão mais
ampliada sobre �criação e anulação de estranhos�.
26
o aspecto afetivo dos grupamentos, onde os indivíduos representam seus diversos papéis ao
seu gosto.
Fica inválido discutir a formação social tão somente a partir do indivíduo,
posto que, as relações sociais são de maior importância para compreender a sociedade
contemporânea. Propõe Maffesoli que �o que melhor poderia caracterizar a pós-
modernidade era o vínculo que estava sendo estabelecido entre a ética e a estética46�. E
continua afirmando que �só temos valor pelo fato de pertencermos a um grupo47�. Para ele,
essa coletivização dos sentimentos é um dos fatores essenciais da vida social que está re-
nascendo nas sociedades contemporâneas.
Diz-se re-nascendo, porque em diferentes épocas o ser humano foi
impulsionado a estar junto, mas, �conforme as épocas, predomina um tipo de sensibilidade,
um tipo de estilo destinado a especificar as relações que estabelecemos uns com os outros48�.
Nesse contexto pós-moderno esta impulsão se repete porque os sujeitos �assinalam o declínio
de um certo tipo de sociedades, mas, ao mesmo tempo, chamam-nas a um irresistível
renascimento49�.
A arte (estética) tem capacidade e função bem definida: um ambiente é
capaz de criar um corpo coletivo, de modelar um ethos. As reuniões esportivas ou de
consumos, ou até mesmo � e nesse caso bem cabe o exemplo � o grupo religioso que se forma
em torno do estético e da arte. Um exemplo mais próximo à religião nesse caso é o espaço
litúrgico. Maffesoli afirma que �na religião popular é muito difícil fazer uma separação entre
costumes e rituais canonicamente estabelecidos, o que, aliás, tem sido a tarefa constante da
hierarquia eclesiástica50�. Estes grupos são uma evidência empírica da imitação, desse
instinto �animal� de fazer como os outros. O indivíduo se sente conduzido pelo ambiente das
massas e mesmo que tenha uma �vontade individual� é anulado por uma força exterior, e a
formação do ethos através desse ambiente passa incólume à vontade do indivíduo.
46 MAFFESOLI, Michel. Op. cit., Prefácio à segunda edição, p. 01. 47 Idem. Ibidem, p. 95. 48 MAFFESOLI, Michel. Op. Cit., p. 101. 49 SCHELER. Apud, MAFFESOLI, Michel. Op. cit., p. 51. 50 MAFFESOLI, Michel. Op. cit., p. 32.
27
Outro vinculo para a coletivização é a �ética da simpatia�, termo que
Maffesoli empresta de Scheler51 e o desenvolve. Que nesse caso não se trata essencialmente
de uma estrutura social, mas, de uma �teoria de identificação de simpatia�. Esta seria uma
forma matricial que privilegia a função emocional e os mecanismos de identificação e de
participação, ou seja, a socialidade. A teoria de Maffesoli aponta para um declínio da idade de
ouro de toda organização e teorização social. Para ele, o principium individuatinis foi
superado e �é cada vez mais contestado no próprio mundo ocidental52�. É o individualismo
sendo suplantado pela necessidade de identificação com um grupo.
Não há uma proposta, tampouco intenção, em fazer-se aqui uma abordagem
sistêmica sobre o tema individualismo, uma vez que se optou por afirmar que o
individualismo foi superado, espera-se muito mais dizer, talvez o contrário dele do que a
respeito dele mesmo, ou seja, apontar para as configurações sociais que o ultrapassaram. Para
Maffesoli, �enquanto a lógica individualista se apóia numa identidade separada e fechada
sobre si mesma, a pessoa (persona) só existe na relação com o outro53�, e segue:
Insistiram tanto na desumanização, no desencantamento do mundo
moderno, na solidão que este engendra, que não conseguem mais ver
as redes de solidariedade que nele se constituem54.
Uma característica pertencente a essa nova construção social é a capacidade
da fluidez dos grupos, ou seja, a capacidade de trânsito de indivíduos em diversos grupos,
trocando de papéis com muita rapidez, desta forma. O conceito de grupo vem exatamente sob
este aspecto. Diz Maffesoli: �o vaivém constante que se estabelece entre a massificação
crescente e o desenvolvimento dos microgrupos que chamarei �tribos�55�. Diferentemente do
que prevaleceu nos anos 70, onde a proposta era muito mais de agregar ao grupo, do que o ir
e vir de um grupo a outro.
Esse modelo de organização de microgrupos com tanta fluidez é de
característica própria da pós-modernidade. A superação do racionalismo moderno pelas
51 MAFFESOLI, Michel. Op. cit., notas introdutórias. 52 MAFFESOLI, Michel. Op. cit., p. 41. 53 Idem. Ibidem, p. 15. 54 Idem. Ibidem, p. 101. 55 Idem. Ibidem, p. 08.
28
experiências instáveis dos sentimentos. Estas �comunidades emocionais56� apontam para
algumas características: o aspecto efêmero, a composição cambiante, a inscrição local, a
ausência de uma organização e a estrutura quotidiana. Segundo Maffesoli:
A Pós-modernidade tende a favorecer, nas megalópoles
contemporâneas, ao mesmo tempo o recolhimento no próprio grupo e
um aprofundamento das relações no interior desses grupos57.
Para Maffesoli, a arquitetura social desse grupo está radicalmente ligada à
des-afeição pelas grandes instituições sociais racionais e estão se reagrupando em
microtribos. Desta maneira, buscam novas formas de solidariedade que não são encontrados
obrigatoriamente nas grandes instituições sociais habituais, mas, a partir da emoção e de
afetos e não da razão. A idéia, segundo Maffesoli é que �a partilha do sentimento é o
verdadeiro cimento societal�58. Diz ainda que a:
A estrutura de base é a tribo [...] e que são, efetivamente para um, e
potencialmente para o outro, pólos de atração do imaginário coletivo,
tanto do ponto de vista existencial, quanto econômico, cultural e
cultual59.
Retomemos um pouco ao que foi abordado mui brevemente logo
anteriormente sobre o vínculo ético e estético dessas comunidades. A exemplo da estética � o
sentir em comum torna-se fator obrigatório do grupo e pode ser reforçada pelo ambiente
comum (os grupos se situam em seus contornos espaciais). A ética deve ser visto como o laço
coletivo, e resumidamente pode ser exemplificada pela partilha sentimental de valores,
padrões de gostos, expressões da vida quotidiana, calor humano, no estar-junto comunitário60.
Este é, portanto, o vínculo que Maffesoli propõe entre ética e estética. O indivíduo perde sua
força mas a recupera na coletividade do grupo.
É logo a seguir, depois desses dois valores mencionados que se encontra o
costume, que de acordo com Maffesoli �é seguramente uma boa maneira de caracterizar a
56 MAFFESOLI, Michel. Op. cit., p. 17. Esse conceito de �comunidades emocionais� foi emprestado de Max Weber utilizado pela primeira vez em �Economia e Sociedade�, pp. 475-478. 57 MAFFESOLI, M. Op. cit., p. 126. 58 Idem. Ibidem, p. 64. 59 Idem. Ibidem, p. 41. 60 Idem. Ibidem, p. 24.
29
vida quotidiana dos grupos contemporâneos61�. O costume é �o conjunto dos usos comuns
que permitem a um conjunto social reconhecer-se como aquilo que é62�. Para tanto, o
costume enquanto expressão coletiva ajuda a sedimentar o tribalismo.
Com bases empíricas, Maffesoli afirma que certos países � como o Japão e
Brasil63, por exemplo � gozam de certa vitalidade de atitudes grupais na vida da sociedade,
pois, não fizeram do individualismo o fundamento de seu desenvolvimento. Esse aspecto do
vitalismo/vitalidade merece uma atenção. A configuração e as estruturas sociais são diferentes
em diversas épocas, e tendem a se projetar nas representações sociais peculiares de cada
período histórico. No período moderno, as projeções sociais eram do tipo teórico (racional, da
seriedade) a partir da observação. O deslocamento64 que Maffesoli propõe é que a nova
estruturação social deixa um pouco de lado essa projeção racional se projeta muito mais no
apenas querer estar junto onde a vida se faça mais presente. Ainda que essa expressão e
configuração do grupo sejam relativistas, é o que serve de suporte à vida quotidiana65.
A projeção social se representa para alguns grupos através de figuras
emblemáticas que eles elegem para si. Maffesoli propõe que a figura emblemática deste
período contemporâneo é Dionísio66. E isso ele afirma ao propor que:
Cada sociedade tem uma figura emblemática forte. Na modernidade é
Prometeu, o deus do trabalho, da razão, da seriedade. Mas há uma
fadiga. Hoje assistimos ao retorno de uma outra figura emblemática:
Dionísio, que representa a desordem, a festa. Vejo também o
desenvolvimento do hedonismo na importância do corpo. É uma
tendência mundial, mas o Brasil nesse aspecto é um modelo. No
Brasil o corpo adquiriu um valor em si mesmo: há a cirurgia estética e
toda uma série de fenômenos que mostra que o que constituía uma
realidade incontornável, o trabalho, deixa lugar a um outro tipo de
realidade muito mais festiva. Queremos permanecer jovens, falar como jovens, nos vestir como jovens, ter um corpo como o dos jovens67.
61 MAFFESOLI, M. Op. cit., p. 31. 62 Idem. Ibidem, p. 31. 63 Idem. Ibidem, p. 41. 64 MAFFESOLI, Michel. Op. cit., p. 46ss. Maffesoli usa o termo potência e vitalismo para atribuir essa mobilidade ou deslocamento. Não julgamos necessário explorar esse termo em maior profundidade, mas, se o
leitor preferir pode recorrer ao segundo capítulo desta obra de Maffesoli. 65 MAFFESOLI, M. Op. cit., p. 46. 66 Dioniso, (ou Dionísio) é o deus grego equivalente a Baco, no panteão romano, deus das festas, do vinho e do lazer. Filho de Zeus e da princesa Sêmele, é o único deus filho de uma mortal. Ao se tornar homem, Dionísio se
apaixona pela cultura da uva e descobre a arte de extrair o suco da fruta. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Dion%C3%ADsio>. Acessado em 27/04/2006. 67 MAFFESOLI. Apud, BERLINCK, Deborah. Loc. Cit.
30
A necessidade societal diminui as projeções na racionalidade, na escravidão
da preocupação com o trabalho. Suas projeções tornam-se muito maior nas questões da vida
quotidiana, na relativização do trabalho, nas fantasias lúdicas, no culto ao corpo, na
necessidade do prazer, na estética, no desejo de estar com os amigos, e até mesmo em não se
fazer nada. Maffesoli faz um jogo de palavras ao dizer que a figura emblemática é dionisiana,
e não dionisíaca, pois, a figura remete ao que se possa chamar a atitude espiritual �dionisiana�,
enquanto que, a perspectiva mais sensual remeteria ao �dionisíaco�68.
Partindo das considerações sobre o dionisiano, o lúdico, o espírito festivo, a
religiosidade é também um aspecto da socialidade caracterizado pela teatralidade. Há uma
interação orgânica entre a massa, os grupos, a sociedade e a natureza. Essa religiosidade é
agora muito mais táctil e menos racional e caminha sob a bandeira da desinstitucionalização,
da descristianização, e está saturada dos grandes sistemas e das demais macro-estruturas69.
Isso não significa que seja o fim das instituições religiosas, tampouco o fim do cristianismo,
mas poder-se-ia afirmar haver um cristianismo nos dias atuais com tendência a organizar-se a
partir das formas de simpatias afinitárias.
Para alguns teóricos, o aspecto social da religiosidade, embora proponham
algumas abordagens diferentes, geralmente tratam de um aspecto similar que é a lógica da
atração social70, mas, é a partir de um imaginário vivido em comum, a partir de algumas
imagens religiosas que se apreendem as formas de agregação social. Assim como o emblema
dionisiano foi figura de agrupamento no final do helenismo, há na sociedade contemporânea
�uma multiplicação dos reagrupamentos afetivo-religiosos71�. Até mesmo a origem do
cristianismo no seu nascimento, surgiu como seita72, em pequenos grupos afetivo-religiosos.
Para Maffesoli �o pequeno grupo [...] tende a restaurar, estruturalmente, a eficácia
simbólica73�.
A religiosidade que coincide com movimentos religiosos emergentes revela
tipificações de tribalismo, manifestando-se pelo estilo de vida, pela preferência quanto às
68 MAFFESOLI, M. Op. cit., p. 47. 69 Idem. Ibidem, pp. 109-110. 70 Idem. Ibidem, p. 115. 71 MAFFESOLI, M. Op. cit., p. 116. 72 Será abordado em tópico posterior na configuração e diferenciação da tipologia seita, tipologia igreja. 73 MAFFESOLI, M. Op. cit., p. 117.
31
roupas, aos esportes, criando um conjunto comunitário74. São eleitos pontos de encontro para
se designar um ponto de encontro comum. Muitas vezes, diversas microtribos dividem o
mesmo espaço (extensão indefinida), mas, sistematizam um lugar (espaço ocupado, lugar-
comum) próprio, mesmo inserido na massa. Essa heterogeneidade pode assegurar a solidez
das tribos frente às massas inclusive na afirmação de sua religiosidade, embora pareça
contraditório.
Conquanto esse rigor aconteça, é possível perceber a possibilidade do
paradoxo presença e afastamento. É importante para as tribos permitirem esse vai-vem para
assimilar absorção e afastamento para estabelecer difusão. Há uma dosagem da
particularidade a ser preservada, mas existe também a intencionalidade de divulgação
existência da tribo para outros grupos. A tribo não pode se fechar para não se esgotar em si
mesma, mas também não pode abrir totalmente para não se tornar massa unificada. Assim,
afirma Maffesoli:
Dessa maneira, nas práticas populares (peregrinações, cultos dos
santos), na expressão mística ou na satisfação lógica, a alteridade, o estranho ou estrangeiro têm tido numerosos dispositivos de
conservação que permitiram resistir à simplificação e à redução
unitária. O êxtase bem como a fusão das festas votivas permitem
exprimir, ao mesmo tempo, o idêntico e o diferente. A �comunhão dos santos� que é uma das bases da prece monástica, e a efervescência
popular remetem, de maneira eufemizada ou atualizada, a um estar-junto que é, por construção, diverso e polifônico
75.
Desta maneira, a construção dos aportes teórico-científicos, a aproximação
empírica e a observação in loco constroem fundamento suficiente para afirmar que o modelo
neo-tribalista proposto por Maffesoli ilustra e corresponde ao objeto de estudo de caso,
principalmente ao que diz respeito ao processo de aproximação solidária por afinidades, pela
elaboração de suas relações emocionais quotidianas e a configuração de socialidade.
Sugerimos a seguinte citação para corroborar com a afirmação supra citada:
Uma das características da religião é promover a integração social.
Rapazes e moças vão à Igreja ou ao templo e lá conhecem outros
adolescentes que pensam como eles. Assim, formam grupos. Assistem aos cultos juntos, saem à noite, viajam. O lazer fica associado à
religiosidade. "A maioria de meus amigos é daqui", diz a estudante
74 MAFFESOLI, M. Op. cit., p. 140. 75 Idem. Ibidem, p. 154.
32
paulista Ana Teresa Santos Cavalcante, de 17 anos, que freqüenta a
igreja evangélica Bola de Neve. "Gostamos das mesmas coisas,
fazemos os mesmos passeios, por isso nos damos tão bem", afirma
ela76. [grifo nosso]
O(s) modelo(s) religioso(s) que essas novas tribos têm adotado podem estar,
hipoteticamente, muito próximas ou até mesmo relacionadas ao surgimento dos Novos
Movimentos Religiosos. Existem elementos teóricos que atribuem pressupõem o
desenvolvimento da sociedade colaborando para a dinâmica do desenvolvimento das
religiões. A plausibilidade dessa hipótese poderá ser constatada a partir da construção teórico-
científica a seguir.
1.2 Novos Movimentos Religiosos � conceitos teórico-científicos
Assim como em outros períodos anteriores77, a partir da década de 80 do
século XX novas expressões de religiosidade foram se configurando no campo religioso
brasileiro. É inegável que está havendo uma mudança demográfica no panorama religioso. Os
números que durante muitos anos ficaram sob mesma leitura hoje se apresentam trazendo
certa novidade. Novas expressões de religiosidade vão se configurando e disputam seu
percentual nas pesquisas e estatísticas. Para alguns pesquisadores estes novos grupos podem
ser chamados de Novos Movimentos Religiosos ou Movimentos Religiosos Emergentes.
É uma tarefa desafiadora falar de NMRs conquanto suas construções
teórico-científicas não estejam ainda bem cristalizada nos redutos acadêmicos. Mesmo
porque, segundo Stefano Martelli, �falar destes novos movimentos religiosos pode parecer
redundante, desde que se considere que toda Religião nunca é algo estático78�. Para Silas
Guerriero, até mesmo o termo NMRs �trata-se de um conceito difuso e muitas vezes
elástico79�, mas uma afirmação é certa, �não há dúvidas de que não estamos falando das
76 Revista VEJA. Jovens � Edição Especial: Religião. Garotos de fé: os jovens estão mais místicos mas definem
bem sua religiosidade com liberdade e sincretismo. Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/especiais/jovens_2003/p_028.html>. (Acessado em 10/04/2006). 77 Adiante serão mencionados alguns movimentos religiosos no cenário religiosos brasileiro que antecederam historicamente o fenômeno proposto para o estudo. A rigor, estes movimentos religiosos serão apenas
mencionados para conhecimento histórico, mesmo porque, não cabe nesta pesquisa descrever cada um deles. 78 MARTELLI, Stefano. Op. cit., p. 339. 79 GUERRIERO, Silas. A visibilidade das novas religiões no Brasil, p. 161.
33
religiões mais tradicionais e fortemente enraizadas no seio da sociedade80�. José Moraleda
advertiu ao aproximar-se desse tema, dada a tamanha dificuldade que ele apresenta na sua
tipificação:
O caráter mutável, contraditório e extremamente plural dos NMR, que se une ao segredismo e à inconsistência doutrinal de muitos desses
grupos, impede de apresentar rigorosamente suas crenças e
instituições básicas, bem como estabelecer generalizações válidas para
todos os movimentos81.
Sobre o conceito dos novos movimentos religiosos James Beckford afirma:
O conceito de novas religiões, NMR, ou mesmo cultos, tem sido
utilizado de maneiras muito diversas, embora sua aplicação não seja
arbitrária. É condicionada às considerações históricas e teológicas.
Mesmo quando parecem-se adaptações de tradições muito antigas
(como budismo, hinduísmo etc.) a definição de NMR é muito vaga e
serve como um grande guarda-chuva que acolhe a diversidade de fenômenos que se distanciam das grandes religiões mundiais
82.
Silas Guerriero afirma que olhar para esse fenômeno como um todo, ou algo
harmonioso pode ser prejudicial83, pois, esse fenômeno não o é. Muito embora, seja
necessário olhar para o fenômeno de novos movimentos religiosos como um tema geral. A
grande dificuldade de abordagem desses conceitos se torna ainda mais difíceis no Brasil, pois,
�não há tradição nessa terminologia84�. Por isso, é válido incluir nos modelos de discussão
científica �todas as religiões que surgiram recentemente e que não fazem parte das antigas
tradições. Afinal, são as novas85�.
Não obstante esse tema seja tão significativo nas ciências da religião �
compreendendo um campo tão variado � torna-se quase impossível, hoje, segundo Guerriero,
estabelecer uma definição precisa86, ou trazer um conceito definitivo sobre os NMRs. Talvez
seja mais propício para esta pesquisa suscitar alguns delineamentos sobre esse fenômeno. De
acordo com algumas teorias as religiões têm um caráter dinâmico de leitura dos fatos sociais e
são evoluídas à medida da caracterização da situação vivencial da sociedade.
80 GUERRIERO, Silas. Op. cit., p. 161. 81 MORALEDA, José. As Seitas Hoje � Novos Movimentos Religiosos, p. 08. 82 BECKFORD. Apud. GUERRIERO, Silas. A visibilidade das novas religiões no Brasil, p. 164. 83 GUERRIERO, Silas. Op. cit., pp. 158-159. 84 Idem. Ibidem, p. 159. 85 Idem. Ibidem, p. 159. 86 Idem. Ibidem, p. 161.
34
Estes aspectos evolutivos das religiões podem ser lidos a partir da teoria de
Émile Durkheim87. É a partir da teoria durkheimiana que Francis Westley afirma que as bases
da religião são sempre similares, mas, de acordo com o desenvolvimento da cultura e das
sociedades as religiões vão se tornando mais complexas, o que não haveria problema algum
em propor uma relação entre religião e ordem social88. A correspondência entre estruturas
sociais e organizações religiosas estão manifestas principalmente nas crenças e rituais. Michel
Maffesoli se apropria da escola de Durkheim onde sempre privilegia a sacralização das
relações sociais89. Maffesoli afirma sobre as relações entre sagrado e sociedade:
Considero todo conjunto dado, desde o microgrupo até a estruturação
estatal, como uma expressão do divino social, de uma transcendência
específica, ainda que imanente. [...] o sagrado é misterioso, assustador,
inquietante, e que é preciso cativá-lo para negociar com ele90.
O que é sagrado para um grupo social é o que ele elege como sagrado a
partir de elementos religiosos, mas, que por sua vez podem ser representados nas relações
sociais. O divino social � termo emprestado de Durkheim � em Maffesoli tem conotação de
força agregadora que está na base de qualquer sociedade ou associação e o termo religião
empregado designa aquilo que une uma comunidade91. Este divino permite re-criar os espaços
de socialidade nas grandes metrópoles e até megalópoles, permitindo a criação das �aldeias na
cidade�, onde �o santo patrono venerado e celebrado, será substituído pelo guru, pela
celebridade local, pela equipe de futebol ou pela seita de modestas dimensões92�.
A representação dos elementos religiosos deve ser vista de duas maneiras:
�em primeiro lugar a religião é representação simbólica e metafórica do indivíduo e suas
relações com a sociedade e seus sentimentos com a vida coletiva; em segundo lugar a
religião tem função cognitiva e interpretativa e a partir da imagem social a religião vem a
ser consciência coletiva93�. No caso da teoria de Durkheim, uma outra hipótese é que a
87 DURKHEIM, Émille. As formas elementares de vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo:
Paulus, 1989. 88 WESTLEY, Francis. The Complex Forms of the Religious Life � A Durkheimian View of New Religious
Movements, p. 01. (Trad. livre do autor). 89 MAFFESOLI, M. Op. cit., p. 32. 90 MAFFESOLI, M. Op. cit., p. 32. 91 Idem. Ibidem, p. 56. 92 Idem. Ibidem, p. 62. 93 WESTLEY, Francis. Op. cit., p. 03. (Trad. livre do autor).
35
religião incide no comportamento humano, com suas prescrições e proscrições mantendo
assim a regulação da ordem social94.
Alguns críticos da teoria de Durkheim apontam um equívoco nesta teoria.
Afirmam que sua teoria fica restrita ao período de sua análise etnográfica, e que não se
aplicaria à cultura moderna, por exemplo, principalmente à era pós-industrial e tecnológica.
Entretanto Durkheim � sendo um teórico evolucionista � tem como defesa a afirmação de que
�à mesma medida em que as organizações sociais evoluem, as religiões com seus ritos e
crenças também o fazem95�. O único aspecto imutável da religião, segundo Durkheim, é a
habilidade da religião prover motivações que geralmente são alimentadas a partir dos ritos
religiosos.
Bem parece que Durkheim faz algumas �predições� quanto ao futuro da
religião. Mesmo em uma sociedade altamente tecnológica baseada no utilitarismo
individualista e a crescente diversificação cultural a religião teria sua visibilidade. Esta seria,
por sua vez, o que Durkheim chamou de �culto do homem96�. Um culto no qual o indivíduo,
idealizado, seria adorado e sacralizado e que também suas relações sociais seriam
dramatizadas em elevado nível. Durkheim não especifica bem o ritual desse culto, mas afirma
que o mesmo cumpriria função de celebrar o individualismo, restringir e controlar o
indivíduo97.
Entretanto, se o avanço da liberdade de individualismo prevalecesse, como
se dariam as relações de controle e poder? Como seria a manutenção da ordem dos líderes
religiosos? Quem seria o paradigma de líder? E quem o seguiria nestas circunstâncias? Se
com o �culto do homem� todo homem tivesse igual acesso ao sagrado seria problemático
estabelecer autoridade e submissão. Talvez não se tenham todas essas respostas, muito
embora, algumas podem ser correlacionadas com o surgimento dos novos modelos de
socialização. A seleção dos líderes seria determinada a partir da competência ou
incompetência nos rituais desses novos cultos. As pessoas o seguiriam porque ainda assim
sentiriam a necessidade de dramatizar suas crenças para serem alimentadas e motivadas a
viver suas realidades sociais quotidianas.
94 WESTLEY, Francis. Op. cit., p. 04. (Trad. livre do autor). 95 DURKHEIM. Apud, WESTLEY, Francis. Op. cit., p. 04. (Trad. livre do autor). 96 DURKHEIM. Apud, WESTLEY, Francis. Op. cit., pp. 5-8. (Trad. livre do autor). 97 Idem. Ibidem, p. 07. (Trad. livre do autor).
36
À priori, essas realidades sociais e quotidianas são combustíveis para o
surgimento dos Novos Movimentos Religiosos. Partindo dessa leitura é possível fazer as
devidas aproximações da teoria neotribalista maffesoliana com a teoria durkheimiana sobre os
Movimentos Religiosos Emergentes. Maffesoli afirma: �é necessário, naturalmente
acrescentar que o espaço religioso do qual estamos falando nada tem a ver com a maneira
habitual de compreender a religião dentro da tradição oficial cristã98�. O cotidiano expresso
nas suas diversas formas � principalmente no comportamento religioso � dos adeptos dos
novos movimentos religiosos foge em grande parte dos padrões comuns nas expressões
religiosas das igrejas tradicionais. Seus estilos de vida são díspares e fazem questão de agirem
dessa maneira.
Algumas teorias99 são apresentadas por Stefano Martelli sobre o surgimento
dos NMRs. A primeira tese apresentada por Martelli é que períodos de rápidas transformações
sociais são marcados pelo aparecimento de movimentos messiânicos ou milenaristas e que
estes movimentos eram interpretados como formas de reação à modernidade e à
racionalização, com origem em sociedades de religiões e culturas tradicionais e que estariam
fadados a desaparecer à medida do avanço da racionalização da sociedade100. Essa tese foi
falsificada à medida que a racionalização e modernização não enfraqueceram ou extinguiram
os novos movimentos religiosos, pelo contrário, seu crescimento foi ainda maior. Para Bryan
R. Wilson estes movimentos têm características bem peculiares:
Proveniência exótica, novos estilos de vida cultural, um nível de
participação bem diferenciada daquele de uma tradicional Igreja cristã,
uma liderança carismática, um grupo constituído, em grande parte de
jovens e proveniente em medida proporcionalmente maior, das classes mais instruídas e dos setores de média burguesia, emergência dos mesmos nos últimos 15 anos
101. [grifo nosso]
A segunda tese defendida por alguns estudiosos, apresentada por Martelli é
de que o surgimento dos NMRs está relacionado ao avanço da racionalização (embora em
alguns casos, grupos se apresentam com aspectos não racionais). Desdobram-se em dois tipos,
de acordo com a localização dos surgimentos: a) os de caráter messiânico surgido no terceiro
98 MAFFESOLI, M. Op. cit., p. 84. 99 O leitor poderá recorrer ao vasto conteúdo apresentado por Stefano Martelli para melhor compreensão das
propostas e discussões sobre o surgimento dos novos movimentos religiosos. Aqui serão apresentadas as
principais discussões. In: MARTELLI, Stefano. Op. cit. pp. 338-354. 100 MARTELLI, Stefano. Op. cit., p. 339. 101 WILSON. Apud, MARTELLI, Stefano. Op. cit., p. 339.
37
mundo em reação ao expansionismo colonial e neocolonial, onde favoreceu o avanço da
racionalização e, b) os que surgiram nos Estados Unidos da América e em outras sociedades
tecnicamente avançadas. Em resumo, para Wilson, os NMRs �são formas de adaptação à
sociedade secularizada com tendência narcisista, capazes de oferecer aos sujeitos, formas de
segurança mais imediatas e atuais do que aquelas oferecidas pelas Igrejas e denominações
tradicionais102�. Continua afirmando:
Os NMR ocidentais constituem �comunidades� (não locais, mas de
comunicação), nas quais os indivíduos podem gozar os benefícios
intrínsecos, além de simbólicos, da vida do grupo, cuja fruição se
tornou cada vez mais rara nas megalópoles contemporâneas103.
A terceira tese apresentada por Martelli quanto ao surgimento dos NMRs
seria na verdade uma antítese à anterior. Em particular, esta teoria é a mesma usada por
Francis Westley � teoria que foi utilizada no item anterior deste capítulo. De fato, esta
proposta vem corroborar as afirmações feitas por Martelli a partir de Westley sob uma
releitura neo-durkheimiana104. Westley contesta afirmando que:
[...] a teoria da secularização como racionalização troca a mudança
religiosa, da qual são exemplos os NMR, pelo desaparecimento da
Religião, enquanto que o que desaparece é somente a forma cristã de
Religião105.
A religião não desaparece com a secularização e com a racionalização, mas,
à base da teoria durkheimiana, a religião evolui de acordo com os avanços da civilização e
cultura, permitindo o surgimento de novas expressões de religiosidade interpretados como
NMR. Para James Beckford106 alguns aspectos ajudam a investigar o surgimento destes
fenômenos e a diminuir a incursão nos riscos de generalizar todo processo de observação e
leitura dos movimentos religiosos: a) dos tipos de movimentos que proliferam; b) dos
aspectos da rápida mudança social que explicam tal proliferação; c) do mecanismo mediante o
qual a rápida mudança social atual influi sobre a estrutura da mudança religiosa.
102 WILSON. Apud, MARTELLI, Stefano. Op. cit,. p. 341. 103 WILSON. Apud, MARTELLI, Stefano. Op. cit. p. 341. 104 WESTLEY. Apud, MARTELLI, Stefano. Op. cit., p. 341. 105 WESTLEY. Apud, MARTELLI, Stefano. Op. cit., p. 342. 106 BECKFORD. Apud, MARTELLI, Stefano. Op. cit., p. 343.
38
Sobre o nexo entre as rápidas mudanças sociais e o surgimento dos novos
movimentos religiosos, Beckford107 pontua algumas suspeições: a) a rápida melhora nos
meios de comunicação, que permitiu aos NMR o acesso ao público de massa, favorecendo
assim sua visibilidade social; b) as mudanças demográficas, sociais e culturais verificadas no
pós-guerra contribuíram para constituir um tipo específico de audiência, formada por jovens e
adultos-jovens, que constitui uma área de potenciais adeptos. Por fim, afirma Beckford que
�os NMR conseguem chamar a atenção dos mais inovadores, enquanto oferece uma vasta
gama de respostas108�, mas, bem pouco de seus adeptos permanecem nesses movimentos por
um período superior a um ano.
O fenômeno de movimentos religiosos emergentes é tão recente que na
América do Norte, por exemplo, apenas em 1975 ganha uma significativa relevância
teórica109, configurando sua moldura a partir de dados empíricos. A sociologia e a
antropologia da religião ainda estão trabalhando na construção de uma tipologia desses
NMRs. Guerriero afirma que �não é comum nos encontros científicos, nos estudos e nas
publicações especializadas vermos referências a NMR110�. Alguns pesquisadores tomam por
consenso algumas definições sobre NMRs, mas, não investem em devidas pesquisas
oferecendo uma definição mais precisa, simplesmente generalizam qualquer expressão
religiosa nova. Guerriero segue questionando:
[...] podemos indagar até que ponto é possível tratar todos esses
grupos sob uma mesma definição. Até onde isso auxilia ou atrapalha a
compreensão sobre o fenômeno religioso na sociedade moderna?
Cremos que a resposta depende de onde colocamos o nosso foco. Certamente se pretendemos analisar as características de
comportamento ou de crença, pouco adianta colocá-los todos sob a mesma bandeira dos NMR. Porém, se queremos pensar nas
possibilidades sociais da insurgência desses grupos, podemos entender que há sim um ganho em tratá-los como um todo. As interpretações de
seus significados e importância variam muito. Para alguns, representa
novos tempos e ares nas mudanças religiosas. Para outros,
simplesmente desarmonia e confusão. Porém, não podemos ignorar a contribuição dada pelas novas religiões à riqueza, complexidade e
contornos da religiosidade atual111.
107 BECKFORD. Apud, MARTELLI, Stefano. Op .cit., p. 344. 108 BECKFORD. Apud, MARTELLI, Stefano. Op. cit., p. 344. 109 ROBERTSON, Roland. The Relativization of Societies, Modern Religion, And Globalization, pp. 31-32. (Trad. livre do autor). 110 GUERRIERO, Silas. Op. cit., p. 164. 111 GUERRIERO, Silas. Op. cit., p. 164.
39
Alguns pesquisadores adotaram critérios, tipificando o fenômeno em um
triplo sistema de categorias112: a) na origem geográfica dessa nova religiosidade (Ocidental
e/ou Oriental); b) na organização social existente em cada grupo. Esta categoria diz respeito
ao nível de abertura de uma dada religião para jovens baseando-se em dois extremos ideais:
de um lado movido por regras fixas coletivas, conferindo ditames de condutas, valores, estilos
e comportamentos, e, do outro lado uma mudança de socialização não pelas regras rígidas de
proscrição e prescrição, mas, por adesão voluntária de busca por �valores espirituais�; c) no
posicionamento dos grupos diante da sociedade em geral. Para esse critério os teóricos
propõem três sub-categorias, a saber:
Fuga do mundo, mudança do mundo e integração do mundo. No caso da fuga do mundo, um grupo põe como absoluto sua ideologia,
seus valores e seus padrões, ignorando a realidade fora da própria
organização religiosa e tentando evitar, o máximo possível, o contato
externo. Mudança do mundo significa que o grupo se esforça por
criar uma sociedade ideal em substituição ao status quo considerado decadente pelos membros deste tipo de movimento religioso. A categoria integração do mundo, por sua vez, preocupa-se com a aspiração dos participantes de uma nova religião de crescer
individualmente sob dadas circunstâncias sociais, para cumprir melhor
a sua função particular e com isso contribuir para um positivo desenvolvimento da sociedade113. [grifo nosso]
José Moraleda abre as discussões sobre novos movimentos religiosos a
partir das nomenclaturas que eles são tratados � embora ele mesmo pareça difuso �
justificando a adoção de NMR114: a) seita115 � apropriando-se da palavra para designar
associados à separação, dissidência, marginação, ruptura, heterodoxia, etc; b) seita destrutiva
� para designar as organizações autoritárias e fortemente estruturadas, utilizando técnicas de
persuasão coercitiva e controle mental para conseguir total submissão dos indivíduos ao líder;
c) denominações e cultos � as denominações são seitas que ao passar do tempo se
institucionalizaram e adquiriram respeitabilidade social, e cultos, muitas vezes usados na
sociologia anglo-saxônica com sentido negativo, semelhante à seita destrutiva; d) novos
movimentos religiosos � usa essa terminologia para tentar evitar conotações pejorativas,
112 Em 1981 foi terminado o chamado Estudo de Viena intitulado: "Razões e efeitos da recusa social dos
adolescentes sob o prisma das religiões para jovens�. In: USARSKI, Frank. A retórica de "aniquilação" - Uma
reflexão paradigmática sobre recursos de rejeição a alternativas religiosas. REVER, ANO I, nº 1, 2001.
Disponível em www.pucsp.br/rever (ISSN 1677-1222). O leitor pode recorrer à outras categorias de tipificação
adotadas por MORALEDA, José. As Seitas Hoje � Novos Movimentos Religiosos. São Paulo: Paulus, 1992. 113 USARSKI, Frank. Loc. cit. 114 MORALEDA, José. Op. cit., pp. 9-12. 115 O caso específico da nomenclatura seita será abordado à frente.
40
julgando ter maior neutralidade valorativa, embora seitas e novos movimentos religiosos
apareçam juntos.
Por isso, os novos movimentos religiosos suscitam nesse momento a
oportunidade de compreender sua novidade, que está tanto na presença agregada deles e sua
interface com a sociedade atual (a maneira como se expressam como atores sociais no cenário
urbano), quanto, em suas características distintivas (suas plurais personalidades e no
comportamento heterogêneo). Estes Novos Movimentos Religiosos nascem e marcam um
contexto histórico-sócio-cultural sui generis. Guerriero afirma que estes NMRs �definem-se
muito mais pelas características da sociedade circunscrita, do que de suas próprias
características internas116�.
Moraleda afirma que o uso do termo NMR �só tem sentido enquanto serve
para se referir a uma variada pluralidade de grupos religiosos que estão aparecendo
recentemente, muito zelosos de sua independência117�. Para Silas Guerriero:
Podemos inserir todos os grupos espirituais que são claramente novos
em relação às correntes religiosas tradicionais da cultura abrangente e
possuem um grau de organização característico de um grupo religioso
formal118.
Bem parece que ao invés de facilitar qualquer tipificação ou classificação
sobre os NMRs, Moraleda e Guerriero tornam mais difíceis as interpretações deste fenômeno,
mesmo porque, esse tema carrega consigo relativo ou moderado consenso entre alguns
pesquisadores. Juntamente com Martelli, isso nos leva a afirmar que as classificações destas
minorias religiosas não sejam tão fáceis assim119. Fica mais intrigante o fato que Guerriero em
sua obra também afirma que �um conceito não pode abarcar uma variedade tão grande
assim de elementos constitutivos, sob pena de não servir mais120�. É certo que nesses
fenômenos existem mesclas e bricolagem de elementos religiosos herdados de algumas
matrizes religiosas díspares. É uma tarefa que tem em si um desafio paradoxal: aproximar-se 116 GUERRIERO, Silas. Op. cit., p. 168. 117 MORALEDA, José. Op. cit., p. 12. 118 GUERRIERO, Silas. Op. cit., p. 163. 119 A dificuldade de classificar, tipificar e nominar os Novos Movimentos Religiosos começam ate mesmo com a
sua nomenclatura. O que é �novo�? O que é �movimento�? Ou ainda, o que é �religião�? Silas Guerriero discute
estas três tarefas e merece atenção do leitor. Ver: GUERRIERO, Silas. A visibilidade das novas religiões no
Brasil, pp. 161-163. Semelhante discussão é apresentada por Stefano Martelli sobre esse problema terminológico
do novo, movimento, religioso. In: MARTELLI, Stefano. Op. cit., p. 347-354. 120 GUERRIERO, Silas. Op. cit., p. 161.
41
deste fenômeno e classificá-lo de uma maneira que não seja visto de forma tão generalizada,
nem tampouco, muito restrito121.
Para alguns teóricos, estes movimentos religiosos foram vistos apenas como
uma doença social122, resultados de uma condição imposta pela pós-modernidade e uma
ruptura às religiões tradicionais123. Para Guerriero, �os NMRs são aquele que rompem com a
ortodoxia religiosa de seu tempo, mas que crescem pela adesão de indivíduos que negam a
religião de herança e buscam exercer autonomia no campo das experiências religiosas124�.
Antes de partir para a leitura do campo religioso brasileiro é preciso
ressaltar que estes movimentos religiosos emergentes usualmente apresentam algum conceito
mínimo de tipologia, segundo Moraleda. Mesmo assim, ele recomenda que:
A classificação dos principais NMR [...] não pretende senão colocar
certa ordem nesse complexo e variado mundo e oferecer um esquema prático para agrupá-los em função de sua origem religiosa, geográfica
ou cultural. Seguiu-se um critério amplo na seleção, por duas razões:
para destacar que se trata de um fenômeno mundial e para que os
NMR não sejam associados exclusivamente com as seitas
destrutivas125.
Esse fenômeno merece um olhar mais cuidadoso, pois com ele advêm
elementos sócio-religiosos que têm aproximações no cenário religioso-cristão contemporâneo
no Brasil já estabelecidos. Faz-se necessário pontuar brevemente um panorama do cenário
religioso brasileiro e alocar provisoriamente o movimento religioso emergente no seu campo
religioso. Para isso, adota-se a tipificação estabelecida por Moraleda correspondente à
categoria de �movimentos relacionados com o cristianismo126�.
121 Guerriero afirma que �essa amplitude e abrangência de categorias não são necessariamente uma fraqueza,
mas refletem a complexidade e a natureza multifacetada das novas formas de vivência das espiritualidades�. In: GUERRIERO, Silas. Op. cit., p. 161. 122 MORALEDA, José. Op. cit., p. 12. 123 SANT�ANA, Julio de. Igreja e Seitas � reflexões sobre este antigo debate. O autor faz uma reflexão sobre
igreja e seita, abordando a questão dos novos movimentos religiosos. 124 GUERRIERO, Silas. Op. cit., p. 168. 125 MORALEDA, José. Op. cit., p. 23. 126 Idem. Ibidem, p. 23. As outras tipificações já foram de certa forma delimitadas, descartadas e justificadas na
introdução desta pesquisa, mas, o leitor pode recorrer às tipificações sugeridas por Moraleda, Loc. cit.
42
1.2.1 Panorama do Cenário Religioso Brasileiro
O campo religioso latino-americano é muito fértil. Ele comporta diversas
expressões religiosas, que, inclusive, suportam com alguma habilidade conviverem juntos.
Deste contexto plural e multifacetado advieram movimentos religiosos significativos, que
representam hoje alvo de intenso estudo127.
O fenômeno religioso ao qual se propõe estudo de caso é muito recente para
a pesquisa sócio-religiosa � muito embora nos últimos anos esse fenômeno tenha alcançado
grande visibilidade em diversos tipos de divulgação e mídia contando com um crescimento
numérico vertiginoso � provavelmente seria menos arriscado afirmar o �que não é�, ou �onde
não cabe sua tipificação�.
Como foi mencionado anteriormente, se na América do Norte o estudo dos
novos movimentos religiosos é recente, no Brasil este estudo é ainda mais. A contar pelo
interesse e classificação que próprio censo deu a esses novos movimentos. O IBGE128
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mudou sua metodologia para melhor captar a
diferenciação e complexidade desse campo religioso que anteriormente era apenas
diferenciado entre católicos, evangélicos, sem-religião, outras e sem declaração. A partir dos
anos 80 com o grande fluxo contínuo de migrantes religiosos os evangélicos passaram a ser
enumerados em duas categorias distintas: tradicionais e pentecostais (nesta última categoria
incluem-se os pentecostais e neopentecostais).
Ainda assim, o censo de 1980 não identificou em suas pesquisas a explosão
religiosa que adveio com a grande multiplicação de novas denominações religiosas.
Entretanto, no Censo do IBGE de 1991-1995 apontou para o surgimento de 4 mil129 novas
denominações religiosas. A maioria dessas Igrejas surgiu no cenário do Estado do Rio de
Janeiro com uma média de 627 novas Igrejas criadas entre 1990-1992, ou seja, a média de
uma nova Igreja por dia útil, sendo a maioria delas pentecostais (91,27%)130. Em 2000, o
IBGE perguntou: qual a sua religião? As respostas somaram-se 35 mil diversas, reduzidas a 5
127 MARTELLI, Stefano. Op. cit., p. 339. Até poucos anos atrás, o estudo dessa pluralidade religiosa era visto
pelos teóricos apenas como fenômeno extremamente efêmero. Contudo, pela sua consolidação e crescimento,
grandes esforços são envidados hoje em seus estudos. 128 IBGE. Censos Demográficos. Disponível em: <www.ibge.org.br> (Acessado em 25/02/2006). 129 LIBANIO, J. B. A Religião no Terceiro Milênio, p. 24. 130 Idem. Ibidem, p. 24.
43
mil, e, eliminadas as repetições e equívocos foram agrupadas em 144 respostas131. O resultado
deste Censo fez com que A. Antoniazzi afirmasse que �a grande tendência das últimas
décadas ou da modernidade, no campo religioso, é a diversificação e a fragmentação132�.
Para essas novas configurações religiosas atribui-se os nomes: �minorias religiosas�,
�denominações religiosas�, �movimentos religiosos�133.
Por serem numerosos os NMRs, antes de continuarmos a difícil tarefa de
classificá-los provisoriamente, será oportuno retomar historicamente alguns fenômenos
religiosos contemporâneos a fim de tipificá-los a partir dos exemplos e das classificações
clássicas existentes, porque a priori, o campo religioso deste movimento religioso não cabe à
rigor nas definições pré-estabelecidas dos movimentos já existentes, muito embora se
corresponda em alguns aspectos e elementos.
Para classificar os períodos de grandes mudanças na configuração da
religiosidade alguns cientistas da religião usam o termo �ondas religiosas134�. Paul Freston
classifica a evolução de alguns períodos religiosos no cenário brasileiro da seguinte maneira:
O pentecostalismo brasileiro pode ser compreendido como a história
de três ondas de implantação de igrejas. A primeira onda é a década
de 1910, com a chegada da Congregação Cristã (1910) e da Assembléia de Deus (1911) (...) A segunda onda pentecostal é das
anos 50 e início de 60, na qual o campo pentecostal se fragmenta, a
relação com a sociedade se dinamiza e três grandes grupos (em meio a
dezenas de menores) surgem: a Quadrangular (1951), Brasil Para Cristo (1955) e Deus é Amor (1962). O contexto dessa pulverização é
paulista. A terceira onda começa no final dos anos 70 e ganha força
nos anos 80. Suas principais representantes são a Igreja Universal do
Reino de Deus (1977) e a Igreja Internacional da Graça de Deus
(1980) (...) O contexto é fundamentalmente carioca135.
Estas três grandes ondas pentecostais � até agora � são os movimentos
religiosos mais expressivos no cenário latino-americano �se bem que há muitos prósperos
131 Idem. Ibidem, p. 25. 132 ANTONIAZZI. Apud, LIBANIO, J. B. Op. cit.., p. 25. 133 LIBANIO, J. B. Op. cit., p. 25. 134 Para compreender melhor a classificação dos movimentos pentecostais no Brasil, ou como é comumente
chamado de �ondas do pentecostalismo brasileiro� o leitor pode recorrer à proposta de MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. pp. 28-49. 135 FRESTON. Apud, MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil, pp. 28-29.
44
movimentos pequenos e independentes136�. Existe uma dinâmica na construção religioso-
cultural para o surgimento de novos fenômenos religiosos, gerando sempre assim um
movimento religioso novo. Esta estrutura137 de surgimento de novos movimentos pode ser
resumida em: a) insubmissão ao modelo religioso vigente, b) manifestações de separatismo e
nascimento de nova comunidade com propostas diferenciadas, c) discurso carregado de uma
autonomia de �inspiração pentecostal�.
Para uma melhor visibilidade dos modelos classificatórios dos períodos
religiosos que dizem respeito ao campo brasileiro, José Bittencourt Filho propõe um quadro
sinótico138 auxiliando na tipologia elaborado por alguns pesquisadores dos movimentos
religiosos no Brasil.
Protestantismo
de Missão
Protestantismo
de Migração
Pentecostalismo
Clássico
Pentecostalismo
Autônomo
Neodenomi-
nacionalismo
Seitas
Congregacionais
Presbiterianos
Metodistas
Batistas
Episcopais
Luteranos
(Sínodo de
Missouri)
Ig. Anglicana
Ig. Luterana
Ig.
Reformada
Ass. de Deus
Ig. Pentecostal
Ig. de Deus
Congregação
Cristã
Igreja do Evan-
gelho
Quadrangular
Brasil Para
Cristo
Deus é Amor
Casa da Benção
Nova Vida
Ig. Universal do
Reino de Deus
Batista de
Renovação
Ig. Metodista
Wesleyana
Ig. Cristã
Presbiteriana
Comunidade
Evangélica
Igreja
Renascer
Comunidades
Autônomas
Testemunhas
de Jeová
Mórmons
Adventistas
Figura 01 � Quadro sinótico da tipologia dos movimentos religiosos brasileiro
Classificada historicamente essa mudança religiosa na configuração do
cenário religioso brasileiro, é possível fazer uma assertiva: o surgimento da Igreja Bola de
Neve Church é bem mais recente e contemporâneo do que as tipificações apresentadas por
Paul Freston e Bittencourt. As três grandes mudanças na configuração da religiosidade
brasileira (ondas) apresentada até aqui antepõem cronologicamente ao período do surgimento
136 HAHN, Carl Joseph. História do culto protestante no Brasil. p. 335. 137 MARIANO, Ricardo. Op. cit.., p. 30. 138 FILHO, José Bittencourt. Do messianismo possível: pentecostalismos e modernização, p. 94. Ver figura: 01.
45
do movimento religioso em estudo. É importante fazer a categorização dessa leitura sócio-
religiosa a partir dessas três grandes mudanças, pois auxilia em situar historicamente o
surgimento deste novo movimento religioso, que marca início a partir da década de 90 do
século XX. Não significa, contudo, que este novo movimento fica descartado de análise
comparativa com os movimentos religiosos anteriores, visto que em certos elementos tem
relativa proximidade. Entretanto, este movimento religioso fica avulso à �comum�
classificação e tipificação dos movimentos a partir das aproximações sócio-históricas já
existentes.
Alguns movimentos religiosos � como o pentecostalismo, por exemplo �
foram classificados a partir do discurso religioso. O que exige menção é que habitualmente
alguns movimentos pentecostais vêm revestidos de um discurso �inédito�, como por exemplo:
a) de prosperidade espiritual (primeira onda do movimento pentecostalista), b) vitória sobre o
Diabo, vitória sobre as doenças e enfermidades, legitimado pelo discurso religioso (segunda
onda do movimento pentecostalista), e, c) prosperidade financeira (terceira onda do
movimento pentecostalista), que encontrou na sociedade �um campo fértil para sua
mensagem e método139�, mas a IBDNC incorpora em suas práticas discurso muito
polissêmico e demasiadamente variado, que se articula desde as propostas acima mencionadas
até uma espécie de sermões-de-auto-ajuda140. Antonio Gouveia Mendonça pontua o
surgimento de movimentos religiosos posterior ao movimento pentecostal clássico, e se
apropriar dessa afirmação à realidade desse novo fenômeno religioso é muito oportuno:
Num dado momento, as igrejas pentecostais já não são novidade e
passam a exercer pouca atração simbólica para mobilizar massas.
Surgem então, novas lideranças e movimentos que não hesitam em
lançar mão, conscientemente ou não, de elementos da cultura profana
com força suficiente para apoiar novas mensagens religiosas que vão
ao encontro dos desejos e necessidades individuais e sociais do momento. Daí o sucesso delas
141.
Alguns Movimentos Religiosos Emergentes nascem sob a égide do discurso
voltado à proposta de inculturação ou contextualização do evangelho cristão. Pode-se definir
inculturação do evangelho da seguinte maneira:
139 HAHN, Carl Joseph. Op. cit., p. 338. 140 Sobre sermão/prédica na IBDNC será abordado no terceiro capítulo da dissertação. 141 MENDONÇA, Antonio Gouveia. Pentecostalismo e as concepções históricas de sua classificação, pp. 82-83.
46
Processo de adaptação cultural. Verifica-se em qualquer trabalho missionário. É um fenômeno que tem sido objeto de numerosos
estudos e discussões. Entrando em contato com as culturas, a Igreja
deve acolher tudo aquilo que nas tradições dos povos é conciliável
com o Evangelho, para lhe dar a mensagem de Cristo e se enriquecer ela mesma da sabedoria multiforme das nações. A inculturação
empenha a Igreja num caminho difícil, mas, necessário. Também os
pastores, os teólogos e os especialistas das ciências humanas devem
colaborar intimamente, a fim de que esse processo vital se realize em benefício dos evangelizados e dos evangelizadores e seja evitada toda
simplificação ou precipitação, que conduziria a um sincretismo ou a
uma redução secular do anúncio evangélico. A inculturação não é uma
simples assimilação de costumes locais, das expressões ou
perspectivas na vida da Igreja. Deriva, acima de tudo, do autêntico
poder do Evangelho de transformar, purificar e elevar o gênio e os
valores de cada cultura142.
Essa dinâmica de contextualização procura mostrar que algumas vezes os
MREs tentam �assimilar� melhor as condições do quotidiano cultural143 (deve-se recordar que
o neotribalismo tem como ponto de partida essa configuração na leitura do quotidiano) e as
transformações do mundo sócio-cultural-religioso. Eles têm um discurso com o objetivo de
responder às transformações culturais e suas formas de manifestações mais variadas (isto será
abordado na �declaração de missão� da Comunidade Bola de Neve � �somos voltados para a
X-Generation144�). Embora Leonildo Campos estivesse afirmando sobre movimentos
pentecostalistas145 � ou neopentecostais � o exemplo se aproxima também do objeto em
estudo:
Num segundo momento, começam a surgir comunidades carismáticas
autônomas em relação às grandes igrejas protestantes e pentecostais,
melhor sintonizadas com as condições de pobreza e miséria das
massas urbanas146. [grifo nosso].
Enquanto muitas Igrejas �lutam� por manter suas características
dogmatizadas em suas tradições, dogmas, permanência de estilos de celebração, emergem
movimentos religiosos que buscam um estilo de religiosidade alternativo, rompendo com os
142 SCHLESINGER, H & PORTO, H. Dicionário enciclopédico das religiões, p. 1367. 143 Para compreender as relações do tema quotidiano o leitor deve recorrer à: CERTEAU, Michel de. A invenção
do cotidiano:artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2005. E ainda: MAGALHÃES, Antonio Carlos de Melo.
Invenções religiosas no cotidiano e teologia narrativa. In: Estudos Teológicos. São Paulo. v. 45, nº 02. (pp. 90-106). 144 A Declaração da história, visão e missão estão neste ensaio, e foram compilados do site oficial da
Comunidade Bola de Neve que será tratada no segundo capítulo dessa dissertação. 145 O termo pentecostalismo é definido por Antonio Gouveia Mendonça da seguinte forma: �o pentecostalismo é,
portanto, um fenômeno religioso que tem por matriz o protestantismo�. In: MENDONÇA, A. G.
Pentecostalismo e as concepções históricas de sua classificação, p. 79. 146 CAMPOS, L. S. Pentecostalismo, conversão e construção de laços sociais no Brasil, p. 101.
47
padrões e formas tradicionais e se apropriando de elementos culturais próprios. Para Dario
Paulo Barrera Rivera:
o desenvolvimento de novos movimentos religiosos e comunidades carismáticas [...], nas grandes cidades, são testemunhas do surgimento
de formas de sociabilidade que tentam preencher o vácuo criado pela
destruição dos laços familiares, sociais e confessionais147.
Os NMRs têm grande adesão porque apresentam menor rigor institucional.
Para Eliane Gouveia, �as fés, quando rigidamente institucionalizadas, tendem a uma redução
no número de seus adeptos148�. O fator social que Julio de Sant�Ana mostra é que,
Os seguidores dos movimentos religiosos não se preocupam, em
primeiro lugar, de alcançar um reconhecimento social traduzido por
grande adesão popular a suas crenças. Interessa-lhes, isto sim, ser apreciados pelo estilo de vida que levam149.
Muitas vezes os NMRs sofrem ofensivas rejeições por diversos segmentos
sociais, mas, geralmente seus verdadeiros opositores são os �adversários ou concorrentes no
exercício das próprias funções institucionais150�. Trata-se NMR como seitas151 na intenção
pejorativa. Quase se trava uma batalha campal. Julio de Sant�Ana diz que:
A igreja, portanto, manifesta-se por meio do respeito à tradição. A
�seita� (pelo menos segundo a opinião dos responsáveis pelas
�igrejas�) rompe com a tradição. Por sua vez, os novos movimentos
religiosos criticam as �instituições eclesiásticas tradicionais� apelando
igualmente à tradição para desqualificá-las152.
Para J. F. Mayer �a característica da seita é a de seguir uma via espiritual
�inconformista�em relação às instituições religiosas �estabelecidas� e às grandes tradições
religiosas mundialmente �reconhecidas�153�. Julio de Sant�Ana ainda afirma que:
147 BARRERA, Dario Paulo Rivera. Pentecostalismo: uma religião sem memória?, p. 106. 148 GOUVEIA, Eliane Hojaij. Apontamentos sobre novos movimentos religiosos, p. 155. 149 SANT�ANA, Julio de. Op. cit., p. 13. 150 MARTELLI, Stefano. Op. cit., p. 347. 151 Sobre �seitas� e �igrejas� o leitor pode recorrer à extensa obra de MASFERRER, Elio Kan (compilador).
Sectas o Iglesias � viejos o nuevos movimientos religiosos. México, Ed. Plaza Y Valdés, 2000. E ainda:
SANT�ANA, Julio de. Igreja e seita � reflexões sobre este antigo debate. In: Estudos de Religião / UMESP � Pós-Graduação em Ciências da Religião. Nº 08. (outubro/1992). São Bernardo do Campo: Umesp, 1992. 152 SANT�ANA, Julio de. Op. cit., p. 13. 153 MAYER. Apud, MORALEDA, José. Op. cit., p.10.
48
As novas expressões da fé consideram que as mais antigas perderam o
conteúdo da crença. De sua parte, as instituições tradicionais,
baseando-se na autoridade emanada de suas tradições, ao constatar
que as novas expressões não acatam nem se submetem à sua
autoridade, consideram que isto significa uma ruptura. E os que incorrem nessa ruptura são �sectários�
154.
Estes NMRs podem ser efeito de uma resposta ou réplica ante os padrões de
poder religioso existente e determinante. Mette diz que �em protesto, procuram-se, práticas
religiosas �ilegítimas� diante da religião não oficial; não vinculadas à grande Igreja e não
controladas155�. Nessa sociedade secularizada perde-se �os referenciais exclusivamente
religiosos, a própria religião, e encontra novas maneiras de sobreviver156�.
A grande transformação neste contexto religioso, como a realidade das
Igrejas históricas é a ênfase nos seus métodos de transmissão dos conteúdos religiosos (sejam
esses símbolos, signos ou significados). Por exemplo: enquanto as seitas históricas (ou
protestantes históricos157) tendem a transmitir o conteúdo religioso com uma dinâmica
racional, os novos movimentos religiosos valorizam outro método. Sobre �seitas� A. Samuel
define:
Seita é um grupo de tendência religiosa e filosófica que une seus
adeptos em torno de um mestre reverenciado. Hoje, ela tende para tomar aspecto paracientífico e, muitas vezes, terapêutico e se
caracteriza também por comportamento elitista, muito particularista e
fechado. Demonstra intolerância mais ou menos marcante e
proselitismo vigoroso, empregando processos próximos da
propaganda158.
Sobre os métodos de transmissão dos conteúdos religiosos dos novos
movimentos afirmam Jose Luiz Jansen de Mello Neto e Marco Antonio Gusmão Bonneli:
Vemos eclodir novos movimentos de jovens, que se aglutinam não
necessariamente de modo orgânico junto às estruturas eclesiais
154 SANT�ANA, Julio de. Op. cit., p. 13. 155 METTE, Norbert. Pedagogia da Religião. pp. 19-20. 156 SOUZA, Beatriz M. de; MARTINO, Luís Mauro Sá. Sociologia da religião e mudança social, p. 09. 157 Não cabe nesta pesquisa abordar com maior abrangência temas das igrejas históricas e pentecostais históricas.
O leitor pode recorrer à: MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Ed. Loyola, 1999. E à obra de: HAHN, Carl Joseph. História do culto protestante no Brasil. São
Paulo: ASTE, 1989. 158 SAMUEL, A. As Religiões Hoje, p. 302.
49
formais, mas a partir de eventos de grande porte, como shows de música Gospel e atividades de integração sócio-religiosa159.
Dentro deste espaço religioso encontra-se o produto de uma cultura peculiar
na forma de transmissão do conteúdo doutrinário-religioso. Diferencia-se muito do modelo
tradicional de transmissão e visão da espiritualidade e da religiosidade na mentalidade das
seitas de tradição Reformada que prezam pelo racional e pela informação intelectual. No caso
dos MRE, privilegia-se a experiência. Dizem Neto e Bonelli que,
O conhecimento intelectual é importante, mas, normalmente não será
o ponto de partida. Os jovens que estão no começo da caminhada da fé
querem experimentar imediatamente aquilo que está proposto160.
Leonildo assegura que tais métodos já fazem parte de padrões culturais de
religiosidade destas seitas:
Numa série de observações sobre o crescimento do pentecostalismo
que o sucesso desta forma de protestantismo na América Latina está
ligado à existência de uma sólida e tradicional cultura oral-auditiva, que secularmente tem predominado sobre a cultura literária. Essa
perspectiva permite considerarmos os pastores pentecostais como �condutores de uma cultura oral�, na qual são �conhecidos mais por
suas habilidades de mover e agitar uma determinada congregação,
emocionalmente, do que por seus conhecimentos ou cultura161�. [grifo
nosso]
Conquanto nos MRE seus adeptos busquem suas experiências religiosas,
também pode-se observar � em uma primeira leitura � um cuidado em voltar às origens dos
valores cristãos sem deixar de observar as transformações sociais, culturais e políticas em sua
cosmovisão. Dão valores às expressões culturais como rock, futebol, carnaval esportes
radicais e juventude livre de drogas, e, principalmente às questões morais � como a espera
pelo sexo apenas no casamento.
As estratégias de apresentar o conteúdo religioso através de métodos não
convencionais (como show de rock Gospel) são algumas táticas para atrair o público, e
principalmente o público jovem. Surgem propostas de aventar temas que em outras seitas são
159 NETO, Jose L. J. de Mello; BONELLI, Marco Antonio Gusmão. A inculturação da fé no mundo dos jovens, p. 259. 160 NETO, Jose L. J. de Mello; BONELLI, Marco Antonio Gusmão. Op. cit,. p. 276. 161 CAMPOS, L. S. O Marketing e as estratégias de comunicação da Igreja universal do Reino de Deus. pp. 22-23.
50
tabus, e os adeptos levam para dentro da comunidade questões do dia-dia, que comumente são
excluídos da pauta discursiva em comunidades históricas. Segundo Maraschin:
As comunidades litúrgicas não são outras senão as mesmas
comunidades sociais e políticas que carregam para o interior da Igreja as indagações e as inquietudes vividas no cotidiano
162.
Na liturgia do culto protestante histórico a centralidade da celebração
religiosa se dá em torno da prédica da Palavra e do conteúdo da mensagem, encontrando lugar
de suma importância. Willaime diz que �a prédica é essencial ao culto163� e que �é atingida
em cheio pelas mutações contemporâneas do religioso164�. Para Mendonça:
As igrejas pentecostais, assim como os movimentos carismáticos e de
curas divina, têm todas as características de flexibilidade e
ajustamento às novas situações. Ou melhor, parecem ir à frente do
novo, sendo capazes de prever e oferecer soluções religiosas na
emergência mesma dos problemas sociais165.
Estes MRE parecem replicar às questões em que os conceitos pré-definidos
e pré-determinados nas Igrejas de tradição pretendem impor a eles sem considerar que os
jovens de hoje são diferentes em sua identidade e formação dos jovens de 20 anos atrás, por
isso, �os jovens se mostram geralmente difíceis, e sem dúvida principalmente quando as
igrejas lhes querem prescrever fixamente o que eles têm a crer e fazer166�.
A Igreja Bola de Neve Church representa em si características possíveis de
tipificação de Novos Movimentos Religiosos, constituindo-se no processo de bricolagem do
ideário religioso inclusive de elementos fortes das Igrejas de tradição cristã reformada,
pietista, pentecostais e neopentecostais e uma sutil mistura de elementos de religião
orientalista167. Situa-se no campo religioso brasileiro em um período histórico chamado de
neodenominacionalismo168.
162 MARASCHIN, J. C. A beleza da santidade. p. 162. 163 WILLAIME, Jean-Paul. Prédica, culto protestante e mutações contemporâneas... p. 46. 164 Idem. Ibidem. 50. 165 MENDONÇA, A. G. Sindicato dos Mágicos, p.58. 166 METTE, Norbert. Op. cit., p. 19. 167 Estes elementos serão mencionados no próximo capítulo, dando justificativa à afirmação. 168 Por convenção, a partir da tipificação e do modelo adotado por José Bittencourt Filho representado no quadro
sinótico, poder-se-ia incluir a Igreja Bola de Neve Church na categoria de neodenominacionalismo, mas é
importante ressaltar que o surgimento deste movimento é bem mais contemporâneo e seu surgimento é resultado do cisma de um grupo religioso já chamado por ele de neodenominacionalismo. Talvez coubesse um neologismo
51
A partir das aproximações científicas, principalmente sobre o
desenvolvimento do campo religioso brasileiro, fica mais plausível propor o lócus religioso da
IBDNC, relacionando sua matriz religiosa ao objeto de pesquisa. Esta tarefa auxiliará na
recuperação do seu histórico, desenvolvimento e os desdobramentos religiosos que implicam
em si.
para esse fenômeno religioso, como por exemplo: �pós-neopentecostal�, �pós-neodenominacionalismo�, �pós-
neocristandade�. Provisoriamente será chamado de �movimento neocristão�.
52
CAPÍTULO 2
Histórico e Desenvolvimento da Igreja Bola de Neve Church
O segundo capítulo desta dissertação capítulo propõe-se investigar a matriz
religiosa fundante do grupo religioso descrevendo as origens históricas da IBDNC. Pretende-
se também fazer as possíveis correlações entre neotribalismo e novos movimentos religiosos
que remetem a esse fenômeno.
Por isso, partindo de um a priori das constatações empíricas in loco169 e da
tabulação e interpretação do questionário aplicado170, verificar-se-á a plausibilidade da
hipótese de que este se trata de um grupo segregado o qual busca a partir de sua configuração
de sociabilidade obter uma identidade própria para obter maior visibilidade, que por sua vez já
alcançou proporções midiáticas171 no Brasil e no exterior172, no cenário religioso ou secular
173
garantindo ao fenômeno um crescimento em níveis astronômicos.
169 O pesquisador vem participando com certa regularidade dos cultos da IBDNC há aproximadamente 18 meses. 170 Ver anexo: 01. 171 A Igreja Bola de Neve teve diversas matérias e reportagens divulgadas em Revistas e Magazines de grande
circulação no país, bem como matérias expostas em algumas emissoras de rádio e televisão e ainda, alguns de
seus eventos tiveram grande cobertura jornalística de circulação Estadual e Municipal. 172 A Igreja Bola de Neve Church ganhou tanta visibilidade que apareceu no cenário midiático internacional. In: ANANOVA. Church allows tattoos, no booze. Daily Times Newspaper. Reportagem em 17 de Dezembro de 2003. Disponível em: <http://www.dailytimes.com.pk/default.asp?page=story_17-12-2003_pg9_13>. Acessado em 24/04/2006. 173 Para que seja simplificado usa-se aqui o termo secular para designar algo que está fora dos domínios da
religião/igreja.
53
2.1 Campo Religioso Brasileiro e a Igreja Bola de Neve Church
À frente, aventuramos classificar o campo religioso no qual esse fenômeno
está inserido, pois, combinam em si mesmo elementos do neopentecostalismo174, práticas de
Igrejas cristãs de tradição e elementos das religiões orientalistas. Por ser um fenômeno muito
recente, em processo de formação de sua identidade, provavelmente nem a própria Igreja
tenha isso bem estabelecido. Pode-se afirmar, a priori, que este movimento tem em suas
práticas e discursos fundamentados a partir de um modelo religiosos cristão. Sobre Novos
Movimentos Religiosos nas religiões de tradição cristã, Danièle Hervieu-Léger centra sua
discussão sobre o sentido dos novos surtos religiosos inesperados para a modernidade175.
Hervieu-Léger discute:
Perda e/ou volta do religioso? O debate intelectual e midiático sobre a
situação religiosa das sociedades modernas tidas por secularizadas
concentra-se há vários anos nesta alternativa, carregada de polêmicas
e paixões. Para alguns, este impulso religioso nada mais é do que um
impulso regressivo, irracional, como acontece em períodos de
perturbações e incertezas. Para outros, ali se firma a irredutível
dimensão religiosa da humanidade, para além dos triunfos provisórios
da razão e do positivismo176.
Igreja Bola de Neve Church. O próprio nome já causa um certo incômodo e
desconforto. Primeiro, uma Igreja com esse nome? Ainda mais para um lugar onde não é
comum esse fenômeno climático estando em um país tropical? Esse nome deve soar muito
estranho a alguns e demasiadamente criativo177 para outros. A �Igreja Bola de Neve Church�,
174 Não cabe uma abordagem minuciosa da classificação, tipificação e desenvolvimento dos movimentos
pentecostais históricos e neopentecostais. O leitor pode recorrer aos autores que tratam do pentecostalismo
brasileiro como MENDONÇA, Antonio Gouveia & VELASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao
protestantismo no Brasil. São Paulo, Loyola, 1990; CAMPOS, Leonildo S. Teatro, templo e mercado:
Organização e marketing de um empreendimento neopentecostal. Petrópolis, Vozes, 1997; FRESTON, Paul.
Protestantes e política no Brasil: Da constituinte ao impeachment. Campinas, UNICAMP, 1993; e, MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo, Loyola, 1999. Ademais, o
panorama histórico do desenvolvimento das principais correntes religiosas no Brasil e a construção teórico-científica dos Novos Movimentos Religiosos foi desenvolvido no primeiro capítulo da dissertação. 175 HERVIEU-LÉGER. Apud, ALBUQUERQUE, Leila Marrach B. Estrutura e dinâmica dos novos movimentos
religiosos, p. 140. 176 Idem. Ibidem, p. 140. 177 A partir de fontes não documentais, no final dos anos 70 e início da década de 80, um grupo de jovens
cristãos da Igreja Presbiteriana da Penha/SP usou o nome �bola de neve� para batizar o grupo que eles haviam
criado com a finalidade de reuniões cristãs informais nas casas com a intenção de evangelizar os jovens.
Escolheram esse nome porque o grupo crescia muito rápido. O grupo ficou conhecido em algumas Igrejas
Presbiterianas, de onde alguns de seus membros tornaram-se lideres e pastores migrando posteriormente para outras denominações, inclusive para a Igreja Renascer em Cristo (casualmente o local onde a Igreja Bola de Neve Church nasceu). O nome �bola de neve� pode ter se difundido no meio evangélico e, posteriormente, re-apropriaram-se dele. Possuíam até mesmo um livro de atas, relatando as reuniões ao estilo da juventude. As
54
mais conhecida como �Bola de Neve�, tem como mote �In Jesus We Trust178�, embora tenha
esse nome norte-americanizado é uma Igreja nascida em terra tupiniquim179. Também é
conhecida por seus fiéis simplesmente como �Bola�, mas, tem como registro no Cadastro
Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), na categoria de Associações Religiosas, o nome de
�Igreja Evangélica Bola de Neve�.
Por isso, antes de apresentar e descrever o histórico dessa Igreja faz-se
necessário abordar um pouco do histórico de seus �genitores�, pois, em certa medida existe
um campo religioso no qual ela adveio e em suas origens se identifica em alguns aspectos da
sua matriz religiosa, mesmo porque Bola de Neve pode ser considerada um segmento
originário da Igreja Renascer em Cristo.
2.2 A Igreja Renascer em Cristo: laboratório da Igreja Bola de Neve Church
Talvez possa parecer um pouco provocativo o título acima, mas, a IBDNC
teve seus primeiros �experimentos� na Igreja Renascer em Cristo180, na qual o fundador da
Bola de Neve foi membro e exercia certo grau de liderança. A Igreja Renascer em Cristo foi
fundada na cidade de São Paulo em 1986, por Estevam Hernandes Filho e Sonia Hernandes,
sua esposa. Algumas práticas e elementos religiosos presentes na Igreja Renascer em Cristo
ainda podem ser identificados na IBDNC, mesmo porque ela não atingiu sua identidade
própria.
Estevam Hernandes foi gerente de marketing da Xerox do Brasil e da
Itautec, teve sua formação religiosa nas denominações pentecostais: Assembléia de Deus,
Igreja da Fé, Pentecostal da Bíblia no Brasil; Batista do Povo; Cristo Salva e Igreja
informações foram obtidas a partir de ex-integrantes desse grupo pela comunicação através de correio eletrônico
e permitiram a divulgação de seus nomes. O pesquisador buscou fontes documentais para esta informação, como
por exemplo, as atas das reuniões, mas o material histórico das reuniões não foi encontrado em tempo de incluir
na dissertação. Contudo, a memória histórica e transmissão oral tem seu valor em si. Os e-mails trocados entre o pesquisador e as fontes estão anexados no trabalho. Ver anexos: 05 - 09. 178 Tradução equivalente a: �Em Jesus Nós Confiamos�. (Trad. livre do autor). 179 PEREIRA, Camila; LINHARES, Juliana. Os novos pastores, p. 80. Em entrevista à Revista Veja, o pastor
Rinaldo esclarece que o nome �Church� foi adotado �porque os primeiros freqüentadores, esportistas que
costumavam usar muitas palavras em inglês, chamavam carinhosamente o templo� (sic). Revista Veja (Edição
de 12/07/2006). 180 DOLGHIE, Jacqueline Ziroldo. A Renascer em Cristo e o Mercado de Música Gospel no Brasil, pp. 12-50. A dissertação descreve o campo religioso e histórico da Igreja Renascer em Cristo, onde o leitor pode obter
maiores informações.
55
Evangélica Independente de Vila Mariana. Sua esposa, Sonia, foi empresária no ramo lojista
de vestimenta. Teve sua herança religiosa bem diferente do esposo. Filha de presbítero da
Igreja Presbiteriana Independente do Brasil recebeu instrução de uma igreja protestante
tradicional. Em 1985 o casal reunia em seu apartamento alguns casais semanalmente, e, com o
crescimento decidiu registrar a Igreja como associação, passando a seguir a se reunir em uma
pizzaria na Vila Mariana, posteriormente usando o templo da Igreja Evangélica Árabe,
ocupando finalmente um cinema na Avenida Lins de Vasconcelos, onde atualmente é a sede
internacional da Igreja.
Um fato peculiar da Igreja Renascer em Cristo, constatado por Jacqueline
Dolguie, aproxima alguns aspectos da Igreja Bola de Neve Church, inclusive no que diz
respeito ao campo religioso que ela compõe. Esta percepção foi apresentada da seguinte
maneira:
Na realidade, os mais desatentos podiam, pelo menos no início de tal
Igreja, se perguntarem: será IRC um protestantismo com �pitadas� de
pentecostalismo ou um pentecostalismo que se vale de aspectos protestantes?181
Numa primeira leitura sobre a formação do campo religioso da Igreja
Renascer em Cristo aparentemente era uma Igreja histórica que continha alguns elementos de
pentecostalismo, mas, despindo-se do senso comum, foi possível perceber que a Igreja
Renascer em Cristo contém aspectos que muito contradizem ao protestantismo histórico.
Segundo Dolghie esses elementos são:
[...] teologia de prosperidade e batalha espiritual, ao mesmo tempo princípios elementares pentecostais como êxtase espiritual e
glossolalia, praticados nessa Igreja, a colocam no campo religioso pentecostal. Entretanto, o número de protestantes históricos que
freqüentam a Renascer, bem como a falta do estereótipo pentecostal,
podem, a princípio causar uma certa confusão182.
Havia, portanto uma combinação de elementos do protestantismo histórico,
de doutrinas pentecostais históricas e do neopentecostalismo. Na verdade a Igreja Renascer
em Cristo não tinha uma identidade própria formada, mesmo porque a formação dessa
identidade é dinâmica e para se consolidar necessita de algum tempo. Pode-se dizer que �a
181 DOLGHIE, Jacqueline Ziroldo. Op. cit., p. 27. 182 Idem. Ibidem, p. 27.
56
Renascer caminha para a formação de um estilo totalmente autônomo de
neopentecostalismo183�. Assim, portanto, nesse contexto religioso ainda informe, nasce a
Igreja Evangélica Bola de Neve. A afirmação de Silas Guerriero nos remete a suspeitar que a
Igreja Bola de Neve Church pode ser tipificada como um novo movimento religioso, pois:
Outros movimentos geralmente incluídos entre os NMRs são
independentes e guardam uma ligação estreita com uma tradição
religiosa estabelecida, como por exemplo diversos grupos cristãos. A
novidade, nesse caso, vem da proposta de um novo comportamento ético e de novos rituais
184.
É válido lembrar que a religiosidade brasileira sempre sofreu influências de
modelos religiosos provenientes da Europa e dos Estados Unidos da América. Por isso, esse
movimento religioso que hoje se desenvolve no Brasil pode muito bem ter herdado
tardiamente, e de alguma maneira, aspectos de uma religiosidade que já havia se apresentado
nos EUA nos anos sessenta do século XX. O ideário religioso da Igreja Bola de Neve Church
muito se aproxima de alguns movimentos religiosos norte-americanos185 de tipificação
movimentos relacionados com o cristianismo; dentre os quais Moraleda destaca:
Os movimentos de Jesus, que surgiram na Califórnia no final dos anos
sessenta; formam parte deles os Jesus Freaks, os Jesus People e os �hippies� cristãos. Nesses movimentos se combinavam elementos
profundamente díspares, como protesto radical, a psicodelia ou a
religiosidade pentecostal. Eram grupos pouco estruturados que facilmente se desintegravam; alguns desses grupos se incorporaram às
igrejas pentecostais, e outros desembocaram em movimentos autoritários que se situam nos limites dos movimentos de Jesus
186.
183 DOLGHIE, Jacqueline Ziroldo. Op. cit., p. 29. 184 GUERRIERO, Silas. Op. cit., p. 163. 185 Destacam-se algumas comunidades que têm estilo religioso e comportamental muito próximos da IBDNC: a)
Surfer�s Chapel, é uma Igreja em Huntington Beach, Califórnia/USA, liderada pelo pastor-surfista Bill White, 50 anos de idade dos quais tem dedicado últimos 20 anos como pastor, um californiano nativo de cabelos
compridos descolorados. Há uma semelhança muito próxima na declaração de visão e propósitos das duas
Igrejas, inclusive no que diz respeito ao estímulo em arrumar casamentos entre os membros, mas proibir o sexo
antes da oficialização. A diferença é que a IBDNC reúne cerca de 850 jovens nos encontros enquanto essa Igreja
não mais que 100 pessoas. Disponível em <www.surferschapel.com> (Acessado em 26/04/2006); b) Steven Lawson publicou a matéria Surfing for Jesus � a new wave of spiritual fervor, [Disponível em
<http://www.charismamag.com/display.php?id=5991> (Acessado em 26/04/2006)] sobre a igreja Christian
Surfers International é uma igreja para surfistas e foi criada por Brett Davis há 23 anos na Austrália, onde tem
filiais no Taiti, Japão, Nova Zelândia e África do Sul. Site da igreja disponível em:
<https://www.christiansurfers.net> (Acessado em 26/04/2006); c) outra Igreja que é voltada para surfistas é a
Calvary Chapel. Esta igreja que reúne cerca de 400 jovens para dançar e ouvir a exposição das Escrituras e seus
adeptos são surfistas. Disponível em: <www.calvarychapel.com/pacificcoast/vision.htm> (Acessado em
26/04/2006); d) A Revista University Magazine On Line tem reportagem de S. Derek Sullivan, Pray for surf e também mostra igrejas voltadas para surfistas. Disponível em:
<http://www.csulb.edu/~univmag/121597/surf.html> (Acessado em 24/04/2006). 186 MORALEDA, José. Op. cit., p. 24.
57
2.3 Aspectos históricos da criação da Igreja Evangélica Bola de Neve Church
A Igreja Bola de Neve faz jus ao seu nome. Carrega consigo a marca de um
crescimento de 1.100% nos anos de 2001-2002187 e não pára de crescer merecendo destaque
nas pesquisas sócio-religiosas pela visibilidade que vem alcançando no campo religioso
brasileiro, embora esse movimento seja relativamente novo está agregando olhares de alguns
estudiosos. Contudo, surgem algumas questões que até agora não puderam ser resolvidas.
Uma dessas questões é a classificação desse fenômeno religioso, pois, sua formação vem de
um campo religioso ainda muito recente e com certa autonomia, obscuro e sem muitas
tipificações, sem identidade sólida.
A IBDNC vem obtendo grande visibilidade no cenário nacional por ocasião
das diversas abordagens da comunicação midiática. Entretanto há uma escassez de material de
conteúdo teórico-científico sobre o objeto de estudo, fazendo dessa dissertação uma
investigação pioneira na área da pastoral188. Desta maneira ficou destinado colher
informações do site oficial da Igreja189, tendo em vista que é o próprio líder e fundador da
Igreja quem narra o surgimento desse movimento e o histórico de seu desenvolvimento, bem
como de jornais, revistas, sites e entrevistas que tragam alguma informação desse fenômeno
religioso.
É comum que os Novos Movimentos Religiosos tenham visíveis suas
declarações de propósito e existência. Isto sempre acontece porque precisam validar e
legitimar suas práticas diante da sociedade e principalmente dos seus seguidores. Diz Julio de
Sant�Ana:
Certamente, os responsáveis pela condução ou integração de diversos
movimentos religiosos (tradicionais ou não, já firmemente
187 SEGATTO, Cristiane. Na onda de Cristo. Matéria da Revista Época � 28/07/2003. Disponível em:
<http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT574623-1664,00.html> (Acessado em 28/10/2005). 188 Até o momento do depósito da dissertação para a banca examinadora não havia outro material com conteúdo
de abordagem teórico-científica explorou esse fenômeno religioso. 189 A escolha em colher informações a partir do site oficial deu-se também pela recusa de entrevista do líder da
IBDNC alegando atividade intensa e não dispondo de tempo para esse atendimento. Estas informações foram
obtidas no site oficial da Igreja. Disponível em: <http://boladeneve.com/quemsomos/quemsomos.htm> (Acessado em 13/04/2005). O texto onde aparece é transcrito ipsis litteris. Contudo muitos outros pequenos sites independentes, conhecidos como �blogs� guardam o histórico e a aparição da Igreja na mídia com arquivos importantes, por exemplo, <http://bnc.zip.net/> (acessado em 26/04/2006). As fotos e o questionário aplicado
teve consentimento da liderança da IBDNC que presta esse serviço de assessoria. O documento que permite o
uso de imagens e divulgação de resultado da pesquisa está em posse do autor (e-mail).
58
estabelecidos na sociedade ou recém chegando) consideram
importante a legitimação ou não legitimação de tais práticas190.
O líder e fundador, antes pastor e agora Apóstolo191, Rinaldo Luiz de Seixas
Pereira � mas prefere ser chamado de �Rina� �, paulista, 34 anos, nascido em 15 de Abril de
1972, é surfista e formado em propaganda e marketing e pós-graduado em administração, e é
ex-representante de vendas de roupas de surf. Estudou no Colégio Batista Brasileiro e desde
criança participou da Igreja Batista do Cambuci e aos 05 anos de idade �recebeu Jesus no seu
coração� (sic). É casado com Denise Gouveia Seixas, 34 anos, vice-campeã do circuito
brasileiro de bodyboarder de 1989 e 1990, tem um filho de outro relacionamento chamado
Nathan de 11 anos, e é líder e vocalista da banda principal que comanda os louvores da Igreja.
Depois de uma experiência traumática de overdose com as drogas no
Carnaval de 1992 e uma complicação que o deixou enfermo por dois meses, motivo-se a se
dedicar à leitura da Bíblia e a freqüentar a Igreja Batista Ucraniana em São Caetano onde
passou pelo batismo nas águas. Ele mesmo narra sua experiência no site oficial da Igreja:
Depois de tantas oportunidades de andar com Deus, agora estava eu ali por um fio, tendo a minha experiência da pior maneira possível:
um misto de hepatite, overdose e uma injeção de glicose aplicada por
um farmacêutico em Ubatuba, em pleno carnaval. Em meio a votos e suplicas, dentro do Voyage vermelho, a barca, que já tinha me levado
a tantas surf-trips, algo aconteceu: o frio que travara minhas pernas e coluna sumiu, a cegueira que momentaneamente me deixara apavorado também, as dores insuportáveis que eu sentira diminuíram
bastante e, o que mais me fez analisar os fatos, a angústia de morte
deu lugar a uma paz que baseado nenhum tinha me dado até então192.
(sic)
Nesta Igreja Batista ficou um tempo e segundo ele �logo que descobriu o
poder de Deus foi batizado pelo Espírito Santo� em um acampamento da Igreja Renascer em
Cristo em Setembro de 1992, começando a participar dos trabalhos desta Igreja. O embrião do
trabalho com os surfistas começava então que de acordo o próprio Rina era uma �reunião
descompromissada193� (sic) com alguns jovens amigos a partir de �algumas experiências com
190 SANT�ANA, Julio de. Op. cit., p. 13. 191 Segundo fontes não documentais, o processo de consagração do pastor Rinaldo ao �apostolado� aconteceu em um culto de Domingo, quando um líder religioso chamado Daniel Mastral, impôs-lhe as mãos, dando ao
pastor Rinaldo, o título de �apóstolo�. O fato foi narrado por R. L. E., ex-membro da IBDNC, que assistia a celebração. A data do fato é imprecisa, mas figura por volta do mês de Novembro/2005. 192 Disponível em: <http://boladeneve.com/quemsomos/quemsomos.htm> (Acessado em 13/04/2005). 193 Disponível em: <http://boladeneve.com/quemsomos/quemsomos.htm> (Acessado em 13/04/2005). Loc. cit.
59
Deus� que tiveram experiências sobrenaturais em Seatle-EUA. Em Dezembro de 1993 nascia
a Bola de Neve, nome que foi dado ao pequeno grupo que acreditava que se tornaria grande
como uma bola-de-neve que rola montanha abaixo criando uma enorme avalanche.
A partir de Setembro de 1994 a Fevereiro de 1999, a Bola de Neve com um
número mais expressivo de adeptos filiou-se à Igreja Renascer em Cristo. Agora o grupo que
antes não tinha uma liderança institucional passa a se reportar à Igreja Renascer em Cristo,
sob o comando de Estevam Hernandes. Durante esse período, a célula194 de �Rina� teve uma
certa expressão no ambiente da Igreja Renascer em Cristo. Segundo o pastor Rinaldo:
Realizamos um bonito e atuante trabalho com jovens, que incluía
grandes festas e eventos, capoeira, jiu-jitsu, evangelismo na madrugada, nas praias, nas pistas de skate, peças teatrais e ainda um
trabalho de apoio à outras Igrejas, como a de Itanhaém, por exemplo195. (sic)
No início de 1999 a célula visava uma independência da Igreja Renascer em
Cristo, entretanto o pastor Rinaldo faz questão de deixar claro que deixaria a Igreja �debaixo
da bênção� (sic), �porque amamos os nossos líderes e nunca nos rebelamos contra esses, do
contrário, fazemos questão de honrá-los sempre que possível� (sic). Ao passo que o pastor
Rinaldo chamava a atenção para manter a ordem e o status quo do líder, chamava também
para si a atenção por deter o carisma. Para Max Weber o carisma é
uma qualidade pessoal considerada extracotidiana (...) e em virtude da qual se atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanos ou, pelo menos, extracotidianos específicos, ou então
se a toma como enviada por Deus, como exemplar e, portanto, como líder
196.
É importante aqui ressaltar que o pastor Rinaldo se apropria do discurso
segundo o qual foi �eleito por Deus� e que nele está o carisma. Algo �sobrenatural� que em
princípio ele até mesmo resistiu às mudanças mas,
194 Célula é o nome usado para se designar um grupo pequeno que se reúne em ambientes diferenciados do
templo, por exemplo, e que tem potencial de se transformar em uma filial da Igreja. Está debaixo da autoridade de uma Igreja e segue suas doutrinas e ensinamentos. Tem utilidade para aproximar os fiéis uns dou outros
criando maior vínculos de afinidades. 195 Disponível em: <http://boladeneve.com/quemsomos/quemsomos.htm> (Acessado em 13/04/2005). 196 WEBER. Max. Economia e Sociedade, V. I., p. 159. O leitor pode recorrer ao extenso conceito de �carisma
puro� e �rotinização do carisma� em WEBER. M. Economia e Sociedade. V. II, pp. 323-355.
60
...os pensamentos de Deus não são os nossos pensamentos, nem os
nossos caminhos os caminhos do Senhor [...] mas fará o que lhE apraz
e prosperará naquilo para que foi designada... 197 (sic)
O pastor Rinaldo se desvincula de uma liderança de hierarquia superior e
torna-se líder de si mesmo. É notável que isso ocorra, mesmo porque, nenhum líder
carismático reconhece outra autoridade a não ser a sua própria. Para Weber �o carisma
conhece apenas determinações e limites imanentes. O portador do carisma assume as tarefas
que considera adequada e exige obediência e adesão em virtude de sua missão198�. Desta
forma, sempre existe um grupo que segue seu líder carismático e está pronto o oferecer
instrumentos que o auxiliem no cumprimento de sua �missão�.
Assim, começa de maneira quase autônoma a Igreja Bola de Neve Church
num espaço cedido por um empresário do mercado surfwear da marca �Hawaian Dreams�
(uma das grifes mais famosas do mercado de surf do país com produtos como roupas,
pranchas e acessórios), localizado na Rua 21 de Abril, no bairro do Brás/SP. Um local com
capacidade para 130 pessoas que logo ficou demasiadamente pequeno, pois, o grupo crescia
vertiginosamente. Por volta de 10 meses as reuniões aconteceram naquele espaço. Uma
característica muito peculiar, e que veio a se tornar uma marca da identidade do grupo e uma
das grandes propagandas da Igreja (lembrando que o pastor Rinaldo é formado em
publicidade e propaganda) foi o uso de uma prancha de surf no lugar de um púlpito. Rinaldo
apoiou um long-board em dois cavaletes e ali se transformou naquilo que é hoje o púlpito da
Igreja sede e de todas as filiais da Bola de Neve. Posteriormente, no dia 06/01/2000 a Igreja se
mudou para o Bairro da Lapa, na Rua Marco Aurélio, 496. Os encontros do pequeno grupo já
obrigavam o pastor a se reunir com maior freqüência na semana para atender a demanda dos
fiéis, sendo mesmo assim, o espaço insuficiente.
Finalmente em Março de 2003 a Bola de Neve mudou sua sede para a Rua
Turiassú, 734, bairro Perdizes/SP, onde oferece um espaço que abriga entre 850 a 950 jovens
nas reuniões que acontecem às segundas-feiras às 19 horas, às quintas-feiras às 20 horas, aos
sábados às 20 horas e aos Domingos com três horários de celebração, às 10 horas, às 16 horas
e 30 minutos e às 19 horas e 30 minutos. Mesmo assim, o espaço já se tornou insuficiente, e,
197 Disponível em: <http://boladeneve.com/quemsomos/quemsomos.htm> (Acessado em 13/04/2005). 198 WEBER, Max. Economia e Sociedade. V. II, p. 324.
61
se o participante quiser dispor de um lugar assentado nas cadeiras precisa chegar com quase
uma hora de antecedência.
A IBDNC continua com a sede internacional na Rua Turiassú, mas, tem
dezenas de Igrejas filiais espalhadas em 29 cidades do Brasil e 03 igrejas em outros países.
Tem em funcionamento 26 células (que podem ser potencialmente Igrejas) no Estado de São
Paulo; 01 célula em Florianópolis/SC e 02 células no Rio de Janeiro/RJ. A Igreja Bola de
Neve está presente nas seguintes cidades e países: Boiçucanga /SP; Peruíbe /SP; Itanhaém
/SP; Mogi das Cruzes /SP; Santos /SP; Praia Grande /SP; Mongaguá /SP; Ubatuba /SP;
Caraguatatuba /SP; Guarujá /SP; Atibaia /SP; Bertioga /SP; Campinas /SP; Niterói /RJ; Rio
de Janeiro /RJ; São Gonçalo /RJ; Cabo Frio /RJ; Itacaré /BA; Itabuna /BA; Salvador /BA;
Ilhéus; Ponta Grossa /PR; Matinhos /PR; Curitiba /PR; Blumenau /SC; Florianópolis /SC;
Laguna /SC; Balneário Camboriú /SC e Porto Alegre /RS. Nos países: no Peru na cidade de
Arequipa; no Japão em Mie Kon Gun e na Austrália em Sydney.
A Igreja não divulga por nenhum meio de instrumento informativo seu
número de fiéis, mas em uma entrevista para o Jornal Folha de São Paulo199 afirmava-se que a
Igreja Bola de Neve contava com um número de 5.000 adeptos no final ano de 2003. Hoje,
estima-se que ela tenha superado a membresia de 10.000200 fiéis em todo Brasil e fora dele.
2.4 Descrição do Ambiente e Espaço de Culto da Igreja Bola de Neve Church
A Igreja Bola de Neve Church tem um ambiente sui generis. Diferente de
qualquer Igreja em qualquer denominação. Nesse quesito ela é uma das pioneiras, muito
embora já existam alguns grupos201 que �decoram� seu ambiente com motivos muito
peculiares que aludem à identidade declarada do grupo.
199 Reportagem do Jornal Folha de São Paulo. �Bola de Neve Church atrai jovens e surfistas�. Domingo, 14 de Dezembro de 2003. Primeira página. 200 CERSAR, Claiton; STEFANO, Marcos. Na onda de Deus, p. 44. Revista Eclésia � ano 11 � nº 114. Numero
estimado de adeptos/fiéis da IBDC divulgado na matéria. 201 Alguns desses grupos são: Ministério Gospel Night /RJ: criado por DJs apresenta hinos mixados no ritmo de
música eletrônica. Deixa o ambiente muito similar a uma discoteca ou baile funk, intercalam as músicas com
leituras e exposição da Bíblia Sagrada. Caverna de Adulão /MG: o grupo de Belo Horizonte é voltado para um
público underground (roqueiros, metaleiros e punks) tocando os hinos em ritmo de heavy metal. Faz parte de um movimento tribal mundial criando igrejas para a geração pós-moderna. Bethesda Igreja Presbiteriana /RJ: em Copacabana o pastor realiza o culto para o público da comunidade gay, sendo a única no Brasil a realizar
casamento entre homossexuais. Ministério Evangélico Leão de Judá /RJ: na sede do Clube de Motociclismo eles
62
A começar pela fachada do templo202 � que não tem arquitetura
convencional semelhante aos templos religiosos convencionais � mesmo porque, o imóvel
que é alugado já deu espaço a um cinema, depois uma casa noturna, um bingo e atualmente
Igreja. Quem passa despercebido pelo local pensa que aquele espaço trata-se de alguma
empresa destinada a promover esportes radicais. Algumas figuras são expostas nessa fachada
dando a entender essa proposta. As imagens dos esportes radicais são silhuetas de uma pessoa
falando ao microfone atrás de uma prancha sobre um suporte; um surfista executando uma
manobra; um surfista fazendo manobras em uma prancha tipo long-board; um skatista
executando manobra; o vôo de um paraglider; e um bodyboarder.
Figura 02 � Fachada da Igreja Bola de Neve Church
Na entrada do saguão existem muitos painéis de avisos contendo
propagandas de campeonatos e torneios de esportes radicais203.
se reúnem na Pavuna trajados a rigor com suas roupas de couro. Ver reportagem em Jornal O Globo. �Igreja de
surfistas é a nova onda evangélica�. Domingo 10 de Agosto de 2003. p. 36. 202 Ver figura: 02. 203 Ver figura: 03.
63
Figura 03 � Panfleto divulgação do Campeonato de Skate da Igreja Bola de Neve
Church
A Igreja Bola de Neve Church promove eventos204 e shows de música
gospel. Nestes eventos é liberado o consumo de refrigerantes e água, ficando qualquer tipo de
bebida alcoólica e cigarros proibido. Geralmente, para participar dos eventos é preciso pagar
pela entrada. Quando o evento é um lual, por exemplo, o valor chega a custar até R$ 30,00
(trinta Reais) por pessoa. Outros eventos podem cobrar um quilo de alimento não perecível
que � de acordo com os organizadores � serão destinados às obras de assistência social da
própria Igreja.
Nos painéis de aviso no saguão de entrada da IBDNC estão afixados
propostas de emprego, horários das reuniões da igreja, endereços e convites para as reuniões
de atividades205 extras.
204 Ver figuras: 04; 05. 205 Ver figura: 06.
64
Figura 04 � Panfleto de divulgação de Evento Musical da Igreja Bola de Neve Church
Figura 05 � Panfleto de divulgação de Evento Cultural da Igreja Bola de Neve Church
65
Figura 06 � Panfleto de divulgação de Reunião de Células
Próximo à entrada da nave do templo se encontra a �lojinha do Bola206� �
como é conhecida. Um lugar onde vendem Cd�s de música Gospel da banda da Igreja e de
outras bandas nacionais e internacionais (sempre com o estilo que a Igreja aprecia e indica),
livros de autores que constroem a teologia da liderança e da membresia, camisetas, bonés e
adesivos com a logomarca da Igreja207 e diversos acessórios � um material eficaz de
propaganda � até mesmo parafina para pranchas de surf e contatos com revendedores de
artigos mais custosos.
206 Ver figura: 07. 207 Ver figura: 08.
66
Estamos trabalhando para ter uma loja virtual, enquanto
isso visite nossa loja que funciona em dias de culto e confira as últimas novidades do mercado gospel.
Fotos (sem créditos) do site oficial da Igreja Bola de Neve.
Disponível em <http://boladeneve.com/quemsomos/quemsomos.htm>. Acessado em 24/04/2006.
Figura 07 � Lojinha da Igreja Bola de Neve Church
67
Foto: Marcio Bergamo de Araújo
Figura 08 � Logomarca da Igreja Bola de Neve Church
No piso superior, encontra-se uma cantina onde se vende de tudo menos
bebidas alcoólicas e cigarro, e onde o produto mais disputado é o açaí na tigela (alimento
muito apreciado pelos surfistas e pela geração saúde). É também ali o local mais apropriado
onde o pessoal se reúne para conversar e combinar as surf-trips208, ou seja, os encontros para
um fim de semana de esportes radicais. Na galeria, disputa espaço com os fiéis, todo o aparato
de som e luz que ajudam a compor o ambiente informal.
Entrando na nave principal encontra-se um salão retangular com muitas
cadeiras almofadadas (mesmo sendo em um número grande � cerca de 800 cadeiras � sempre
alguns corredores ficam ocupados por fiéis sentados no chão). Na verdade, este ambiente mais
se parece um lugar próprio para uma festa no estilo havaiano ou uma discoteca. Decorada
com quadros209 de imagens de surfistas realizando alta performance em ondas perfeitas nas
mais belas praias e um telão onde são projetadas imagens radicais e da natureza marinha.
Imagens que ajudam a compor o imaginário simbólico do mundo dos surfistas e dos 208 �Surf-trips� é um termo corriqueiro no vocabulário dos surfistas e designa os encontros dos surfistas para
pegarem ondas juntos. A tradução literal é �viagem do surf�. Na IBDNC essa expressão é usada pelo pastor Rina
onde no próprio site onde conta a história de sua conversão. Outro termo comum entre os surfistas é �barca�, que é utilizado para designar um veículo que serve de transporte para as viagens dos surfistas. Extraído do site
oficial da IBDNC. Disponível em: <http://boladeneve.com/quemsomos/quemsomos.htm> (Acessado em 13/04/2005). 209 Ver figuras: 09; 10 e 11.
68
esportistas radicais. Em algumas paredes existem pastilhas de espelho e vidros fumês,
resquícios �providenciais� do bingo e da casa noturna.
Foto: Marcio Bergamo de Araújo
Figura 09 � Quadro �A� (motivo surfista).
Foto: Marcio Bergamo de Araújo
Figura 10 � Quadro �B� (motivo: surfista).
69
Foto: Marcio Bergamo de Araújo
Figura 11 � Quadro �C� (motivo: surfista).
O ambiente fica completo na sua proposta decorativa com o lugar do palco.
Entre os instrumentos (bateria, teclados, guitarras, instrumentos de percussão, caixas de som)
destaca-se a figura que compõe a principal imagem da identidade da Igreja: a prancha de surf
usada como púlpito210. Ela é apoiada em cavaletes ornamentados com figuras de seres
marinhos (golfinhos) e nela se apóiam sempre: a Bíblia Sagrada, um copo d�água e uma
pequena bandeira do Brasil.
Foto: Fabiano Accorsi/ÉPOCA
Figura 12 � Prancha de surf como púlpito e Pastor Rinaldo pregando
210 Ver figuras: 12 e 13.
70
Foto: Marcio Bergamo de Araújo
Figura 13 � Púlpito-Prancha-de-surf (uma das marcas da Igreja Bola de Neve Church)
Para muitos, o uso de um púlpito-prancha-de-surf211 em uma Igreja é uma
grande novidade e diga-se bem criativo. Mas não o é. Embora o pastor Rina afirme que esta
�criação foi obra do acaso�, talvez sua grande criatividade seja coincidente a cópia existente
em uma Igreja para surfistas na cidade de Huntigton Beach, Califórnia/USA, que explorou
esse recurso alguns anos antes até mesmo da criação e surgimento da Igreja Bola de Neve
Church. O pastor Rina descreve o acaso do púlpito-prancha-de-surf:
..."e agora, o culto vai começar, o salão está lotando, onde eu apoio a
minha Bíblia?". Uma empresa de surf também vende pranchas, e uma
delas, um longboard, piscou para mim e virou púlpito, desde da
211 O uso de um púlpito-prancha-de-surf não é inovação em uma Igreja. Ao contrário, é comum em algumas
comunidades cristãs de surfistas usarem este tipo de púlpito. Um exemplo disso é a Surfer�s Chapel,uma Igreja em Huntington Beach, Califórnia/USA, que usa há pelo menos 20 anos o púlpito-prancha-de-surf. A IBDNC se apresenta-se demaneira muito semelhante à Surfer-s Chapel, que também cola adesivos da logomarca da igreja
na prancha e atrás dela tem um grande quadro na parede com a pintura de uma onda. Há também semelhança
muito próxima na declaração de visão e propósitos das duas igrejas, inclusive no que diz respeito ao estímulo em
arrumar casamentos entre os membros, mas proibir o sexo antes da oficialização. Disponível em:
<www.surferschapel.com> (Acessado em 26/04/2006); outra igreja que usa púlpito-prancha-de-surf é a
Christian Surfers International. Uma igreja para surfistas criada por Brett Davis há 23 anos na Austrália.
Disponível em: <https://www.christiansurfers.net> (Acessado em 26/04/2006); uma terceira igreja que é voltada
para surfistas e tem imagens, motivos e adesivos de surfistas no templo é a Calvary Chapel. Disponível em:
<www.calvarychapel.com/pacificcoast/vision.htm>. A Revista University Magazine On Line tem reportagem de S. Derek Sullivan, Pray for surf e também mostra igrejas voltadas para surfistas e com o uso de pranchas de surf
no lugar do púlpito. Disponível em: <http://www.csulb.edu/~univmag/121597/surf.html> (Acessado em 24/04/2006).
71
primeira reunião, um acaso que ajudou a compor a identidade da
Igreja212.
Na lateral do palco algumas cadeiras são destinadas a pessoas que
participam da liderança mais alta como pastores, pregadores famosos e visitantes ilustres. Ali
também se encontra toda a parafernália para uma banda de músicos se apresentar. Logo atrás
do púlpito-prancha está fixado um enorme quadro213 � que mede cerca de 6 X 4 metros � com
pintura de uma imagem representando o fundo do mar, animais marinhos de diversas espécies
e uma onda num tubo perfeito.
Foto: Marcio Bergamo de Araújo
Figura 14 � Quadro decorativo do altar da Igreja Bola de Neve Church
2.5 (In)Descrição do estilo dos adeptos da Igreja Bola de Neve Church
Este momento não se trata apenas de uma tentativa na proposição de
descrição do estilo, aparência e comportamento dos adeptos/fiéis (muito menos seja proposto
um estudo das teorias comportamentais dos adeptos da IBDNC), mas, uma certa dose de
indiscrição de um olhar curioso do pesquisador a partir da observação in loco que procura
212 Extraído do site oficial da IBDNC. Disponível em: <http://boladeneve.com/quemsomos/quemsomos.htm> (Acessado em 13/04/2005). 213 Ver figura: 14.
72
mostrar a capacidade desses fiéis em criar e se apropriar de figuras emblemáticas da vida
quotidiana comum desse modelo de socialidade, conseguindo arregimentar diversas tribos em
um mesmo espaço.
A IBDNC tem algo que poderia ser chamado de mix cultural no que diz
respeito ao estilo dos fiéis. São na sua maioria jovens que completam o visual ultramoderno
da Igreja. Vestem-se de acordo com os gostos mais variados e desfilam diversos figurinos. A
maioria dos fiéis exibe seus corpos atléticos, camisetas regatas, músculos à vista, calção e
bermudas, chinelos havaianas, tênis, a maioria deles têm e exibem as tatuagens � e garantem
que isso é permitido pelo pastor � marcas do corpo bronzeado do final de semana na praia;
elas aparecem de �barriguinha� de fora, saias, mini saias e tops, chinelas rasteirinhas, também
tatuadas. Tudo que foge ao trivial em uma Igreja parece ser muito bem vindo.
Gráfico 01 � Idade dos participantes da Igreja Bola de Neve Church
A questão número 01 do questionário aplicado classificou a média de idade
dos participantes da IBDNC, mostrando que a faixa etária é de maioria composta por jovens
adultos � dos 25 aos 30 anos, e em segundo lugar os jovens com idade entre 20 e 24 anos.
O resultado da pesquisa também mostrou que há maior incidência do sexo
masculino entre os fiéis.
73
Gráfico 02 � Sexo dos participantes da Igreja Bola de Neve Church
De fato suas roupas os identificam a quais tribos pertencem, muito embora
todos �se confundem� como um grande grupo quando estão na Igreja, mas ainda assim,
ocupam espaços diferentes no mesmo ambiente. É possível notar determinados grupos
formados em lugares próprios. Cada tribo tem seu canto.
2.5.1 Tribo dos surfistas
A Bola de Neve faz questão de ser chamada e reconhecida como a igreja dos
surfistas. O pendão da IBDNC é o surf. Segundo o Dicionário Eletrônico Wikipédia:
O Surf ou surfe é um esporte de origem polinésia descoberto pelos ocidentais em 1778 quando o navegador inglês James Cook chegou ao arquipélago do Havaí, que tem como objetivo manter-se em pé na
prancha e deslizar sobre as ondas executando manobras. Usava-se inicialmente pranchas de madeira confeccionadas para deslizar nas ondas do mar. Na década de 50 o esporte popularizou-se na costa oeste dos Estados Unidos da América, tornando-se uma mania entre os jovens, principalmente nas praias da Califórnia. Durante as décadas
de 70 e 80 o esporte se espalhou por todo o mundo. [...] A Austrália é
a maior potência do esporte [...] No Brasil as primeiras pranchas
foram fabricadas em 1938 e 1939 por três amigos paulistas e em 1952
um grupo de cariocas difundiram o esporte. Em 1964 foi importada da Califórnia a primeira prancha oficial de surfe. Em 1988 o esporte foi oficialmente reconhecido pelo Conselho Nacional de Desportos214.
214 Dicionário Eletrônico Wikipédia Enciclopédia Livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Surf> (Acessado em 08/05/2006)
74
Quase tudo naquele espaço gira em torno desse esporte que o tornou por
meio das suas propagandas, cartazes, adesivos, e outros meios de comunicação visual uma
figura emblemática auxiliando na construção da identidade da IBDNC. O visual da Igreja, o
púlpito, o estilo musical, algumas gírias, até mesmo algumas frases que pertencem ao
vocabulário dos surfistas está presente no sermão do pastor. Até ele mesmo faz questão de ser
identificado como um pastor surfista. Tudo isso faz parte do referencial simbólico quotidiano
dos jovens.
Dos questionários aplicados e devolvidos, 40% dos entrevistados
responderam que se consideram pertencentes a uma tribo urbana, mas apenas 11%
consideram-se uma tribo de surfistas que freqüentemente pegam ondas.
Gráfico 03 � As tribos urbanas e os adeptos da Igreja Bola de Neve Church
A maioria deles se vestem como surfistas, mesmo quando não estão em
cima da prancha, por certo. Suas roupas ostentam grifes do mundo da moda do surf e o estilo
é muito casual. É interessante ressaltar que São Paulo capital, não é uma cidade litorânea,
muito menos praiana, contudo é comum ver alguns jovens vestidos como se estivem
75
caminhando no calçadão da praia. Roupas apropriadas para a �moda praia�. Eles criam uma
lógica comunicacional através de sua indumentária que ajuda a agregar a identidade do grupo.
Semelhante a isso é o que define Maffesoli, um �processo ou lógica de identificação215�.
A Bola de Neve está conseguindo consolidar sua identidade cultural em uma
classe social altamente lucrativa, pois, a juventude consumidora naquele espaço social mostra
através do estilo de vestimenta que pertencem a uma classe social de consumo em potencial.
Mesmo porque os jovens surfistas, na maioria das vezes, pertencem a uma classe social mais
elevada, pois, trata-se de um esporte que demanda elevados custos e gastos na compra do
material esportivo e nas viagens para os locais onde se pega onda, mas, principalmente na
compra de roupas e acessórios da moda surf que são muito caros. Como foi visto, Bryan
Wilson afirma que estes novos movimentos religiosos são em grande parte compostos por
jovens provenientes das classes mais instruídas e dos setores de média burguesia216.
De certa maneira a informação de uma empresa no mercado de surf está
atestando nossa afirmativa dizendo que �10% do faturamento do mercado nacional de
vestuário é de artigos relacionados ao surf. A maioria destes consumidores não é praticante
do esporte217�. Os jovens se vestem como surfistas, se apropriam do vocabulário dos
surfistas, mas, a maioria deles não é surfista, embora, sabe-se que para ser aceito no grupo é
necessário mimetizar-se o mais possível.
Soma-se ao ambiente, programações que não assumem nenhum vínculo
religioso aparentemente. Os fiéis são motivados a participar dos eventos esportivos e
competitivos que são realizados nos litorais promovidos pelas Igrejas filiais da Bola de Neve.
Estes eventos cobram taxa de inscrição e agregam um grande número de participantes
sugerindo inclusive uma boa premiação.
215 MAFFESOLI, Michel. Op. cit., p. 178. 216 WILSON. Apud, MARTELLI, Stefano. Op. cit., p. 339. 217 Dados obtidos no site especializado no mercado de surf. Disponível em: <http://www.4surf.com.br>
(Acessado em 15/05/2005).
76
2.5.2 Outras tribos
A IBDNC tem a capacidade de incluir outras tribos que compõem sua
membresia. Junto com a tribo dos surfistas estão presentes os skatistas, os esportistas radicais
de um modo geral e a tribo do hip-hop. Contudo, aparentemente os skatistas são mais bem
aceitos pelo grupo dos surfistas e se misturam melhor no ambiente � mesmo porque o skate
surgiu na impossibilidade de �pegar ondas� e por isso colocaram rodinhas nas pranchas
simulando o surf � o que aproxima muito os dois esportes e conseqüentemente as duas tribos.
Já a tribo do movimento hip-hop tem suas características muito peculiares e
se diferem dos surfistas, pois são indivíduos das classes sociais mais baixas, até mesmo da
periferia, e na sua maioria de cor negra. Esse movimento pode ser descrito como:
O hip-hop constitui-se como um movimento artístico-cultural que emerge das periferias das metrópoles mundiais. É composto por
quatro elementos estéticos que num determinado momento se juntam para promover �festas�; locais de sociabilidade de jovens segregados
das cidades Yankess. Esses encontros congregavam diversas tribos urbanas. Os grafiteiros, espécie de gravuristas que utilizavam os
espaços da cidade (muros, postes, viadutos, ruas) para a realização de
suas obras desenvolvidas a partir de tintas em spray. Os Breakers ou B-boys são dançarinos que realizam suas performances nas ruas e
calçadas. Constroem os elementos da sua coreografia imitando ou se
apropriando de outras práticas: Clow, Capoeira, a Ginástica Olímpica,
etc. [...] Os Rapers são trovadores cosmopolita, também chamados de
Mc�s ou �Mestres de Cerimônias� que, através de uma rima veloz e
furiosa cantam um estilo de viver marcado por sociabilizações
violentas e pela degenerescência dos espaços periféricos. Por fim os
DJ�s pessoas encarregadas das trilhas sonoras e bases musicais sobre as quais os Rapers cantam. A partir de uma maneira singular de usar o equipamento de som, os Dj�s inventaram um novo instrumento
musical, particular do Hip-Hop e constituído de �Pick-ups� (espécie
de toca discos de vinil e mixadores scratch).218
Para o DJ �Vlad�, líder de uma banda de hap � Banda GH2O (Gospel Hip-
Hop Zona Oeste) � os grupos de Hip-Hop têm pouco espaço para �desenvolver seus
ministérios alternativos, mas continuam naquela Igreja porque encontraram um espaço onde
ninguém fica olhando torto para eles� (sic).
218 ROTTA, D. C.; PARDO, E. R. & RIGO, L. C. Imagens de corpos urbanos: o Hip-Hop (en)cena, pp. 41-54.
77
2.6 Ordem de Culto219
A Igreja tem um culto220 muito concorrido principalmente às quintas-feiras
às 20 horas e aos Domingos às 19:30 horas, onde se reúnem cerca de 850 a 950 jovens. Este
número é considerado normal para um dia de culto corriqueiro. Alguns cultos festivos, com
programação diferenciada, dada a presença de celebridades o número cresce
consideravelmente, chegando a passar de 1.100 participantes.
Muitas dessas celebridades221 que figuram nas diversas mídias de consumo
estão sempre marcando presença nas programações das Igrejas Bola de Neve, principalmente
na sede da IBDNC. Algumas destas celebridades são bem conhecidas, como a atriz e modelo
Cida Marques (que inclusive já posou nua para uma revista masculina); o vice-campeão
Brasileiro de Jiu-jitsu Marcos Valete; o ex-Campeão Brasileiro de Musculação Atlética, Enzo
Perondini Filho que foi vítima de um câncer no fígado devido ao uso de anabolizantes e que
jura que �Deus o curou�; a apresentadora de TV Monique Evans, que exibe um programa
erótico em um canal aberto de TV com cenas de sexo, entrevistas com strippers e garotos de
programa; André Leandro Marechal, o �Catalau�, ex-vocalista de uma das bandas de rock
mais famosas dos anos 80, a Golpe de Estado (hoje, pastor em uma das Igrejas Bola de Neve);
a banda de reggae Planta e Raiz; os surfistas Dadá Figueiredo, Roni Bonetti, Tadeu Pereira e
o skatista �Foca� (24ª no Ranking Mundial de Skate) completam a lista que não pára de
crescer dos famosos que fazem parte da Igreja.
Para conseguir reservar seu lugar para o momento do culto na quinta-feira,
os jovens começam a chegar volta das 19 horas. Cada um que chega é recebido pelos obreiros
que estão de plantão na porta de entrada para dar as boas-vindas. É muito comum ouvir os
jovens se cumprimentando dizendo entre si: �e aí santidade?!� (sic), �tudo certo labareda?!�
(sic), �na paz?!� (sic), �na unção?!� (sic).
219 Durante aproximadamente 18 meses foi possível acompanhar várias programação da IBDNC nos dias de
semana e algumas vezes aos Domingos, permitindo ao pesquisador aproximar-se da observação e descrição. 220 Sobre esse termo �culto/celebração�, será abordado no terceiro capítulo. 221 O leitor pode recorrer a diversas matérias: SEGATTO, Cristiane. Na onda de Cristo. Matéria da Revista
Época � 28/07/2003. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT574623-1664,00.html> (Acessado em 28/10/2005); Revista Veja Jovens � Julho de 2003. Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/especiais/jovens_2003/p_028.html> (Acessado em 28/10/2005).
78
Enquanto uns se dirigem para a cantina para enganar a fome (pois às vezes
chegam direto do trabalho diário), outros reservam seus lugares colocando as bíblias nas
cadeiras. É um movimento muito intenso dos jovens que também conversam em um volume
muito elevado, inclusive na nave do templo.
Aliás, uma coisa ali é proibido: levar alimentos e refrigerantes. Apenas água
é permitida entrar no salão do templo. Em alguns minutos os jovens vão se acomodando. Um
fundo musical começa a tocar. Os instrumentistas da banda se posicionam no palco e
começam fazer barulho com os instrumentos. É o sinal que o culto vai começar.
Um dos líderes pega o microfone e diz algumas palavras de saudação. Os
fiéis respondem em coro com �améns� e �glórias a Deus� em som bastante elevado. É feita
uma oração muito �animada� e os jovens chegam quase a um alvoroço. A intensidade das
luzes vão diminuindo, quase se apagando até o templo ficar praticamente na penumbra. O
ambiente parece agora uma discoteca ou um lugar bem propício para um show. A banda
começa a tocar e o povo logo se agita.
As letras das músicas são projetadas em um telão222, como se fosse uma
espécie de karaokê onde casualmente se intercalam projeções de imagens relacionadas com o
imaginário dos surfistas (ondas, praias, paisagens naturais, surfistas pegando ondas). Serve
também de quadro de avisos do berçário para os pais providenciarem atendimento aos seus
filhos que ficaram sob os cuidados de outros obreiros e aviso aos proprietários de veículos que
estão estacionados em locais irregulares ou que foram alvos de furto.
222 Ver figura: 15.
79
Foto: Marcio Bergamo de Araújo
Figura 15 � Telão para projeção das imagens
Mesmo assim, todos dançam e cantam sem se incomodar, inclusive se
alguém irá estranhar tudo aquilo. A música é um dos pontos altos da oferta religiosa e é
verdade também que uma das grandes características da Bola de Neve seja a exploração na
área musical. A questão número 05 do questionário aplicado perguntou: �O que mais te atrai
nesta Igreja?�. Como resultado na classificação em ordem decrescente, o item
�música/louvor� foi a segunda maior escolha. Para Geraldo Arbuckle:
A música, em qualquer cultura, é um meio de expressão poderoso
daquela cultura e, ao mesmo tempo, é o esteio desses valores de uma
geração para outra. Isso é especialmente verdade em relação à cultura
jovem223.
223 ARBUCKLE. Apud, NETO, Jose L. J. de Mello; BONELLI, Marco Antonio Gusmão. A inculturação da fé
no mundo dos jovens, p. 278.
80
Gráfico 04 � O que mais atrai na Igreja Bola de Neve Church
Alguns dos presentes ficam deslocados com o ambiente, provavelmente
sejam os visitantes, pertencentes à alguma Igreja tradicional e que para eles aquilo tudo é
muita novidade para ser assimilada repentinamente. Mas muitos desses visitantes se
�acostumam� e ficam. Na IBDNC a maioria de seus participantes já teve algum contato com
outras igrejas ou religiões.
O tempo de execução das músicas � chamado de louvor � dura
aproximadamente uma hora e meia, e diversos estilos musicais ao gosto dos surfistas são
tocados; sendo as primeiras músicas em ritmos de rock, reggae, soul, baladinhas pop,
acompanhados com palmas, braços ao alto, gritos de aleluia e glórias, que proporcionam um
ambiente extático e sensitivo, passível de enlaçar a experiência coletiva dos fiéis a um
momento de �semi-êxtase�. O Pastor Rinaldo pega o microfone e conduz o povo aquilo que
ele chama de �experiência do Espírito�. De acordo com Bittencourt Filho:
O �êxtase� é o traço mais marcante da religiosidade urbana de massa e
ainda a forma mais enfática de recusa da intermediação do discurso
articulado no domínio sagrado. o êxtase é interpretado nesse contexto
com a culminância do contato entre o fiel e a divindade, pois, no êxtase a divindade se �apossa� do fiel, e dessa maneira o percurso
místico alcança seu termo224.
224 FILHO, José Bittencourt. Dos Novos Movimentos Religiosos � uma abordagem fenomenológica, p. 31.
81
Em alguns minutos os fiéis são conduzidos a voltarem ao �estado normal�,
contidos com as palavras: �amém�, �glória a Deus�; sinalizando que aquele momento está
terminando. Em seguida o pastor dá a oportunidade para um fiel contar o seu �testemunho�,
ou seja, sua experiência de mudança de vida. A banda não pára de tocar, mas diminui seu
volume para um �fundo musical�. A maioria dos testemunhos é carregado de emoção,
obrigatoriamente faz parte dos relatos uma �antes e um depois� de estar participando do Bola.
Eles relatam sua vida de derrota na área financeira e espiritual dizendo: �antes de vir pro Bola
eu �tava� na pior. Não tinha emprego e era usado pelo �inimigo�, usava drogas e minha
família não me aceitava como eu era� (sic); e concluem dizendo: �agora eu tenho emprego,
sou amado pela família, sarei de uma doença tal, e estou �careta pra� Jesus225� (sic). O
pastor chama a igreja a aplaudir e dá seus brados de �amém�.
Hervieu-Léger afirma que a emoção nos NMRs e a característica do
emocionalismo comunitário e a importância do corpo nas manifestações religiosas serve
como contraponto e repulsa a uma religião intelectual, com doutrina e teologia
formalizadas226. Segue afirmando:
Todas as comunidades emocionais dão um peso particular ao
engajamento do corpo na oração, à manifestação física da
proximidade comunitária e da intensidade afetiva das relações entre os
membros (beijam-se, tomam-se pelas mãos, pelo ombro, etc.)227.
É momento de avisos e saudação aos visitantes. O pastor pede para que os
visitantes se coloquem em pé para que a Igreja possa identificá-los (embora exista um espaço
específico onde os visitantes são motivados para tomar assento e sua visibilidade torna-se
mais fácil). Após os visitantes serem identificados, o líder dá-lhes as boas-vindas, afirmando
veementemente que todos são bem vindos, e pede para aqueles que estão próximos aos
visitantes que lhes dêem uma saudação, um aperto de mãos, palavras de boas vindas com
muito entusiasmo em um clima muito festivo.
225 A expressão corriqueira �careta pra Jesus� significa que a pessoa era anteriormente usuário de drogas e agora está abstêmio pela fé e conversão em Jesus. 226 HERVIEU-LÉGER. Apud, ALBUQUERQUE, Leila Marrach B. Estrutura e dinâmica dos novos movimentos
religiosos, pp. 140-141. 227 HERVIEU-LÉGER. Apud, ALBUQUERQUE, Leila Marrach B. Op. cit., pp. 141.
82
O pastor fala dos compromissos financeiros da Igreja e a necessidade de
saldar as contas, o compromisso com as atividades sociais que a IBDNC mantém e passa-se
para o momento do dízimo. Diz o pastor: �dá o dízimo e a oferta quem está com o coração
alegre e quem quer que a obra de Deus permaneça�. Ele não fica insistindo para que os fiéis
tragam quantias ou valores estipulados. Mas lembra aos fiéis: �essa é uma obrigação bíblica�
(sic). Os membros da IBDNC são formalmente chamados a contribuir com 10% dos seus
rendimentos mensais. Formam-se filas nos corredores laterais e central. As pessoas se
espremem para alcançar as salvas colocadas perto do altar. O momento é embalado por
música. Momento no qual os fiéis vão dançando e cantando para ofertar. Finalmente o
dirigente faz uma oração pelas ofertas e pelos ofertantes, passando para o momento de
exposição da leitura bíblica.
Na divisão dos momentos de culto o mais esperado é a pregação da
palavra228. O pastor Rinaldo faz a leitura da Bíblia em uma �versão pessoal� e expõe o texto
com uma linguagem coloquial, bem-humorada, valendo-se de termos que fazem parte do
vocabulário dos surfistas e jovens de um modo geral inclusive com muitas gírias. A pregação
é geralmente descontraída, interativa e jamais ofende ou ataca outras religiões, qualquer uma
delas que seja (mesmo porque, precisa ganhar a simpatia dos visitantes que são provenientes
de diversos segmentos religiosos).
O conteúdo da mensagem, geralmente são palavras de entusiasmo, reflexões
no valor da vida, uma meditação de auto-ajuda. Em alguns pontos, o pastor Rinaldo é enfático
� na sua pregação sempre condena o uso de drogas e orienta que o sexo deve ser feito dentro
do matrimônio, e sempre que possível lembra de sua experiência com as drogas e alcoolismo.
Inclusive alguns dos testemunhos que são dados no momento oportuno, os jovens falam de
suas abstinência sexual e das drogas como um padrão alcançável de �santidade�.
Assim que a pregação vai finalizando, o pastor Rina faz um sinal e a banda
começa a tocar novamente. Agora é o momento do êxtase coletivo. Após cantar uma música
ininterruptamente por cerca de quinze minutos a líder da banda diz frases em línguas
ininteligíveis � glossolalia � com frases minimalistas, repetitivas e exaustivas combinadas
228 A questão número 05 do questionário aplicado perguntou: �O que mais te atrai nesta Igreja?�. Como resultado
na classificação em ordem decrescente, o item �pregação/palavra� foi a primeira escolha na preferência dos fiéis.
Ver gráfico: 04. (página 77). O tema da pregação será abordado em momento posterior.
83
com acordes dissonantes dos instrumentos musicais terminando numa espécie daquilo que
iremos chamar aqui de �mantra gospel229�.
A platéia se dirige à frente, bem perto do palco, repetindo as palavras
falando ao mesmo tempo as línguas estranhas. Alguns choram, riem, outros deitam no chão,
outros soluçam, alguns pulam no mesmo lugar, gritam e giram em torno de si mesmos. Uma
espécie de catarse coletiva. Aos poucos o ambiente vai sendo controlado pelo pastor e pela
banda e todos começam a voltar ao estado normal da consciência.
Finalmente o pastor faz uma oração final, repete algumas palavras que
parecem ser uma bênção final e termina o culto. Imediatamente o pastor sai por uma porta
lateral e não se vê mais a sua figura até o próximo encontro.
2.7 Estrutura hierárquica e cargos religiosos da Igreja Bola De Neve Church
A liderança da Igreja Bola de Neve comumente motiva seus membros a se
tornarem �cooperadores do trabalho de Deus�. Eles são chamados a desempenhar algumas
funções que auxiliam no trabalho religioso e de divulgação da Igreja. Entretanto, existem
alguns pré-requisitos para que um fiel ocupe algum �cargo� ou desempenhe alguma liderança.
O primeiro cargo que pode ser ocupado é o �atalaia�, e exige que o aspirante
ao cargo esteja freqüentando a Igreja � e cadastrado230 � no mínimo um ano e que esteja
envolvido nos encontros de células. A função do atalaia é cumprir serviços gerais da Igreja
229 Propomos criar o neologismo �mantra gospel� para designar uma característica muito peculiar presente nos
momentos de culto da Igreja Bola de Neve Church. Os fiéis são conduzidos a repetir frases minimalistas durante
muitos minutos; por exemplo: �Jesus�; �shekinah� (sic); �aleluia�, entre outras palavras ininteligíveis
(glossolalia). Embora essas palavras pareçam ser de conteúdo cristão (e algumas outras são ininteligíveis), são
entoadas em rima, ritmos e acordes musicais que associamos a sugestão de um mantra, produzindo efeitos
similares ao mantra sânscrito. Os fiéis são levados a ter uma experiência catársica e extática, onde alguns pulam,
outros se deitam ou simulam um desmaio, outros choram, gritam palavras ininteligíveis. O Dicionário Eletrônico
Wikipédia Enciclopédia Livre define mantra da seguinte maneira: Mantra (do sânscrito Man/mente e Tra/alavanca) é uma sílaba ou poema religioso normalmente em sânscrito. Os mantras originaram do hinduísmo, porém são utilizados também no budismo e jainismo. Os mantras são entoados como orações, repetidos como as
do cristianismo. O budismo mahayana do Tibet usa mantras em tibetano, o zen-budismo do Japão os usa em
japonês. [...] Alguns psicólogos ocidentais defendem que o mantra possui uma energia sonora capaz de movimentar outras energias que envolvem o estado físico e psíquico de quem o entoa. Disponível em:
<"http://pt.wikipedia.org/wiki/Mantra"> (Acessado em 08/05/2006). 230 A IBDNC não possui um registro de seus membros. Há cadastrado pouco fiéis que se destacam ou pretendem
assumir liderança em uma das igrejas do Bola. Mais informações sobre seleção de fiéis ver página 103.
84
como organização das cadeiras, limpeza do salão de culto, divulgação e panfletagem dos
eventos futuros, podendo até mesmo cumprir o papel de cuidar dos carros estacionados em
frente à Igreja. Auxiliam diretamente os diáconos da Igreja. Não exige eleição, mas, é preciso
ser avalizado pela liderança superior. As consagrações acontecem nos cultos aos Domingos
(um culto agendado para esse fim) numa cerimônia religiosa que se restringe a algumas
palavras do pastor Rinaldo e a �unção� pela sua imposição de mãos.
Os diáconos � cargo superior ao atalaia � precisam ter freqüência mínima de
dois anos ininterruptos na Igreja. Cumprem a função de recepção dos visitantes, auxiliam na
ordem do culto, são os �organizadores� dos templos. Estes são também responsáveis pela
�fiscalização do desempenho� dos atalaias. Dois cargos paralelos ao cargo de diácono são os
de evangelistas e levitas. O primeiro cuida da preparação dos estudos que serão ministrados
nas células e lideram esses grupos pequenos. Os levitas cuidam da área musical da Igreja
sede, das filiais e das células. Cumprem os mesmos requisitos do diácono mas devem ser
carismáticos, comunicativos e no caso dos levitas é preciso saber tocar bem um instrumento
musical ou ser um bom cantor. Estes três cargos passam por um treinamento de líderes e
obrigatoriamente fazem os cursos de teologia que a IBDNC oferece em parceria com o
Instituto Betel de Ensino Superior (IBES231), curso que dura um ano e pode ser a ponte para
chegar ao cargo de presbítero e pastor. A consagração desses obreiros é feita da mesma
maneira que os atalaias.
Os mais altos cargos do serviço religioso na IBDNC são os presbíteros e
pastores. São líderes que estão ligados diretamente com o ensino doutrinário e assumiram a
direção de alguma igreja filial ou auxiliam o pastor Rinaldo na Igreja sede. Para esse nível de
liderança é obrigatória a concretização dos cursos de teologia oferecidos pela IBDNC e depois
de concordarem com todo sistema doutrinário232 religioso.
O próximo cargo é o dos presbíteros que é intermediário entre diácono e
pastor. Só os pastores e os presbíteros é que podem usar os púlpitos das Igrejas. Para o
231 Instituto Betel de Ensino Superior. Disponível em <http://www.ibes.com.br/ibes/>. Acessado em 10/05/2006. 232 A IBDNC não tem documentos doutrinários publicados ou de confissões de fé, mas, segue uma linha
teológica que se associa ao estilo de Visão, Batalha Espiritual, Cura Interior, Quebra de Maldição, Anti-
Satanismo e outros que fazem parte do modelo teológico que ela adotou. O leitor pode recorrer ao conteúdo nos
sites: Igreja Comunhão Plena; disponível em: <http://www.comunhaoplena.com.br/> (Acessado em 26/04/2006);
Missão Evangélica Shekinah; disponível em: <http://www.shekinah.org.br/> (Acessado em 26/04/2006); Ministérios Guerreiros da Luz e Guerreiros da Colheita; disponível em: <http://www.guerreirosdacolheita.com/>
(Acessado em 26/04/2006).
85
presbiterato e pastoreio é obrigatório um curso de teologia pelo Instituto Betel de Ensino
Superior e fazer relatório de leitura de livros que são indicados pela liderança. Esse percurso
todo para chegar aos mais altos �postos de liderança� na IBDNC demora por volta de 05 anos.
Entretanto, alguns personagens e celebridades têm alcançado esses postos com tempo
significativamente reduzido, mesmo porque aumenta a visibilidade da Igreja. Os
procedimentos para consagração dos candidatos são sempre os mesmos. Em um culto o pastor
Rinaldo impõe as mãos sobre os obreiros e os consagram ao cargo.
O cargo mais alto na IBDNC é ocupado pelo líder e fundador, o Apóstolo
Rinaldo. Todos os demais cargos se reportam e estão subordinados a ele. O apostolado é
vitalício e é único na IBDNC. Os demais cargos são preenchidos por tempo indeterminado,
julgando a necessidade dos mesmos pelo apóstolo. Sem renovação ou eleição, podem ser
diluídos à medida do interesse do apóstolo Rinaldo.
A partir da visualização do organograma, a seguir, torna mais compreensivo
a estrutura hierárquica da IBDNC.
Figura 16 � Organograma hierárquico da Igreja Bola de Neve Church
A Igreja tem publicado em seu site próprio o seu �propósito�: �Missão � Ser
uma Igreja centrada em Deus, voltada para a X-Generation233, com visão missionária,
plantando Igrejas como a forma mais eficaz de evangelismo�.
233 A Geração-X, ou X-Generation � como é conhecida � pode ser definida por homens e mulheres que nasceram entre os anos de 1965 e 1977. Segundo pesquisas, a X-Generation quer viver em um mundo sem formalidades,
APÓSTOLO Rinaldo
PRESBÍTEROS PASTORES
DIÁCONOS EVANGELISTAS
LEVITAS
PRESBÍTEROS PASTORES
PRESBÍTEROS PASTORES
DIÁCONOS EVANGELISTAS
LEVITAS
DIÁCONOS EVANGELISTAS
LEVITAS
DIÁCONOS EVANGELISTAS
LEVITAS
ATALAIAS
ATALAIAS
ATALAIAS
ATALAIAS
ATALAIAS
ATALAIAS
86
2.8 A Igreja Bola de Neve Church e a proposta social
O resultado do questionário aplicado � no que diz respeito ao interesse dos
fiéis da IBDNC pela questão do compromisso social234
� mostrou que os participantes
entrevistados deram última importância a este assunto.
Mesmo assim, a IBDNC divulga a atividade e manutenção de alguns
projetos próprios de assistência social e assistencialismo. Mesmo porque esta é uma meta da
Igreja, a qual declara em seu site: �Nossa visão � Proporcionar resgate, libertação e
restauração através da exposição e pregação da Palavra de Deus, por meio de uma visão e
identidade específicas235�.
A IBDNC sustenta um projeto chamado Casa de Recuperação Novo
Amanhecer236, no município de Cotia, sem fins lucrativos, destinado a drogapendentes, que
necessitam de um programa de desintoxicação (que dura aproximadamente 9 meses) e
abstinência no uso de diversas drogas. A Casa também providencia possíveis documentos e
oferece cursos de artesanato ao internos, angariando com a venda dos artesanatos a
manutenção da instituição.
com alta qualidade de vida e envolvimento com esportes radicais e não viver suas vidas somente focadas no
trabalho formal. 234 Ver gráfico: 04 (página 80). 235 Extraído do site oficial da IBDNC. Disponível em: <http://boladeneve.com/quemsomos/quemsomos.htm> (Acessado em 13/04/2005). 236 Ver figura: 17.
87
A Casa de Recuperação Novo Amanhecer é situada no Km 40,5 da rodovia Raposo
Tavares no município de Cotia. Neste Local são recebidas pessoas que desejam libertar-se de toda e qualquer dependência
química. Tais vidas são acolhidas por um período mínimo de 9 meses, Período o qual julga-se necessário além da além da recuperação do mesmo a reintegração à sociedade. Este trabalho é feito atravéz da localização da família dessas pessoas, emissão de
documentos que outrora foram perdidos e o aprendizado de uma atividade artesanal que poderá ajudá-lo em sua auto-sustentação ao saírem da casa de recuperação. A casa é dirigida pelo Pr. William, o qual cuida da obra em tempo integral, não dispondo
assim de qualquer atividade remunerada. Sendo assim, a casa mantém-se através de doações
voluntárias de pessoas físicas e jurídicas, além da venda dos artesanatos fabricados pelo
próprio grupo.
Fotos (sem créditos) do site oficial da Igreja Bola de Neve.
Disponível em <http://boladeneve.com/quemsomos/quemsomos.htm>. Acessado em 24/04/2006.
Figura 17 � Material de divulgação: Novo Amanhecer
A IBDNC tem um projeto de assistência social chamado Culto de
Doação237, que tem como objetivo atender 77 (setenta e sete) famílias carentes da Cidade de
São Paulo, na �favela� Jardim Peri Alto. Conta com arrecadações de alimentos que são feitos
237 Ver figura: 18.
88
nos cultos, em eventos e shows onde a entrada é liberada com a doação de alimentos, e com
empresários que são parceiros da IBDNC. Estes alimentos arrecadados são destinados à
doação dessas famílias de baixa renda.
A assistência social da Igreja, assiste mensalmente à 73 famílias
carentes da cidade de São Paulo através de um culto de doação no
qual é ministrada a palavra de Deus e são doadas cestas básicas
(sendo uma para cada família cadastrada), roupas e calçados,
provenientes da arrecadação feita nos cultos da igreja. Visitas são
realizadas conjuntamente com este trabalho, visando o acompanhamento individual de cada família, orientando-os segundo a palavra de Deus.
Fotos (sem créditos) do site oficial da Igreja Bola de Neve.
Disponível em <http://boladeneve.com/quemsomos/quemsomos.htm>. Acessado em 24/04/2006.
Figura 18 � Material de divulgação: Culto de Doação
89
Regularmente, no período da noite do último sábado de cada mês, a Igreja
Bola de Neve Church coloca em funcionamento o Projeto Lanchão238 com os moradores de
rua na cidade de São Paulo. Alguns obreiros da Igreja saem por bairros carentes distribuindo
lanches, roupas, cobertores e divulgando o Evangelho.
É uma estratégia que tem funcionado para atrair as pessoas. Todos ganham
algo, mas primeiro são obrigadas a ouvir a pregação de um dos líderes. Este projeto
assistencialista atende aproximadamente 200 (duzentas) pessoas durante estas visitas, e alguns
são encaminhados para a Casa de Recuperação Novo Amanhecer situada no município de
Cotia.
De acordo com a publicação do site da IBDNC: �O intuito deste trabalho
não é apenas darmos um lanche ou um conforto numa noite fria, pois sabemos que uma noite
por mês não é o suficiente para manter uma vida, mas é um meio de tentarmos resgatá-los
desta situação de miséria�. (sic)
238 Ver figura: 19.
90
Fotos (sem créditos) do site oficial da Igreja Bola de Neve. Disponível em <http://boladeneve.com/quemsomos/quemsomos.htm>.
Acessado em 24/04/2006. Figura 19 � Material de divulgação: Lanchão
A partir do resgate histórico da matriz religiosa, dos elementos de descrição
do ambiente e do espaço, do estilo dos fiéis, da maneira como é celebrada a ordem de culto,
das estruturas hierárquicas, das atividades sociais da Igreja Bola de Neve Church e da
tabulação dos resultados obtidos a aplicação do questionário, têm-se em mãos conteúdo para
análise crítica e interpretativa do movimento religioso a partir de chaves de leitura que serão
propostas no terceiro capítulo.
91
CAPÍTULO 3
Interpretação das práticas religiosa da Igreja Bola de Neve Church a partir da teoria
práxis.
Neste capítulo propõe-se utilizar os resultados da tabulação do questionário
aplicado como caminho para a construção da interpretação de algumas práticas religiosas da
Igreja Bola de Neve Church valendo-se do conceito que corresponde à teoria da práxis em
Casiano Floristán239. O recorte das práticas a serem interpretadas se limita ao estilo da religião
� principalmente sob o aspecto do trânsito religioso240 � à liturgia e pregação. A partir dos
resultados obtidos será possível visualizar os desafios que a pastoral encontra nos dias de
hoje, e, propor possíveis pistas à pastoral da juventude.
3.1 Conceitos Fundamentais da Práxis
Diz-se conceitos fundamentais da práxis 241 porque as discussões sobre os
temas da práxis compreendem uma abordagem demasiadamente extensa, onde por sua vez
tem demandado inúmeros estudos científicos, mesmo porque alguns teóricos afirmam que sua
gênese remonta à filosofia grega. Por isso será utilizado como chave de interpretação o
conceito de práxis em Casiano Floristán.
239 Teólogo católico da Espanha, doutor em teologia pela Universidade de Tubinga, catedrático de teologia
pastoral na Universidade Pontifícia de Salamanca, destaca-se por escrever e publicar um manual de Teologia Prática: FLORISTÁN, Casiano. Teologia Práctica � teoría y praxis de la acción pastoral. Salamanca, Ed. Sígueme, 2002 (4ª ed.). 240 O conceito de trânsito religioso será apresentado adiante. 241 Fica convencionado que a partir de aqui, o termo �práxis� será mencionado fora das aspas e não itálico.
92
Ao passo em que se critica as práticas religiosas de uma comunidade não há
pretensas aproximações injuriosas, ofensivas ou propostas pejorativas em relação ao
fenômeno religioso estudado. É competência dos estudiosos das ações das instituições
religiosas analisar tais fenômenos, mesmo porque existem parâmetros para a análise crítica
das diversas práticas religiosas cristãs. José Luiz de Mello Neto e Marco Antonio Gusmão
Bonelli dizem que �acolher o pluralismo dentro da pastoral não significa partir para o �vale
tudo�, com se não existisse linha pastoral242�. Não significa, portanto, que um modelo
religioso que vem se expandindo vertiginosamente deva obrigatoriamente ser lido como �algo
que é válido, correto ou apropriado�. Nos conceitos e paradigmas da pastoral cristã os teóricos
propõem critérios para sopesar se os modelos religiosos apresentam uma práxis fidedigna.
Antes de recuperarmos os conceitos da práxis é importante elucidar alguns
equívocos sobre a compreensão dos termos como, por exemplo: Teologia Prática; Teologia
Pastoral; Pastoral, e Práxis. Habitualmente, as leituras destes termos são feitas a partir do
senso comum de interpretação dos conceitos, e, quase sempre não os distinguem entre si,
criando uma confusão e limitando o uso dos termos e seu conteúdo científico na devida
construção dos conceitos. Luiz Longuini Neto nos apóia ao afirmar que �ao contrário do que
muita gente pensa, não são conceitos sinônimos243�. Geoval Jacinto da Silva questiona o uso
equivocado dos termos � Teologia Prática e Teologia Pastoral � como se fossem sinônimos
afirmando
De repente tudo é pastoral, tudo está ligado ao prático e, por falta de clareza de conteúdo, os dois termos perdem a riqueza semântica,
impossibilitando o crescimento do entendimento acadêmico244.
Para evitar esse conflito e tentar dirimir a pobreza que estes termos tem
sofrido com a indevida generalização de conceitos decide-se apresentar brevemente245 a
definição de cada um deles. Julio Tavares Zabatiero define a Teologia Prática como:
242 NETO, Jose L. J. de Mello; BONELLI, Marco Antonio Gusmão. A inculturação da fé no mundo dos jovens, p. 270. 243 LONGUINI NETO, Luiz. O novo rosto da missão: os movimentos ecumênico e evangelical no
protestantismo latino-americano, p. 50. 244 SILVA, Geoval Jacinto. Idéias fundamentais para o estudo de Teologia Prática, p. 199. 245 Não cabe aqui definir os conteúdos de cada termo, mesmo porque se tratam de raízes demasiadamente
complexas. Por isso, serão apresentadas apenas as definições que servirão de análise comparativa para a compreensão do leitor.
93
Um discurso crítico e construtivo sobre a ação humana, no mundo
presente, cuja finalidade é contribuir para o aperfeiçoamento da ação
cristã no mundo, em reposta crística � na energia do Espírito Santo � à
ação presente de Deus. Conseqüentemente, a reflexão teológico-prática se fundamenta no discernimento da ação de Deus, e se constrói
em diálogo � crítico e construtivo � com os discursos sobre a ação
não-cristã e ação anti-cristã no mundo. Sendo uma teologia da ação a partir do discernimento, o referencial teórico da Teologia Prática deve
ser uma teoria crítica e discursiva da ação.246
Para James Reaves Farris, a Teologia Prática compõe-se de três níveis: a)
suas tarefas fundamentais � ou seja, os fundamentos da teologia prática � enquanto teoria e
práxis (é um diálogo de mão dupla entre a teoria e a práxis da fé cristã); b) a metodologia �
como reflexão crítica e construtiva na orientação para a práxis da comunidade, usando a
Tradição e as Escrituras como chave hermenêutica; c) as esferas de ação � ou seja o diálogo
dialético que a teologia prática tem com as ciências teológicas e sociais247. A Teologia Prática
� segundo Geoval Silva � �não é operativa; ela é analítica e reflexiva248�.
Segundo Karl-Fritz Daiber a Teologia Prática, em diálogo com as outras
ciências sociais, pode desenvolver relevantes �teorias para a práxis da Igreja no mundo
atual249�. Um dos modelos contemporâneos da Teologia Prática propostos por Gert Otto é
desenvolvê-la como �teoria da prática religiosamente mediada na sociedade250�, onde �o
referencial da Teologia Prática é a religião do povo numa determinada sociedade251�, e para
Floristán, �a Teologia Prática é ciência teológica em relação à práxis252�. Estas definições
também nos auxiliam no desenvolvimento das teorias da práxis dialogando com as ciências
sociais.
A respeito da Teologia Pastoral, Geoval Silva afirma que nela está o
interesse de estudar a Teologia Pastoral na vida eclesial, e que, o objetivo que a Teologia
246 ZABATIERO. Apud, ROMEIRO, Paulo Rodrigues. Esperanças e decepções: uma análise da prática
pastoral do neopentecostalismo na Igreja Internacional da Graça de Deus sob a perspectiva da práxis religiosa, p. 187. 247 FARRIS, James Reaves. Teologia prática, cuidado pastoral e aconselhamento pastoral: um resumo da
história recente e suas conseqüências, pp. 11-17. 248 SILVA, Geoval Jacinto. Idéias fundamentais para o estudo de Teologia Prática, p. 201. 249 DAIBER. Apud, HOCH, Lothar Carlos. O lugar da teologia prática como disciplina teológica, p. 28. 250 OTTO. Apud, SCHNEIDER-HARPPRECHT, Christoph. Aspectos históricos e concepções contemporâneas
da Teologia Prática, p. 48. 251 OTTO. Apud, SCHNEIDER-HARPPRECHT, Christoph. Op. cit, p. 48. 252 FLORISTÁN, Casiano. Op. cit., p. 10. (Trad. livre do autor).
94
Pastoral tem em si é �o estudo das questões relacionadas com a vida e as ações da igreja253�.
Teologia Pastoral para Mihály Szentmártoni compreende:
A teologia pastoral pode ser definida como reflexão teológica sobre o conjunto das atividades com as quais a Igreja se realiza, com a finalidade de definir como essas atividades deveriam ser desenvolvidas, levando em consideração a natureza da Igreja, sua
situação atual e a do mundo254.
Conquanto Teologia Prática e Teologia Pastoral não sejam sinônimos entre
si � segundo Longuini Neto � �devem ser entendidas como complementares, tanto por
motivos históricos, metodológicos estratégicos ou pedagógicos, como por motivos
teológicos255�. De acordo com Rössler, a tendência protestante européia foi colocar a
Teologia Prática como a �ciência-mãe� e a Pastoral como um departamento dela256.
Sobre as definições de pastoral, apresenta-se um outro desafio. Dependendo
do contexto no qual esse termo aparece, tem um significado distinto257. Ronaldo Sathler-Rosa
afirma que �a ação pastoral, tanto em sua forma teórica como prática, visa, em essência, à
construção de pontes entre a religião e a vida258�. Afirma ainda que �a ação pastoral em
suas diversas modalidades e especializações é pertinente quando procura responder às
autênticas aspirações humanas por liberdade, auto-respeito e respeito pelos outros259�. Para
James Fowler �pastoral é a ação teórica e prática que procura colocar em operação260�.
Religião neste caso é vista como parte integrante da sociedade na qual está ligada à esfera de
compreensão do ser humano, ou da sua existência, de forma exteriorizada e objetivada por
uma ação concreta. Ainda com Sathler-Rosa, pastoral pode ser entendida como �um conjunto
integrado de ações que objetivam restaurar no ser humano o senso de sua própria dignidade,
253 SILVA, Geoval Jacinto. Idéias fundamentais para o estudo de Teologia Prática, p. 203. 254 SZENTMÁRTONI, Mihály. Introdução à teologia pastoral, p. 11. 255 LONGUINI NETO, Luiz. Op. cit., p. 50. 256 RÖSSLER. Apud, LONGUINI NETO, Luiz. Op. cit., p. 50. 257 Nos campo religioso do catolicismo romano o termo �pastoral� não tem significado semântico equivalente
ao termo �pastoral� no campo religioso protestante. Para compreender essa diferença, e por se tratar de um assunto amplo o leitor deve recorrer à: SILVA, Geoval Jacinto. Idéias fundamentais para o estudo de Teologia
Prática, pp. 204-208. 258 SATHLER-ROSA, Ronaldo. Cuidado Pastoral em Tempos de Insegurança: Uma Hermenêutica
Contemporânea, p. 55. 259 SATHLER-ROSA, Ronaldo. Ação pastoral em tempos pós-modernos: uma perspectiva brasileira, p. 98. 260 FOWLER. Apud, SATHLER-ROSA, Ronaldo. Aconselhamento pastoral e educação, p. 61.
95
derivada de sua criação à imagem e semelhança de Deus261�. O conceito de pastoral em
Orlando Costas é definido assim:
Pastoral é toda aquela ação que busca correlacionar o evangelho, ou a
fé cristã, com as situações concretizadas do viver diário, servindo de
ponte para a experiência (internalização, incorporação e atualização)
da fé na vida cotidiana. Sendo que a vida cotidiana assume diversas
formas, a pastoral será tão complicada como a própria vida. Por isso que, ao falar de pastoral, faz-se necessário precisar a classe de ação a
qual nos referimos262.
Para João Batista Libânio, �[...] a prática pastoral está em função da vida e
do crescimento da comunidade cristã, a Igreja, e a serviço de todos os homens, para que
vivam sua humanidade263�. O conceito remete à ação nas esferas religiosas (ou eclesiais) em
direção à sociedade. Embora os conceitos sugeridos remetam à proposta de ação
transformadora, deve-se salientar que a práxis não precisa obrigatoriamente ser ação a partir
das categorias ou esferas religiosas.
Sobre o termo práxis � em princípio � sugere o sentido de uma ação
humana, nascida a partir do ato do pensar, de sua interiorização � ou seja, da sua cosmovisão
� e exteriorizando em forma de ações concretas do agir humano em relação ao outro264. A
definição de práxis proposta por Clodovis Boff dá ênfase à práxis no âmbito sócio-político.
Para Boff, a práxis é uma ação mútua entre o fazer teoria e a sua prática, onde estas duas
categorias não se desvinculam uma da outra. A práxis deve ser compreendida � amplamente �
como toda atividade humana transformadora do mundo, lembrando-se que nela inclui sempre
sua teoria � o saber, suas razões, suas motivações, suas finalidades recomendando sua leitura
a parir de seu contexto histórico-cultural. Nesse caso: a América Latina. Clodovis Boff
resume sua idéia afirmando que �práxis é considerada como um conjunto de práticas visando
à transformação da Sociedade ou da própria História265�.
261 SATHLER-ROSA, Ronaldo. Aconselhamento pastoral e educação, p. 62. 262 COSTAS, Orlando. El protestantismo en America Latina hoy: ensayos del camino, p. 111. 263 LIBÂNIO, João Batista. O que é Pastoral, p. 82. 264 BOFF, Clodovis. Teologia e Prática: Teologia do Político e suas Mediações, p. 362. 265 BOFF, Clodovis. Op. cit, p. 44.
96
O conceito de práxis adotado como chave hermenêutica para este estudo de
caso encontra-se nos fundamentos da Teologia Prática e é emprestado do teórico266 Casiano
Floristán. Em sua obra, Floristán define os conceitos de práxis, onde propõe uma leitura a
partir do contexto latino-americano. Para construir sua teoria, Floristán utiliza o método
indutivo267 e afirma que sua análise tem como partida: as práxis como se apresentam, para
chegar à práxis ou às ações como devem ser268. As reflexões da teologia prática de Casiano
Floristán tiveram forte influência a partir da hermenêutica da Teologia da Libertação269.
Entretanto, aconteceram recentes mudanças na hermenêutica da Teologia da
Libertação que devem ser consideradas para se fazer as leituras pastorais do mundo moderno.
Sobre essas mudanças, Christoph Schneider-Harpprecht afirma:
Mudanças recentes na teologia da libertação, como a redescoberta do
indivíduo, a valorização do desejo e da afetividade na construção da
cidadania, a forte autocrítica após a queda do socialismo, a abertura
para a teoria de sistemas, as novas questões de globalização e
pluralismo religioso ainda não aparecem [na obra de Casiano
Floristán]. Essas tendências mudam a hermenêutica sócio-políticas da
Teologia Prática e devem ser trabalhadas270. [adição nossa] (sic).
3.1.1 Práxis Cristã?
O conceito de práxis em Casiano Floristán é feito a partir de aportes
marxistas271 (Marx se apropria do conceito de práxis, entendido como ação ou atividade
266 O leitor pode recorrer ao diálogo de alguns teóricos da Teologia Prática em: SCHNEIDER � HARPRECHT, Cristoph. Teologia prática no contexto da América Latina. São Leopoldo: Sinodal: ASTE, 1998. 267 Sobre o �Método Indutivo em Teologia Prática� o leitor deve recorrer à reflexão proposta em: FLORISTÁN,
Casiano. Teología Práctica � Teoría y Práxis de la acción pastoral, pp. 360-365. 268 FLORISTÁN, Casiano. Op. cit, p. 09. 269 Para conceituar �Teologia da Libertação� o leitor pode recorrer às seguintes obras: SHAULL, Richard. A
Reforma Protestante e a Teologia da Libertação. São Paulo: Pendão Real, 1993; SHAULL, Richard. De dentro
do furacão � Richard Shaull e os primórdios da Teologia da Libertação. São Paulo, Editora Sagarana, 1985; e,
MCKIM, Donald K. Grandes temas da Tradição Reformada. São Paulo; Pendão Real, 1998. BOFF, Leonardo;
BOFF, Clodovis. Como fazer Teologia da Libertação. Petrópolis: Vozes, 1999. CATAO, Francisco A. C. O que
é Teologia da Libertação. São Paulo: Brasiliense, 1985. GUTIERREZ, Gustavo Luiz. Teologia da Libertação:
perspectivas. Petrópolis: Vozes, 1976. Sobre o método hermenêutico da Teologia da Libertação: HOCH, Lothar Carlos. O lugar da teologia prática como disciplina teológica. In: SCHNEIDER-HARPPRECHT, Christoph (org). Teologia Prática no contexto da América Latina. São Leopoldo: Sinodal: ASTE, 1998. 270 SCHNEIDER-HARPPRECHT, Christoph. Aspectos históricos e concepções contemporâneas da Teologia
Prática, p. 57. 271 FLORISTÁN, Casiano. Op. cit, p. 173ss. Embora o desenvolvimento do pensamento moderno da práxis seja
marxista, sua origem se encontra na filosofia grega antiga. Por isso, para compreender o �Método da Práxis� que
Casiano Floristán utiliza e compreender outras teorias filosóficas da práxis é fundamental recorrer à obra de:
97
prática econômico-social com um efeito de transformação272) e de outras correntes
paradigmáticas existencialistas, afirmando que ela é mudança social e compromisso militante,
transformação de estruturas e atitude crítica, renovação do sistema social e emancipação
pessoal e social273. Entretanto, não existe uma práxis capaz de criar o homem novo e de
modificar a ação humana radicalmente em todas as esferas da vida274. De acordo com
Floristán �somente se dão práxis com efeitos parciais275�.
Ainda que o conceito de práxis em Floristán apresente algumas limitações �
mesmo porque ele usa também a lente hermenêutica da Teologia da Libertação para teorizar a
práxis � continua sendo o teórico que mais habilita a leitura crítica das práticas das Igrejas,
pois, utiliza como paradigma o fundamento da práxis a partir da narrativa neotestamentária
das práticas de Jesus Cristo276, das diretrizes do Reino de Deus presentes no mundo277 e de
modo geral das Sagradas Escrituras278. Segundo Floristán, �entender a vida cristã como um
agir segundo o evangelho significa aceitar a práxis como categoria central279�.
Alguns teóricos sustentam que não existe essencialmente uma práxis cristã,
mesmo que, quem as executem sejam cristãos engajados e comprometidos com a luta de
libertação. Existe um paradoxo neste caso. Nos aportes da filosofia da práxis nega-se a
existência de um modelo especificamente cristão de sociedade e da práxis. Por outro lado, os
cristãos mantêm que a fé dá a sua contribuição na construção de uma sociedade
qualitativamente distinta. Mas, o que define a identidade do cristão se não é uma práxis? Mas
para Floristán, o crente, enquanto homem que crê, �não pode aceitar uma práxis fora de sua
fé nem há de exigir que o não crente necessite de uma fé para sua práxis280�.
Por isso Floristán opta em definir que a práxis cristã é aquela que em
determinados períodos históricos pôde ser caracterizada por ações realizadas propriamente
pelas práxis dos cristãos, por estarem relacionados com os símbolos da tradição cristã, pois,
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da Práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. (principalmente às páginas
245-295). 272 FLORISTÁN, Casiano. Op. cit., p. 176. (Trad. livre do autor). 273 Idem. Ibidem, p. 180. 274 Idem. Ibidem, pp. 180-181. 275 Idem. Ibidem, p. 180. 276 Idem. Ibidem, p. 10. 277 Idem. Ibidem, p. 173. 278 Idem. Ibidem, p. 122; 359. 279 Idem. Ibidem, p. 173. 280FLORISTÁN, Casiano. Op. cit., p. 194. (Trad. livre do autor).
98
em outros casos a práxis se relacionava também com a racionalidade ou o humanismo de
outras tradições281. Na realidade, não há uma práxis essencialmente cristã, mas os cristãos, a
partir dos conteúdos do evangelho de Cristo têm marcas distintas a oferecer frente a qualquer
outra práxis humana282.
3.1.2 Dimensões da práxis
Das marcas distintas que o evangelho também traz em sua práxis, Casiano
Floristán aponta para quatro dimensões da práxis e suas características fundamentais,
lembrando que a �atividade humana é a ação consciente sobre um objeto, com um projeto ou
resultado ideal e que conclui com um resultado real283�. São elas:
a) a práxis é uma ação criadora284, ou seja, é necessário um certo grau de
consciência crítica e criatividade, onde não basta repetir ou imitar o resultado, mas que seja
inovadora frente às novas realidade ou situações. Sobre a práxis criadora encontramos acordo
com Vázquez afirmando que �o homem é o ser que tem de estar inventando ou criando
constantemente novas soluções285�. Continua Vázquez:
Uma vez encontrada uma solução, não lhe basta repetir ou imitar o
que ficou resolvido; em primeiro lugar, porque ele mesmo cria novas necessidades que invalidam as soluções encontradas e, em segundo
lugar, porque a própria vida, com suas novas exigências, se encarrega
de invalidá-las286.
b) a práxis é uma ação reflexiva287, não se limita a um grau espontâneo de
prática. É preciso um alto grau de reflexão superando a espontaneidade das ações, ou seja, é
necessário ser crítico nas decisões a tomar, por isso, certas decisões não são tão rápidas ou tão
radicais quanto alguns queiram. Não basta agir nos níveis de espontaneidade. É preciso que a
práxis tenha alto nível de consciência. A respeito dessa práxis reflexiva de elevado nível de
consciência Vázquez afirma:
281 Idem. Ibidem, p. 193. 282 Idem. Ibidem, pp. 193-194. 283 Idem. Ibidem, p. 181. 284 Idem. Ibidem, p. 180. 285 VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Op. cit., p. 247. 286 Idem. Ibidem, p. 247. 287 FLORISTÁN, Casiano. Op. cit., p. 180. (Trad. livre do autor).
99
[...] reside precisamente na possibilidade de elevar-se a um nível de
consciência [...] que lhe permite captar-se a si mesmo em sua missão
histórico-social e, com isso, orientar, nos limites de determinadas condições objetivas, sua própria ação; isto é, passar de uma práxis
cega, espontânea, a uma práxis revolucionária reflexiva, ou
transformação consciente da sociedade288.
c) é também a práxis uma ação libertadora289 e de nenhum modo alienante,
onde o resultado desta seja uma nova realidade de um mundo mais livre e mais humano. Os
seres humanos submetidos às situações de injustiça ou subjugados por quaisquer níveis de
estruturas opressoras e alienantes são objetos dessa ação libertadora; e finalmente,
d) a práxis é uma ação radical290
e não meramente reformista. É radical
porque intenta e se assenta em transformar na raiz as bases dominantes para construir uma
sociedade nova e transformada. Neste caso, Vázquez afirma que a práxis deve ser
revolucionária291.
Casiano Floristán propõe um critério metodológico para a Teologia Prática,
de maneira que esse método sirva para a instrumentalização da leitura e interpretação dos
fatos religiosos cotidianos numa perspectiva hermenêutica cristã. Nesse caso as práticas
religiosas da IBDNC serão interpretadas pelo princípio hermenêutico, onde analisa e
interpreta a realidade humana sob alguns aspectos292: a) interpretar a situação humana dentro
do seu contexto vivencial; b) analisar a realidade, a partir da tradição cristã; e c) o entender a
cosmovisão do ser humano a partir da sua realidade cristã. Este método muito se aproxima da
perspectiva de Teologia da Libertação onde o método proposto era o �ver-julgar-agir�. Sobre
esse método, Lothar Carlos Hoch comenta:
O ver corresponde à mediação sócio-analítica e visa a percepção da
realidade de opressão no contexto concreto. O julgar corresponde à
mediação hermenêutica e coloca a realidade percebida à luz do
evangelho, refletindo sobre a dimensão profética da mensagem cristã e
buscando critérios para transformar a realidade. O agir: vê a
288 VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Op. cit., p. 294. 289 FLORISTÁN, Casiano. Op. cit., p. 180. (Trad. livre do autor). 290 Idem. Ibidem, p. 180. (Trad. livre do autor). 291 VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Op. cit., pp. 286-288. 292 FLORISTÁN, Casiano. Op. Cit., pp. 199-200.
100
transformação concreta da realidade, correspondendo à pragmática da
teologia da libertação293.
Portanto, é a partir da chave de leitura e dos conceitos oferecidos por
Casiano Floristán que esta dissertação se propões a interpretar e analisar as práticas da Igreja
Bola de Neve Church.
3.2 Crítica das práticas da Igreja Bola de Neve Church a partir das dimensões da teoria
da práxis em Casiano Floristán
Tendo conceituado Teologia Prática, Teologia Pastoral, pastoral e práxis, e
recuperando os fundamentos teórico-científicos da práxis a partir do teórico Casiano
Floristán, serão usado como chave de leitura as dimensões da práxis sugeridas, propondo-se
utilizar os resultados da tabulação do questionário aplicado nas visitas à Igreja Bola de Neve
Church para fomentar as interpretações e críticas das práticas desta comunidade religiosa.
3.2.1 Transito Religioso dos fiéis da Igreja Bola de Neve Church
A religião294 tem se tornado para alguns a proposta de um mercado
consumidor e oferta de bens de consumo. Os religiosos contemporâneos estão cada vez mais
buscando a melhor religião que se venha se adequar à sua preferência consumidora295. Uma
das metáforas mais comumente empregadas para aludir as características fluidas desse
renascimento religioso contemporâneo é a idéia de �mercado�. Através dessa idéia busca-se
valorizar um processo de livre-escolha, não determinado seja pela �tradição cultural� na qual
os indivíduos se encontram, como foi comum durante séculos herdar as tradições religiosas.
Mercado religioso significa, nesse caso, uma ênfase num certo desenraizamento cultural-
religioso que permitiria às pessoas escolherem os bens culturais e religiosos que melhor lhes
convém consumir. Religião não mais como herança, mas como opção de escolha.
293 HOCH, Lothar Carlos. O lugar da teologia prática como disciplina teológica, p. 67. 294 Para recuperar o conceito de religião o leitor deve recorrer ao primeiro capítulo da dissertação. 295 CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, templo e mercado. Petrópolis, São Paulo, São Bernardo do Campo:
Vozes, Simpósio e Umesp, 1997. Leonildo Silveira Campos trata dessa questão do �mercado religioso� em sua obra, ao qual o leitor pode recorrer para compreender melhor o conceito de �mercado religioso consumidor�.
101
Assim, os indivíduos ingressam neste mercado como resultado de uma
busca pessoal, onde suas escolhas e adesões são defendidas por seus direitos individuais - seus
direitos de consumidor no mercado religioso. Ao que tudo indica, esses que transitam pelas
diversas religiões com sua significativa mobilidade aparentemente encontram diversas
respostas às problemáticas de sentido e pertinência definidas como improcedentes na esfera
pública.
Dessa forma, a privatização da religião explica a multiplicação e a
pluralização da vida religiosa moderna implicada na emergência de novos tipos de
religiosidade. Para a satisfação de suas vontades eles não se limitam a estabelecer vínculos
institucionais, e as próprias Igrejas tradicionais vêm sentindo os desdobramento desse
fenômeno. Para Enrique Rojas, a vulnerabilidade e instabilidade são características do homem
moderno, e esse homem:
Foi ficando cada vez mais indefeso; por isso foi caindo numa certa vulnerabilidade. Desse modo, é mais fácil manipulá-lo, levá-lo daqui para ali, mas tudo sem muita paixão. Muitas concessões foram feitas
sobre questões essenciais, e os desafios e esforços já não indicam a
formação de um indivíduo mais humano, culto e espiritual, mas sim
voltado para a busca do prazer e do bem estar a qualquer custo, além
do dinheiro296.
A maior parte dos fiéis da IBDNC está transitando por diversas religiões e
igrejas buscando a satisfação para sua espiritualidade297 como alguém que faz uma pesquisa
de mercado para obter o melhor produto a ser consumido.
A questão número 04 do questionário aplicado perguntou se os participantes
da IBDNC já tiveram algum contato com outras Igrejas ou religiões antes de tornarem-se
adeptos da Igreja. Em sua maioria � 67% � já haviam passado por uma igreja ou tiveram
contato com alguma religião. As igrejas mencionadas foram: Assembléia de Deus (4); Igreja
do Evangelho Quadrangular (5); Igreja Presbiteriana (6); Igreja Bíblica Evangélica da
Comunhão (1); Igreja Batista (3); Igreja Católica Apostólica Romana (6); Comunidade da
Graça (1); Comunidade Peniel (1); Comunidade Fé em Ação (1); Comunidade Paz e Vida (1);
Espírita (2); Igreja Renascer em Cristo (8); Internacional da Graça de Deus (1); Congregação
296 ROJAS, Enrique. O homem moderno: a luta contra o vazio, p. 16. 297 O tema espiritualidade será abordado em momento posterior.
102
Cristã no Brasil (1); Bíblica da Paz (1); Ministério Castelo Forte (1). Apenas 23% não
participavam de outra religião.
Gráfico 05 � Participava de outra religião
A questão número 03 do questionário aplicado perguntou há quanto tempo
os jovens participavam da IBDNC. A tabulação mostrou o seguinte resultado: 27% eram
visitantes e pertenciam a diversas igrejas e denominações como: Igreja Assembléia de Deus
(3); Igreja Batista (03); Igreja Católica Apostólica Romana (05); Igreja Católica Canção
Nova; Comunidade Evangélica A Videira; Espírita (2); Igreja Presbiteriana Independente;
Igreja Evangelho Quadrangular; Igreja Metodista; Comunidade Peniel; Comunidade
Evangélica Tanque de Siloé; Igreja Renascer em Cristo (4).
O gráfico 07 mostra que, dos entrevistados na Bola de Neve apenas 01%
freqüentava desde sua fundação, e 08% participa de 13 meses a 02 anos. Visto que a Igreja
existe há 06 anos o número de fiéis tradicionais ao surgimento do fenômeno é
expressivamente insignificante. Isso demonstra que sua membresia é flutuante e emergente
onde sua permanência não ultrapassa em dois anos.
103
Gráfico 06 � Tempo que participa da Igreja Bola de Neve Church
Esses membros que transitam em busca dos bens religiosos de consumo
sempre estão encontrando novos produtos em novos movimentos. Por isso não são fiéis
adeptos, nem tem intenção de ser agregar à instituição na medida em que ela se
institucionalize.
A maioria dos jovens que participam da Bola de Neve � 38% � geralmente
participam duas vezes por semana dos trabalhos ofertados. O questionário mostrou também
que 29% participa apenas uma vez por semana e que um quarto dos entrevistados (25%) são
apenas visitantes, conforme o gráfico a seguir.
Gráfico 07 � Freqüência semanal das atividades da Igreja Bola de Neve Church
Às vezes esses produtos oferecidos no mercado religioso saem
demasiadamente caros para o consumidor obrigando-os a deslocarem-se grandes distâncias
para participar dos cultos e eventos, a adquirir bens religiosos simbólicos que são vendidos
104
nessas igrejas, mas, não constrange o fiel a assumir vínculos e responsabilidade que o
�prendam� a uma instituição ou que assumam uma responsabilidade de resposta efetiva diante
do evangelho transformador e radical. A tabulação do questionário mostrou que 14% dos
entrevistados estavam insatisfeitos com sua religião de origem porque elas �não atendiam
suas necessidades298�, ou seja, o mercado consumidor não se contentava com a oferta do
produto.
Gráfico 08 � O que pensam das outras religiões
O gráfico 08 traz também uma informação muito significativa. A grande
maioria dos entrevistados � 60% � ao responderem que as demais religiões �são boas, pois
também falam de Deus�, demonstram que não têm construído um ideário religioso que diz
respeito a um modelo doutrinário ou teológico solidamente construídos.
Eliane Hojaij Gouveia aproxima as afirmações da fluidez religiosa com o
modelo da construção de tribos afirmando:
A aventura, a errância o chamado �nomadismo espiritual� torna-se símbolo do novo mundo em constante construção, em constante
gestação, além disso, errância e aventura apresentam-se como pólo
central de qualquer tipo de estrutura social, tribal ou comunitária299.
O fator do trânsito religioso foi possível constatar a partir da análise do
questionário � da questão número quatro onde se perguntava aos participantes se �participava
de outra religião antes?� � permitindo afirmar que a membresia da IBDNC é uma �membresia
298 Ver gráfico: 09. 299 GOUVEIA, Eliane Hojaij. Apontamentos sobre novos movimentos religiosos, p. 154.
105
flutuante�, ou seja, seus adeptos são fiéis � se é que assim podem ser chamados � que
transitam pelas religiões com certa mobilidade. A significativa maioria dos entrevistados, ou
seja, 67%, já havia passado por alguma religião ou Igreja antes, sendo que alguns deles foram
membros de Igrejas históricas por muitos anos, e no decorrer desses últimos passaram por
algumas Igrejas, ou nos últimos anos trocaram de religião, atraídos pela oferta religiosa que a
IBDNC oferece. Sandra Duarte explica o fenômeno do trânsito religioso da seguinte maneira:
No Brasil, como em outras partes do mundo, o fiel já não é mais tão
fiel assim à sua religião, ele transita em diversas expressões religiosas.
O perfil religioso do homem e da mulher contemporâneos pode ser
altamente cambiante, favorecendo um aspecto religioso num determinado momento, e outro logo depois... A idéia de �trânsito
religioso� admite o �passeio� por diversas religiões (mesmo, em
alguns casos, havendo predileção por uma ou outra), não demanda
mudanças intestinais na forma de vida dos �transeuntes� e dispensa ou
atenua o compromisso com uma instituição específica. Isso pode ser
melhor verificado entre aqueles que, apesar de admitirem uma pertença religiosa, transitam e se apropriam dos mais variados
aspectos simbólicos os mais diversos. Não que isso não acontecesse
anteriormente, mas estamos falando de uma intensificação disso300.
Bem parece que Guerriero caminha na mesma mão de direção ao afirmar
que:
A secularização possibilitou o avanço do pluralismo e do trânsito
religioso, uma vez que não havendo amarras das instituições
religiosas, o indivíduo pode manipular os bens simbólicos construindo
seus arranjos religiosos sem medo de quebrar o eixo central onde está
apoiado301.
É conveniente ressaltar que ao analisar algumas entrevistas foi possível
perceber esse fenômeno do trânsito religioso a partir das respostas, dos seguintes exemplos: a)
uma jovem302, acima de 31 anos, participa da IBDNC entre 01-06 meses, foi membro da
Igreja Assembléia de Deus (uma Igreja pentecostal histórica), dá maior valor à musica,
participa duas vezes por semana das atividades da Bola de Neve, não se considera parte de
uma tribo urbana, e aceita todas as religiões �desde que obedeçam à Bíblia� (sic). Dentre
outras interpretações, o questionário revela um desapego ao denominacionalismo e à
300 SOUZA, Sandra Duarte de. Trânsito Religioso e construções simbólicas temporárias: uma bricolagem
contínua. pp. 164-165. 301 GUERRIERO, Silas. Op. cit., p. 168. 302 Ver anexo: 02. Questionário número 56
106
instituição religiosa transitando facilmente pelas ofertas religiosas com pouco critério de
escolha.
Outro caso mostra o trânsito religioso: b) um jovem303, acima de 31 anos,
participa da IBDNC mais de dois anos, transitou pela Igreja Presbiteriana (protestante
histórico) e pela Igreja Renascer em Cristo (neopentecostalista) tendo sua experiência
religiosa na última denominação durante seis anos, dá maior valor à música/louvor, participa
com a freqüência de 03 vezes por semana, não se considera parte de uma tribo urbana e acha
que as demais igrejas também são boas, pois, falam de Deus.
Um terceiro caso colhido com os questionários mostra: c) uma jovem304,
com idade entre 15-19 anos, participa da IBDNC entre 13 meses � 02 anos, já foi da Igreja
Católica Apostólica Romana (religião brasileira dominante), foi também espírita, tem uma
freqüência de 05 vezes por semana nas atividades da IBDNC, deu maior valor de escolha a
pregação/palavra, considera-se parte de uma tribo dos surfistas e skatistas, considera sobre as
outras igrejas: �se todas seguem a Bíblia e tem com alvo Jesus são ótimas�.
Os três casos mencionados têm algo em comum: ficaram sabendo da Igreja
Bola de Neve Church através dos amigos. É interessante notar, que, ainda que a Igreja tenha
ganhado visibilidade nos diversos segmentos midiáticos, a propaganda �corpo-a-corpo� é a
que mais consegue trazer visitantes para conhecer a Igreja. É o que o gráfico a seguir revela.
Gráfico 09 � Como ficou sabendo da Igreja Bola de Neve Church
303 Ver anexo: 03. Questionário número 15. 304 Ver anexo: 04. Questionário número 21.
107
Sem perder de vista a questão do fenômeno do trânsito religioso, Paulo
Romeiro tem uma explicação:
O próprio neopentecostalismo alimenta o trânsito religioso. A maioria
das igrejas neopentecostais não tem um rol de membros, não há
prestação de contas à igreja, tanto das questões financeiras quanto
morais, e a distância entre o pastor e a ovelha é uma constante. O
pastor neopentecostal fala da televisão, vive no avião e quando está na
Igreja seu espaço é o púlpito. Não há qualquer contato com o
público305.
A descrição de Paulo Romeiro em sua pesquisa306 sobre a Igreja
Internacional da Graça de Deus, neste ponto muito se assemelha à realidade do estudo de caso
da IBDNC apresentado nessa dissertação. Em primeiro lugar, a Igreja Bola de Neve Church
não possui um registro permanente de membros nem acesso às corriqueiras informações sobre
esses fiéis, nem sequer como obter contato com eles, por exemplo. De acordo com R.L.E.307,
um ex-fiel da IBDNC, �apenas os membros com �potencial de liderança� (sic) têm seus dados
registrados pelos líderes da Igreja, bem como aqueles que têm algum destaque nos meios de
comunicação da mídia ou que pertençam a um elevado nível sócio-econômico�.
De igual maneira a Igreja não tem nenhuma reunião dos fiéis ou assembléia
para divulgar qualquer movimento financeiro aos fiéis. Todos os relatórios de movimentações
financeiras estão restritas ao pastor e alguns de seus liderados diretos. Entretanto, essas
questões não parecem afetar a membresia nem um pouco. O que eles realmente reivindicam é
a acessibilidade ao pastor, pois, �o pastor Rinaldo é quase inacessível (sic), e sua presença
tem se restringido ultimamente no púlpito� � disse um jovem. Por exemplo: para conseguir
algum encontro com ele com a finalidade de tratar de assuntos de ordem pessoal, apoio
pastoral ou questões de fé é preciso marcar um horário em sua agenda � �não para os
membros mais ricos, pois, para estes o pastor consegue tempo para freqüentar suas casas,
tempo para celebrar festas de aniversário, noivados e jantares (sic)� � afirmou R.L.E.308. Em
alguns casos, quando o assunto demandava urgência foi preciso buscar auxílio de outro líder
ou obreiro da Igreja, porque, para ser atendido pelo pastor Rinaldo havia uma �carência�
305 ROMEIRO, Paulo Rodrigues. Esperanças e decepções: uma análise da prática pastoral do
neopentecostalismo na Igreja Internacional da Graça de Deus sob a perspectiva da práxis religiosa, p. 185. 306 ROMEIRO, Paulo Rodrigues. Esperanças e decepções: uma análise da prática pastoral do
neopentecostalismo na Igreja Internacional da Graça de Deus sob a perspectiva da práxis religiosa. Tese � Universidade Metodista de São Paulo, Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião. Orientação: Geoval Jacinto
da Silva. São Bernardo do Campo, 2004. 307 O nome do ex-fiel da IBDNC foi preservado para manter sua integridade. 308 O nome do ex-fiel da IBDNC foi preservado para manter sua integridade.
108
mínima de trinta dias ou mais. Um dos motivos que tem afastado o pastor do contato pessoal
com os membros e ausentado severamente de seus compromissos com a Igreja local são as
inúmeras viagens para inaugurar novas igrejas e projetos missionários.
3.2.2 Liturgia da Igreja Bola de Neve Church
Nas dimensões da teoria da práxis proposta por Casiano Floristán contempla
o campo de estudo da ação pastoral e as proposições de uma comunidade litúrgica. Floristán
afirma que ser comunidade de fé obriga pensar que a Igreja não pode �ilhar� Bíblia e liturgia
da realidade social e da função da Igreja no mundo309, essa percepção o leva a afirmar que
alguns movimentos neoconservadores meramente kerigmáticos ou carismáticos perderam seu
caráter genuinamente cristão310. Para Buyst:
Celebrar a liturgia é fazer memória do mistério pascal da paixão,
morte, ressurreição e gloriosa ascensão de Jesus Cristo, lendo ao
mesmo tempo o livro da Bíblia e o livro da vida311.
A ação litúrgica deve ser uma ação objetiva da fé crista. Diz-se que deve ser
objetiva porque esta ação é pensada, lógica, programada, percebida e não meramente
mecanizada, ou uma prática que não tenha em si mensagem referencial, é a práxis litúrgica.
Geoval Jacinto Silva diz:
Quando falamos em �liturgia cristã� estamos nos referindo a um
conjunto de celebrações que foi nascendo nas comunidades cristãs ao
longo da história e que expressam fé, as convicções, a maneira de
compreender a vida, a maneira de os discípulos de Jesus se
relacionarem com o transcendente, o divino312.
As comunidades de fé necessitam compreender o significado, o valor e os
princípios cristãos das celebrações litúrgicas. Jaci Correa Maraschin afirma que a liturgia é a
reunião do povo de Deus que celebra os atos de libertadores de Deus, mas, além de celebrar
anuncia essa libertação ao mundo313. Essas libertações são dos medos, das vidas rotineiras, de
seus preconceitos, da religiosidade vazia, liberta da ignorância, liberta do individualismo e faz
309 FLORISTÁN, Casiano. Op. cit., p. 546. (Trad. livre do autor). 310 Idem. Ibidem, p. 546. 311 BUYST, Ione. Como estudar liturgia: princípios de ciência litúrgica, p. 17. 312 SILVA, Geoval Jacinto da. A inter-relação histórica e teológica da literatura judaica..., p. 159. 313 MARASCHIN, Jaci C. A beleza da santidade � ensaios de liturgia, p. 133.
109
enxergar o outro. Maraschin atesta que �as comunidades litúrgicas não são outras senão as
mesmas comunidades sociais e políticas que carregam para o interior da Igreja as indagações e as
inquietudes vividas no cotidiano314�.
Dois momentos litúrgicos são apontados por Ione Buyst. O primeiro
momento apresenta uma �união vital entre fé, vida e liturgia315� experimentando o processo
participativo e comunitário que se caracterizam pela ligação intrínseca entre celebração e
vida316. O outro momento é caracterizado pelo extremo oposto, �a liturgia parece como
momento de satisfação da religiosidade individual, intimista e devocional, ao lado de outras
manifestações religiosas317�.
O cenário religioso brasileiro experimenta estes dois momentos. Algumas
comunidades de fé sabem vivenciar o primeiro momento sugerido, com muita criatividade e
sobriedade e inserção na vida social da igreja e do povo. Outras comunidades internalizam o
segundo momento e faz dele seu paradigma litúrgico com anomalia cristã verificável.
Algumas dessas comunidades que optam pela experiência intimista e de satisfação individual
são aquelas que geralmente alienam-se às questões sociais e políticas e de relacionamentos até
mesmo entre a própria membresia.
Liturgia acontece na reunião daqueles que querem contemplar a beleza da
santidade. É no culto cristão que se faz liturgia, e �culto cristão é filho do casamento entre
palavra e ação318�. Liturgia é verbo declinado pelo povo de Deus. Este fazer litúrgico
envolve � ao menos deveria envolver � participativamente toda comunidade. Buyst afirma
que a liturgia �é realizada por uma comunidade de pessoas reunidas pela fé em Jesus Cristo no
Espírito Santo, enquanto povo sacerdotal, chamado a colaborar com Deus na salvação da
humanidade319�.
A celebração da liturgia cristã deve se apropriar de elementos presentes na
cultura, na vida da comunidade, no dia a dia. Anscar Chupungco afirma que durante séculos a
igreja vem assimilando componentes da cultura e introduzindo na sua liturgia, encarnando o
314 MARASCHIN, Jaci C. A beleza da santidade � ensaios de liturgia, p. 162. 315 BUYST, Ione. Como estudar liturgia: princípios de ciência litúrgica, p. 10. 316 Idem. Ibidem, p. 10. 317 Idem. Ibidem, p. 10. 318 MARASCHIN, Jaci C. É no corpo que somos espírito. p. 111. 319 BUYST, Ione. Como estudar liturgia: princípios de ciência litúrgica, p. 17.
110
evangelho na vida e história dos povos320. Chupungco afirma que os males da inculturação da
liturgia são a incapacidade de reconhecer o fato de que os ritos litúrgicos estão revestidos de
uma roupagem cultural e que não há liturgia que se celebre no vazio cultural321.
Maraschin aponta para alguns aspectos importantes do fazer litúrgico e seus
usos sugerindo uma reflexão litúrgica322: a) liturgia é memória e saudades
323 � a experiência
da comunidade cristã com o evento misterioso do Cristo, leva a comunidade de fé a relembrar
e desejar que esta experiência fosse repetida; b) a liturgia é manipulação das ausências324 � a
liturgia buscava transformar lembrança (Anamnesis) em repetições do evento fundante; c)
liturgia é propaganda e marketing325 � os cristãos saem em missão de propagar a sua fé, e
muitas vezes fizeram esse marketing usando teatro, arena, coro, tribuna de debates entre
outros instrumentos de propaganda da fé; d) a liturgia é racionalidade salvadora326 � a liturgia
precisa ser entendida, racional, inteligível. Contudo esse aspecto da liturgia racional sempre
esteve em atrito com o caráter misterioso e místico das celebrações.
Para Maraschin, algumas comunidades não remetem à mensagem litúrgica e
libertadora de Jesus Cristo, outrossim:
São assembléias desprovidas da verdadeira memória da libertação
efetuada por Deus junto ao seu povo, no passado, e sem qualquer possibilidade de crítica às estruturas do mundo presente. 327
Liturgia não é meramente palavra, embora tenha sido �muito mais palavra
do que ação328�. Por isso, Maraschin propõe uma liturgia no corpo. Diz: �a liturgia é ação
dos filhos de Deus que se apresentam diante dele com seus corpos. É no corpo � e só por
meio deles � que somos espírito329�. isso significa romper com as lógicas filosóficas �
herdada de correntes filosóficas gregas � e experimentar o fazer litúrgico sem dicotomias que
320 CHUPUNGCO, Anscar J. La Liturgia y los componentes de la cultura. p. 197. 321 Idem. Ibidem, p. 197. 322 MARASCHIN, Jaci C. Meia hora de silêncio: liturgia na pós-modernidade. Textos não publicados. Material
oferecido pelo docente no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UMESP, sob a disciplina
Religião e Estética. 1º Semestre de 2005. Neste material, o Prof. Maraschin sugere o uso da liturgia �além dos
usos�. 323 MARASCHIN, Jaci C. Meia hora de silêncio: liturgia na pós-modernidade, p. 01. 324 Idem. Ibidem, p. 04. 325 Idem. Ibidem, p. 07. 326 Idem. Ibidem, p. 10. 327 MARASCHIN, Jaci C. A beleza da santidade � ensaios de liturgia, p. 133. 328 MARASCHIN, Jaci C. É no corpo que somos espírito, p. 111. 329 MARASCHIN, Jaci C. A beleza da santidade � ensaios de liturgia, p. 136.
111
separam corpo e espírito. Esse é um valor que a liturgia deve trazer consigo. A valorização da
corporeidade. Deve-se aprender a contentar-se com a �experiência misteriosa do êxtase que
sempre é místico e corpóreo330�.
Assim sendo, liturgia não pode ser realizada primeiramente no �plano
espiritual�, ascética. Deve ser o encontro festivo do povo de Deus, numa celebração de
alegria, com ritos, símbolos, danças, e brados, pois há celebração da vitória de Cristo, que
deve ser lembrada, suas experiências repetidas, fazer propaganda desta fé, trazer mensagem
em seus atos e ser experimentada no êxtase do culto, sendo que este momento extático �não
precisa de nenhuma explicação racional para existir331�.
Ao estudar liturgia faz-se necessário examinar as relações binomiais entre
palavra e rito, fé e sacramento, evangelização e celebração. Não se pode celebrar apenas em
torno da Palavra sem os ritos litúrgicos. Essa prática seria um caminhar claudicante e
incompleto. O fazer litúrgico demanda esforços, estudo e dedicação �celebrar liturgia é uma
arte. E como tal, só se aprende fazendo: preparando, celebrando, avaliando332�. Isso
consome tempo, e provavelmente não seja muito atrativo para quem está preocupado em
promover o espetáculo e o entretenimento. Sobre a liturgia pentecostalista Paulo Romeiro
aponta:
O burburinho cresce, os alto-falantes chegam aos últimos assentos
como eco de uma trovoada. Talvez o visitante ao convertido (sic) não
tivesse nenhuma voz, mas agora tem muitas, canta, geme, grita, gesticula, fala em línguas � num êxtase que apenas pode estar
começando. No ritmo alucinante a palavra é multiplicada por
centenas, milhares de bocas. O vocabulário é pobre, com freqüência, a
gramática é incorreta, mas a força da palavra está na resposta imediata
às aflições do cotidiano: saúde, prosperidade, trabalho, solução de
problemas familiares; enfim, libertação do vício, do pecado; enfim,
uma vida exemplar, o domínio sobre o demônio, a certeza da salvação
total.333
Grandes mudanças ocorreram na liturgia com o advento do pentecostalismo,
principalmente com o neopentecostalismo e Movimentos Religiosos Emergentes.
Aparentemente essas igrejas deixam de lado os ritos litúrgicos propositalmente. O espaço que
330 MARASCHIN, Jaci C. A impossibilidade da expressão do sagrado, p. 38. 331 Idem. Ibidem, p, p. 38. 332 BUYST, Ione. Pesquisa em Liturgia � relato e análise de uma experiência, p. 5. 333 CÉSAR e SHAULL. Apud, ROMEIRO, Paulo Rodrigues. Op. cit., pp. 74-75.
112
antes era de íntima devoção, contrição e reflexão, agora, torna-se espaço de encontro com os
amigos, lugar de conversa informal, de privatização e �intimização� da espiritualidade. O
ambiente é apenas um espaço e não mais um lugar, onde, troca-se os endereços dos templos
com grande mobilidade e facilidade sem que se tenham criado história, raízes e afeição ao
lugar.
Os hinos tradicionais com conteúdo teológico e mensagens da experiência
da vida cristã perdem espaço para os cânticos e corinhos � chamados de �louvorzão� � com
entonação à guerra, à batalha espiritual e à espiritualidade vertical. Os hinários e cadernos de
cânticos dão lugar ao retroprojetor tornando o ambiente parecido com um karaokê. Um
momento muito valorizado na IBDNC é o momento dos testemunhos334. Os líderes não abrem
mão desse espaço. É feita uma espécie de �triagem�, e, os �melhores� testemunhos sempre
são selecionados para serem contados com maior antecedência possível. Sobre esses
momentos de testemunho nas comunidades neopentecostais, Paulo Romeiro diz:
Os testemunhos são uma constante nos cultos. Os novos adeptos ou os
adeptos em potencial são encorajados a permanecer no sistema, pois outros com adversidades semelhantes às suas já não sofrem mais.
Foram libertos do alcoolismo, curados de diversas enfermidades, conseguiram um bom emprego, o cônjuge retornou ao lar, a casa
própria foi conquistada na campanha das �Sete semanas da vitória�,
enquanto que uma causa na justiça foi resolvida através da �vigília das
causas perdidas�. Há também aqueles que estavam no �fundo do
poço� e �deram a volta por cima�. Num clima de tanta euforia,
celebração e comemoração pelas bênçãos alcançadas, o novo adepto
não tem dificuldade de se adaptar, pois, pelo que foi prometido, ele
tem muito a ganhar.335
A indumentária dos celebrantes e dirigentes é totalmente desprovida de
símbolos cristãos e significados, ainda mais no caso da Igreja Bola de Neve Church onde o
pastor assume o púlpito trajando jeans, camiseta e tênis. Para Sumio Takatsu �a liturgia inclui
visão, isto é, o uso das cores, das vestes simbólicas, a disposição do espaço onde ocorre a
liturgia336�.
334 Para não ficar repetitivo o leitor pode recorrer a alguns detalhes do segundo capítulo que aborda no item
�ordem de culto�. 335 ROMEIRO, Paulo Rodrigues. Op. cit., p. 73. 336 TAKATSU, Sumio. Liturgia cristã: superação do culto, p. 155.
113
No interregno das visitas na Igreja Bola de Neve Church foi possível
observar que há uma grande carência de uma práxis litúrgica nesta comunidade a partir dos
apontamentos teórico-científicos elaborados anteriormente. Não apenas de celebração
litúrgica, mas, também de ciência e consciência litúrgica. Nos diálogos estabelecidos com
alguns fiéis a maioria deles não sabia o que significava liturgia e não gostava desse termo
porque dava a entender que �uma igreja com liturgia é muito parada� (sic).
A propósito, foi escolhido participar na IBDNC � com o intuito de averiguar
como a Igreja trata das datas litúrgicas � de um culto que tem no calendário litúrgico cristão
um valor, símbolo e significado muito alegórico e importante. No Domingo, 09 de Abril de
2006 � nessa ocasião, certamente cristãos do mundo inteiro celebravam o �Domingo de
Ramos e da Paixão337� �, entretanto na Igreja Bola de Neve Church, nenhum comentário,
nenhuma alusão, nenhum cântico ou pregação, leitura bíblica, cores e símbolos litúrgicos ou
qualquer outra referência foi feita em rememoração ao �Domingo de Ramos�, evento
histórico que antecede a �Semana Pascal�, expressão máxima da liturgia cristã.
Falta à liturgia da Igreja Bola de Neve Church uma participação efetiva dos
fiéis. Habitualmente atribui-se o serviço litúrgico ao dirigente do culto, pensando ser ele � e
tão somente ele � responsável pelo �fazer litúrgico�. Esta seria uma concepção equivocada,
pois, a liturgia acontece no ajuntamento do povo. Sumio Takatsu adverte quanto a essa
mentalidade e prática afirmando que �se também os oficiantes se reduzem aos ministros
ordenados e obstam a participação da congregação ou a levam à passividade, então falta
algo fundamental à liturgia338�.
O fazer litúrgico cuida de apontar a experiência de fé de uma determinada
Igreja, de uma própria comunidade, de um momento histórico-social. A liturgia não acontece
no vazio, mas ela sempre tem um transfundo. A comunidade dos fiéis precisa ouvir as
questões do mundo para saber respondê-lo. Para Maraschin, a liturgia é a atividade mais
importante na vida da Igreja, pois, ela revela sua natureza e sua identidade. Sobre isso afirma:
A liturgia é, na verdade, o que é a Igreja. É na liturgia, mais que em
qualquer outra atividade, que a Igreja se revela tal qual é. Se a igreja
337 Festa comemorativa no calendário cristão que marca as celebrações da Paixão de Cristo. 338 TAKATSU, Sumio. Op. cit., p. 155.
114
optou pela vida de alienação social e política, essa alienação vai se
revelar em sua vida litúrgica339.
Valendo-se das dimensões da práxis, Floristán, aponta para a necessidade de
uma liturgia de estrutura bipolar entre o verbal e o simbólico340, sendo palavras e gestos
sincrônicos, os quais tornam-se elementos básicos fazendo parte da mesma celebração. A
Palavra deve ser lida e comentada � seja ela recitada ou cantada � e é esta o pólo auditivo.
Deve também estar presente na celebração litúrgica o símbolo � que é a realidade dinâmica.
Este por sua vez auxilia em apreender na memória os ritos e símbolos da fé cristã de maneira
muito eficaz, pois, utiliza diversos sentidos do corpo humano.
Contudo a liturgia da Igreja Bola de Neve Church não se apresenta assim.
As celebrações estão totalmente desprovidas de símbolos (ou signos) que façam rememoração
de que ela seja uma comunidade cristã; por exemplo: a arquitetura do templo é apenas um
salão (ou quase uma boate). Elementos como a cruz, velas, as cores litúrgicas (que são
importantes elementos pedagógicos) não estão presentes. O ambão em nada se parece com um
púlpito. Não existe a cadeira sacerdotal (embora seja um símbolo cristão mais presente nas
Igrejas Católica e Ortodoxa). Descarta-se inclusive a presença da mesa eucarística com a
Bíblia e os elementos da eucaristia (trigo e cacho de uvas) entre outros elementos visuais e
simbólicos da liturgia cristã. Os poucos elementos e objetos que fazem referência ao espaço
como sendo um lugar religioso-cristão são os adesivos com o nome �church� e �Jesus�
espalhados pela Igreja, embora seja também sua logomarca.
3.2.3 Pregação da Palavra
Evocamos a partir das linhas da práxis propostas por Casiano Floristán fazer
uma interpretação sobre o estilo/modelo de pregação dos pastores da Igreja Bola de Neve
Church, sem, contudo, nos atermos aos métodos e teorias de análise discursiva341.
O resultado da tabulação do questionário aplicado mostrou � na questão
número cinco � o item de maior atratividade342 é a pregação/palavra seguida da
339 MARASCHIN, Jaci C. A Beleza da Santidade � ensaios de liturgia, p. 53. 340 FLORISTÁN, Casiano. Op. cit., p. 552. 341 Para melhor compreensão sobre as teorias da crítica discursiva, o leitor deve recorrer à HABERMAS, J. Teoría de la acción comunicativa I, II� Racionalidad de acción y racionalización social. Madrid: Taurus, 1987.
115
música/louvor. Pode-se afirmar, a partir da observação, que é neste momento do culto em que
a figura do pastor Rina é evidenciada, principalmente pelo destaque de seu carisma e a
identificação com os fiéis que ele chama para si. A �mensagem� que ele apresenta é
demasiadamente descontraída, com muitas gírias, sem uma devida preocupação exegética e a
partir de livres interpretações � como o próprio pastor diz. Contudo, para Floristán, não é
possível, de acordo com algumas teorias, apresentar uma hermenêutica neutra ao anunciar o
evangelho, todavia, muito menos na pregação343. A visão de mundo, o conteúdo e saber
teológico que o líder carrega consigo é no mínimo a chave hermenêutica para interpretação e
exposição das Escrituras Sagradas. Sobre os cuidados com a linguagem na pregação, Casiano
Floristán recomenda:
O ouvinte da homilia espera do pregador, geralmente, uma linguagem culta, inteligível, bem expressado, coerente e com conteúdo. A
preocupação de alguns pregadores em expressar-se como se fazem as classes populares, com abandono, vulgaridade e vícios de linguagem é um caminho incorreto. Como o é assim mesmo as gírias próprias da
juventude, com termos vagos ou apoiando-se em tons ou com gesticulações
344.
A pregação na IBDNC que geralmente é desprovida de exegese do Texto
Sagrado é interpretada pelos pregadores a partir das teologias da prosperidade, da bênção e de
um fundamentalismo com uma roupagem diferenciada, onde os líderes impõem algumas
regras para com os fiéis. Geralmente estes pregadores são ex-vocalistas de bandas de rock, ex-
modelos e atrizes ou atores de televisão, ou ainda pessoas que tiveram destaque nas diversas
mídias, mas, que não tiveram treinamento e conteúdo teológico suficiente para assumir a
proclamação da Palavra com bases nos conteúdos da fé cristã, passando de pregadores à
animadores de auditório. Floristán alerta sobre a importância que deve ser dado com a
homilia, e que o trabalho de preparação da pregação deve feito por pessoas qualificadas e
representativas345.
A pregação da Palavra não pode ser distração, diversão ou entretenimento �
ao contrário �, é responsabilidade dos anunciantes e dos ouvintes, pois, aponta para o mistério
de Cristo que é conversão, serviço e missão do crente. Casiano Floristán afirma que a
342 Ver gráfico: 04 (página 77). 343 FLORISTÁN, Casiano. Op. cit., p. 538. (Trad. livre do autor). 344 Idem. Ibidem, p. 540. 345 FLORISTÁN, Casiano. Op. cit., p. 538.
116
pregação é a atualização oficial da Palavra de Deus que faz o presidente de uma assembléia
litúrgica ante os fiéis reunidos, mas, que a situação atual da pregação tem apontado para um
momento demasiadamente vazio, inoportuno, anacrônico e incomunicável, parecendo que a
pregação � em muitos casos � dá-se ineficaz346. Sobre a pregação Floristán ainda afirma:
Alguns afirmam que os pregadores não estão adaptados à vida, que
sua linguagem é abstrata e artificiosa e não é linguagem concreta e
atualizada. Outros crêem que a pregação tem escasso conteúdo bíblico
e litúrgico e vagas referências aos problemas sociais em que vive o
povo. Por uma parte não se incide nos fatos da vida; por outra parte
não se tiram como exemplo os feitos da salvação. Definitivamente, há
ausência do concreto e do real, seja bíblico ou atual347.
A centralidade na Palavra � que é uma das marcas das igrejas cristãs
tradicionais herdadas com a Reforma Protestante � perde lugar para a presença de grupos de
louvor e bandas gospel, e as festas religiosas do calendário litúrgico cristão perdem espaço
para os megaeventos e shows gospel que demandam muito investimento financeiro (mas, que
garantem retorno e lucro). Sobre esse descaso com a preparação da preparação da Palavra e
sua centralidade no culto cristão Marcelo Gualberto atesta:
Os jovens evangélicos de hoje nasceram sob um tipo de ditadura
musical não institucional que praticamente exclui da agenda e da
liturgia a Palavra, estabelecendo infindáveis �períodos de louvor� � não raro, liderados por pessoas absolutamente despreparadas ou não
vocacionadas. O microfone passou das mãos dos pregadores para
as mãos dos músicos e cantores348. [grifo nosso]
A partir das observações in loco foi possível constatar que a mensagem nos
cultos da IBDNC deixa de ser cristocêntrica e passa a ser uma mensagem voltada no bem-
estar do indivíduo e a partir do indivíduo, ou seja, antropocêntrica. Para Marcelo Gualberto �o
centro do culto passou a ser a pessoa, e não Deus349�. Deixa-se de pregar sobre o evangelho
da salvação que demanda conversão de atitudes e pensamento sobre si mesmo e sobre o outro
e passa-se a entreter o auditório com palavras que mais se assemelham aos conteúdos dos
livros de �auto-ajuda�, garantindo ao fiel a satisfação imediata e respostas para as dúvidas
existenciais, sentimento de conquista de bens materiais � como prova da presença e bênção de
Deus.
346 FLORISTÁN, Casiano. Op. cit., pp. 527-530. (Trad. livre do autor). 347 Idem. Ibidem, p. 530. 348 GUALBERTO, Marcelo. Juventude evangélica: religiosa no discurso e incrédula na prática, p. 230. 349 Idem. Ibidem, p. 233.
117
Mas por quê a pregação ganha tanto espaço e atratividade nessa
comunidade. O que está implícito nesta escolha? A pregação deixa de ser reflexiva e reflexão
e passa a ser informação e entretenimento. Não se opta mais por uma pregação com
mensagem criativa, reflexiva, libertadora e radical. Possivelmente seja um problema do
mundo cotidiano onde a �informação se converteu num rio de dados e notícias�, embora
poucos se preocupem em se �aprofundar� nesse rio de notícias ficando apenas com o
superficial e informativo.
Na matéria-de-capa publicada na Revista Veja350, as jornalistas Camila
Pereira e Juliana Linhares afirmam:
A nova geração de líderes evangélicos achou um caminho muito mais
certeiro e útil de chegar ao coração dos fiéis: o da auto-ajuda. A promessa é a mesma que ofereciam pentecostais e neopentecostais da
geração passada: o da felicidade e da prosperidade aqui e agora. Só
que para alcançá-los, os novos pastores sugerem outras ferramentas: além da fé, o bom senso; somado à intervenção divina, o esforço
individual. �O discurso atual dá mais ênfase ao pragmatismo e à pró-atividade do fiel do que ao sobrenatural�, avalia o pesquisador da
PUC-SP, Adilson José Francisco. �Em vez de pregar, como fazem algumas igrejas, a libertação de todos os males por meio do
exorcismo, por exemplo, esses pastores adotam alguns conceitos da psicologia: para se livrar dos problemas, é preciso uma mudança de
atitude, na maneira de ver o mundo�, explica o antropólogo Flávio
Conrado, pesquisador do Instituto de Estudos da Religião351. (sic)
Para Henrique Rojas, o homem moderno não está mais interessado na
formação de sua capacidade reflexiva � apenas consome informações, �é frio, não acredita
em quase nada, suas opiniões mudam rapidamente e deixou para trás os valores
transcendentes352�. Essa �transcendência� também pode ser entendida aqui como a
responsabilidade humanística dos valores sociais, deixando um pouco de si mesmo e de seus
desejos egoísticos para conseguir olhar efetivamente para o outro, ou seja, ser mais altruísta.
A pregação da Palavra é um dos desafios que a Igreja deve realizar em sua
missão de evangelização, e nesse caso, demanda conhecer as questões político-sociais
pertinentes à realidade da vida e do mundo. Por isso, Casiano Floristán afirma que �a maior
350 PEREIRA, Camila; LINHARES, Juliana. Os novos pastores, pp. 76-85. 351 Idem. Ibidem, pp. 79-80. 352 ROJAS, Enrique. Op. cit., p. 16.
118
dificuldade na hora de encarnar a homilia na realidade social provém da interpretação
política, sem a qual é impossível hoje re-ler o texto bíblico353�.
O desapego à tradição à instituição e comunidade; a ausência de vínculos
institucionais � verificado a partir do intenso trânsito religioso; o exclusivo interesse no
consumo de bens simbólicos espirituais, dos prazeres e bem-estares na incessante busca de
respostas imediatas; os cultos e celebrações da IBDNC vazios de significados e conteúdos,
desprovidos de símbolos litúrgico-cristãos; e a pregação no estilo ligth, divertida e
descompromissada, mais voltada ao faça-você-mesmo, ou do tipo auto-ajuda, remete aos
pastoralistas a grande tarefa de compreender os desafios atuais e propor pistas para uma
pastoral da juventude efetiva a partir da práxis criativa, reflexiva, libertadora e radical.
3.3 Desafios e pistas à pastoral para a juventude em tempos modernos.
O conceito de práxis � entendido como ação objetivada, intencional, dirigida
e transformadora � está presente sempre para dois sujeitos: os que realizem a práxis e os que
sofrem a ação. Por isso, torna-se importante �conhecer� um pouco mais quem é esse �sujeito-
objeto� da ação. Certamente, este novo sujeito é diferente em suas características daqueles
jovens que o eram em vinte anos atrás, é um �homem diferente e moderno�.
Este novo homem e este novo tempo são marcados por mudanças e
transformações tão vertiginosas e radicais que apresentam novos questionamentos, novos
desafios, e novas tarefas à práxis pastoral recriando novos modelos de compreensão de
mundo. Neste caso, faz-se necessário um cuidado especial, mesmo porque, a velocidade das
transformações em que o homem e a sua visão de mundo sofrem, pode incorrer nos teóricos
da pastoral o perigo de não assimilar em tempo real as amplas mudanças a ponto de não
elaborarmos reflexões sobre elas. Agenor Brighenti afirma:
Hoje atravessamos um período marcado por profundas
transformações, em que um mundo novo e uma nova civilização vão-se conformando pouco a pouco, com o risco de nem o percebermos354.
353 FLORISTÁN, Casiano. Op. cit., p. 530. (Trad. livre do autor). 354 BRIGHENTI, Agenor. Reconstruindo a esperança: como planejar a ação da Igreja em tempos de mudanças, p. 43.
119
Este homem moderno � nesse caso o jovem moderno �, sujeito de grandes
transformações hodiernas têm características de personalidade e comportamento muito
distintas. Embora os jovens de hoje tenham facilidade em aderir-se à cultura de massa e se
inserir com certa mobilidade nas tribos urbanas tendem-se a se comportarem como um
�indivíduo solitário�. Brighenti afirma que �ao comunitário sobrepõem-se os interesses
pessoais; diante do público, afirma-se cada vez mais o ideal do privado; e ante o universal,
advoga-se a legitimidade do fragmentário355�. Basta a descrição do perfil psicológico do
homem moderno descrito por Enrique Rojas para nos dar a dimensão do desafio que temos
pela frente em transformar este indivíduo a partir das práxis:
Trata-se de um homem relativamente bem-informado, mas de escassa educação humanista, muito voltado ao pragmatismo, por um lado, e a
vários assuntos, por outro. Tudo lhe interessa, mas de forma superficial; não é capaz de fazer uma síntese daquilo que percebe e,
como conseqüência, se converte em uma pessoa trivial, superficial,
frívola, que aceita tudo, mas que carece de critérios sólidos em sua
conduta. Tudo nele se torna etéreo, leve, volátil, banal, permissivo.
Viu tantas mudanças, tão rápidas e em tempo tão curto,que começa a
não saber a que se agarrar ou, o que dá no mesmo, a fazer afirmações
tipo �vale tudo�, �não me interessa� ou �as coisas mudaram�. E assim
encontramos um bom profissional em seu campo específico de
trabalho, que conhece bem a tarefa que tem nas mãos, mas que fora
desse contexto fica à deriva, sem idéias claras, preso � como está � num mundo cheio de informações, que o distrai, mas que pouco a
pouco o converte num homem superficial, indiferente, permissivo, que vive um enorme vazio moral356.
Instrumental e métodos para agir na direção desse homem moderno foram
construídos ao longo do caminho. Agora, pois, o grande desafio da práxis é transformá-la da
�pura teorização em ação efetiva e transformadora do mundo357�. Ponderar os excessos dos
rigores academicistas privativos, das exclusivas atividades teóricas, e passar às atividades
práticas das construções reflexivas, para que o saber seja não apenas o saber fazer, ou seja, um
pensamento árido, sem vida, de gabinete escrivaninha e computador, mas que seja fazer-saber
criativo, transformador e radical, enfim, das ações concretas. Essa passagem da teoria para a
prática é descrita por Vázquez:
Ainda que a teoria seja formulada com esse duplo aspecto (como fundamento de ações reais e como crítica teórica), nem por isso deixa
355 BRIGHENTI, Agenor. Op. cit., p. 26. 356 ROJAS, Enrique. Op. cit., pp. 13-14. 357 VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Op. cit., p. 171.
120
de ser teoria; isto é, não é em si atividade prática. Já dizíamos
anteriormente que mesmo as teorias mais afastadas da práxis, ou seja,
aquelas que pretendem pura e simplesmente interpretar o mundo, não
deixam de ter, por isso, conseqüências práticas, na medida em que
contribuem na prática para impedir ou obstar essa transformação. Mas
quando se trata de transformar o mundo, quando se pretende que a teoria se plasme numa atividade prática como guia da ação, a teoria
mais revolucionária nunca deixa de ser mera teoria enquanto não se
realiza em atos. É preciso passar da atividade teórica para a prática
[...].358
Outro grande desafio é não partir de pressupostos generalizados e simplistas
para com todos os Novos Movimentos Religiosos qualificando-os ou tipificando-os
indistintamente sem a análise crítica de suas práxis, impondo-lhes rótulos pré-concebidos.
Neste caso, isso se tornaria uma ação repetitiva dos teóricos da pastoral e não uma práxis
criativa e reflexiva. Agenor Brighenti diz que �o mais importante é ação pensada359�. Faz-se
necessário uma abordagem criteriosa não por simples amostragem, mas, por análise específica
e criteriosa que a práxis nos oferece, mesmo porque, alguns desses movimentos podem trazer
consigo adequadas alternativas para uma pastoral contemporânea.
A partir da compreensão dos novos movimentos religiosos a pastoral deve
propor alguns desafios e pistas para as práticas eclesiais debaixo do fundamento da práxis.
Não se pode simplesmente descartar e objetar de imediato os movimentos religiosos
emergentes com qualquer senso comum, com �pré-conceitos� ou com uma obtusa cosmovisão
religioso-social. É fundamental �auscultar� aquilo que estes movimentos religiosos têm a
dizer, principalmente porque neste tempo pós-moderno �os jovens começam a decidir por si a
sua religiosidade360�.
Devido à pluralização religiosa deve-se ter em conta que existam também
diferentes modelos de pastorais. Floristán afirma que, �há que se ter em conta a realidade da
igreja na sociedade atual e os desafios que a mesma sociedade apresenta à ação da
igreja361�. São novos desafios, pois, são novos os contextos sócio-culturais e religiosos,
necessitando serem contemplados com uma práxis atual. Neto e Bonelli concordam
afirmando:
358 Idem. Ibidem, pp. 171-172. 359 BRIGHENTI, Agenor. Op. cit., p. 44. 360 METTE, Norbert. Pedagogia da Religião. p. 18. 361 FLORISTÁN, Casiano. Op. cit., p. 242. (Trad. livre do autor).
121
Os métodos e, sobretudo a linguagem e o instrumental sócio-cultural, que com êxito vigoraram na ação pastoral até os anos de 1980, hoje
parecem insuficientes ou inadequados para uma nova cultura e um novo contexto social que emerge nos anos de 1990362.
Com o advento da sociedade pós-moderna não significou o fim da
religiosidade. Pelo contrário, é possível considerar que os caminhos hoje presentes na
modernidade contemporânea desembocam numa explosão religiosa, acrescendo a presença da
religiosidade na sociedade e que não se mostra de forma nenhuma excludente em relação aos
valores ditos �modernos�.
3.3.1 Contextualização da Liturgia
Suspeita-se que um dos grandes desafios dos teóricos da pastoral é obter
níveis consideráveis de contextualização da liturgia para que esta seja mais bem aceita nos
grupos sociais, tornando-se mais eficaz na transmissão de seus conteúdos. Alguns grupos
religiosos, comunidades de fé e igrejas têm buscado uma resposta hermenêutica para uma
liturgia contextualizada com o grupo social no qual estão inseridos. É um duplo desafio: ler a
realidade do mundo e da vida, e aplicar os princípios litúrgicos de maneira à contextualizá-los
sem perder seu conteúdo.
Alguns pensam ser esta tarefa fácil. Entretanto, encarnar elementos da
cultura no fazer litúrgico não é simplesmente afirmar que �Jesus Cristo foi o primeiro surfista
porque caminhou sobre as ondas� (sic), a exemplo da Igreja Bola de Neve Church. Uma
liturgia verdadeiramente inculturada ou contextualizada deve ser entendida como se propõe a
seguir:
Queremos chegar a uma liturgia inculturada. O processo de inculturação, a descrição de uma liturgia específica tem uma
seqüência, a ordem (elementos ou conteúdos, seqüências, formas, maneira de fazer). O próximo passo é descrever a cultura de um grupo
social: quais são seus valores, quais são seus padrões de pensamento,
linguagem, ritos, arte e suas instituições363.
362 NETO, Jose L. J. de Mello; BONELLI, Marco Antonio Gusmão. Op. cit., p. 259. 363 VVAA. CETELA (org.) II Seminario para Profesores y Profesoras de Liturgia. p.184. (Trad. livre do autor).
122
Grande é também o desafio de dialogar com as comunidades religiosas mais
tradicionais que não aceitam alguns ajustem na maneira de fazer liturgia. Parece que
comunidades cristãs tradicionais lutam por deter o poder do �mercado religioso364�. Muito
embora, ainda que consigam adiar algumas modificações não conseguem evitar o avanço dos
Novos Movimentos Religiosos e a maneira distinta de suas celebrações. È importante o
avanço e as re-elaborações da ciência litúrgica, principalmente para esta geração jovem que
demanda mudanças e adaptações. Neto e Bonelli afirmam:
Cremos ser não só legítimo, mas também necessário o emergir de um
�Cristianismo jovem�, ou seja, de conjuntos de experiências de fé
realmente inculturadas nos valores e práticas cristãs que existem
efetivamente e podem ser percebidos no �mundo dos jovens� de
hoje365.
Stefano Martelli afirma que os Novos Movimentos Religiosos também têm
suas perspectivas criativas e inovadoras e muitas vezes estes constituem uma resposta
�positiva e criativa para a anomia da sociedade moderna e que, portanto, são um fenômeno
de �despertar religioso� efetivo366�. Podemos supor que existam em certos movimentos
emergentes respostas para uma práxis criadora e libertadora, pois, de certa maneira oferece
aos jovens a chance da expressão de sua religiosidade e a oportunidade de celebrar a
mediação com o sagrado. Para Norbert Mette:
Seria uma conclusão falsa, a partir da distância dos jovens em relação
à Igreja, dizer que eles nem sequer seriam acessíveis em termos
religiosos367.
Os novos movimentos religiosos e as comunidades emergentes apresentam
um novo desafio aos cientistas da religião e pedem uma compreensão da Igreja e da pastoral.
Implica fazer uma análise do mundo e da práxis �cristã� com base nos seus movimentos, que
têm arrebatado para o interior de suas comunidades um grande número de adeptos, que
representam atualmente no Brasil as massas dominantes, ou seja, a juventude. Anscar
Chupungco nos oferece pistas para a reflexão de uma liturgia contextualizada e seus desafios:
364 Para entender melhor esta estrutura e teoria de �mercado religioso� e �agentes autorizados das religiões� o
leitor deve recorrer à obra de BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo, EDUSP, 1996. 365 NETO, Jose L. J. de Mello; BONELLI, Marco Antonio Gusmão. Op. Cit. p. 261. 366 MARTELLI, Stefano. Op. cit., pp. 341-342. 367 METTE, Norbert. Op. cit., p. 181.
123
Talvez a raiz de nossos males na inculturação litúrgica esteja na nossa incapacidade de reconhecer ao fato fundamental de que todos os ritos litúrgicos estão vestidos em cultura, que não há liturgia que se celebre
em um vazio cultural368.
Dizer que as celebrações litúrgicas estejam refratárias às diversas culturas
que permeiam seu contexto seria incorreto. Segundo Maraschin, �a liturgia acontece num
ambiente social e político369�. E ainda, pensar que liturgia �sejam desprovidas de culturas
próprias seria equívoco370�. As comunidades estão imersas num ambiente cultural e por isso,
necessitam buscar uma inculturação litúrgica. Não obstante, a marca impressa no ambiente
religioso dos dias atuais demonstre pouca preocupação na elaboração do fazer litúrgico. Buyst
diz que �não há suficiente acompanhamento das novas práticas litúrgicas emergentes, nem
análise crítica e procura das causas de estagnação da renovação litúrgica�. Fazer liturgia é
muito mais que distribuir momentos litúrgicos específicos no espaço de tempo cúltico.
Também não significa que liturgia deva ser algo extremamente
tradicionalista � ou como os jovens chamam: �engessada�. Liturgia não é meramente palavra,
embora tenha sido �muito mais palavra do que ação371�. Maraschin propõe uma liturgia no
corpo, �a liturgia é ação dos filhos de Deus que se apresentam diante dele com seus corpos.
É no corpo � e só por meio deles � que somos espírito372�. Isso significa romper com as
lógicas filosóficas � herdada de algumas correntes filosóficas grega � e experimentar o fazer
litúrgico sem dicotomias que separam corpo e espírito. Esse é um valor que a liturgia deve
trazer consigo. A valorização da corporeidade. Deve-se aprender a contentar-se com a
�experiência misteriosa do êxtase que sempre é místico e corpóreo373�.
Dessa maneira, liturgia não pode ser realizada primeiramente no �plano
espiritual�, ascética. Deve ser o encontro festivo do povo de Deus, numa celebração de
alegria, com ritos, símbolos, danças, e brados, pois há celebração da vitória de Cristo, que
deve ser lembrada, repetida as experiências, fazer propaganda desta fé, trazer mensagem em
seus atos e ser experimentada no êxtase do culto, pois, este, �não precisa de nenhuma
368 CHUPUNGCO, Anscar J. Op. cit., p. 197. (Trad. livre do autor). 369 MARASCHIN, Jaci C. A beleza da santidade � ensaios de liturgia. p. 162. 370 VVAA. II Seminario para Professores y Professoras de liturgia. p. 184. 371 MARASCHIN, Jaci C. É no corpo que somos espírito, p. 111. 372 MARASCHIN, Jaci C. A beleza da santidade � ensaios de liturgia, p. 136. 373 Idem. Ibidem, p. 38.
124
explicação racional para existir374�, desde que seja a práxis da liturgia375 onde o foco
principal seja sempre compreender o fenômeno sacramental376.
Neste universo litúrgico, Casiano Floristán também afirma que toda
pregação deve estar bem situada dentro do contexto da práxis pastoral e que a renovação atual
da homilia na revolução acelerada que se adverte na criatividade litúrgica é um indício de
vitalidade pastoral377e incentiva que os �pregadores atuais se deixem fecundar pelas
teologias libertadoras, as exegeses rigorosas e o conhecimento experiencial dos sinais dos
tempos378�.
Essa percepção do mundo e sua práxis litúrgica juntamente com uma
mensagem de proclamação libertadora a partir das experiências dos sinais dos tempos requer
uma espiritualidade sensível à práxis de Jesus.
3.3.2 Espiritualidade e espiritualidades
Um fator importante que deve mais bem compreendido é a liquidez das
fronteiras construídas em torno de algumas crenças e, em especial, construídas em torno do
projeto comum de desenvolvimento da espiritualidade. Alguns segmentos religiosos
compartilham de um repertório comum, de um sistema de símbolos relacionados às suas
práticas e experiências nas práticas religiosas cotidiana e, principalmente, na forma pela qual
estabelecem o contato com a �espiritualidade�, entendida enquanto projeto. Conforme muitos
afirmam �o caminho da espiritualidade é o caminho do desapego, da morte do ego,
permitindo à pessoa chegar ao contato direto com Deus�. Mas não parece ser bem essa meta
de espiritualidade pretendida pelos que a buscam.
Os objetivos da busca da espiritualidade mais têm se revelado como a
necessidade de mensurar e obter níveis mais elevados de espiritualidade � para que possa ser 374 Idem. Ibidem, p. 38. 375 O leitor deve recorrer à extensa proposta de Casiano Floristán para uma práxis pastoral litúrgica, oferecendo
pressupostos para que esta se realize: a) a liturgia é ortodoxia e ortopraxis; b) a liturgia é celebração da
assembléia cristã; c) a Palavra de Deus dá espírito à liturgia (pp. 558-560). FLORISTÁN, Casiano. Teologia
Práctica � teoría y praxis de la acción pastoral. pp. 545-600. (Trad. livre do autor). 376 FLORISTÁN, Casiano. Op. cit., p. 567. 377 Idem. Ibidem, p. 541. (Trad. livre do autor). 378 Idem. Ibidem, p. 542. (Trad. livre do autor).
125
exposta como uma vitrine invejável � de grande desempenho e resultados no mundo dos
negócios, do que pelo objetivo da busca pelo �ser superior�, do contato com Deus, do Cosmo,
da Natureza. Essa mentalidade de �caça à espiritualidade� torna o trânsito religioso muito
maior, exatamente por essa incessante busca desenfreada pela �melhor espiritualidade�.
Paradoxalmente, o indivíduo sofre hoje uma crise de fé e indiferença, e mesmo buscando essa
espiritualidade �o homem moderno é frio, não acredita em quase nada, muda suas opiniões
rapidamente e deixou para trás os valores transcendentes379�. Jesús Espeja pontua essa
incredulidade e indiferença:
Incredulidade se refere à negação positiva de Deus como um �algo
mais� da salvação para os seres humanos. Indiferença significa uma
forma de ver a fé em Deus como questão sem maior importância; pode
ser atitude também de crentes que reduzem suas crenças ou práticas
religiosas a um posto secundário e sem maior incidência em sua
conduta histórica380.
É interessante notar que esse projeto passa a ser pretendido ansiado não
apenas pelas esferas religiosas, mas também pelo mundo corporativo. Embora os resultados
esperados não sejam obrigatoriamente qualquer aspecto religioso, mas em resultados de
produtividade empresarial. Gustavo Boog, Maysa Marin e Valéria Wagner dizem sobre a
espiritualidade no mundo dos negócios:
O tema espiritualidade no trabalho vem crescendo de forma intensa nos últimos anos no mundo empresarial. Algo que antigamente era
visto como assunto desligado do universo organizacional, como algo religioso ou até místico, hoje se insere como uma dimensão
estratégica, na medida em que dá significado à missão da empresa e ao
trabalho das pessoas. Quando elas têm essa consciência, a
conseqüência é que fluem com muito maior facilidade os fatores mais
buscados pelos executivos das organizações: a motivação, o
desempenho, o espírito de equipe, a comunicação eficaz, a qualidade,
o foco no cliente, o �estar de bem com a vida�. 381
A espiritualidade sugere estar equivocada e em desacordo com a
religiosidade cristã. Alguns religiosos buscam �altas doses� de espiritualidade para
demonstrar altos padrões de espiritualidade causando �inveja� nos outros �competidores�. A
espiritualidade que se apresenta no mundo evangélico mais tem se apresentado com
resultados externos, através da estética ou aparência, do volume em que ela dá seus �améns�
379 ROJAS, Enrique. Op. cit., p. 16. 380 ESPEJA, Jesús. El evangelio en un cambio de época, pp. 100-101. (Trad. livre do autor). 381 BOOG; MARIN; WAGNER. Apud, BARRO, Antonio Carlos. Afinal, quem é espiritual? , pp. 276-277.
126
ou seus �glória a Deus�, que pela transformação interior do ser humano. Verônica Ferreira
afirma que �no meio evangélico, concebemos espiritualidade como algo exterior, e não como
uma mudança no mundo interior da pessoa382�.
Para Antonio Carlos Barro, outra dificuldade em se compreender o termo
espiritualidade é que �no movimento evangélico, espiritualidade quase sempre é associada a
termos e expressões como �meditação�, �devocional�, �hora silenciosa�, �a sós com Deus� e
assim por diante383�. Parece estar implícito que espiritualidade é apenas uma comunicação e
comunhão pessoal entre o religioso e Deus; embora esse tema �espiritualidade� esteja
ganhando cada vez mais expressões em diversos segmentos religiosos, principalmente com o
grande crescimento das religiões meditativas � como o budismo, por exemplo.
Foi afirmado, anteriormente, que seria uma falsa conclusão dizer que os
jovens estão muito distantes da Igreja ou pouco acessíveis em sua religiosidade. Na verdade a
juventude tem em si uma grande busca pela espiritualidade. Embora essa espiritualidade
pareça estar um tanto equivocada. Marcelo Gualberto afirmou que �a geração jovem do
século XXI tem na espiritualidade sua maior virtude e seu maior fracasso384�. Esta afirmação
paradoxal de Gualberto tem uma delicada explicação: é uma geração que se abre para diversas
práticas religiosas, mas por outro lado suas práticas não confirmam seus discursos, e o que se
apresenta realmente é um distanciamento de Deus385.
O resultado da análise da pergunta 05386 dos questionários mostrou que a
atratividade pelas questões de atividades sociais da Igreja Bola de Neve Church vem em
último lugar na lista de preferências. Esse resultado mostra a imagem da juventude religiosa
naquele contexto dando pouco valor às questões sociais e humanistas, possivelmente
resultado da deficiente formação teológico-pastoral do período gospel.
Para Gualberto, as juventudes das décadas de 1960 e 1970 tiveram uma
projeção de grande impacto no cenário religioso brasileiro com a participação
382 FERREIRA. Apud, BARRO, Antonio Carlos. Op. cit., p. 275. 383 BARRO, Antonio Carlos. Afinal, quem é espiritual?, p. 275. 384 GUALBERTO, Marcelo. Op. cit., p. 227. 385 Idem. Ibidem, p. 227. 386 Ver gráfico: 04 (página 77).
127
transformadora387 dos poucos militantes cristãos nos diversos segmentos da sociedade
brasileira. A espiritualidade refletia um pouco do ambiente de conflito entre a arbitrariedade e
o país na época da ditadura militar � também conhecida como �anos de chumbo�, �AI 5�.
Criaram grupos e organizações que renovaram a liturgia com uma proposta teológica
inclusiva e libertadora.
Grupos musicais se formaram e apresentaram novas propostas nas suas
composições sempre preservando os conteúdos da fé cristã, mas contextualizando a música e
os ritmos com a cultura brasileira, o que atraía muitos jovens. Entretanto, na década de
1980388 aconteceu o que Gualberto chama de divisor de águas, pois, se por um lado havia as
comunidades religiosas que buscavam um espiritualidade encarnada, por outro lado acontecia
a explosão do movimento gospel que Gualberto julga responsável pela �deturpação da
espiritualidade libertadora, da transformada em instrumento de alienação389�. Essa
alienação se reflete no compromisso social da evangelização integral390 da igreja, tornando a
espiritualidade utilitarista. Um dos desafios da pastoral para a juventude é dosar essas
mudanças na liturgia e no culto e não cair nas tentações de propagar um esvaziamento dos
significados da fé cristã e das celebrações religiosas. O momento que se vivencia é definido
assim por Gualberto:
Nunca se barateou tanto o Evangelho em nome do sucesso, da casa cheia, dos shows e das reuniões superlotadas como símbolo de triunfo.
A maioria dessa geração segue Jesus de longe [...]. A relação
estabelecida com Deus é principalmente utilitarista: salvação, sim,
mas Salvador, não. [...] faz sentido dizer que se trata de uma geração
que tem também na espiritualidade um fator de fracasso391.
Estes são alguns desafios atuais que os pastoralistas encontram. Propostas e
pistas aqui aventadas dão caminho para novas discussões futuras. Novas discussões, novos
desafios e novos modelos de pastoral, porque, a pluralidade dos novos movimentos religiosos
e dos contextos sociais remete às reflexões dinâmicas. Antonio Carlos Barro, por sua vez
387 GUALBERTO, Marcelo. Op. cit.,, pp. 229-230. 388 Assim como houve grandes mudanças nas configurações sociais (neotribalismo) nos anos 80 do século XX,
no cenário religioso brasileiro também houve grandes modificações nas configurações das mais distintas áreas
(liturgia, música, conteúdo das pregações, etc). 389 GUALBERTO, Marcelo. Op. cit., p. 230. 390 Sobre o tema �evangelização integral e compromisso social da Igreja� o leitor pode recorrer ao ensaio de
GUALBERTO, Marcelo. Afinal, quem é o �espiritual�? In: BOMILCAR, Nelson (org). O melhor da
espiritualidade brasileira. São Paulo: Mundo Cristão, 2005. 391 GUALBERTO, Marcelo. Op. cit., p. 232.
128
contribui deixando algumas pistas para uma espiritualidade centrada na pessoa de Cristo:
obediência ao chamado à missão de Deus; estar debaixo da unção do Espírito de Deus para
cumprir sua missão; ter responsabilidade de solidariedade frente às necessidades reais das
pessoas, principalmente às que sofrem opressões e injustiças; dinamismo e voluntariado, e
principalmente, espiritualidade sacrificial onde o próximo deve ser amado às últimas
conseqüências392. É necessário �resgatar, propor e incentivar uma práxis que leve os jovens
com um relacionamento genuíno com o Criador, expressando sua espiritualidade de forma
engajada, contemporânea e autêntica393�, segundo Gualberto.
392 BARRO, Antonio Carlos. Op. cit., p. 276. 393 GUALBERTO, Marcelo. Op. cit., p. 233.
129
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A guinada na maneira de fazer-se a leitura social nas duas últimas décadas
contribuiu para verificar a construção social de certos grupos que emergiram no cenário
contemporâneo. A partir das investigações teórico-científicas e das observações in loco, foi
possível constatar que a configuração de socialidade existente na Igreja Bola de Neve Church
muito se aproxima dos conceitos de neotribalismo apresentados na teoria maffesoliana. Essa
configuração neotribalista tem como cimento social as relações emocionais quotidianas.
A exemplo dos participantes da IBDNC, o grupo escolhido compartilha de
um ideário quotidiano comum, expresso nos seus desejos, objetivos e estilos de vida, como é
o caso do grupo dos surfistas. O individualismo � que tanto foi postulado na sociedade
moderna � é superado nessas relações emocionais quotidianas e se apresentam hoje em grupos
de relações afetuais. Essas comunidades de simpatia tendem a desafeiçoar-se das instituições
com certa rigidez e formalidade, e assim, criam as chamadas microtribos. A formação desses
grupos não se limita a construir novos modelos de sociedade institucionalizada, mas sua
proposta vai apenas na direção do �estar junto comunitário�.
Como figura emblemática, Maffesoli escolhe Dionísio, afirmando que a
espiritualidade destes grupos é dionisiana. Essa figura diz respeito em diminuir a
racionalidade do grupo, em aumentar as experiências extáticas, nos encontros festivos, nas
preocupações das questões quotidianas, na relativização do trabalho, nas fantasias lúdicas e no
culto ao corpo. As imagens dionisianas projetadas pelos participantes da Igreja Bola de Neve
Church tem estreita aproximação ao que Maffesoli se refere, tornando a plausibilidade das
primeiras hipóteses verificáveis � explicitadas na introdução e primeiro capítulo da
dissertação � ao considerar esse grupo como neotribalista.
130
Ainda sobre as considerações das primeiras hipóteses, a pesquisa permitiu
verificar que o grupo conseguiu ganhar grande visibilidade no cenário religioso brasileiro a
partir do seu estilo religioso e pela sua identidade própria, agregando elementos do ideário
sócio-religioso-cultural em comum, pois, os membros dos grupos neotribalistas e de novos
movimentos religiosos gostam de ser apreciados muito mais pelo estilo de vida que levam do
que pela sua inserção social Sobre a hipótese da segregação à maneira das relações sociais
desse grupo, a pesquisa ponderou que existem valores irrisórios a serem considerados, pois
está mais latente a convivência no mesmo espaço, diferentes tribos, apresentando relativa
fluidez e mobilidade, coexistindo em passividade.
À medida que esse novo modelo de socialidade se desenvolve, novas
expressões de religiosidades surgem (ou se desenvolvem) para dar conta às necessidades
quotidianas. Os grupos podem se apropriar de elementos significativos comuns, não-sagrados,
construindo assim seu novo modelo religioso. Essa afirmação é corroborada pela teoria
durkheimiana, onde se afirma que à medida que as organizações sociais evoluem, as religiões,
os mitos e os ritos também o fazem. Essa consideração permite verificar a plausibilidade da
hipótese levantada no início da pesquisa: de que os surgimentos dos novos movimentos
religiosos sofrem estreita ligação e influência pelas rápidas mudanças nas construções sociais
� nesse caso pela estrutura de socialidade apresentada no neotribalismo.
O resultado da pesquisa aponta para a originalidade do assunto pelo fato de
ser pioneira no estudo desse fenômeno religioso, contribuindo para a divulgação dos
resultados científicos no estuda da práxis religiosa dos novos movimentos religiosos e das
discussões sobre o neotribalismo.
Alguns teóricos chamam essas novas religiões e expressões de
religiosidades emergentes de Novos Movimentos Religiosos. Se bem que, dizer novos
movimentos religiosos possa parecer redundante, visto que nenhuma religião é estática. As
rápidas transformações sociais colaboram para o surgimento dos novos movimentos
religiosos, segundo as teorias muito próximas de Maffesoli, Durkheim e Martelli.
131
Não é possível tratar de todos os novos grupos debaixo de uma definição ou
tipificação única. Sugerir que todos os novos movimentos religiosos são similares é o maior
equívoco. José Moraleda classificou-os provisoriamente de maneira que fosse possível obter
um olhar mais circunscrito em determinados fenômenos. Por isso, para o estudo desse
fenômeno o recorte deu-se a partir da tipificação de movimentos relacionados com o
cristianismo, permitindo investigação maior acurada.
Desta forma, foi possível estabelecer o lócus do campo religioso ao qual a
Igreja Bola de Neve Church provisoriamente pertence. Moraleda afirmou que os movimentos
religiosos que ao passar do tempo se institucionalizaram e ganharam respeitabilidade social
devam ser chamados de denominações; já, José Bittencourt Filho atribui alguns desses
fenômenos recentes ao que chama de neodenominacionalismo. Esta igreja ainda não tem
inserção social de respeitabilidade e tampouco se institucionalizou o suficiente para ser
chamada de denominação. Mas também é posterior ao surgimento do
neodenominacionalismo. Abre-se uma lacuna para os próximos pesquisadores a conceituar
melhor esse fenômeno, mesmo porque seu dinamismo poderá revelar elementos que ajudarão
nessa construção. A pesquisa contribui criando o neologismo para este fenômeno religioso
chamando-o de �movimento neocristão�.
A IBDNC tem sua matriz religiosa na Igreja Renascer em Cristo, onde seu
fundador fazia parte da liderança, decidindo cindir com a igreja. Ainda que o lócus da matriz
religiosa da Bola de Neve seja considera neopentecostalista, apresenta um processo de
bricolagem religioso muito interessante: agrega elementos do neopentecostalismo; discurso de
prosperidade e sermões no modelo de auto-ajuda; experiências extáticas e de corporeidade;
regras e valores morais rígidos; elementos de igrejas pietistas; proposta de contextualização
do Evangelho e até técnicas de meditação transcendental � presente nas religiões orientalistas.
O fato da Igreja Bola de Neve Church apresentar alguns elementos criativos,
inovadores e atrativos que ajudaram a compor a marca da igreja � como o púlpito-prancha-
de-surf, por exemplo � não dá a ela o crédito de ser a idealizadora desta prática, embora seu
líder diz que foi tudo casual. Estes elementos comuns; os objetos que compõem o cenário
interno do templo; a maneira da transmissão e apresentação do conteúdo religioso através de
shows de música gospel, já eram exploradas. Técnicas muito semelhantes a estas foram
utilizadas para atrair público jovem por outras comunidades religiosas nos EUA desde o final
132
dos anos 60. Brian Wilson já afirmava que a composição destes tipos de movimentos são na
sua maioria de jovens, com certo grau de conhecimento e de classe social médio burguesa.
A partir de fontes não documentais, no final dos anos 70 e início da década
de 80, um grupo de jovens cristãos da Igreja Presbiteriana da Penha/SP usaram o nome �bola
de neve� para batizar o grupo que eles haviam criado com a finalidade de reuniões cristãs
informais nas casas com a intenção de evangelizar os jovens. Escolheram esse nome porque o
grupo crescia muito rápido. O grupo ficou conhecido em algumas Igrejas Presbiteriana, donde
deles alguns membros se tornaram lideres e pastores, migrando posteriormente para outras
denominações, inclusive para a Igreja Renascer em Cristo (casualmente o local onde a Igreja
Bola de Neve Church nasceu). O nome �bola de neve� pode ter se difundido no meio
evangélico e, posteriormente, re-apropriaram-se dele. Possuíam até mesmo um livro de atas,
relatando as reuniões ao estilo da juventude. As informações foram obtidas a partir de ex-
integrantes desse grupo pela comunicação através de correio eletrônico e permitiram a
divulgação de seus nomes. O pesquisador buscou fontes documentais para esta informação,
como por exemplo, as atas das reuniões, mas o material histórico das reuniões não foi
encontrado em tempo de incluir na dissertação. Contudo, a memória histórica e transmissão
oral tem seu valor em si.
A tabulação do questionário aplicado apresentou um resultado muito
interessante: quando os participantes foram questionados se eles se consideravam parte de
uma tribo urbana, 60% responderam que não. Dos que responderam que sim, que se
consideravam parte de uma tribo urbana responderam: 10% tribo hip-hop; 12,5% tribo dos
skatistas; 27,5% tribo dos surfistas; e 50% dos entrevistados consideravam-se de outras tribos
(por exemplo: tribos de Jesus, tribo da Paz).
O estilo de religião, os elementos atrativos, a configuração de socialidade e
a visibilidade que a igreja tem ganhado nas diversas mídias renderam a ela um salto de 5.000
membros � no final de 2003 �, para 10.000 membros no início de 2006. Esses números são
estimativos e podem ser questionados considerando: o trânsito religioso que a igreja apresenta
(mais de 67% dos entrevistados participavam de outras religiões e denominações); que ela não
possui mecanismos de filiação de membresia (rol de membros inscritos); que dos
entrevistados 27% eram apenas visitantes; e que a IBDNC existe há seis anos e apenas 01%
dos entrevistados pertenciam à comunidade desde sua criação.
133
No último capítulo da dissertação foi possível recuperar os conceitos de
Teologia Prática, Teologia Pastoral, pastoral e práxis. Caso não tivesse sido recuperado e
diferenciado estes conceitos, a pesquisa científica teria seu valor comprometido. O uso do
senso comum dos conceitos não permitiria uma abordagem com o devido rigor acadêmico. A
construção dos conceitos da liturgia cristã a partir de alguns teóricos, juntamente com a teoria
da práxis em Floristán foram fundamentais na interpretação das práticas litúrgicas da IBDNC.
Sob a chave hermenêutica da teoria da práxis em Casiano Floristán foi possível interpretar
algumas práticas da Igreja Bola de Neve Church.
A questão abordada sobre o fenômeno do trânsito religioso, pôde-se
perceber que a proposta e oferta de bens de consumo no mercado religioso levam as pessoas a
migrar e transitar pelas mais variadas religiões. A busca pela satisfação religiosa é um dos
fatores que levou 14% dos entrevistados a procurar uma nova religião. E ainda, 67% dos
entrevistados já haviam participado ou passado por outras denominações. Se olhar pelo viés
da fidelidade à instituição, a nomenclatura �fiel� pode ficar comprometida. A maioria dos
adeptos não assumem vínculos ou responsabilidades na instituição.
Consideráveis mudanças surgiram no modo do fazer litúrgico nessa
comunidade emergente. A começar pelo espaço de culto. O templo que antes possuía
características históricas e culturais próprias, hoje são imensas salas alugadas, onde se muda
de endereço sem considerar as raízes históricas do local. Algumas mudanças em muito se
assemelham ao neopentecostalismo: o lugar que era destinado à íntima devoção, contrição e
celebração, transforma-se apenas em um �ponto de encontro dos amigos�. Os símbolos, os
ritos, os signos da fé cristã estão esvaziados nessa comunidade.
Geralmente os cultos da igreja são desprovidos de memória pascal; das
relações binomiais entre palavra e rito, fé e sacramento, evangelização e celebração; os hinos
tradicionais com conteúdos teológicos foram extinguidos; o microfone passou da mão dos
ministros regentes para os testemunhos sensacionalistas de conversão e dos discursos de
prosperidade; as festas litúrgicas do calendário cristão estão esquecidas. A liturgia se tornou o
palco, a banda e o pregador legal. Uma boa distração para exorcizar os �males do espírito�.
Desloca-se o conteúdo da mensagem da pregação para a figura carismática
do apóstolo Rina. Os sermões são desprovidos de exegeses dos textos e a hermenêutica é a
134
partir das teologias de prosperidade; batalha espiritual; de um fundamentalismo travestidos
com uma linguagem descontraída e cheia de gírias; da vitória sobre as fraquezas humanas.
Um sermão que se parece muito com um discurso de auto-ajuda. A pregação deixa de ser
reflexiva e libertadora e se transforma em informação e entretenimento.
Diante destas considerações, estão lançados os desafios aos teóricos da
pastoral e aos pastoralistas. Neste período marcado por profundas transformações, o perigo de
conformar-se com a ordem vigente do dia é muito grande. Os desafios encontrados remetem a
pistas para a pastoral da juventude. Para Norbert Mette seria uma falsa conclusão dizer que os
jovens não são acessíveis em termos religiosos.
Por isso, a tarefa de contextualizar a liturgia e a mensagem do evangelho a
partir de elementos que possam ser inculturados pode vir a ser uma interessante proposição.
Uma outra possibilidade é estabelecer uma espiritualidade sadia, centrada na pessoa e obra de
Cristo Jesus. Não uma espiritualidade equivocada, vazia, que sirva-se de pendão estético.
Se possível resumir estas considerações finais em uma frase diante da
seguinte pergunta: o que fazer diante das novas configurações sociais e religiosas? A resposta
poderia ser parafraseada em José Moraleda: é preciso conhecer, discernir, orientar e
dialogar394.
Não foi pretendido em algum momento esgotar o assunto com a elaboração,
desenvolvimento e construção desta pesquisa. Ao contrário. O resultado desta investigação
científica serve-se de subsídio teórico-científico para construir pontes e abrir o diálogo com os
novos pesquisadores e cientistas que terão em suas mãos novas tarefas com as possíveis
lacunas e variáveis que o tema ainda carrega consigo.
394 MORALEDA, José. Op. cit., pp. 57-59.
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Anexo 01
QUESTIONÁRIO
Por favor, responda ao questionário de maneira objetiva. 1) Idade ( ) 15-19 ( )20-24 ( )25-30 ( ) acima de 31 2) Sexo ( ) masculino ( ) feminino 3) Quanto tempo participa da Bola de Neve? ( ) 01- 06 meses ( ) 07 meses � 1ano ( ) 13 meses - 2 anos ( ) mais de 2 anos ( ) desde que se iniciou a comunidade ( ) não participo/sou visitante 4) Participava de outra igreja/religião antes? ( ) sim ( ) não Qual? Quanto tempo?________________________________________________________________ 5) O que mais te atrai nesta Igreja? (classifique em ordem crescente, ou seja, de 1 a 7 de
acordo com a importância).
( ) música/louvor ( ) ambiente/lugar ( ) pregação/palavra ( ) líderes/pastores ( ) pessoas/amigos ( ) estilo da religião ( ) atividades sociais 6) Quantas vezes por semana participa das atividades dessa Igreja? ( ) 1 vez/semana ( ) 2 vezes/semana ( ) mais de 3 vezes 7) O que você acha das outras igrejas como: Presbiteriana, Batista, Metodista e Católica? ( ) são boas, pois, também falam de Deus ( ) atendem nossas necessidades ( ) não atendem nossas necessidades ( ) estão ultrapassadas ( ) outra _____________________________________________________________ 8) Você se considera parte de �uma tribo�? ( ) sim ( ) não Qual?________________________________________ ( ) surfista ( ) hip-hop ( ) skatista ( ) outra: _________________________ 9) Como você ficou sabendo da Igreja Bola de Neve?
( ) amigos ( ) tv, jornal ou revista ( ) internet ( ) outros meios
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Anexo 02
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Anexo 03
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Anexo 04
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Anexo 05
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Anexo 06
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Anexo 07
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Anexo 08
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Anexo 09
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