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TERRA DA GAROA CAPÍTULO 001
TERRA DA GAROA
CAPÍTULO 01
Novela de
Édy Dutra
Escrita por
Édy Dutra
Resumo do capítulo
Raquel reúne as amigas, Jaqueline e Lenara, num almoço
especial / Zuleica e Jair se desentendem na reunião /
Claude presenteia Raquel com curso em Portugal / Gurgel
avisa que Henrique irá para Portugal e Humberto protesta.
TERRA DA GAROA CAPÍTULO 001
CENA 01. TAKES FAZENDA QUEIRÓS. EXT. DIA.
(sobe trilha “Disparada” – Jair Rodrigues) Vista
aérea, plano aberto. CAM percorre um vasto campo onde aos
poucos começa a aparecer uma imensa plantação de oliveiras.
Mostra as aves cruzando o céu, um rebanho de gado
percorrendo o pasto. Corta para Henrique, a cavalo,
galopando, por um gramado verdejante. O rapaz é moreno,
cabelos curtos e cacheados, porte atlético, cerca de 30
anos. O vento bate em seu rosto, o sol o ilumina. Ele
cavalga em direção à uma grande casa de estilo colonial,
imponente.
Henrique desce do cavalo, entrega o animal para um
outro homem, capataz da fazenda, e entra na casa. (fade out
trilha “Disparada” – Jair Rodrigues)
CENA 02. CASA DA FAZENDA. INT. DIA.
Henrique entra na casa, chegando na sala de estar. O
ambiente mistura decoração antiga com objetos modernos. Há
duas pessoas reunidas no local. Maria Alice (acima dos 60
anos, cabelos curtos, cacheados, louro escuro, “ar”
risonho) se aproxima dele, o abraçando.
MARIA ALICE: - E então, meu filho, deu pra curtir o ar puro
da fazenda?
HENRIQUE: - Deu sim, mamãe. É maravilhoso quando a gente
volta pra cá e sente a natureza de perto. É uma pena que
São Paulo tenha tão pouco dessa natureza.
Um outro homem (moreno, cerca de 30 anos, cabelos
curtos, pretos, expressão mais séria) se manifesta, sentado
numa poltrona de couro de encosto alto. É Humberto.
HUMBERTO: - Sentir a natureza é ótimo, mas não troco a
cidade pela vida no campo.
HENRIQUE: - Todos sabemos que você é cem por cento
cosmopolita, Humberto.
HUMBERTO: - Gosto da natureza, mas assim, cada um no seu
lugar. Eu no meu e ela no lugar dela.
MARIA ALICE: - Não esqueça que vem da natureza o sustento
dessa família, Humberto. Não podemos ignorá-la assim.
TERRA DA GAROA CAPÍTULO 001
HUMBERTO: - Eu não a ignoro, dona Maria Alice. HENRIQUE: - O Humberto está brincando, mamãe. Ele sabe o
quanto é importante esse lugar... E o papai, onde está?
MARIA ALICE: - Está mostrando o escritório novo para o
Barreto e a Tarsila.
HENRIQUE: - Eles estão aí é? MARIA ALICE: - Sim, estão.
Ouve-se risadas. Gurgel (acima dos 70 anos, cabelo
curto, escuro), acompanhado de Barreto (cerca de 50 anos,
negro, cabelo grisalho), Tarsila (cerca de 50 anos, negra,
cabelos crespos, volumosos, com vestido esvoaçante,
elegante) e Nuno (cerca de 20 anos, negro, óculos de grau,
trajando calça e suéter) entram na sala.
MARIA ALICE (sorridente): - Qual o motivo da piada? TARSILA: - Gurgel equipou o escritório com tudo de alta
tecnologia. Mas não sabe nem ligar o computador... (risos)
GURGEL: - Isso eu deixo para os rapazes. Eu tenho a
experiência e o controle na cabeça. A parte operacional
eles cuidam.
BARRETO: - E cada dia chega uma novidade no mercado. E o
computador de hoje amanhã já está ultrapassado.
TARSILA: - Como vai, Henrique? Precisamos sair de São Paulo
para nos encontrar, é isso?
HENRIQUE: - São tantos compromissos, Tarsila... Barreto,
como está?
BARRETO: - Tudo em ordem. Esperando você para o turfe. Está
me devendo uma visita ao Jockey.
HENRIQUE: - Eu sei! E vou pagar essa dívida! GURGEL: - Falando em dívida... Humberto, temos uns acertos
a fazer, não temos?
HUMBERTO; - Papai, fazendo cobranças na frente das visitas?
MARIA ALICE: - Tarsila, Barreto e o Nuno não são visitas.
São praticamente da família.
HUMBERTO: - Mesmo assim... (sem jeito) Mais tarde
conversamos sobre isso...
HENRIQUE: - E você Nuno, tão quieto aí. MARIA ALICE: - Nuno sempre foi quietinho, desde garotinho.
Bem ao contrário da irmã! (risos)
TARSILA: - Stefany parece ligada na tomada! Movida à pilha,
sei lá! (risos) não sei de onde ela tira tanta energia!
NUNO: - Stefany é movida à compras, mamãe. HUMBERTO: - Me diga qual mulher não é assim, Nuno?
TERRA DA GAROA CAPÍTULO 001
Num outro ponto, Gurgel e Barreto conversam.
GURGEL: - Nós ainda estamos um pouco atrás do Rio Grande do
Sul em termos de cultivo de oliveira. Mas acredito que em
pouco tempo essa diferença seja ainda menor.
BARRETO: - E a empresa está crescendo, Gurgel. Se
expandindo para todo o país e logo mais para o exterior.
GURGEL: - Já estamos no exterior. Pequenos ainda, tímidos.
Apenas na América do Sul. Mas eu quero Europa, Barreto. Sei
que temos potencial pra isso...
Henrique se aproxima.
HENRIQUE: - Sempre falando de negócios. A pauta nunca muda
nem aqui na fazenda?
GURGEL: - Como eu posso não falar daquilo que me fez ser
quem eu sou hoje, meu filho? O plantio e o cultivo das
oliveiras salvaram nossa família de um grande abismo.
BARRETO: - Falando em abismo, alguns concorrentes fecharam
as portas. Li no jornal.
HENRIQUE: - A crise econômica ainda causando vítimas.
GURGEL: - E para que a gente não sofra, eu estive tendo
várias ideias. E acho que agora é a hora de abrir para
vocês. Vamos voltar para o escritório.
Henrique, Gurgel e Barreto saem. Humberto, da
poltrona, observa tudo. Enquanto Tarsila conversa com Nuno,
Maria Alice se aproxima do filho.
MARIA ALICE: - O que foi, Humberto? Tá com uma cara... HUMBERTO: - Papai, pra variar, me ignorando. MARIA ALICE: - Não diga uma coisa dessas, meu filho. Seu
pai jamais (pausa)
HUMBERTO (interrompendo): - Não venha colocar panos
quentes, mamãe. Ele acabou de ir para o escritório com o
Barreto e com o Henrique e não fez questão nenhuma de me
chamar. Ele está com raiva de mim porque ainda não devolvi
o dinheiro que ele me emprestou. Mas eu vou pagar, mãe!
MARIA ALICE: - Não é isso, Humberto! Não pense assim, meu
filho... Você sabe como seu pai é, agitado, esquecido. Não
leve a mal. Vá pra lá também. Ele não vai impedir sua
entrada.
TERRA DA GAROA CAPÍTULO 001
Humberto levanta-se, firme e sai da sala. Maria Alice
fica a observá-lo. Tarsila se aproxima.
TARSILA: - O que foi com ele? MARIA ALICE: - Desde pequeno sempre foi assim. Ele acha que
é preterido pelo Gurgel. Imagina! O pai ama os dois filhos
da mesma forma.
CENA 03. IMAGENS GERAIS DE SÃO PAULO / SHOPPING. INT.DIA.
Imagens aéreas e planos abertos de diversos pontos da
cidade de São Paulo: a Marginal Pinheiros, o Parque do
Ibirapuera, a Avenida Paulista.
Corta para um shopping Center. (sobe trilha “Fica Só
Olhando” – Anitta) Carol (loira, magra, cabelos ondulados,
compridos, cerca de 20 anos) e Stefany (negra, cabelos
ondulados escuros, cerca de 20 anos) caminham lado a lado,
com sacolas de compras e roupas de marca. Sequência de
várias imagens das duas entrando e saindo das lojas,
comprando mais e mais coisas.
As duas sentam-se em uma mesa na praça de alimentação.
CAROL: - O vestido que você comprou por último é lindo,
Stefany!
STEFANY: - Eu adorei! Perfeito pra usar na festa da
Laurinha.
CAROL: - Você vai?!
STEFANY: - Eu vou. CAROL: - Mas a Laurinha te odeia! Te entregou o convite por
puro deboche. Ela ta certíssima de que você não vai nem
chegar perto da rua onde ela mora...
STEFANY: - Aí é que ela se engana. Se não queria que eu
fosse, não me entregasse o convite. Agora é tarde. Eu quero
entrar nessa festa arrasando, Carol. E você vai comigo.
CAROL: - Eu?! Mas eu também não suporto essa garota! STEFANY: - Vai sim. Eu preciso de testemunhas para ver o
quanto eu vou arrasar com aquela patricinha chata.
CAROL: - Uma patricinha falando da outra. (risos)
As duas riem.
CAROL: - Vamos lá na loja da mamãe?
TERRA DA GAROA CAPÍTULO 001
STEFANY: - Vamos sim. Já vou dar uma olhada nuns sapatos
também.
CAROL: - O quarto sapato só hoje.
STEFANY: - Nunca é demais...
As duas seguem caminhando pelo shopping (fade in
trilha “Fica Só Olhando” – Anitta). Elas chegam à loja. É
um ambiente requintado, muito bem decorado. (baixa trilha)
CAROL: - Oi mãe!
Paula (40 anos, magra, alta, cabelos castanhos
escuros, andar elegante) se aproxima delas.
PAULA: - Fazendo compras, meninas? STEFANY: - É, só umas comprinhas. PAULA: - Você foi muito generosa dizendo comprinhas,
Stefany. (risos)
CAROL: - Passamos só pra dar um oi. Ainda tem salão de
beleza.
PAULA: - E posso saber o porquê dessa produção toda? STEFANY: - Temos uma festa imperdível hoje e não podemos
chegar simples.
PAULA: - Nem se vocês quisessem, não chegariam a lugar
algum simples, meninas. (risos)
STEFANY: - Gente, que sapatos lindos são esses? Minha mãe
não falou nada pra mim!
Stefany vai ate a prateleira olhar os sapatos.
CAROL: - E o papai? PAULA: - Reunião na empresa. Tínhamos até combinado de
almoçar juntos, mas ele ligou, desmarcando.
CAROL: - E você ficou chateada... PAULA: - Eu? Claro que não. Seu pai é um homem muito
dedicado ao trabalho, eu entendo perfeitamente.
CAROL: - Eu e a Stefany ainda não almoçamos. Se quiser,
pode almoçar com a gente. Que tal? As três juntas?
PAULA: - Eu adoraria! STEFANY: - Eu também adoraria ter esse sapato nos meus pés!
Tem 36?!
Carol e Paula riem.
TERRA DA GAROA CAPÍTULO 001
CENA 04. HMÓVEIS. SALA DE REUNIÕES. INT. DIA.
Ulisses, Robson e Santiago em reunião no escritório da
HMóveis. Enquanto Robson (loiro, porte atlético, cabelos
curtos, 30 anos) apresenta o projeto de móveis para um novo
condomínio, Ulisses (moreno, cabelos curtos, porte
elegante, cerca de 35 anos) e Santiago (cabelos grisalhos,
aparência mais fechada, 55 anos) observam com atenção. Além
deles, Keylla Mara (loira, corpo escultural, cabelos
ondulados, 25 anos) está presente, fazendo as anotações.
Outros diretores estão presentes na reunião.
ROBSON (mostrando no telão): - Este tipo de sofá tem
revestimento impermeabilizante, além de um designer que
combina com qualquer ambiente.
O celular de Ulisses toca, interrompendo Robson.
Ulisses se apressa para atender.
ULISSES: - Desculpa pessoal. (atende o telefone,
discretamente) Alô? (Tempo) Rita, eu estou numa reunião
importante, não posso falar agora. (T) Diz pra ele
obedecer, senão não vai ganhar festa de aniversário...
Robson observa Santiago, que faz cara de poucos amigos
diante da interrupção de Ulisses. Robson pigarreia para
chamar a atenção de Ulisses, que percebe.
ULISSES (ao telefone): - Rita, fala com a Lenara, dá um
jeito aí. Agora eu realmente não posso. (desliga o
telefone)
SANTIAGO: - Podemos prosseguir, Ulisses? ULISSES: - Claro. Desculpem.
ROBSON: - Pois bem, continuando... A seguir temos esta
prateleira toda em aço inox e acrílico, com um visual
moderno e sofisticado...
O telefone de Ulisses toca novamente. Ele, já
constrangido, atende.
ULISSES (ao telefone, fala baixo): - Rita! Agora eu não
posso!... (T) Mas e a Lenara, não está aí? (T) (suspira,
com enfado) Tá certo. Eu estou indo. (desliga)
TERRA DA GAROA CAPÍTULO 001
Ulisses se levanta da mesa de reuniões.
ULISSES: - Eu preciso (pausa)
SANTIAGO (interrompe): - Pode ir, Ulisses. Mais tarde você
recebe o relatório da senhorita Keylla Mara.
Keylla Mara sorri para Ulisses.
ULISSES: - Obrigado. Desculpem o incômodo.
Ulisses sai da sala de reuniões.
ROBSON: - Prosseguir? SANTIAGO: - Acho que podemos dar uma pausa para o café.
Depois continuamos. Só espero que ninguém mais interrompa.
Os diretores se dirigem até uma mesa próxima, onde
estão dispostos café e biscoitos. Robson se aproxima de
Keylla Mara.
ROBSON: - Está conseguindo pegar todas as informações do
projeto?
KEYLLA MARA: - Estou sim. Depois que eu terminar, já mando
uma cópia para o e-mail do doutor Ulisses... Será que
aconteceu alguma coisa séria?
ROBSON: - Ele estava falando com a Rita, que é a pessoa que
cuida do Otávio, filho dele. Pra ele sair assim, no meio da
reunião... Só espero que não seja nenhum problema grave.
CENA 05. CASA DA FAZENDA QUEIRÓS. COZINHA. INT. DIA.
Maria Alice e Tarsila conversam na cozinha, enquanto
as panelas cozinham o almoço no fogão.
TARSILA: - É sempre tão agradável passar o tempo aqui na
fazenda.
MARIA ALICE: - Eu adoro esse lugar. Gosto da casa de São
Paulo, mas a fazenda tem um ar puro incrível, uma aura
bacana. Gurgel também adora esse lugar. Por ele, vivia só
aqui.
TARSILA: - Henrique puxou um pouco isso do pai. Vejo que
ele gosta muito da fazenda, dos cavalos, dos cuidados com a
terra, mesmo não deixando de lado seu gosto também pela
cidade.
TERRA DA GAROA CAPÍTULO 001
MARIA ALICE: - Já o Humberto é totalmente o oposto.
Humberto não veio do barro, como nós humanos. Ele saiu
direto do concreto, do aço, do ferro... (risos)
Aos poucos, o sorriso de Maria Alice se esmaece.
Tarsila percebe.
TARSILA: - O que foi? MARIA ALICE: - O de sempre... A relação entre Gurgel e
Humberto. Sempre numa linha tênue, frágil. Parece que a
qualquer momento ela se rompe de vez.
TARSILA: - Aquela idéia de uma empresa nova, que ficaria
sob os cuidados do Humberto...
MARIA ALICE: - Nada saiu do papel. E o Gurgel toda vez
cobra o filho por isso. É impossível para uma mãe escolher
entre um filho e outro... E eu detesto pensar dessa forma,
mas acho que o Gurgel já escolheu bem qual o seu preferido.
TARSILA: - Isso é péssimo... Humberto deve se sentir muito
rejeitado.
MARIA ALICE: - Eu me esforço muito para fazer com que ele
não se sinta assim. E até cobro o Gurgel por isso. Sei que
ele não faz por mal, mas acaba fazendo mesmo assim. Eu rezo
todos os dias para que eles tenham uma amizade forte mesmo.
Um amor verdadeiro de pai e filho.
CENA 06. CASA DA FAZENDA QUEIRÓS. ESCRITÓRIO. INT. DIA.
Henrique, Gurgel, Humberto e Barreto no escritório.
GURGEL: - E graças ao Henrique, nós conquistamos o prêmio
latino-americano de inovação tecnológica no cultivo das
oliveiras.
Humberto encara Henrique com expressão fechada.
BARRETO: - Foi uma idéia incrível. E que inclusive já está
sendo copiada por outras empresas.
HENRIQUE: - É vantajoso para todos. Eliminar cada vez mais
o uso de agrotóxicos nas lavouras e prolongar a vida dos
produtos é o que todo mundo busca.
GURGEL: - Esse meu filho é ou não é um homem de visão,
Barreto?
TERRA DA GAROA CAPÍTULO 001
Barreto sorri. Gurgel feliz ao lado de Henrique.
Humberto sentado na cadeira, calado, cara fechada.
CENA 07. APTO LENARA. SALA DE ESTAR. INT. DIA.
O apto é amplo, muito bem decorado e claro. Rita
(magra, cabelo preto, liso e curto, pele clara, 20 anos)
deixa a bandeja com lanche sobre a mesa de centro.
RITA: - Otávio!... Tavinho!
Otávio (cabelo preto, curto, magro, 6 anos) chega na
sala correndo, se aproxima de Rita.
RITA: - Agora, por favor, Tavinho, faz esse lanche! Você
não quis tomar café e me pediu esse lanche. Agora come, por
favor!
OTÁVIO: - Fez tudo o que eu pedi?
RITA: - Fiz, ta tudo aí. Agora você precisa comer, depois
escovar os dentes, arrumar sua mochila e sair, porque hoje
tem atividade na sua escola. Entendeu?
OTÁVIO: - Aham.
Rita se afasta. Otávio senta-se no tapete, próximo da
mesa de centro para lanchar. A TV está ligada e está
passando um desenho de aventura. Otávio fica impressionado
com o desenho. Ele aumenta o volume da TV e se imagina como
personagem do desenho. Ele sobe na mesa de centro, pula no
sofá, bagunça a sala. Rita retorna, surpresa.
RITA: - Tavinho! O que está acontecendo aqui?! OTÁVIO: - É a aventura, Rita! RITA: - Você vai se atrasar, menino!... Eu já não sei mais
o que fazer. Nem seu lanche você comeu! Não fez nada do que
eu pedi!
De repente, Lenara (magra, alta, 30 anos, cabelos
louros, curtos), vestindo camisola, cara de sono, chega na
sala a passos firmes, pega o controle da TV e a desliga.
LENARA (grita): - Não se pode mais dormir em paz aqui?!
Otávio para de pular no sofá. Rita fica sem jeito
diante do grito de Lenara.
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LENARA: - Que bagunça é essa aqui? RITA: - Dona Lenara, eu pedi para o Tavinho comer o lanche,
e arrumar as coisas dele para sair, mas ele se distraiu com
a TV e... (pausa)
LENARA: - E aí a sua incompetência deixou que ele fizesse
esse carnaval todo na minha sala, é isso?
RITA: - Desculpe. LENARA: - Desculpa, desculpa. Tá sempre pedindo desculpas,
não é, Rita?... (se aproxima de Otávio, pega ele pela
orelha)
OTAVIO: - Ai mãe! LENARA: - Isso é pra aprender a se comportar como um menino
decente e não um marginal, destruindo toda casa!
Lenara solta Otávio, que se abraça em Rita, assustado.
RITA: - Não precisava fazer isso com o menino, dona
Lenara...
LENARA: - Quer me ensinar a criar uma criança, Rita? Me
poupe! O que é que você entende da vida, garota? De criar
um filho?
De repente, Ulisses chega no local.
ULISSES: - Certamente mais paciência e carinho do que você
ela tem.
LENARA: - Ulisses? O que você está fazendo aqui? Ou melhor,
como entrou aqui?!
ULISSES: - A Rita me ligou, pedindo pra vir pra cá. O
garotão aí estava muito agitado. E eu entrei aqui
simplesmente porque esse apartamento é meu. Ou esqueceu que
já era para você ter saído daqui há muito tempo?
LENARA: - Quer deixar a mãe do seu filho na rua, é isso?
Por isso que essa criança é complexada! Olha o pai que ela
tem!
ULISSES: - Não fala assim na frente do garoto! OTÁVIO (a Rita): - O que é complexada? RITA: - Nada não, Tavinho. Vem, vamos lá pra dentro.
Rita sai com Otávio.
ULISSES: - Olha o jeito que você trata nosso filho, Lenara!
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LENARA: - Quem vê você falando assim acredita que você é um
pai muito preocupado com ele...
ULISSES: - Eu sou sim! Otávio é tudo pra mim e você sabe
disso! Tanto é que eu deixo você ficar aqui ainda por causa
dele. Aliás, acredito que nem um outro apartamento você
esteja procurando.
LENARA: - Com que tempo eu vou fazer isso, Ulisses? Quando
der, eu faço. Agora chega! Cobranças, brigas, logo agora? À
essa hora da manhã?
ULISSES: - Já está quase na hora do almoço, Lenara... Eu
estava no meio de uma reunião importante na empresa, tive
que vir correndo pra cá a pedido da Rita, porque ela falou
que você não podia atender o Otávio.
LENARA: - Estava dormindo. Não podia mesmo. Mas
infelizmente eu tive que acordar. A TV estava a todo
volume!
ULISSES: - Para de ser tão fútil e cuida mais do Tavinho,
Lenara. Ele ta crescendo, precisa de atenção.
LENARA: - Ai, Ulisses! Você sabe que eu não tenho paciência
pra essas coisas, de ficar mimando a criança...
ULISSES: - Não é questão de mimar. É apenas dar atenção que
ela precisa... Os pais são os espelhos dos filhos.
LENARA (se joga no sofá): - Ótima a sua filosofia. Prometo
pensar no teu caso.
ULISSES: - Impressionante como você não muda... Eu vou
voltar para a empresa.
Ulisses sai. Lenara faz careta para ele. Em seguida,
seu telefone dá sinal de mensagem. Ela lê, se anima.
LENARA: - Que tudo! Almoço com as meninas! Raquel sempre
com esses encontros. (responde SMS) Topo!... (grita) Rita!
Rita chega na sala, apressada.
RITA: - Chamou, dona Lenara?
LENARA (levanta-se do sofá): - Chamei sim, Rita. Essa vai
ser a última vez que você vai ligar para o Ulisses vir aqui
em casa tentar resolver alguma coisa, está ouvindo?
RITA: - Eu só chamei ele porque (pausa)
LENARA (interrompe): - Não me interessa! Eu não tenho saco
para ficar aturando os sermões dele, ta legal? Da próxima
vez, prende o Otávio no quarto, no banheiro, joga pela
TERRA DA GAROA CAPÍTULO 001
janela, faz o que for! Eu só não quero mais ser perturbada
por causa dessa criança. Estamos entendidas?
RITA: - Tudo bem.
LENARA: - Agora me deixa tomar um banho de banheira bem
gostoso e cancela o cliente de daqui a pouco. Vou almoçar
com as minhas amigas e quero ter tempo livre. Resolvo os
compromissos do trabalho mais tarde.
RITA: - Como quiser, dona Lenara.
Lenara sai.
CENA 08. MASP. EXT. DIA.
(sobe trilha “Sunday Morning” – Maroon Five) Vista
aérea da cidade de São Paulo, mostrando os prédios e toda
movimentação da metrópole. Corta para a Avenida Paulista.
CAM percorre toda a via até chegar ao MASP.
Na parte de baixo do prédio, há uma exposição de
quadros de Tarsila do Amaral. Ao fundo, um painel indica
“Exposição Simplesmente Tarsila”. Há várias pessoas
observando os quadros, dispostos por todo o lugar.
Entre essas pessoas, está Jaqueline (cerca de 30 anos,
cabelos pretos, ascendência oriental, magra) que olha com
encanto os quadros da artista. (fade out trilha “Sundey
Morning” – Maroon Five) De repente, o celular de Jaqueline
avisa o recebimento de uma mensagem. Ela visualiza.
JAQUELINE: - Encontro com as amigas! É claro que eu vou.
Aliás, vou pra lá agora!
CENA 09. RESTAURANTE GOURMET PAULISTA. INT. DIA.
Jaqueline entra no refinado restaurante Gourmet
Paulista, um dos mais famosos da cidade, localizado
justamente na Avenida Paulista. O ambiente é agradável e o
local está com bom movimento. Assim que entra, Jaqueline
encontra Lenara em uma das mesas e se aproxima da amiga.
JAQUELINE: - Lenara! LENARA: - Oi Jaque! Que bom que veio!
TERRA DA GAROA CAPÍTULO 001
As duas se cumprimentam. Jaqueline senta-se ao lado de
Lenara.
JAQUELINE: - E eu ia perder esse encontro incrível? LENARA: - Eu fiquei animada com o convite. Tomei um banho e
vim direto! (risos)
JAQUELE: - E onde está a responsável por unir a gente aqui?
Uma moça (negra, cerca de 30 anos, magra, bonita,
cabelos cacheados) se aproxima das duas, trazendo uma
bandeja com canapés. Jaqueline e Lenara se surpreendem com
a entrada. A tal moça é Raquel, que abre um enorme sorriso
para as amigas.
RAQUEL: - Surpresa! LENARA: - Gente! Dá pena até de comer! Que lindos, Raquel! JAQUELINE: - O Claude está se puxando na decoração dos
pratos hein!
RAQUEL: - Ei, só uma correção. Não foi o Claude quem fez
isso não. Foi eu!
LENARA: - É mesmo?! RAQUEL: - Chamei vocês aqui porque estou sendo responsável
pela inserção de 3 novos pratos no cardápio do restaurante!
As três vibram. Raquel senta-se à mesa.
LENARA: - Que ótimo amiga! Isso merece um brinde!
Lenara chama o garçom, pede champanhe.
JAQUELINE: - Garota, que bacana isso! RAQUEL: - Fiquei tão feliz quando o Claude me falou que eu
seria responsável por criar três pratos novos para o
restaurante. Imagina, meus pratos no Gourmet Paulista!
JAQUELINE: - Você merece, Raquel. Batalhou tanto pra isso.
E cozinha super bem! Tenho certeza que os pratos vão ser um
sucesso!
LENARA: - Já é o caminho para virar uma grande cheff! RAQUEL: - Claude disse a mesma coisa... Vocês sabem que meu
sonho é abrir meu próprio restaurante, né?
JAQUELINE: - E você conseguir! Pode ter certeza!
TERRA DA GAROA CAPÍTULO 001
O garçom traz o champanhe e as taças, servindo as
três. Elas brindam ao sucesso de Raquel, e também provam as
entradas preparadas pela moça.
(sobe trilha “PDA (we just dont care)” – John Legend)
LENARA: - Está dos deuses!
RAQUEL: - São torradinhas com pasta de carne de faisão. JAQUELINE: - Carne de faisão?! Nossa! Nunca comi isso na
minha vida! (risos)
LENARA: - Só ouço falar em faisão no carnaval! (risos)
RAQUEL: - Posso mandar trazer os outros pratos? JAQUELINE: - Claro! LENARA: - Só quero ver a conta depois!
RAQUEL: - Não precisa se preocupar com a conta. Vocês são
minhas convidadas de honra. Tudo liberado.
LENARA: - VIP! Adoro!
As três riem, animadas. (fade out trilha “PDA (we just
dont care)” – John Legend)
CENA 10. IMAGENS DA ZONA LESTE. ITAQUERA / CAMPO DO
ITACLUBE. EXT. DIA.
(sobe trilha “Magalenha” – Leandro Lehart) Imagens
gerais da zona leste da cidade de São Paulo, mais
precisamente do bairro de Itaquera. Corta para o campo de
futebol do Itaclube. Treino no time. No campo, os jogadores
jogam em duas equipes, titulares e reservas. Entre os
jogadores do time titular, estão Daniel (negro, porte
atlético, cerca de 25/26 anos) e Marcelo (branco, cabelos
curtos e escuros, cerca de 25/26). Na beira do campo,
Macedão (negro, 50 anos, calvo) enérgico, coordena o
treino. (fade out trilha “Magalenha” – Leandro Lehart)
MACEDÃO: - João! Corre lá João!... (grita) Marcelo, cruza!
Ele ta lá na frente! O Daniel ta lá na frente!
Marcelo faz o cruzamento para Daniel, que recebe a
bola e segue em direção ao gol. Porém, outro jogador se
aproxima, dando um carrinho em Daniel, que cai no gramado.
Macedão apita, paralisando o jogo. Na arquibancada, os
poucos torcedores provocam um murmurinho. Entre os
torcedores, estão Bárbara (negra, corpo escultural, cabelos
TERRA DA GAROA CAPÍTULO 001
cacheados, 25 anos) e Aimée (negra, aparência meiga,
delicada, 20 anos).
BÁRBARA: - Esse cara tinha que ser expulso do time!
Imagina, fazer isso com o meu Daniel!
AIMÉE: - Seu Daniel? (risos) BÁRBARA: - Meu sim.
AIMÉE: - E ele sabe que tem dona? BÁRBARA: - Ele talvez nem precise saber. Mas as outras
atiradinhas que ficam de olho nele sim. Essas precisam
saber que ele tem dona e que essa dona sou eu!... ai Aimée,
olha lá! Será que ele se machucou?
AIMÉE: - Acho que não. Macedão já ta lá em volta.
No gramado, Daniel se levanta do chão.
MACEDÃO: - Machucou? DANIEL; - Nada não. Acho que foi só o choque da batida, mas
ta tudo bem.
O jogador que deu o carrinho se aproxima de Daniel, o
cumprimenta em pedido de desculpas. Macedão o repreende.
MACEDO: - E você rapaz, que jogar assim, vai fazer MMA!
Aqui é futebol, ta ouvindo? Futebol! Quer terminar com o
Daniel, a estrela do nosso time?
Ao ouvir isso, Marcelo, que estava próximo, faz cara
de quem não gosta, mas disfarça ao ver Daniel se
aproximando.
MARCELO: - Tudo bem mesmo? DANIEL: - Sim, sim, tudo certo.
Daniel se afasta.
MARCELO (a si mesmo): - Que pena... MACEDÃO: - Fiz do treino. Todo mundo pro vestiário.
Os jogadores vão saindo do campo. Na arquibancada,
Bárbara puxa Aimeé para descer.
BÁRBARA: - Vem! Eu quero saber como o Daniel está! AIMÉE: - Ele ta bem! Tá saindo do campo até sem mancar!
TERRA DA GAROA CAPÍTULO 001
BÁRBARA: - Olhar só não basta! Eu quero sentir...
Bárbara se aproxima do gradil que divide a
arquibancada do campo. Daniel passa por ali.
BÁRBARA: - Como você ta, Daniel? Tudo bem mesmo? DANIEL: - Tudo bem sim. Foi só uma batida, nada demais.
BÁRBARA: - Fiquei preocupada com você. Aliás, eu estou
sempre me importando com você.
DANIEL: - Valeu mesmo pelo carinho, Bárbara. BÁRBARA: - Te vejo mais tarde, no samba da escola?
DANIEL: - Se der eu apareço sim, pode deixar. BÁRBARA: - Se der não! Eu quero você lá!... É meu convidado
especial. (pisca o olho)
Daniel sorri e sai.
AIMÉE: - Você jogando pesado hein!
BÁRBARA: - Aprende uma coisa, Aimée. Mulher muito
delicadinha, muito boazinha, homem nenhum gosta não. Tem
que ter atitude, mostrar o que realmente quer. E o que eu
quero é ficar com o Daniel de novo!
AIMÉE: - Mas será que ele quer ficar com você? BÁRBARA (decidida): - Se não quiser, vou fazer querer!
Macedão e Marcelo vão saindo do gramado.
MACEDÃO: - Você ta jogando bem, Marcelo. Fez um ótimo
cruzamento.
MARCELO: - Também gostei. Só acho que o Daniel precisa
correr um pouco mais. Às vezes ele fica parado só esperando
a bola chegar nele.
MACEDÃO: - Mas é isso que ele precisa fazer. Esperar a bola
chegar. O Daniel não perde um gol, Marcelo. É a nossa
estrela! Temos que deixar que a parte dele faz, assim como
você faz a sua.
Macedão sai.
MARCELO: - Ele não é a única estrela. Não mesmo.
TERRA DA GAROA CAPÍTULO 001
CENA 11. ESCOLA DE SAMBA UNIDOS DA ZONA LESTE. INT. DIA.
Reunião na quadra da escola de samba. As cores
vermelho e branco colorem a quadra. Uma mesa cumprida no
centro reúne os diretores da escola. Numa ponta, está Jair
(magro, alto, 60 anos, cabelos grisalhos), presidente da
escola. No meio, está Rosa (negra, 60 anos, cabelos
cacheados, curtos), diretora da ala das baianas e na outra
ponta, está Zuleica (morena, 60 anos, cabelos lisos),
diretora do departamento social da escola. Outros diretores
(mais uns 6/7) compõem a mesa na reunião.
JAIR: - E para finalizar, no samba de hoje à noite, teremos
uma homenagem para uma pessoa muito especial.
ROSA: - Nossa, fiquei curiosa agora, Jair. JAIR: - Entregaremos uma placa para o senhor Honório
Martins, ex-presidente da escola e que foi uma figura ímpar
em nosso carnaval.
ZULEICA: - O quê?! Você está querendo homenagear o
presidente que levou nossa escola para o grupo de baixo e
que se não fosse meu falecido marido, Osvaldo, estaríamos
lá até agora?!
JAIR: - Desculpa, Zuleica, mas nossa escola desceu de grupo
por outros motivos. Seu Honório foi um lutador!
ZULEICA: - Seu Honório foi quem lhe colocou na presidência
da liga das escolas! É uma troca de favores, Jair?
JAIR: - Como é que é?! Como ousa falar assim comigo,
Zuleica? Está ofendida porque a homenagem não vai ser para
o seu queridinho falecido, que antes de morrer, deixou uma
dívida tremenda no meu colo?!
ROSA: - Vamos seguir a reunião, hein?! ZULEICA: - Está chamando meu falecido marido de ladrão,
Jair?
JAIR: - Quem está dizendo isso é você! ROSA: - Gente, por favor, vamos manter a calma! ZULEICA: - Impossível manter a calma com esse ser boçal!
JAIR: - Eu nem sei o que é isso que a senhora me chamou,
mas saiba que não sou!
ROSA: - Eu acho melhor, Jair, suspender a homenagem. Ainda
mais para uma pessoa que divide opiniões aqui dentro.
JAIR: - Tudo bem, tudo bem. Se preferem assim, façamos
dessa forma. Antes que a viúva tenha um ataque do coração e
bata as botas no meio da quadra!
TERRA DA GAROA CAPÍTULO 001
ZULEICA: - Não sei quem é mais grosso, Jair. Se é você ou o
ferro dos carros alegóricos...
ROSA: - Acho que a reunião está encerrada pessoal. Até à
noite.
Os diretores vão saindo.
ROSA: - Será que vocês dois estão sempre em pé de guerra?!
Nunca concordam com nada!
JAIR: - É essa daí, que vive me criticando! ZULEICA: - Você é que não sabe dirigir uma escola de samba
como meu falecido marido dirigiu. Esse sim fez direito.
JAIR: - Fez sim, bem direitinho. Tratou de ir pro andar de
cima pra não aturar sua rabugice!
ROSA: - Eu desisto de vocês! Eu desisto!... Até logo mais à
noite!
Rosa se afasta. Zuleica e Jair, cada um numa ponta da
mesa, se encarando. Aos poucos, o olhar de raiva vai se
dissipando. (sobe trilha “Badabauê” – Eliane de Lima)
ZULEICA: - Não me olhe com essa cara!
JAIR: - Você é que fica me encarando desse jeito... ZULEICA/JAIR (ao mesmo tempo): - Iiih...
Os dois saem da mesa e se cruzam no meio da quadra.
Enquanto Jair segue, Zuleica olha para trás, suspira e sai.
Quando Zuleica cai, Jair olha para trás, suspira e segue
para a sala da presidência. (fade out trilha “Badabauê” –
Eliana de Lima)
CENA 12. RESTAURANTE GOURMET PAULISTA. INT. DIA.
Raquel, Lenara e Jaqueline conversam à mesa.
JAQUELINE: A exposição no MASP é divina. Várias obras de
Tarsila do Amaral. Cada pintura linda!
RAQUEL: - Eu vi vários comentários sobre essa exposição.
Acredita que eu ainda não fui?
LENARA: - Nem eu! Vamos combinar de ir juntas!
JAQUELINE: - Se apressem então, porque são os últimos dias! LENARA: - Vai ser bom pra mim também, dar essa
espairecida...
JAQUELINE: - Ué, por quê?
TERRA DA GAROA CAPÍTULO 001
LENARA: - Ai, o Otávio está cada vez mais terrível! RAQUEL: - Não fala assim, Lenara!... Tavinho é um garoto
tão carinhoso, tão amoroso!
LENARA: - Só se for com vocês. Comigo, vive aprontando,
vive me testando! E o pior é que a Rita não dá conta e aí
liga pro Ulisses...
JAQUELINE: - E vocês acabam discutindo.
LENARA: - Hoje foi isso. De manhã cedo! Não posso nem
dormir em paz! E o Ulisses faz um drama!
RAQUEL: - Eu sei que é doloroso para uma mãe, mas você já
pensou na possibilidade do Otávio, seu filho, viver com o
pai?
LENARA: - Já pensei, mas descartei na hora. O Otávio
vivendo com o Ulisses, eu perco o apartamento, pensão,
tudo. Não, não, não!
JAQUELINE: - Lenara, seu filho não pode ser uma mercadoria
de troca não...
LENARA: - Vocês falam como se isso que eu faço é
exclusividade minha. Tem muita gente assim por aí. Ninguém
quer ficar mal na vida. Já falei pra vocês que o Otávio não
foi uma gravidez planejada. Mas eu tive sorte do Ulisses
ser um homem com uma boa condição financeira.
RAQUEL: - E que ainda te ama. LENARA: - Pena que eu posso dizer o mesmo. JAQUELINE: - Não sente nada mesmo, Lenara?
LENARA: - Às vezes sinto vontade de voar no pescoço dele,
de tanto que ele me incomoda. Tirando isso, não sinto nada.
(risos)
Neste instante, Claude (magro, alto, elegante, cabelos
curtos, castanho escuro, olhos claros, cerca de 35 anos)se
aproxima delas, sentando-se junto na mesa. Ele traz consigo
um envelope. As meninas vibram com a presença dele.
JAQUELINE: - Pensei que não iria vir aqui nos dar um beijo,
Claude!
CLAUDE: - Não é fácil coordenar o Gourmet Paulista sozinho,
já que a minha principal assistente está de folga com as
amigas (risos)
RAQUEL: - Folgas merecidas, diga-se de passagem! (risos)
LENARA: - Claude, sempre elegante. Adoro seu estilo. E
aposto que todas as mulheres concordam.
JAQUELINE: - Gatão! Se não fosse meu amigo, pegava!
TERRA DA GAROA CAPÍTULO 001
Todos riem.
CLAUDE: - Assim vocês me deixam com vergonha!
RAQUEL: - Até parece que você fica envergonhado com a
gente, Claude...
CLAUDE: - Eu fico é feliz de ver vocês reunidas aqui,
conversando, sempre alegres. Pena que eu vou ter que
separar as três.
Elas se olham, sem entender.
RAQUEL: - Como assim?
Claude coloca o envelope no centro da mesa.
CLAUDE: - Lembra, Raquel, quando eu falei pra você de um
curso de gastronomia em Portugal, incrível, que eu estava
muito afim de fazer, mas que os compromissos com o Gourmet
Paulista não me deixariam viajar?
RAQUEL: - Claro, lembro sim. Chefes renomados vão dar
aulas, comidas, bebidas, doces, decoração de pratos, tudo!
JAQUELINE: - Nossa, que legal!
CLAUDE: - Pois então, aí nesse envelope estão a ficha de
inscrição, a reserva do hotel, passagens aéreas, tudo,
tudo, tudo que precisa.
LENARA: - Quer dizer que você vai ir então? CLAUDE: - Lembra que eu falei que iria separar vocês? Pois
então... A vaga do curso está no seu nome, Raquel.
As meninas se surpreendem. Raquel ainda mais.
RAQUEL (surpresa): - No meu nome?! CLAUDE: - Isso mesmo. Eu queria fazer essa surpresa pra
você e também um presente pela sua dedicação aqui no
restaurante. O curso está todo pago. Só resta sabe se você
aceita.
JAQUELINE: - Gente, que surpresa! CLAUDE: - Então, Raquel? Aceita ir para Portugal se
especializar nesse mega curso gastronômico?
RAQUEL: - Eu nem sei o que dizer, Claude!
LENARA: - Diz sim, sua boba! Se joga! RAQUEL: - Tudo bem, eu aceito!
TERRA DA GAROA CAPÍTULO 001
Lenara chama o garçom, pede mais champanhe. Raquel se
abraça em Claude, emocionada. (sobe trilha “PDA (we just
dont care)” – John Legend)
RAQUEL: - Você é um louco! CLAUDE: - Você, além de minha amiga, é uma profissional
incrível. Tenho certeza que vai aproveitar tudo e mais um
pouco desse curso e também de Portugal. É para sua carreira
e para a sua vida.
Os dois sorriem, um para o outro. Claude enxuga uma
lágrima que cai pelo rosto de Raquel. O garçom traz o
champanhe e as taças. Todos brindam, felizes.
JAQUELINE: - Tá, mas ela viaja quando? CLAUDE: - Daqui a dois dias. RAQUEL: - Dois dias?! Claude, é pouco tempo! LENARA: - Não se preocupa! Eu e a Jaque te ajudamos a
arrumar tudo. Você vai para a Europa linda e maravilhosa!
CLAUDE: - Lembra quando eu pedi para você fazer um
passaporte? Então, agora você sabe porquê. (risos)
RAQUEL (emocionada/feliz): - Ai gente... Vocês são os
melhores amigos do mundo!
Eles brindam novamente, felizes. (fade in trilha “PDA
(we just dont care)” – John Legend)
CENA 13. CASA DA FAZENDA QUEIRÓS. ESCRITÓRIO. INT. DIA.
(fade out trilha “PDA (we just dont care)” – John
Legend) Gurgel conversa com Barreto, Henrique e Humberto no
escritório.
GURGEL: - Eu já estava pensando nisso há algum tempo. E
acho que agora é a hora certa de realizar o que eu
planejei.
HUMBERTO: - E o que você planejou, pai? GURGEL: - Eu não sou tão bom mexendo nesses computadores
aí, mas descobri em Portugal, um curso de extensão na
faculdade de Lisboa. Agronomia, uma especialização no
cultivo das oliveiras. Portugal é um dos maiores
produtores, nada melhor do que aprender com eles a produzir
aqui, na nossa terra! Precisamos superar o Rio Grande do
Sul no cultivo, na produção de azeite, em tudo!
TERRA DA GAROA CAPÍTULO 001
HENRIQUE: - Sempre competitivo, senhor Gurgel. GURGEL: - No mercado, Henrique, quem não compete, fica para
trás. É preciso ter olhos de águia e a velocidade de um
leopardo!
BARRETO: - Isso seria fantástico, Gurgel. Você pretende
embarcar pra lá quando?
GURGEL: - Eu não irei, Barreto. Quem vai fazer esse curso é
o Henrique.
Humberto tenta esconder seu desapontamento e sua
inveja.
HENRIQUE (surpreso): - Eu?! GURGEL: - É você meu filho. Eu te escolhi. É você quem vai
para Portugal.
HUMBERTO (alto/firme): - Isso não!
Todos se surpreendem com a reação de Humberto. Gurgel
fica a encarar o filho, que mantém a expressão fechada.
FIM DO CAPÍTULO.
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