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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL
LUCIANE KAREN MODENA
REVISTA O CARRETEIRO: 45 ANOS DE ESTRADA
CAXIAS DO SUL
2016
2
LUCIANE KAREN MODENA
REVISTA O CARRETEIRO: 45 ANOS DE ESTRADA
CAXIAS DO SUL
2016
Monografia de conclusão do curso
de Comunicação Social,
habilitação em Jornalismo, da
Universidade de Caxias do Sul,
apresentada como requisito
parcial para a obtenção do grau
de Bacharel.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Ribeiro
3
LUCIANE KAREN MODENA
REVISTA O CARRETEIRO: 45 ANOS DE ESTRADA
Aprovado (a) em: ___/___/___
Banca examinadora
________________________________
Professor Dr. Paulo Ribeiro
Universidade de Caxias do Sul – UCS
________________________________
Professora Dra. Alessandra Paula Rech
Universidade de Caxias do Sul – UCS
________________________________
Professora Dra. Ramone Mincato
Universidade de Caxias do Sul – UCS
Monografia de conclusão do curso
de Comunicação Social,
habilitação em Jornalismo, da
Universidade de Caxias do Sul,
apresentada como requisito
parcial para a obtenção do grau
de Bacharel.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Ribeiro
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Dedico este trabalho a meu pai, Gilmar, à minha mãe, Anabel, à minha irmã, Nicole, e a cada caminhoneiro honesto que está, neste momento, levando o pão para a sua casa e para as casas de todos os brasileiros.
5
AGRADECIMENTOS
Não fossem as normas técnicas, constaria aqui o resumo do meu
trabalho, por ser, em si, um agradecimento. Esta monografia é um
reconhecimento a meu pai, Gilmar Antonio Modena, que a exemplo do meu
avô, Aldino, e dos meus tios, é caminhoneiro. Meu pai sempre influenciou suas
duas filhas a estudar, uma vez que ele próprio só havia aprendido “a trabalhar
e a pagar impostos”. Das suas viagens, trazia a revista O Carreteiro, para a
alegria das filhas, um dos meus primeiros contatos com o mundo da leitura.
Depois de 30 anos na condução de caminhões por todo o Brasil, muitas
foram as situações enfrentadas. Por três vezes, a única fonte de renda da
casa, o caminhão, foi sacada pelas mãos de assaltantes. O pesado, ainda a
ser pago, ia embora sem sua alma, sem o motorista que tanto zelava por ele.
Apesar disso, meu pai garantiu que, com sua força de trabalho, daria pelo
menos uma faculdade para cada filha. A mais velha é formada em Ciências
Biológicas e mestranda em Biotecnologia. A segunda escolheu sua profissão
movida pela paixão de contar histórias. Ainda não é formada, mas, por meio de
um caminhão, está na estrada que leva a esse destino.
Agradeço à minha mãe Anabel Maria Meirelles Modena, que largou
emprego e estudos para se dedicar a mim e minha irmã. Mãe, não haveria
melhor escola que tua presença amorosa e melhor exemplo que tua
persistência. Agradeço à minha irmã, Nicole Anne Modena, por ser meu
incentivo na busca pelo conhecimento, desde o ensino do alfabeto ao exemplo
de leitora que me fez encontrar realização nas letras. Agradeço a Davi Pedroso
Martins, por pegar na minha mão e me ajudar a atravessar mais esta fase ao
meu lado.
Agradeço ao meu professor orientador, Paulo Ribeiro, pelo apoio
incondicional. Ao longo deste ano de desenvolvimento do projeto e da
monografia, ganhei um verdadeiro amigo que soube me aconselhar quanto ao
que era melhor para minha formação. Mais do que isso, juntos descobrimos um
pouco do complexo mundo da estrada, que agora apresentamos. Coisa que
filhos de caminhoneiro trazem na alma. Vivenciei tantas maravilhosas
6
experiências jornalísticas ao longo do curso, tendo como pano de fundo suas
disciplinas. Esta monografia é mais uma delas.
Em meu breve caminho no jornalismo, pude contar com o apoio e o
exemplo de diversos profissionais do ramo, em minhas passagens por veículos
de comunicação, empresas, órgãos públicos e voluntariados. Agradeço à
ComMissão Jovem, da Diocese de Caxias do Sul, por me permitir um primeiro
contato com a comunicação.
Dentre os lugares que percorri, destaco duas pessoas para
agradecimentos: a jornalista da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul Vania
Marta Espeiorin, por ter me mostrado o quanto o jornalismo é importar-se com
as pessoas, amá-las e buscar fazer o melhor por elas, nos gestos mais
simples; e a jornalista Maria de Fátima Zanandrea, do centenário Correio
Riograndense, que com muito interesse leu meu projeto de monografia e me
deu apoio, sendo exemplo de pessoa altruísta em palavras e gestos. A elas,
minha amizade e carinho.
Agradeço meus professores, familiares, amigos e também colegas, por
ajudarem a construir esta história. Especialmente às queridas Mayara Zanella e
Priscilla Panizzon, com quem dividi toda a graduação.
Agradeço, enfim, a Deus, não em último lugar, mas para que minha
gratidão nunca se acabe. Obrigada por dar ao homem a graça de conhecer e
por proporcionar que todas estas pessoas cruzassem meu caminho.
7
Não há estrada longa quando há algo que
se busca.
Sabedoria dos para-choques
8
RESUMO
A presente pesquisa tem como objeto de estudo a revista O Carreteiro,
publicada mensalmente há 45 anos e distribuída gratuitamente a motoristas de
caminhão em todo o Brasil. O trabalho aborda referências teóricas sobre
jornalismo de revista e jornalismo segmentado de revista. O estudo analisa
cinco edições da revista O Carreteiro, dos anos de 1975, 1985, 1995, 2005 e
2015, verificando a forma como a revista valorizou a classe dos caminhoneiros
brasileiros ao longo de sua trajetória. Como metodologia de pesquisa, utilizou-
se a análise de conteúdo. Com o estudo, verificou-se que o produto jornalístico
O Carreteiro teve diversas mudanças na sua forma de valorizar o caminhoneiro
ao longo das cinco décadas, notando-se crescente superficialidade nas
abordagens.
Palavras-chave: Jornalismo de revista. Jornalismo segmentado. Revista O
Carreteiro. Caminhoneiro e mídia.
9
ABSTRACT
This research has as study object the magazine O Carreteiro, published
monthly for 45 years and free distributed to truck drivers in Brazil. The work
deals with theoretical references of magazine journalism and segmented
journalism magazine. The study analyzes five issues of the magazine O
Carreteiro, in the years 1975, 1985, 1995, 2005 and 2015, checking how the
magazine valued the class of Brazilian truckers along its trajectory. As research
methodology, was used content analysis. In the study, it was found that the
journalistic product O Carreteiro had several changes in the way they value the
truck drivers over the five decades, noting the growing superficiality in
guidelines.
Keywords: Magazine journalism. Segmented journalism. O Carreteiro
magazine. Truck driver and media.
10
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Revistas Carga Pesada e Caminhoneiro ........................................ 44
Figura 2 – Capa do livro fotográfico “Vida na Boleia” ....................................... 45
Figura 3 – A primeira edição de O Carreteiro ................................................... 47
Figura 4 – Edições especiais de 30 (2000), 40 (2010) e 45 anos (2015) ......... 48
Figura 5 – Personagem Zé Carreteiro .............................................................. 53
Figura 6 – Espaço para envio de cartas é publicado duas vezes..................... 56
Figura 7 – Legendas usam humor para atrair leitores ...................................... 58
Figura 8 – Lançamentos de caminhões e Fórmula Truck ganham capas ........ 61
Figura 9 – Capa da edição de outubro/novembro de 1975 .............................. 68
Figura 10 – Seção Posto Zero .......................................................................... 69
Figura 11 – Zé ilustra reclamação .................................................................... 70
Figura 12 – Fotografias utilizadas para ilustrar reportagem ............................. 73
Figura 13 – Zé ilustra reportagem .................................................................... 75
Figura 14 – Desenho ironiza filas ..................................................................... 77
Figura 15 – Zé está confuso com mudança nas placas ................................... 79
Figura 16 – Formas criativas para abordagens das placas .............................. 80
Figura 17 – Capa da edição de março de 1985 ............................................... 82
Figura 18 – Seção Colegas da Estrada ............................................................ 90
Figura 19 – Capa da edição de setembro de 1995 .......................................... 92
Figura 20 – Diagramação apresenta exageros visuais .................................... 97
Figura 21 – Capa da edição de fevereiro de 2005 ........................................... 99
Figura 22 – Fotografias reforçam estereótipos ............................................... 103
Figura 23 – Capa da edição de outubro de 2015 ........................................... 107
Figura 24 – Uso de infográfico, típico em jornalismo de revista ..................... 110
11
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 13
2. JORNALISMO DE REVISTA ....................................................................... 16
2.1 O ESTILO DE REVISTA ......................................................................... 18
2.2 A REVISTA NO BRASIL ......................................................................... 19
2.2.1 O Cruzeiro inaugura nova época ................................................... 20
2.2.2 Quatro Rodas, Claudia, Realidade e Veja ..................................... 22
2.3 SEGMENTAÇÃO NO JORNALISMO ...................................................... 24
2.3.1 Jornalismo segmentado nas revistas brasileiras ........................ 26
2.3.2 Fases na segmentação do mercado de revistas .......................... 28
2.4 JORNALISMO IMPRESSO: COMO FAZER ........................................... 29
2.4.1 A linguagem .................................................................................... 30
2.4.2 A diagramação ................................................................................ 30
2.4.3 A fotografia ...................................................................................... 33
2.4.4 O infográfico.................................................................................... 34
2.4.5 A objetividade X A interpretação ................................................... 34
3. MÍDIA VOLTADA AO CAMINHONEIRO NO BRASIL ................................ 37
3.1 PROGRAMAS E PUBLICAÇÕES PARA CAMINHONEIROS ................. 37
3.1.1. Carga Pesada ................................................................................. 38
3.1.2. Siga Bem Caminhoneiro e Brasil Caminhoneiro ......................... 40
3.1.3. Pedro Trucão com Globo Estrada e Pé na Estrada .................... 41
3.1.4. Revistas: Carga Pesada e Caminhoneiro .................................... 42
3.1.5. A vida na boleia pelas lentes de dois fotógrafos ........................ 44
3.2 A REVISTA O CARRETEIRO ................................................................. 45
3.2.1 Histórico .......................................................................................... 46
3.2.2 Linha editorial ................................................................................. 47
3.2.3 O personagem Zé Carreteiro ......................................................... 51
3.2.4 Trajetória e conteúdos das publicações ....................................... 53
4. ANÁLISE ...................................................................................................... 62
4.1 METODOLOGIA DE ANÁLISE ............................................................... 63
4.2 DELIMITAÇÃO DO MATERIAL............................................................... 65
12
4.3 PRIMEIRA REVISTA: OUTUBRO/NOVEMBRO DE 1975 ...................... 67
4.4 SEGUNDA REVISTA: MARÇO DE 1985 ................................................ 81
4.5 TERCEIRA REVISTA: SETEMBRO DE 1995 ......................................... 91
4.6 QUARTA REVISTA: FEVEREIRO DE 2005 ........................................... 98
4.7 QUINTA REVISTA: OUTUBRO DE 2015 ............................................. 106
4.8 PÓS-ANÁLISE ...................................................................................... 113
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 115
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 119
ANEXOS ........................................................................................................ 122
13
1. INTRODUÇÃO
A presente monografia traz para o ambiente acadêmico a pauta dos
motoristas de caminhão, figuras pouco exploradas em espaços como esse. A
pesquisa se debruça sobre a revista O Carreteiro, publicação mensal que
circula desde 1970, com distribuição gratuita para caminhoneiros em todo o
Brasil. O objetivo do estudo é verificar como a revista valorizou essa classe de
trabalhadores ao longo dos seus 45 anos, tendo amparo nas teorias sobre
jornalismo de revista e jornalismo segmentado.
O trabalho se justifica em diversos aspectos. O primeiro deles considera
que o modal rodoviário é responsável, segundo dados da Confederação
Nacional do Transporte (CNT), por 61,1% do transporte de cargas no Brasil1.
Além de ser o mais empregado, é o mais caro, poluidor e lento. Mesmo por trás
de tantas características negativas, que estimulam o preconceito,
caminhoneiros autônomos ou vinculados a transportadoras são os que levam
os mais diversos produtos às mãos dos consumidores de todo o país,
sustentando o escoamento das safras, a entrega de matéria-prima à indústria e
de produtos finais aos supermercados.
O preço do diesel, o valor cobrado nos pedágios, a exploração do
caminhoneiro, a ausência da família, o medo e a insegurança, o baixo preço do
frete e as condições gerais de trabalho são alguns dos problemas que atingem
motoristas profissionais. O preconceito para com a categoria, vista como uma
profissão sem luxos ou honrarias, acaba por minar a voz do caminhoneiro
diante dos problemas que enfrenta. Com pouco espaço na grande mídia, tais
assuntos ficam restritos a publicações e a programas segmentados a essa
classe trabalhadora.
É nesta linha que circula a revista O Carreteiro, a mais antiga revista
brasileira voltada aos caminhoneiros. A publicação nasceu como parte de uma
família de revistas técnicas lançadas pela Editora Abril, a fim de levar
informações aos motoristas de caminhão. Posteriormente, foi vendida para a
1 Dados disponíveis em Transporte Rodoviário de Cargas – Abril de 2016 <http://www.economiaemdia.com.br/EconomiaEmDia/pdf/infset_transporte_rodoviario_de_cargas.pdf>. Acesso em 16 jun. 2016.
14
GG Editora de Publicações Técnicas Ltda, do norte-americano John Garner, à
qual pertence atualmente.
Para proceder à pesquisa, a pergunta “Como a revista O Carreteiro
valoriza o caminhoneiro ao longo dos seus 45 anos?” foi elencada como
questão norteadora. Diante desse questionamento, sugerem-se as seguintes
hipóteses: a revista valoriza o caminhoneiro com sua linha editorial; a revista
seria a porta-voz do caminhoneiro brasileiro; a publicação traria mudanças na
sua forma de divulgar o caminhoneiro durante as cinco décadas e ainda a
consideração de que a revista teria se tornado superficial nas suas
abordagens, ao longo do tempo.
A fim de responder à questão norteadora e verificar a veracidade das
hipóteses, será empregada a Análise de Conteúdo (AC), por meio do método
hipotético-dedutivo. Segundo Martin W. Bauer (2002), a AC está voltada aos
tipos, qualidades e distinções no texto, em detrimento de descrições
numéricas, sendo uma técnica híbrida entre quantidade e qualidade. Conforme
Wilson Corrêa da Fonseca Júnior (2005), este método ocorre em três etapas: a
pré-análise, com a seleção do material, hipóteses e objetivos; a análise, com a
exploração do material, e, por fim, a pós-análise, com a interpretação do
material analisado.
Para concretizar a pesquisa, será necessário percorrer um caminho, ao
longo de quatro capítulos. No capítulo dois, serão ressaltados aspectos sobre o
jornalismo de revista e o estilo de revista, com leituras de Marília Scalzo e
Sergio Vilas Boas. O histórico da revista no Brasil será resgatado com Thomaz
Souto Corrêa e Maria Celeste Mira. A segmentação no jornalismo será
explorada com material de Maria Celeste Mira e Mara Ferreira Rovida. O estilo
voltado ao jornalismo impresso terá resgates de Luiz Costa Pereira Junior e
Nilson Lage, explicando noções sobre edição, linguagem e diagramação.
O terceiro capítulo abordará a mídia voltada ao caminhoneiro no Brasil.
Essa parte da pesquisa ajuda a entender quais referenciais sobre este
trabalhador foram ou são trabalhados em rádio, televisão e publicações
impressas. O capítulo resgatará programas como Carga Pesada e Siga Bem
Caminhoneiro, que mostraram ao país a imagem de um trabalhador até então
15
desconhecido. Neste capítulo também será feito um apanhado que abrangerá o
histórico da revista O Carreteiro e sua linha editorial, com entrevista do editor-
chefe da publicação, João Geraldo.
O quarto capítulo será dedicado à análise. Nele, será explicado o
método de análise de conteúdo, a delimitação do material, a análise das cinco
edições da revista que foram selecionadas e ainda a pós-análise, com as
inferências a respeito do material estudado. Para a pesquisa, serão elencadas
edições de cada meio de década: outubro/novembro de 1975 (edição
bimestral), março de 1985, setembro de 1995, fevereiro de 2005 e outubro de
2015. As revistas serão analisadas como um todo, focando em matérias que
retratem a realidade do caminhoneiro e em espaços que denotem participação
do leitor. Ainda será analisada a história em quadrinhos do Zé da Estrada,
presente em todas as edições.
Além de elucidar questões sobre o jornalismo segmentado e de revista
por meio da análise formal das edições, a monografia pretende valorizar o
caminhoneiro, profissional que percorre estradas enfrentando inúmeros
desafios ao longo de um país continental. Seu trabalho geralmente é percebido
no cotidiano quando vem a faltar. A ideia é mergulhar no universo de um
trabalhador que vive o dia a dia da forma como um jornalista adoraria viver:
conhecendo histórias, realidades, paisagens e pessoas, apesar de tantas
dificuldades.
16
2. JORNALISMO DE REVISTA
Quem se dedicou a estudar o jornalismo de revista é unânime: a revista
é um produto jornalístico diferenciado. Os autores que entendem desse
universo defendem que a revista pode ser entendida a partir da sua finalidade:
ser próxima do seu leitor. É para atingir esse objetivo que o jornalismo de
revista possui características intrínsecas ao seu formato, como a periodicidade
diferenciada, o formato físico, o texto pensado para que seja lido de forma
prazerosa, a riqueza da impressão e os temas voltados para públicos
específicos.
Tidas como objetos queridos, fáceis de carregar, revistas são
geralmente guardadas por colecionadores ou compradas em bancas, por terem
chamado a atenção. Conforme explica Marília Scalzo, “uma revista é um
veículo de comunicação, um produto, um negócio, uma marca, um objeto, um
conjunto de serviços, uma mistura de jornalismo e entretenimento” (2014, p.
11-12). Entretanto, a própria pondera que, verdadeiramente, quem define o que
é uma revista é o leitor (2014, p.12).
Outro aspecto que ajuda a compreender a relação do leitor com esse
objeto jornalístico é o fato de que se trata de um meio de comunicação
impresso, geralmente tido como mais confiável que meios eletrônicos. Scalzo
(2014, p.13) lembra que as revistas não conseguem cumprir o papel de
informar primeiro, na maioria dos casos, especialmente devido à periodicidade
– geralmente semanal, quinzenal ou mensal. O grande papel das revistas,
diante disso, é informar melhor, e não antes, trazendo entretenimento, análise,
reflexão e experiência de leitura.
Enquanto os jornais nascem com a marca explícita da política, do engajamento claramente definido, as revistas vieram para ajudar na complementação da educação, no aprofundamento de assuntos, na segmentação, no serviço utilitário que podem oferecer a seus leitores. Reviste une e funde entretenimento, educação, serviço e interpretação dos acontecimentos. Possui menos informação no sentido clássico (as “notícias quentes”) e mais informação pessoal (aquela que vai ajudar o leitor em seu cotidiano, em sua vida prática). Isso não quer dizer que não busquem exclusividade no que vão apresentar a seus leitores, ou que não façam jornalismo. (SCALZO, 2014, p. 14).
17
Outro aspecto que ajuda a clarear o entendimento sobre a revista é
compará-la a formas mais antigas de comunicação impressa. Os jornais, por
exemplo, são voltados a públicos heterogêneos, nos quais não é possível
definir o rosto dos leitores. Nas revistas, ocorre o contrário: com a
segmentação por assunto e tipo de público, o leitor se torna alguém definido.
Portanto, mais fácil de ser conquistado.
Para conquistar, é necessário conhecer o leitor. Conforme indica Scalzo
(2014, p.37), diversas técnicas são empregadas nas redações das revistas,
desde que envolvam o mais importante: escutar o que o leitor tem a dizer. O
contato pode ser por meio de pesquisas, telefonemas, cartas ou e-mails
enviados à redação. Isso exige da revista um serviço de atendimento ao leitor
mais apurado, a fim de garantir a sintonia leitor-veículo.
É ali que os leitores reclamam quando acham que a revista errou, dão palpites, oferecem ideias, brigam, pedem ajuda… Atualmente, a maioria das revistas tem uma linha telefônica e/ou e-mail reservado exclusivamente para atender a seus leitores. Dali saem sugestões de pauta, sente-se o pulso das seções e das matérias, medem-se os erros e acertos de cada edição. (SCALZO, 2014, p. 37)
O formato de revista também é um ponto que a diferencia de outros tipos
de publicações, segundo a autora. A revista é privilegiada por ter maior
liberdade criativa, podendo ser impressa e distribuída em tamanhos diversos.
Assim, pode facilmente ser carregada pelo leitor. Outras vantagens são a
limpeza das mãos após o manuseio do papel, o que não acontece ao
manusear jornal, e a qualidade de leitura e de imagem, superior à impressão
de jornal. Em resumo, a revista compele, em seu formato diferenciado e boa
qualidade de impressão: informações bem apuradas, desenvolvidas em texto
prazeroso e aprofundado, de interesse de seus leitores. Esses leitores são bem
conhecidos pela redação, por meio de diversas técnicas.
Para Scalzo, revista é veículo de massa, mas não muito. “Quando
atingem públicos enormes e difíceis de distinguir, as revistas começam a correr
perigo” (2014, p.16). Foi o caso da revista americana Life, que acabou
fechando devido ao seu gigantismo: não conseguiu dar conta dos custos de
impressão e distribuição.
18
2.1 O ESTILO DE REVISTA
Para Sergio Vilas Boas (2002, p.71), são três os grupos estilísticos das
revistas: ilustradas, especializadas e de informação-geral. Conforme o autor,
qualquer revista é especializada, de alguma forma, por pretender atingir um
público determinado. Para Thomaz Souto Corrêa (in MARTINS, LUCA, 2011, p.
207), por sua vez, há dois grandes mercados de revistas: as de consumo, as
destinadas ao grande público e vendidas em bancas e por assinaturas; e as
especializadas, geralmente gratuitas, que tratam de assuntos que interessam a
segmentos específicos da sociedade.
Vilas Boas define que cada revista tem seu modo de ser, sua linguagem,
e que cada estilo é geralmente definido conforme o tipo de leitor que se quer
atingir (1996, p.39). “Quanto mais amplo e mais de massa for o público
pretendido por uma revista, mais o repertório linguístico usará formas
tradicionais, confirmadas socialmente” (1996, p.71). Para ele, o estilo gráfico e
a linguagem tendem para uma gramática própria do gênero revista.
Ainda segundo Sergio Vilas Boas (1996), a revista semanal preenche os
vazios informativos deixados pelos jornais, rádio e televisão, com sofisticação
visual e textos mais criativos, recursos geralmente incompatíveis à velocidade
do jornal diário. Neste contexto, a reportagem interpretativa é o forte do veículo:
As revistas exigem de seus profissionais textos elegantes e sedutores. Considerados os valores ideológicos do veículo, não há regras muito rígidas. Há, isto sim, uma conciliação entre as técnicas jornalística e literária. […] O estilo magazine, por sua vez, também guarda suas especificidades, na medida em que pratica um jornalismo de maior profundidade. Mais interpretativo e documental do que o jornal, o rádio e a TV; e não tão avançado quanto o livro-reportagem. (VILAS BOAS, 1996, p. 9)
O papel de fazer mais e melhor, e não mais rápido, faz com que as
revistas produzam jornalismo daquilo que está em evidência nos noticiários,
somando a isso pesquisa, documentação e riqueza textual. “Isso possibilita a
elaboração de um texto prazeroso de ler, rompendo as amarras da
padronização cotidiana”, (VILAS BOAS, 1996, p.9). A criatividade é uma das
exigências no texto de revista, que perpassa o talento potencial do
19
jornalista/autor. “A primeira consequência de um bom texto é seduzir o leitor”,
(VILAS BOAS, 1996, p. 13).
Conforme Scalzo (2014, p.76), o bom texto é o que deixa o leitor feliz.
Devido a essa preocupação, o tipo de linguagem varia de uma publicação para
outra.
2.2 A REVISTA NO BRASIL
A revista surge no Brasil no século XIX, junto com a chegada da família
real portuguesa, que fugia de Napoleão e da guerra na Europa. A imprensa
brasileira nasce a partir deste fato, em 1808, com a instalação da tipografia da
Impressão Régia. Em junho daquele ano, o Correio Braziliense, publicado em
Londres por Hipólito José da Costa Furtado de Mendonça, referia-se ao Brasil
como Império. O periódico era lido regularmente no Brasil. Apenas a partir de
setembro passa a ser impresso o primeiro jornal produzido em território
nacional: a Gazeta do Rio de Janeiro (MOREL, in MARTINS, LUCA, 2011, p.
23-30).
A primeira revista brasileira surge em 1812, ainda com cara e jeito livro.
As Variedades ou Ensaios de Literatura aparece em Salvador, na Bahia,
propondo-se a publicar discursos sobre costumes e virtudes morais, novelas,
histórias, resumos de viagens, autores em prosa e verso. A segunda revista, O
Patriota, aparece em 1813, no Rio de Janeiro, divulgando autores e temas
brasileiros. A primeira segmentação por tema surge em 1827, com a revista O
Propagador das Ciências Médicas, órgão da Academia de Medicina do Rio de
Janeiro. Espelho Diamantino, também naquele ano, é a primeira das revistas
femininas nacionais (SCALZO, p 27-28).
Até então, as revistas tinham curto prazo de vida – algumas duravam
apenas uma edição. Apenas com a implantação de uma fórmula que copiava
os magazines europeus e com o avanço nas técnicas de impressão, as revistas
brasileiras encontram um caminho para se manter. Foi o que ocorreu com
Museu Universal, lançada em 1837, com textos leves e ilustrações, bom
conjunto para uma população recém-alfabetizada.
20
As revistas de variedades têm início com A Marmota na Corte, de 1849,
abusando de ilustrações e textos curtos, de humor. Na sequência, conforme os
registros de Scalzo (2014, p. 29), Semana Ilustrada e Revista Ilustrada lançam
moda com as caricaturas – uma nova forma de dar notícias e fazer críticas.
No início do século XX, com as mudanças trazidas pela Belle Époque,
afloram no Rio de Janeiro publicações de diversos tipos, com imprensa
profissionalizada, acompanhando a industrialização nacional. “Nesse período,
as publicações se dividem entre as de variedades e as de cultura. Há inúmeros
grupos de intelectuais, das mais variadas tendências, que fundam sua própria
revista”, (SCALZO, 2014, p. 29).
Na transição entre os séculos XIX e XX, surge um novo tipo de revista:
“galantes”. Voltadas ao público masculino, traziam notas políticas e sociais,
piadas e contos picantes, caricaturas, desenhos e fotos eróticas. Rio Nu (1898)
e A Maçã (1922) são exemplos.
2.2.1 O Cruzeiro inaugura nova época
A revista O Cruzeiro faz surgir uma nova época no jornalismo de revista
do Brasil a partir de 1928, quando foi inaugurada. Com atenção especial ao
fotojornalismo, a revista criada pelo jornalista e empresário Assis
Chateaubriand (Chatô) desenvolve uma nova linguagem no ramo. Quando
lançada, eram impressos 50 mil exemplares. Nos anos 50, a revista dos Diários
Associados, grupo de Chateaubriand, chega a vender 700 mil exemplares por
semana – uma marca histórica. Sobre as edições, Maria Celeste Mira explica
que,
Se observarmos suas principais características editoriais, veremos que junto com as inovações voltadas para as grandes reportagens fotográficas ainda há muito de literário, conservando-se espaço significativo para contos e crônicas de autores brasileiros e empregando-se escritores, teatrólogos ou cineastas. Características que a consolidação da indústria cultural viria a alterar. (2001, p. 22-23).
A revista foi criada como parte da campanha que levou Getúlio Vargas
ao poder, chegando a ser editada em espanhol e exportada para a América
Latina. A publicação foi pioneira em diversos elementos que figuram até hoje
21
nas revistas brasileiras: marketing, investimento técnico, preocupação com o
padrão visual e esquema de distribuição. Dos anos 30 aos 60, foi o veículo
responsável pela crônica social, política e artística do Brasil e do mundo,
contando com inéditos correspondentes estrangeiros (MIRA, 2001, p. 23).
Conforme Mira (2001, p.24), a fim de distribuir a edição em todo o país,
Chatô operou um sistema com caminhões, barcos, trens e até avião bimotor. A
revista era impressa em papel couchê, repleta de fotografias com pessoas
influentes e famosas. As produções eram feitas pela dupla fotógrafo e repórter,
mudando o padrão para casamento de texto e imagem. Entretanto, sofrendo
com a queda do império de Chatô, O Cruzeiro deixa de circular em 1975, após
um declínio que começara ainda na década de 60.
Quando O Cruzeiro estava no auge, surge a revista Manchete, da
editora Bloch, em 1952. A revista utiliza ainda mais que a anterior os recursos
gráficos e fotográficos. A publicação circula até o começo da década de 1990,
acompanhando a decadência do modelo das revistas semanais ilustradas.
Outro veículo que entrou para a história do jornalismo de revista foi Realidade,
da editora Abril, lançada em 1966 e fechada dez anos depois.
Victor Civita, fundador da editora Abril, ao fazer uma análise de
mercado, por volta de 1950, constatou: que havia nas bancas uma grande
semanal ilustrada (a de Chateaubriand, com a qual não pretendia competir);
nenhuma revista feminina (a não ser A Cigarra, de moldes de roupas, também
de Chateaubriand); apenas um título importante de fotonovelas (Grande Hotel,
da Editora Vecchi) e nenhuma revista infantil. Essas constatações foram
essenciais para lançar a maior editora de revistas do país.
Segundo Corrêa (in MARTINS, LUCA, 2011), antes de fundar sua
empresa, Civita visitou os principais editores de revistas, em sua maioria no Rio
de Janeiro. Mesmo assim, decidiu que São Paulo seria sua sede, porque a
cidade detinha capital. Em dois anos, lançou dois grandes sucessos de vendas:
Pato Donald, negociada com a Disney, em 1950, e Capricho, em 1952. Depois
do Pato Donald, saíram ainda Mickey, Zé Carioca e Tio Patinhas. Capricho, por
sua vez, começou publicando fotonovelas inteiras. O sucesso propiciou a
abertura de mais três títulos, dentre eles, Contigo!. Ambas existem até hoje,
22
ainda que com missões editoriais diferentes das de suas fundações: Capricho
voltada ao universo adolescente e publicada apenas de forma online e Contigo!
no segmento de celebridades.
Depois de descobrir os públicos infantil e feminino, faltavam ainda outros
segmentos a serem explorados. A editora Abril conquista o mercado brasileiro
com revistas de periodicidade mensal, lançadas na sequência, abrindo
caminho para a venda de anúncios. Esse passo é importante, porque
possibilitou ao leitor o acesso ao exemplar a um preço mais acessível,
contribuindo para a disseminação da revista em todo o país.
2.2.2 Quatro Rodas, Claudia, Realidade e Veja
Nos anos 60, o jornalismo de revista no Brasil experimenta o início de
uma nova era, marcada pela presença de diversos títulos da editora Abril à
frente das vendas. Como um processo natural do “fazer revista”, as edições
foram se tornando cada vez mais voltadas a públicos específicos. A primeira
revista da era das grandes mensais brasileiras foi Manequim, que circula desde
1959 até hoje, com moldes de roupas encartados e opiniões sobre estilo.
Entretanto, a grande marca da década ficou com quatro títulos da Abril:
Claudia, voltada ao público feminino; Quatro Rodas, ao mercado
automobilístico; Realidade e Veja, com perfis mais voltados a universitários.
Comparadas ao mercado atual, entretanto, tais revistas ainda tinham públicos
genéricos, mas que começavam a se definir. Esses títulos foram os primeiros
sinais de um jornalismo mais segmentado, de uma produção mais voltada a
públicos específicos.
Em relação à era de O Cruzeiro, os novos títulos representam um primeiro passo em direção à segmentação do mercado de revistas. Aquela publicação capaz de atender a todos os gostos começará a mudar a partir dos anos 60, com o surgimento de revistas mais especializadas. A imprensa brasileira também está em processo de modernização e racionalização. (MIRA, 2011, p. 41).
A revista Quatro Rodas surge em 1960, com características ainda
desconhecidas pelo público, como mapas destacáveis com indicações de
paradas. A publicação também trazia com ineditismo uma tabela com preços
23
dos automóveis vendidos na época, novos e usados. “Mostrava, assim, a
preocupação em servir o leitor” (CORRÊA, in MARTINS e LUCA, 2011, p. 211).
Quatro Rodas também foi a primeira a fazer testes com veículos, atraindo um
público mais masculino, consumidor de carros e aventureiro.
Em 1961 surge Claudia, cuja única concorrente era a revista Jóia
(editora Bloch, lançada em 1957). Claudia congregou uma fórmula capaz de
atrair mulheres com produtos e decorações nacionais, mostrando-lhes
aquisições possíveis, diferentemente das produções que abordavam conteúdos
estrangeiros, distantes das leitoras.
A parte que Claudia dedicava a assuntos de interesse geral mudou e passou a tratar de temas que faziam parte do dia a dia da leitora: educação dos filhos, relações com o marido, controle da natalidade e problemas com ela mesma, começando a questionar o papel de dona de casa, que queria ter direito ao trabalho, à independência financeira, questões restritas aos homens. (CORRÊA, in MARTINS e LUCA, 2011, p. 213).
A próxima a fazer sucesso é Realidade, lançada em 1966. A revista foi
idealizada para ser encartada em jornais de domingo, mas já nasceu
independente. Grandes reportagens, com texto e fotos, ao estilo O Cruzeiro,
passaram a circular, mas desta vez mensal e não semanalmente. Conforme
Corrêa, a publicação chegou a vender 500 mil exemplares por mês, um número
que não foi atingido por outra revista mensal (MARTINS e LUCA, 2011, p. 216).
A revista durou dez anos, tratando de temas polêmicos como uso da maconha,
clero de esquerda, casamento de padres, racismo e fome, em pleno regime
militar. A publicação acabou desaparecendo com a modernização dos jornais e
a popularização da televisão.
Veja é, até hoje, a publicação mais famosa e mais vendida da editora
Abril. Antes do lançamento, em 1968, houve intenso preparo de campanha de
divulgação, seleção de redatores envolvendo graduados em qualquer área de
todo o país e ainda visitas de Civita e Mino Carta, primeiro diretor da revista, às
redações das principais semanais dos Estados Unidos e Europa. Vendeu 700
mil exemplares na primeira edição, mas entrou em uma das mais
24
decepcionantes quedas, até ficar abaixo dos cem mil exemplares. Conforme
Corrêa, dentre os motivos para a decepção,
Era uma revista cheia de texto, que inaugurava no Brasil o gênero das newsweeklies, revistas semanais de informação, na escola das americanas Times e Newsweek. Não tinha o formato grande de Manchete, nem tantas páginas coloridas. Para um público que não conhecia o gênero, a revista era muito compacta, com muito texto para ler, e a novidade não foi muito bem entendida. (CORRÊA in MARTINS e LUCA, 2011, p. 218).
A revista levou seis anos para se estruturar, graças à persistência de
Roberto Civita, até adaptar o novo formato ao mercado brasileiro. As
assinaturas foram um dos pilares para reerguer financeiramente o
empreendimento, numa época em que assinar era visto como prejuízo para
bancas. Conforme Corrêa (MARTINS e LUCA, 2011, p. 221), os jornaleiros só
aceitaram as assinaturas se a Abril não vendesse assinaturas de nenhuma
outra revista por dez anos. A medida deu certo, e, há anos, mais de 80% da
venda de Veja é por meio de assinaturas.
Depois de Veja e suas novidades, surgem no mercado formatos
semelhantes, como IstoÉ, de 1976, lançada pela Editora Três; e Época,
lançada pela Editora Globo em 1998.
2.3 SEGMENTAÇÃO NO JORNALISMO
Uma das formas de elucidar o que é, enfim, jornalismo segmentado, é
relacionando-o com o que é considerado jornalismo de forma generalizada. A
pesquisadora Mara Ferreira Rovida, em sua dissertação de mestrado, por
exemplo, dividiu o jornalismo em três, a fim de entender melhor o papel da
comunicação: de informação geral, especializado e segmentado.
Conforme Nelson Traquina (apud ROVIDA, 2010, p. 54), o jornalismo
voltado a grandes públicos é resultado de um processo que se deu ao longo da
história da atividade jornalística. O autor divide o papel do jornalismo ao longo
do tempo em três: sua expansão, iniciada no século XIX; sua comercialização,
que começa a lhe atribuir valor de mercado, e o surgimento do papel social da
informação, por último, que passa a interferir no cotidiano da sociedade e na
importância da manutenção da democracia. Traquina defende, diante disso,
25
que é o jornalista o profissional capacitado para apurar, editar e publicar
matérias. Ele é um “profissional especializado”.
A especialização do profissional capaz de fazer jornalismo é diferente da
especialização jornalística em si, que pressupõe divisão por temas. Segundo o
pesquisador Érik Neveu (apud ROVIDA, 2011, p. 60), a especialização em
editorias faz parte do processo histórico do jornalismo, desde as mais
tradicionais, como política e economia, até saúde e educação, surgidas na
década de 1970. “A partir dessa noção de especialização jornalística de Neveu,
poderíamos considerar o jornalismo especializado em editorias como uma
consequência do próprio desenvolvimento profissional dos jornalistas”
(ROVIDA, 2011, p. 60).
Para a autora, enfim, o jornalismo especializado se remete a uma
editoria do jornalismo de informação geral. Seria uma característica do
jornalismo contemporâneo, mas não um fenômeno à parte:
Jornalismo especializado faz parte do jornalismo de informação geral por se tratar de comunicação ampla e genérica, embora possa ser limitado por aspectos temáticos que imprimem certa singularidade na redação das notícias e até na abordagem dos temas noticiados. (ROVIDA, 2011, p. 65).
O jornalismo segmentado surge, conforme a pesquisadora, quando não
é considerado apenas o conteúdo, mas principalmente o público a que se
refere. O foco pode até ser temático, entretanto, caso a publicação seja
distribuída para um público pouco classificado, homogêneo, não se trata de
segmentação. Por outro lado, quando além da temática específica há público
direcionado, trata-se de outro tipo de jornalismo (ROVIDA, 2011, p. 68).
Para Mara Rovida, o mercado brasileiro de revistas tende a aumentar o
número de publicações segmentadas e fazer desaparecer as generalistas,
como as ilustradas, por exemplo (2011, p. 74). A segmentação, nesse sentido,
seria uma estratégia de mercado. Por fim, a autora define o jornalismo
segmentado:
26
Outro pesquisador a explorar o assunto é Kardec Pinto Vallada. Em sua
dissertação de mestrado, Vallada cria uma classificação para as revistas: as de
interesse geral, de informação, de interesse específico e as especializadas,
feitas por meio de jornalismo segmentado. Segundo Vallada (apud ROVIDA,
2011, p. 71), essas revistas geralmente não são vendidas em bancas, tendo
circulação dirigida. Os leitores são definidos por interesses comuns, como a
profissão ou campo de seu interesse.
Vallada explica ainda que o conteúdo é diferente do meramente
informativo: é comum encontrar reportagens, pesquisas, estudos e opiniões
aprofundadas no tema a que se dedica. A periodicidade também é
diferenciada, sendo encontradas publicações até bimestrais, trimestrais ou
quadrimestrais, uma vez que a atualidade não é o mais relevante neste nicho
de mercado (ROVIDA, 2011, p. 73).
Mara Rovida seleciona, a partir do estudo de Vallada, sete subespécies
de revistas especializadas: as técnico-setoriais (dirigidas a um setor); as
técnico-profissionais (voltada a profissionais específicos); as acadêmico-
científicas (para divulgação de estudos e pesquisas); as empresariais
(geralmente distribuídas gratuitamente); as estudantis; as associativas (híbrido
entre as empresariais e as técnico-profissionais) e as recreativas (foco no
lazer) (ROVIDA, 2011, p. 73).
2.3.1 Jornalismo segmentado nas revistas brasileiras
No princípio da revista brasileira, O Cruzeiro figurou como divisora de
águas, conforme analisado. A publicação, de sucesso nas décadas de 30, 40 e
50, reinou por mais de 30 anos dentre públicos diversos. A revista se dirigia a
homens, mulheres, crianças e jovens, ainda sem se preocupar com gostos e
preferências de cada leitor. Pesquisa do Ibope à época atesta que O Cruzeiro
foi a revista da família brasileira, passando pelas mãos dos pais, filhos e
“creados”, percorrendo diferentes sexos, idades e classes sociais (MIRA, 2001,
p.13).
A descoberta do leitor e da leitora, no início dos anos 60, começou a
mudar essa realidade. Passou a ficar evidente a diferenciação entre o fazer
27
jornalístico próprio dos jornais diários e o próprio para revistas, inaugurando a
necessidade de foco de público na publicação dessas últimas. Conforme
Thomaz Souto Corrêa,
Na redação dos grandes jornais da época não havia perfil de leitor. Para o jornal, leitor era todo mundo: homem, mulher, velho, jovem, empresário, profissional liberal… Revistas trabalhavam para um leitor ou leitora definido. No início, tratava-se de uma definição mais intuitiva, porque as pesquisas engatinhavam como ferramenta editorial. Mas a definição intuitiva batia com as manifestações dos leitores: cartas à redação, telefonemas, entrevistas, visitas, viagens. (in MARTINS, LUCA, 2011, p. 226).
Segundo Maria Celeste Mira, a segmentação começa a surgir por meio
de questões econômicas, como a publicidade e a viabilidade financeira do
veículo. A autora explica que, durante o século XIX, os magazines
praticamente não tinham anúncios, sendo sustentados pela circulação paga. A
distribuição de produtos industrializados e o aumento da população urbana
promovem incremento na publicidade, que passa a sustentar as publicações,
propiciando que sejam vendidas a preços muito baixos. “Toda a dinâmica da
revista de grande circulação atual já está aí presente: o leitor passa a ser visto
como um consumidor em potencial e o editor torna-se um especialista em
grupos de consumidores”, aponta Mira (2001, p.10-11).
A pesquisadora lembra ainda que a revista tem custo relativamente mais
baixo que outros veículos, sendo o desafio não lançá-la, mas mantê-la. Para
Mira, a ideia de que a revista é um veículo de massa precisa ser bem
analisada, especialmente quando considerada a quantidade de pessoas em
detrimento da homogeneidade do grupo.
O estudo das revistas de grande circulação parece indicar que o conceito de massa, quando associado à ideia de grande número, tem sua dimensão de realidade, mas se pensado como homogeneidade foi apenas uma cortina de fumaça que nos impediu de perceber a diversidade de públicos da indústria cultural. Uma diversidade que sempre existiu. Entre a hipótese de que estaríamos passando por um processo de desmassificação e a ideia de que o público sempre conteve uma diferenciação interior que o conceito de massa ocultava, a análise das revistas aponta mais para a segunda, embora seja notável a aceleração do processo de segmentação nas duas últimas décadas do século XX. (MIRA, 2001, p. 11).
28
Mira defende que as grandes fronteiras entre os públicos são o gênero,
a geração e a classe social. Marília Scalzo (2014, p. 49), por sua vez, entende
como os principais segmentos: o gênero, a idade, a geografia (cidade ou
região) e o tema (cinema, esportes, ciência…). Conforme a autora, na
segmentação da segmentação, autores idealizavam a existência da revista
individual, a mais especializada possível. Esse tipo de publicação não chegou a
ser impresso: o advento da internet acabou por cumprir com esse papel.
2.3.2 Fases na segmentação do mercado de revistas
Conforme Corrêa, são três as fases da segmentação no mercado de
revistas brasileiras, marcadas especialmente pelo grandioso crescimento da
editora Abril (MARTINS, LUCA, 2011, p. 223). Na história das revistas
mundiais, os primeiros segmentos que surgiram atendiam aos públicos
definidos por gênero. No Brasil, tem-se como primeira fase da segmentação as
revistas Manequim, de moldes; Quatro Rodas, automobilística e de turismo;
Claudia, feminina de interesse geral; Veja, semanal de informação e Exame, a
revista de negócios.
Ainda nessa primeira fase, as revistas Placar, de esportes, e Nova, para
a mulher moderna, marcaram presença. Playboy, que foi lançada como
Homem, despontou como a grande revista de entretenimento masculino,
expondo mulheres nuas. A segunda fase da segmentação do mercado de
revistas brasileiro se apoiou na ideia de que determinados elementos de
grandes revistas poderiam atingir ainda mais público, caso houvesse
publicações específicas sobre esses assuntos.
É desse ideal que nasce a revista Casa Claudia, por exemplo, em 1977.
A decoração da casa sempre fez parte da linha editorial de Claudia, mas uma
publicação específica poderia trazer mais público. De Exame, por sua vez,
nasceram as revistas Info, especializada em informática, e Vip, que se tornou a
segunda maior revista de entretenimento masculino do mercado brasileiro. A
Exame rendeu ainda a Você S.A., que surge em 1999 tratando sobre carreira.
A segmentação teria ainda uma terceira fase, com a vinda de novos
títulos a partir das publicações surgidas na segunda fase. É o exemplo de
29
Arquitetura & Construção, ligada às áreas de construir e reformar, e Bons
Fluidos, que aborda o esoterismo em casa. Ambas surgiram de Casa Claudia,
que, por sua vez, descendeu de Claudia. “Não há dúvida de que a
segmentação foi um dos fatores que levou a Abril a ser a maior editora de
revistas do Brasil e da América Latina”, atesta Corrêa (in MARTINS, LUCA,
2011, p. 224-225).
2.4 JORNALISMO IMPRESSO: COMO FAZER
Diversos são os elementos que devem ser pensados para se fazer
jornalismo impresso. Jornais e revistas são escritos e diagramados para serem
aproveitados de forma diferente de produtos jornalísticos eletrônicos. Essa
relação com o leitor, que tem em mãos o produto, pressupõe pensar em
elementos que vão desde a edição, inerente à atividade jornalística, até a
linguagem, a escolha de fotos e a disposição de textos e elementos visuais em
uma página.
O primeiro processo é o da edição, que tem papel fundamental no
jornalismo. É por meio dela que se define o que será abordado e de que forma.
Conforme Luiz Costa Pereira Junior, ser editor é “um teste de caráter” (2006, p.
21). Isso porque o editor é incumbido de tomar inúmeras decisões em nome do
público, relacionar-se com fontes e com a estrutura da empresa para a qual
trabalha.
“Da cadeia produtiva da informação, é ele quem talvez mais revele de si
na operação do próprio trabalho, quaisquer que sejam suas obrigações, se
atividade-fim ou atividade-meio” (PEREIRA JUNIOR, 2006, p. 21). Segundo o
autor, a atividade-fim do editor é coordenar a cobertura, enquanto sua
atividade-meio tem papel mais gerencial.
Pereira Junior resume que, no jornalismo impresso, editar é o que se faz
ao: definir um espaço, determinar um lugar, considerar se haverá foto e o
tamanho, privilegiar e até premiar o trabalho feito no tempo e espaço estipulado
(2006, p. 22). Na sequência, serão abordados demais elementos referentes à
produção de jornalismo impresso.
30
2.4.1 A linguagem
Para que haja processo de comunicação, é preciso haver código em
comum. Esse código é a linguagem, que não se restringe apenas ao uso do
idioma. Nilson Lage (2006, p. 11) explica que a linguagem jornalística
transcende o idioma: quem compra um jornal não procura papel, mas
informação. As várias peças que compõem o todo são utilizadas para transmitir
a informação, e a elas é designada a alcunha de linguagem jornalística.
Neste contexto, são destacáveis o projeto gráfico e seus dois sistemas:
o analógico e o linguístico. Por projeto gráfico, Lage entende como o “sistema
simbólico composto de manchas, traços, ilustrações e letras – pequenos
desenhos abstratos que se repetem e combinam-se de maneira caprichosa”
(2006, p. 12). Os grupos de letras se reúnem em aglomerados compactos ou
claros em volta, de hastes finas ou grossas, com ou sem serifas, maiúsculas,
minúsculas, verticais, horizontais ou inclinadas. São inúmeras as
possibilidades.
No projeto gráfico, a diferença se sobrepõe à semelhança e a novidade se integra à identidade. Ele deve ser capaz de preservar a individualidade do veículo; fazê-lo reconhecido pelo consumidor mesmo quando este não lê o título – e ainda que a disposição dos elementos varie a cada dia. Guarda relação com a realidade social, tanto que, em dada sociedade, podemos presumir a que grupo de leitores se destina. E contém uma infinidade de informações, desde “isto é um jornal” até “tal grupo de letras é mais importante do que aquele outro”. (LAGE, 2006, p. 12).
Os sistemas analógicos e linguísticos, por sua vez, fazem parte do
projeto gráfico. O analógico envolve fotografias, ilustrações, charges, cartoons,
imagens e infográficos. O sistema linguístico envolve manchetes, títulos, textos
e legendas. “Como é próprio das línguas naturais, a sintaxe lógica é rica e
complexa, o que a torna adequada à comunicação de conceitos” (LAGE, 2006,
p.13).
2.4.2 A diagramação
A diagramação é prerrogativa do jornalismo impresso. Conforme Pereira
Junior, diagramar é tomar posição (2006, p. 98). O design gráfico, o
31
planejamento de uma página, também é informativo. A disposição de
elementos como títulos, fotos e matérias isoladas obedece à construção de um
significado, que, no conjunto, também emite mensagem: é a enunciação
(PEREIRA JUNIOR, 2006, p. 98).
[…] uma disposição mais desorganizada dos elementos de uma página, sob tal lógica, poderia dar a sensação de descuido com a qualidade das informações. A padronização visual, assim, organiza o material de modo a que cada página seja a personificação do veículo inteiro. O padrão, no entanto, é personalizado, estabelece a identidade, expressa a imagem pública do veículo. A forma que assume um título, por exemplo, vai tornar a página mais dinâmica e viril, mas principalmente define a leitura que o produto faz dos assuntos que cobre. (PEREIRA JUNIOR, 2006, p. 99).
O autor define seis itens onde se pode estabelecer um bom design de
página. São eles: a simplicidade, a unidade, a harmonia, a proporção, o
equilíbrio e a tipologia (2006, p. 102-103). A simplicidade significa,
essencialmente, eliminar o supérfluo. Quanto mais itens, há mais esforço visual
por parte do leitor para compreender a mensagem. Quanto menor a variedade
de fontes utilizadas, mais fácil de identificar o veículo.
A unidade envolve a subordinação do desenvolvimento de cada
elemento ao motivo principal. A harmonia é a unidade sem violação, com
correspondência das partes e proporção. Essa última, por sua vez, define que
a forma mais interessante é quando o comprimento é uma unidade e meia da
largura. Se o espaço for dividido em três, um seria o dominante, e os outros se
relacionariam a ele e entre si. Se dividido em partes iguais, há monotonia na
página. O equilíbrio é a ordem harmônica das unidades da composição,
destacando uma dominação no conjunto. A tipologia, por fim, refere-se às
letras: serifas em textos corridos, para ajudar a conectar uma letra à outra, e
sem serifa para títulos, em que há poucas palavras.
Quanto à tipologia, Nilson Lage define que revistas ilustradas e
magazines podem variar o tamanho das letras:
O texto sobre um caso de amor virá provavelmente com o título em letra cursiva, imitando a caligrafia; uma reportagem sobre computadores ou viagens espaciais terá o título em letras digitais; uma entrevista política, em letras romanas; matérias de impacto, em helvéticas. (LAGE, 2006, p. 23).
32
Lage também aborda o sistema de cores, que, segundo ele, tem a
função de dar a intensidade do estímulo. Na cultura europeia, conforme Lage, o
verde comunica tranquilidade, segurança; o azul, debilidade, discrição,
profundidade; o violeta, melancolia, incomodidade; o laranja, advertência,
impacto; o dourado, riqueza; o amarelo, tensão; o vermelho, paixão, cor
quente.
O mapa da zona ótica, outro assunto trabalhado por Pereira Junior
(2006, p. 103-104), define que: a página ímpar é mais lida que a par; o título e
a foto maior devem vir no alto da página; a direção do olhar na página é espiral,
de cima para baixo.
Marília Scalzo (2014) defende que design em revista é comunicação,
informação, arma para torná-la atrativa. Conforme a autora, mesmo com as
regras básicas de bom design, a revista é tão do leitor que é ele quem vai
definir como a publicação será apresentada.
Como tudo em uma revista é o leitor, é ele, também, quem vai determinar o tipo de linguagem gráfica a ser utilizada na publicação. Não dá para imaginar uma revista de surf diagramada como uma semanal de informação, ou vice-versa. É o universo de valores e de interesses dos leitores que definirá a tipologia, o corpo do texto, a entrelinha, a largura das colunas, as cores, o tipo de imagem e a forma como tudo isso será disposto na página. Por isso, o projeto gráfico tem de estar inserido em um projeto editorial mais amplo. O projeto de uma revista de turismo certamente vai usar muitas fotos, já uma publicação sobre ciência talvez prefira usar infográficos, uma revista para pessoas mais velhas vai escolher um corpo e uma entrelinha maior para facilitar a leitura, enquanto que uma revista para crianças terá, necessariamente, textos mais curtos… (SCALZO, 2014, p. 67).
Em suma, o bom design de revistas, para Scalzo, é o leva em conta as
características da publicação. Uma revista de artigos sérios, por exemplo,
dificilmente usará letras enormes e cores berrantes. Outro valor importante é o
tempo: quanto menor o intervalo entre as edições, menor será o detalhamento
ou a fuga dos padrões na diagramação, uma vez que não há tempo hábil para
montar as páginas do zero a cada edição.
33
2.4.3 A fotografia
Vale mais que mil palavras. As imagens no impresso comunicam por si
sós, recebendo uma leve ajuda das legendas. A primeira coisa a ser vista
numa página de impresso são as fotografias, que atraem para a leitura,
prendendo o leitor à página ou não. A imagem pode ter o poder de fazer o leitor
mergulhar em um assunto, imaginar, ilustrar e instigar o que o texto ainda não
lido pode revelar.
Conforme Marília Scalzo, a fotografia deve “excitar, entreter,
surpreender, informar, comunicar ideias ou ajudar o leitor a entender a matéria”
(2014, p. 70). A autora apresenta uma pesquisa feita com os leitores de Veja,
que afirma que uma matéria de uma coluna, sem fotos ou ilustrações, é lida por
9% dos leitores. A mesma matéria, com uma pequena foto, é lida por 15%
deles. A autora ainda defende que a fotografia e a revista parecem ter nascido
uma para a outra, desde as revistas ilustradas. “Tanto pela qualidade do papel
quanto da impressão, as revistas sempre puderam, e souberam, valorizar a
fotografia” (SCALZO, 2014, p. 71).
A boa foto não cumpre seu papel sozinha: também é preciso saber
posicioná-la nos lugares nobres da página, a fim de não desvalorizá-la. Para
Pereira Junior, três são as possibilidades: imagem inferior ao texto, onde
apenas serve como complemento; imagem superior ao texto, dominando-o,
sendo mais informativa e imagem e texto integrados, onde ambos têm a
mesma importância informativa (PEREIRA JUNIOR, 2006, p. 113-114).
Nilson Lage (2006, p. 29) define que, com a fotografia, é possível
imprimir ao papel a dramaticidade, com efeitos de luz e sombra, a
profundidade, com o domínio da perspectiva e o movimento, sugerido pelas
posições dos elementos. Pereira Junior, da mesma forma, destaca efeitos
advindos do uso de fotos. A perspectiva, por exemplo, pode ser obtida com
efeito linear (colocando mais alta a linha do horizonte), efeito figurativo (formas
enfileiradas dão ilusão de profundidade) e efeito luminoso (uso da luz para
profundidade).
O autor define ainda critérios para a edição de fotos em uma página de
jornal, estabelecidos pelo diretor do diários escocês The Scotsman, Andrew
34
Jaspan: fotos devem contar histórias, caso contrário não servem para serem
publicadas; é aconselhável utilizar uma foto por página; contrastes entre
planos, ângulos, grupos e indivíduos são interessantes; pormenores são
editados em tamanho grande; cortar fotos no centro da atividade retratada;
usar o alto contraste entre preto e branco e deixar a última palavra com o editor
de fotografia. (PEREIRA JUNIOR, 2006, p. 119-121).
2.4.4 O infográfico
Infográficos cumprem papel diferente das fotografias no impresso, mas
também estão no primeiro nível de leitura desse tipo de publicação. Infográfico,
conforme Pereira Junior (2006, p. 125), é informação jornalística em linguagem
gráfica. Não é ilustração nem fotografia, mas imagem informativa. Segundo o
autor, o infográfico se revela útil na edição de um impresso quando: o texto tem
informação numérica que faria o leitor se perder; apresenta apelo visual e
informativo; algo não pode ser descrito com palavras ou fotos; se perderia
tempo para descrever a informação a ser dada, como a evolução de um
processo, por exemplo; faltam fotos.
Para Scalzo (2014, p. 74), trata-se de uma forma de oferecer informação
que não deve ser tratada como enfeite. Engloba gráficos, tabelas, desenhos,
fotos, legendas, ilustrações, mapas e maquetes. O infográfico, conforme a
autora, precisa ter bom texto, bem como começo, meio e fim. “Simplificar um
infográfico tirando todos os excessos meramente decorativos muitas vezes é o
grande segredo para deixá-lo mais claro” (SCALZO, 2014, p. 75).
Pereira Junior reúne sete princípios para a elaboração de infográficos: a
confirmação de todos os dados; a comparação com o texto; os destaques; a
conversão de unidades; a simplicidade, com comunicação imediata; a clareza,
onde a junção dos elementos deve ser prontamente entendida e a forma e
conteúdo, nos quais o infográfico deve se encaixar perfeitamente na matéria.
2.4.5 A objetividade X A interpretação
No jornalismo impresso, duas características diferenciam de forma clara
os papeis de jornal e de revista. Para o primeiro, a objetividade é essencial, a
35
fim de trazer assuntos atualizados, contemporâneos, perecíveis. Para a
segunda, conta mais a interpretação, onde o contexto temporal é, sim,
importante, mas não essencial, como em jornais diários.
Sobre a objetividade, Luiz Amaral (1996) explica que deve ser um
conceito perseguido no fazer jornalístico, e que envolve muito mais que apenas
texto:
Trata-se de uma noção presente a cada fase do processo jornalístico, desde a pauta de assuntos cobertos até o tamanho, a apresentação gráfica e a natureza do espaço que vai ocupar no jornal. Uma questão de honra, um ideal a ser atingido ou uma paixão do jornalismo do século XX, embora, desde a sua incorporação, tenha sido confrontada com o seu contrário, a subjetividade. (AMARAL, 1996, p.17-18)
Conforme o autor, a objetividade apareceu na imprensa no século XIX,
com a lenta e persistente adoção e discussão dos princípios da imparcialidade.
Amaral elenca quatro acontecimentos principais que contribuíram, ao longo do
tempo, para a adoção definitiva do princípio de objetividade: o advento das
agências de notícias, o desenvolvimento industrial, as duas guerras mundiais e
o advento da publicidade e das relações públicas.
O viés interpretativo do jornalismo, ao contrário, defende que a
atualidade deve ser analisada e fornecer orientação à população. Para Luiz
Beltrão (1980, p. 12), a interpretação jornalística consiste em submeter
ocorrências e ideias atuais a uma seleção crítica, para repassar ao público
apenas o que for relevante.
Ainda segundo o autor, o jornalismo interpretativo se esforça em
determinar o sentido de um fato (BELTRÃO, 1980, p. 48). Nessa ótica,
diferenciam-se o jornalismo investigativo, que trabalha com causas e origens
dos fatos, e o interpretativo, que busca a ligação entre os fatos e explica sua
ocorrência (1980, p. 54).
Beltrão ainda reforça que o jornalismo interpretativo deve ser resultado
do esforço de um trabalho grupal coordenado. “O produto […] é a informação
em toda a sua integridade, captada, analisada e selecionada pelo jornalista, ao
qual não cabe o diagnóstico […]” (BELTRÃO, 1980, p. 52). César Luís Aguiar,
36
por sua vez, define: “O jornalismo será interpretativo, não por dar a
interpretação feita, digerida, mas por permitir fazer essa interpretação a quem
legitimamente deve fazê-la, que é o público” (AGUIAR apud BELTRÃO, 1980,
p. 52).
37
3. MÍDIA VOLTADA AO CAMINHONEIRO NO BRASIL
A segmentação no jornalismo, conforme discorrido no capítulo anterior, é
diferente do jornalismo especializado, onde uma área do veículo de
comunicação se dedica a abordar um assunto em profundidade, mesmo que
não seja o mote do veículo inteiro. A profissão do caminhoneiro, por sua vez,
sempre despertou interesse na mídia por ser um nicho específico de mercado e
gerou curiosidades no meio artístico, pela possibilidade de contar histórias.
Foi assim que, ao longo do tempo, o motorista de caminhão foi retratado
tanto em publicações especializadas dentro de grandes veículos quanto em
veículos segmentados. Além dos programas específicos para a categoria em
rádio e televisão, a figura do profissional também foi pauta de produção
artística, a exemplo da série de televisão Carga Pesada, da Rede Globo. A
seguir, serão elencados exemplos de programas e produtos de mídia com foco
no caminhoneiro, a fim de identificar onde esse profissional esteve em
evidência no Brasil.
3.1 PROGRAMAS E PUBLICAÇÕES PARA CAMINHONEIROS
Serão elencados os principais programas, de televisão e rádio, que
fizeram ou ainda fazem contato com a grande classe trabalhadora dos
caminhoneiros no Brasil ou mostram o profissional para todo o país. O primeiro
programa apresentado é a série de televisão Carga Pesada, seguida pelo
antigo programa de televisão Siga Bem Caminhoneiro e seu sucessor, Brasil
Caminhoneiro.
O “Siga Bem”, como é conhecido e como se denomina em seus sites,
engloba ainda programa de rádio e portais na internet. O terceiro item trará
Pedro Trucão e seus programas Globo Estrada e Pé na Estrada. Serão
apresentadas duas revistas que surgiram depois de O Carreteiro e
abrangeram, em seus 30 anos de existência, parte dos leitores caminhoneiros:
Caminhoneiro e Carga Pesada. Por fim, uma obra da área de fotografia: o livro
“A vida na boleia – Caminhos e Caminhoneiros do Brasil”, dos fotógrafos Ita
Kirsch e Bala Blauth.
38
3.1.1. Carga Pesada
Carga Pesada foi uma série da Rede Globo com histórias dos
caminhoneiros Pedro e Bino, interpretados pelos atores Antonio Fagundes e
Stênio Garcia, respectivamente. A estreia da primeira versão foi em 1979. A
segunda veio em 2003, ou seja, 22 anos depois, com os mesmos atores nos
dois papeis principais. Segundo o Memorial Globo online2, o sucesso da
minissérie Ciranda Cirandinha, sobre os dramas de quatro jovens no fim da
década de 70, abriu caminho para o lançamento do projeto Séries Brasileiras,
em 1979. A ideia era explorar o universo do Brasil contemporâneo.
O seriado Carga Pesada, conforme informa o Memorial, foi inspirado em
Jorge, Um Brasileiro, episódio do Caso Especial – faixa de programação da
Rede Globo que trouxe, de 1971 a 1995, episódios ou histórias completas –
exibido em 1978. A história foi adaptada pelo escritor Oswaldo França Júnior,
de seu romance homônimo. No episódio, Antonio Fagundes interpreta um
caminhoneiro que atravessa o interior de Minas Gerais. Paulo José, diretor do
Especial, sugere ao então diretor de operações especiais da Globo, Boni,
registrar a vida dos caminhoneiros em uma série para o projeto Séries
Brasileiras.
Com a ideia aceita, Carga Pesada e as aventuras dos caminhoneiros
Pedro e Bino passam a mostrar a diversidade cultural do país. Em vídeo
disponibilizado na página oficial da série no Memorial Globo, Stênio Garcia fala
sobre os personagens e resume: “Dois homens, dois não matutos, mas dois
homens rurais brasileiros que falariam dessa classe que era absolutamente
desconhecida na sociedade brasileira, que era o caminhoneiro”.
A primeira temporada foi exibida de 22 de maio de 1979 a 2 de janeiro
de 1981, nas terças-feiras, às 22h, num total de 54 episódios. Segundo o
Memorial, a dupla de personagens comprou, em sociedade, um dos mais caros
e bem-equipados caminhões do mercado. A fim de quitar a dívida, Pedro e
Bino transportavam cargas pesadas em longas viagens, revezando-se no
2 Conteúdo disponível em: <http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/seriados/carga-pesada-1-versao/formato.htm>. Acesso em 10 de abril de 2016.
39
volante e enfrentando atoleiros, enchentes, dificuldades financeiras e assaltos.
A série também abordou a reforma agrária e o trabalho escravo no Brasil.
Quanto às características dos personagens, o Memorial Globo registra
que Pedro é mais aventureiro e orgulha-se por não ter patrão. Gosta de se
envolver com mulheres e diversão, estando sempre disposto a tomar soluções
drásticas para os problemas da estrada. O personagem marcou no país um
dos bordões mais conhecidos da televisão brasileira: o alerta “É uma cilada,
Bino!”. Bino, por sua vez, é mais contido e sensato. Sente saudades da esposa
e dos filhos pequenos e tenta controlar os impulsos de Pedro. A dupla briga por
conta de suas diferenças, mas vive como irmãos.
Sobre a produção dos episódios, o Memorial informa que, a cada
semana, o elenco, os convidados e os figurantes a contracenar com Fagundes
e Garcia eram diferentes. Conforme o site oficial, cada episódio tinha a
participação de 30 pessoas, com gravações de três dias, em média.
Aproximadamente 90% dos episódios foram gravados em externas, muitas
delas noturnas.
Além disso, o Memorial registra que, com o sucesso da série, os atores
Antonio Fagundes e Stênio Garcia receberam centenas de cartas de
caminhoneiros, que contribuíam com o seriado por meio de histórias reais das
estradas e elogios à produção. Carga Pesada foi exibida em países como
Bolívia, Chile, Estados Unidos, França, Irlanda, Itália e Nicarágua.
A segunda versão, segundo o site3 específico da mesma, também no
Memorial Globo online, passou a ser exibida em 29 de abril de 2003,
encerrando-se em 7 de setembro de 2007, num total de 64 episódios, exibidos
às 23h, inicialmente às terças-feiras e depois às sextas-feiras. Nesta versão,
Bino é um pequeno empresário, dono de três caminhões. Entretanto, a
possibilidade de estar com câncer faz com que ele decida convidar Pedro,
ainda caminhoneiro, para uma última viagem de caminhão.
3 Disponível em: <http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/seriados/carga-pesada-2-versao.htm> - Acesso em 10 de abril de 2016.
40
A série Carga Pesada, com suas duas versões, consagrou a carreira de
seus atores principais e se tornou uma das maiores referências da profissão na
mídia brasileira.
3.1.2. Siga Bem Caminhoneiro e Brasil Caminhoneiro
Siga Bem Caminhoneiro foi um programa de sucesso na televisão,
veiculado no Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) e patrocinado pela
Petrobras, sendo transmitido aos domingos de manhã, em rede nacional. Nas
pautas constavam dicas, informações, serviços e entretenimento para os
condutores do transporte rodoviário de cargas. O programa foi exibido entre
1995 e 2009, rodando pelas regiões brasileiras e retratando a vida dos
caminhoneiros e suas histórias4, com apresentação de Alberico Sobreira.
Atualmente, o SBT transmite o programa Brasil Caminhoneiro, também
aos domingos de manhã, com duração de meia hora e linha editorial
semelhante ao original. O Brasil Caminhoneiro também é apresentado por
Alberico Sobreira, agora ao lado de Juliana Nogueira. Na internet, o programa
atual está hospedado em um site5 partilhado com a Rádio Siga Bem e a
Caravana Siga Bem, onde é possível assistir aos vídeos. Os três conteúdos
estão disponíveis no Portal das Estradas6.
Rádio Siga Bem Caminhoneiro, por sua vez, é um programa de rádio
apresentado pelo cantor Sérgio Reis, famoso por interpretar a música-tema7 do
antigo programa de televisão Siga Bem Caminhoneiro. Segundo dados da sua
página oficial8, a atração é direcionada “a motoristas, trabalhadores do
transporte rodoviário e comunidades estradeiras”, com informações, serviços e
entretenimento. O programa Rádio Siga Bem Caminhoneiro está no ar desde
1992 e é veiculado de segunda a sexta-feira, para cerca de 170 emissoras em
todo o Brasil.
4 Informações da Cobram, empresa responsável pela realização do programa. Disponível em: <http://www.cobram.com.br/tv-siga-bem-caminhoneiro> - Acesso em 10 de abril de 2016. 5 Site do programa Brasil Caminhoneiro: <http://www.brasilcaminhoneiro.com.br/> - Acesso em 10 de abril de 2016. 6 Portal das Estradas: <http://www.portaldasestradas.com.br/> - Acesso em 10 de abril de 2016. 7 Música-tema: Lembranças de casa, do grupo As Marcianas. 8 Site do programa Rádio Siga Bem: <http://www.radiosigabem.com.br/> - Acesso em 10 de
abril de 2016.
41
A produção apresenta fatos importantes das estradas, novidades do
setor e dá dicas de saúde, segurança e cidadania, com oferecimento dos
postos Petrobras. A atração tem cinco seções: “Responsabilidade social”;
“Responsabilidade ambiental”; “De Olho no Futuro”; “Boletins da estrada” e
“Retratos do Brasil”. Também são veiculadas campanhas educativas sobre
AIDS e doenças sexualmente transmissíveis, segurança no trânsito e crimes
ambientais. No espaço “Giro de Notícias”, o programa Rádio Siga Bem
Caminhoneiro faz promoções, promove o “Bate-papo com artista”; traz o
espaço do ouvinte e os “Recados do Trecho”, bem como o comentário diário do
repórter Murilo Carvalho, a respeito de assuntos relativos à vida na estrada.
Do programa Siga Bem Caminhoneiro também surgiu a Caravana Siga
Bem9, que se denomina como o maior evento itinerante da América Latina. A
caravana percorre o Brasil promovendo shows com música e apresentações de
teatro, eventos e palestras educativas em diferentes tendas, com realização da
Petrobras e da Mercedes-Benz. A iniciativa também realiza promoções com
sorteio de prêmios e até de caminhões. Atualmente, a caravana conta com 12
caminhões, sendo oito carretas e quatro trucks, dois ônibus e quatro carros de
apoio.
3.1.3. Pedro Trucão com Globo Estrada e Pé na Estrada
O jornalista e publicitário Pedro Trucão é bastante conhecido entre os
caminhoneiros. Ele apresenta, diariamente, o programa Globo Estrada, na
Rádio Globo, das 5h às 6h e das 15h às 17h, desde 2003. Segundo sua página
pessoal na internet10, Pedro estuda os caminhoneiros e motoristas em geral
desde a década de 70, quando experimentou o dia a dia da profissão.
Além do rádio, Pedro também atua na televisão, onde teve passagem
por diversos canais. Ingressou em 1991, no programa Roda Brasil, da Rede
Record. De 1995 a 2004, integrou a equipe de repórteres do programa Siga
Bem Caminhoneiro, do SBT. Atualmente, apresenta o programa Pé na Estrada,
aos domingos, pela Rede Bandeirantes (Band).
9 Disponível no site: <http://www.caravanasigabem.com.br/> - Acesso em 10 de abril de 2016. 10 Página oficial de Pedro Trucão: <http://www.trucao.com.br/> - Acesso em 10 de abril de 2016.
42
A fim de criar um canal de comunicação com o caminhoneiro, Pedro
Trucão criou as “Centrais de Recados do Trucão”. Localizadas nas rodovias,
atualmente são 18, espalhadas nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul. Nas
centrais, os carreteiros podem deixar seus recados, críticas ou elogios. As
mensagens são lidas por Trucão em seu programa de rádio ou viram pauta
para o programa de televisão. No site do comunicador é possível, inclusive,
registrar currículo, procurar vagas de trabalho e/ou cargas.
O Pé na Estrada, por sua vez, é um programa de televisão que resultou
de parceria entre a empresa Trucão Comunicações, de Pedro Trucão, e a
revista O Carreteiro. O foco do programa, conforme consta no perfil de sua
página11 oficial na internet, é valorizar o profissional da estrada. Sua filosofia é
mostrar a importância do transportador rodoviário de cargas e, em especial, do
caminhoneiro, na sociedade.
Pé na Estrada tem linha jornalística informativa e opinativa, com pautas
como a gestão de custos, a qualidade no atendimento e a imagem pessoal,
bem como segurança, cidadania no trânsito e lançamentos da indústria
automotiva.
3.1.4. Revistas: Carga Pesada e Caminhoneiro
Depois da revista O Carreteiro, outras publicações voltadas ao
caminhoneiro foram lançadas e conquistaram leitores neste segmento de
mercado (Figura 1). A revista bimestral Carga Pesada foi lançada em janeiro de
1985, somando 31 anos de circulação. A publicação define como missão
valorizar os caminhoneiros e caminhoneiras, com informação, qualidade
editorial e linguagem clara. É editada pela Ampla Editora, estando disponível
tanto impressa como online, bem como por meio de aplicativo em dispositivos
móveis. A versão digital possui recursos que complementam as matérias, como
vídeos e hiperlinks, além de conteúdo exclusivo e interativo. Ao todo, são seis
revistas impressas e seis digitais ao ano.
11 Disponível na página oficial do programa Pé na Estrada: <http://www.penaestrada.com.br/o-
pe-na-estrada/> - Acesso em 10 de abril de 2016.
43
A revista mensal O Caminhoneiro também completa 31 anos em 2016,
publicada pelo grupo Tudo em Transporte (TT Editora). O objetivo da
publicação, conforme seu perfil em site12 oficial, é levar informação de
qualidade aos profissionais das estradas. A publicação é responsável por
ações culturais, de saúde e educativas, como Feiras do Caminhoneiro, projetos
Rota Verde e Rota do Conhecimento, Concurso Herói das Estradas e Gincana
do Caminhoneiro.
A exemplo de O Carreteiro, também é distribuída de graça em postos de
combustível conveniados à editora. O conteúdo contempla desde os
lançamentos da indústria do transporte até dicas de saúde e informações sobre
tecnologia. A publicação distribui mais de 100 mil exemplares mensais, em
todo o Brasil. A revista também está disponível de forma digital, por meio do
site da publicação.
Além dessas, avolumam-se as publicações segmentadas para o
caminhoneiro, como revistas e boletins informativos publicados por montadoras
de veículos (como Scania e Mercedes-Benz), empresas de frete, fabricantes de
lonas, carretas, pneus e outros acessórios para caminhões (como Guerra,
Fras-le, Randon, Volvo, Agrale, Goodyear, etc).
Outras publicações também surgiram ao longo do tempo, mas com
menos reconhecimento que O Carreteiro, Caminhoneiro e Carga Pesada.
Exemplos são Eu Rodo, Na Boléia (que tinha formato semelhante a O
Carreteiro, mas deixou de circular), Próximo Km, Banguela (editada em Caxias
do Sul, que também já não circula), dentre outras.
12 Disponível em: <http://www.revistacaminhoneiro.com.br/> - Acesso em 10 de abril de 2016.
44
Figura 1 – Revistas Carga Pesada e Caminhoneiro
Fontes: <www.cargapesada.com.br> e <www.revistacaminhoneiro.com.br> (2016)
3.1.5. A vida na boleia pelas lentes de dois fotógrafos
Lançado em abril de 2015, o livro fotográfico A vida na boleia –
Caminhos e caminhoneiros do Brasil, de Ita Kirsch e Bala Blauth, retrata em
imagens a rotina do transportador de cargas. Quando do lançamento, foi feita
uma grande exposição fotográfica, que circulou por outras cidades da região
Sul do Brasil.
A captação das imagens ocorreu em 2014, quando os autores
percorreram 21 mil quilômetros em 16 estados brasileiros, ao longo de três
meses. No site13 oficial do fotógrafo Ita Kirsch, Simone (Bala) Blauth dá uma
dimensão da aventura fotográfica:
“A expedição seguiu o ritmo e o ciclo dos caminhoneiros: acordar cedo, abastecer, cair na estrada, contar os quilômetros, chegar ao destino, comer, dormir”, resume Simone. “Documentamos o dia a dia desses motoristas e destacamos o transporte específico de cada região. No Sul, Sudeste e Centro-Oeste, os caminhões graneleiros e boiadeiros. No Norte, o transporte da madeira. No Nordeste, sal, frutas e muita água. (BLAUTH, 2015).
13 Disponível em: <http://www.itakirsch.com.br/ita-bala/projetos/vida-na-boleia-caminhos-
caminhoneiros-fotos-brasil/> - Acesso em 27 de abril de 2016.
45
O livro (Figura 2) tem 224 páginas e 335 fotografias, com apoio do
ministério da Cultura.
Figura 2 – Capa do livro fotográfico “Vida na Boleia”
Fonte: <www.itakirsch.com.br> (2015)
3.2 A REVISTA O CARRETEIRO
Publicada pela GG Editora, do americano John Garner, a revista tem
tiragem de 100 mil exemplares, distribuídos em 400 pontos do país. Conforme
informações fixas no expediente das edições, O Carreteiro se dirige a
“motoristas de caminhão, empresários donos de transportadoras, frotistas,
chefes de oficinas e demais profissionais ligados ao transporte rodoviário de
carga”.
A publicação é distribuída de graça, em parceria com postos de serviços
rodoviários ROD (Rede Oficial de Distribuidores da revista O Carreteiro).
Também é possível encontrá-la em lojas de peças de caminhão, oficinas
especializadas do setor, sindicatos e associações de motoristas. A revista
circula com edição especial em agosto, devido ao Dia do Motorista,
comemorado em julho, quando ocorre a Feira do Carreteiro. Também são
feitas edições especiais em aniversários da publicação.
46
Quem não tem acesso à publicação que é distribuída gratuitamente
pode baixá-la em dispositivo móvel, por meio do aplicativo O Carreteiro, ou
ainda ler por meio de assinatura. Essa opção, no entanto, custa R$ 96 por ano,
ou seja, oito reais por exemplar. O custo corresponde apenas às despesas
para envio pelo correio. Devido a isso, o número de assinantes é pequeno,
conforme informa o editor-chefe João Geraldo à Mara Rovida (ROVIDA, 2010,
p. 98).
A sede da GG Editora fica na Rua Palacete das Águas, número 395, Vila
Alexandria, na cidade de São Paulo. Atualmente, a empresa também publica o
Guia O Carreteiro e organiza a Feira do Carreteiro, evento tradicional para
motoristas de caminhão, criado em 1976. O encontro reúne carreteiros de todo
o Brasil na Basílica de Aparecida, estado de São Paulo.
3.2.1 Histórico
Em circulação desde julho de 1970, a revista O Carreteiro surgiu junto a
uma família de revistas técnicas lançadas pela editora Abril, como a Transporte
Moderno, com o objetivo de levar informações aos motoristas de caminhão. O
atual endereço eletrônico da publicação14 informa que o período em que a
revista foi lançada era de comunicação difícil, com o país governado por
militares.
À época, não existia uma publicação voltada para o segmento de
profissionais do transporte rodoviário de carga. Quando do lançamento,
também não havia, segundo a revista, motoristas organizados em associações
ou entidades ativas para acolher suas reivindicações. A frota brasileira de
caminhões contava com 640 mil veículos, cerca de 100 mil a mais que na
década de 1960, segundo dados da publicação.
A revista passa seus primeiros 11 anos com o selo da arvorezinha à
capa. Em 1981, a editora Abril vende a marca O Carreteiro para a GG Editora
de Publicações Técnicas Ltda, do americano John Garner, pela qual é
publicada até hoje. A essa altura, a publicação tinha deixado de ser trimestral e
se tornado mensal. No final dos anos 80, houve ingresso de novos sócios.
14 Perfil da publicação disponível em: <http://www.ocarreteiro.com.br/revista-o-carreteiro/sobre-a-revista/>. Acesso em 30 de março de 2016.
47
A primeira publicação de O Carreteiro é lançada no formato 13,5 cm X
19 cm, medidas que tiveram pequenos reajustes desde então. Por ser pequena
– praticamente a metade de uma revista convencional –, do tamanho de um
gibi, é fácil de carregar ou guardar no bolso, tornando-se companheira do leitor.
A primeira edição trazia, à capa (Figura 3), a inscrição “Para motoristas de
caminhão”. A manchete apontava para matéria a respeito da segurança, com
os dizeres: “Salve o pescoço usando extintor”. A publicação era trimestral.
Figura 3 - A primeira edição de O Carreteiro
Fonte: Revista O Carreteiro, ed. 1, 1970
3.2.2 Linha editorial
Conforme Felipe Pena (2005, p. 12), a linha editorial é uma política
definida pelo veículo de comunicação, que determina "a lógica pela qual a
empresa jornalística enxerga o mundo; ela indica seus valores, aponta seus
paradigmas e influencia decisivamente na construção de sua mensagem". A
revista O Carreteiro afirma ter nascido com o objetivo de levar informações
48
para os motoristas de caminhão, e, conforme seu editor-chefe, João Geraldo,
tem a linha editorial clara. Segundo entrevista15 concedida por Geraldo,
Nossa linha editorial é bem definida e clara. Tratamos de todos os assuntos associados ao transporte rodoviário de cargas, tais como novos produtos, legislação e especialmente os temas de interesse dos motoristas de caminhão. (GERALDO, 2016).
Já no primeiro editorial, uma das maiores reclamações dos
caminhoneiros aparecia: a questão do baixo frete. Trechos do texto aparecem
em reportagens sobre a história da revista, em edições especiais de 30, 40 e
45 anos (Figura 4). Na edição de 45 anos, publicada em setembro de 2015,
João Geraldo discorre sobre a história de O Carreteiro por meio da reportagem
“Viagem no tempo”. Conforme ele, quando do lançamento da revista, em julho
de 1970,
Apesar de o motorista ser visto como herói da estrada, havia, na ocasião, muita reclamação em relação aos valores recebidos pelo frete. Por conta da situação à época, o editorial da edição de estreia da publicação tratava do assunto e citava que tais queixas não iam além dos pequenos grupos reunidos em postos de serviço ou nos balcões de transportadoras. (GERALDO, 2015, p. 19).
Figura 4 – Edições especiais de 30 (2000), 40 (2010) e 45 anos (2015)
Fonte: Revista O Carreteiro, edições 313 (2000), 431 (2010) e 491 (2015)
Na edição especial de 30 anos, publicada em 2000, o editorial também
faz referência a 1970: “Pode parecer ironia do destino, mas ao ler a primeira
edição da Revista O Carreteiro, escrita em julho de 1970, a impressão que se
15 Informação de João Geraldo, concedida em entrevista realizada por e-mail em 30 de março de 2016.
49
tem – quando o assunto é valor do frete – é que o texto foi feito no mês
passado” (O Carreteiro, 2000, p. 8). Na matéria “Uma viagem no tempo”, de
título quase idêntico ao publicado 15 anos depois, são reproduzidos trechos do
primeiro editorial:
[…] o assunto chegou ao preço dos fretes. Este é o que mais inflama a classe. Tudo sobe. O combustível, o lubrificante, os pneus. Só o frete é que aumenta muito devagar e, de vez em quando, baixa. Dizem que existe uma tabela, mas ninguém cumpre… (O CARRETEIRO, 2000, p. 32-33).
Segundo a edição especial de 45 anos da revista O Carreteiro (2015, p.
20), a chegada da publicação às estradas fez com que os motoristas
passassem a contar com um veículo que levava a público suas reivindicações
e problemas do dia a dia. Por acompanhar as pautas referentes aos
caminhoneiros, a revista mudou ao longo dos anos, adaptando-se às
necessidades de informação do seu público-alvo e à sua realidade.
O atual editor João Geraldo ingressou na redação em janeiro de 1993,
depois de fazer uma reportagem para a publicação em dezembro de 1992.
Geraldo explica como o trabalho do carreteiro estava configurado, à época:
Quando iniciei meu trabalho na Revista O Carreteiro e comecei a pesquisar o perfil do motorista, notei que havia poucas diferenças entre os profissionais em atividade da época e os de 20 anos atrás. Na primeira década, de 1990, o motorista começava a ter consciência da necessidade de se profissionalizar para se manter na profissão. Isso porque já sentiam o peso da baixa rentabilidade, pois muito poucos conseguiam trocar o caminhão por outro mais novo. O financiamento era muito difícil e caro. Por conta disso, a frota estava velha e a maioria não tinha condições de trocar de caminhão. (GERALDO, 2016).
As mudanças ao longo de 45 anos de história são evidenciadas nas
edições especiais de 30, 40 e 45 anos da revista. As reportagens dão conta da
evolução dos modelos de caminhão e do advento de tecnologias, que
facilitaram a vida do condutor e mudaram a forma de relacionar-se com a
publicação. Também é evidenciada a exigência, cada vez maior, de
profissionalização por parte dos caminhoneiros. Velhos problemas, no entanto,
persistem, conforme demonstram as edições especiais. Sobre as mudanças ao
longo da história da revista, Geraldo comenta:
50
Quanto ao editorial da revista, as mudanças são naturais e
acompanham os acontecimentos. O que muda são os fatos do setor a
serem noticiados; as novidades da tecnologia para o transporte, como
o surgimento do sistema de rastreamento no início daquela década.
Essa tecnologia já existia na Europa, mas para ajudar na logística do
transporte, enquanto aqui no Brasil o objetivo era ser um item de
segurança para se tentar combater o roubo de cargas e caminhões.
[…] Quando se publica novidades, se rejuvenesce o editorial. Difícil
imaginar uma publicação que vive repetindo notícias parecidas de
formas diferentes. Aconteceram muitas coisas novas entre 1990 e
2000, em todos os setores, e isso contribuiu para alavancar todos os
setores, inclusive o de publicações especializadas como a Revista O
Carreteiro. (GERALDO, 2016).
A necessidade de profissionalização do caminhoneiro é apontada pelo
editor com uma das principais mudanças no seu comportamento e aparência,
que acabou refletindo também na revista. Somem-se a isso dois fatores que
independiam do motorista: a evolução dos modelos de caminhões e a condição
das estradas. Geraldo explica:
No setor de transporte rodoviário, especificamente, os motoristas de
caminhão começaram a perceber que havia necessidade de se
profissionalizar. Isto é, procurar meios para tornar seu trabalho mais
rentável; deixar de ser aquele sujeito que se vestia de qualquer
maneira e melhorar sua aparência e demonstrar ser um profissional
mais responsável, aprender a dirigir de forma econômica e mais
segura. Os horários a serem cumpridos eram mais apertados, sendo
ele autônomo, empregado ou agregado. Todos da cadeia do
transporte rodoviário começavam a fazer mais conta para melhorar a
rentabilidade. Com isso veio também, em meados da década, a
mudança do perfil da frota de caminhões, com a troca da cabine
convencional pela avançada devido à necessidade de se transportar
mais por caminhão. Com a cabine avançada, se ganhava mais
espaço na plataforma de carga e, por conta disso, as fábricas
começaram a produzir praticamente somente caminhões com cabine
avançada (sem o capô sobre o motor). Depois, vieram as concessões
de rodovias (motorista tinha de pagar pedágio por eixo para rodar) e,
a partir da década de 2000, os caminhões com injeção eletrônica de
combustível no lugar da bomba injetora mecânica. Tudo isso e muitas
outras coisas eram notícias novas e de interesse do público.
(GERALDO, 2016).
Como visto no capítulo anterior, é importante ao jornalismo segmentado
manter contato constante com o leitor, de inúmeras formas. Desde as primeiras
51
publicações, O Carreteiro oferece espaço para que os leitores possam escrever
e enviar mensagens à revista, que posteriormente eram publicadas em
diferentes áreas. Atualmente, essa logística está transformada: depois da
chegada da internet, segundo Geraldo, as cartas se tornaram raras.
Vale lembrar que as novidades nunca cessam. Com a internet no transporte, muitas coisas mudaram e facilitaram a vida dos profissionais do setor e também do motorista de caminhão. Hoje ele faz quase tudo pelo smartphone e as novidades não param. Agora estamos entrando na era do caminhão conectado e do caminhão autônomo e suas tecnologias. Diante de tudo isso, fica o compromisso de noticiar de forma correta, clara e sem tendências, porque isso traz respeito e credibilidade à publicação. (GERALDO, 2016).
A maioria das mensagens à revista passou a ser enviada por e-mail e,
mais recentemente, por aplicativo de envio de mensagens pelo celular.
Conforme Geraldo, “As cartas em papel praticamente desapareceram”16.
3.2.3 O personagem Zé Carreteiro
Para ajudar a retratar o cotidiano do caminhoneiro, foi criado, junto ao
lançamento da revista, em 1970, o personagem Zé Carreteiro. Suas histórias
em quadrinhos existem desde as primeiras publicações, em 1970, até os dias
atuais. Anteriormente, o personagem era chamado de Zé Sujinho, mas teve
seu nome alterado com o passar do tempo. Na edição comemorativa dos 30
anos da revista, consta que o personagem era definido, desde o período de
lançamento da publicação, como “um grande sujeito, mas relaxado como ele
só. Vive quebrando galhos” (O Carreteiro, 2000, p. 32).
O Zé Carreteiro é desenhado pelas mãos do ilustrador italiano Michele
Iacocca, que chegou ao Brasil no início dos anos 60. Iacocca é o único
profissional da primeira equipe que ainda contribui com a revista. Conforme a
edição comemorativa de 30 anos,
O Zé amadureceu e acompanhou a evolução, procurando se inteirar dos avanços tecnológicos que contribuem com o segmento do
transporte rodoviário de cargas, mas sem deixar de ser carreteiro. (O
CARRETEIRO, 2000, p. 32).
16 Informação de João Geraldo, concedida em entrevista realizada por e-mail em 30 de março
de 2016.
52
Segundo informações do site Guia dos Quadrinhos17, o então Zé Sujinho
espelhava o caminhoneiro à época: com barba por fazer, fumante e,
frequentemente, consumindo bebida alcoólica. Com o passar dos anos, o
personagem parou de fumar e melhorou a aparência, tornando-se bem
informado e mantendo sua essência de motorista de caminhão.
Segundo o editor-chefe da publicação, João Geraldo, a manutenção de
uma seção na revista depende exclusivamente de sua repercussão junto aos
leitores18. É o caso do personagem, que, mesmo com mudanças, manteve-se
presente na revista ao longo da sua trajetória. Sobre isso, Geraldo explica:
[…] estamos sempre de olho em que tipo de material pode ser útil para o leitor e que pode ser transformado em seção. O Zé Carreteiro, por exemplo, é um caso diferente. Além de ser mascote da revista, seu perfil está muito associado ao do motorista de caminhão. Tanto é que ele também passou por mudanças através dos anos. Quando comecei na revista O Carreteiro (1992), o Zé estava sempre com barba por fazer e com um copo na mão. Isso teve de ser mudado, porque não se encaixava mais no perfil do motorista. Hoje, por exemplo, ele fala das coisas atuais. (GERALDO, 2016).
De uma turma de personagens criados por Iacocca, sobreviveram
apenas o Zé Carreteiro (Figura 5) e seu ajudante, Jesuíno, que também tem
histórias publicadas em O Carreteiro, bem como o personagem Daniel, negro.
A turma criada em 1970 incluía um gaúcho, um nordestino e um protestante.
Segundo o Guia dos Quadrinhos, Iacocca desenhou Zé com traço largado, e
ele desenvolveu personalidade forte, a ponto de ninguém conseguir copiar.
Na edição especial de 40 anos da revista O Carreteiro, a reportagem
“Um carreteiro exemplar”, de Daniela Giopato, comenta que o personagem foi
criado a fim de ser didático. “Aos poucos, a sua simpatia conquistou os
motoristas, que passaram a se identificar com o personagem, um sujeito
consciente e que acompanhou as principais mudanças do setor” (2010, p. 103).
17 Zé Carreteiro. Disponível em: http://www.guiadosquadrinhos.com/personagem/ze-carreteiro-(jose-carreteiro)/26187 - Acesso em 30 de março de 2016. 18 Informação de João Geraldo, concedida em entrevista realizada por e-mail em 30 de março de 2016.
53
Figura 5 - Personagem Zé Carreteiro
Fonte: <www.guiadosquadrinhos.com.br> (2015)
Uma revista específica do personagem também foi lançada. A revista do
Zé Carreteiro surgiu como encarte da revista O Carreteiro de número 243, em
agosto de 1994, sendo também publicada pela GG Editora. A primeira edição,
de 34 páginas, trouxe histórias de Zé e Jesuíno (Anexo A).
3.2.4 Trajetória e conteúdos das publicações
A revista O Carreteiro passou por muitas transformações ao longo da
sua trajetória de 45 anos. “Naturalmente”, como lembrado por João Geraldo, e
também devido à reestruturação de seções da revista e dos refinamentos no
interesse dos assinantes. Algumas seções surgiram, sumiram ou ainda foram
trocadas de lugar ou reduziram-se. Ao mesmo tempo, seções antigas
permanecem até os dias atuais, prova de que deram certo com o público
caminhoneiro, independentemente do tempo. Além disso, ao longo dos anos, a
publicação alterou não apenas os conteúdos, mas também o projeto gráfico.
A primeira década da revista, de 1970 a 1980, não tem exemplares
oficiais extras guardados na sede da publicação. O Carreteiro alega ter,
apenas, um exemplar de cada edição deste período, para acervo próprio. O
motivo é que, segundo informou19 a GG editora, naquele tempo, a revista era
propriedade da editora Abril. Para acessar o material, a revista disponibiliza
edições digitalizadas.
19 Informação da GG Editora repassada por e-mail em 31 de março de 2016.
54
Já nesta década e ao longo dos anos 80, é possível perceber uma
grande proximidade da revista com o leitor. Essa proximidade estava marcada
nas pautas e no conteúdo. Nos anos 80, mais especificamente, ficou reforçado
o forte incentivo para que o caminhoneiro participasse das edições com
sugestões, recados, reclamações ou histórias. Essa participação já ocorria nos
anos 70, em menor volume, em seções como Posto Zero (com relatos e
reclamações sobre postos de combustíveis com péssimo atendimento). A
publicação vinha com classificados e com a descrição de casos onde os
direitos dos caminhoneiros foram violados. As edições contavam com o
horóscopo do caminhoneiro, que nos anos 80 ganharam novo layout e mais
destaque.
Nesta segunda década, a maior parte dos exemplares era recheada da
participação do caminhoneiro, não apenas no Posto Zero, mas também em
seções como Bate Papo (com recados e opinião dos motoristas, respondidos
um a um pela redação) e Opinião das Mulheres (dando voz às esposas dos
carreteiros, em sua maioria). A revista ainda deu voz a Associações ou
Sindicatos e a histórias da estrada, enviadas pelo leitor.
A seção Posto Zero é uma das mais interessantes. Cada material
enviado com reclamações sobre casos da vida nas estradas é comentado pela
redação. Um exemplo é o transcrito a seguir, publicado na edição nº 30, de
junho/julho de 1975, sob o título “Bóia cara” (ANEXO B):
“Apresento a esta revista […] queixa justa e aproveito para alertar a todos os meus colegas da estrada: cuidado com os preços da Churrascaria Rincão Gaúcho Ltda., na BR 40, km 205, perto de Juiz de Fora, MG. Explorou-me vergonhosamente cobrando Cr$ 28,00 por um rodízio no dia seis de fevereiro”. – Camilo Venâncio Moreira, IR 7904, São Paulo SP.” (O CARRETEIRO, 1975, p. 6).
A revista responde, abaixo da mensagem do leitor: “Sua queixa está
registrada, Camilo. Acreditamos que o pessoal da churrascaria andou
cochilando um pouco, confundindo caminhoneiro com turista” (O Carreteiro,
1975, p. 6).
No alto da página, um leitor reclama sobre o preço do frete, problema
recorrente e frequentemente abordado na revista, desde sua primeira edição:
55
Eu gostaria que as autoridades tomassem uma providência para o nosso frete, pois está sendo um verdadeiro abuso o preço pago pelas transportadoras. Imaginem que, em janeiro tiveram coragem de me ofertar de 14 a 15 centavos por quilo para carregar da Bahia para São Paulo. Falei com o responsável pela carga e ele me disse que era “frete de retorno” e “não tinha problema”. Aí eu expliquei que o preço das refeições, do óleo e etc., na volta é o mesmo que na ida. Certo? Por que não existe uma tabela também para nós, como a dos motoristas de táxi? – Paulo Dias Brilhante – YV 0020 – SP. (O CARRETEIRO, 1975, p. 6).
Ao que a revista responde:
Certo. O Paulo tem toda razão. Na verdade, esse negócio de “frete de retorno” é mais uma desculpa para abaixar o preço. O chamado “frete de retorno” poderia existir se o frete normal fosse pago a um preço compensador. Aí sim, o “de retorno” teria seu preço reduzido, por exemplo, em 20% do considerado normal. Seria mais ou menos uma “gratificação” dada pelo caminhoneiro para o contratante, desde que fosse a mesma firma que contratou o frete normal. (O CARRETEIRO, 1975, p. 6).
Ainda sobre a interatividade, chama atenção uma página especial para
ser destacada e colocada diretamente no correio, com selo pago pela revista,
no meio das edições dos anos 80. Esse tipo de página já aparecia nos anos 70,
porém mais discreta e promovida por uma empresa de pesquisas. Na década
seguinte, com cores mais vibrantes, a intenção da página se mostrou ser um
espaço para que o carreteiro possa escrever seu recado e enviar para a
revista.
Em algumas edições dos anos 80, chegavam a ser publicadas duas
páginas desse tipo em uma mesma edição, com cores diferentes (Figura 6). Na
explicação no alto da página, a delicadeza de quem se coloca ao lado do
motorista, com as seguintes inscrições:
Escreva para a revista O Carreteiro. Essa cartinha é para você usar. Não se preocupe com a sua caligrafia. Você escreve a carta, recorta da revista, dobra e coloca no correio. Nem precisa selar, que o selo a revista paga. Você pode usar a carta para reclamar dos problemas, fazer queixas, dar sugestões para melhorar esta revista ou para as autoridades melhorarem a vida do caminhoneiro. Se a reclamação for muito violenta, não esqueça de enviar provas, documentos ou cópias autenticadas. Escreva aqui a sua carta: (O CARRETEIRO, 1980, p. 15).
56
A mensagem era seguida pelas linhas para que o caminhoneiro
escrevesse. No verso, mais recados para o leitor, com as seguintes instruções:
Como remeter esta carta. Nós sabemos que você acha difícil colocar esta carta no correio, por isso fazemos duas sugestões: 1 – Quando retornar ao lar, peça à sua esposa ou filho para colocar a carta no correio. 2 – Solicite a um amigo, proprietário de um posto de abastecimento que coloque a carta no correio. No final da carta escreva qual é o posto que prestou o favor e diga ao proprietário que nós também vamos agradecer, pela revista, mencionando o nome do posto dele. 3 – Escreva sua carta no verso. (O CARRETEIRO, 1980, p. 16).
Figura 6 – Espaço para envio de cartas publicado duas vezes em uma mesma edição
Fonte: Revista O Carreteiro, 1980
Nos anos 80, também estiveram em destaque grandes reportagens com
a experimentação de modelos novos de caminhões; com a vida na estrada;
com reclamações e denúncias sérias. Também surgiu o espaço “Mosaico”,
mais para o fim da década, com breves notas trazendo notícias do mercado.
Ainda no fim da década, a revista passa a publicar regularmente o editorial. Os
repórteres iam a campo para apurar informações, montando posteriormente um
texto em defesa do trabalhador das estradas, mostrando ainda sua vida
pessoal e seus anseios. Um exemplo é reportagem sobre as esposas que
acompanham os motoristas nas viagens, feita em maio de 1987 (ANEXO C).
57
Em julho de 1982, por exemplo, a revista produziu uma reportagem que
ocupou oito páginas, com a história de dois caminhoneiros que foram para os
Estados Unidos a fim de conhecer a então maior fábrica de caminhões do
mundo, a Ford (ANEXO D). Os dois viajaram a convite da revista. A viagem
resultou em uma série de reportagens sobre as impressões a respeito da vida
do carreteiro americano. A reportagem se mostrou adequada ao leitor ao
utilizar linguagem simples e muitas fotos.
Em junho de 1983, a revista atendeu a um pedido do leitor ao publicar
uma reportagem sobre o frangueiro, ou seja, o motorista que transporta frangos
vivos para o abate. Repleta de humor, a reportagem leva esse ingrediente até
no título: “Leva tudo com bom humor, numa boa. Este é o frangueiro!”. Chama
a atenção a linguagem utilizada pelo repórter, as legendas elencadas para as
fotos e a qualidade do material, mostrando realmente a vida desse tipo de
motorista. A reportagem começa com o alerta:
Pra começo de conversa e afim (sic!) de colocar os pingos iis, precisamos ir logo esclarecendo que o nosso frangueiro nada tem a ver com goleiro de futebol. Muito pelo contrário. Devido às suas horas de trabalho, o colega nem tem tempo para uma pelada no domingo de manhã. […] É um trabalho árduo esse do frangueiro, acompanhado sempre por aquele cheirinho peculiar ao mercado de aves num final de dia em pleno verão. (O CARRETEIRO, 1983, p. 12).
Ao longo do texto, o repórter envolve o leitor com bom humor, contando
como funciona o trabalho do frangueiro desde a granja até a estrada:
Depois de abatidas, as aves passam por um processo minucioso. Elas são depenadas e limpas, e finalmente embaladas. Nada é desperdiçado. Tudo se aproveita – até mesmo o óleo de suas penas que vai para a confecção de baton (sic!) e maquilagem. (Na próxima vez que beijar a namorada, Zé, lembre que naquele gostinho gostoso a galinha também teve sua humilde participação!). (O CARRETEIRO, 1983, p. 13).
O texto também revela atitudes comuns do cotidiano do caminhoneiro,
como a necessidade de subornar guardas e policiais para seguir viagem.
Conforme reclamações que constam em cartas à revista, os fiscalizadores
58
geralmente implicam com detalhes ou com inverdades, liberando os motoristas
apenas mediante pagamento.
O “amaciamento” dos guardas é feito por meio de “ofertas” de frangos. É um procedimento que não é nada do gosto nem do caminhoneiro e muito menos da firma, que é obrigada a se manter cega e fechar os olhos para as transações. Entretanto… “fazer o quê?” como diz o outro. A atitude do frangueiro perante esta conhecida embora não reconhecida situação, é das mais humanas. Diz ele: “Olha, agradar o cara com um frango é menos ruim do que ser obrigado a tirar a grana do bolso, como acontece com outros colegas. Afinal de contas o frango é levado pra casa, pra família dele. E nossa briga não é contra crianças”. E assim é o frangueiro, gente. Um homem como qualquer outro, que dá duro, que tem pouco tempo para si e sua família, mas em quem ainda sobra muito sentimento humano e consciência de trabalho. (O CARRETEIRO, 1983, p. 17).
Além do texto, as fotografias bem feitas e as legendas curiosas são
outras pérolas da reportagem. Ao retratar um frangueiro ao lado do caminhão,
a legenda dispara: “Aqui está o Antonio Carlos Feliz Bueno em companhia de
uma galinha – mas dessas de peninha, gente... vocês, hein!”. Ao retratar um
funcionário da granja segurando uma das aves, destaca: “Não é noiva não,
gente. E aquilo também não é nenhum bouquê (sic!) em suas mãos. […] ele
carrega algo que, mais cedo ou mais tarde, vai acabar na panela de alguém”.
Figura 7 - Legendas usam humor para atrair leitores
Fonte: O Carreteiro, ed. 110, (junho de 1983)
59
Outro grande trunfo que figurou em diversos exemplares dos anos 80
era a publicação da seção “Fretes”. Conforme alertava a revista: “Essa seção
tem como objetivo ajudar a classe a encontrar boas cargas em todo lugar. Mas
as informações, dadas pelos colegas, correm por conta e risco do freguês” (O
Carreteiro, 1981, p. 11). A seção trazia uma série de dicas para cargas
conforme a região do país, informando cidades, safras e quais empresas
estavam com fluxo de material para ser transportado, bem como o valor do
frete. Atualmente, por exemplo, esse tipo de informação é agenciado por
transportadoras, ou, mais recentemente, compartilhado pela internet,
especialmente por meio de aplicativos para conversa instantânea.
Quanto ao aspecto da publicação, todos os exemplares tinham capa e
algumas páginas coloridas, mas a maioria delas era em preto e branco. A
revista trazia todo o mês uma história nova do Zé Carreteiro, com seu aspecto
de início: barba por fazer, camisa aberta, cigarro e copos com bebidas. Na
edição a seguir, Zé da Estrada comemora com seus amigos seus 13 anos, sem
entender direito o motivo da festa. A história “Treze anos sim senhor!” trazia a
seguinte narrativa, valorizando a trajetória da revista:
O Zé tinha acabado de entregar uma carga e estava procurando um lugar para almoçar e encontrar os colegas. - Estou com tamanha fome que comeria um boi inteiro. Quando chegou no (sic!) local que ele costumava frequentar: (onomatopeia de palmas). - Ué! Até parece aniversário! - E é! O sr. vai fazer treze anos! - Eu?! Treze anos! Eu sempre desconfiei que o carreteiro fosse meio biruta, mas assim já é demais! - E tem mais! O Daniel também vai fazer treze anos. E todos nós também vamos fazer treze anos. - Ah! Já sei! Estamos em agosto! E agosto é mês do cachorro louco. E pode ser que agosto também afetou a cabeça de vocês. - Nada disso, Zé! A revista “O Carreteiro” vai fazer treze anos. E todos nós, que nascemos com a revista, também vamos fazer treze anos. Enfim, com as coisas devidamente esclarecidas, nada melhor do que uma bela festa onde cada um pode parabenizar o outro e lembrar dos velhos tempos. E também pra lembrar da revista que acompanhou o carreteiro durante todos estes anos. Que o esclareceu e ajudou nas várias situações. Que levantou problemas junto aos órgãos competentes e as empresas. E se situou como o verdadeiro veículo do caminhoneiro. - E, como tal, vai continuar pela estrada junto com a gente. E ainda estará presente na “Brasil-Transpo” deste ano. - Pois é! Por ter só treze anos até que somos bem crescidos, não é? - Claro! Parece que foi ontem que eu larguei as calças curtas! (O CARRETEIRO, 1982, p. 44-49).
60
Também nos anos 80, foi lançado um concurso para que o leitor
pintasse a história em quadrinhos, concorrendo a prêmio em dinheiro. Diversas
histórias para colorir foram publicadas com este fim durante a década.
Mesmo com espaço para a manifestação das mulheres, chama a
atenção certo tom machista da revista nesta década, ao publicar fotos sensuais
em algumas das suas edições, inclusive em materiais assinados pela revista,
como calendários. As fotos não traziam nudez completa, apenas insinuação
sensual. Além disso, essas insinuações também constavam em algumas peças
publicitárias (ANEXO E), com frequência.
Essa prática foi descartada na década seguinte. À época, o slogan da
revista era: “A revista do homem do transporte rodoviário”, claramente
definindo seu público como estritamente masculino.
A década de 90 trouxe consigo a revolução do uso dos computadores.
Isso alterou completamente a forma como a revista era diagramada. No
entanto, a novidade se revelou por vezes até mesmo exagerada, com forte uso
de recursos gráficos e mistura de fontes. Essa tendência se pode observar até
as edições dos anos 2000. Nestes 20 anos, a ideia de projeto gráfico dá lugar a
constantes mudanças na diagramação, por vezes até comprometendo a
identidade visual da revista. Um exemplo é a capa da edição de outubro de
1993. A imagem foi ampliada, sem, no entanto, ter qualidade suficiente para
isso. O resultado foi uma capa com pixels evidentes (ANEXO F).
Nos anos 90, as reportagens mais elaboradas sobre o dia a dia do
caminhoneiro passam a dar lugar a notícias do mercado dos transportes e
reportagens menores. Mantêm-se o concurso de pintura das histórias do Zé da
Estrada, as seções Posto Zero e Opinião de Mulher, bem como classificados,
os preços dos caminhões que estão no mercado, as histórias das estradas e o
incentivo para a participação do caminhoneiro.
A seção Bate-Coração passa a publicar pessoas interessadas em
buscar relacionamentos. Essa parte da revista foi a responsável, conforme as
edições, por arrumar casamento para diversos motoristas. O espaço de
publicação dos materiais enviados pelo leitor, no entanto, foi reduzido ao longo
61
da década, quando em comparação aos anos 80. Uma novidade é o início da
publicação regular sobre a competição Fórmula Truck, mesmo que não envolva
diretamente o dia a dia do caminhoneiro. As páginas coloridas tiveram ganho
crescente nas publicações, até chegar em edição cem por cento a cores.
Nos anos 2000, as edições passam a ser maiores. Antes, mediam
13,5x19cm. Começam a circular mais altas: 13,5x20,5cm e com capas feitas
em papel de gramatura maior que as capas mais antigas. As edições passam a
ter planejamento gráfico com cara de jornal, ainda indefinido, mas mais
organizado que na década de 90. As publicações de lançamentos de
caminhões começam a tomar o espaço que antes era dedicado para pautas do
dia a dia do caminhoneiro (Figura 8).
Figura 8 - Lançamentos de caminhões e Fórmula Truck ganham capas a partir dos anos 2000
Fonte: O Carreteiro – edições 321 (2001) e 337 (2002)
A partir de 2010, todas as capas das revistas são impressas em papel
brilhoso, e não mais fosco, como na década anterior. Os lançamentos do
mercado tornam-se a principal pauta da publicação. Das seções antigas,
restaram a história do Zé, as cartas dos leitores (cerca de uma página por
edição, com edições de, em média, 115 páginas), os classificados, a Bate-
Coração (absorvida nos classificados) e as tabelas com preços dos caminhões.
62
4. ANÁLISE
Reclamando maior valorização, o caminhoneiro brasileiro ainda se sente
pouco reconhecido na sociedade. A mídia, porta-voz da realidade de todos os
trabalhadores, não foi isenta a esses pedidos: publicações voltadas a tal
público surgiram ou foram embora, mudando junto ao perfil do trabalhador,
conforme visto no capítulo precedente. No entanto, poucas produções ou
publicações alcançaram o grande público, mostrando a realidade do
caminhoneiro para o país. A maioria delas, de interesse exclusivo dos
profissionais, circulou apenas entre eles.
A revista O Carreteiro é um exemplo. Com 45 anos de estrada, como
define em seu slogan, ainda é pouco conhecida na maior parte da sociedade.
As mudanças que teve ao longo do tempo denotam a adaptação a um público
que viu se alterar, também, sua realidade de trabalho. Enquanto que, no início
da circulação da revista os caminhões eram mais pesados e sem maiores
confortos, atualmente as cabines substituem com eficácia a sensação de se
estar em casa, tendo, ao mesmo tempo, eficiência para rodar Brasil afora.
Mesmo com as praticidades tecnológicas que surgiram nos últimos 45
anos, os problemas da vida na estrada se mantiveram praticamente
inalterados. Em busca da valorização do profissional, publicar as dificuldades
do trabalhador é pauta obrigatória, pois mostra à sociedade o que passa um
caminhoneiro em serviço.
A análise de edições da revista pretende mostrar até onde esses
problemas figuraram nas páginas de O Carreteiro. Além disso, pretende-se
mostrar onde o profissional teve voz, onde o conteúdo da revista cumpriu com
o papel de valorizá-lo, e onde falhou em seu objetivo. Para tanto, foram
separadas cinco edições da revista, de cada meio de década: 1975, 1985,
1995, 2005 e 2015.
63
4.1 METODOLOGIA DE ANÁLISE
A investigação consistirá em um estudo de caso de segmentação: a
revista O Carreteiro. Para tanto, será empregada a Análise de Conteúdo (AC),
por meio do método hipotético-dedutivo. Tal estilo de análise é abordado por
diversos autores, como Martin W. Bauer (2002), Wilson Corrêa da Fonseca
Júnior (2005) e Laurence Bardin (1988).
Segundo Bauer (2002), a AC é um método de análise de texto,
desenvolvido dentro das ciências sociais empíricas. O autor destaca que a
atenção está voltada aos tipos, qualidades e distinções no texto, em detrimento
de descrições numéricas. Entre quantidade e qualidade, Bauer define a AC
como uma técnica híbrida.
Para Fonseca Júnior (in BARROS, DUARTE, 2005), a AC se refere a um
método das ciências humanas e sociais para a investigação de fenômenos
simbólicos por meio de várias técnicas de pesquisa. Esse método é empregado
desde o século XVIII, quando a corte suíça analisou minuciosamente uma
coleção de 90 hinos religiosos anônimos. Os cantos de Sião foram investigados
para saber se continham ideias perniciosas (FONSECA JR. apud
KRIPPENDORFF, 2005, p. 280).
Historicamente, a AC teve emprego em diversas situações, contribuindo
para as mais variadas ciências, como psicologia, história e comunicação. Um
período de vasto uso da técnica foi a Segunda Guerra Mundial, quando 25%
das pesquisas com esse método ajudaram o governo norte-americano
monitorar o inimigo. A AC é derivada do positivismo, corrente de pensamento
desenvolvida por Augusto Comte (1798-1857), que valoriza as ciências exatas
como paradigma de cientificidade. No positivismo, até teorias sobre a vida
social deveriam ser formuladas de formas rígida, linear e metódica, sobre uma
base de dados verificáveis (FONSECA JR. apud JOHSON, 2005, p. 281).
A fase de aspecto quantitativo foi superada na década de 1950. A AC
não era mais considerada com alcance descritivo, mas tendo como função ou
objetivo a inferência (FONSECA JR apud BARDIN, 2005, p. 21-22). “Na análise
de conteúdo, a inferência é considerada uma operação lógica determinada a
extrair conhecimentos sobre os aspectos latentes da mensagem analisada”,
64
(FONSECA JR, 2005, p.284). A definição de Krippendorff traz que “a Análise
de Conteúdo é uma técnica de investigação destinada a formular, a partir de
certos dados, inferências reproduzíveis e válidas que podem se aplicar a seu
contexto” (FONSECA JR apud KRIPPENDORFF, 2005, p.29).
É por meio de índices que o analista infere conhecimentos sobre o
emissor ou destinatário da comunicação (FONSECA JR apud BARDIN, 1988,
p. 39-40). Assim como Bauer, Fonseca Júnior (2005, p. 285) considera que
atualmente a Análise de Conteúdo valorize ora o aspecto quantitativo, ora o
qualitativo, de acordo com os interesses do pesquisador.
Diversos autores contribuíram para o desenvolvimento do método de
AC. A proposta da pesquisadora francesa Laurence Bardin (1988) é uma das
mais conhecidas, reproduzida por Fonseca Júnior. Amparado em Bardin, o
autor define como se organiza a Análise de Conteúdo, em três fases: a pré-
análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados obtidos e
interpretação (2005, p. 290).
A primeira etapa consiste no planejamento do trabalho a ser elaborado.
Conforme Fonseca Júnior:
De todas as fases da análise de conteúdo, a pré-análise é considerada uma das mais importantes, por se configurar na própria organização da análise, que serve de alicerce para as fases seguintes. Envolve a escolha de documentos a serem submetidos à análise, a formulação das hipóteses e dos objetivos, bem como a elaboração de indicadores que fundamentem a interpretação final. (FONSECA JR, in BARROS, DUARTE, 2005, p. 290).
Citada por Fonseca Júnior, Bardin (1988) indica como primeira atividade
uma leitura flutuante dos documentos, para conhecer o texto e deixar-se invadir
por impressões e orientações (2005, p.290). Essa leitura levará à escolha do
tema e do referencial teórico, bem como formulará o problema, os objetivos e
hipóteses de pesquisa. Bauer, por sua vez, mostra que a AC emprega uma
amostra aleatória para selecionar seus materiais, o que pode trazer problemas
quanto à representatividade, o tamanho e a unidade selecionada (2002, p.
196).
65
Na fase seguinte se dará a análise, a exploração do material, com o
corpus de estudo, ou seja, os documentos a serem analisados. Segundo
Bardin, essa longa fase é a administração das decisões tomadas na pré-
análise.
A última fase é a pós-análise, a interpretação do material. Nessa fase
são demonstradas as inferências, deduções acerca do tema trabalhado. “A
intenção da Análise de Conteúdo é a inferência de conhecimentos relativos às
condições de produção”, alega Bardin (1988, p.38). Segundo Fonseca Júnior,
este é o momento mais fértil da análise de conteúdo. Existem dois tipos de
inferências, ainda conforme o autor: as específicas, vinculadas à situação do
problema investigado, e as gerais, quando extrapolam esse limite (2005,
p.299).
Com base em tais teorias, a monografia pretende realizar um estudo
hipotético-dedutivo, de cunho qualitativo. Na pré-análise, consta a escolha de
revista O Carreteiro como objeto de estudo, bem como a composição dos
objetivos da pesquisa e das hipóteses relativas à questão norteadora.
A análise abrangerá a constituição do corpus e a exploração do material.
Nesta fase, serão dissecadas, quanto a diversos aspectos, cinco edições
selecionadas da revista, por meio de transcrições, cópias de páginas,
reprodução de fotografias, etc.
A pós-análise será formada com as inferências, deduções que surgirem
a partir da análise do material. Nesta fase, cabe uma interpretação parcial
acerca do que foi estudado no referencial teórico, em relação ao que foi
percebido no conteúdo da revista. As quatro hipóteses levantadas na pré-
análise serão, por fim, testadas, a fim de responder a questão norteadora e
atingir os objetivos da pesquisa.
4.2 DELIMITAÇÃO DO MATERIAL
Seguindo os princípios da pré-análise, explicados no item anterior, foi
feita a escolha dos documentos, formulação de hipóteses e objetivos de
pesquisa. Após a definição do título O Carreteiro, foi preciso apontar edições
específicas para serem submetidas à análise. Uma vez que o tema versa sobre
66
a trajetória de 45 anos da publicação, definiu-se a escolha de cinco edições:
uma de cada década da revista. Foram escolhidos os anos de final cinco, ou
seja, a metade de cada década.
A escolha do exemplar de cada um dos cinco anos foi feita
aleatoriamente. Sendo assim, o material selecionado engloba os seguintes
exemplares: outubro/novembro de 1975 (edição bimestral), março de 1985,
setembro de 1995, fevereiro de 2005 e outubro de 2015. Serão consideradas
as edições como um todo, com foco em matérias que retratem ou não a
realidade do caminhoneiro e em espaços para participação do leitor. Peças
publicitárias que atenderem a essa premissa também serão válidas. Além
disso, serão analisadas as histórias do Zé da Estrada, publicadas a cada
edição.
Para proceder a esta análise, alguns critérios foram elencados. O
primeiro deles é considerar a capa da edição estudada. Após, será voltado o
olhar ao texto do conteúdo analisado, bem como ao título empregado. Por fim,
serão consideradas as fotografias, ilustrações e infográficos que figurarem no
material sob pesquisa, como agentes acessórios à análise. O mais importante
para o trabalho são os conteúdos e textos que valorizarem o caminhoneiro,
conforme a questão que o norteia: “Como a revista O Carreteiro valoriza o
caminhoneiro ao longo dos seus 45 anos?”.
Num primeiro momento, podem-se considerar algumas hipóteses para
responder a pergunta. A primeira delas é a de que a revista valoriza o
caminhoneiro com sua linha editorial. A segunda hipótese é de que ela seria a
porta-voz do caminhoneiro brasileiro. Na terceira hipótese, considera-se que a
revista traria mudanças na sua forma de divulgar o caminhoneiro durante as
cinco décadas. A última hipótese aponta que a revista teria se tornado
superficial nas suas abordagens, ao longo do tempo.
O objetivo geral da pesquisa é investigar como a revista exerce
jornalismo segmentado ao longo da sua história. Dentre os objetivos
específicos, está analisar o perfil do jornalismo de revista, como mostrado no
capítulo dois, averiguando como surgiu e qual é o papel da segmentação. Além
disso, pretende-se identificar como a revista O Carreteiro valorizou o
67
profissional e como acompanhou as mudanças no setor. Por fim, ainda faz
parte dos objetivos específicos a meta de inserir a pauta dos motoristas de
caminhão no âmbito universitário.
4.3 PRIMEIRA REVISTA: OUTUBRO/NOVEMBRO DE 1975
A edição de número 32, de outubro/novembro de 1975, trouxe 52
páginas editadas pela editora Abril. A publicação, no quinto ano da revista O
Carreteiro, teve J. Lima Santanna Filho e Luiz Bartolomeu Jr. como redatores-
chefes. São quatro os destaques da edição: uma grande reportagem sobre a
criação das primeiras cooperativas de caminhoneiros, protetoras da classe;
uma entrevista com o cantor Waldick Soriano; a série “Caminhão não é
armazém”, que mostra condições ruins de trabalho dos caminhoneiros e a
história do Zé da Estrada, sobre novas placas de sinalização.
A capa tem fundo verde escuro, com o nome “O Carreteiro” em letras
amarelas. As três chamadas principais estão dispostas em quadros marrons,
com imagens e título. A primeira chamada é “Uma nova força para as
cooperativas de autônomos”; a segunda é “Waldick Soriano: caminhoneiro não
é cachorro não” e “Zé e as novas placas de sinalização”. Abaixo, ao fim da
capa, figura sem quadros a chamada “Caminhão não é armazém IV”. A
inscrição “Distribuição gratuita para motoristas de caminhão” fecha o layout de
capa.
68
Figura 9 – Capa da edição de outubro/novembro de 1975
Fonte: O Carreteiro, ed. 32, 1975
O espaço “Posto Zero”, apresentado no capítulo anterior, abre a revista,
na página 6, com as reclamações enviadas pelos caminhoneiros. A existência
e a permanência deste espaço nas edições posteriores, como será visto, indica
a importância de manter o diálogo com o leitor, conforme explicado por Scalzo
no capítulo dois. Por trazer assuntos pertinentes ao cotidiano do trabalhador da
estrada, a seção reforça a ideia da hipótese que sugere que a revista seria a
porta-voz dos caminhoneiros.
No alto das páginas, a contar da sexta, a revista coloca mensagens com
dicas para o carreteiro, destacadas com um retângulo azul. A primeira dica é
simples e direta: “Precaução e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”. A
carta em destaque tem como título “Caminhão parado”, e foi enviada por um
motorista identificado como José A. Bispo. Na reclamação, consta:
Precisando trocar minha carteira de habilitação, procurei o Detran, munido dos exames exigidos, e dei entrada no setor competente. Então, o funcionário que me atendeu disse: “passe daqui a oito dias para retirar a carteira nova”. Eu lhe pedi que me desse a habilitação velha, para que eu pudesse dirigir durante esse prazo. Ele respondeu: “nem a carteira, nem a autorização”. Resultado, tive que
69
encostar o caminhão. E as minhas despesas, quem é que vai arcar com elas? (O CARRETEIRO, 1975, p. 6).
A seção é diagramada em cores e em quatro colunas. Um detalhe que
chama a atenção é a colocação de uma pequena placa “Pare” para indicar o
término da editoria, ou placa com seta para indicar a continuidade do texto.
Conforme lembrado por Nelson Lage no capítulo dois, a linguagem jornalística
não se restringe ao idioma: as várias peças que compõem uma página são
informação.
Figura 10 – Seção Posto Zero, nas páginas 6 e 7
Fonte: O Carreteiro, ed. 32, 1975
Na página 8, a seção Posto Zero dá lugar à “Bate-papo”, onde a revista
comenta o material enviado pelo caminhoneiro. O destaque para o texto surge
no título “Leia este aviso”, escrito em vermelho. Nele, o caminhoneiro
apresenta suas considerações a respeito do baixo preço do frete, comparando-
o com a arrecadação das empresas que agenciam cargas:
70
Se fosse responder-lhe todos os problemas do caminhoneiro (principalmente os T.A20) precisaria de mais trinta folhas. Mas, o maior galho – não estou apelando, estou implorando – é para vocês decidirem de uma vez a questão do frete. Se eu contasse uma história vocês não acreditariam, então estou mandando uma cópia em xerox com provas concretas dessa calamidade que até agora nossas autoridades não tomaram providência alguma. […] Desses Cr$ 420,00 temos que tirar: Cr$ 30,00 para o agenciador, Cr$ 12,60 para o Imposto de Renda, óleo diesel, desgaste (difícil de calcular) e tudo o mais. Ah! Ia me esquecendo dos lanches na estrada: mais Cr$ 8,00 por um churrasco. Que situação, heim (sic!) Xará? Olhando no xerox, na parte superior, está o meu recibo e na parte inferior o da transportadora e seus lucros (1/3 meu e 2/3 da transportadora). […] Peço-lhes para não publicar nomes nem iniciais, pois em poucos dias eu estaria na lista negra das transportadoras. (O CARRETEIRO, 1975, p. 8).
Diante desta mensagem, a revista respondeu:
Publicamos a carta na seção de Bate-Papo, porque queremos dar um aviso ao caminhoneiro que escreveu a carta, que vale prá (sic!) todos. Precisamos, sempre, dos originais do Manifesto e do Conhecimento, ou então de uma cópia autenticada em cartório. Nesse caso, o caminhoneiro mandou a cópia, mas sem autenticação. Então pedimos a ele que mande o original ou uma outra cópia autenticada. (O CARRETEIRO, 1975, p.8).
Ainda sobre o recado enviado pelo caminhoneiro, que ocupou toda a
página 8, a revista ilustrou com um desenho do Zé da Estrada irritado com a
situação.
Figura 11 – Zé ilustra reclamação na página 8
Fonte: O Carreteiro, ed. 32, 1975
20 T.A, neste contexto, significa os caminhoneiros do “Transporte Autônomo”, principal foco da revista.
71
A página traz ainda mais um recado para o caminhoneiro, em retângulo
azul: “Extintor não é enfeite, deve estar sempre carregado”. Na página 9, a
frase em destaque é “Extintor de gás pede recarga quando perde 20% do
peso”.
A principal matéria desta edição da revista, “Governo quer ajudar
cooperativas”, vem a seguir. Em 10 páginas, O Carreteiro explica e comemora
a decisão do governo federal de apoiar a criação de cooperativas de
caminhoneiros. A reportagem mostra que o país vai precisar de muitos
caminhões até o ano de 1980, por conta do aumento na produção de produtos
químicos; de ferro e aço, por conta do Plano Siderúrgico Nacional e das safras
de trigo e soja, no Sul do Brasil. Entretanto, segundo a revista, este aumento
na demanda não estaria condizente com a venda de caminhões, que passava
por dificuldades.
Essa conta que não fechava virou preocupação do Ministério do
Planejamento, que teria se mostrado interessado em estimular o surgimento
das cooperativas. “Por isso, a revista O Carreteiro foi até Brasília, conversar
com os assessores do Ministério do Planejamento e viajou pelo sul para fazer
um balanço da situação das cooperativas e seus problemas” (p. 10).
Conforme a matéria, o Instituto de Planejamento Econômico e Social
(IPEA) listou os três grandes planos que demandariam aumento grande na
frota de transporte rodoviário: o Complexo Industrial de Aratu (com produção
de químicos); os corredores de exportação (escoamento da safra de soja, que
leva a maioria dos caminhões para o Sul, deixando o restante do país sem
transporte) e o Plano siderúrgico nacional (que deveria passar a produção de
aço e ferro de seis milhões para 25 milhões de toneladas por ano). Segundo a
reportagem, a revista O Carreteiro foi convidada a dar sua opinião sobre o
problema. A publicação, então, elencou seis itens com suas considerações
sobre a questão.
Nas suas colocações, O Carreteiro defendeu que a manutenção de frota
própria não é interessante para empresas transportadoras. Atentou para a
questão da safra, alegando que os caminhoneiros podem deixar o ferro e o aço
sem escoamento, o que forçaria as usinas a elevarem o valor do frete. Caso
72
conseguissem reter o motorista com esse aumento, a safra é que teria o
escoamento prejudicado.
Outro apontamento é pedir que o governo faça cumprir o “verdadeiro
espírito cooperativista”, para que as cooperativas de produção deem suas
cargas às cooperativas de transporte. Solicitou, ainda, que o caminhoneiro
tenha maior prazo de financiamento para compra de caminhão novo, que, à
época, estava na casa dos 36 meses. Os itens três e quatro são os que mais
demonstram valorização ao caminhoneiro:
3 - Sabe-se também que o caminhoneiro raras vezes consegue receber, das empresas para as quais trabalha, um frete justo, sendo por elas explorado. Em geral, o caminhoneiro recebe, no máximo, 40% do frete que a transportadora fatura. Isso não dá para ele pagar todas as suas despesas e ter um pequeno lucro. Nem dá para pensar em guardar alguma coisa para comprar outro caminhão, quando o atual estiver velho e sem condições de trafegar. 4 – Por isso, é importante valorizar o autônomo, concedendo-lhe fretes justos, um tratamento mais humano, estímulo para a formação de suas cooperativas de carga, etc. Isso para que esse homem possa trabalhar com gosto pelo que faz, produzindo melhor serviço. (O CARRETEIRO, 1975, p. 11-12).
Depois de fazer suas considerações sobre o problema, a revista
pesquisou como está o andamento da criação de cooperativas de
caminhoneiros no Sul do Brasil. A publicação menciona o nome da cooperativa,
quantos associados tem, como fazer para participar e as dificuldades
enfrentadas pelo grupo. O primeiro exemplo é da Cotracarga, de Ijuí, presidida
por Alberto Feistel, popular “Patrola”:
Para crescer muito mais, a Cotracarga tem de resolver um problema que, aliás, é o mesmo da Coopersul, de Passo Fundo. Trata-se da falta de carga na entressafra da soja. Nessa época acontece a safra do trigo, mas o Cetrin (órgão do Banco do Brasil que controla o escoamento do trigo) não quer dar o transporte para a Cotracarga. Mas, como diz o próprio Patrola: quem é que leva as sementes e os fertilizantes para o agricultor? Não é o caminhoneiro? Por que ele não pode escoar a safra? Entrelaçando a safra da soja com a do trigo, a Cotracarga vai largar uma banguela e não pára mais. (O CARRETEIRO, 1975, p.14).
O uso de termos do cotidiano do caminhoneiro, como “largar uma
banguela”, torna a publicação próxima do leitor, objetivo das revistas
segmentadas, conforme menciona Vilas Boas no referencial teórico, no capítulo
73
dois. Segundo o autor, o estilo de linguagem é definido pelo público que se
quer atingir. Outro exemplo segue no parágrafo seguinte: “Hoje a cooperativa já
está oferecendo aos seus associados muitos outros serviços, entre eles um
convênio médico-dentário com a firma Unimed”. A referência à empresa é feita
pelo termo popular “firma”.
Quanto à valorização do caminhoneiro, a revista sempre foi defensora
da criação de cooperativas de motorista, o que reforça a hipótese de que a
publicação reconhece o profissional em sua linha editorial. Segundo a matéria,
a criação da Cotracarga surgiu a partir de uma briga entre três empresas para
definir o valor do frete que seria pago pelo escoamento do trigo.
Aí os caminhoneiros se revoltaram, pois é lógico que esse leilão de frete ia estourar nas suas costas. Cansados de ver os outros decidirem sobre seus interesses (a maioria das vezes agindo contra eles) os caminhoneiros decidiram formar sua própria empresa, que é a cooperativa. (O CARRETEIRO, 1975, p.14-15).
A matéria relata o andamento de outras 10 cooperativas pelo país, no
Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina. As ilustrações utilizadas
trazem o personagem Zé da Estrada comemorando com amigos o apoio do
governo às cooperativas. As fotografias registram as cooperativas já existentes
ou trazem bonecos dos presidentes das entidades. Todas as utilizadas nas
matérias são em preto e branco, no tamanho da coluna diagramada, para
aproveitamento de espaço.
Figura 12 - Fotografias utilizadas para ilustrar reportagem - Páginas 14, 15 e 18
Fonte: O Carreteiro, ed. 32, 1975
74
A próxima reportagem da edição apresenta o cantor Waldick Soriano,
enfatizando que ele também foi carreteiro. A matéria “Waldick também foi
caminhoneiro” aborda com linguagem simples aspectos da vida do artista,
sempre relacionando-a à época de caminhoneiro. O estilo utilizado remete ao
jornalismo literário, por ilustrar o momento da entrevista como se fosse uma
história. Este fator se encaixa com o ensinado por Vilas Boas no capítulo dois,
quando o autor defende que, no estilo magazine, há conciliação entre técnicas
jornalísticas e literárias.
“Waldick Soriano é outro cantor milionário que enfrentou o volante nos
tempos das vacas magras. […] ele trabalhou sete anos como caminhoneiro,
dirigindo um “canela seca” e só deixou a profissão por causa das farras”,
registra o primeiro parágrafo (p. 28), com vocabulário próprio dos
caminhoneiros. A narrativa começa no parágrafo seguinte:
São duas horas de uma tarde sem sol na Ilha do Governador (RJ). Waldick Soriano acabou de se levantar. O fígado não o deixou dormir à noite. Muita pinga e pimenta no dia anterior, na Bahia. Ele faz esforço, relembra os anos de estrada, enquanto toma uma Pitú pernambucana legítima. Para muita gente ele é o “Frank Sinatra” brasileiro, agora também é o “Rei do Forró” em São Paulo. (O CARRETEIRO, 1975, p. 28-30).
A entrevista valoriza o relato que o cantor milionário faz do seu tempo na
boleia:
Carregava qualquer coisa: algodão, candango, bode, galinha e pedra, da Bahia para Montes Claros e Espinosa, em Minas. Galinha era fogo, morriam muitas com o calor. Em todo o rio que eu passava pegava um balda d’água para jogar nelas. Nunca sofri desastre. As estradas eram estreitas mas sem movimento. Quando vinha outro carro, entrava no mato para dar passagem. Sofri muito em atoleiro. Uma ocasião fiquei quinze dias atolado em Mato Veado, uma fazenda da Bahia. Era um negócio! Mas atolar era divertido. Juntava a turma pra ajudar os outros, senão ninguém podia passar. […] dormi na rede debaixo da carroçaria e não me separava de uma bandalisa (peixeira, facão) de 18 polegadas e um trabuco 38. Nunca fui assaltado, mas andava prevenido. (O CARRETEIRO, 1975, p. 28-30).
O jornalista conduz a reportagem narrando o comportamento de Waldick
durante a fala.
75
Outra Pitú no copo, enquanto a eletrola toca alto “Paixão de um homem”, na varanda do seu amplo e confortável sobrado, à beira da piscina […]. Waldick grita em inglês: “my boy, come here!” (meu garoto venha aqui) e vem o cachorro preferido estendendo a pata. É o crioulo, um vira-lata preto. “Deus te abençoe”, e beija o cachorro. […]. De calção vermelho, sandália havaiana, fumando cigarro de palha, ele vai falando devagar, como quem conseguiu o que mais desejava na vida: ser artista famoso e popular no país inteiro. (O CARRETEIRO, 1975, p. 29).
Depois de contar que sente saudades da estrada, mas que hoje sua vida
é muito melhor, a reportagem finaliza com uma fala do entrevistado: “Se for
preciso voltar a ser caminhoneiro, eu volto sem problema. Só acho que deviam
fundar mais sindicatos de carreteiros, pra proteger mais a classe” (1975, p.30).
Quanto às imagens, a revista traz três fotografias de Waldick em preto e
branco (ANEXO G), além de um desenho do personagem Zé da Estrada. Na
ilustração, Zé está com o caminhão parado em um porto, sentado junto à
carreta, pensando “Eu não sou cachorro não”, em alusão a uma canção de
Waldick e às condições dos caminhoneiros que precisam esperar carga ou
descarga em portos.
Figura 13 – Zé ilustra reportagem – Página 29
Fonte: O Carreteiro, ed. 32, 1975
76
A diagramação segue o padrão imposto para toda a revista, com duas
colunas por página. Nesta reportagem, porém, uma das fotos ocupa uma
coluna e a outra é maior, sendo mostrada em duas colunas. Também aqui são
exploradas frases com dicas para o caminhoneiro no alto da página.
A próxima reportagem integra a série “Caminhão não é armazém”, que
mostra as dificuldades dos caminhoneiros no exercício da profissão. Nesta
edição, a matéria se chama “IV – Caminhão não é armazém – nem silo”. O
texto relata os problemas existentes nas filas dos portos: comida a preço alto,
medo de assaltos e demora para a solução do problema.
- É muito triste ver o caminhoneiro entrar em uma fila para conseguir um prato de comida que normalmente custa Cr$ 12,00 e ter de pagar por ele Cr$ 25,00. O comentário é do presidente Paulo Quaresma, do Sincaver de Rio Grande, RS, onde está localizado o super-porto de Rio Grande. A situação do super-porto é super-triste. É comum, mesmo no fim da safra, encontrar mais de quatrocentos caminhões esperando a sua vez de descarregar, enquanto os silos do porto estão abarrotados e o navio não aparece. Mas o pior de tudo é o nervosismo que abate o motorista. Não dá para sair de perto do caminhão por causa da possibilidade muito comum de roubo, já que policiamento na zona do super-porto é manga de colete. […] Houve casos de ladrões que roubaram todas as rodas do caminhão. Levantaram o caminhão no macaco, colocaram tocos e pedras embaixo e depois levaram as rodas. Além disso, o motorista não pode sair de perto do caminhão porque a fila pode andar e ele precisa andar com a fila, senão perde o lugar. Por maior que seja o coleguismo, o motorista de trás não pode ficar esperando o da frente voltar. Trata-se de uma questão de sobrevivência. (O CARRETEIRO, 1975, p.32).
A linguagem continua simples, fazendo referências populares como
“manga de colete” quanto à segurança que os motoristas dispõem nos portos.
A matéria relata que, em dias críticos, até 600 caminhões ficam parados no
porto, aguardando sua vez de carregar ou descarregar. Não são pagas diárias
para o motorista que permanece, segundo a reportagem, até cinco dias
parados. Em tentativa frustrada de pedir a diária na justiça, a revista menciona
que o motorista continuou “a ver navios”. “Enquanto alguém não faz alguma
coisa, o caminhoneiro vai se sujeitando […], tendo ainda que ficar em fila para
conseguir a comida, sem condições de higiene, de repouso e tranquilidade”
(p.33), relata o texto.
77
A matéria é ilustrada por uma figura do personagem Zé Carreteiro, em
conversa com seu amigo Daniel. Zé diz “Será que nós, autônomos, não vamos
ser prejudicados?”. Daniel responde: “Não tem perigo. O governo está bem
intencionado”. Ambos estão em um porto. Ainda relativa à reportagem, uma
ilustração ocupa toda a página 34, ironizando a demora nas filas dos portos:
Figura 14 – Desenho ironiza filas – Página 34
Fonte: O Carreteiro, ed. 32, 1975
Um terceiro desenho também se refere à reportagem, ocupando toda a
página 37. No diálogo, um caminhoneiro pergunta “O colega está na fila de
exportação vazio?”. Ao que o outro responde: “É que eu transportava cachaça
de exportação. E, pelo jeito que a fila vai, sabe como é. Um pouco por dia e lá
se foi todinha” (ANEXO H).
Na página 36, antes do desenho acima, a revista publicou uma nota
fiscal, enviada por um caminhoneiro, com a cobrança de Cr$ 10,00 pela
78
calibragem de um pneu. A revista fez questão de publicar o nome do posto
onde tal cobrança ocorreu, considerando-a indevida. Conforme a publicação, a
intenção não é fazer com que o posto perca clientela, mas chamar a atenção
dos postos para lembrar a importância que os caminhoneiros têm em seu
faturamento, enfatizando que o motorista precisa ser bem tratado. Se a
cobrança fosse aplicada a todos os pneus, o caminhoneiro precisaria
desembolsar Cr$ 180,00. “Não está caro demais?”, questiona a revista.
As páginas 38 e 39 abordam o horóscopo, com dicas e linguajar
voltados ao caminhoneiro, relacionando previsões com partes de caminhão
e fatos do dia a dia da profissão. Um exemplo é o signo de Leão, com
as inscrições: “A bomba injetora do seu peito está envenenada. Contenha
os ímpetos do seu coração. Bomba envenenada provoca desgaste
excessivo, até na alma”, p. 39. Já o signo de Touro, por exemplo, tem as
seguintes colocações: “Curvas bem à frente, com cabelos morenos. Mas
não vá largar em banguela que é perigoso. Engate uma reduzida, com
prudência para ganhar a parada”, p. 38.
Os desenhos do horóscopo são coloridos: cada período é retratado
com um caminhão personalizado de acordo com o signo. A página obedece
ao projeto gráfico, com título à esquerda, em letras maiúsculas, e distribuição
dos signos com um quadro para figura e outro para escrita, em três colunas
(ANEXO I).
A história do Zé da Estrada finaliza a edição da revista. O título
da historinha é “A placa não é mais aquela…”, em referência a uma
mudança nas placas de sinalização. “Existem algumas placas novas nas
estradas, tem também placa antiga que foi modificada…”, alerta o primeiro
quadro, que mostra Zé em dúvida ao observar uma das placas. Os desenhos
são amplamente coloridos, com cores vivas e vibrantes. A história retrata, em
31 quadrinhos, o pedido de ajuda que Zé faz ao inspetor João, que passa a
explicar, quadro a quadro, o significado das novas placas.
79
Figura 15 – Zé está confuso com mudança nas placas
Fonte: O Carreteiro, ed. 32, 1975
Este é um bom exemplo do propósito da criação do Zé da Estrada:
ser um personagem didático para o caminhoneiro, ao informar-lhe quanto às
diferenças nas sinalizações. Observa-se também que a história retrata Zé
com barba por fazer e cigarro na boca, com camisa amarrada e um pedaço
de barriga para fora, criando assim um estereótipo do caminhoneiro a quem
se dirigia.
Um dos aspectos mais interessantes desta história é a habilidade do
ilustrador, Michele Iacocca, em retratar as placas de formas diferentes.
Para não deixar a história enfadonha, o ilustrador recorreu a inúmeros
recursos para apresentar os símbolos com clareza e explicá-los, sem ser
repetitivo ao longo dos quadrinhos. Um dos exemplos está na página 42,
quando o inspetor explica a placa que está refletida nas lentes dos seus
80
óculos. No quadrinho seguinte, é retratado um “acidente” fictício, para
mostrar a importância da placa de parada obrigatória à frente.
No decorrer da história, Iacocca lança diálogos bem humorados entre
os dois, a exemplo da explicação da placa sobre “Crianças”. “Pois eu pensei
que fosse campo de futebol adiante! ”, retruca Zé ao inspetor.
Figura 16 - Formas criativas para abordagens das placas
Fonte: O Carreteiro, ed. 32, 1975
A história termina com uma piada que provavelmente não seria bem
aceita caso fosse publicada hoje. Ao observar a placa “animais selvagens”,
Zé dispara: “Ué! Mas tem placara até prá (sic!) eles?”. O inspetor responde:
“Não é isso, Zé! A placa indica “animais selvagens””. Zé finaliza: “Mas
tinham de escolher logo um veadinho?”.
Antes de finalizar a edição, a página ainda convoca o caminhoneiro
para participar de uma pesquisa, enviando por escrito quais problemas
enfrenta. Sob o título “Quais são os problemas do caminhoneiro”, a edição
traz um questionário para que seja respondido e enviado à redação.
81
A pesquisa é feita pela empresa Euler – Engenharia Consultoria S.A,
contratada pelo DNER – Departamento Nacional de Estradas e Rodagem.
“Você pode escrever nessa cartinha todas as sugestões para a
regulamentação. Aproveite para reclamar de tudo que você acha errado na
profissão: más empresas, cheque coruja, frete, etc.”, estimula o texto antes
das perguntas com linhas em branco para respostas. O selo já está pago:
basta o caminhoneiro responder e colocar no correio.
4.4 SEGUNDA REVISTA: MARÇO DE 1985
A edição de número 131, de março de 1985, é a segunda a ser
analisada. A revista está em seu décimo quinto ano de publicação, já editada
pela GG Editora. O exemplar de 66 páginas circulou num momento especial
da vida política brasileira: o fim da ditadura, que vigorava desde 1964. O
período da Nova República surge com a eleição de Tancredo Neves, em 15
de janeiro. Ele não chegou a assumir, padecendo por conta de infecção
hospitalar em 21 de abril. Antes disso, em 15 de março, a faixa presidencial
foi entregue a José Sarney, vice de Tancredo, dando início a um novo
período na história brasileira.
A edição circulou em março, quando, conforme os planos, Tancredo
estava eleito e prestes a assumir, no dia 15. São destaques: uma matéria
com o que os caminhoneiros esperam do novo governo; uma reportagem
sobre o trabalho executado pela Polícia Rodoviária Federal e uma terceira
sobre o terminal Fernão Dias. A história do Zé da Estrada, ainda chamado de
Zé Sujinho à época, integra o concurso cultural “Pinte a história do Zé”, e
também traz como assunto a Nova República.
82
Figura 17 - Capa da edição 131 – março de 1985
Fonte: O Carreteiro, ed. 131, 1985
A capa é em desenho, tendo como figura central uma caricatura de
Tancredo Neves, rodeada por sete braços carregando caminhões em
miniatura. A posição é como se estivessem oferecendo os veículos ao
presidente eleito. A manchete “Presidente: queremos trabalhar e ajudar com
nossos caminhões!” está registrada. Abaixo do letreiro O Carreteiro, em preto,
está a frase: “Quinze anos a revista do homem do transporte rodoviário”. Ainda
coube, ao final da página, um quadrado pequeno com a fotografia de um quepe
da polícia e a chamada “Como atua a polícia rodoviária”.
Ao contrário da edição de 1975, esta revista possui editorial, sob o título
“Nossa palavra”. O texto, na página 5, expõe o pensamento da revista quanto à
situação política do país, considerando que o trabalho “sério, firme, constante e
consciente” é a única forma de recuperar o tempo perdido na ditadura.
Conversando, perguntando, sondando os caminhoneiros, a nossa reportagem queria muito mais saber do hoje e dos planos para o amanhã, na hora e que um novo governo assume o comando dos
83
destinos do Brasil. É importante conhecer o que vimos e ouvimos nos contatos mais recentes com os homens das estradas. Há esperança, sem euforia; há confiança, sem cegueira; há tranquilidade, sem passividade; há receio sem medo. Acima de tudo, há certeza sobre o valor de poder trabalhar para a garantia de sua família, de si mesmo e seu país. […] Devemos esperar muito mais de nós mesmos, de nossos próprios esforços, do que do governo. Quando empresários poderosos e trabalhadores modestos dizem a mesma coisa – ainda que com palavras distintas – sobre o que fazer em seu setor, podemos ter esperanças. (O CARRETEIRO, 1985, p.5)
O editorial comenta ainda que a consciência dos problemas da sua
classe fica nítida nas observações, comentários e solicitações dos
caminhoneiros, colhidos pela revista. O texto retrata que o discurso do
carreteiro abordado na rua tem identidade com um trabalho minucioso de
entidades, encaminhado ao presidente da República, com subsídios para a
criação de uma política nacional de transporte de bens.
A primeira reportagem da revista é justamente sobre a nova
configuração política do Brasil. A matéria "Clima de confiança e de esperança
no novo governo" mostra as opiniões de caminhoneiros sobre o assunto,
demonstrando a importância que a revista confere aos pensamentos de seu
público. O texto começa em estilo literário, valorizando, desde o princípio, a fala
de um caminhoneiro do interior do Ceará:
Zé Raimundo é lá do vale do Cariri e enfrentou a seca do Nordeste transportando no seu velho Ford o que ele chama de gado humano: os trabalhadores para as frentes de trabalho da Sudene. Em Barbalha, no Ceará, ele já trabalhou com sandálias de couro e das boas, diz. Estava chegando de Patos, na Paraíba, depois de puxar carga para São Paulo, a primeira longa viagem nos últimos dois anos. Viu o grupo de caminhoneiros falando com a reportagem. Logo deu sua opinião: "Ora, o que o caminhoneiro espera do Presidente Tancredo Neves? Não é muito não, moço: melhorar estas estradas que tão pipocando pra todo lado; vê se não deixa o preço do diesel continuar indo prás (sic!) nuvens e arranjar um jeitinho de fazer com a gente o que fizeram com os colegas dos taxis (sic!) facilitando nossa ferramenta de trabalho, que é o caminhão. O resto, a gente já sabe que ele veio prá (sic!) isso: acabar com a pouca vergonha e deixar a gente trabalhar acabando com os assaltantes e ladrões." (O CARRETEIRO, 1985, p. 6)
Pode-se notar a relevância dada à palavra do cearense Zé Raimundo,
por abrir a reportagem, bem como ao seu comportamento, utilizado para tecer
o texto. Isso reforça a primeira hipótese, de que a revista valoriza o profissional
84
em sua linha editorial. O nordestino volta a ser mencionado na página seguinte:
"Em enquete que realizamos para saber como os carreteiros viam a mudança
de governo, a opinião do nordestino Zé Raimundo poderia sintetizar os pontos
mais importantes dos imensos problemas do transporte rodoviário de carga",
considera a revista (1985, p. 7).
São elencados como os três principais problemas enfrentados pelo
caminhoneiro: a deterioração da malha rodoviária, o alto preço do combustível
e a dificuldade de renovação da frota de caminhões. No decorrer do texto, a
revista ainda explica o desenho de capa, feito pelo seu ilustrador, Michele
Iaccoca.
Altamente positivo é o clima de confiança e de esperança no novo governo. É como se o Brasil (veja nossa capa, feita pelo Michele) estivesse passando de milhões de mãos aflitas ás (sic!) mãos firmes e equilibradas de quem vai segurá-lo, com o apoio e o desejo de ir pra frente de todo o povo, representado por todos os caminhões e seus caminhoneiros pedindo apenas para que lhes deixem trabalhar. As opiniões, os desabafos, as respostas simples e diretas são também a manifestação de que o trabalho duro constitue (sic!) a contribuição decisiva dos caminhoneiros para ajudar o novo governo a superar os problemas e vencer obstáculos. (O CARRETEIRO, 1985, p. 7)
A reportagem termina com um grande quadro, ocupando duas páginas,
sob o título "Um programa daqueles que conhecem como é trabalhar nas
estradas". Abaixo da página, dentro de dois quadros, as frases "Ministro é bom
se conhece o que faz" e "Queremos que nos deixem trabalhar". No quadro
principal, constam 12 pontos de um "programa de realizações básicas" para os
caminhoneiros. Nestes itens, dentre outros aspectos, constam: estimular o
caminhoneiro autônomo; consertar estradas; facilitar recebimento e entrega de
cargas; descomplicar leis "difíceis de entender"; promover a compra e uso do
caminhão; garantir segurança e promover sistema de amparo à família do
caminhoneiro vítima de violência.
A próxima grande reportagem ocupa seis páginas e trata do
relacionamento do caminhoneiro com a polícia rodoviária. Conforme a revista,
muitas são as reclamações dos carreteiros acerca do comportamento dos
policiais, que frequentemente tentam extorquir valores dos motoristas. A revista
85
ressalta, ao longo da matéria, que existe uma minoria desonesta, mas que a
maior parte da corporação trabalha de forma séria. Identifica, ainda, formas de
o caminhoneiro ajudar a combater a corrupção na polícia, anotando nomes de
uniformes e placas de viaturas para fazer denúncias.
Sob o título "Polícia Rodoviária pede: Caminhoneiro: olhe o nome das
"ovelhas negras" e comunique", a matéria começa novamente com composição
literária, descrevendo uma situação irregular de trânsito, à qual os policiais
precisam estar sempre atentos:
Firme, mas lentamente a pesada carreta, puxada pelo possante turbo da Scania vai vencendo a serra. É uma reta em subida de cerca de 700 metros, terminando em curva à direita, quase na entrada de Bragança Paulista [...]. O intenso calor do verão faz padecer o caminhoneiro, que abre a porta da cabine do bruto e procura ar fresco. Pelo espelho retrovisor o motorista vê a longa fila, que a marcha lenta do seu veículo carregando 18 toneladas, ajudou a fazer atrás de si no trecho onde a linha amarela contínua e vários avisos indicam que é proibido ultrapassar. [...] Subitamente, aproveitando uma brecha livre na pista de descida, um ônibus sai de trás da carreta, à sua esquerda e, quase ao mesmo tempo, um caminhão mais leve faz o mesmo atrás do ônibus. A manobra é perigosa, mas Deus ajuda e da curva em cima surge somente outra carreta, que se aguenta nos freios e permite que se complete a ultrapassagem proibida. (O CARRETEIRO, 1985, p. 12).
No texto, a revista justifica a matéria com as dezenas de cartas que
chegam à redação acusando os patrulheiros de desonestidade, o que
corrobora com a hipótese de a revista ser porta-voz do caminhoneiro, não
apenas nos espaços de publicação de cartas do leitor. Em seguida, descreve o
trabalho realizado pelos jornalistas para compor a matéria da edição corrente:
Nossos repórteres cruzaram as estradas de São Paulo, Minas Gerais e Estado do Rio de Janeiro, federais e estaduais, há apenas três semanas, em pleno calor e sob temporais destruidores de estradas e complicadores da vida já difícil de nossos caminhoneiros. E pôde concluir que, em sua grande maioria, os policiais tem (sic!) precárias condições de trabalho, são muito mal remunerados, têm responsabilidades muito acima dos meios de que dispõem para cumprí-las (sic!) e são muito melhores, muito mais eficiêntes (sic!) e muito mais dedicados, decentes e honestos do que algumas pessoas imaginam. (O CARRETEIRO, 1985, p.12).
Na sequência, o texto descreve o diálogo de um repórter da revista com
um inspetor do Rio de Janeiro, no qual o jornalista cobra o uso do uniforme
86
com nome visível do policial no estado fluminense. O repórter também relata
que a maioria das reclamações dos caminhoneiros é daquele estado. O
inspetor ressalta que, das 120 multas mensais aplicadas, em média, poucas
vão para caminhões. Diante disso, o texto mostra uma indagação do repórter
que traz uma das maiores reclamações dos caminhoneiros: o pagamento de
dinheiro para policiais.
O repórter insistiu: "É isso mesmo. A multa legal e no papel que permite recurso não é queixa do caminhoneiro. É a outra, a que evita a escrita, a do pé de ouvido.". A resposta foi de que – se isso acontecer – o caminhoneiro deve anotar o dia da ocorrência, o local exato, o número e a placa da viatura. Mesmo sem o nome na camisa, vai ser possível descobrir o "homem que suja o nome do policial sério e da corporação". (O CARRETEIRO, 1985, p.13).
Após essa matéria, a revista segue com a seção Posto Zero, em quatro
páginas com recados dos motoristas sobre problemas na estrada. A seção tem
fundo amarelo forte, sendo bastante chamativa. Todos os recados são
comentados pela publicação. Na descrição da seção, O Carreteiro avisa:
Esta revista coloca à sua disposição o "Posto Zero", que se destina a acolher as queixas, opiniões e sugestões dos leitores, sobre problemas de interesse da classe. Se você souber de algum acontecimento, situação ou fato que não é justo ou prejudicou você, sua família ou um colega, ou quer reconhecer alguém, uma pessoa, um posto, um restaurante um guarda ou fiscal que você considera amigo, use a "Carta do Leitor" que você vai encontrar nesta revista. Se caso você quiser fazer críticas a esta revista, também é válido, como esta Seção é realmente sua, a revista não se responsabiliza pelas cartas. Posto Zero é pra você "botar a boca no trombone!". (O CARRETEIRO, 1985, p.18).
Novamente, o espaço para se conhecer o leitor, lembrado por Scalzo, é
colocado em prática. No comentário de muitas das cartas, a revista se
compromete a enviar a reclamação ou sugestão ao órgão responsável, seja ele
uma empresa pública ou privada. Uma das cartas mais interessantes é
intitulada "Progresso com P", enviada por João Alves Pereira. No texto, o
motorista questiona "Onde é aplicado o lucro do frete?". E ele mesmo
responde: "[...] em 10 letras 'P': 1) Prestação. 2) Pneu. 3) Protetor. 4) Parafuso.
5) Peça. 6) Prego. 7) Pedra. 8) Posto. 9) Petróleo. 10) Pedágio" (pág. 22). A
revista comenta apenas: "Perfeito, Pereira", continuando a sequência em P.
87
Na carta "Os tempos mudaram", Pedro Hercules reclama sobre o
comportamento de alguns caminhoneiros, que não obedecem sinalização e
não utilizam roupas decentes. "É só cueca, chinelo e camiseta de propaganda",
reclama a carta (pág. 21). A revista responde com bom humor: "A mesma coisa
vem sendo dita de geração em geração colega, desde que Noé se
desentendeu com seu neto Canaã" (pág. 21). Outro aspecto interessante é que
o caminhoneiro é identificado ao final da carta pelo nome e local de origem,
bem como pela placa do seu caminhão.
Ainda quanto à participação do leitor, a seção "Opinião de mulher" é
uma novidade em relação à edição de 1975. Uma página completamente cor
de rosa traz essencialmente cartas enviadas por esposas ou companheiras dos
caminhoneiros. As cartas também são comentadas pela revista. A seção
especial foi publicada na página 50 (ANEXO J).
Na página 32, a correspondente Eliana Machado de Oliveira produziu
um material de Salvador, na Bahia, entrevistando um caminhoneiro para a
página "Brasil afora". O título é "Carreteiro precisa de apoio das empresas e
dos guardas". A matéria começa com o subtítulo "Mais respeito pelos
carreteiros". O texto traz uma conversa com Francisco José Soares de Araújo,
que, à época, estava com 14 anos de trabalho no ramo. Em duas páginas, a
repórter mostra um pouco da vida e da visão de mundo do caminhoneiro
Francisco.
Entre reclamações e elogios à profissão, ele fala do relacionamento com
a esposa e o filho. "Quando bate a saudade, a certeza da volta e do reencontro
é um conforto, afirma Francisco Araújo" (pág. 33). O espaço destinado a contar
sobre a vida de um único caminhoneiro do interior baiano demonstra
valorização à categoria.
À página 36 figura um poema intitulado "O caminhoneiro e o presidente",
assinado por J. W. Corsini. Em quatro estrofes rimadas, o poema compara a
função do novo presidente eleito com a função de dirigir um caminhão. Traça
um paralelo entre dirigir uma carga pesada e saber escolher ajudantes para
deixá-la arrumada. O texto é montado ao estilo caipira de fala, integrando a
série Marcha Lenta:
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Ilustre Doutor Presidente Eleito pra dirigir a nação,
Um camioneiro (sic!) irreverente A vosmecê pede perdão.
Vamos mostrar pra esta gente, Que a sua nobre função
Não é muito diferente De dirigir um caminhão.
[...] Sr. Doutor Tancredo,
Nossa esperança futura. Pode dirigir sem medo, Esta jamanta tão dura,
Pode contar desde cedo, Com esta classe tão pura
E agradeça ao Figueiredo, Por ter nos dado a abertura
(O CARRETEIRO, 1985, p. 36)
Nas páginas 40 e 41, a publicação divulga a Festa do Caminhoneiro,
evento promovido pela revista, que estava na sua décima edição. "Em
Guaratinguetá a X Festa do Caminhoneiro é feita para ele" é o título do texto.
Ao longo das páginas, a revista explica como o caminhoneiro pode participar
da comemoração, de graça, com sua família, a partir de uma carta enviada por
uma leitora repleta de dúvidas. A matéria registra: "A Festa é do caminhoneiro.
E todo carreteiro que queira ir nós estamos esperando por ele, de braços
abertos" (p. 40).
Sorteando CR$ 250 mil, o Concurso do Zé premia quem melhor pintar a
história em quadrinhos, que é veiculada na revista em preto e branco. O
ganhador do mês de janeiro é valorizado com foto em frente ao seu caminhão
e nota com entrevista sobre sua filosofia de vida, na página 37. A revista
também publicou o desenho de um rapaz "excepcional", enfermo, que ilustrou
com beleza um caminhão Scania, para mostrar à publicação sua “paixão por
caminhão”.
A história do Zé, sem cores, por integrar o concurso cultural, chama-se
"Zé e a Nova República". A edição retrata que, em março de 1985, Zé dirigia
pelas estradas. Parou em posto conhecido e foi cumprimentar os colegas, que
ficaram surpresos com o comportamento do personagem. O motivo da alegria
é a Nova República, que lhe trouxe esperanças. Nesta história, Zé ainda
aparece com cigarro à boca, mas sua camisa está completamente fechada e
89
dentro das calças, passando uma impressão de asseio, diferentemente da
edição de 1975. Zé, que ainda era chamado de Zé Sujinho, comenta:
- Ora, eu quero ter todas as esperanças possíveis. Pô, depois de tantos anos de dureza e apertos... de fretes mal pagos e de empresas fajutas... Na medida em que o Zé vai pensando no passado, vai ganhando esperança para o futuro. Vai imaginando fretes melhores e mais justos. Melhores condições para trocar de caminhão. Estradas melhores. E menos perigosas. Enfim, o suficiente para fazer do caminhoneiro uma profissão honrada e decente. (O CARRETEIRO, 1985, p. 45-48).
Nos desenhos, Zé imagina uma fila de caminhões rodando pela estrada;
vislumbra ele mesmo beijando seu salário, em notas de dinheiro; imagina ainda
um caminhão novo e a possibilidade de dirigir com segurança, cantando
durante a viagem.
A seção "Colegas da estrada" (Figura 18) é novidade em relação à
edição de 1975. Em duas páginas, são mostradas fotolegendas retratando
caminhoneiros, seus nomes, famílias e modelos de caminhão. A própria revista
define, na página: "Um espaço para alguns dos companheiros rodando pelas
estradas deste imenso chão que é o BRASIL" (p. 54). O espaço valoriza o
caminhoneiro por mostrar fotos suas em trabalho, ao seu próprio estilo, sem
preocupações com aparências ou outros valores que seriam provavelmente
considerados em outros tipos de revistas.
Um dos caminhoneiros retratados é Valdino Martins da Silva, conhecido
como Bio, terceiro caminhoneiro na página 55. Com linguagem popular, a
revista comenta: “O trapezista aqui é o Valdino [...], que é solteiro, joga futebol,
carrega frutas para São Paulo neste Mercedes 1313, placa BT 6715, e mora
em Nanuque/MG” (p. 55). Outro exemplo é Silvio Raimundo, segundo da
página 54. “[...] é conhecido por Pisca e seu Mercedes 1113, placa DW 2796 –
é claro – por Trans-pisca. Ele é casado com Elena, mora em Assis
Chateaubriand/PR e tem 3 filhos”, registra a publicação.
90
Figura 18 – Seção Colegas da Estrada
Fonte: O Carreteiro, ed. 131, 1985
A edição tem ainda classificados, para facilitar compras e vendas entre
os caminhoneiros, a tabela com preços de caminhões usados (outra novidade
em relação a 1975) e a página "Escreva para a revista", com linhas em branco
para serem destacadas e colocadas no correio, por conta da publicação.
Dentro das páginas de classificados figuram recados sobre motoristas
desaparecidos, caminhões roubados, agradecimentos, recados, profissionais
procurando emprego e ainda a seção bate-bate coração, com cartas
românticas.
A seção bate-bate coração, integrada aos classificados, trouxe tanto
caminhoneiros em busca de parceiras quanto mulheres interessadas em
conhecer um caminhoneiro “que as leve para conhecer o Brasil”. Um dos casos
mais interessantes é a carta de Lauro Roberto Santos, identificado pela placa
JV 5200, de Caxias do Sul:
Através de correspondência com todas as garotas do Brasil, encontrei a mulher dos meus sonhos. Ela mora na cidade de Paranaguá e se chama Ângela. Estamos pensando em nos casar muito em breve.
91
Quero agradecer esta Revista sem a qual não poderia ter acontecido esta coisa maravilhosa. (O CARRETEIRO, 1985, p. 61).
A publicação traz ainda uma página chamada “Gente”. A revista define o
intuito da página no alto da sua composição: “Notícias que nos mandam sobre
o mais importante: nossa gente”. A seção traz nomes de pessoas com
comunicados sobre promoções em empresas, aniversariantes, mensagens de
famílias para entes queridos falecidos, novos casais e nascimento de filhos.
Quanto à diagramação da edição, percebe-se a existência de
planejamento gráfico, estruturando o texto das páginas em três colunas. São
utilizadas fontes sem serifa para os títulos e serifadas para os textos. A revista
é bem menos ilustrada que a edição de 1975, tendo reportagens com
exclusivamente texto, o que pode tornar a leitura mais cansativa. A edição
também tem menos cores, com a maioria das páginas em preto e branco. O
projeto segue padrões comentados por Pereira Junior no capítulo dois,
especialmente quanto à unidade e à tipologia da edição.
4.5 TERCEIRA REVISTA: SETEMBRO DE 1995
A terceira revista a ser analisada é a edição número 255, de setembro
de 1995. A publicação estava no seu 26º ano. A partir desta edição, João
Geraldo é editor-chefe, mantendo-se no cargo até os atuais, conforme
entrevista no capítulo três. O expediente menciona duas repórteres, um
fotógrafo e o ilustrador Michele Iacocca.
Nesta edição, o destaque vai para a possibilidade de criação da Rodovia
Transpacífico, ligando os brasileiros ao Oceano Pacífico. A dificuldade no
escoamento da produção de caminhões novos é abordada em outra matéria.
Surge destaque para lançamento de novos modelos. Neste caso, a notícia é a
chegada dos caminhões de cabine avançada, popularmente conhecidos como
cara-chata.
A capa tem fundo preto, dando destaque de foto para um caminhão
modelo cara-chata. As três manchetes são apresentadas em cinza, bem como
o nome da revista.
92
Figura 19 - Capa da edição de setembro de 1995
Fonte: O Carreteiro, ed. 255, 1995
O editorial aparece na página 4, intitulado “Mercado Brasil”. O texto
questiona a quantidade de veículos abarrotados nos pátios das montadoras e
as dificuldades dos caminhoneiros para comprar um pesado zero quilômetro. O
editorial comenta que quem trafegou pelo trecho que corta São Bernardo do
Campo, cidade que comporta filiais das três maiores montadoras do mundo,
percebeu a quantidade de caminhões novos parados às margens da via
Anchieta. “Para os carreteiros autônomos, empregados ou agregados, que
passaram pela referida estrada, o velho e conhecido ditado olha com os olhos
e lambe com a testa caiu como uma luva”, indica o editorial, em linguagem
simples e direta.
Após o editorial, a revista segue com uma sequência de três páginas
inteiras sob a cartola Notícias. Cada página abriga três notas com informações
de lançamentos de peças e serviços para o carreteiro. Nas páginas 10 e 11, a
revista mostra uma entrevista concedida pelo então ministro do Transporte,
Odacir Klein, retratando preocupações e perspectivas no ministério. Na
entrevista, Klein deixa claro que a pasta não conta com orçamento próprio, o
93
que inviabiliza a recuperação de rodovias. À época, o ministério visava à
criação de um Sistema Nacional de Viação, para substituir o Plano Nacional de
Viação, criado em 1973.
Na sequência, a reportagem “Na Rota do Pacífico” retrata, em três
páginas, a ideia de ligar o Brasil ao Oceano Pacífico, via Bolívia, Peru e Chile.
A ideia é buscar nos portos chilenos produtos de origem asiática. Bastante
técnica, a reportagem traz muitos números e dados que registram os valores
investidos na construção da rodovia, as quilometragens necessárias e os
referenciais econômicos oriundos desse investimento, uma vez que não seria
mais necessário levar mercadorias até o canal do Panamá para que
chegassem ao Pacífico. A matéria não registra falas ou histórias de
caminhoneiros.
Assim como na edição de 1985, há a seção “Colegas da Estrada”, com
fotolegendas sobre o dia a dia de caminhoneiros (ANEXO K). Em uma única
página, a revista traz fotografias de três carreteiros e seus recados para os
colegas. Em relação à edição analisada anteriormente, o espaço desta seção
foi reduzido, assim como o tamanho das fotografias. Como registra uma das
frases deixada por um dos contemplados na seção: “Augusto Ciminkoski, o
Magrão de Barracão/PR, manda um abraço a todos os caminhoneiros do Brasil
e pede para que não tomem rebites e bebidas alcoólicas [...]” (O Carreteiro,
1995, p. 17).
A reportagem correspondente à chamada de capa é apresentada na
sequência. “Frota encalhada” demonstra que as mudanças na linha de crédito
são insuficientes para reativar o mercado de caminhões. Em apenas duas
páginas, também bastante técnica, a reportagem traz a palavra do presidente
da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave),
bem como dados de montadoras para explicar a dificuldade na venda de
caminhões.
Ainda na linha de reportagens sobre caminhões, e não necessariamente
sobre caminhoneiros, a revista traz material intitulado “A invasão dos cara-
chata”, tipo de caminhão com cabine avançada. A reportagem ressalta que
esse modelo está começando a chegar ao Brasil, representando, à época,
94
apenas 12% da frota do país. A matéria destaca o lançamento de montadoras
neste estilo de cabine, sem entrevistas com caminhoneiros ou ainda com
outras palavras de autoridade no assunto. São trazidos, apenas, dados acerca
dos lançamentos.
Sob a cartola “Histórias”, a história do carreteiro Donizetti de Souza foi
publicada nesta edição da revista. O texto, intitulado “Enganado pela farda”, dá
sequência à edição 255. Em duas páginas, com ilustração de Michele Iacocca
sobre o ocorrido, Donizetti narra o que lhe aconteceu na virada do ano de 1994
para 1995, quando se viu na obrigação de dar carona para dois guardas
rodoviários:
Três quilômetros adiante, pediram para eu estacionar no acostamento e quando parei o bruto aconteceu justamente o que eu imaginava. Me apontaram a arma e disseram: “fique quieto que é melhor para você”. Em seguida, um deles assumiu o volante e tocou em frente. Para meu desespero, pararam duas vezes o caminhão e seguiram. Não entendi bem se era para me matar ou deixar eu livre para ir embora. […] amarraram minhas mãos com corda de náilon. Deram umas 15 voltas nos meus braços e ficaram parados atrás de mim. Naquele momento imaginei que fosse ser morto com um tiro na cabeça. Em pensamento roguei a Deus e pedi para que não deixasse aqueles homens me assassinarem. (O CARRETEIRO, 1995, p. 26-27)
Este é um dos momentos em que a revista abre seu espaço para
acolher a história do caminhoneiro, vivida e escrita por ele, reforçando a
hipótese de ser sua porta-voz. Donizetti deixou o alerta para os colegas: “Não
deem carona”. Valoriza o profissional das estradas, pois mostra seu lado
humano e transparece uma das principais dificuldades da profissão: a
insegurança.
Nas páginas 38 e 39, a edição traz um anúncio sobre o programa Siga
Bem Caminhoneiro (apresentado no capítulo três), patrocinado pela Petrobras.
O anúncio valoriza Pedro Trucão, como apresentador do programa, e Sérgio
Reis, como participante. Ainda atualmente, os dois apresentam programas
voltados ao caminhoneiro, como explorado no capítulo três. Este mesmo
anúncio, que pôde ser observado em edições até os anos 2000, descreve:
Manhã de domingo… você já tirou o pé do acelerador, deu uma puxada no freio de mão e vai curtir a família e um merecido descanso. Pra começar bem o domingo que tal um café forte, encorpado, daqueles que só se faz na casa da gente? O leite fervido
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na hora, a manteiga derretendo no pãozinho quente. Eh… delícia! E pra acompanhar seu café, você liga no SBT, às 8h30 da manhã e, durante meia hora, assiste a um programa muito especial: o Siga Bem Caminhoneiro, com patrocínio da Petrobras. […] Portanto, amigão, não perca: todo domingo, às 8h30 da manhã, o melhor café da televisão está no SBT, no programa Siga Bem Caminhoneiro. (O CARRETEIRO, 1995, p.38-39)
Nesta edição, assim como a de 1975, há horóscopo publicado. No
entanto, é apresentado um horóscopo como os publicados nos demais veículos
de comunicação, sem o linguajar e as características voltadas exclusivamente
a caminhoneiros, como o que consta na primeira revista analisada.
A história do Zé é apresentada em duas páginas. Nesta edição, Zé
aparece com a camisa bem fechada, a barba feita e, finalmente, sem cigarro à
boca. É a primeira edição analisada em que o personagem não está fumando.
Também não há menção para a referência ao antigo nome Zé Sujinho, como
utilizado nas duas revistas anteriores. A história é simples e registra um
pequeno perfil do Zé apresentado em 1995. Os balões dos quadrinhos
mostram Zé manifestando elogios:
- Ele é um ótimo motorista. Tem habilidade e experiência. Não transgride (sic!) as regras da estrada. Não judia do caminhão. Dirige nas horas certas, sem excessos, não bebe enquanto dirige. Nunca usa rebites. Enfim, como vocês podem ver aqui, ele é um exemplo a ser seguido por todos. - De quem o Zé está falando? - Dele mesmo, ora! Está lendo as histórias dele na revista “O Carreteiro”. (Zé e suas histórias, 1995, págs. 44-45)
A seguir, a tradicional seção Posto Zero aparece em quatro páginas.
Nesta edição, a definição deste espaço está mais sucinta: “Posto Zero destina-
se a (sic!) publicação de opiniões, queixas e sugestões. Escreva, esta seção é
para ‘você botar a boca no trombone’” (1995, p. 46). Todas as cartas estão
respondidas pela revista, ao estilo da já analisada seção “Bate-papo”, que não
aparece nesta edição.
Um dos recados trazia uma mensagem emocionada de Guilherme
Camper, de Santa Catarina, com o título “Tarde Demais”: “Quero agradecer a
revista O Carreteiro por ter homenageado meu pai e meu avô. Infelizmente,
não tive tempo de mostrar a publicação para meu pai porque ele faleceu antes”
96
(1995, p. 49). Guilherme explica que seu pai contraiu uma doença e acabou
falecendo.
Na seção Classificados, são oferecidos caminhões, pedidos empregos,
notificados roubos ou pessoas desaparecidas. Também há espaço para cartas
sob o título Bate Coração, para os apaixonados. Casos familiares aparecem
nos classificados, como o recado de Elizabete Maria de Lima, de São Bernardo
do Campo, São Paulo. “Procuro o caminhoneiro Edson Belém Silva. Tivemos
uma filha juntos e hoje, com 14 anos, a menina quer conhecer o pai. Não vou
cobrar nada, desejo apenas que conheça a filha” (1995, p. 52). “Peço a Deus
que sempre te proteja e te traga de volta” (1995, p. 53) é outro exemplo de
recado. Este foi enviado pela esposa Angelita Juliatto, para seu esposo, via
revista O Carreteiro.
A edição conta ainda com tabela de preços de caminhões usados, tabela
de fretes para carreteiro e a última página pautada, para ser destacada e
colocada no correio como carta para a revista. Novamente, o selo é pago pela
publicação.
Quanto à diagramação, é possível perceber um comportamento
totalmente diferente das primeiras edições analisadas. A revista não conta com
planejamento gráfico fechado para todas as matérias. São seguidos alguns
padrões, como a fonte dos textos, mas os títulos das matérias recebem, cada
qual, uma configuração diferente. A edição abusa das cores nos títulos, bem
como dos efeitos nas palavras, permitidos pelos primeiros computadores que
permitiam uma edição de página diferenciada, na década de 90.
São percebidos alguns exageros nesta aparente ânsia de demonstrar
efeitos visuais diferentes na diagramação, o que é perigoso, conforme visto no
capítulo dois. Segundo Pereira Junior, uma disposição desorganizada de
elementos dá a sensação de descuido com as informações. Na matéria sobre a
rota do Pacífico (Figura 20), por exemplo, o fundo do texto recebeu bandeiras
dos países citados, criando um efeito visual que pode, até, prejudicar a leitura.
O título é apresentado em letras garrafais, cobrindo inteiramente a fotografia
escolhida para ilustrar a matéria.
97
Figura 20 - Diagramação apresenta exageros visuais
Fonte: O Carreteiro, ed. 255, 1995
Nos textos “Frota encalhada” e “A invasão dos cara-chata”, os títulos
receberam diversos efeitos. No primeiro, em tom de pink, foi colocada sombra
nas três primeiras e nas três últimas letras. No segundo, a expressão “cara-
chata”, foi achatada, criando uma metalinguagem. O efeito visual, no entanto,
não colabora para uma leitura clara (ANEXO L).
É o que acontece quando não são seguidos os princípios da
simplicidade, da harmonia, da proporção, da unidade, do equilíbrio e da
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tipologia, citados por Pereira Junior no capítulo dois. O esforço para
compreender a mensagem prejudica a fluidez da leitura. Outro exemplo de erro
é quanto ao uso de serifa em títulos, conectando poucas letras de grande
tamanho, conforme ensina o autor. Ambos os títulos utilizam fontes com serifa,
o que não é recomendado para estes destaques, mas apenas para as letras do
texto. Não há padrão entre as matérias.
4.6 QUARTA REVISTA: FEVEREIRO DE 2005
A quarta revista contemplada pela pesquisa é a de número 365, de
fevereiro de 2005. Ainda editada por João Geraldo, traz no expediente uma
jornalista da redação, Daniela Giopato, e outros três colaboradores. Um
fotógrafo e Michele Iacocca, como fiel ilustrador, também fazem parte. O
Carreteiro estava no seu 34º ano. A edição é fisicamente maior, apresentando
um tamanho de 20 X 13,5 cm, em comparação aos 19 X 13,5 das edições
anteriores. Em 84 páginas, a edição explora mais reportagens sobre
caminhões que sobre caminhoneiros. Os destaques da edição são matérias de
teste de modelos novos de caminhões, uma reportagem sobre inspeção
veicular e outra sobre prostituição.
A capa é feita em papel couché, brilhoso e de gramatura maior. A
chamada traz em destaque a cartola “Prostituição”, com o título “Assédio na
fronteira, um buraco a mais no caminho”. Com a cartola “Teste”, é chamada a
reportagem “P 310 mostra o desempenho do motor de 9 litros Scania”. Esta
matéria está ilustrada com a foto do caminhão ocupando a capa inteira. Por
fim, na base da capa, a cartola “Inspeção técnica veicular” chama o título
“Projeto de uma frota mais segura está parado e sem data para ser
implantado”.
99
Figura 21 - Capa da edição de fevereiro de 2005
Fonte: O Carreteiro, ed. 365, 2005
O editorial da edição já demonstra mudanças no comportamento do
caminhoneiro, a começar pelo seu título: “A necessidade de ser atual”. Nele, o
editor aborda que o ano de 2004 foi bom, mas poderia ter sido melhor para a
categoria. A partir disso, o editor aborda uma nova forma de comunicação do
leitor com a revista:
Até alguns anos atrás, era comum chegar punhados de cartas à redação desta revista recheadas de reclamações, a maioria relacionada à situação financeira. As correspondências não deixaram de chegar, mas, hoje, o tiroteio maior – e com justiça – é contra a situação das estradas. Boa parte desta comunicação é feita através de e-mail, numa demonstração de que tem motorista atualizado. Aliás, acompanhar a evolução do transporte de cargas é uma necessidade para quem pretende estar de bem com a atividade. (O CARRETEIRO, 2005, p.3)
O texto mostra a consolidação do que Scalzo sempre ressaltou como
importante para uma revista: conhecer e ouvir seu leitor. Com novas
tecnologias, já em 2005, este leitor passou a se comunicar de outra forma, e a
100
revista estava pronta para recebê-lo e incentivá-lo a continuar se atualizando.
Ainda no editorial, a revista ressalta que não é suficiente apenas conduzir o
próprio caminhão: é preciso operar com planejamento e estratégias.
A edição mostra um sumário bem diagramado, diferente das outras
edições avaliadas. Apresentado em duas páginas, colorido, traz fotografias e
demonstra o planejamento gráfico da revista. No entanto, utiliza fontes que não
são utilizadas ao longo da revista, o que pode confundir o leitor. Segundo
Pereira Junior, melhor é utilizar apenas formas definidas, sem a utilização de
diversas fontes diferentes.
Os três destaques são para as matérias sobre prostituição, o teste do
caminhão Scania e a inspeção veicular, as três chamadas de capa, com fotos.
Como seções da edição, são apresentadas: Notícias; Informativo Goodyear;
Boléia; Histórias; Histórias do Zé; Cartas; Classificados; Tabela de Usados e
Jesuíno (ajudante do Zé Carreteiro). É a primeira edição analisada que não traz
a tradicional seção Posto Zero. Jesuíno, por sua vez, é apresentado em seção
única, para encerrar a edição.
Em quatro páginas, a seção Notícias explora novidades de marcas do
mercado de peças e de caminhões, bem como novidades tecnológicas, como
um alarme anti-sono. Os textos são espalhados pelas páginas em boxes
coloridos e poucas fotos.
A seguir, na página 14, é apresentada uma das principais reportagens
da edição, sob a cartola “Prostituição”. “Um problema a mais na fronteira”
retrata a realidade existente no terminal aduaneiro de Uruguaiana, no Rio
Grande do Sul, onde mulheres e adolescentes tentam programas com
carreteiros. Conforme a matéria, assinada pelo repórter Evilásio de Oliveira,
formação de imensas filas à espera da liberação de documentos fiscais facilita
o aparecimento de boates nas redondezas e as investidas das jovens em
caminhoneiros que estão com seus caminhões estacionados. “A atuação das
meninas e dos assaltantes que agem no local é assunto conhecido por todos,
principalmente pela maioria dos carreteiros que reclamam da falta de
segurança” (p. 14).
101
Para produzir a matéria, Oliveira entrevistou o promotor público José de
Apoio e Prevenção à AIDS (Guapa), Thietelina Luarnini Pereira, que faz
trabalho voluntário de conscientização de caminhoneiros, homens e mulheres.
O repórter também conversou com Antônio da Rocha gerente da empresa que
administrava a aduana. Depois de colocar informações destas fontes, colheu a
opinião de cinco caminhoneiros sobre o assunto. A reportagem é recheada
com fotos de todos os carreteiros entrevistados e legendada com suas visões
sobre o problema. Eles são sempre apresentados com nome, idade, anos de
profissão, estado civil e número de filhos. Um dos exemplos é a entrevista de
Lindosmar Vieira de Lima, apresentado com 41 anos, 12 de volante, casado e
com três filhos:
Conta que se preocupa com o assédio das mulheres que ficam nas redondezas abordando os motoristas, algumas vezes em dupla. “Dá de tudo, de mulher feita até crianças que deveriam estar na escola, estudando”, diz. Acredita que a maioria dos carreteiros não aceita esse tipo de convite: “vamos fazer um programa, meu bem?”. Acha que eles têm medo de doenças, assaltos, roubos na cabine e também por saber o rolo que dá se a Polícia aparecer, uma hipótese improvável, segundo ele. (O CARRETEIRO, 2005, p. 17)
A edição utiliza expressões de uso corriqueiro da língua, como “dá de
tudo” e “o rolo que dá”. É a aplicação do que menciona Vilas Boas, conforme
retratado no capítulo dois: o estilo de linguagem é definido conforme o leitor
que se quer atingir. Além disso, conforme Mara Rovida, o texto desse tipo de
comunicação segmentada apresenta aspectos de proximidade com o público-
alvo, contradizendo o jornalismo de informação geral. Ao fazer isso, O
Carreteiro fala a língua do caminhoneiro, colocando suas ideias na sua forma
de se comunicar.
Outro exemplo é a entrevista com o carreteiro Sílvio César Murari e com
sua esposa, Mari. A reportagem afirma que ela fica indignada com a falta de
respeito e com as cantadas que as mocinhas, quase crianças, fazem aos
carreteiros. “Mas eu não estou nem aí pra essas cantadas, até dou uns
conselhos pra irem trabalhar, arranjar um emprego” (p. 18). A expressão “não
estou nem aí” reforça o aspecto mencionado acima.
102
João Donizete Mazurega, de 48 anos, é um exemplo de entrevista dada
com falas indiretas, transcritas pelo repórter. Sua opinião mostra a imagem de
um carreteiro pai de família, que não se aproveita da prostituição, mesmo que
essa não seja a realidade de todos os motoristas:
Está acostumado a ver meninas se prostituindo na beira das estradas, recorrendo aos motoristas que, na maioria têm bom coração e sempre ajudam com dinheiro ou comida. Evidentemente sempre surgem os que se aproveitam da situação e da pobreza das crianças, mas a maioria apenas ajuda. Joao Donizete é casado, tem três filhos e um neto, o Gabriel, cuja fotografia costuma carregar na carteira. Ele acredita que as pessoas que se aproveitam dessas meninas de beira de estrada não tem (sic!) amor, não se preocupam com a vida alheia, com doenças e nem mesmo com as suas famílias. E reafirma: “Não gosto de ver essas coisas…”. (O CARRETEIRO, 2005, p. 19).
A matéria ocupa sete páginas, diagramadas em duas colunas, com
fotografias bem espalhadas. As jovens são fotografadas de costas, próximas
aos caminhões onde costumam oferecer programas. Os carreteiros
entrevistados são mostrados junto de seus caminhões, alguns bem vestidos,
outros com as roupas sujas do trabalho e um terceiro sentado, sem camisa,
junto da esposa. As palavras de autoridade mencionadas na matéria são
apresentadas com fotografias posadas, onde estão bem vestidos. Esse
contraste ajuda a reforçar, ainda que indiretamente, um estereótipo do
caminhoneiro, que estaria frequentemente sem camisa ou com roupas sujas.
103
Figura 22 - Fotografias reforçam estereótipos
Fonte: O Carreteiro, ed. 365, 2005
Na página 22, o editor João Geraldo assina a matéria “Cinco cilindros
para dar conta do recado”, sob a cartola “Teste”. Em cinco páginas, é
apresentado o Scania P310, lançamento da montadora de caminhões. A
revista fez um teste com o veículo, colocando como fotografia principal da
matéria o caminhão com a placa “Teste O Carreteiro”.
Para mostrar que seu novo caminhão tem muito a oferecer aos transportadores de curtas e médias distâncias, a Scania cedeu à equipe da revista O Carreteiro uma unidade atrelada a um semi-reboque de três eixos carregado com 27 toneladas de pedra para avaliação. No primeiro contato com o P 310, o carreteiro percebe logo que terá de se acostumar com o veículo, porque o motor surpreende. (O CARRETEIRO, 2005, p. 23)
Novamente reforçando as características do jornalismo de revista, O
Carreteiro conversa com o leitor, explicando como fez a matéria, que não é
noticiosa, mas interpretativa, uma vez que avalia o comportamento do veículo.
Além disso, reforça o jornalismo segmentado, por falar de um assunto
pertinente à classe a que se dirige, com linguagem facilmente entendida por
104
ela, como a nomenclatura do veículo, “semi-reboque três eixos”, a carga e a
sensação ao dirigir. A matéria é repleta de especificações técnicas acerca do
desempenho do caminhão, capacidade de velocidade, rotação do motor,
marchas, etc. as fotografias retratam o interior da cabine, o painel, o motor e a
caixa de fusíveis.
A seguir, é apresentada a matéria “Evento define o Caminhoneiro do
Ano”, sobre a Caravana Siga Bem Caminhoneiro, explicada no capítulo três. O
texto explica a sequência de provas escritas e orais, seguida por prova no
autódromo de Interlagos, que deu o título ao caminhoneiro Rogério Kiyosi Sato,
do Rio de Janeiro. Ele ganhou um caminhão Volvo zero quilômetro. A
caravana, segundo a matéria, percorreu 20 mil quilômetros, visitou 200 cidades
e contatou 600 mil carreteiros no ano de 2004.
A revista ainda apresenta outras três matérias de cunho técnico: uma
matéria sobre um aparelho que proporciona queima total do combustível,
reduzindo a fumaça, outra sobre inspeção veicular, explicando como deve
funcionar a avaliação dos veículos, e uma terceira sobre o lançamento do R
420, outro caminhão Scania.
A seção “História” traz um caso ocorrido com o caminhoneiro Serginaldo,
nome fictício dado ao personagem. Em duas páginas, retrata uma história
sobre lobisomem, tradicional nas conversas entre carreteiros. Ao final da
página, a revista convida: “Amigo motorista, se você conhece algum fato que
tenha acontecido na estrada, mesmo que seja um ‘causo’, escreva para a
revista O Carreteiro”.
A História do Zé traz o tema “Lentidão e rapidez”. Zé conversa com um
amigo no posto, que está assustado por ter entrado em um buraco fundo
durante uma curva e quase ter tido seu caminhão jogado na ribanceira. Zé
afirma que há problema nas estradas, mas elas não são as únicas culpadas
pelos acidentes, caso contrário, não haveria acidentes em estradas boas. Um
terceiro personagem se junta à conversa, apontando como outros problemas a
falta de manutenção, a imprudência e o excesso de velocidade. Neste
momento, um jovem carreteiro interrompe:
105
- Vocês, velhos de estrada, todos cheios de cuidados, também estão velhos para a estrada. E, às vezes, atrapalham com sua lentidão os mais jovens e rápidos. Sem maiores discussões, o mais jovem e mais rápido subiu no caminhão e foi embora. Uma hora depois, mais adiante: - O que houve, amigão? - Puxa, Zé! O radar me pegou, ultrapassei numa curva e atropelei uma vaca… E agora a polícia quer prender o caminhão. - Nossa! Com que rapidez você conseguiu tudo isso! (O CARRETEIRO, 2005, p. 51)
A história retrata um Zé parecido com o de 95: camisa fechada, sem
cigarro, prudente. Agora, já mais antigo na estrada, experiente, dando
conselhos a um caminhoneiro mais novo.
Nesta edição, as cartas ocupam apenas duas páginas, diagramadas em
azul e branco e com fonte diferente do restante da revista. Os recados
informam sobre estradas mal conservadas e fazem sugestões de pauta. A
revista não responde às cartas na edição. Uma das cartas é intitulada “Elogio”,
de Carlos Eduardo, de Londrina. “Sou assinante da Revista O Carreteiro e
adoro a publicação. Vocês estão de parabéns, e continuem assim, levando
informações para os profissionais que trabalham com transporte rodoviário
[…]”. (p. 55).
Na seção Classificados, são apresentados caminhões roubados, feitos
pedidos de emprego, homenagens a carreteiros parentes ou amigos, e ainda
publicados recados “Bate coração”, para pessoas que queiram encontrar um
amor. O nível de intimidade com a revista e de confiança de que o recado
chegará ao seu destino é tanto que existem mensagens como a de Edimar, de
São Paulo: “Esta mensagem é para meu pai, que trabalha na Drebor, em
Cuiabá. ‘Pai, apesar de tudo o que o senhor fez, eu te perdoou (sic!). Saiba que
eu te amo muito’” (O Carreteiro, 2005, p.77).
A história do Jesuíno, ajudante do Zé da Estrada, fecha a edição.
Jesuíno e Zé conversam sobre correr na estrada, e Zé comenta que, na
descida, os riscos são maiores. Jesuíno discorda: “O sr. não conhece aquele
ditado que diz que na descida todo santo ajuda? Pois é na descida que a gente
pode correr à vontade” (O Carreteiro, 2005, p. 83).
106
Esta edição não traz folha destacável para o carreteiro escrever seu
recado e enviar à revista, como apontado nas três edições avaliadas
anteriormente.
4.7 QUINTA REVISTA: OUTUBRO DE 2015
A quinta e última revista a ser analisada é do ano 45 da publicação,
número 492, de outubro de 2015. Com 100 páginas, esta é a maior revista da
análise. Circulou com tamanho idêntico à de 2005, 20 X 13,5 cm. Traz como
destaques os testes de dois lançamentos: a nova linha MAN Latin America e o
Mercedes-Benz Atego 2430. Ainda destaca o treinamento sobre veículos
modernos. Editada por João Geraldo, a revista conta com reportagem de
Daniela Giopato e ainda três colaboradores, três fotógrafos e o ilustrador
Michele Iacocca.
A capa, nos mesmos moldes que a de 2005, em papel couché, traz em
destaque uma fotografia do caminhão da Volkswagen da linha MAN. A
chamada é “Linha 2016”, sob a cartola “Lançamento”. Abaixo, com menor
destaque e com a cartola “Teste”, o título “Potência e conforto” ressalta
qualidade do caminhão da Mercedes-Benz. Na parte de cima, com destaque
menor, as chamadas: “Carreteiro já convive com as novas tecnologias que vão
mudar o setor e “Uma rota perigosa que destrói motoristas e provoca
tragédias”, sob a cartola “Drogas.
Essa configuração de capa já demonstra como será a edição: mais
focada em caminhões que em caminhoneiros, haja vista o espaço dedicado
para chamar um dos maiores problemas das estradas. Essa constatação
corrobora com a hipótese de que a revista teria se tornado mais superficial em
suas abordagens, com relação ao carreteiro. Abaixo do nome da revista, há a
inscrição: “Desde 1970 Transportando informação”.
107
Figura 23 - Capa da edição de outubro de 2015
Fonte: O Carreteiro, ed. 492, 2015
O editorial traz o título “Além da condução”, com texto assinado pelo
editor, João Geraldo. Nele, Geraldo afirma que o resultado satisfatório na
atividade do transporte não depende só de veículos modernos e de tecnologia,
nem da experiência do condutor. Dependem da maneira como o negócio é
conduzido. O editor explica que muitos caminhoneiros não conseguiram trocar
de caminhão graças à dificuldade para obter financiamento. Com isso, sua frota
envelheceu e perdeu produtividade.
Enquanto isso, o autônomo dono de um caminhão já bastante rodado, via sua situação se complicar a cada dia. Não faltou quem falasse em abandonar a profissão, mas nem todos o fizeram. Muitos venderam o bruto e passaram a dirigir como empregados […]. Enfim, independente se é autônomo, agregado ou empregado, e qual o tipo de caminhão que dirige, o importante é o motorista lembrar-se sempre de que ele tem grande importância dentro da atividade do transporte rodoviário de carga, por isso precisa de organizar. […] Já foi o tempo em que dirigir, estar atento à estrada e entregar a carga era suficiente. Hoje, é preciso fazer mais contas também. (O CARRETEIRO, 2015, p. 4).
108
O editor valoriza o caminhoneiro ao reforçar sua importância e indicar a
necessidade de planejamento e reeducação. Conforme o texto, são novos
tempos no transporte rodoviário de cargas, com novos desafios para os
caminhoneiros da atualidade. É por meio do editorial que o editor pode
conversar com seus leitores, e é o papel que Geraldo cumpre na página.
O sumário dá destaque aos dois testes de caminhões e ao treinamento
de caminhoneiros em veículos modernos. Bem diagramado, também indica
matérias ao longo da edição, em menor destaque, e elenca as seções:
Notícias; Na Mão Certa; Boletim Pneus; História do Zé; Dica Federal;
Classificados e Jesuíno, novamente para fechar a edição.
A matéria “Cuidar para economizar” traz a cartola “Manutenção” e
explora um formato bastante conhecido na revista O Carreteiro: abordar um
assunto por meio das opiniões dos caminhoneiros e colocar suas fotos nas
páginas. O texto aborda a importância de andar com o veículo seguro, por meio
de inspeção geral periódica.
Assim como avaliado na edição de 2005, o carreteiro é apresentado com
idade e anos de profissão. O texto aborda que é preciso “dar uma geral” no
cargueiro, exemplificando o uso de linguagem simples, adequada ao público-
alvo. Outro exemplo é com o caminhoneiro Airton José Bampi, de Campinas do
Sul, Rio Grande do Sul, com 53 anos de idade e 24 de estrada:
Segundo afirma, antes de iniciar uma viagem cuida de tudo, da parte mecânica, nível do óleo, água, sistema elétrica (sic!) e freios. A revisão geral ocorre a cada seis meses e foi numa dessas que decidiu reformar o motor e lembra ter sido cara. “Uma paulada, principalmente a mão de obra”, ressaltou. Lembra que o caminhão precisa estar sempre em boas condições para rodar com mais economia e não quebrar na estrada. “Afinal, o custo com combustível pesa muito na planilha e, somado às despesas com pedágios, acaba consumindo quase todo o valor do frete, que já é muito baixo, uma barbaridade”, conclui. (O CARRETEIRO, 2015, p. 18)
O repórter não modifica expressões utilizadas pelo caminhoneiro, como
“uma paulada” e “uma barbaridade”. Isso corrobora com a ideia de uso de
linguagem adequada ao leitor e ainda com a hipótese de que a revista seja a
porta-voz dos caminhoneiros, por trazer a opinião dos motoristas sobre um
109
assunto de seu cotidiano. A reportagem é ilustrada com fotografias dos seis
entrevistados junto a seus caminhões.
Após a matéria, a edição traz um anúncio com a chamada “Você no
Carreteiro!”, convidando o motorista a enviar mensagens, fotos e vídeos por
meio do aplicativo de mensagens Whatsapp e pela rede social Facebook. São
exemplos de como a comunicação com o leitor adquiriu novos formatos ao
longo do tempo, passando pela carta, fax, e-mail e chegando às redes sociais,
adequando-se à realidade do motorista para não perder o elo com seu leitor
(ANEXO M).
A apresentação da linha MAN é feita em seguida, com matéria assinada
pelo editor, João Geraldo, em seis páginas. São destacados aspectos técnicos
do veículo, desempenho e tecnologias aplicadas. As fotografias mostram vários
modelos da linha na estrada, bem como na cabine. A seguir, é apresentada
uma reportagem de oito páginas sobre o treinamento dos caminhoneiros. A
primeira montadora a mostrar como promove esse ensino é a MAN Latin
America, da reportagem anterior.
O texto destaca que é indiscutível o nível de eficiência dos caminhões
atuais, mas, para que possa ser usufruído, o caminhoneiro precisa estar apto
para lidar e utilizar o veículo de forma correta. Aborda, ainda, as práticas da
Mercedes-Benz, da Volvo, Scania, Iveco e Ford. Um dos destaques é o uso de
tecnologia para ensinar as modernidades. ““Utilizamos também a internet
(Youtube e Whatsapp) como importantes ferramentas para divulgar conteúdo
de treinamentos […]”, adiciona” (p. 31).
A próxima reportagem é intitulada “Caminhão e motorista online”,
abordando a relação do veículo com a internet. A matéria é produzida pelo
editor João Geraldo com a Volvo, que demonstra suas novidades. Além disso,
o texto aponta uma configuração de como é ser caminhoneiro em 2015:
De vários modos e formas, a tecnologia da comunicação e envio de dados está cada dia mais presente na rotina dos profissionais ligados ao transporte rodoviário de carga, e com boa ênfase na rotina do carreteiro. Atualmente, vários sistemas, plataformas e ferramentas são aplicadas pelo setor para monitorar, controlar e cuidar do caminhão e da forma como está sendo usado, além de uma série de
110
outras funções utilizadas para otimizar a operação. (O CARRETEIRO, 2015, p. 34)
Nesta reportagem, a revista utiliza um infográfico para ilustrar como
funciona um sistema de leitura de dados topográficos para troca automática de
marchas do caminhão. Conforme abordado por Pereira Junior, no capítulo dois,
o uso de infográfico configura uma imagem informativa, que apresenta apelo
visual. Para Scalzo, é uma forma de informar que não deve ser tratada como
enfeite. Este é o primeiro gráfico verificado nas cinco edições de O Carreteiro
que estão sendo analisadas.
Figura 24 - Uso de infográfico, típico em jornalismo de revista
Fonte: O Carreteiro, ed. 492, 2015
A edição continua com a reportagem “Conforto, eficiência e força”,
relativa ao Mercedes-Benz Atego 2430. A matéria é aberta com uma foto do
caminhão dirigido pelo editor da revista, João Geraldo, ocupando duas páginas.
O texto também é atribuído a Geraldo, novamente com especificações técnicas
a respeito do lançamento. A sequência de páginas sobre tecnologia de veículos
novos e da relação das modernidades com o caminhoneiro envolve 29 páginas
seguidas.
O tema continua na página 44, com a matéria “Treinamento online”. O
texto informa que o uso da tecnologia para treinamento e capacitação de
111
motoristas pela internet ainda enfrenta resistência no Brasil, que tem pouca
oferta nesse tipo de aperfeiçoamento. “Trata-se de uma área que vem
ganhando força mundo afora, inclusive no Brasil, onde o Sest Senat está
investindo na capacitação de motoristas de caminhão via internet”, (2015, p.
44).
Outra reportagem ao estilo que aborda opiniões de caminhoneiros sobre
algum assunto é apresentada na página 52, sob o título “Na contramão da
vida”. O texto trata sobre drogas, aditivos usados para esconder o cansaço de
horas ao volante, cumprir prazos e melhorar a remuneração por viagem. A
reportagem entrevista três motoristas. O primeiro deles, que não foi
identificado, relatou à revista seu histórico de uso de drogas e álcool para se
manter acordado, dizendo que muitas vezes perdia a noção da rota que
deveria seguir. Outro entrevistado é Antônio Vendrasco, de 62 anos de idade e
42 de profissão:
Vendrasco lembrou que quando era garoto, trabalhava com caminhão boiadeiro e a rota era de Bonifácio a São José do Xingu/MT, trecho com mais de 1.600 km, passando por estradas de terra, balsa e tudo mais. Ele explicou que os animais têm prazo para chegar no destino e se um boi morrer na viagem é o motorista quem paga. “Certa vez experimentei o tal do rebite, o negócio reagiu muito rápido e fiquei ligado. Se fosse para viajar cinco dias seguidos viajava. Mas esse negócio faz mal, foi uma vez pra nunca mais”, comentou, destacando que tem muita preocupação com os novatos, porque eles estão entrando com tudo na droga. (O CARRETEIRO, 2015, p. 54)
Assim como em edições anteriores, ficaram mantidos os vícios de
expressão do entrevistado. Além disso, a própria revista adota linguagem
simplificada ao utilizar sequências como “entrando com tudo”.
A História do Zé desta edição é intitulada “Muita fumaça ainda”. A
história começa com um relato de um colega do Zé, que ficou incomodado com
o excesso de fumaça liberado por um caminhão que seguia à sua frente, morro
acima. Os dois conversam com outro colega sobre a importância de manter o
veículo regulado, mesmo que seja antigo, para não poluir e diminuir os gastos.
No entanto, ao ir embora, o colega incomodado deixa Zé e o outro parceiro
cheios de fumaça: “Pois é, Juarez, entre saber e fazer há muita fumaça ainda!”
(p.67). Novamente, o personagem cumpre seu papel didático, ao ensinar ao
112
carreteiro a importância de manter o veículo em dia, como abordado em
reportagem anterior sobre manutenção.
Na sequência, a seção Classificados reúne os pedidos dos motoristas,
as antigas cartas do leitor, o tradicional Bate-Coração, pedidos de emprego e
homenagens. São 20 páginas de cartas e anúncios. No entanto, há um
diferencial: a mensagem antes das cartas é a seguinte:
Amigo motorista, você já pode mandar sua mensagem para publicarmos na Revista O Carreteiro também pela nossa página no Facebook: facebook.com/ocarreteiro e WhatsApp: (11) 95428-8803. Não se esqueça de colocar sua cidade e estado. (O CARRETEIRO, 2015, p. 71)
Um dos recados em destaque para a pesquisa é de Miqueias Pereira, de
Bandeirantes, São Paulo. A mensagem aborda aspectos difíceis do cotidiano
do caminhoneiro, com o título “Falta de segurança”. Por mais que sejam
mostradas diversas tecnologias ao longo da revista, certas coisas não mudam,
mas tendem a piorar com o tempo:
Gostaria de pedir às autoridades para cuidarem mais da nossa segurança, pois na rota que faço – Paraná-Santos – tem um posto na beira da rodovia Anchieta, em Santos/SP, no qual podemos aguardar carga e também onde todos os dias bandidos quebram os vidros dos caminhões na madrugada. Eles chegam ameaçando com armas e batendo nos motoristas. É isso que merecemos? Ninguém faz nada, já virou rotina. São todos menores de idade. E caso o motorista saia para dormir em outro local, a guarda portuária aplica multa por estacionar em local proibido. Aonde na Baixada Santista é permitido estacionar? Devemos arriscar nossas vidas para levar pão para casa? Isso é uma vergonha. (O CARRETEIRO, 2015, p. 81).
Por e-mail, o caminhoneiro Robinson Rezende reclama: “Desculpem
minha revolta, mas sou carreteiro e o que faz mal mesmo ao nosso coração
não é apenas a alimentação errada e sim a forma como somos tratados: com
descaso e sem valor” (p. 82). Rodrigo Robles envia: “Parabéns pelos 45 anos!
Manter o romantismo pela profissão está difícil. Não temos apoio político, o
governo faz leis absurdas para penalizar o motorista profissional que transporta
a riqueza do país” (p. 77).
113
Os relatos das cartas demonstram, além do diálogo com a revista, que
as reclamações de valorização da categoria são semelhantes às de 45 anos
atrás. Também são feitas sugestões de pauta, dentre outras reclamações e
desabafos sobre as dificuldades de ser caminhoneiro, sempre permeadas pelo
adendo “mas até hoje sobrevivo de um volante”, ou algo do gênero.
Depois das tabelas com preços dos caminhões, a edição é fechada com
a história de Jesuíno, ajudante do Zé. Ele brinca com o fato de, quando está
frio, sair “fumaça branca” da boca. “Já imaginou se a gente também soltasse
fumaça preta? Sinal que a estava totalmente desregulado” (p. 98).
A edição é carregada de tecnologia, seja nos caminhões apresentados,
seja na preocupação em trazer matérias que tratem do treinamento para
caminhoneiros operarem as modernidades dos novos veículos, seja no convite
para que interajam com a revista online. Pelo menos 37 das 100 páginas, ou
37% da revista aborda tecnologia de alguma forma.
4.8 PÓS-ANÁLISE
Após a análise das cinco edições, podem-se perceber diversas
inferências, como sugere Bardin na teoria referente à Análise de Conteúdo. A
segmentação se comprovou ao longo da pesquisa, ao verificar que as edições
têm características intrínsecas ao seu público-alvo, desde sua forma de
circulação até as abordagens, pautas, linguagem e publicidade utilizadas. Sua
especificidade se revela na escolha do vocabulário, conforme verificado
durante a análise, na exposição dos motoristas em fotografias e na valorização
de suas opiniões para a construção de reportagens.
Outro aspecto que se pode inferir é referente à durabilidade da revista.
Muitos veículos impressos migraram para a plataforma digital com a crescente
utilização da internet e com o aumento nos custos de impressão. Apesar disso,
a revista O Carreteiro conseguiu se manter em circulação impressa, até então,
comprovando sua aceitação por parte dos anunciantes – cabe lembrar que as
revistas são distribuídas gratuitamente – e dos leitores. Além disso, a
publicação mantém ativos site e perfis em redes sociais, para dialogar com seu
público.
114
E justamente a adaptação que a revista sofreu ao longo das décadas é
outro aspecto notado, tanto positivamente quanto negativamente. Do lado
positivo, a revista soube continuar em contato com seu leitor em diversas
plataformas. Começou com cartas, incentivando-o a fazer isso, passou para fax
e e-mail, sendo que, atualmente, solicita contato por meio de aplicativos e
redes sociais.
Estas adaptações também são observadas nas pautas, de forma
negativa, que deixaram de tratar de dramas e problemas típicos do
caminhoneiro para dar espaço a lançamentos de modelos novos de caminhão
e demais novidades de montadoras. Este aspecto mais comercial acaba por
apontar uma mudança no cerne da revista, que relegou ao caminhoneiro
espaços menores, mas fixos, como a seção “Classificados”, ou ainda matérias
menores, sem chamadas de capa.
Por fim, infere-se que a revista é, sim, um produto jornalístico de boa
qualidade, uma vez que se mantém em circulação por um longo período de
tempo com características que permeiam toda a sua trajetória, apesar das
adaptações que sofreu durante as décadas. A revista é bem diagramada
atualmente e soube se adequar, neste primeiro momento, ao avanço da
internet, lançando site atualizado e permitindo aos leitores baixar as edições
em dispositivos móveis por meio de aplicativo.
Nota-se também que se trata de um produto jornalístico de relevância
social, por trazer à tona uma classe carente de valorização, dialogando com ela
e produzindo jornalismo acessível a toda a sociedade. Remete, assim, a uma
das missões do jornalismo: trazer à tona quem e o que está à margem.
115
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observou-se até aqui que o caminhoneiro pertence a um grupo de
trabalhadores que enfrenta inúmeros desafios diários, sendo a valorização de
sua classe uma de suas maiores lutas. Retratado nas páginas da revista O
Carreteiro, o caminhoneiro tem suas reivindicações manifestadas. O jornalismo
segmentado, diferentemente do jornalismo especializado, como visto no
capítulo dois, traduz-se no surgimento de publicações como essa, que
envolvem uma série de peculiaridades para atenderem seus públicos.
Para chegar até aqui, foi necessário percorrer um caminho de pesquisa
sobre o jornalismo de revista e sobre como fazer jornalismo impresso, a fim de
que se pudesse entender melhor como a revista O Carreteiro atua dentro do
jornalismo. O terceiro capítulo nos trouxe outros exemplos de jornalismo
segmentado voltado ao caminhoneiro, como as revistas Carga Pesada e
Caminhoneiro, e ainda como os programas Siga Bem Caminhoneiro e Brasil
Caminhoneiro. Essa parte da pesquisa trouxe, ainda, programas mais
massivos que expuseram a figura do carreteiro para todo o país, como o
seriado de televisão Carga Pesada, com seus tradicionais personagens Pedro
e Bino, muito lembrados, ainda hoje, nas redes sociais.
O quarto capítulo trouxe a análise, subdividida em três partes. A pré-
análise elucidou a delimitação do material, que considerou as edições da
revista O Carreteiro de outubro/novembro de 1975 (edição bimestral), março de
1985, setembro de 1995, fevereiro de 2005 e outubro de 2015. Cada uma
destas revistas foi dissecada ao longo da análise, que buscou onde a
publicação valorizou o caminhoneiro ao longo de suas páginas.
Como acessórios à análise, foram considerados aspectos relativos à
fotografia, publicidade e diagramação. As histórias em quadrinhos do Zé da
Estrada foram outro aspecto analisado, a cada edição, revelando as mudanças
do personagem ao longo do tempo. A pós-análise, enfim, trouxe à tona
aspectos observados, tais como a segmentação/especificidade, a durabilidade,
a adaptação e a qualidade do material.
Diante do caminho percorrido, é possível contemplar as hipóteses
formuladas e estabelecer a cada uma delas um desfecho. A primeira levantada
116
é a de que a revista valoriza o caminhoneiro com sua linha editorial. Esta
hipótese é comprovada parcialmente, uma vez que o material analisado
contempla reportagens que privilegiam, em sua maioria, a fala do caminhoneiro
sobre os assuntos abordados, especialmente nas três primeiras revistas
analisadas. As duas últimas revistas, mais recentes, trazem destaque maior
para caminhões e não para caminhoneiros.
A última edição analisada, de 2015, por exemplo, traz seis reportagens
sobre lançamentos de caminhões e apenas duas sobre o cotidiano do
caminhoneiro, relativas à manutenção do veículo e ao uso de drogas. O espaço
destinado ao caminhoneiro acabou por ser reduzido, dando mais espaço aos
caminhões e às montadoras, que financeiramente sustentam a revista por meio
de anúncios.
A segunda hipótese considera que a revista seria a porta-voz do
caminhoneiro brasileiro. Esta hipótese é comprovada, haja vista os espaços
destinados para a fala específica do profissional ao longo da publicação e
dentro das próprias reportagens. Na primeira edição analisada, a seção Posto
Zero abria a revista, relatando os problemas dos caminhoneiros. Esta mesma
seção esteve presente nas edições de 1985 e 1995, ambas com quatro
páginas cada, destinadas especialmente para que os caminhoneiros
“colocassem a boca no trombone”.
Além disso, a revista sempre incentivou o carreteiro a escrever para a
publicação, contando seus problemas. Nas primeiras edições analisadas, deixa
uma página específica para isso, pronta para ser destacada e colocada no
correio, de forma que não prejudicasse a revista ao ser recortada. Também
alertou o caminhoneiro para que não se preocupasse com sua letra, sugerindo,
inclusive, formas para que pudesse colocar a carta no correio. Essa
comunicação continuou nas duas últimas edições analisadas, por meio do
incentivo para envio de e-mails e mensagens em redes sociais.
Outro aspecto que reforça que a revista é porta-voz do caminhoneiro se
mostra quando são publicadas reportagens que trazem apenas a visão do
carreteiro sobre algum assunto, sem outras palavras de autoridade, ou quando
o número de opiniões de caminhoneiros é muito maior que o de outras pessoas
117
entrevistadas. Além disso, inúmeros problemas são abordados ao longo das
cinco revistas analisadas, tais como filas para carga e descarga nos portos,
falta de cooperativas de caminhoneiros, frete com preço baixo, alto preço pago
pela alimentação, subornos cobrados por policiais, entre outros.
Na terceira hipótese, considera-se que a revista traria mudanças na sua
forma de divulgar o caminhoneiro durante as cinco décadas. Essa hipótese se
confirma, especialmente quanto ao personagem Zé da Estrada. Primeiramente
chamado de Zé Sujinho, era apresentado como um sujeito com barba por fazer
e camisa amarrada, com barriga à mostra, tendo à mão um cigarro ou um copo
de bebida. Ao longo das edições, o personagem teve seu desenho modificado,
tornando-se um caminhoneiro de aparência limpa, sem cigarros ou bebidas,
com camisa bem vestida e barba feita. O nome “Zé Sujinho” foi trocado por “Zé
da Estrada”, tendo como principal função na revista a missão de ser um
personagem didático, ensinando lições por meio de suas histórias.
Ainda quanto a esta hipótese, nota-se a mudança do perfil machista, de
certa forma, apresentado em algumas edições da revista, sob o slogan “A
revista do homem do transporte rodoviário”. Estas edições, dos anos 70 e 80,
traziam inúmeras peças publicitárias com fotografias de mulheres em teor
sensual. Eram encartados, inclusive, calendários com fotos de mulheres
seminuas na revista O Carreteiro. Este comportamento mudou nas edições a
partir dos anos 90, quando esse tipo de material deixou de ser publicado e o
antigo slogan caiu em desuso.
A última hipótese aponta que a revista teria se tornado superficial nas
suas abordagens, ao longo do tempo. Esta hipótese é confirmada em partes,
uma vez que, assim como mencionado na primeira hipótese, a revista passou a
dar menos espaço para reportagens sobre o cotidiano do caminhoneiro para
dar destaques às novidades no mercado de caminhões. Estas novidades,
muitas vezes, sequer cabiam no bolso do leitor, como o próprio editor
mencionava em seus editoriais, a respeito da dificuldade que o caminhoneiro
tinha para trocar de veículo. Muitos aspectos interessantes de edições antigas
acabaram se perdendo ao longo dos anos, dando espaço para outros assuntos
que trazem, de certa forma, uma nova forma de abordar o caminhoneiro:
118
incentivando-o a atualizar-se e a buscar o que o mercado pode lhe oferecer de
melhor.
Diante disso, percebe-se que a questão norteadora foi respondida: a
revista O Carreteiro valoriza o caminhoneiro por meio de suas reportagens, do
fiel espaço para que possam emitir suas opiniões, enviar cartas com assuntos
como amor ou problemas, publicar fotografias suas, mostrar suas
singularidades e aventuras em personagens como o Zé da Estrada. Enfim, falar
a sua língua. Os objetivos foram atingidos, quanto ao estudo do jornalismo
segmentado e jornalismo de revista, bem como quanto à meta de inserir a
pauta dos caminhoneiros no âmbito da universidade.
Este objetivo, particularmente, só foi possível porque um caminhoneiro
inseriu primeiro esta estudante na universidade, para que ela pudesse, agora,
inserir um pouco do seu mundo no meio acadêmico.
119
REFERÊNCIAS
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120
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122
ANEXOS
ANEXO A – PRIMEIRA EDIÇÃO DA REVISTA DO ZÉ CARRETEIRO
123
ANEXO B – POSTO ZERO, NA EDIÇÃO DE O CARRETEIRO DE JUNHO/JULHO DE 1975
124
ANEXO C – CAPA VALORIZA CAMINHONEIRO E ESPOSA (1987)
125
ANEXO D – ABERTURA DE MATÉRIA ESPECIAL NOS ESTADOS UNIDOS (1982)
126
ANEXO E – PUBLICIDADE COM TEOR SENSUAL (1982)
127
ANEXO F – CAPA COM FOTO PIXELIZADA (1993)
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ANEXO G – WALDICK SORIANO E SUA GAITA (1975)
129
ANEXO H – ILUSTRAÇÃO IRONIZA FILAS (1975)
130
ANEXO I – HORÓSCOPO DO CAMINHONEIRO (1975)
131
ANEXO J – SEÇÃO OPINIÃO DE MULHER (1985)
132
ANEXO K – SEÇÃO COLEGAS DE ESTRADA (1995)
133
ANEXO L – METALINGUAGEM NA DIAGRAMAÇÃO (1995)
134
ANEXO M – ANÚNCIO PEDE PARTICIPAÇÃO VIA REDES SOCIAIS (2015)
135
ANEXO N – PROJETO DE PESQUISA
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