teoria do crime fdunl - parte ii
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Ilicitude
A ilicitude analisa-se pela técnica negativa da exclusão. Para se saber se se está perante
uma ação ilícita ou não há que verificar se ocorre ou não alguma causa da exclusão da
ilicitude ou causas de justificação do facto. Se a ilicitude se analisa desta forma, uma das
primeiras questões é saber quais são as causas de justificação. Para isso há que ter em conta
o art.º 31 CP.
Roxin e Figueiredo Dias defendem a teoria do ilícito pessoal: o ilícito num crime é um
juízo de ilicitude e por isso o tipo deve ser um tipo de ilícito. Consequentemente, a
tipicidade deve ser apenas um elemento positivo do juízo de ilicitude - em princípio
aquele facto é ilícito. A Tipicidade é o fundamento positivo da ilicitude.
Roxin + Figueiredo Dias = Tipicidade =) Elemento Positivo da Ilicitude
Partindo desta doutrina, quando analisávamos se uma ação é típica ou não, no fundo
estávamos a averiguar positivamente a ilicitude. O juízo mais importante que se pode fazer
em Direito Penal é o juízo da ilicitude. A tipicidade é apenas o fundamento positivo da
ilicitude. Quando averiguamos se uma ação é típica ou não, estamos verdadeiramente a
fundamentar positivamente o juízo de ilicitude. Ao nível da tipicidade, o conceito de tipo
utilizado é o de tipo indiciário.
Quando analisamos o ilícito ou o denominado também por tipo de ilícito, aquilo que fazemos
é verificar a existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou causa de justificação do facto.
Só assim conseguimos afirmar com toda a certeza que um determinado facto é ilícito.
Art. 31.º/2 CP As causas de exclusão da ilicitude não são taxativas, mas apenas enumerativas.
Existem outras causas de exclusão da ilicitude que não estão referidas no n.º2 do art. 31.º
CP. O que o artigo 31.º/1 indicia é que há que averiguar da existência de causas de
justificação do facto típico tendo em consideração a globalidade da ordem jurídica.
Por exemplo, devemos considerar a ação direta como uma cláusula de exclusão da ilicitude-
mas nesta temos de recorrer a uma aplicação de normas de Direito Civil em termos de
aplicação da norma penal.
Existem causas de exclusão da ilicitude em relação a determinados tipos de crime que
constam da Parte Especial CP. Exemplo: Crime de aborto do artigo 140.º.
Causas de exclusão da ilicitude supra legais- são aquelas que não estão previstas pela
ordem jurídica, mas que são de admitir face aos princípios enformadores das causas
de justificação, princípios estes que foram determinados pelo legislador com legitimidade
democrática.
Legítima defesa- de uma maneira muito remota, nesta causa de justificação do facto típico, a
única forma de proteger o nosso bem jurídico será intervir sobre o bem jurídico de aquele
que ameaça o bem que o Direito Penal nos tutela.
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Fundamento da causa de exclusão da ilicitude propugnado pela Legítima defesa
Figueiredo Dias: Princípio da ofensa do Direito em relação ao Ilícito
Maria Fernanda Palma: dignidade da pessoa humana
Legítima defesa preventiva:
Pressupostos Objetivos da Legítima defesa: agressão atual e ilícita.
A legítima defesa preventiva será aquela que se realiza quando se está perante uma agressão
ilícita mas não atual, mas eminente.
O exemplo académico comumente dado nas faculdades pelos Professores é o seguinte:
alguém está preso numa cadeira num prédio a olhar para uma determinada janela e vê uma
pessoa atravessar a rua. Sabe que essa pessoa vai entrar no prédio para o matar. Devido à sua
posição, a única alternativa que tem para se defender é o disparo no momento em que o
sujeito atravessa a rua. A partir do momento em que o sujeito conseguisse entrar no prédio,
a pessoa que estava presa na cadeira deixaria com certeza de se poder defender. Disparando
e matando a pessoa que atravessa a rua, atua com uma causa de exclusão da ilicitude, i.e., em
sede de legítima defesa preventiva. Ou seja, apesar de não se ter verificado uma agressão
atual, a única forma que a pessoa tinha de tutelar o seu próprio bem jurídico era
atuando naquele momento. Foi a esta a figura utilizada por Geoge W. Bush para realizar
os ataques no Iraque no ano de 2003. Portanto, a legítima defesa preventiva é uma causa
de justificação ou exclusão supra legal- não está prevista expressamente na nossa lei,
contudo é de admitir face aos princípios que enformam no nosso ordenamento
jurídico-penal.
Princípio da Legalidade e as Causas de Exclusão da Ilicitude
Não há nenhuma afetação do princípio da legalidade, por que este está a ser aplicado
são normas que excluem ou diminuem a responsabilidade jurídico-penal a que o
agente pode ser submetido. O princípio da legalidade tem que ver com a função de
proteção do cidadão contra o arbítrio do Estado. Ora, se esta é a função do princípio e
a finalidade do mesmo, faz todo o sentido dizer que este só se aplica às normas positivas que
fundamentam ou agravam a responsabilidade penal, porque em relação a estas normas pode
já ser feito um uso de certa forma mais arbitrário por parte do Poder Estatal. Em outro
molde, as normas negativas são normas que por si só protegem o cidadão e por isso
não há necessidade de aplicar o princípio da legalidade. É em face deste princípio
que algumas causas de exclusão da ilicitude supra legais são admitidas em Direito
Penal.
O nosso estudo vai recair principalmente sobre as causas de exclusão enumeradas pelo artigo
32.º/1 do CP.
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Questões prévias que constituem denominadores comuns em relação a
todas as causas de exclusão da ilicitude
1.ª Questão
Ausência dos Elementos Subjetivos das Causas de Exclusão da Ilicitude
Para determinado comportamento estar justificado e a sua ilicitude ser excluída é ou
não preciso para além do preenchimento dos elementos objetivos exigidos pela lei,
que se verifiquem também elementos subjetivos, i.e., é ou não necessário para se verificar
uma causa de exclusão, o conhecimento da situação justificadora por parte do
agente?
Durante muito tempo, com a Escola Neoclássica e de entre nós com a pessoa de
Cavaleiro Ferreira, defendeu-se que os tipos justificadores integravam apenas elementos
objetivos. Nesta aceção, para se verificar uma causa de justificação bastavam os
elementos objetivos.
Escola Neoclássica + Cavaleiro Ferreira = Causas de Justificação (Elementos Objetivos)
Atualmente, a maior parte da Doutrina entende que as causas de exclusão da ilicitude
integram também elementos subjetivos da ilicitude e exigem o conhecimento da
situação justificadora por parte do agente.
o Principal Razão: Só se consegue a plena justificação do comportamento se
houver o conhecimento da situação por parte do agente defensor, porque
somente esse conhecimento pode fundar a eliminação do desvalor da
ação.
Mas em que consiste precisamente a ilicitude?
Formal: contraditoriedade para com a norma jurídica;
Material: desvaliosidade atribuída a um comportamento porque lesivo do
bem jurídico.
Para haver uma representação por parte do sujeito, temos de conceber o juízo de ilicitude
como um juízo central.
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Juízo de Ilicitude
O juízo da ilicitude é para grande parte da Doutrina um juízo de desvalor que recai sobre
a conduta adotada pelo agente.
Desvalor da ação: conhecimento ou possibilidade de conhecimento de que
se está a realizar um facto típico e ilícito;
Desvalor do resultado: lesão ou perigo de lesão de bens jurídicos protegidos
pelo tipo.
Juízo de Ilicitude vs. Juízo de Culpa- Distinção quanto ao objeto
Objeto do juízo de Ilicitude: desvalor que recai sobre a conduta
Objeto do juízo de Culpa: o juízo de censura na culpa recai sobre o agente porque
tinha a possibilidade de se motivar pelo Direito e ainda assim optou por não
o fazer
Como se analisa a ilicitude em Direito Penal?
Ocorre uma causa de exclusão da ilicitude- comportamento lícito;
Não ocorre uma causa de exclusão da ilicitude- comportamento ilícito.
Importância dos elementos objetivos e subjetivos das causas de exclusão da
ilicitude
Com a presença dos elementos objetivos das causas de exclusão da ilicitude conseguimos
eliminar ou pelo menos atenuar o desvalor do resultado. Mas só com a presença de
elementos subjetivos da causa de justificação, conseguiremos atenuar o desvalor do ação.
Portanto, se o juízo de ilicitude é composto pelo desvalor da ação e pelo desvalor de
resultado, temos de conseguir compensar ambos os desvalores.
Como é compensado o desvalor de resultado?
A dispara sobre B porque B estava pronto a disparar sobre A. Contudo, foi o A que
disparou sobre B e o resultado morte verificou-se em relação a este último. O
desvalor do resultado é a morte e a lesão do bem jurídico vida. Ora, este
desvalor é considerado como compensado pelo facto de haver uma agressão
atual e ilícita por parte de B, o que acaba por atenuar o desvalor da conduta de A.
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Copensamos desta maneira o desvalor do resultado. Se A dispara sobre B por
vingança, mas se faz prova que B estava pronto a disparar sobre A e este
última não fazia a ideia não se atenua o desvalor do resultado, uma vez que
não se verifica o elemento subjetivo. Para a maior parte da Doutrina, o A tem que
conhecer da situação para compensar o desvalor da ação- elemento subjetivo.
Suma: Só com a presença do elemento subjetivo da causa de exclusão da ilicitude é
que se consegue atenuar ou compensar o desvalor da atuação de A. Neste caso, em
que A dispara sobre B por vingança mas não sabe que B estava pronto para disparar sobre
ele, não se conseguirá justificar o desvalor da ação. O sujeito atua representando e
atuando com vontade de praticar o ato ilícito.
Figueiredo Dias
“Quem desconhece a situação justificadora, atua com um desvalor de ação
equivalente do lado subjetivo ao de um autor de um facto relativamente ao qual não
se verifica qualquer situação de justificação”.
Causas de Justificação
=
Elementos Objetivos- agressão atual e ilícita
+
Elementos Subjetivos- cognoscibilidade do agente da agressão
Posição do CP: artigo 38.º/4
De acordo com este n.º, se o consentimento não existe e não é do conhecimento do
agente, este vai ser punido com pena aplicável à tentativa.
O que carateriza a tentativa em relação a um crime de resultado?
Na tentativa não há um desvalor do resultado e o agente vai ser punido simplesmente
pelo desvalor da conduta que adotou. O legislador vem-nos dizer que o agente é punido
por tentativa porque o único desvalor que existe é aquele conexo com a conduta do agente.
Ora, quando não há elemento subjetivo, não se pode compensar o desvalor da ação.
Não há elementos subjetivos (cognoscibilidade do agente) - mas há- elementos objetivos
(agressão atual e ilícita): o agente vai ser punido por tentativa porque o desvalor da ação
é objeto de censura jurídico-penal.
Maior parte da Doutrina: Artigo 38.º/4- este n.º aplica-se por analogia a todas as
causas de exclusão da ilicitude e mais uma vez temos de dizer que neste caso a analogia
é permitida porque favorável ao agente. Este n.º4 aplica-se a todas as causas de exclusão
da ilicitude, mas não se não se verificam os elementos subjetivos o agente deve ser punido
a título de tentativa.
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Professora Conceição Vale Dágua: ainda que não existisse o artigo 38.º/4, podíamos
punir o agente por tentativa segundo uma analogia para com o artigo 23.º.
Caso Prático António vai numa determinada estrada, vê um volume de cartão no chão e passa-lhe por cima. Por debaixo
desse volume estava B, deitado com o objetivo de forçar o condutor a parar e mal ele saísse do carro disparar.
Determine a responsabilidade jurídico criminal de A?
O saber se havia ou não uma ação jurídico penalmente relevante dependia da ponderação da
cognoscibilidade dos elementos subjetivos da própria ilicitude. Podia discutir-se se
havia ou não sinais objetivos de perigo que pudessem levar o agente a ter consciência do
perigo da ação. O próprio conceito de ação e os casos de negligência inconsciente
dependem da existência de um elemento subjetivo.
Para a Professora, a cognoscibilidade individual do agente é o elemento determinante para
aferirmos da existência de uma ação jurídico penalmente relevante.
a) A ação era jurídico penalmente relevante:
a. Haviam sinais objetivos de perigo- a pessoa podia prever que debaixo
daquela caixa de cartão estivesse algo.
Elementos Subjetivos do Tipo: dolo ou negligência?
Há negligência inconsciente ou consciente a questão era discutível.
Sabendo que o Homem estava parado ali de propósito para aí disparar à queima-roupa sobre
o A, podemos considerar como verificáveis os elementos objetivos da ilicitude:
Elementos objetivos das causas de exclusão: a agressão do sujeito B era atual
e ilícita;
Elementos subjetivos: A atua em negligência consciente ao nível do tipo
subjetivo do ilícito
Atuando o sujeito A ao abrigo da negligência consciente, ao contrário daquilo que aconteceria
nos crimes de resultado, basta a presença dos elementos objetivos da causa de
justificação do facto ilícito. Nos crimes negligentes, ao contrário daquilo que acontece
nos crimes dolosos, para atuarmos com uma causa de exclusão da ilicitude, basta que
se verifiquem os elementos objetivos do tipo.
Existência de elementos subjetivos mas ausência ou representação errónea dos
elementos objetivos das causas de justificação do facto- Legítima defesa putativa
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Consequências jurídicas de ter havido um erro sobre os pressupostos de facto, i.e., sobre os elementos
objetivos de uma causa de justificação? Estas são situações em que se verifica o elemento
subjetivo, mas em que os elementos objetivos se não dão como verificáveis. Se A pensa que
B o vai agredir, mas afinal o B só vai buscar uma carteira ao bolso, há efetivamente
uma representação errónea da realidade.
Sim: verificam-se os elementos subjetivos;
Não: não se averigua a existência de elementos objetivos.
Legítima defesa Putativa
Há nestes casos um erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de justificação.
Imaginemos que A se aproxima de B para o cumprimentar e ao tirar a mão do bolso em punho, o B
pensa que o A o vai atacar. Consequentemente defende-se e agride-o. Há um erro: o sujeito
representa uma agressão por parte de B, mas essa agressão efetivamente não existe. Esta é a
chamada Legitima defesa Putativa.
Teoria do Dolo: Eduardo Correia (Professor da Universidade de Coimbra)
Esta Teoria considera que a consciência do ilícito é elemento do dolo a par do
conhecimento e vontade da realização do facto típico. Ora, no caso de erro sobre os
pressupostos de facto de uma causa de justificação não há consciência do ilícito e por isso
a consequência é a mesma: exclui-se o dolo.
2.ª Questão
Ausência de elementos subjetivos, mas verificação de elementos objetivos
Situação em que o agente pensa que se verifica uma causa de exclusão da ilicitude,
mas na realidade esta não existe
Há um erro sobre os pressupostos de facto sobre a legítima defesa, por exemplo.
Teorias
Teoria do dolo (ou) Teoria da culpa.
Teorias da Culpa
Teoria da Culpa Rigorosa ou Estrita
De acordo com esta teoria, o dolo ocorre sempre que houver conhecimento e
vontade na realização do facto típico pelo agente. Como no caso do erro sobre
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os pressupostos da causa de exclusão da ilicitude não se poderá excluir o
dolo. As únicas consequências sobre erro em relação aos pressupostos de
facto de uma causa de exclusão da ilicitude só se dá ao nível da culpa e por isso
numa situação de erro exclui-se a Culpa, não o dolo.
Teoria Moderada ou Limitada da Culpa
o Defendida por Maior Parte da Doutrina- designadamente Stratenvert.
Para esta Teoria, nos casos de erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de
exclusão da ilicitude, está-se na presença de um erro sui generis, ou seja, há
efetivamente um erro sobre o facto típico e simultaneamente um erro sobre a
ilicitude. É um erro sobre a factualidade típica e sobre a natureza fáctica- há
uma discrepância de entre aquilo que o agente pensa e aquilo que
verdadeiramente acontece. Nestas situações, o agente geralmente representa a
realidade de uma maneira errónea.
Contudo, tal como no erro na ilicitude, a vontade do agente continua a ser
conforme ao Direito. Este erro sobre a ilicitude vai por nós ser abordado na parte
da Culpa.
No caso em que o A atua e pensa que o está a fazer ao abrigo de uma causa de
exclusão da ilicitude o que acontece é que o agente pensa que estava a atuar em
conformidade com os ditames da nossa ordem jurídica.
Erro sui generis
=
Representação errónea da realidade- discrepância de entre o que o agente
pensa e aquilo que acontece na realidade
+
Atuação desconforme para com as regras e princípios vigentes ao nível do
nosso ordenamento jurídico
Solução: aplicação do regime do erro sobre os pressupostos do facto típico- artigo
16.º/1
Rui Pereira: Qual o regime a ser utilizado neste erro?
Para o Professor Rui Pereira, nas situações de erro sobre os pressupostos de facto sobre as
causas de exclusão da ilicitude, estamos perante uma situação incompatível com a
situação de dolo uma vez que nestas situações o desvalor da ação é tão diminuto que
não é compatível com a figura do dolo. Por isso considera o Professor que o desvalor da
ação que aqui existe é similar ao desvalor da ação nos crimes negligentes, i.e., tal
como nos crimes negligentes, também aqui o que acontece é que o agente representa
mal a realidade. O agente viola o dever de cuidado ao interpretar mal a situação. Por
isso, com base nesta fundamentação, para o Dr.º Rui Pereira, nos casos de erro exclui-se
o dolo e o agente deve ser punido a título de negligência por razões analógicas.
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Exemplo: Mulher dinamarquesa que veio a Portugal e abortou na 13.ª semana de gravidez.
Fê-lo porque achava que era permitido à luz das regras vigentes no nosso sistema jurídico-
penal. Nesta hipótese, a pessoa está a atuarem erro sobre uma causa de exclusão da
ilicitude.
Figueiredo Dias: Para o Professor, nestes casos, exclui-se o dolo em sede de culpa
porque falta o elemento emocional do dolo, i.e., mas não ao nível do tipo de ilícito
subjetivo. O agente nestas situações para este professor não teve nenhuma vez consciência
da ilicitude do facto. Falta o elemento emocional do dolo e por isso exclui-se o dolo ao
nível da culpa. Segundo Figueiredo Dias, podemos afirmar no caso concreto a
existência do dolo do tipo, mas excluirmos simultaneamente o dolo ao nível da culpa.
Artigo 16.º/2
O preceituado no nº2 do artigo 16.º abrange o erro sobre o estado de coisas que a existir
excluiria a ilicitude do facto ou a culpa do agente. O n.º1 do mesmo preceito diz-nos que o
erro sobre os elementos de facto ou de direito de um tipo de crime exclui o dolo. Qual a
consequência? Exclui-se o dolo e a pessoa pode eventualmente ser punida a título de
negligência- n.º3. Quando o n.º2 diz o “preceituado no número anterior” só se refere à parte em
que se exclui o dolo com estatuição normativa. Se, por exemplo, o sujeito A representa o
B a bater-lhe, podemos afirmar que há um perigo de a agressão ser atual e ilícita por parte do
agente B que lhe permitiria excluir a ilicitude se fosse verdadeira, mas nós sabemos bem que
a agressão não era verdadeira. Nestes casos, o legislador diz que se exclui o dolo. É claro
que o Professor Figueiredo Dias está por detrás deste artigo e pensa na exclusão do
dolo ao nível da culpa.
Posição de Figueiredo Dias- Dolo
O nosso CP só prevê a Teoria da exclusão do dolo nos termos do artigo 16.º CP. O que
importa neste âmbito é o artigo 16.º/2. Segundo este, o agente não é punido a título de
dolo, mas continua a poder ser punido a título de negligência se violou um dever de
cuidado, i.e., se o agente teve a capacidade de representar a realidade. O autor deste artigo
foi Figueiredo Dias e, portanto temos de perceber que, quando CP estatui a exclusão do
dolo, o faz ao nível da culpa e não ao nível da ilicitude.
Posição de Maria Fernanda Palma- Culpa
A professora Maria Fernanda Palma começa por dizer que a tomada de uma posição em
relação ao regime aplicável no caso de erro sobre os pressupostos de facto sobre uma causa
de exclusão da ilicitude não precisamos de aceitar os pressupostos da Teoria do Dolo
ou da Teoria da Culpa.
Para a Professora, o que importa é analisar o sentido substancial deste erro, i.e., saber
se o erro é de natureza factual ou se estamos antes perante um erro de cariz moral.
Erro de natureza factual vs. Erro de cariz moral
Erro Factual: representação errónea da realidade
Erro de cariz moral: representação errónea da ordem jurídica
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Para a Professora Bárbara Sousa Brito, a Professora Maria Fernanda Palma tem razão ao
afirmar que o erro moral deve ter um regime mais severo que o aplicável ao erro
factual. Assim, quando há um erro factual deve exclui-se o dolo e aplicar-se o artigo
16.º/2 CP uma vez que o agente representa corretamente a realidade, mas tem uma
ideia errada da ordem jurídica. Há um erro moral na valoração e portanto, para esta
Professora a única consequência é excluir a culpa se o erro não for censurável. Então
temos de aplicar o artigo 17.º/1 CP. Há, sim, nestes casos, uma verdadeira exclusão da
culpa em vez de haver uma exclusão da ilicitude.
Exemplo: Caso da dinamarquesa que vem a Portugal e pensa que é possível abortar na 16.ª
semana de gravidez.
Mas o que distingue a ilicitude da culpa?
A culpa decorre de uma atitude do agente pelo facto de ele ter consciência do
ilícito e de ter a capacidade de se motivar de uma maneira diferente;
Na ilicitude o juízo de desvalor recai sobre a conduta- ou seja- o juízo incide sobre
o comportamento
Nestes casos, a Professora Maria Fernanda Palma diz-nos que por exemplo o
comportamento da dinamarquesa não deixa de ser ilícito, uma vez que continua a
haver um desvalor da ação e simultaneamente um desvalor do resultado. Fernanda
Palma considera sim que não existe culpa, uma vez que o agente representou uma causa
de justificação que não existe ao nível do nosso ordenamento jurídico. Portanto, aquilo
que Fernanda Palma nos vem dizer é que não é preciso optar de entre a existência ou não de
dolo para que possa haver uma exclusão da culpa, ou seja, contrariamente ao Professor
Figueiredo Dias, não precisamos de saber se o dolo tem elemento emocional, ou se este
elemento emocional faz parte da culpa.
Só interessa saber se há:
o Erro factual- artigo 16.º CP
o Erro moral- artigo 17.º CP
Nota: Na resolução dos casos práticos, e dada a grande amplitude dada ao artigo 16.º pelo
Código Penal, devemos sempre especificar que aplicamos o n.º2.
(n.º1)
Caso do erro sobre o objeto
+
Caso sobre um erro em relação a uma norma neutra
(n.º2)
Erro sobre os pressupostos de uma causa de exclusão da ilicitude ou de uma causa
de exclusão da culpa- conforme a conceção que adotarmos
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Causas de exclusão da ilicitude Artigo 31.º/3 CP: enumeração não taxativa
Processo:
1. Elementos Objetivos das causas de exclusão
2. Elementos Subjetivos das causas de exclusão
Legítima Defesa
Pressupostos da Legítima defesa:
Elementos Objetivos da Legítima defesa
1- Existência de uma agressão física, atual e ilícita
Há uma agressão quando há um comportamento jurídico penalmente
relevante que é dominado ou dominável pela vontade. Dentro deste
conceito cabem não só as ações em sentido estrito, mas também as próprias
omissões.
Por exemplo, o pai que não salva a criança que se está a afogar dentro de água
pode ser coagido por outrem com uma pistola a empreender essa atuação
devida.
A agressão tem que ser ainda contra pessoas, não podendo considerar-se
como legítima defesa uma atuação defensora de comportamento que não são
jurídico penalmente relevante:
o Comportamentos Animais;
o Cogitações ou Pensamentos;
o Comportamentos Reflexos /Automáticos / Extintivos
Por exemplo, se uma pessoa nos ataca durante um ataque de sonambulismo,
a defesa empreendida da nossa parte não pode ser considerada como um
ataque em legítima defesa.
Agressão física: quanto a este aspeto, é relevante sabermos que uma agressão pode ser
física e acabar por não ser de tal modo violento que coloque em causa a integridade
dos bens jurídicos que são tutelados por uma norma jurídico-penal.
Se houver uma agressão possível e desta puderem resultar danos para um bem
jurídico, a nossa atuação defensiva é considerada como empreendida em sede de
legítima defesa.
Contudo, se estamos perante uma tentativa impossível não atuaremos em legítima
defesa.
Por exemplo, se alguém está a atacar uma pessoa que já está morta, há uma
verdadeira tentativa impossível, pelo que a conduta nunca se poderá
considerara como incluída no rol de atuações em legítima defesa.
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Neste âmbito, é importante percebermos que a ação jurídico penalmente relevante não pode
estar justificado- ou seja- não podemos considerar a existência de uma legítima defesa
contra legítima defesa.
A ilicitude da agressão em legítima defesa não quer dizer que a atuação seja necessariamente
dolosa ou culposa, pelo que podemos considerar uma atuação em legítima defesa
contra ações negligentes. Contudo, só há a possibilidade de alguém atuar em legítima
defesa quando as ações empreendidas pelo suposto agressor são ilícitas. Pode ainda
haver uma ação em legítima defesa contra ações desculpáveis. Isto quer dizer que se o
inimputável me ataca eu posso responder empreendendo uma ação que acabe por ser
executada em legítima defesa, o que acabará por excluir a ilicitude do meu comportamento.
Âmbito da Legítima defesa
Ações dolosas;
Ações negligentes;
Ações desculpáveis- quando a ação é empreendida contra nós por um inimputável
com anomalia psíquica ou em função da idade que apresenta.
A agressão é atual quando o perigo de lesão do bem jurídico se verifica no
momento em que o agente defensor atua ou quando a possibilidade de ataque
é eminente.
Doutrina Maioritária: só são atuais aqueles atos de exclusão que são conformes com a
alínea c) do artigo 22.º CP- esta parte acabaremos por estudar quando abordarmos a tentativa.
Conclusão importante: não pode haver legítima defesa contra:
o Uma ação já consumada; ou
o Contra uma agressão futura mas não eminente.
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Por exemplo, aquele que vê alguém a vir a sua casa com uma arma e que tem como única
possibilidade de tutela dos seus diretos a atuação naquele momento, acaba por atuar em sede
de legítima defesa, uma vez que o perigo de lesão do bem jurídico é eminente. Estamos
no âmbito da já falada legítima defesa preventiva- esta é uma causa de exclusão da ilicitude
admitida pela Doutrina mas que não se encontra prevista na lei- causa de exclusão da
ilicitude supra legal.
Outros requisitos considerados como pertencentes aos elementos objetivos da legítima defesa:
o Interesse juridicamente relevante do defensor ou de terceiro;
o Não pode haver uma provocação preordenada;
o O meio tem de ser necessário e adequado.
1. Têm que existir interesses juridicamente protegidos do agente ou de
terceiros
A legítima defesa pode consistir numa atuação em interesse próprio, ou para proteção da
esfera de uma terceira pessoa. Mas em relação a esta terceira pessoa, só devemos
considerar a legítima defesa nos casos em que a pessoa não disponha de meios de
auto tutela dos direitos que o ordenamento lhe confere na sua esfera jurídica.
Passos que devemos seguir:
a. Devemos identificar qual o bem jurídico suscetível de ser afetado;
b. Seguidamente, há que ver se este bem é disponível ou não- obviamente que a
vida de alguém não está na disponibilidade de outrem. O direito à vida é um
direito inalienável.
Exigência de Proporcionalidade: a atuação defensiva tem que ser proporcional ao
risco criado suscetível de afetar o bem jurídico em causa. Assim, para a Professora
Maria Fernanda Palma, nos casos em que não há proporcionalidade na atuação
defensiva não se pode sequer falar na figura da legítima defesa.
o Há um elemento implícito na legítima defesa que é a proporcionalidade entre o
bem jurídico lesado e o bem jurídico ofendido. Para a Professora Maria
Fernanda Palma este elemento tem que ver com o princípio justificados da legítima
defesa;
o Contrariamente, para o Professor Figueiredo Dias, o elemento específico a
considerar neste âmbito é o elemento emocional.
2. Não pode haver uma provocação preordenada
A provocação preordenada é uma agressão que é dirigida a alguém para obter dessa
pessoa uma reação agressiva. Ora, nestas situações, não se pode evidentemente falar
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de legítima defesa, uma vez que a pessoa provoca a outra com intenção de que
essa a agrida, alegando posteriormente uma legítima defesa que depois acaba
por não ocorrer.
O que acontece nestas situações é que o agente se aproveita da fragilidade emocional do
outro. Não se coloca sequer em questão a possibilidade de existir uma legítima defesa para
defender o bem jurídico a ser afetado.
Por exemplo, A provoca B para que o C, em reação agressiva venha a matar B. Ora, o
C está em erro sobre os pressupostos de facto sobre a legítima defesa. Na verdade, neste
caso, não existe uma verdadeira agressão atual e ilícita. Houve uma provocação preordenada
e esse erro em que C se encontra faz com que se exclua o dolo. A acabará por ser punido
como autor mediato do crime- C: erro sobre os pressupostos de facto de exclusão da
ilicitude- exclui-se o dolo e eventualmente o agente pode ser punido a título de negligência.
3. O meio tem que ser necessário e adequado
É preciso:
Que, na situação concreta, tenha sido impossível o recurso à força pública como
forma de tutela dos direitos;
O meio utilizado pelo agente tem de ser eficaz e o menos gravoso de entre
todos aqueles que o agente dispunha ao seu alcance no momento em que
atuou;
O meio utilizado deve ser ainda adequado e o único possível que o agente tinha
naquele momento para evitar a lesão do bem jurídico.~
(eficaz; menos gravoso; adequado; único possível)
Juízo de Prognose Póstuma:
O juízo que deve ser feito é um juízo de prognose póstuma, i.e., perguntamo-nos se o
Homem Médio com os conhecimentos especiais do agente tinha a possibilidade de
prever que aquele fosse o meio menos gravoso entre os disponíveis, sendo este também
eficaz para tutela dos direitos.
Por exemplo: imaginemos alguém que furta maçãs constantemente num pomar. O proprietário
do pomar já fez de tudo para impedir que a pessoa em causa lhe furtasse os frutos que retira
da sua propriedade: já falou com a mãe do rapaz e com a polícia. O proprietário do terreno,
furioso, com mais uma escapadela de maçãs, agarra numa caçadeira e acerta no rapaz. Era
este meio necessário e proporcional? Qual era o bem jurídico que estava a ser afetado? Qual foi o bem jurídico
colocado em causa com a atuação defensiva do proprietário? Podia o Homem da terra ter atuado em legítima
defesa?
Esta situação não consegue ser resolvida através do critério do meio necessário.
Maioria da Doutrina: Exigência de Proporcionalidade
Uma atuação em legítima defesa está sujeita a limites ético-sociais. Daqui resulta que
tem de haver uma proporcionalidade de entre o bem jurídico lesado e o bem jurídico
15
defendido. Ora, na hipótese supra descrita, não houve qualquer proporcionalidade na
atuação:
Bem jurídico Lesado = Vida / Integridade Física
-/-
Bem Jurídico defendido = Propriedade
(Manifesta Desproporcionalidade)
Figueiredo Dias- abuso de Direito
O Professor Figueiredo Dias recorre à figura do abuso de Direito para dizer que existem
determinadas atuações que estão fora do âmbito do artigo 32.º CP.
Maria Fernanda Palma- dignidade da pessoa humana
Para a Professora Maria Fernanda Palma a posição a ser assumida deve ser outra. Segundo a
Professora, todas as causas de justificação têm princípios ínsitos: no caso da legítima defesa
o que está por detrás é a necessidade de defesa de um direito meu ou de terceiro em
face a um ilícito. Para Maria Fernanda Palma, o princípio da dignidade da pessoa
humana deve ser o critério utilizado para aferir ou não da presença de uma atuação
em legítima defesa. Temos de ver se há ou não uma insuportabilidade da lesão do
bem jurídico.
No caso do furto das Maçãs: a não consideração da legítima defesa era fundamentada
segundo:
Figueiredo Dias- Abuso de Direito;
Maria Fernanda Palma- Insuportabilidade do bem jurídico- desproporcionalidade
e afetação do direito à vida enquanto direito inalienável.
Cavaleiro Ferreira:
Para este autor, em vez da divisão de entre elementos objetivos e subjetivos, temos de
considerar os elementos das causas de justificação como divididos de entre pressupostos e
requisitos. Para Cavaleiro Ferreira:
Pressupostos: as condições sem as quais não se verifica uma causa de justificação,
sendo que estes pressupostos têm que estar reunidos no momento em que o agente
empreende a atuação a priori defensiva:
o Interesses Protegidos
Requisitos: elementos intrínsecos da causa de justificação que caraterizavam o
comportamento do agente e nesse sentido estabelecem limites para a sua atuação.
o Pressuposto e necessidade do meio de tutela
Posição da Professora Bárbara Sousa de Brito:
A Professora defende que a divisão entre elementos objetivos e subjetivos é muito mais
funcional e até facilita a resolução de casos práticos. Na nossa legislação, o CP interessa-
16
se com a questão do erro- pelo que nos basta preocupar com os elementos subjetivos das
causas de exclusão da ilicitude ou justificação do facto.
Elemento Subjetivos da Legítima Defesa:
Animus defendendi-
A pessoa tem de representar a agressão atual e ilícita e tem de ter vontade de repelir
essa agressão.
Animus defendendi
=
Representação da agressão atual e ilícita
+
Vontade em repelir essa agressão
O elemento subjetivo da legítima defesa tem:
Componente Inteletual;
Componente Volitiva.
A partir do momento em que os momentos intelectual e volitivo estão verificados os
pressupostos subjetivos da legítima defesa estão preenchidos.
Mas pode haver uma motivação negativa do agente: por exemplo, ainda bem que me
tentaste bater porque assim posso agredir-te quantas vezes me apetecer- não há uma
atuação em legítima defesa- mas a prova é difícil de ser feita em processo penal da motivação
negativa do agente.
Direito de Necessidade- artigo 34.º CP
Elementos Objetivos
a) Perigo atual e real
Neste caso, o perigo é acepcionado no sentido de probabilidade de ocorrência de
um dano para o bem jurídico. Também aqui se a pessoa pensa que existe um
perigo, mas este não ocorre, aplicamos o artigo 16.º/2 CP.
b) Ameaça a interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro
c) Facto praticado tem que ser o meio mais adequado para afastar o perigo
O meio tem que ser o necessário, mais eficaz, e capaz de afastar o perigo.
Também tem que ser o menos gravoso de entre os possíveis meios que o agente
tenha ao seu dispor. Ou seja, a atuação do agente tem que ser socialmente
aceitável tendo em consideração as circunstâncias concretas da atuação;
17
Requisitos adicionais
i. Não existir uma provocação voluntária por parte do agente da
situação de perigo- alínea a), artigo 34.º CP
Doutrina Maioritária: este elemento só se justifica quando a situação de perigo
tenha sido dolosamente criada pelo próprio que se viu envolvido numa
situação de perigo. Além disso, consideram os Doutrineiros que este elemento só
pode ser subsumido a uma análise jurídico penalista nos casos em que o agente atua
em causa própria- não se reconhece a importância deste elemento quando o
agente atua para salvaguardar interesses de terceiro.
Exemplo: Senhor idoso que já fez tudo para comprar um medicamento fulcral para a sua sobrevivência: já
se dirigiu ao Instituto de Segurança Social, à Junta de Freguesia, etc., mas não obteve o dinheiro para comprar
os comprimidos de que tanto precisava. Na sequência, vai a uma farmácia e furta um medicamento. Atua
no âmbito do artigo 34.º CP- Rui Pereira
Qual a diferença de entre o direito de necessidade e a legítima defesa?
(Agressão)
Na legítima defesa a causa do perigo é uma agressão.
No direito de necessidade a causa do perigo não é uma agressão
ii. Tem de haver uma sensível superioridade do interesse a
salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado- alínea b),
artigo 34.º CP
O legislador utiliza a palavra interesse e não bem jurídico, e daqui pode-se retirar que
o que está em causa não é uma comparação de bens jurídicos- como acontece
no caso por exemplo da legítima defesa. O legislador quis chamar à atenção para
outros fatores, designadamente para o reflexo subjetivo do bem jurídico na esfera
jurídica do seu titular. Por exemplo, se o mesmo bem jurídico pode ter um valor
diferente consoante o seu titular, precisamente por causa do peso na esfera do seu
titular, então tem que haver uma ponderação sobre a atuação em sede de direito
de necessidade consoante os circunstancialismos do caso concreto.
Situação exemplificativa: A para evitar perder o seu ordenado parte os óculos a B que são do
mesmo valor do que o seu ordenado. Pressuporemos que B é milionário. Sendo poderoso, o interesse
a salvaguardar não é superior ao interesse de A que pode perder o seu ordenado. O bem jurídico
patrimonial e pecuniário têm o mesmo valor, mas o interesse a salvaguardar
é muito maior em relação à pessoa de A do que em relação ao B que possui
meios económicos suficientes para comprar outros óculos.
Legislador: Interesse juridicamente relevante -/- Bem jurídico Protegido
(outra diferença para com uma situação de legítima defesa)
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Estas situações de direito de necessidade também estão relacionadas com a proximidade do
perigo e com o grau de perigo. Por exemplo, uma lesão muito longínqua da vida pode não valer
tanto como uma lesão eminente da integridade física. Exemplo da ambulância.
Contudo, o legislador não diz apenas que o interesse tem que ser superior ao interesse
sacrificado: tem que ser sensivelmente superior. Esta sensibilidade na superioridade apela aos
sentidos a nível social e cultural. O que importa é o sentido geral da comunidade face
ao interesse que subsistia na esfera daquele sujeito que acaba por se sacrificar
(farmácia) - a desproporcionalidade não tem que ser manifesta nem inequívoca.
Por exemplo, se para salvar as flores do cão do vizinho o agente decide matar o cão: há
suficiente superioridade? Não há suficiente superioridade para se considerar que a atuação do agente foi feita
em sede de direito de necessidade. Mas a superioridade sensível já pode ser considerada no caso de as flores
serem o sustento da pessoa, que as usa com forma de obter rendimentos.
iii. Razoabilidade de imposição ao lesado do sacrifício do seu
interesse tendo em atenção a natureza ou o valor do interesse
ameaçado- alínea c), artigo 34.º CP
Situação exemplificativa: Alguém no hospital precisa de um certo tipo de sangue e estão três
pessoas no hospital. Uma delas tem esse tipo de sangue. Posso compulsivamente tirar o sangue
dessa pessoa caso ela não queira para salvar a vida da pessoa necessitada do sangue? Não é razoável
obrigar alguém a dar sangue para salvar a vida de outra pessoa. Estamos perante um
bem jurídico individual que não é de cariz patrimonial- o direito de disposição do corpo
pertence a cada um. Não devem ser outros a decidir o destino da minha atuação em termos
de ponderar doar ou não sangue. Tem que ser razoável o sacrifício imposto ao lesado.
Critério:
(Maria Fernanda Palma)
Dignidade da pessoa humana- - - traços de personalidade de uma pessoa.
Maria Fernanda Palma: devemos perguntar-nos:
Faz sentido retirar o direito sobre a pessoa que acabará por sofrer as
consequências do ato?
Outro exemplo: Podemos obrigar uma pessoa a tirar sangue com intuito de evitarmos uma epidemia?
Será esta imposição razoável? Neste caso nem podemos considerar a existência de um sacrifício
pessoal, porque a própria pessoa que será como que “coagida” a tirar sangue tem interesse
em evitar a epidemia. Também desta última podem surtir danos para a sua esfera jurídica.
Outro Exemplo: Homem gordo está a tapar uma entrada principal de um centro comercial
quando está a ocorrer um incêndio. Pode fazer-se explodir o Homem para as outras pessoas
19
conseguirem sair? Consideremos que as outras saídas estavam do lado oposto. O interesse a
salvaguardar é superior ao interesse sacrificado- várias vidas -/- Vida Homem gordo +
Várias vidas. O que acontecia é que o Homem Gordo acabaria por morrer em qualquer
situação, sendo que a vida das restantes pessoas podia ser resgatada. Será então razoável impor
ao Homem Gordo a explosão? Não. Para a professora, a única figura que poderíamos subsumir
ao caso sub judice era a do Estado de Necessidade desculpante- Culpa. Nesta hipótese, os
agentes que fariam explodir o Homem Gordo nunca agiriam em sede de direito de
necessidade previsto no artigo 34.º CP.
Homem Gordo:
Grande parte da Doutrina- na situação do Homem Gordo, não se aplica o direito de
necessidade- mas sim uma situação de causa de exclusão supra legal- estado de necessidade
defensivo:
Situações em que não há uma agressão, por isso não pode atuar a legitima defesa- mas o
artigo 34.º também não pode atuar porque não é exigível razoavelmente ao lesado o sacrifício
nem este tem associada uma superior sensibilidade. A Professora Maria Fernanda Palma
concorda.
Portanto, o que temos de verificar é da existência de uma sensível superioridade.
Elemento Subjetivo
É preciso que a pessoa conheça que existe um perigo que acabará por
ameaçar os interesses juridicamente protegidos da pessoa ou de um terceiro-
Cognoscibilidade do perigo
Para grande parte da Doutrina este elemento é composto apenas pelo elemento
intelectual. Para que esta parte intelectual esteja preenchida basta que o agente
represente a situação de perigo onde são afetados interesses do sujeito ou de
terceiro. Ou seja, basta que o agente represente um perigo real e atual que ameasse
interesses jurídico subjetivos do próprio ou de terceiro.
Quando falta o elemento subjetivo? Aplica-se o artigo 38.º/4 CP. Este artigo é aplicável porque
se mantém o desvalor da ação. A figura que em Direito Penal pune o desvalor da ação
é a tentativa.
A maior parte da doutrina entende que o artigo 38.º/4 CP aplica-se sempre que faltar um
elemento subjetivo de uma causa de justificação, não só ao nível do consentimento do
ofendido. Conceição Vale Dágua considera que ainda que não houvesse esta analogia,
poderia aplicar-se a pena da tentativa.
20
Conflito de deveres- artigo 36.º CP
Princípio da Ponderação
Considera-se que o princípio enformador desta causa de exclusão é o princípio da
ponderação de interesses de acordo com o qual o preservar o interesse mais alto ou igual
à custa de um mais baixo ou igual conforma o exercício de uma causa de justificação.
Portanto, a ideia é a de que quando se cumpre um dever tem-se em vista a proteção de
interesses. Estruturalmente, o conflito de deveres tem uma natureza idêntica ao conflito de
interesses, mas o que importa é a hierarquia entre os interesses e os deveres
conflituantes.
Conflito de deveres -/- Conflito de interesses
A grande diferença é a de que no conflito de deveres, contrariamente àquilo que acontece no
conflito de interesses, o agente não é livre de interferir no conflito uma vez que tem de
cumprir pelo menos um dos deveres. No conflito de interesses a intervenção do agente é
livre.
Elementos Objetivos
a. Conflito no cumprimento de deveres jurídicos ou de ordens legítimas
Isto significa que naquela situação concorrem dois ou mais deveres e nenhum
deles pode ser cumprido sem violação do outro.
Exemplo: Imaginemos que estão dois doentes em perigo idêntico de morrer e ambos precisam de ser ligados
a uma máquina. Médico tem de escolher obrigatoriamente e nesse sentido deixará o outro morrer. Neste
caso, o comportamento que se traduz na morte do outro está justificado face ao conflito de
deveres. Mas a professora acrescenta que para grande parte da doutrina o conflito de
deveres tem de ser de natureza idêntica.
Natureza Idêntica: Dever de agir =/ v. Dever de omitir
Nestas situações o dever de omitir prevalece sobre o dever de agir:
O não cumprimento do dever de omitir implica matar por ação- desligar a
máquina;
O não cumprimento do dever de agir implica matar por omissão- ligar a
máquina.
Elementos Objetivos
Cumprimento de deveres ou de ordens legítimas
O dever tem de ser de valor igual ou superior àquele que
não se cumpre
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Se alguém está ligada a uma máquina, e chega uma pessoa que precisa de ser ligada para
sobreviver, aqui o conflito não é de entre dois deveres de agir. Há um conflito de entre o
dever de omitir- desligar a máquina- e o dever de agir- ligar a pessoa que chegou à máquina.
Dever de Omitir: matar por ação- não desliga a máquina
Dever de agir: matar por omissão- não liga a máquina.
O importante é perceber que, por norma, quando estamos perante um conflito
de entre dever de agir ou omitir, prevalece e deve-se cumprir o dever de omitir.
Face à nossa ordem jurídica é mais desvalioso matar por ação ou por omissão?
É mais desvalioso matar por ação. Basta termos em conta o artigo 10.º/3 do CP. Este
diz que a cominação de um resultado por omissão pode implicar uma atenuação da pena.
Quer a ação ou a omissão são formas de comportamento humano, mas o realizar de
um crime por ação ou por omissão podem ser valorados de forma diferente- artigo
10.º /3 CP.
Se o médico cumpre o dever de agir – ligar uma pessoa à máquina- e não cumpre o dever de omitir- desligar
a máquina da pessoa que já estava morta, por exemplo, não existe um verdadeiro conflito de deveres.
b. Tem que se cumprir um dever de valor igual ou superior àquele que se não
cumpre
O dever sacrificado tem de ser de valor igual ou inferior àquele que é
salvaguardado. Muitas vezes, uma das formas de sabermos qual é o interesse
superior a salvaguardar tem que ver com a consideração de que a pessoa que atua
ao abrigo do conflito de deveres, não pode ser alvo de uma atuação em
legítima defesa. O médico, ao optar por uma das pessoas, não pode ser alvo de uma atuação em
legítima defesa por parte de outrem, porque o médico atua sob uma causa de exclusão
da ilicitude.
Elemento Subjetivo
Traduz-se num elemento de caráter intelectual- conhecimento da situação de conflito e
para além deste conhecimento tem que haver um conhecimento do valor relativo dos
deveres ou ordens legítimas de autoridade a satisfazer.
22
Portanto:
Falta o elemento objetivo- artigo 16.º CP;
Falta o elemento subjetivo- artigo 38.º/4 CP.
Consentimento do ofendido- artigo 38.º CP
A análise desta figura é feita como causa de exclusão do tipo.
O consentimento do ofendido pode surgir como:
Elemento Positivo do Tipo /Elemento Negativo do Tipo
o Elemento positivo do Tipo
o Situações em que se não houver consentimento o tipo não está
preenchido. A existência do consentimento leva ao preenchimento do
tipo.
O exemplo que se costuma dar é: Homicídio a pedido da vítima- ajuda à
morte ativa-que está previsto no artigo 134.ºCP. O consentimento ou
pedido é um elemento positivo do tipo- punimos alguém por homicídio a
pedido se houve um consentimento ou pedido por parte da vítima.
o Elemento Negativo do tipo
o Quando a sua existência leva ao não preenchimento do tipo. Tal ocorre
naquelas situações em que o bem jurídico em causa só tem valor quando
associado à sua livre disposição pelo titular.
Polémica na Doutrina
Crime de introdução em casa alheia- artigo 190.º CP. Ora, este crime só está
consumado se a pessoa entrar em casa alheia sem autorização. Se há
consentimento não faz sentido dizer que a pessoa preenche o tipo. Neste caso, o
consentimento surge como elemento negativo do tipo- há uma causa de exclusão
da tipicidade.
Posições
a) Há quem considere que os bens jurídicos protegidos pelas normas
incriminadoras não são os bens jurídicos entendidos objetivamente, mas sim a
livre disposição do bem jurídico.
Conceição Vale Dágua toma esta posição e defende que o que a norma jurídica
protege é a livre disposição do bem, não o bem jurídico em si. Por isso, se a
pessoa livremente dispõe do bem a ação nem sequer chega a ser típica e o
consentimento surge como elemento negativo do tipo. Se a pessoa consente nem
sequer há um comportamento típica- causa de exclusão da tipicidade
Mas se o consentimento é presumido, a professora Conceição considera
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b) Outra parte da doutrina continua a distinguir de entre bens jurídicos que só têm
valor quando associados à sua livre disposição- consentimento causa de exclusão
da tipicidade- mas há bens jurídicos que têm valor objetivamente-
independentemente da posição do seu titular face a esse bem.
Figueiredo Dias- para este professor, nos casos em que a auto determinação do
bem constitui o único objeto de proteção da norma, o consentimento surge
como causa de exclusão da tipicidade. Já nos outros casos, surge como causa
de exclusão da ilicitude.
Exemplos:
Na generalidade dos atos sexuais, se houver um consentimento praticado
de entre dois adultos, esses atos são praticados em pleno acordo e isso é
suficiente para dizermos que a tipicidade nem sequer existe. O facto de
existir mútuo acordo faz com que nem sequer se possa falar em
tipicidade;
Se A consente que B lhe de um murro ou que destrua um objeto seu, vai dar prevalência à
autodeterminação da pessoa, mas fá-lo em face a um bem que pretende proteger- integridade
física ou livre disposição do bem jurídico propriedade.
Se há um acordo entre duas pessoas, o bem jurídico só faz sentido se as pessoas por
mútuo acordo puderem dispor dele.
Na violência doméstica, não há um consentimento porque a pessoa não
tem autodeterminação. Não há consentimento porque a pessoa não
consente nos atos de violência- não há uma livre disposição dos bens-
o bem é indisponível. A mera dependência enquanto elemento caraterístico
da violência doméstica exclui automaticamente o consentimento.
No caso de uma pessoa embriagada que tem relações sexuais, não há a
possibilidade de se dizer que há consentimento, porque a pessoa naquele
momento não tem a livre disposição do bem jurídica integridade física.
Princípio enformador do consentimento:
Para parte da Doutrina, nomeadamente Figueiredo Dias, é o princípio da
ponderação mais uma vez de entre os interesses em conflito que releva. Nesta caso,
o consentimento significa que terá mais valor a liberdade de disposição do bem
do que o próprio interesse na preservação do bem jurídico.
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Livre disposição do bem
Outra conceção- Eduardo Correia + Metzer: há casos de consentimento em que
há o abandono do interesse, uma renúncia à proteção penal por parte do
titular do bem jurídico.
Abandono do interesse ou renúncia à proteção penal
É esta discussão que está na base da legalização da Eutanásia em vários países.
Elementos Objetivos:
Existência de interesses ou bens jurídicos livremente disponíveis:
A idade ser superior a 16 anos;
Tem que ainda se provar cumulativamente o discernimento necessário de quem
consente;
Não ofensa aos bons costumes pelo facto consentido. Para averiguar se há ou
não ofensa aos bons costumes- artigo 149.º CP- critérios como
Motivação do agente e
da vítima;
Fins do agente e da
ofensa;
Meios empregues;
Amplitude da ofensa
Se alguém consente a outra que lhe corte o braço, isto é desconforme aos bons costumes.
O consentimento tem que ser expresso e tem de traduzir uma vontade séria,
livre e esclarecida;
Elemento Subjetivo- artigo 38.º/4
Conhecimento do consentimento- se não há conhecimento a pessoa é punida por
tentativa e não se exclui a ilicitude.
Caso Prático
António, carteirista, procura as horas de ponta no metro para ganhar a vida. Durante uma viagem, nota
que o bolso de um passageiro Bernardo, se encontra particularmente volumoso. Ato contínuo introduz-lhe a
mão no bolso e com o objetivo de o assaltar. Bernardo, sentindo uma mão no bolso, e julgando que era a de
Carlos, que se encontrava mesmo atrás de si, desfere-lhe um violento soco.
Vendo que Bernardo se preparava para o agredir de novo, Carlos procura antecipar-se-lhe mas como este se
baixa acaba por agredir Daniel, que no aperto do metro, se encontrava muito próximo daquele.
Determine a responsabilidade jurídico criminal dos intervenientes.
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1.ª Conduta Relevante- Ilegítima intenção de apropriação de António
Em primeiro lugar devemos verificar se estão preenchidos os elementos objetivos do tipo
do crime de furto- artigo 203.º CP. Em primeiro lugar, é de dizer que não conseguimos
saber se o agente consegue ou não retirar a carteira: a resposta a esta questão tem que
ver com a consideração de estarmos perante o preenchimento do tipo de furto na forma
consumada ou na forma tentada.
Havendo resultado, temos de ver se há uma imputação objetiva do resultado à conduta
do agente. Ora, no caso concreto, havia uma imputação objetiva do resultado à conduta do
agente no caso de considerarmos que estavam reunidos todos os elementos objetivos do
tipo.
Mas o crime de furto é um crime de resultado cortado. Para o tipo estar preenchido, tem
ainda de se verificar um elemento subjetivo especial: “ilegítima intenção de
apropriação”. Também António preenche este elemento. Carteirista de profissão, a sua
intenção não era se não a de furtar a apropriar-se ilegitimamente da carteira de Bernardo.
2.ª Conduta Relevante- Bernardo desfere um soco na cara de Carlos, julgando ser este
último o responsável pela mão que estava no seu bolso
1- Estamos perante uma ação jurídico penalmente relevante: a ação foi controlada e
controlável pela vontade do agente;
2- Tipo de ilícito em causa: ofensa à integridade física (artigo 143.º CP)
3- Atua ou não a legítima defesa enquanto causa de exclusão da ilicitude?
a. Há uma agressão atual e ilícita. Bernardo representa uma agressão de Carlos,
mas sabemos que a agressão ao bem jurídico patrimonial em causa não
provém da esfera jurídica de Carlos, mas sim de António.
b. Erro sobre os elementos objetivos de uma causa de exclusão da
ilicitude- aplica-se o artigo 16.º/2 e exclui-se o dolo na parte final do
n.º1.
i. Ainda que considerássemos o erro sobre os elementos objetivos da
causa de exclusão da ilicitude- podíamos afirmar que o soco não
era o meio necessário para impedir o furto. Mas esta questão é
discutível, uma vez que depende dos circunstancialismos do caso
concreto.
Técnica negativa da exclusão: erro sobre os pressupostos de facto sobre uma causa de
exclusão da ilicitude.
c. Elemento Subjetivo: é necessário que o agente represente a agressão
atual e ilícita e, para além disso, o mesmo tem de ter a vontade de repelir
essa agressão. Creio que no caso concreto, a pessoa de Bernardo representa
uma situação de perigo, considera que está a agir em sede de uma causa de
exclusão da ilicitude e procura repelir essa mesma agressão.
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O agente pode ainda ser punido a título de negligência quando reunidos os pressupostos
dessa punição.
Juízo de ilicitude:
Desvalor da ação- tem que ver com o facto de o agente ter representado e
querido a realização do facto típico;
Desvalor do resultado- tem que ver com a lesão do bem jurídico de cariz pessoal
integridade física.
Temos de compensar o desvalor da ação e o desvalor do resultado nestas causas de exclusão
da ilicitude.
Em regra, nas causas de exclusão da ilicitude o desvalor da ação é diminuto e tem de
compensar o desvalor do resultado. Ora, o que carateriza o dolo é o desvalor da ação
e por isso o agente só vai ser eventualmente punido a título de negligência.
Figueiredo Dias: Figueiredo Dias vai justificar a exclusão do dolo de outra forma,
considerando que não está presente nestes casos o elemento emocional do dolo. Portanto,
o agente não representou ilicitude nenhuma e a exclusão deve ser feita ao nível da
ilicitude.
Crítica da Professora Bárbara Sousa Brito: Para a Professora, o elemento emocional que
Figueiredo Dias inclui no dolo tem que ver com a culpa- logo não temos de o
individualizar o mesmo.
3.ª Conduta Relevante: Carolos apercebe-se e, Bernardo em vez de acertar em Carlos
atinge a pessoa de Daniel
a) Estamos perante uma ação jurídico-penalmente relevante;
b) Tipo de crime em causa: ofensa à integridade física- artigo 143.º CP
Tipicidade:
1- Há um erro na execução (aberractio ictus) - na verdade o Bernardo não pretendia
atingir a pessoa de Daniel, mas sim Carlos- Execução defeituosa;
2- Punição:
Em princípio o agente é punido por tentativa do crime que visou realizar e
por negligência do crime que realizou de forma consumada. Neste âmbito,
tínhamos de ver se estavam reunidos todos os pressupostos da tentativa e do
crime consumado na forma negligente.
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Não há tentativas negligentes, logo o agente não pode ser punido pelo crime de ofensa
à integridade física na forma tentada. Numa tentativa, basta verificar-se o elemento
objetivo.
Caso Prático
K cozinheira da veterinária T tem um encontro marcado num hospital com P, seu amigo e paciente do hospital.
A fim de se apresentar melhor K usa a sombrinha pertencente a T que se encontrava num congresso. No
caminho para o ponto de encontro ao atravessar um bosque deserto K é atacada por uma raposa raivosa. Para
se proteger, mata a raposa com a sombrinha que fica quebrada.
Enquanto isto P também se encontrava às voltas com a má sorte. A fim de evitar a morte de S, ferido
gravemente e chegado recentemente ao hospital, A, médico pedido do hospital, retira por meio de violência
sangue a P, necessário para a transfusão e P opõe-se a isso tenazmente. Apesar de se indicar a P que de outra
forma S estaria perdido e que um outro dador do seu raro grupo sanguíneo o nãos e encontrava no hospital o
robusto P desfere um soco no rosto de A partindo-lhe os lábios, enquanto este continuava a retirar-lhe sangue.
Como deve julgar a conduta dos participantes em relação à sua ilicitude e ou licitude?
1.º Conduta Jurídico Penalmente relevante- Subtração da Sombrinha
A hipótese do caso prático é omissa em relação a uma eventual autorização para a
subtração da sombrinha, mas será de supor a inexistência da mesma.
O uso da sombrinha prendeu-se com o encontro que K iria ter com D: em virtude do ataque,
o mesmo objeto foi utilizado para atacar o animal.
Crime que está em causa: Crime de Furto- artigo 203.º CP.
Está preenchido o tipo do crime de furto? Não- o tipo incriminador do crime de furto exige ao
nível do tipo subjetivo, para além do representar e quere subtrair, exige um elemento
subjetivo especial que tem que ver com a ilegítima intenção de apropriação. Ora, no
caso sub judice, a pessoa K só queira fazer um uso da sombrinha para estar mais bonita para
o encontro.
2.º Conduta Jurídico Penalmente Relevante: Após ter sido atacada por uma raposa,
K mata o animal com a sombrinha
Crime em causa: crime de dano do artigo 200.º CP:
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Bem jurídico afetado: sombrinha- no caso concreto não está em causa um possível dano
que existisse em relação à raposa. A mesma não é propriedade de ninguém, pelo menos
segundo as informações que nos são descritas na hipótese.
Ilicitude
Em relação á sombrinha, o tipo incriminador do crime de dano está preenchido.
Verificam-se quer os elementos objetivos quer os elementos subjetivos.
Elementos Objetivos:
Agente: K
Ação típica: danificar coisa alheia
Objeto de ação: raposa;
Bem jurídico: sombrinha- bem jurídico de cariz patrimonial;
O crime de dano é um crime formal ou de mera atividade que não exige um evento
espácio- temporalmente separado da ação que culmine num determinado resultado
que se ligue à ação por um nexo de causalidade- logo não tem que haver uma
imputação objetiva do facto ao agente para que se considerem preenchidos
os elementos objetivos.
Elementos Subjetivos:
O agente K atua com dolo necessário- artigo 15.º/alínea b) CP. Sabe que para se
poder defender da raposa precisa de estragar a sombrinha.
Estavam então preenchidos todos os elementos da ilicitude. Verifica-se alguma causa de
exclusão da ilicitude. Qual era a causa de exclusão da ilicitude que podia estar em causa?
Legítima defesa- Não se pode colocar a questão da legítima defesa porque esta causa de
justificação da ilicitude de uma ato pressupõe que a agressão seja um facto voluntário.
Ora, aquilo que distingue a legítima defesa do direito de necessidade é precisamente a causa
do perigo.
Portanto, no caso da sombrinha, nunca se poderiam aplicar os pressupostos da legítima
defesa, uma vez que o ataque foi empreendido por um animal. Analisar-se-á então se se
poderia aplicar ao caso o direito de necessidade- artigo 34.º CP.
Pressupostos do Direito de necessidade:
Elementos Objetivos
Perigo real e atual;
O Meio usado pelo agente tem que ser o mais adequado e o único aceitável
numa perspetiva social;
Existiu uma manifesta superioridade do bem jurídico protegido para com o
bem jurídico afetado, i.e.,- mas é de notar que a lei só exige sensível superioridade
o Vida de uma pessoa vs. Dano de uma sombrinha.
Não havia nenhuma razoabilidade na imposição ao lesado do sacrifício do
seu interesse tem em atenção a natureza ou o valor do interesse ameaçado.
Elementos Subjetivos
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K representa o perigo e tem vontade em afastar o mesmo.
Suma: A ilicitude estava afastada em relação ao crime de dano, uma vez que se aplicou uma
causa de justificação da ilicitude que era o Direito de Necessidade.
3.ª Conduta Jurídico Penalmente Relevante: entretanto o médio, a fim de evitar a
morte de S, retira sangue a P coercivamente.
Crimes que podem estar em causa: tendo sido o sangue retirado por meio de violência, pode
estar em causa quer o crime de ofensa à integridade física nos termos do artigo 143.º CP,
quer o crime de coação, em conformidade com o artigo 154.º do mesmo diploma uma vez
que também em relação a este tipo se verificou uma privação da liberdade da vítima.
De notar primeiramente que estamos perante uma ação jurídico penalmente
relevante porque controlado pela vontade. Depois, também era fácil de aferirmos
da existência de todos os elementos que justificam a ilicitude do facto.
Causas de Justificação da Ilicitude: Pode ou não aplicar-se neste âmbito uma causa de exclusão da
ilicitude? estamos perante uma situação de Estado de Necessidade ou de Conflito de deveres? Vamos punir
o médico pelo crime de ofensa à integridade física ou pelo crime de coação?
Não pode ser colocada em causa a possibilidade de estarmos perante uma situação de
legítima defesa alheia porque enão não há sequer agressão, i.e., o sujeito P não está a
agredir o médico- não há um desvalor da sua conduta.
Direito de Necessidade: Face a um perigo atual, o médico força outrem a dar-lhe sangue.
Há um perigo real e atual que ameaça interesses juridicamente protegidos.
O meio é adequado porque o sangue é raro- por outro lado, se considerarmos a liberdade
e autodeterminação a questão poderia ser efetivamente discutível. A integridade física não
é um bem com mais valor do que o bem jurídico vida da pessoa que precisava de ser
salva.
Concordo com a Carolina Ferreira, que diz que há que distinguirmos as situações em
que o meio é necessário, das outras onde a atuação não é a mais adequada. No direito
de necessidade, a discussão que se tinha de fazer era a da admissibilidade da doação coerciva
de sangue- era exigível ao lesado o sacrifício? Sem o consentimento, há quem diga que não é
razoável tirar sangue a uma pessoa. Mas, por outro lado, neste caso, a Professora Bárbara
Sousa de Brito segue a posição da professora Maria Fernanda Palma que nos diz que em
situações como esta a dignidade da pessoa humana não é verdadeiramente colocada
em causa. Para Maria Fernanda Palma, estava em causa o direito de necessidade- causa
de justificação do facto. Logo, P não se poderia defender, porque a legítima defesa
pressuponha uma agressão atual e ilícita.
Faz sentido retirar à pessoa o seu direito de defesa?
30
Para uma parte da Doutrina, não sendo razoável ao P retirar o direito de defesa- não se
aplica a alínea c) do artigo 34.º. Mas ao avaliarmos a culpa, já não se pode fazer um
juízo de censura- aplica-se o estado de necessidade desculpante face a um perigo que
ameaça a vida de terceiro, não sendo necessário e exigível ao médico a adoção de um
outro comportamento.
31
Culpa
Técnica Negativa de Exclusão da Culpa
O que importa é, depois de se ter chegado à conclusão de que estamos perante um facto
ilícito e jurídico penalmente relevante, averiguar se ocorre ou não uma causa de exclusão
da culpa em sentido amplo.
Causas de Exclusão da Culpa
a) Inimputabilidade
a. Idade- artigo 19.º CP;
b. Anomalia Psíquica- artigo 20.º CP.
b) Erro não censurável sobre a ilicitude- artigo 17.º/1 CP.
c) Causas de exclusão da culpa em sentido estrito ou causas de desculpa
O estado de necessidade desculpante- artigo 35.º CP;
O excesso de defesa por medo, susto ou perturbação não censuráveis-
artigo 33.º CP;
Obediência indevida desculpante- artigo 37.º CP
Outras causas de exclusão da culpa são ainda aprofundadas ao nível da Parte Especial do CP.
Esta forma de analisar a culpa é a mais fácil e correta de aplicar. Mas, há uma parte da
Doutrina que analisa a culpa de forma diferente.
Diferente análise da culpa
1. Verifica se estão ou não presentes os chamados elementos da culpa- como a
imputabilidade, i.e., a capacidade de culpa e a consciência da ilicitude do facto;
2. Só depois averigua se se verifica ou não uma causa de exclusão da culpa em
sentido estrito.
Vantagem: chama-nos à atenção para os elementos da culpa.
Desvantagem: no fundo esta maneira de análise da culpa não é muito diferente.
Causas de Exclusão da culpa em sentido amplo
Inimputabilidade
Quando o sujeito não é capaz de culpa.
32
1- Em razão da idade- isto é o que se passa com os menores de 16 anos face ao
artigo 19.º CP. Só se pode ser responsabilizado criminalmente se no momento
da prática do facto tivermos 16 anos:
a) Há um regime especial para jovens entre os 16 anos e os 21 anos que está
previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro;
b) Lei Tutelar Educativa- aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro;
c) Lei de Proteção das Crianças e Jovens em perigo- Lei n.º 147/49, de 1 de
Setembro
2- Mas também se pode ser inimputável em razão de anomalia psíquica- artigo
20.º CP.
Requisitos da Inimputabilidade por anomalia psíquica
1.º Requisito
O agente tem de sofrer de uma anomalia psíquica no sentido de todo e qualquer
transtorno ocorrido ao nível psíquico. Cabem aqui não só as psicoses, exógenas e
endógenas.
Exógena- ingerência de uma droga.
Endógena- esquizofrenia
Oligofrenia- fraqueza intelectual congénita ou não, como é o caso da denominada
idiotia em que o individuo não atinge o desenvolvimento mental de uma criança
de 6 anos;
Imbecelidade- próprio de quem não atinge o desenvolvimento próprio do início da
puberdade.
Perturbações de personalidade ou desvios ou anomalias do comportamento
social sem fundamento orgânico- corporal conhecido, como é o caso por exemplo das
psicopatias e das neuroses. De notar que aquilo que carateriza um psicopata é o facto
de ele não pensar o que faz.
2.º Requisito
É preciso que o agente perca, no momento da prática do facto, a capacidade para
valorar o facto, e ou, a capacidade volitiva de se motivar pelo Direito.
Por exemplo, caso em que só se perde a vontade de valorar: na embriaguez, ou em outros tipos
de intoxicação, a pessoa perda a capacidade de valorar o facto no momento da sua prática.
33
Mas muitas vezes, ainda que tendo a capacidade de se valorar, não se consegue
motivar, como acontece no caso dos assassinos em série- podem valorar, mas não se
motivam pela sua valoração.
Anomalia psíquica provocado e sem intenção
Ainda quanto à anomalia psíquica, importa distinguir duas situações:
1- Há que distinguir aqueles casos em que a anomalia é provocada pelo agente, sem
qualquer intenção. Nestes casos, o agente será considerado inimputável em
relação ao crime que cometeu.
Isto é o resultado do artigo 20.º/1 + da interpretação do artigo 20.º/4/à contrario.
Consequência: agente é inimputável e não é punido pelo crime que visou cometer, mas
pode ser punido pelo crime previsto no artigo 295.º CP que tem como epígrafe crime de
embriaguez e intoxicação.
Mas há que distinguir estes casos dos outros:
2- Em que o agente provoca a situação de anomalia, mas com intenção de
praticar o facto, i.e., com dolo direto ou dolo necessário em relação ao facto- o
legislador diz nestes casos que não se exclui a inimputabilidade e fala-se em ação
livre na causa porque o momento relevante é aquele que levou a que o agente
se tornasse inimputável para praticar o facto.
Exemplo: A bebe para bater no seu inimigo na discoteca. Neste caso pode-se falar da figura da ação livre
na causa
As distinções resultam do artigo 20.º/4 do CP.
“Intenção de praticar o facto”- o agente tem que se colocar na ação sob a
forma de dolo direto ou dolo necessário. Por isso, os casos de dolo eventual
não são incluídos nestas situações.
Quando há dolo eventual ou negligência- aplicamos o artigo 295.º
CP.
Quando há um facto típico, ilícito, mas não culposo, só se pode
aplicar eventualmente uma medida de segurança.
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Erro não censurável da ilicitude do facto
(Artigo 17.º CP)
Erro não censurável ou erro moral – artigo 17.º CP -/- Erro sobre a ilicitude- artigo
16.º/1
O erro do artigo 17.º/1 é um erro sobre proibições cujo conhecimento é dispensável à
tomada da consciência da ilicitude do facto. O erro sobre proibições que recaem sobre
comportamentos axiologicamente neutros do artigo 16.º/1 são diferentes- são proibições
cujo conhecimento é indispensável para a tomada de consciência da ilicitude do ato.
O erro do artigo 16.º é um erro de natureza intelectual, que tem que ver com o
conhecimento e não com a ideia que a pessoa tem ou não sobre as valorações da
ordem jurídica.
A pessoa está em erro sobre a ordem jurídica- Artigo 17.º- o seu erro choca com
valores da ordem jurídica, mas neste âmbito fala-se em erro moral, porque não é
preciso a pessoa conhecer a norma jurídica para ter dúvidas quanto à ilicitude
do seu ato.
No artigo 16.º CP a pessoa está em erro, mas exige-se neste âmbito o
conhecimento da proibição para que ela se aperceba da ilicitude do seu facto.
Artigo 17.º- Culpa- não se exigia o conhecimento para que o agente tenha consciência
da ilicitude do seu facto- nesse caso, quando o erro não é censurável, exclui-se a culpa e
no caso da Dinamarquesa a mesma atua com dolo porque ela representa e quer realizar
dolosamente a conduta do aborto- a Dinamarquesa age sem consciência da ilicitude do seu
facto, mas o erro é censurável.
Erro moral- a ideia que o agente tem da ordem jurídica confronta valorações
que a ordem jurídica defende.
Artigo 16.º- Tipo- o agente não conhece da proibição que tem de conhecer para que
possa ser punido pela ilicitude do facto por si praticado.
Representação errada que releva para a falta de conhecimento por parte da
pessoa
Quando é que o erro é capaz de excluir a culpa por falta de consciência da ilicitude?
Erro:
Direto sobre a ilicitude:
Erro sobre proibições que transportam consigo uma carga valorativa. Dito de
outra forma, é um erro que recai sobre proibições cujo conhecimento é
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dispensável à tomada de consciência da ilicitude do facto, e por isso considera-
se que estamos perante um erro moral- o agente representa erroneamente a
ordem jurídica. O que ele representa choca com valorações da ordem jurídica-
artigo 17.º/1 CP.
Consequência:
O erro direto sobre a ilicitude só exclui a culpa se for não censurável.
Censurabilidade do comportamento
Como se sabe se o comportamento é ou não censurável face ao artigo 17.º/1?
Critérios
---Critério da evitabilidade
O que importa saber é se o Homem Médio, no sentido de cidadão cumpridor do
Direito, com as particulares caraterísticas do agente, poderia ter evitado o erro.
Se sim- erro censurável
Se era inevitável- não era censurável.
Professora acrescenta um critério ou pergunta: devemos ainda perguntarmo-nos se o
agente faz tudo o que estava ao seu alcance para evitar o erro? Se sim – o erro não é
censurável. Se a Dinamarquesa consulta o advogado, considerasse que ele fez de tudo para evitar o erro.
Então o erro não é censurável porque a Dinamarquesa fez de tudo o que estava ao seu alcance para saber se
o facto era ou não permitido ao nível do Ordenamento Jurídico.
---Retitude da consciência errónea: Figueiredo Dias
Critério Figueiredo Dias para aferir a censurabilidade do erro:
De acordo com este critério, o que tem que se averiguar é se o agente, ao atuar,
se pautou ou não por motivos que são permitidos pela ordem jurídica. Só que
Figueiredo Dias se esqueceu de outros que a ordem jurídica também considera
preponderantes.
Por exemplo: para Figueiredo Dias, o Sueco que vem a Portugal, mata B em estado de sofrimento,
porque este, sendo seu amigo, lhe pediu para o matar. Como no pais dele, o Homicídio a pedido é permitido,
e como esta ação praticada pelo Sueco foi pautada e motivada pela autonomia e defesa da dignidade da pessoa
humana, para Figueiredo Dias, este erro não é censurável. Para este autor, o que interessa
só é se o agente ao atuar se pautou ou não por valores também defendidos e aceites
pela ordem jurídica- regras e princípios. Para a maior parte da Doutrina, o Sueco
acabaria por ser punido porque o erro é evitável. Isto tem que ver com a ideia que o
Professor Figueiredo Dias tem sobre a culpa.
Juízo de ilicitude e de culpa
Ilicitude: juízo sobre a motivação que o agente tinha;
36
Culpa: juízo sobre o agente;
O Professor Figueiredo Dias fez uma tese de Doutoramento sobre a culpa- tem uma visão
particular não adotada por grande parte da Doutrina.
Juízo de Censura na Culpa
Para Maior parte da Doutrina, na culpa, o juízo de censura que se faz ao agente, resulta
do facto de ele, tendo capacidade de culpa e consciência do seu ato, ter a
possibilidade de se motivar pelo Direito e não o fazer.
Para a maior parte da Doutrina, devemos encarar a conduta culposa através do uso
do critério do Homem Médio, colocado na especial posição do agente.
Para Figueiredo Dias, a culpa deve ser perspetivada de uma maneira diferente: a culpa tem
que ver com a avaliação da atitude interna do agente na prática do ato. Ou seja, se se
considera ou não a atitude do agente como juridicamente censurável. Por isso,
Figueiredo Dias, quando diz que há culpa, fá-lo porque, o agente pela prática do facto, revela
uma atitude interna juridicamente desaprovada e pela qual o agente terá de responder
perante as exigências do dever ser socio comunitário.
O critério decisivo da culpa não é real e psicológico - mas é normativo, i.e., de caráter
pessoal e objetivo. Na culpa, o que importa para Figueiredo Dias é saber se o agente
tem ou não de responder pelas qualidades pessoais e correspetiva atitude
manifestada pelo facto. O agente terá de responder quando as qualidades são
juridicamente desaprovadas. Como Figueiredo Dias tem dificuldade em aceitar a liberdade
que a pessoa tem ou não de se motivar pelo Direito, até porque ele liga esta liberdade à
possibilidade de atura, devemos ver a culpa nesta perspetiva. Não se vê com bons olhos a
liberdade que a pessoa tem para se motivar pelo Direito. Se a conduta é desvaliosa aos
olhos do Direito- então é culposa. Apesar de termos que tomar uma decisão sobre se a
sua conduta é culposa ou não no caso concreto- continuamos a olhar para a desvaliosidade
da conduta somente na perspetiva da desvaliosidade que a ordem jurídica atribui ao
agente.
Erro Indireto sobre a ilicitude:
O erro indireto afere-se quando há erro sobre a existência de uma causa de
justificação ou sobre os limites de uma dada causa de justificação.
37
Erro Direto- erro sobre proibições
Erro Indireto- pensamento de uma causa de justificação que não existe.
O erro indireto é também um erro moral- o agente tem também uma ideia errada sobre
a ordem jurídica. Caso este erro seja também não censurável, exclui-se a culpa. Mesmo
quando é censurável, apesar de não excluir a culpa, pode implicar a atenuação da pena face
ao artigo 17.º/2 do CP. Isto é aquilo que a professora acrescenta.
Censurável- não exclui a culpa- mas atenua a medida da pena- artigo 17.º/2 do CP.
Não podemos confundir este erro das causas de exclusão da ilicitude com o erro sobre os
pressupostos de facto de uma causa de exclusão da ilicitude. Este último cabe no artigo
16.º/2- erro intelectual- discrepância de entre aquilo que o agente representa e aquilo
que ocorre na realidade. O erro sobre os pressupostos de facto da ilicitude implica a
exclusão do dolo- artigo 16.º/2. No artigo 17.º/2 a pessoa está em erro moral- pensa que
existe uma causa de justificação que não há na realidade. Pensa que o seu
comportamento é correto quando na realidade não o é.
Causas de exclusão da culpa em sentido estrito- causas da exculpação
Denominador comum: em todas elas está por detrás a ideia de inexibilidade, i.e., está
presente a ideia de que não é razoável exigir do agente a adoção de outro
comportamento. Portanto, estas são todas situações em que o Homem Médio
cumpridor do Direito na posição do agente, pode retirar-se-lhe que não era razoável
exigir dele outro comportamento ou pelo menos não lhe era exigível outro tipo de
comportamento.
Para esta ideia da inexigibilidade, há quem defenda que nestas causas de exclusão da
culpa em sentido estrito- como é o caso de Armin Kaufmman- apesar de a culpa
subsistir, esta subsiste em grau diminuto. Por isso em vez de se falar em causas de exclusão
da culpa em sentido estrito, deve falar-se de uma causa de desculpa pela inexigibilidade.
A inimputabilidade e o erro não censurável são as únicas causas de exclusão da culpa em
sentido amplo. As outras são causas de desculpa/causas de exclusão da culpa em sentido
estrito..
Roxin: considera que a inexigibilidade não é uma causa de exclusão da culpa, mas sim
uma forma a ter em conta para a responsabilidade porque Roxin diz que nas causas de
desculpa há culpa, mas por razões preventivas- desnecessidade de punição- o agente
não deve ser chamado à responsabilidade.
Figueiredo Dias- caso de inexigibilidade são casos que tem que ver com o juízo de
censura- situações em que face às circunstâncias e atitude pessoal do agente devem
ser isentas de um juízo de censura. Para este Professor, nas situações de causa de exclusão
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da culpa em sentido estrito, a generalidade dos Homens fieis ao Direito teria atuado
provavelmente daquela maneira e por isso as qualidades pessoais reveladas no facto
não são juridicamente censuráveis.
Tipos
Estado de necessidade desculpante
(artigo 35.º CP)
Requisito:
Tem que existir um perigo atual que se refira a um conjunto limitado de bens
jurídicos elementares de um agente ou de terceiro.
1- Bens jurídicos- como vida, integridade física, honra e liberdade.
Se por exemplo estiver em causa o património ou outros bens jurídicos não referidos no
artigo 35.º/1- há culpa
2- Não seja razoável exigir do agente., segundo as circunstâncias do caso, outro
comportamento- juízo ex ante
Isto implica um juízo ex ante e a colocação do Homem Médio na posição do agente
e perguntamo-nos se era ou não razoável exigir do agente a adoção de um outro
comportamento.
Esta exigência de outro comportamento, quando não é razoável, implica que também
haja uma adequação do meio e a sua necessidade. Também se exige, para haver
desculpa, que o perigo não tenha sido intencionalmente criado pelo agente para
mais tarde alegar a desculpa.
o Prova de que o meio é necessário e adequado;
o Prova de que o perigo não foi criado intencionalmente pelo agente para mais
tarde alegar a desculpa da conduta que por si próprio foi adotada.
3- O agente tem, com o seu facto, de ter prosseguido a finalidade de salvação do bem
jurídico ameaçado.
Isto significa que está aqui presente- elemento subjetivo. Também no estado de
necessidade desculpante tem que haver um elemento subjetivo.
Subsidiariedade para com uma não consideração do Direito de Necessidade:
Esta causa de exclusão da culpa atua subsidiariamente em relação aos casos onde
não aplicamos o Direito de Necessidade.
39
Exemplo: Caso do Homem Gordo- aplicamos o Estado de Necessidade desculpante-
não é razoável exigir dos agentes a adoção de outro comportamento porque a
atuação dos agentes não poderia ser outra. Mas esta figura do Estado de Necessidade
Desculpante só é aplicável nos casos em que não é admitida a existência de outra figura
supra legal
Excesso de defesa em caso de medo, susto ou perturbação não censuráveis
(Artigo 33.º/2 CP)
Aplicação: Esta causa de exclusão da culpa só funciona nos chamados estados emocionais
asténicos que são estados que resultam de uma tensão emocional inconsciente-como
é o caso do medo, susto ou perturbação.
Não Aplicação: Esta figura não se aplica no caso de estarmos perante os chamados
estados emocionais esténicos que são aqueles estado que já não resultam da tensão
emocional e consciente e que comportam em si uma energia em excesso- caso da
cólera, ódio ou vingança.
Esta divisão que existe de entre estados asténicos e esténicos é feita pela generalidade
da doutrina penalista. Não se funda na ciência porque normalmente na ciência a
distinção faz-se de outra forma:
Nos estados asténicos temos o medo para a psicologia
cognitiva;
Nos estados esténicos temos por exemplo o pânico;
A diferença é a de que no medo a pessoa reage, enquanto numa situação de pânico a
pessoa ou foge ou não responde. Com base nesta divisão, o que acontece é que na
situação de medo- excesso de defesa aplica-se, contrariamente à situação de pânico
não se aplica a defesa- porque não há sequer reação.
Fórmula:
Homem Médio- era ou não exigível outro estado emocional que não aquele-
colocamos o Homem Médio na posição especial do agente.
Os Estados emocionais têm que provocar excesso para que não atue a figura do
excesso de defesa. Há dois tipos de excesso:
1- Intensivo- este é aquele que ocorre quando há utilização de meios superiores
aos necessários para a defesa. Aqui:
a. O meio não é considerado como necessário;
b. Não há proporcionalidade de entre a defesa e a ofensa ao bem
jurídico.
2- Extensivo- quando alguém se defende de uma agressão que deixou de ser
atual, por exemplo, por medo ou susto, e nesse caso ou vamos aplicar a figura
da ação direta que é uma causa de exclusão da ilicitude face ao Direito Civil e que
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também é aplicável em direito penal- ordenamento jurídico na sua totalidade- ou
aplica-se o excesso de defesa por analogia.
O artigo 33.º CP só prevê as situações de excesso intensivo.
No caso de a pessoa atuar perante uma agressão que ainda não é atual, podemos
eventualmente aplicar a figura da legítima defesa preventiva que é uma causa de
exclusão da culpa supra legal, ou então, aplicamos subsidiariamente por analogia, a
figura do excesso por susto, medo ou perturbação. A analogia é aqui permitida porque,
mais uma vez, é favorável ao agente.
Obediência indevida desculpante
(artigo 37.º CP)
Esta causa de exclusão da culpa ocorre quando alguém, cumpre uma ordem, sem saber
que ela conduz à prática de um crime e quando tal não era evidente. Portanto, o que
acontece nestas situações é que a pessoa está em erro sobre a ilicitude do seu facto, mas
para além disto, este erro é causado por uma ordem especial ou de serviço oficial- por
isso o legislador estabelece um regime especial. Não interessa se era censurável, mas sim
se era ou não fácil de se evitar.
Por exemplo, se um funcionário falsifica um documento sem saber que o estava a fazer, cumprindo uma
ordem do seu superior hierárquico, atua esta causa de exclusão da culpa em sentido estrito.
Erro- quando a pessoa está em erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de
exclusão da culpa- i.e.- erro sobre a ordem de alguém que tem poder para emitir
ordens ou comandos ao seu inferior hierárquico. Estes casos de erro sobre os
pressupostos de facto de exclusão da culpa são os do artigo 16.º/2- mas o regime aplicável
neste número tem que ver com os pressupostos de causa de exclusão da ilicitude. Aplica-se
o artigo 16.º/2 e exclui-se o dolo também a estas causas de exclusão da culpa- não por
analogia porque a professora diz que lá está claramente a posição do Figueiredo
Dias- considerasse que o dolo tem o elemento emocional.
Para a Professora Bárbara Sousa de Brito, neste caso não se devia excluir o dolo. Se a
professora não representa o perigo atual e concreto- se a pessoa da tábua não representa e se
vem a provar que a Tábua aguentava com duas pessoas- A empurra B porque se pensa que a tábua só
aguenta com um e mais tarde se vem a provar que a tábua só aguentava com os dois.- para a Professora,
não lhe era exigível no caso concreto a atuação de outra maneira- devia haver uma
exclusão da culpa e não do dolo.
Nestas situações em que a pessoa está em erro sobre os pressupostos de facto de exclusão
da culpa, o ser o perigo atual ou potencial, mas o agente não saber, ao nível da análise do
caso, continua a não ser exigível a adoção de outro tipo de comportamento- não se
altera nada ao nível da análise da culpa.
Ás vezes temos soluções no CP onde se percebe claramente que há uma adoção da posição
de Figueiredo Dias em relação à culpa. Muitas vezes, para a Professora Bárbara Sousa de
41
Brito, o que interessa é determinar se lhe era exigível o determinar-se ou não pelo
Direito. Esta avaliação deve ser feita de acordo com a culpa ou eventualmente pela sua
diminuição. Mas face ao nosso CP devemos excluir o dolo e punir o agente
eventualmente a título de negligência.
Se houver erro sobe uma existência ou limites de uma causa de exclusão
da culpa, esse erro é irrelevante porque o único erro relevante é o erro
sobre a ilicitude. Se a pessoa está em erro sobre uma causa de exclusão
da culpa, não está em erro sobre a ilicitude.
O artigo 17.º só se aplica quando há um erro direto ou indireto - este não se aplica
quando a pessoa pensa que há uma causa de exclusão da culpa que não existe.
Artigo 17.º- Causa de exclusão da ilicitude
Artigo 16.º/2
=
Erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de exclusão da culpa
+
Erro sobre os pressupostos de facto das causas de exclusão da ilicitude.
Artigo 16.º/2:
o Professora Bárbara- exclusão da culpa
o Professor Figueiredo Dias- exclui-se o dolo e eventualmente o agente é punido
a título de negligência.
Casos Prático
António, em gozo de férias autoriza Bento a pernoitar em sua casa. Carlota, vizinha de
António que não tendo conhecimento da autorização e vendo Bento a tentar abrir a porta
de António, e pretendendo ser útil a António, fere o pretenso intruso com um martelo. Quid
Juris?
Comportamento de B
B não pode ser responsabilizado jurídico criminalmente- houve um consentimento
do lesado.
Exclui-se a tipicidade-porque o agente não pratica sequer o facto típico. O
consentimento não é uma causa de exclusão da ilicitude. O bem jurídico reserva à
intimidade da vida privada só tem valor quando associado à livre disposição do
particular. Neste caso, o consentimento atua como causa de exclusão da tipicidade.
Conceição Vale Dágua: todos os bens jurídicos só têm valor quando associados à livre
disposição. Para esta professora, o consentimento funciona como uma causa de
exclusão da tipicidade. Só funciona como causa de exclusão da ilicitude quando
estamos no âmbito do consentimento presumido.
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O B, ao entrar na casa do A, não comete nenhuma agressão típica, porque o consentimento
surge como elemento negativo do tipo. A propriedade privada só tem valor se associada
à sua livre disposição.
Vamos punir a vozinha ou não vamos punir a vizinha? Existe responsabilidade jurídico criminal da
vizinha?
Ação jurídico penalmente relevante
a- Tipo- artigo 143.ºCP- ofensa à integridade física
Causas de exclusão da ilicitude:
Legítima defesa ou Direito de Necessidade?
O que distingue o direito de necessidade da legítima defesa:
Na legítima defesa tem que haver uma ação humana que se constitui
como a causa do perigo. O que carateriza a figura da legítima defesa
alheia é o haver uma agressão atual e ilícita.
No Direito de Necessidade, a causa do perigo não é o comportamento
humano. No direito de Necessidade tem que existir um perigo real e atual
que ameace determinados bens jurídicos, em conformidade com o artigo
34.º CP.
Nesta hipótese podia-se discutir a proporcionalidade do meio necessário?
Meio Necessário
O meio necessário tem que ser o meio mais seguro que no momento concreto consegue
repelir a agressão, sendo também o menos gravoso de entre aqueles que o agente tem
disponíveis.
a) Consideração do Meio como Inadequado
Se o meio empregue não era o necessário- não podemos aplicar a figura da
legítima defesa que exige que o meio utilizado para evitar a afetação do bem jurídico
seja o meio necessário.
Exclusão da Legítima Defesa- o meio empregue não era o necessário e o mais
adequado.
Excesso de defesa- artigo 33.º CP
Há ou não uma causa de exclusão da culpa?
Excesso de defesa em caso de medo, susto ou perturbação não censuráveis?
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O excesso de defesa pode servir como causa de exclusão da culpa devido a medo, susto
ou perturbação não censuráveis. Uma senhora que hipoteticamente é idosa tinha medo
de pessoas que se fossem intrometer na casa do vizinho. O excesso de defesa não
exclui a ilicitude- não se aplica o artigo 16/2.º CP.
b) Consideração do meio como adequado
Erro sobre as circunstâncias- exclusão do dolo por via do artigo 16.º/2 CP.
Tínhamos de acrescentar que apesar de o meio ser necessário, há uma discrepância de
entre aquilo que a pessoa representa e aquilo que se passa na realidade. A senhora
representa uma agressão atual e ilícita, mas na verdade esta agressão atual e ilícita não
existe porque nem sequer é atual e típica para a maior parte da Doutrina.
o Artigo 16.º/2 – exclui-se o dolo- mas a pessoa pode ser punida título de
negligência se se verificarem os pressupostos de punição da senhora a esse
título.
Não há uma agressão ilícita- a agressão não é ilícita porque em primeiro lugar nem
sequer é típica e por isso não se verificam sequer os pressupostos da legítima defesa.
Mas a análise dos pressupostos do erro só teria relevância se chegássemos à conclusão de
que o meio empregue era o meio necessário porque o erro só faz sentido quando se verificam
os elementos objetivos da legítima defesa.
Artigo 16.º/2- o preceituado no n.º anterior- estatuição do n.º anterior - exclusão do dolo-
erro sobre o estado de coisas que a existir excluía a ilicitude.
Se na análise da hipótese disséssemos que a pessoa não atua em legítima defesa porque
o meio não era necessário- não era o menos gravoso de entre os disponíveis- podia chamar
a polícia, não podíamos sequer dar relevância quanto ao erro em que a Senhora estava.
A exclusão da ilicitude só pode existir quando o meio é necessário. Na situação de
excesso de defesa, o único artigo que podemos eventualmente aplicar era o artigo 33.º CP
que diz que no caso de haver excesso por causa de medo, susto ou perturbação não
censurável, exclui-se a culpa.
Conclusão:
Artigo 16.º/2- nunca se aplica se não se puder aplicar uma causa de exclusão da
ilicitude de acordo com o pensamento do sujeito ou agente.
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Caso Prático
Havia já à algum tempo que Carlos não gostava de Duarte. Porém, quando ficou a saber que
este começara a namorar coma sua irmã Elsa ficou furioso. Contava Carlos o seu drama a
Filipe, um amigo, quando este lhe disse que conhecia um tipo, o Gustavo, que já limpou o
cebo a uns quantos e anda com dificuldades económicas. Por algum dinheiro ele faz o que
tu quiseres. Carlos, pediu então a Filipe que em seu nome contactasse Gustavo e lhe
oferecesse 500,00€ para dar uma sova a Duarte. Gustavo aceitou prontamente a proposta
que o Filipe lhe fez. Mais tarde, nessa noite, esperou por Duarte à porta de uma discoteca e
vendo sair uma pessoa, de aspeto físico semelhante ao de Duarte, mas que era Hugo, agrediu-
o violentamente. Hugo, foi transportado para o Hospital, onde acabou por falecer por não
ter sido possível realizar imediatamente uma transfusão de sangue uma vez que aquele
Hospital não disponha em stock sangue do seu tipo, que era efetivamente um tipo de sangue
muito raro. Determine a responsabilidade jurídico criminal dos intervenientes.
1- Comparticipação criminosa
Numa situação de comparticipação criminosa devemos começar sempre primeiro pelo
autor material ou Imediato.
Quem era na hipótese o autor material ou imediato? Gustavo.
Gustavo agride a pessoa de Hugo pensando que o estava a fazer em relação a Duarte.
Estamos perante uma situação em que de acordo com a Teoria do Crime estamos perante
uma situação de erro sobre o objeto.
Erro sobre o objeto: Gustavo pensa que o Homem que estava a sair da discoteca era Duarte.
Contudo, o erro não é relevante porque há identidade típica do objeto.
Elementos Subjetivos do Tipo: Gustavo agride violentamente Hugo
Que dolo é que o agente teve ao atuar? Dolo de homicídio ou dolo de ofensa à integridade física?
Sabemos de acordo com as informações que nos são descritas na hipótese que o agente em
causa está habituado a praticar atos conducentes à morte de outrem. O homem no caso
normalmente mata. Em princípio podíamos afirmar que existia dolo eventual de
morte.
a) Temos dados na hipótese para retirar que o agente representa a morte e
conformasse com ela. O tipo que estava em causa era sem dúvida o tipo de
Homicídio e só nesse caso tínhamos o problema: havendo dolo de morte- tínhamos
o problema da imputação objetiva;
b) Vai ao Hospital e acaba por falecer porque não foi possível realizar uma transfusão
de sangue. Houve uma interrupção do processo causal.
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Crime de Homicídio
Elementos Objetivos do Tipo
Imputação objetiva- interposição de um risco novo- Teoria do Risco
Não há uma imputação objetiva do resultado morte à conduta de Gustavo. Há uma
interposição de um risco novo.
Sub Hipótese que tínhamos de abrir: tínhamos de saber se o facto de não haver sangue se
deveu ao facto de Homem responsável pelo stock ter sido negligente. Se chegarmos à
conclusão de que houve negligência do Hospital em relação aos Stocks- há uma
interposição de um risco proibido e este é que se interpõe no resultado. Mas se não
houvesse a violação de um dever de cuidado por parte do Hospital não havia uma
interrupção do processo causal e o agente seria imputado objetivamente quanto ao
crime de Homicídio- havia uma imputação objetiva do resultado à conduta do agente.
Suma:
Interrupção do processo causal- quando se cria um novo risco e esse novo risco vier a
concretizar-se no resultado
+
Dolo objetivo de Gustavo
=
Gustavo vai ser punido só pela tentativa de crime de Homicídio- a tentativa só existe
ou quando não há uma imputação objetiva do resultado à conduta do agente ou quando o
resultado não se verifica.
A conclusão a que chegamos é a de que não há uma interrupção do processo causal- o
agente é punido pelo crime de Homicídio porque o resultado é objetivamente imputável à
conduta do agente.
Teoria da Adequação: quando o agente consegue prever o resultado segundo aquele
processo causal- havendo um novo risco, provavelmente Gustavo não conseguir prever
aquele resultado segundo aquele processo causal. Mas como os Hospitais em Portugal são
velhos, é previsível que as pessoas morram segundo aquele processo causal.
Responsabilidade do Carlos e do Filipe
Instigação em Cadeia
Neste caso há uma pessoa que pede a outra que contacte o autor material. Para haver
instigação, tem que haver alguém a determinar outrem à prática do crime. O nosso
Código diz no artigo 26.º CP que é punível como autor quem determinar outra pessoa à
prática do facto. O nosso legislador quer punir como instigador quem determinar outrem à
prática do facto. Na nossa hipótese, quem contacta com o autor material é Filipe. Podemos
considerar o Carlos como instigador porque quem contactou o rapaz que bate foi
Filipe?
Divergência na Doutrina: podemos responsabilizar C
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Conceição Vale Dágua: existe uma instrumentalização do Filipe para a prossecução dos
fins. Nesse sentido, consideraríamos Carlos como autor mediato e Filipe como
cúmplice: “Aliciamento por ajuste”- neste caso a pessoa continua a ter o domínio do
facto porque domina a decisão do Homem da Frente até ao último minuto. Autor
mediato é aquele que tem até ao último momento o poder de parar a ação.
Quando há instigação em cadeia:
A) Só pode ser punido como instigador quem entra em contacto direto com o
autor material- era isto que defendia Eduardo Correia;
B) Mas, a maior parte da Doutrina Atual entende que o legislador apenas diz quem
determinar outra pessoa à pratica do facto- não o diz se é direta ou
indiretamente.
O importante é partir do executor material e perguntar o que é que foi determinante para o
executor realizar o facto? O que foi determinante foram os 500,00€ e por isso mesmo
faz todo o sentido considerar punir como instigador o que oferece os 500,00€. Filipe
podia ser punido a título de cumplicidade- mas só se o papel que desempenhou na ação foi
o de mero núncio. Por outro lado, se considerássemos que o contributo de Filipe foi
essencial- o mesmo seria punido a título de autor material- seria considerado como co-
autor.
Instigador- determina outrem a praticar o facto
Co-autor- participa na realização do facto
Cúmplice- fornece a arma mas não participa
Excesso:
Depois de analisado o problema da instigação em cadeia, tínhamos de dizer que houve um
excesso por parte de Gustavo porque o Carlos só lhe pede, ainda que indiretamente,
para pregar um susto ou uma sova.
Qual a relevância do excesso em relação ao autor material?
1- O Gustavo não bateu no Duarte, mas sim na pessoa de Hugo.
Há erro sobre o objeto apesar de não ter qualquer relevância para o autor material. Para
maior parte da Doutrina, havendo erro sobre o objeto do Homem da Frente, esse erro
equivale a uma aberractio ictus para o Homem de Trás. Em princípio este Homem de
trás vai ser punido em concurso pela tentativa do crime de ofensa à integridade física
de Duarte e pelo crime que o Homem da Frente realizou de forma negligente se se
provar que Carlos conseguia prever que o Homem da frente ia errar. Isto era difícil de
se provar porque Carlos podia saber que Duarte era distraído ou que a fotografia não era
bem visível.
Tínhamos de saber qual a relevância do erro sobre o objeto para o Homem de
Trás.
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Excesso do Homem Da Frente: se houver excesso, para maior parte da Doutrina, o
Homem de Trás apenas pode ser punido como autor negligente se for previsível- se
soubesse que o Homem era violento por natureza., por exemplo.
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Punibilidade
Por norma um facto típico, ilícito e culposo é também punível mas pode acontecer que no
caso em concreto não se verifique a condição de punibilidade em sentido amplo e só
nestes casos é que importa analisar a punibilidade individualmente.
Fundamento da Punibilidade A ideia que está por detrás da punibilidade é a ideia de dignidade penal, ou seja, em função
fundamentalmente de ideias preventivas, o facto concreto fica aquém do limiar mínimo
da dignidade penal:
“Apesar da realização do tipo de ilícito e do tipo de culpa, a imagem global do facto
é uma tal que em função de exigências preventivas o facto concreto fica aquém do
limiar mínimo da dignidade penal” – Figueiredo Dias.
Quais as condições de punibilidade em sentido amplo?
Dentro das condições de punibilidade em sentido amplo, temos:
Condições Objetivas de Punibilidade
Em primeiro lugar, as condições objetivas de punibilidade, isto é, em
determinados tipos de crime têm de se verificar certas circunstâncias extrínsecas
ao facto típico e ilícito para que o facto possa ser punível e por isso não estão
abrangidas pelo dolo.
Na tentativa, por exemplo, surge como condição objetiva de punibilidade: a pena aplicável
ao crime consumado ser superior a três anos. Esta condição não tem nada que ver com
a ilicitude, tipicidade ou culpa do agente – é sim uma condição extrínseca que tem de
se verificar para que o facto possa ser punível.
Outro exemplo encontra-se no artigo 295º CP que diz respeito ao crime de embriaguez ou
intoxicação. Para que o tipo esteja preenchido é necessário que haja pelo menos
negligência, e que o agente se coloque no estado de inimputabilidade. Não é um crime
de resultado, basta esta atividade para o tipo ficar preenchido, o que se passa é que o
legislador exige para a sua punibilidade que o agente pratique um facto ilícito típico
– é apenas uma condição objetiva da punibilidade que tem de se verificar para que se
diga que é um facto digno de pena de prisão.
Causas de Exclusão da Pena ou Causas Pessoais de isenção da pena
Há ainda as denominadas causas de exclusão da pena ou causas pessoais de
isenção da pena que são condições que ocorrem após a prática do facto típico
ilícito e culposo e que podem condicionar a sua punibilidade.
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Por exemplo, desistência voluntária: na tentativa, se houver desistência voluntária
o facto deixa de ser punível porque do ponto de vista de prevenção geral e
especial o facto deixa de necessitar/exigir punição.
Âmbito de aplicação da Punibilidade Não podem fazer parte desta categoria circunstâncias que tenham que ver com o tipo
de ilícito e tipo de culpa mas também não fazem parte deste tipo de punibilidade as
situações que não têm que ver com o conceito de crime mas com a pena, ou seja,
com as consequências do crime.
Exemplo: Instituto da despensa de pena – artigo 75º CP. Não tem que ver com a
punibilidade, mas sim com a política autónoma da consequência jurídica do crime.
Outro exemplo: Condição de procedibilidade da ação penal – necessárias para que o
processo penal realize e se determine a responsabilidade jurídico-criminal do agente.
Por exemplo, há crimes em que tem de haver queixa, tem que ver com matéria que regula a estatuição do
crime.
Facto Punível
Quando se afirma que um facto é punível significa apenas que estão verificados no crime
todos os pressupostos necessários para que a punição se possa desencadear. O
próprio regime jurídico da pena pode dizer que não se aplica. Às vezes diz-se que a
categoria da punibilidade tem que ver com perfeição do tipo, ou seja, a própria
disciplina da consequência jurídica do crime pode dizer que afinal já não se vai aplicar pena.
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Tentativa
Este instituto, tal como a comparticipação, surge como uma forma especial de surgimento
do crime porque nos tipos de crime da parte especial do CP descrevem-se situações de
autoria singular, direta em que o crime se apresenta na forma consumada. A professora
considera que tanto a tentativa como a comparticipação têm que ver com o tipo de
ilícito.
Ter um crime na forma consumada ou ter um crime de tentativa é igual em relação à análise
(tipicidade, ilicitude, etc.). O que a tentativa tem em termos de especificidades são os
seus elementos objetivos. Os artigos 22º e 23º CP são considerados normas extensivas
da tipicidade uma vez que vão permitir punir nas situações de tentativa - se estes artigos
não existissem não haveria essa possibilidade.
Como é que se constrói o tipo da tentativa?
Tem de se conjugar o artigo 22º com a norma da parte especial incriminadora.
Artigo 22º + Norma da Parte Especial Incriminadora
Elemento Subjetivo da Tentativa
Para haver tentativa é necessário que haja dolo uma vez que não é possível haver tentativa
negligente e tal resulta do artigo 22º do CP.
A maior parte da doutrina defende que o dolo poderá revestir uma das três formas:
Dolo direto;
Dolo necessário;
Dolo eventual.
O único professor que defende que não se pode considerar haver tentativa numa das formas
de dolo é Faria da Costa que acredita que no dolo eventual o agente não decidiu
realizar o crime. A Professora Bárbara Sousa Brito não concorda com Faria da Costa
uma vez que a pessoa representa a possibilidade de realização do facto típico e
conforma-se, havendo um comportamento criminoso.
Para além do dolo, nos crimes dolosos em que para além do dolo se exige elemento
subjetivo especial- crime de furto- para que o tipo subjetivo esteja verificado é
necessário a presença desse elemento subjetivo especial.
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Exemplo: Crime de Furto (artigo 203º CP) -Terá de haver intenção de apropriação para
que a tentativa do crime seja punível.
Elemento/Tipo Objetivo da Tentativa
Traduz-se na prática de atos de execução e, por isso, a grande questão que se coloca é:
Quando é que a prática de um ato deixa de se considerar apenas um ato preparatório e passa a ser considerado
um ato de execução?
O artigo fundamental para saber quando é que há atos de execução é o artigo 22º/2 CP:
Alínea a) – Atos que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de crime:
São atos de execução aqueles que caem sob alçada de um tipo de ilícito e são
abrangidos pelas palavras da norma incriminadora. Estes atos de execução só
podem acontecer nos crimes de forma vinculada, isto é, crimes que só podem
ser praticados por determinada forma.
Exemplo: Homicídio por Envenenamento – só pode ser praticado daquela forma;
Furto com introdução em casa alheia - ato de execução abrangido pela norma
incriminadora.
Esta alínea consagra uma teoria construída por Liszt – Teoria Formal Objetiva:
Teoria que surgiu para determinar quando é que existiam atos de execução.
Alínea b) – Atos idóneos a produzir um resultado típico:
São atos de execução todos os atos idóneos a produzir um resultado típico. São
atos de execução, todos os atos adequados a produzir o resultado típico e que
portanto põem em perigo substancial o bem jurídico.
Quando se dispara sobre alguém está-se a praticar um ato de execução, ou seja, está-
se a praticar um ato idóneo a realizar o facto típico. Corresponde à teoria material
objetiva que foi defendida nomeadamente por Frank;
Alínea c) – Estabelece o limite mínimo de quando um ato deixa de ser operatório
e passa a ser considerado um ato de execução:
o São atos de execução aqueles que segundo a experiência comum e salvo
circunstâncias imprevisíveis, são de natureza a fazer esperar que se
lhes sigam os atos das alíneas a) e b). No entanto, a maior parte da
doutrina entende que para além disso, têm também de ser atos que segundo
o plano concreto do agente são de natureza a fazer esperar que
imediatamente a seguir se lhes sigam atos das alíneas a) ou b) porque
só neste caso é que se pode dizer que há um perigo concreto de lesão
de bem jurídico. E esta necessidade de haver a criação de um perigo
concreto de lesão de bem jurídico, é para maior parte da doutrina, o
fundamento de punibilidade da tentativa.
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Exemplo: A tira a pistola do bolso, mas ainda a vai pôr num muro para que consiga atirar melhor sobre
a pessoa. Esta é uma situação em que segundo o plano concreto do agente não é de esperar que imediatamente
a seguir se lhe siga um dos atos previstos nas alíneas a) e b).
Terá de se estabelecer uma relação direta ou indireta com a esfera da vítima.
Para Roxin terá de haver um ato com estreita relação temporal com a lesão efetiva do
bem jurídico e uma relação direta ou indireta com a esfera da vítima, porque só no caso
de se verificarem cumulativamente estas situações é que haverá a criação de um perigo
concreto para o bem jurídico.
Para grande parte da doutrina justifica-se haver tentativa quando há perigo para o
bem jurídico, no entanto, só haverá verdadeiramente perigo se for previsível
segundo a experiência comum e no plano concreto.
O critério consagrado na alínea c), interpretado pela doutrina, é um critério final
objetivo que serve para ver se há uma estreita relação temporal com a lesão do
bem jurídico e com a esfera da vítima, tal como afirma Roxin.
Parte da doutrina considera que o que mais importa para se punir a tentativa é o desvalor
da ação, tendo mais facilidade em defender a punibilidade da tentativa impossível- esta
é a posição da professora Bárbara Sousa Brito. Por outro lado, outra parte da doutrina dá
mais importância à criação de perigo para os bens jurídicos.
Condições para a responsabilidade jurídico criminal do agente em
virtude de tentativa Para haver responsabilidade jurídico-criminal da tentativa tem de se verificar se a conduta é
típica, ilícita, culposa e punível.
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Punibilidade da tentativa
No que respeita às primeiras três, não há nenhuma especificidade mas no que toca à
punibilidade já as há:
Tem de ser aplicada uma pena superior a três anos, salvo disposição em contrário
– artigo 23º/1 CP;
Há ainda uma segunda condição de punibilidade da tentativa embora apenas seja
aplicável às tentativas impossíveis: não clareza para as pessoas:
De que o meio era inidóneo a produzir o resultado;
Ou
Que o objeto do crime era inexistente.
Quando há uma tentativa impossível?
Mas vejamos, em primeiro lugar, o que são tentativas impossíveis: há uma tentativa
impossível quando apesar de estarem presentes os elementos objetivos e subjetivos
do tipo da tentativa não poderá haver a produção do resultado típico por um de dois
motivos:
o Porque o meio usado não é idóneo a produzir o resultado, ou;
o Porque o objeto típico do crime não existe.
Exemplo: Alguém que dispara sobre uma pessoa já morta.
Atenção: Não confundir tentativa impossível com crime impossível. No crime
impossível a pessoa pensa que determinado facto é crime quando na realidade não o é. Na
tentativa impossível há um elemento subjetivo da tentativa mas não pode é haver
produção do resultado típico.
Exemplo de crime impossível:
A pensa que o adultério é crime e ao praticar adultério pensa que esta a cometer um crime.
Exemplo de tentativa impossível:
A pensa que está grávida pensando que está na 15ª semana de gestação. Toma um produto abortivo, mas
na realidade não está grávida.
No caso de tentativa impossível, tal como foi referido anteriormente, também é condição
objetiva de punibilidade a não clareza para as pessoas de que o meio era inidóneo a
produzir o resultado ou que o objeto do crime era inexistente. Se for evidente que o
meio não era idóneo a produzir o resultado ou que o objeto era inexistente não haverá
tentativa impossível.
Teoria da Impressão
Recorre-se normalmente ao critério ou teoria da impressão. De acordo com este critério, se
para um observador médio era previsível que o meio não era inidóneo ou que o objeto
não existia, então é porque é clara a constatação desses factos (que o objeto não existe
ou que o meio não serve) – artigo 23º/3 CP.
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O fundamento da punibilidade da tentativa impossível é a aparência de colocação em
perigo do bem jurídico e a dignidade penal está relacionada com a necessidade de
intervenção.
Ainda a propósito da punibilidade da tentativa, importa referir uma causa pessoal de
isenção da pena na tentativa:
Desistência Voluntária
Circunstância que ocorre após a prática do facto e que impede a sua punibilidade e
aproveita apenas à pessoa que desistiu, daí ser pessoal – prevista nos artigos 24º e 25º
CP.
Podem distinguir-se três formas – 24º CP:
o Desistência após a consumação formal mas antes da consumação
material: “Não obstante a consumação, impedir a verificação do resultado compreendido
no tipo de crime” (24º/1 CP). São os crimes de perigo concreto dado que
nestes tipos de perigo concreto pode haver consumação formal sem
haver consumação material.
Exemplo: Basta que se prove que a mulher criou perigo para a vida da criança, não sendo necessário que
a criança morra.
o Desistência na tentativa acabada: “Impedir a consumação do crime” (24º/1
CP). Fala-se em tentativa acabada quando já houve a prática de todos os atos
de execução a cargo do agente, ao tempo do último ato de execução o agente
considera possível a verificação da consumação. A desistência consiste no
impedimento da consumação do crime por parte do agente mesmo
após ter praticado todos os atos de execução a seu cargo. Terá de se dar
a chamada desistência ativa porque se terá de fazer algo para impedir a
consumação do crime.
Exemplo: O A já pôs a bomba e o cronómetro a contar, se quiser impedir que a bomba expluda terá de
a desligar.
o Desistência na tentativa inacabada: “desistir de prosseguir na execução do crime”
(24º/1 CP). O agente ainda não praticou todos os atos de execução a
seu cargo. Na tentativa inacabada, para haver desistência basta que o
agente não pratique os atos de execução que ainda faltam para a
consumação do crime e, portanto, no fundo, fala-se em desistência
passiva porque ele interrompe/omite os atos que ainda faltam.
Exemplo: Alguém aponta uma pistola mas falta-lhe premir o gatilho para
que haja execução do crime.
Ter-se-á de ter em conta a representação do agente sobre o estado alcançado.
Qualquer das desistências, para terem de relevância, terão de ser voluntárias e estas
consideram-se voluntárias quando o agente podia prosseguir com a prática do crime de
forma bem sucedida e mesmo assim decide não prosseguir com a execução do crime.
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No entanto, se a desistência se dá porque o agente pensa que já não consegue realizar
o crime, não se poderá chamar de desistência voluntária. A desistência será involuntária
quando o agente impede o resultado em virtude do receio, receio esse fundado numa
modificação das circunstâncias exteriores.
Exemplo: Se o agente desiste porque vê o polícia já não se poderá considerar desistência voluntária.
O que fundamenta a desistência são razões político-criminais, o que é decisivo é que a
desistência possa ser vista como obra pessoal do agente, que este tenha tomado nas suas
próprias mãos a reversibilidade do processo lesivo do bem jurídico, não importando
os motivos.
Ainda a propósito da desistência, há outra causa de isenção da pena que se encontra
referida no artigo 24º/2 CP e que só se pode aplicar quando a consumação
material do crime é impedida por facto independente da conduta do agente
mas o agente se esforçou seriamente para impedir a consumação formal e/ou
material do crime. Quando se fala aqui esforçou-se seriamente implica que hajam
atos que criaram na perspetiva do agente uma oportunidade de salvação do
bem e “sérios” no sentido de levar a cabo tudo aquilo que ele pensa que tem de
fazer para evitar a consumação.
Exemplo: Crime de exposição ou abandono (138º CP): a mãe abandona a criança na floresta,
passados cinco minutos aparece um polícia que impede a consumação material do crime.
Todavia a mãe arrepende-se da sua decisão e passados 190 minutos volta ao local para tentar salvar a
criança. A mãe esforçou-se seriamente para impedir a consumação – 24º/2 CP.
Possibilidade de, no caso de haver um esforço sério, se dar a isenção da punibilidade
mesmo que não tenha sido por sua intervenção ou que não tenha havido consumação
material do crime uma vez que se dá uma interrupção do processo.
Atenção: Não se deve confundir isenção da pena (ao nível da punibilidade) com isenção da
culpa (tratando-se de uma causa de exclusão da culpa).
Deu-se uma grande discussão por parte da doutrina, nos últimos anos, em relação à
punibilidade - para se saber se se devia deixar de punir o agente:
Para Figueiredo Dias o fundamento que está por detrás da impunidade da
desistência voluntária resulta da conjugação de vários pontos de vista que nos dão
a ideia do porquê que na desistência faz sentido excluir a pena;
O professor Roxin criou uma figura nova que misturava a culpa com fins de
prevenção mas, embora a professora o entenda, este foi criticado por isso: não se
deve confundir a categoria da culpa com os fins das penas. A culpa deve apenas
preocupar-se com a relação do agente com o direito. Roxin chamou a atenção para a
importância da dignidade penal do comportamento – necessidade de punir
aquele tipo de comportamento.
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Desistência em caso de comparticipação
(artigo 25º CP)
A desistência voluntária é causa pessoal de isenção da pena o que significa que só
aproveita ao próprio que desiste mas na comparticipação pode não ser punido:
Aquele que impede a consumação do crime formal ou material: “não é punível a
tentativa daquele que voluntariamente impedir a consumação ou a verificação do resultado” (25º
CP);
Aquele que se esforçar seriamente para impedir a consumação do crime
mesmo que, ainda assim o crime se consume porque os outros
comparticipantes prosseguiram na consumação: “não é punível a tentativa (…)
daquele que se esforçar seriamente por impedir uma ou outra, ainda que os outros comparticipantes
prossigam na execução do crime ou o consumam.”
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