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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN∕ 1808-8716 Reis, Pinhiero. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017; 2(gt9):1-17
Território, inovação e universidade: construção deidentidade na economia da informação e doconhecimento
GT 09 – Ciência, tecnologia e inovação social
Ronara Cristina Bozi dos ReisMarta Macedo Kerr Pinheiro
Resumo: No âmbito da economia da informação e do conhecimento (EIC), o conhecimento é oelemento central. Diferentemente de outros momentos da evolução do capitalismo em que os fatoresde produção clássicos – capital, trabalho e terra – chamavam para si a centralidade nos sistemasprodutivos, na atualidade, é o conhecimento que ocupa esse lugar determinante. Essa mudança deeixo na forma de produção de bens e serviços e do próprio conhecimento não ocorreria sem a geraçãode impactos políticos, econômicos e sociais. Os sistemas de inovação (SI) organizam-se para atender aessa nova lógica da produção. A intrincada relação entre os atores envolvidos – Estado, empresas,universidades, instituições de pesquisa – rearranja-se a fim de atender à nova ordem que se coloca. Talrearranjo tende a responder a interesses dominantes – políticos e econômicos – em detrimento dasnecessidades sociais. O objetivo desse trabalho é a discussão do papel das universidades nessecontexto, por ocuparem lugar privilegiado dentro de um SI. Embora a produção do conhecimento nãoseja uma exclusividade da universidade, trata-se de um locus em que os recursos estão organizadospara que o conhecimento seja produzido e disseminado. Além disso, os efeitos das ações desse agentedo conhecimento tende a impactar o desenvolvimento de seu entorno e os papel das universidades noterritório não pode ser desprezado. Assim, de que lugar atua a universidade? Os dados do Diretóriodos Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(DGP/CNPq) demonstram um crescimento da produção científica das universidades (medida emnúmero de publicações) sem correspondência com a produção tecnológica (medida em número depatentes, produtos ou inovações sociais). Esse tipo de resultado sugere que, embora haja a produçãodo conhecimento, não necessariamente as universidades cumprem com o papel de melhoria do bem-estar social. Para sustentar a discussão, é realizada uma análise preliminar dos dados sobre asproduções científica e tecnológica do DGP/CNPq e a relação que pode ser observada entre eles.Defende-se a ideia de que a apropriação de uma identidade informacional permitirá que asuniversidades cumpram, de maneira mais eficiente, o papel de agente da inovação social, na medidaem que o seu papel junto ao território possa ser pensado como fundamento de seu papel social.
Palavras-chave: Economia da informação e do conhecimento; Inovação; Território; Universidade;Identidade.
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INTRODUÇAO
Há um descompasso entre as produções científica e tecnológica brasileiras, relação analisada a partir
dos dados do Diretório dos Grupos de Pesquisa (DGP) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq). Os números sugerem que a produção científica, medida pela produção bibliográfica
dos Grupos de Pesquisa, não encontra correspondência na produção tecnológica, cuja proxy são as patentes
de produtos e de processos com registro ou não. Para o caso brasileiro, não é possível observar a relação
descrita pelo Quadrante de Pasteur (STOKES, 2005) da significativa correlação positiva entre as relevâncias
tecnológica e científica da pesquisa científica, o que, por sua vez, sugere que os resultados científicos
produzidos pelas universidades não se transformam em prática social. O questionamento decorrente desse
tipo de evidência é o porquê dessa realidade. A literatura sobre o tema aponta para o fato de que, nos países
subdesenvolvidos, há inovação, mas os vínculos e as inter-relações entre as empresas, as universidades, os
institutos de pesquisa, as agências do governo, dentre outras instituição são frágeis, episódicos e escassos, em
função de um sistema de inovação mais potencial do que real.
A partir da constatação desses dados, este trabalho tece uma reflexão sobre o papel das universidades
em um sistema de inovação, atentando para o conceito de território e da necessidade de levá-lo em
consideração em sua relação com este importante agente da inovação, que é a universidade, no contexto da
economia da informação e do conhecimento, que coloca o conhecimento como protagonista do processo de
produção.
Este estudo é parte da pesquisa da tese de doutorado, a princípio, com o mesmo título que se encontra
em andamento e, portanto, é uma estudo em construção. Além desse caráter reflexivo, o trabalho também
aborda a identidade informacional como uma nova unidade de análise a ser considerada em um cenário onde
o que há de mais fluido é a informação e as redes que esta permite que sejam estabelecidas intra e entre
territórios. Foi feita uma revisão e uma síntese interpretativa da literatura, a fim de apurar conceitos e
relacioná-los, tendo como pano de fundo a economia da informação e do conhecimento.
Além dessa introdução e das considerações finais, o trabalho apresenta mais duas seções. Na segunda
seção, será discutida a relação entre sistema de inovação e o papel das universidades e, na terceira, serão
apresentados alguns conceitos de território e identidade, com o intuito de que se sustente uma nova unidade
de análise a ser apresentada: a identidade informacional.
2 SISTEMA DE INOVAÇAO E UNIVERSIDADES
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A discussão inicia-se pela observação dos dados abaixo que mostram a evolução da produção
científica e tecnológica para o caso brasileiro entre 2000 e 2016.
Figura 1: Produção científica e técnica1 - em números absolutos - Brasil - 2000-16
Fonte: DGP/CNPq.
Figura 2: Produção científica e técnica - em variação percentual - Brasil - 2000-16
1 De acordo com definição do CNPq, artigos completos de circulação nacional possuem como características: idioma =
português ou não informado e país de publicação = Brasil ou idioma = português e país de publicação = não informado;artigos completos de circulação internacional, idioma = não português e país de publicação diferente de Brasil ou idioma =português e país de publicação diferente de Brasil; produção técnica, softwares, produtos e processos tecnológicos com ousem patente/registro/catálogo.
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Fonte: DGP/CNPq.
Os dados sugerem que, para a realidade brasileira, existe a produção de artigos sem
correspondência com a produção tecnológica, levando-se em conta as proxies estudadas. O coeficiente
de correlação entre os dados é de 99%, o que implica que ambos caminham na mesma direção. Porém,
tal coeficiente não é capaz de dizer sobre a causalidade entre as variáveis analisadas. Esse é o cenário
que instigou a investigação.
Ao se analisar a variação percentual da produção científica e tecnológica, observa-se que as
variações da produção tecnológica permanecem aquém da científica ao longo da série, ajudando a
corroborar o fato de que, embora haja produção científica, esta não necessariamente se transforma em
tecnologia, não permitindo que a sociedade se aproprie dos ganhos produzidos pela ciência.
Na economia da informação e do conhecimento, uma questão se coloca de maneira clara: a
centralidade do conhecimento nas relações que são estabelecidos nos âmbitos social, econômico,
político, cultural e institucional. Se assim o é nas economias centrais, o mesmo pode ser observados
nas periféricas. O questionamento que se abre nesse novo contexto é qual a apropriação social do
conhecimento em uma e em outra realidade.
A figura abaixo ilustra as relações que podem observadas dentro de um sistema de inovação.
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Figura 3: Relações em um sistema de inovação
Fonte: Ortiz (2015).
Observa-se a interação entre os atores: capital humano, instituições de conhecimento, setor
produtivo e governo. O funcionamento do sistema depende de tais relações e, caso um dos elos seja
fragilizado, os resultados a serem alcançados por um sistema de inovação tende a ser comprometido. É
consenso na literatura sobre o tema a noção de que se trata de um sistema de interações e não de
comportamentos isolados.
Como pode se inferir da figura, por sistema de inovação entende-se não somente as relações
existentes no âmbito das instituições de pesquisa e desenvolvimento, mas também das interações
existentes dentro dos sistemas nacionais que fazem parte de sistemas econômicos e sociais mais
amplos, o que foi pontuado por Lastres e Ferraz (1999), afirmando a necessidade de “desenvolvimento
de modelos e sistemas visando à maior integração intra e entre os diferentes agentes econômicos,
técnico científicos, políticos e reguladores” (LASTRES E FERRAZ, 1999, p.38).
Freeman cunhou o termo “sistema nacional de inovação” na década de 1980. Desde então, o
termo foi incorporado pela literatura sobre inovação como objeto de estudo e análise, o que pode ser
visto nos trabalhos de Freeman (1987, 1988), Lundvall (1985, 1988), Nelson (1988), Dosi et al (1988)
(JOHNSON; LUNDVAL, 2005).
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Em um sistema de inovação, as universidades têm um papel duplo: de um lado, formam mão-
de-obra especializada; de outro, alimentam e sustentam a pesquisa científica.
O papel das universidades é importante de ser estudado pelo seu caráter privilegiado em um
cenário como esse em que a informação e o conhecimento tornam-se fundamentais para a sustentação
da lógica de um sistema de produção. Cada vez mais, intensifica-se a “pressão (...) para que as
universidades (mesmo públicas) produzam conhecimentos apropriáveis pelo setor produtivo de forma
a aumentar a competitividade das empresas” (BAUMGARTEN, 2008, p.104).
A relação da universidade com a sociedade fica comprometida, no sentido de que essa última
pode não ter acesso ao conhecimento produzido pela primeira. As demandas sociais, de onde deveriam
partir as pesquisas científicas e acadêmicas, acabam por ter um papel secundário quando do
direcionamento dos esforços de pesquisas. Prevalece a lógica mercantil. Ora, tal fato sinaliza uma
primazia dos interesses de alguns grupos em detrimento do ganho social da pesquisa científica. A
necessidade de atentar-se para que caráter é esse do papel da universidade não é novo.
Seguindo Baumgarten (2008), “esse debate remete à relação entre produção de ciência,
tecnologia, inovação e necessidades sociais e à importância crescente da apropriação, por parte de
diferentes atores sociais, de conhecimento científicos que possa ser incorporado socialmente para a
resolução de problemas, gerando inovação social” (BAUMGARTEN, 2008, p.104).
Além disso, a autora atenta para o papel da universidade enquanto agente de inovação social.
Um elemento fundamental para a sustentabilidade econômica e social dopaís parece repousar na articulação entre produção de conhecimento, seulocus privilegiado – a universidade – e as potencialidades e necessidadeslocais. As redes que envolvem articulações entre pesquisadores e demaisatores relacionados à produção de conhecimento podem ajudar noaprofundamento das relações entre coletividade científica e sociedade noBrasil, possibilitando o desenvolvimento de tecnologias sociais e deinovação social (BAUMGARTEN, 2008, p.106).
O papel das universidades passaria pela criação e produção do que vem sendo chamado de
tecnologias sociais que é a ciência e a tecnologia sendo utilizadas em prol da resolução de problemas
sociais e da diminuição das desigualdades, de forma que a técnica torna-se uma ferramenta de
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emancipação social e não um meio de dominação (BAUMGARTEN, 2008, p.106). Baumgarten
(2008), no entanto, esclarece a abrangência de tal conceito.
(...) as tecnologias sociais teriam a potencialidade para expressar instânciasfísicas e virtuais de trocas, reintegração de saberes, contrabandos intercampos e disciplinas que se fazem por sendas através das quais se vemconstruindo conhecimentos que dão conta da complexidade do mundo real ede nossas capacidades para construí-lo e reconstruí-lo de acordo com nossasnecessidades e potencialidades (BAUMGARTEN, 2008, p.106).
É nesse sentido e com tal objetivo que a universidade deve atuar. Esse trabalho defende a
universidade como mediadora entre a produção do conhecimento científico e a sociedade, ou seja, o
conhecimento produzido intramuros apropriado socialmente e gerando ganho de bem-estar para
sociedade como um todo.
Fava-de-Moraes (2000) discute o papel da universidade na inovação e na economia,
descrevendo o impacto do Massachussetts Institute of Technology (MIT) em seu entorno, no país e
mundo afora. O autor argumenta que a articulação entre os atores de um sistema de inovação –
universidade, Estado, empresariado e demais setores sociais – sustenta e viabiliza os resultados de uma
política científica estrategicamente pensada. A discussão avança, ao demonstrar a preocupaçao do MIT
com a formação de alunos em áreas das ciências humanas e sociais, permitindo que o autor afirme que
“uma boa universidade nunca deve comprometer sua missão e seus valores e nem sujeitar seus
esforços apenas com resultados de interesse mercantil e jamais deve ser julgada só pelo lado
econômico, com fábrica de diplomas ou forja de produtos” (FAVA-DE-MORAES, 2000, p.10).
Mowery e Rosenberg (2005) descrevem o papel central das universidades e da pesquisa
acadêmica no desenvolvimento tecnológico americano observado, sobretudo, no pós-segunda guerra o
que não prescindiu da atuação estatal no contexto.
O apoio federal à pesquisa universitária transformou as principais universidades norte-
americanas em centros mundiais para a realização de pesquisa científica, um papel que difere
significativamente do papel da Academia dos EUA nos anos do pré-guerra (MOWERY;
ROSENBERG, 2005, p.47).
Os autores afirmam ainda que a atuação do governo federal não se restringiu à demanda
universitária, mas também ao aumento significativo do estoque de pessoal científico e à aquisição de
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equipamentos e instalações adequadas e fundamentais para a viabilização de pesquisa de qualidade, o
que implicou, necessariamente, no estreitamento do vínculo ensino e pesquisa (MOWERY;
ROSENBERG, 2005, p.47). Essa postura do apoio federal à pesquisa científica das universidades
americanas difere de maneira importante ao que se pôde observar em outros centros, tais como na
Europa e no Japão, locais em que a pesquisa tendia a ser realizada em institutos especializados
desvinculados do ensino superior.
Pela discussão acima e pelo papel que a universidade exerce em um sistema de inovação,
coloca-se a pertinência do questionamento aqui proposto. No entanto, expandindo a discussão, parte-
se também do princípio de que a universidade e o conhecimento ali gerado e disseminado não podem
prescindir de sua relação com o território e, por conseguinte, de sua identidade. No âmbito da
economia da informação e do conhecimento, a fluidez da informação intra e entre territórios, coloca
uma nova dimensão de análise que é a identidade informacional, conceito cuja construção está em
andamento, iniciando-se pelas reflexões abaixo propostas.
3 TERRITÓRIO E IDENTIDADE
Para esse trabalho, parte-se do princípio de que é necessário o conhecimento da identidade
informacional de um sistema de inovação para que este alcance os resultados almejados. Discute-se,
então, o conceito de identidade e defende-se o fato de que, para cada realidade, um conhecimento será
construído a partir daquilo que identifica, que define, que caracteriza as relações estabelecidas. Dito de
outra forma, aquilo que serve para o centro não servirá para a periferia.
Baumgarten (2008) aborda a questão.
As tecnologias sociais podem ser a base em torno da qual é possível articularuma amplas rede de atores sociais. Ao mesmo tempo, a inovação social combase em tecnologias sociais precisa ser estruturada em modelos flexíveis,pois nem tudo que é viável em um lugar e para uma determinada situação oserá para outra mesmo que semelhante (BAUMGARTEN, 2008, p.115).
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E acrescenta a questão da identidade.
Essa exigência de um olhar adequado às especificidades nacionais dizrespeito à identidade histórico-cultural que deve definir as estratégias, aocontrário dos que propõem “modelos” construídos em outros países, outrasculturas (BAUMGARTEN, 2008, p.114).
Santos (2000) defende o território enquanto construção social.
Território não é apenas o resultado da superposição de um conjunto desistemas naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem.O território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e osentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base dotrabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre osquais ele influi. Quando se fala em território deve-se, pois, de logo, entenderque se está falando em território usado, utilizado por uma dada população.Um faz o outro, à maneira da célebre frase de Churchill: primeiro fazemosnossas casas, depois elas nos fazem... A ideia de tribo, povo, nação e, depois,de Estado nacional decorre dessa relação tornada profunda. (SANTOS,2000, p.47)
E concatena os conceitos de território e identidade.
Havia, por conseguinte, uma territorialidade absoluta, no sentido que, emtodas as manifestações essenciais de sua existência, os moradorespertenciam àquilo que lhes pertencia, isto é, o território. Isso criava umsentido de identidade entre as pessoas e o seu espaço geográfico, que lhesatribuía, em função da produção necessária à sobrevivência do grupo, umanoção particular de limites, acarretando, paralelamente, umacompartimentação do espaço, o que também produzia uma ideia de domínio.Para manter a identidade e os limites, era preciso ter clara essa ideia dedomínio, de poder. A política do território tinha as mesmas bases que apolítica da economia, da cultura, da linguagem, formando um conjunto
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indissociável. Criava-se, paralelamente, a ideia de comunidade, um contextolimitado no espaço (SANTOS, 2000, p.31).
Castells (2001) aborda o conceito de identidade.
Não temos conhecimento de um povo que não tenha nomes, idiomas ouculturas em que alguma forma de distinção entre o eu e o outro, nós e eles,não seja estabelecida... O autoconhecimento – invariavelmente umaconstrução, não importa o quanto possa parecer descoberta – nunca estátotalmente dissociado da necessidade de ser conhecido, de modosespecíficos, pelos outros (CASTELLS, 2001, p.22).
Giddens (2002) também apresenta contribuição interessante.
A questão existencial da auto-identidade está mesclada com a natureza frágilda biografia que o indivíduo "fornece" de si mesmo. A identidade de umapessoa não se encontra no comportamento nem — por mais importante queseja — nas reações dos outros, mas na capacidade de manter em andamentouma narrativa particular (GIDDENS, 2002, p.56).
A identidade é, portanto, uma construção social e se firma na interação conforme ressalta
Meneses (1997).
A identidade pessoal, como todo processo de construção ou reforço deidentidade não remete a uma essência, mas a uma situação de interação: o“eu” se define sempre, diante do “outro”, de preferencia na escala de gruposou sociedades (MENESES, ULPIANO T. BEZERRA DE, 1997, p.96).
E reforça.
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(...) não só a identidade é um processo incessante deconstrução/reconstrução, como também ganha sentido e expressão nosmomentos de tensão e ruptura – precisamente quando se aguça a percepçãoda diferença e sua presença se faz necessária (MENESES, ULPIANO T.BEZERRA DE, 1993, p.211).
Partindo-se desses autores, identidade será um conceito entendido, portanto, como uma relação
construída na interação, na relação entre atores e, portanto, não pode ser imposta, não vem de fora.
A economia da informação e do conhecimento, por funcionar em redes, traz à baila a questão
do território. Alguns autores acreditarão que se acabou a questão do território. Outros acreditarão no
reforço dessa discussão. Partindo dessa última perspectiva, o território é uma dimensão da qual não se
pode prescindir se se deseja conhecer as intrincadas relações que se estabelecem entre a economia da
informação e do conhecimento, a inovação, a universidade e seus desdobramentos.
Dessa ótica ainda, a partir do potencial integrador do novo padrãotecnológico, o local redefine-se, ganhando em densidade comunicacional,informacional e técnica, já que passível de interação com o conjunto doplaneta (ALBAGLI, 1999, p.295).
Essa lógica proposta pela economia da informação e do conhecimento traz uma nova
perspectiva para o papel do território no âmbito da inovação. Essa nova perspectiva está imbuída do
caráter do espaços não-limitados e porosos determinados por relações e conexões entre unidades
territoriais (VALE, 2009).
(...) teorias alternativas salientam a tendência para a diminuição do efeitocausal da concentração espacial nas dinâmicas de inovação (...), emresultados dos efeitos da globalização da economia e da evolução dastecnologias da informação e da comunicação e da emergência de formas deorganização em redes trans-regionais (VALE, 2009, p.11).
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Esse entendimento de o que é o território converge para Santos (1998), que afirma que
território “pode ser formado de lugares contíguos e de lugares em rede” (SANTOS, 1998, p.16). Toda
essa nova funcionalidade do território responde aos avanços da ciência e das novas tecnologia da
informação e da comunicação, fundamentos da economia da informação e do conhecimento.
Para essa realidade, a política adequada deve levar em conta políticas que apoiem redes
internacionais de pesquisa e desenvolvimentos, mobilidades de recursos humanos qualificados e
cooperação internacional entre os atores envolvidos (VALE, 2009).
Neste contexto, as “aglomerações inovadoras” são, em larga medida,explicadas pelas dinâmicas do conhecimento e da inovação,interdependentes das redes sociais e dos contextos institucionais locais eregionais (VALE, 2009, p.13).
O território torna-se protagonista dos processos inovativos não medida em que está imbuído do
saber local, na medida em que é no âmbito do território que se estabelecem o entrelaçamento dos
conhecimento tácito e explícito. Território deve, pois, ser entendido em seu sentido mais amplo e
fluido. Santos (1998) discute o retorno do território enquanto unidade análise, afirmando que “a
interdependência universal dos lugares é a nova realidade do território” (SANTOS, 1998, p.15) e
enfatiza o protagonismo do território que, ao criar novas sinergias, impõe ao mundo uma revanche que
é o colocá-lo como elemento central na análise (SANTOS, 1998).
Posta a discussão sobre território, afunila-se para o termo identidade para cujo entendimento
foram colocados os pontos anteriores.
No contexto da economia da informação e do conhecimento, a informação e seus fluxos
pertencem aos territórios. A identidade dar-se-á não necessariamente pelo que há de tangível nos
territórios fisicamente localizados, mas pelo intangível, pelo que está fluido, pelo que é não-local. O
que se propõe com esse debate é uma nova dimensão de análise dada pela identidade informacional.
Com a fluidez pertinente a essa nova forma que assume o processo de produção, o que marcará a
identidade, o que definirá a identidade do e entre os territórios é o caráter informacional que aproxima
esses espaços. Assim, não necessariamente, a localização física tenderá a ser determinante na questão
da identidade, mas a identidade informacional será.
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a informação joga um papel parecido àquele que no passado remoto eradestinado à energia. Antigamente, sobretudo antes da existência humana, oque reunia as diferentes porções de território era a energia, oriunda dospróprios processos naturais. Ao longo da história é a informação que vaiganhando essa função, para ser hoje o verdadeiro instrumento de união entreas diversas partes do território (SANTOS, 1998, p.17).
Por fim, Santos (1998) coloca a questão da dialética do território, tão pertinente a essa
discussão e ao conceito em construção de identidade informacional sustentada por essa articulação de
ideias.
Essa dialética se afirma mediante um controle “local” da parcela “técnica”da produção e um controle remoto da parcela política da produção. A parcelatécnica da produção permite que as cidades locais ou regionais tenham umcerto controle sobre a porção de território que as rodeia. Este comando sebaseia na configuração técnica do território, em sua densidade técnica e,também, de alguma forma, na densidade funcional a que podemosigualmente chamar densidade informacional. Já o controle distante,localmente realizado sobre a parcela política da produção, é feito por cidadesmundiais e por seus “relais” nos territórios diversos (SANTOS, 1998, p.18).
De que maneira a universidade faz parte dessa discussão? De que lugar atua a universidade? A
existência ou a implantação da universidade em uma localidade é condição suficiente para mudar
aquela realidade? As colocações anteriores sinalizam que não necessariamente.
Não basta colocar uma universidade para que a identidade seja criada. A análise é anterior. Há
que se considerar a questão territorial em suas amplas abordagens para que o ciclo virtuoso da
inovação possa acontecer. Não se pode prescindir do aspecto territorial sob pena de os resultados
alcançados ficarem aquém dos almejados. Ao mesmo tempo em que isso é relevante, há a identidade
informacional: com o que a universidade se identifica? Qual é o aspecto informacional privilegiado
por esse agente da informação? Esse caráter dual do território não pode ser subestimado em um
sistema de inovação. Ao mesmo tempo em que o aspecto local viabiliza ou não as redes locais, a
economia da informação e do conhecimento traz um novo ator para esse cenário – a informação – que
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cria identidade a partir das redes não-locais. E é nessa debate que se pretende avançar: qual é a
identidade informacional que se pretende privilegiar? Esse aspecto dual só é observável em um
contexto em que o eixo produtivo migrou no tangível para o intangível e a identidade se firma sobre
esse último.
Fava-de-Moraes (2000) sem tocar diretamente na relação território/identidade/universidade
adverte para o papel da universidade enquanto agente do desenvolvimento regional.
(...) o desenvolvimento regional (...) não ocorreria se o Estado nãocontinuasse investindo com convicção num forte sistema universitário, noqual o MIT ocupa posição de destaque. Ou seja, uma boa universidade érequisito essencial, mas não totalmente suficiente para o desenvolvimentoregional, pois seu êxito também depende das condições complementares deinfraestrutura e da capacidade de o meio externo absorver e utilizar oresultado de suas pesquisas (FAVA-DE-MORAES, 2000. p.10).
Albagli (1999), citando Castells, também adverte para o papel fluido das redes de informação.
quanto mais as organizações dependem dos fluxos e das redes, menos elassão influenciadas pelos contextos sociais associados aos lugares de sualocalização (CASTELLS, 1989, p.349 apud ALBAGLI, 1999).
Tendo, preliminarmente, tais reflexões como pano de fundo, uma nova dimensão de análise
vem sendo proposta: a identidade informacional. Se na economia da informação e do conhecimento, o
intangível sobressai enquanto fator de produção essencial, esse aspecto fluido cria identidade entre
territórios. Se se pretende inovar, modificar uma realidade, o agente da inovação – a universidade para
esse caso – há que considerar essa dimensão, a fim de não abortar ou de não subestimar os resultados
que possam ser gerados para a sociedade do esforço de inovação, de pesquisa e de conhecimento. É
nessa construção que esta pesquisa pretende avançar.
3 CONSIDERAÇOES FINAIS
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Este trabalho pretendeu a discussão sobre o papel da universidade enquanto agente de um
sistema de inovação, sua relação com o território e a necessidade de que se conheça sua identidade
informacional, para que a inovação e os ganhos da pesquisa científica e tecnológica possam ser
apropriados socialmente.
Uma nova dimensão de análise vem sendo amadurecida ao longo dos estudos que é a
identidade informacional. Nessa realidade que pode ser observada, em que o conhecimento é o
elemento central do processo de produção, a intangibilidade permite identificações além do território
entendido em seu aspecto físico. A fluidez da informação, as redes entre os atores de um sistema de
produção, a flexibilidade do território explicitada pelos autores acima apontados lançam luz à
necessidade de entendimento dessa forma de identidade – a informacional, viabilizada e sustentada
pelas tecnologias da informação e da comunicação.
O papel da universidade nesse contexto é colocado em questão por sua dupla característica:
formar mão-de-obra qualificada e gerar e disseminar o conhecimento. É um locus privilegiado para a
economia da informação e do conhecimento tanto na dimensão tácita quanto na explícita do
conhecimento. É um ator, cuja atuação impacta a sociedade do ponto de vista produtivo, cultural,
social, dentre outros aspectos que possam ser pensados. Por isso, a relevância que lhe é dada enquanto
agente do desenvolvimento, de maneira que a presença de uma universidade em uma localidade traria
os efeitos benéficos esperados necessariamente.
No entanto, este estudo em construção aponta para a necessidade de uma identidade
informacional para a atuação da universidade, permitindo que a universidade atue de algum lugar e
que possa definir que lugar é esse. Essa atuação estará necessariamente relacionada com o papel que a
universidade desempenha no sistema de inovação, com que atores estabelece redes e o que caracteriza
essas redes. Se o conhecimento é fluido, essa fluidez tenderá a permear a atuação da universidade e
sua identidade também tenderá a estar no nível do intangível.
É nessa busca que a pesquisa caminha.
REFERÊNCIAS
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