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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ CAMPUS DE FOZ DO IGUAÇU
CENTRO DE EDUCAÇAO, LETRAS E SAÚDE PROGRAMA DE MESTRADO EM SOCIEDADE, CULTURA E FRONTEIRAS.
LINHA DE PESQUISA: TERRITÓRIO, HISTÓRIA E MEMÓRIA.
FABIANO BORDIGNON
AS COOPERAÇÕES POLICIAIS INTERNACIONAIS EM FRONTEIRAS, DO LOCAL AO GLOBAL: O COMANDO TRIPARTITE NA TRÍPLICE
FRONTEIRA ARGENTINA, BRASIL E PARAGUAI.
MARÇO 2019
FABIANO BORDIGNON
AS COOPERAÇÕES POLICIAIS INTERNACIONAIS EM FRONTEIRAS, DO LOCAL AO GLOBAL: O COMANDO TRIPARTITE NA TRÍPLICE
FRONTEIRA DE ARGENTINA, BRASIL E PARAGUAI.
Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Cultura e Fronteiras, do Centro de Educação, Letras e Saúde da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Sociedade, Cultura e Fronteira. Linha de pesquisa: Território, História e Memória. Área de concentração: Sociedade, Cultura e Fronteira. Orientador: Prof. Dr. Mauro José Ferreira Cury.
MARÇO 2019
“A vida é a arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida”
(Baden Powell, Marcelo Peixoto e Vinícius de Moraes – Samba da Benção)
AGRADECIMENTOS
A Deus pelo dom da vida, proteção e saúde para chegar até aqui. Esta dissertação é resultado conjunto de muitas mãos, almas e
caminhadas. À minha esposa Cintia, companheira de fronteiras há 25 anos, com
quem fiz as nossas principais obras transdisciplinares: nossos filhos Tarsila, Santiago e Danilo. A vocês dedico minha vida. Viverei sempre em vocês.
Aos meus saudosos Pais, primeiros e eternos professores: Danilo Bordignon e Paola Ghermandi Bordignon. Como discípulo e filho busco sempre em vocês minha inspiração, exemplo e alegria.
Ao meu irmão Juliano Bordignon, pesquisador incansável da vida e grande parceiro sempre.
Ao Professor Dr. Mauro José Ferreira Cury, pela confiança, motivação e excelente parceria na orientação desta humilde pesquisa, sempre disposto a ajudar e discutir os caminhos e rumos do trabalho. Ultrapassou as fronteiras de Brasília e veio aqui me ajudar na revisão final. Gratidão sempre.
À Universidade Estadual do Oeste do Paraná, ao Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Cultura e Fronteiras, do Centro de Educação e Letras da UNIOESTE, campus Foz do Iguaçu, Professores, colegas discentes e servidores.
À Polícia Federal pela autorização e oportunidade de realizar a pesquisa. Meu agradecimento pessoal aos amigos Rosalvo Ferreira Franco e Maurício Valeixo, Superintendentes da Polícia Federal no Paraná durante a realização do meu Mestrado. Aos amigos Mozart Person Fuchs, que me substituiu na Chefia da Delegacia de Foz durante os períodos de afastamento necessários à conclusão da obra e Carlos Eduardo Vieira Bianchi e equipe, que me ajudaram na reunião, compilação e impressão das atas de mais de 20 anos de reuniões do Comando. Meus agradecimentos também aos Delegados Alessandro Maciel Lopes, na época Chefe da Delegacia da PF de Santana do Livramento/RS e aos Adidos da PF em Asunción e Buenos Aires, respectivamente: Cassius Valentim Baldelli e Luiz Carlos Nóbrega Nelson.
Aos Policiais do Brasil e do mundo na esperança de que a pesquisa possa ajudar nas operações interagências, com a compreensão da natureza interdisciplinar das ações. Meu especial agradecimento aos servidores e amigos da Delegacia de Polícia Federal de Foz do Iguaçu e ao Gabinete de Gestão Integrada de Fronteiras do Paraná.
Aos integrantes do Comando Tripartite, Argentina, Brasil e Paraguai, com quem pude compartilhar experiências e vivências fundamentais para a conclusão desta pesquisa.
À Justiça Federal, especialmente à Subseção Judiciária de Foz do iguaçu e ao Dr. Matheus Gaspar por ter fornecido acesso aos processos utilizados como base para o estudo de caso.
À Receita Federal do Brasil, especialmente à Alfândega em Foz do Iguaçu, na pessoa do então Delegado Chefe Rafael Rodrigues Dolzan e Neri Antonio Parcianello, pelo fornecimento de dados para a presente pesquisa.
À Comissão Examinadora de Qualificação, composta pelos Professores Dr. Mauro José Ferreira Cury, Dra. Elaine Cristina Francisco Volpato, Dr. José Carlos dos Santos e Dra. Denise Rosana Silva Moraes pelos apontamentos e observações lançadas.
Aos Professores da Comissão Examinadora da banca de dissertação Dr. Mauro José Ferreira Cury, Dra. Elaine Cristina Francisco Volpato, Dr. José Carlos dos Santos e Dr. Milton Augusto Pasquotto Mariani pelas críticas e ensinamentos apresentados.
Ao Amigo Luciano Barros e equipe do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras – IDESF, pelo apoio inexorável às pesquisas sobre fronteiras no Brasil.
A todos os Amigos que me ajudaram nesta pesquisa de Mestrado. Vocês ultrapassaram as fronteiras comigo.
BORDIGNON, Fabiano. As cooperações policiais internacionais em fronteiras, do local ao global: o Comando Tripartite na Tríplice Fronteira de Argentina, Brasil e Paraguai.2019. (149 p.). Dissertação (Mestrado em Sociedade, Cultura e Fronteiras) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Foz do Iguaçu, 2019.
RESUMO
O objetivo desta pesquisa consiste na apresentação do Comando Tripartite, como modelo de cooperação policial na Tríplice Fronteira, de Puerto Iguazu– Argentina; Foz do Iguaçu-Brasil; e Ciudad del Este – Paraguai, instituído em 1996. O tema relacionado às fronteiras nacionais permite analisar a complexidade das aproximações territoriais e as possíveis territorialidades que são estabelecidas pelos povos, a partir de uma amplitude local para o global. Utiliza-se o estudo de caso, mediante análise da cooperação policial local empregada, via Comando Tripartite, na resposta à série de crimes cometidos em abril de 2017 na empresa de transporte e guarda de valores PROSEGUR em Ciudad del Leste, Paraguai. Demonstra que o fenômeno interdisciplinar pode ser empregado como início de uma teoria geral para operações policiais integradas, considerado no âmbito interno de cada país, bem como internacionalmente, pois cada polícia, com sua formação, doutrina e atuação, pode ser vista como uma disciplina. Para superar as barreiras do isolacionismo disciplinar, como verificado nas ciências, é necessário um salto interdisciplinar de forma a garantir que o reconhecimento das diversas especializações necessárias ao trabalho policial não sirva de separação, mas sim represente a necessária união de esforços e de conhecimentos. A pesquisa é inédita pela proposta de estudar a formação, organização e dinâmica de uma organização local de cooperação policial, na mais dinâmica fronteira da América Latina. O método utilizado mescla fontes documentais, bibliográficas, estudo de caso e pesquisa participante de campo a fim de elaborar a pesquisa. Reconhece que a complexidade do fenômeno da criminalidade transnacional pode ser vencida pela coordenação e convergência de saberes, típicos de uma visão multidisciplinar e interdisciplinar, respectivamente.
Palavras-chave: Tríplice Fronteira; Comando Tripartite; Cooperação; Polícia; Internacional; Interdisciplinaridade.
BORDIGNON, Fabiano. As cooperações policiais internacionais em fronteiras, do local ao global: o Comando Tripartite na Tríplice Fronteira de Argentina, Brasil e Paraguai.2019. (149 p.). Dissertação (Mestrado em Sociedade, Cultura e Fronteiras) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Foz do Iguaçu, 2019.
RESUMEN
El objetivo de esta investigación consiste en la presentación del Comando Tripartita, como modelo de cooperación policial en la Triple Frontera, de Puerto Iguazú - Argentina; Foz do Iguaçu - Brasil; y Ciudad del Este - Paraguay, instituido en 1996. El tema relacionado a las fronteras nacionales permite analizar la complejidad de las aproximaciones territoriales y las posibles territorialidades que son establecidas por los pueblos, a partir de una amplitud local para lo global. Se utilizó el estudio de caso, mediante análisis de la cooperación policial local empleada, vía Comando Tripartita, en la respuesta a la serie de crímenes cometidos en abril de 2017 en la empresa de transporte y custodia de valores PROSEGUR en Ciudad del Este, Paraguay. En el caso de las mujeres, las mujeres y las mujeres, en el caso de las mujeres, en el caso de las mujeres. Para superar las barreras del aislacionismo disciplinario, como verificado en las ciencias, es necesario un salto interdisciplinario para garantizar que el reconocimiento de las diversas especializaciones necesarias al trabajo policial no sirva de separación, sino que represente la necesaria unión de esfuerzos y de conocimientos. La investigación es inédita por la propuesta de estudiar la formación, organización y dinámica de una organización local de cooperación policial, en la más dinámica frontera de América Latina. El método utilizado mezcla fuentes documentales, bibliográficas, estudio de caso e investigación participante de campo a fin de elaborar la investigación. Reconoce que la complejidad del fenómeno de la criminalidad transnacional puede ser vencida por la coordinación y convergencia de saberes, típicos de una visión multidisciplinaria e interdisciplinaria, respectivamente.
Palabras clave: Tríplice Frontera; Comando Tripartita; cooperación; La Policía; Internacional; Interdisciplinariedad.
BORDIGNON, Fabiano. As cooperações policiais internacionais em fronteiras, do local ao global: o Comando Tripartite na Tríplice Fronteira de Argentina, Brasil e Paraguai.2019. (149 p.). Dissertação (Mestrado em Sociedade, Cultura e Fronteiras) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Foz do Iguaçu, 2019.
ABSTRACT
The objective of this research consists of the presentation of the Tripartite Command, as a model of police cooperation in the Triple Border, of Puerto Iguazu - Argentina; Foz do Iguaçu - Brazil; and Ciudad del Este - Paraguay, instituted in 1996. The theme related to national boundaries allows us to analyze the complexity of territorial approximations and the possible territorialities that are established by the peoples, from a local to a global extent. The case study is used, through an analysis of the local police cooperation employed, via Tripartite Command, in response to the series of crimes committed in April 2017 at the PROSEGUR transport and custody company in Ciudad del Este, Paraguay. It shows that the interdisciplinary phenomenon can be used as the beginning of a general theory for integrated police operations, considered internally within each country, as well as internationally, since each police, with its training, doctrine and action, can be seen as a discipline. To overcome the barriers of disciplinary isolationism, as witnessed in the sciences, an interdisciplinary leap is necessary in order to ensure that the recognition of the various specializations required for police work does not serve as a separation, but rather represents the necessary union of efforts and knowledge. The research is unpublished by the proposal to study the formation, organization and dynamics of a local organization of police cooperation, in the most dynamic frontier of Latin America. The method used mixes documentary, bibliographic, case study and field participant research in order to elaborate the research. It recognizes that the complexity of the phenomenon of transnational crime can be overcome by the coordination and convergence of knowledge, typical of a multidisciplinary and interdisciplinary view, respectively.
Keywords: Triple Border; Tripartite Command; Cooperation; Police; International; Interdisciplinarity.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Municípios do Paraná e a Faixa de Fronteira.....................................36
Figura 2. Lançamento da Base da Polícia Federal no Rio Paraná, em Foz do
Iguaçu................................................................................................................76
Figura 3. Símbolo do Comando Tripartite.........................................................91
Figura 4. Localização da empresa Prosegur em Ciudad del Este...................111
Figura 5. Empresa PROSEGUR após o assalto.............................................112
Figura 6. Locais da fuga dos assaltantes da empresa
Prosegur..........................................................................................................113
Figura 7. Casa utilizada pelos criminosos em CDE.........................................116
Figura 8. Vestígios examinados pelos peritos criminais.................................118
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Resultados da Operação Muralha em 2016, 2017 e
2018...................................................................................................................74
Tabela 2. Apreensões no rio Paraná e lago de Itaipu e valores estimados em US$ - 2018.........................................................................................................77
Tabela 3. Zonas Bipartites de Segurança entre cidades da Argentina e
Paraguai.............................................................................................................97
Tabela 4. Zonas Bipartites de Segurança entre cidades da Argentina e
Bolívia................................................................................................................98
Tabela 5. Inquéritos policiais decorrentes dos crimes do assalto a
PROSEGUR....................................................................................................108
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABIN Agência Brasileira de Inteligência
AMERIPOL Comunidade de Polícias das Américas
ANTT Agência Nacional de Transportes Terrestres
CAPE -PR Coordenadoria de Análise e Planejamento Estratégico do
Paraná.
CICC Centros Integrados de Comando e Controle
CICCL Centros Integrados de Comando e Controle Locais
CICCM Centros Integrados de Comando e Controle Móveis
CICCNA Centro Integrado de Comando e Controle Nacional
Alternativo
CICCR Centros Integrados de Comando e Controle Regionais
CODEFOZ Conselho de Desenvolvimento de Foz do Iguaçu
COC Centros de Operações Conjuntas
CT Comando Tripartite
DER
DNAISP
Departamento de Estradas de Rodagem
Doutrina Nacional de Atuação Integrada de Segurança
Pública
EAD Ensino à Distância
ENAFRON Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras
EUA Estados Unidos da América
EUROPOL Serviço Europeu de Polícia
FIFA Federação Internacional de Futebol
GGIF Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteiras
GM Guarda Municipais
GSI Gabinete de Segurança Institucional
IDESF Instituto de Desenvolvimento Social e Econômico de
Fronteiras
JF Justiça Federal
MCN Matriz Curricular Nacional
MESP Ministério Extraordinário de Segurança Pública
MERCOSUL Mercado Comum do Sul
MPF Ministério Público Federal
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
OICP/
INTERPOL
Organização Internacional de Polícia Criminal
PC Polícia Civil
PEF Plano Estratégico de Fronteiras
PF Polícia Federal
PPIF Programa de Proteção Integrada de Fronteiras
PNSPDS Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social
POE Plataformas de Observação Elevada
PRF Polícia Rodoviária Federal
PRONASCI Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania
RF Receita Federal do Brasil
SEDEC Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil
SENAD Secretaria Nacional de Política Sobre Drogas
SENASP
SEOPI
Secretaria Nacional de Segurança Pública
Secretaria de Operações Integradas
SESGE Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes
Eventos
SESP/PR Secretaria de Segurança Pública do Estado do Paraná
SICC Sistema Integrado de Comando e Controle da Segurança
Pública para Grandes Eventos
SIC4 Sistema Integrado de Coordenação, Comunicação,
Comando e Controle
SISBIN Sistema Brasileiro de Inteligência STF Supremo Tribunal Federal
SUSP Sistema Único de Segurança Pública
TCU Tribunal de Contas da União
EU União Europeia
UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paraná
SUMÁRIO
SUMÁRIO ........................................................................................................ 13
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 14
1 A FORMAÇÃO DE POLÍCIAS VISTAS COMO DISCIPLINAS .................... 26
1.1 FRONTEIRAS, LIMITES E CRIMINALIDADE. ............................................................................... 26
1.2 INTERDISCIPLINARIDADE E A CONVERGÊNCIA NOS TRABALHOS DE SEGURANÇA PÚBLICA ............ 38
1.3 A INTERDISCIPLINARIDADE E APLICAÇÃO NAS AÇÕES INTEGRADAS DE SEGURANÇA PÚBLICA. ..... 41
1.4 A “POLÍCIA” E O “SISTEMA” DE SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL. ................................................. 57
1.5 OS GRANDES EVENTOS E UM MODELO DE ATUAÇÃO INTEGRADA ................................................. 66
1.6 AÇÕES E COOPERAÇÕES DE SEGURANÇA LOCAL NA TRÍPLICE FRONTEIRA. .................................... 72
2 DO LOCAL PARA O GLOBAL: AS COOPERAÇÕES POLICIAIS EM REGIÕES DE FRONTEIRA E O COMANDO TRIPARTITE COMO ASPECTO DA COOPERAÇÃO PENAL INTERNACIONAL ............................................. 79
2.1 A COOPERAÇÃO POLICIAL E JURÍDICA INTERNACIONAL ................................................................. 79
2.2 O COMANDO TRIPARTITE. .............................................................................................................. 87
2.3 O COMANDO TRIPARTITE –MODELO DE COOPERAÇÃO POLICIAL EM ZONAS BIPARTITES .............. 97
2.4 O COMANDO TRIPARTITE - DIFICULDADES À COOPERAÇÃO POLICIAL ............................................ 99
3 ESTUDO DE CASO – CRIMES TRANSNACIONAIS NA EMPRESA PROSEGUR EM CIUDAD DEL ESTE (22/04/2017) ...................................... 105
3.1 CRIMES TRANSNACIONAIS ........................................................................................................... 108
3.2 RELATO DO CASO PROSEGUR. ...................................................................................................... 110
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 123
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 128
14
INTRODUÇÃO
O objetivo geral da pesquisa é o estudo das cooperações policiais nas
regiões de fronteira do Brasil, especialmente na área das territorialidades
transfronteiriças entre as cidades de Foz do Iguaçu – Brasil, Puerto Iguazú-
Argentina, e a conurbação de Ciudad del Este, Hernandárias, Puerto Presidente
Franco e Minga-Guazú no Paraguai que compreendem o cerne da Tríplice
Fronteira.
Seja no aspecto interno entre as polícias brasileiras e no âmbito
internacional, com as polícias da Argentina e Paraguai, surge como modelo, o
Comando Tripartite - CT, instrumento de cooperação policial local, instituído em
1996 pelos Ministros da área de segurança pública destes países e em pleno
funcionamento desde então.
Para cumprir a pesquisa, propõem-se objetivos específicos que serão
estudados em cada um dos capítulos decorrentes, derivados diretamente do
objetivo principal de estudo:
a) No primeiro capítulo, juntamente com a apresentação das fronteiras do
Brasil e da tríplice fronteira será discutida uma proposta inicial de teoria geral do
trabalho policial integrado naquelas regiões, a partir das teorias da
interdisciplinaridade, com pressuposto de que cada polícia é uma disciplina a
parte, com sua doutrina, formação, normas e objetivos próprios. Posteriormente
apresentar-se-á a estrutura atual das polícias no Brasil, vistas como disciplinas
mais estanques do que interdisciplinares, as iniciativas de integração nas
atuações de fronteira a partir de 2011, como os Gabinetes de Gestão Integrada
de Fronteiras (GGIF), a forma de integração utilizada nos grandes eventos
esportivos e outros exemplos locais na região de Foz do Iguaçu/PR.
Será exposta a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social
(PNSPDS) e o pretendido Sistema Único de Segurança Pública (SUSP),
previstos a partir da lei 13.675, de 11 de junho de 2018 e decreto nº 9.489, de
30 de agosto de 2018, além dos decretos sobre planos de segurança para as
fronteiras nacionais, quais sejam os de números 7.496, de 8 de junho de 2011,
posteriormente revogado pelo 8.903, de 16 de novembro de 2016.
Será utilizada a pesquisa bibliográfica, a fim de estabelecer um suporte
teórico para a pesquisa, e a experiência pessoal do autor, enquanto Chefe da
15
Delegacia da Polícia Federal de Foz do Iguaçu, de junho de 2015 a dezembro
de 2018 e coordenador do CT pelo Brasil no mesmo período, circunstâncias que
levaram-me a ter uma relação de proximidade e de contato direto com o tema da
pesquisa, qual seja, a cooperação policial em regiões de fronteira, no aspecto
local e global.
b) No capítulo dois, a proposta é identificar e demonstrar a estrutura de
criação, gestão, funcionamento e alguns resultados do CT, no período de 1996
a 2018, como exemplo de organismo de cooperação policial local em regiões de
fronteira e modelo que pode ser disseminado para outras áreas e demonstrar
algumas dificuldades à cooperação policial nas fronteiras.
A pesquisa destaca a possibilidade da troca ágil de informações policiais,
mediante auxílios diretos sem a necessária participação de órgãos centrais na
transmissão de documentos e informações. Não se pretende negligenciar e
desmerecer o papel dos órgãos centrais nas cooperações policiais, e sim dar o
máximo de agilidade e resultado às cooperações nas fronteiras, sem prejuízo da
comunicação, registro estatístico e consulta dos resultados pelos órgãos
hierarquicamente superiores.
Como caminho metodológico, utilizar-se-á naturalmente o empirismo, com
o relato da experiência do autor junto ao CT e estudo de caso mas também o
estruturalismo, que consiste na reflexão constante das relações humanas com o
meio social, com a natureza e, especificamente, com as fronteiras. Uma reflexão
que cria representações sobre essas relações. Por exemplo, ao se afirmar que
é necessário ver as fronteiras entre os países mais como lugares e regiões de
encontro do que como espaços de limites, de fim, de término, procura-se
estruturar uma forma de pensar o fenômeno, uma ideia sobre o tema, com a
fixação de uma visão de mundo, uma tomada de decisão, um ponto de partida
(Richardson, 2012, p.38):
Utilizar-se-á, o empirismo e o estruturalismo, mas não apenas eles. Não
se pode esquecer, como método, os aspectos históricos de evolução das
cooperações policiais. A pesquisa perpassa uma ótica do local ao global, com
emprego pontual do método dialético, ponderando-se, necessariamente, a
evolução histórica dos conceitos, e o inexorável movimento das dinâmicas
policiais nas fronteiras.
16
c) Finalmente, no terceiro capítulo, será apresentado exemplo de atuação
integrada de polícias para fronteiras a partir de um estudo de caso específico
enfrentado pelo CT: o caso PROSEGUR de abril de 2017, em que criminosos
realizaram audaciosa ação delituosa na empresa de guarda e transporte de
valores em Ciudad del Leste, no Paraguai, subtraindo mais de 11 milhões de
dólares.
O estudo de caso visa descrever circunstâncias que corroboram a teoria
apresentada. Parte da ação criminosa à resposta policial, cujo sucesso parcial,
com prisões, confrontos e recuperação de valores subtraídos foram
potencializadas pelo entrosamento local das equipes policiais brasileiras,
paraguaias e argentinas nos primeiros dias após os crimes.
Num segundo momento, o estudo de caso demonstrará a aplicabilidade
de uma das hipóteses suscitadas para a pesquisa: que as cooperações policiais
nas fronteiras devem estabelecer-se localmente, sem necessidades de
acionamento dos órgãos centrais dos países envolvidos, a não ser,
posteriormente, pós-cooperação, com a finalidade de controle estatístico e
revisão.
O estudo de caso, conforme Yin (2015, p.17) “é uma investigação
empírica que investiga um fenômeno contemporâneo (o ‘caso’) em profundidade
e em seu contexto de mundo real”. Para viabilizar o estudo, serão analisados, a
partir de autorização e ações judiciais, além dos inquéritos policiais instaurados
pela Polícia Federal em Foz do Iguaçu para a investigação dos fatos, ações
penais decorrentes e as trocas de provas e informações realizadas direta e
localmente entre autoridades do Brasil e Paraguai a partir do marco de
cooperação do CT.
A questão norteadora da pesquisa é, portanto: como estabelecer
princípios para o trabalho policial integrado nas regiões de fronteira, com base
na experiência da Tríplice Fronteira, de forma a possibilitar maior rendimento e
efetividade nas ações conjuntas? E como afastar barreiras ao trabalho policial
integrado nessas mesmas territorialidades?
Como hipóteses para responder aos questionamentos, afirma-se que a
falta de integração policial e do sistema de justiça criminal favorece a expansão
do crime organizado. Exemplo geral foram os ataques de 11 de setembro de
2001 em que várias agências norte-americanas não conseguiram interagir de
17
forma adequada, com favorecimento à ação de terroristas em solo norte
americano.
Naquele trágico episódio percebeu-se que cada agência norte-americana
detinha peças de um quebra-cabeças que por falta de integração e excesso de
competição não permitiram a montagem prévia aos episódios que vitimaram
aproximadamente 3.000 pessoas.
Posteriormente ao evento terrorista, os Estados Unidos da América-EUA
investiram em fusion centers1 capazes de permitir, ao menos em tese, a troca
imediata de informações e a convivência constante e diversa de vários atores de
segurança, fiscalização e inteligência que antes pouco se encontravam e nada
ou muito pouco compartilhavam de informações e conhecimentos.
A cooperação se dá a partir do encontro e da disposição em enfrentar
desafios conjuntos. Incentivar estas relações humanas é permitir o
reconhecimento das diferenças, singularidades, similaridades, favorecer a
criação de redes de comunicação e de colaboração. O desafio é buscar redes
horizontais que permitam colaborações constantes e integradas, ao invés de
redes verticais - hierárquicas e vinculadas a órgãos centrais - que representam
barreiras à passagem do conhecimento e da colaboração.
Para Raffestin (1993, p.204):
A rede é proteiforme, móvel e inacabada, e é dessa falta de acabamento que ela tira sua força no espaço e no tempo: se adapta às variações do espaço e às mudanças que advêm no tempo. A rede faz e desfaz as prisões do espaço, tornado território: tanto libera como aprisiona. É o porquê de ela ser o ‘instrumento’ por excelência do poder.
Rafestin prossegue com o pensamento de rede tomadas como um
“sistema de linhas que desenham tramas”. As redes podem ser abstratas ou
1Centros de fusão ou fusion centers, como sugere o nome, são locais em que profissionais de segurança, inteligência e até mesmo de defesa civil, coletam, analisam, consolidam e difundem informações relevantes para a segurança pública preponderantemente de forma pró-ativa, buscando evitar eventos criminosos. Nasceram, na formação atual, nos Estados Unidos da América após os atentados terroristas de setembro de 2001. Conforme o Sumário Executivo para fusion centers, publicado conjuntamente pelo Departamento de Justiça e de Segurança Interna do EUA, consistiria em um “[...] um mecanismo eficaz e eficiente para trocar informações e inteligência, maximizar recursos, simplificar operações e melhorar a capacidade de combater o crime e o terrorismo, mesclando dados de várias fontes. https://web.archive.org/web/20071219192546/http://it.ojp.gov/documents/fusion_center_executive_summary.pdf (em 06/08/2018).
18
concretas, invisíveis ou visíveis, podem assegurar a comunicação, mas também
desenhar limites ou fronteiras. (op.cit, p.156)
Como limitadores de ação têm-se redes como muros, barreiras e
cercaduras, como nos casos de redes verticais, das fronteiras imateriais
representadas pelas paquidérmicas burocracias e pelas distâncias dos centros
de decisão política estatais, localizados nas capitais dos Estados Nacionais, que
percebem as fronteiras como bordas finais do território, zonas de amortecimento,
distantes e marginalizados naturalmente dos fóruns estratégicos e das decisões
políticas.
Para esta pesquisa, toma-se a noção de redes horizontais como contato,
enlace, colaboração entre pessoas, notadamente profissionais de segurança
pública. Essas conexões nunca estão terminadas e são aperfeiçoadas
constantemente a partir da frequência das ações conjuntas. Os profissionais
precisam estabelecer vínculos de colaboração e de compartilhamento de meios
e informações para tecer redes imateriais capazes de permitir um maior controle
das fronteiras. Controles que não impeçam o desenvolvimento e o fluxo de bens,
pessoas e investimentos.
As redes horizontais, formadas a partir das dificuldades nas fronteiras,
servem de reação às redes verticais, representadas pela excessiva burocracia
regulamentar, que engessa e dificulta o real controle integrado das áreas de
fronteira, emanadas dos centros de decisão política e de acordos regionais como
do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) que dificilmente são incorporados aos
ordenamentos jurídicos, como será tratado na parte dedicada às dificuldades nas
cooperações fronteiriças, no item 2.4.
Competências, circunscrições e territórios, decomposições do vetusto
conceito de soberania, não podem ser considerados impeditivos ao agir
integrado horizontal. O crime organizado se fortalece nos espaços vazios do
poder Estatal que nas fronteiras atua de forma desarticulada, desconfiada e
burocratizada com vizinhos que há tempos não representam mais ameaças,
como na época em que ainda se discutiam limites territoriais ou cicatrizes de
guerras ainda recentes.
A ameaça atual são as organizações criminosas transnacionais que se
movimentam sorrateiramente nas grandes sombras dos Estados lentos e
rapidamente ameaçam suas estruturas e democracias com a lavagem de ativos
19
e corrupção decorrentes de crimes como tráficos de pessoas, drogas, armas,
munições, contrabando e descaminho.
Será possível constatar a necessidade da criação de incentivos, diretrizes
e simplificações legislativas para favorecer as atuações integradas entre as
polícias locais nas áreas de fronteira, seja no aspecto local como global, da
mesma forma como feito nas universidades para aproximar a pesquisa
disciplinar de um viés e perspectiva interdisciplinar.
A motivação desta pesquisa decorre da inexistência de estudos anteriores
sobre a formação e resultados do CT, o que a torna inédita. À exceção de artigo
preliminar que publiquei no ano de 2016 e que serviu de inspiração para o
prosseguimento dos estudos (BORDIGNON, 2016), não havia bibliografia
específica sobre o CT, em parte pela dificuldade de se obter material para
pesquisa sobre o tema.
Essa dificuldade foi superada, na pesquisa, pela possibilidade de acesso
às atas de formação e das reuniões posteriores do CT, que compilei e estudei
por ser o coordenador do CT pelo Brasil e Chefe da Delegacia da Polícia Federal
em Foz do Iguaçu. A maioria das atas tem informações sigilosas e, portanto, não
poderia ser disponibilizada facilmente para outro pesquisador, face riscos de
exposição de dados sobre investigados, situação que deve merecer a proteção
do Estado.
Como coordenador, pude, ao mesmo tempo, refletir e atuar sobre o objeto
de pesquisa, imediatamente o CT e mediatamente todas as ações que
envolveram as cooperações policiais locais, no âmbito local e internacional.
Nasci em uma cidade da Faixa de Fronteira, em Palmas, Estado do
Paraná. Lá vivi até os quinze anos de idade, percebi os impactos do contrabando
e descaminho no comércio regular da região. Posteriormente, como profissional
de segurança pública, desde 2002, na função de Delegado de Polícia Federal,
atuei em localidades de fronteira, na região Norte do Brasil, em Rondônia: Porto
Velho, Guarajá-Mirim e Costa Marques. No Paraná em Paranaguá, Catanduvas,
Cascavel e Foz do Iguaçu.
Identifico constantemente, na atividade profissional, a necessidade de
articulação e integração das forças de segurança pública e do próprio sistema
de justiça criminal.
20
Percebi que há pouca doutrina sobre a cooperação local e que as forças
policiais e o sistema de justiça criminal no Brasil e nas suas fronteiras trabalham
de forma estanque e compartimentada.
Algumas exceções que verifiquei ao longo dos anos no caminho de uma
atuação integrada, deveram-se mais à liderança de algumas autoridades e
equipes do que a um esquema prévio, políticas ou doutrinas que efetivamente
favorecessem e incentivassem a cooperação a coordenação e convergência de
forças em prol do aprimoramento da segurança pública e controle das fronteiras.
No âmbito das atuações internacionais, constatei um acanhamento na
formação de redes de cooperação locais, minimamente formalizadas,
principalmente nas bordas fronteiriças, nas regiões propriamente de fronteiras,
com criação de cooperações locais interdisciplinares, mediante união de policiais
dos países que nas fronteiras se encontram.
Mesmo com o excelente exemplo de organizações policiais
internacionais, de cooperações policiais regionais e mundiais, como a
Comunidade de Polícias das Américas – (AMERIPOL), o Serviço Europeu de
Polícia – (EUROPOL) e a Organização Internacional de Polícia Criminal – (OICP/
INTERPOL), ainda são incipientes e pouco organizadas as cooperações policiais
locais, formadas a partir das equipes policias das cidades gêmeas e regiões
fronteiriças no mundo.
No caso da Tríplice Fronteira de Argentina, Brasil e Paraguai percebem-
se um movimento contrário. Já existe e atua desde 1996 uma organização formal
de cooperação policial internacional, de âmbito local, denominado Comando
Tripartite.
No Brasil, a partir da publicação, em 2011, do decreto que instituiu a
denominada Estratégia Nacional de Fronteiras (ENAFRON),2 a palavra
integração passou a ser proferida como mantra e solução para resolver os
problemas relacionados à segurança das fronteiras brasileiras e para solucionar
a crise de segurança pública que assola o país.
2Decreto 7.496 de 8 de junho de 2011. Resumidamente, a estratégia pode ser consultada via http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/credn/audiencias-publicas/2011/acompanhar-e-esclarecer-as-acoes-e-dificuldades-encontradas-para-prover-a-devida-protecao-as-fronteiras-brasileiras-1/apresentacao-enafron.
21
Mas como estabelecer procedimentos e princípios para um efetivo
trabalho policial integrado nas regiões de fronteira, tomando como paradigma a
experiência na Tríplice Fronteira? Como fazer as polícias cooperarem mais no
mister de aprimorar a segurança de todos? Como afastar barreiras ao trabalho
policial integrado nestas regiões de fronteira? Estas são as principais
perturbações e questionamentos que se pretendem responder nesta pesquisa,
com base na interdisciplinaridade como contraposição ao isolacionismo
disciplinar que norteia, para além da academia, a atuação policial.
A pesquisa surge da constatação pragmática sobre a necessidade de
articular melhor as ações policiais nas fronteiras do Brasil, com o resgate
histórico da atuação do CT em seu processo de cooperação e integração, com
transversalidade no fenômeno da interdisciplinaridade e resposta para uma
teoria de ações integradas passível de aplicação nas ações policiais em
fronteiras.
As inquietações que motivara a pesquisa iniciaram-se em 2015 quando
fui designado para assumir a Chefia da Delegacia da Polícia Federal em Foz do
Iguaçu, a maior unidade da Polícia Federal no interior do Brasil com a fronteira
terrestre mais dinâmica de todas elas. A vivência me fez conhecer e integrar o
Comando Tripartite, vez que desde os primórdios deste instrumento de
cooperação internacional local, a Polícia Federal em Foz do Iguaçu exerce a
representação e coordenação brasileira do grupo, alternadamente com
Argentina e Paraguai.
Surpreendi-me com a formatação do Comando, agilidade na troca de
informações com Argentina e Paraguai e regularidade nas suas reuniões que,
na época, aconteciam na razão de duas por mês e, atualmente, foram ampliados
para três encontros mensais. Recordei-me de uma experiência anterior, quando
nos idos de 2003, logo que tomei posse no cargo de Delegado de Polícia
Federal, com lotação em Porto Velho/RO, atuei alguns meses na Delegacia de
Polícia Federal de Guajará Mirim/RO, fronteira com a Bolívia, sem que sequer
tenha travado qualquer conhecimento ou compartilhado informações com
policiais daquele país.
Percebi também, durante a Chefia exercida em Foz do Iguaçu, que me
reunia mais com as Polícias de Argentina e Paraguai do que com os órgãos de
segurança do Brasil e passei a incentivar encontros internos via Câmara Técnica
22
de Segurança do Gabinete de Gestão Integrada de Fronteiras – GGIF, para as
polícias Brasileiras na Tríplice Fronteira.
Internamente, no âmbito das polícias brasileiras, sempre testemunhei
dificuldades de efetivos e meios e, recentemente, a partir de 2011, com a
Estratégia Nacional de Fronteiras e a publicação do decreto 7.496 de 8 de junho
de 2011, passei a ouvir insistentemente o discurso da integração entre as
polícias como forma de vencer o crime organizado no Brasil.
Ocorre que o discurso da integração, por mais que seja importante e
decisivo para fazer frente aos desafios de segurança pública no Brasil, e quiçá
no mundo, ainda é um discurso político-estratégico com pouca realização
prática, por falta de uma metodologia adequada a ser transmitida e também por
carência de uma formação policial integrada/interdisciplinar, vez que as
academias policiais têm grades curriculares diversas com doutrinas estanques
para formação de profissionais específicos (Policiais Federais, Rodoviários
Federais e Militares, por exemplo).
A repartição das atribuições policiais feita na Constituição de 1988,
formação isolada dos policiais em academias disciplinares e a ausência de uma
doutrina para o policiamento integrado e pouco diálogo nas cúpulas de
segurança no âmbito Federal, Estadual e Municipal, aliado a indefinições sobre
uma política criminal passível de aglutinar esforços de todos os atores do sistema
de justiça criminal forma o caldo profícuo para que a criminalidade organizada
seja favorecida e amplie gradativamente os seus domínios territoriais e,
inclusive, ultrapasse as fronteiras nacionais.
Não se pretende a defesa de que todos os órgãos policiais façam tudo, do
policiamento ostensivo/preventivo às atividades de investigação, vez que a
especialização de saberes é um caminho sem volta tanto na ciência como nas
atividades complexas que abrangem atividades de segurança pública. Pretende-
se apenas demonstrar a necessidade e caminhos possíveis para atuações
conjuntas, compartilhamento de meios, saberes e doutrinas para a melhora do
serviço de segurança.
O sistema de seleção, formação e atuação das polícias não favorece a
atuação cooperativa, a busca de convergências, o compartilhamento de meios e
conhecimentos, mas, ao contrário, favorece a competição, atritos, divergências
e duplicação de esforços e retrabalho.
23
A concepção de redes é tal como os sistemas de teias, capaz de criar
tramas, como fazem as aranhas, por exemplo. As redes policiais que agem nas
fronteiras tecem tramas frouxas, fracas e pouco abrangentes, incapazes de
prender, principalmente nas bordas territoriais, nos limites entre os países. O
crime organizado sabe disso e explora esse vácuo de poder e ação.
Nesses espaços, nessas sombras, criam-se alguns refúgios para a
criminalidade que vai além da obra tosca e que, na dificuldade do
empreendimento delituoso e na busca de maiores lucros, tecem tessituras mais
fortes às policiais.
Portanto, além das fronteiras físicas, políticas e culturais entre os países,
há diversas fronteiras disciplinares e imateriais entre as forças de segurança
pública que atuam no Brasil, como Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária
Federal (PRF), Polícia Civil (PC), Polícia Militar (PM) e Guardas Municipais (GM),
e destas com as congêneres eventuais nos países vizinhos. O principal vértice
desta pesquisa será o modo de ultrapassar essas fronteiras imateriais que
dificultam o agir integrado e convergente das forças de segurança pública em
regiões de fronteira, bem como as fronteiras materiais (geográficas, territoriais),
como paradigma a Tríplice Fronteira e o CT.
A partir do ingresso no Mestrado interdisciplinar em Sociedade, Cultura e
Fronteiras na Universidade do Oeste do Paraná – (UNIOESTE), em 2016 como
aluno especial e com a proposta de pesquisa interdisciplinar e autores que
trabalham com o tema. Percebi que a mesma dificuldade existente na academia
podia ser projetada para a área de segurança pública, qual seja a formação ou
formatação disciplinar das polícias como empecilho para, mais adiante, permitir
uma atuação integrada, ou interdisciplinar, entre os órgãos de segurança.
Além das dificuldades de integração entre as forças de segurança pública,
há também a ausência de diálogo constante, direto e sistemático entre outros
importantes agentes do sistema de justiça criminal, como Ministério Público,
Justiça, Advocacia e Agentes prisionais.
A pouca articulação do que deveria ser um sistema de justiça criminal
favorece tremendamente a verdadeira epidemia de insegurança no Brasil, que
começa pela falta de uma política de segurança e desenvolvimento para as
imensas fronteiras nacionais, passa pelo desencontro entre as polícias e o
sistema de justiça e, finalmente, por negligências na execução das penas e
24
gestão do sistema prisional. Isto favorece os desanimadores índices de
segurança pública no Brasil, com 30,3 homicídios por 100.000 habitantes e
62.517 homicídios em 20163.
Internacionalmente, as cooperações policiais em regiões de fronteira
entre países são desafios constantes para os Estados Nacionais.
Tradicionalmente, as atuações das polícias ocorrem dentro de cada território
nacional onde o Estado exerce seu poder soberano de ditar as normas e aplicar
a lei.
A criminalidade transnacional não atua dentro dos limites territoriais e
transcende, com maiores facilidades, os limites formais. O crime não observa
fronteiras ou barreiras e, ao contrário, percebe uma proteção para fugir à
persecução penal de autoridades de um dado país que, normalmente, sofrem
severos embaraços para obter e realizar investigações conjuntas com os países
vizinhos.
A pesquisa demonstrará esta realidade pouco colaborativa, disciplinar e
isolacionista das forças de segurança pública, bem como de todo o sistema de
justiça criminal no Brasil, e delineará paralelos com o que ocorre nos sistemas
de pesquisa disciplinar nas universidades.
Nas Academias, profissionais com uma determinada formação têm
severas dificuldades de atuar em pesquisas e desenvolvimentos complexos pela
falta de uma formação e olhar interdisciplinar desde as cadeiras de formação,
com reflexos nas dificuldades de um olhar para além das lentes estanques da
formação ou “formatação” disciplinar de um conhecimento extremamente
cartesiano.
A pesquisa busca na interdisciplinaridade, nos conceitos de redes e na
cooperação o amálgama teórico e prático para a construção constante de uma
exegese e práxis para o trabalho policial, tanto local como internacional, vez que
a fundamentação finalística é a mesma, qual seja: a necessidade de cooperação
para superar os desafios da criminalidade transnacional.
3Dados constam do Atlas da Violência 2018, publicado pelo IPEA e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/180604_atlas_da_violencia_2018.pdf
25
Nesta pesquisa será apresentado o funcionamento do modelo de
cooperação policial local existente na Tríplice Fronteira, de forma a possibilitar
seu conhecimento amplo para eventuais replicações e adaptações do modelo de
cooperação para outras localidades de fronteira.
Sugerir formas de integração e de como remover e afastar barreiras e
facilitar o trabalho de cooperação policial, com exemplo de convergência
existente na área fronteiriça entre a Argentina, Brasil e Paraguai, seja no aspecto
interno (país) como no externo (países).
A pesquisa será relevante para apontar caminhos, práticas e referenciais
teóricos passíveis de fortalecer a integração e a segurança pública nas áreas de
fronteira, com reflexos concretos na segurança dos grandes centros urbanos,
desenvolver um estudo que, resgata a história do CT, reflete sobre possibilidades
concretas de integração, coordenação e convergências no trabalho policial para
além das fronteiras.
26
1 A FORMAÇÃO DE POLÍCIAS VISTAS COMO DISCIPLINAS
Neste capítulo será apresentada a possibilidade de se utilizar do
fenômeno da interdisciplinaridade como forma de possibilitar a integração dos
trabalhos policiais. Será apresentado conceito de fronteiras, a configuração dela
no Brasil e na tríplice fronteira e discutidos conceitos de
multidisciplinaridade/pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e
transdisciplinaridade, como pressuposto que cada polícia é uma disciplina a
parte, com sua doutrina, formação, normas e objetivos próprios.
Posteriormente, para mensurar o tamanho do desafio, apresentar-se-á a
estrutura atual das polícias no Brasil, com organização e viés eminentemente
disciplinar, as iniciativas de integração nas atuações de fronteira a partir de 2011,
como os Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteiras (GGIF), a forma de
integração utilizada nos grandes eventos esportivos como a Copa do Mundo de
Futebol – Federação Internacional de Futebol – FIFA, 2014 e dos Jogos
Olímpicos de 2016 no Brasil, e as ações e cooperações de segurança local na
Tríplice Fronteira de Foz do Iguaçu/PR.
Será exposta a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social
(PNSPDS) e o pretendido Sistema Único de Segurança Pública (SUSP),
previstos a partir da lei 13.675, de 11 de junho de 2018 e decreto nº 9.489, de
30 de agosto de 2018, além dos decretos sobre planos de segurança para as
fronteiras nacionais, quais sejam os de números 7.496, de 8 de junho de 2011,
posteriormente revogado pelo 8.903, de 16 de novembro de 2016.
1.1 FRONTEIRAS, LIMITES E CRIMINALIDADE.
O homem, de uma forma geral, gosta de ultrapassar fronteiras, desafiar
limites, superar desafios, ir além. E quando chega para além do horizonte
conhecido, alegra-se com a conquista, regozija-se com ela, brinda o novo
patamar, conta histórias e estórias sobre a meta alcançada e, passado o
momento inicial e decorrências, lança inquietamente seu olhar na busca de
novos e mais distantes limites para ultrapassar.
27
Como filho de um universo em expansão o homem, evolui, faz perguntas
e busca respostas.
Essa relação de limites e superações é bem consignada pelo professor e
geógrafo Raffestin (1993, p.165):
Diariamente, em todas as fases de nossa existência, somos confrontados com a noção de limite: traçamos limites ou esbarramos em limites. Entrar em relação com os seres e as coisas é traçar limites ou se chocar com limites. Toda relação depende da delimitação de um campo, no interior do qual ela se origina, se realiza e se esgota.
O limite é uma criação humana; o traço provisório e fugidio, e serve tanto
para mostrar até aonde se foi, de forma a demarcar o porvir, como também para
dar distância e margem a uma ameaça, receio, medo ou desconhecimento do
que vem além, ou de quem está logo ali, nos limites daquele vale, no depois
daquele horizonte, no ultrapassar daquela cerca. E é a dúvida sobre o que vem
para além da visão humana que leva o homem a ir sempre adiante, como
irrequieto protagonista de suas dúvidas, aflições, temores e desenvolvimentos.
Mais adiante Raffestin destaca que os limites foram feitos para serem
suplementados:
O limite, a fronteira a fortiori, seria assim a expressão de uma interface biossocial, que não escapa à historicidade e que pode, por consequência, ser modificada ou até mesmo ultrapassada. (RAFFESTIN, 1993, p. 164-165).
Os limites, para o homem, sempre foram desafios para superar, um novo
ponto de partida, novas barreiras a ultrapassar. E nesta pesquisa incessante de
buscar novos horizontes, o ser humano adota um misto de competição e
colaboração. Compete-se com o meio e com outros seres vivos, para melhor
realização de anseios e ambições diversas e se colabora, em sociedade, para
alcançar alguns objetivos comuns.
Como exemplos dessa busca para superação de novos limites pode-se
citar os “descobrimentos” do novo continente americano a partir do século XV,
quando povos da Europa ultrapassaram limites do atlântico e chegaram à
América. A chegada à lua no século XX também pode representar este flerte
constante do homem com seus limites no mister de vê-los estabelecidos,
reconhecidos e superados.
28
A globalização também representa a relatividade dos limites, com reflexos
tanto comerciais como culturais e criminais, pois a reboque de um maior
liberalismo nas relações comerciais entre os países também segue o incremento
do comércio ilícito entre territórios, para além das suas fronteiras formais.
Essas características de competição e colaboração podem ser vistas no
aspecto individual e social. O indivíduo compete com outros indivíduos por
melhores meios, recursos e destaque, ao passo que as sociedades também
disputam com outras sociedades por insumos, espaço, tecnologias e recursos
para melhor prover os seus.
Dificuldades momentâneas ou constantes são um dos amalgamas que
levam à cooperação. Historicamente os seres humanos reúnem-se ou não
dependendo do grau de dificuldades impostas pelo meio, por predadores
naturais, guerras ou calamidades.
Essas reuniões e cooperações formaram tanto sociedades sem Estado
(Clastres, 1978), sociedades feudais e os Estados Nacionais. Nestes últimos, a
noção de territorialidade e soberania fortaleceu a noção de fronteiras, fixaram
nacionalidades e, ao mesmo tempo, dificultaram a colaboração entre os povos
separados.
A criminalidade transnacional confronta os Estados e coloca em cheque
a soberania destes próprios entes, pois atua nas dificuldades de integração das
forças de segurança, nas bordas de seus territórios, uma das fragilidades mais
exploradas.
Ocorre que criminalidade organizada não se enfeixa em vetustos
conceitos de soberania. Consegue movimentar-se de forma mais flexível e
célere sobre territórios e cruzar fronteiras sem praticamente reconhecer
diferenças entre um ou outro país. Em contrapartida, os Estados Nacionais
criaram diversas amarras ao trânsito ágil de seus agentes policiais, dificultaram
a atuação integrada entre as instituições de segurança nas áreas de fronteira
entre países, circunstâncias que facilitam a atuação da criminalidade organizada
nas bordas territoriais, nos cantos menos iluminados pela colaboração entre os
países.
A criminalidade organizada transnacional trabalha com uma métrica de
comércio exterior, de globalização do ilícito e multiplicação de lucros, de
29
encobrimento nos meandros de Estados Nacionais pouco articulados em suas
investigações.
É importante pontuar uma comum diferenciação entre limite entre países,
ou a linha de fronteira propriamente dita, quando efetivamente está cruzada a
linha de soberania entre Estados Nacionais e a faixa ou região de fronteira
normalmente mais alargada do que a simples linha de limite.
A Faixa de Fronteira do Brasil já teve dimensões de 66 km, passou para
100 km e, com a última alteração, de 1979 remanesce em 150 km. A dinâmica
está resumida nos estudos do Governo Federal para o desenvolvimento das
fronteiras nacionais:
Sob o governo de Dom Pedro II a largura estabelecida foi de dez léguas ou 66 quilômetros. Desde então, a extensão da Faixa de Fronteira foi sendo alterada, primeiramente para 100 e nos anos trinta para 150 quilômetros, permanecendo até hoje. A Constituição de 1988 avalizou essa disposição que manteve o ideal focado na defesa territorial. A Lei nº 6.634, de 1979, ainda persiste como a referência jurídica sobre a Faixa de Fronteira, que corresponde a aproximadamente 27% do território Nacional com 15.719 km de extensão. Abriga cerca de 10 milhões de habitantes de 11 estados Brasileiros, e lindeia a 10 países da América do Sul. (BRASIL, Ministério da Integração Nacional, 2017, p. 9).
A legislação sobre a Faixa de Fronteira do Brasil, considerada como área
indispensável à Segurança Nacional, de 150 km de largura, paralela à linha
divisória terrestre do território nacional4 dedica preocupação com a segurança
nacional e impõe várias restrições ao desenvolvimento da área, conforme se vê,
no Art. 2º. - Salvo com o assentimento prévio do Conselho de Segurança
Nacional, será vedada, na Faixa de Fronteira, a prática dos atos referentes a:
I - alienação e concessão de terras públicas, abertura de vias de transporte e instalação de meios de comunicação destinados à exploração de serviços de radiodifusão de sons ou radiodifusão de sons e imagens; II - Construção de pontes, estradas internacionais e campos de pouso;
4A definição legal encontra-se no art. 1º da lei 6634/79. Como a pesquisa versa sobre a Tríplice Fronteira, cumpre assinalar que o Paraguai considera como faixa de fronteira a região de 50 km a partir das linhas de fronteira terrestre e fluvial, conforme artigo 1º da lei 2.532/2005. A Argentina, por sua vez, a partir da lei 15.385/1944 criou-se as Zonas de Segurança, dividida em Zonas de Segurança de Fronteiras e Zonas de Segurança do Interior. A extensão destas zonas depende de ato do Poder Executivo, no máximo 150 km, na fronteira terrestre, 50 km na fronteira marítima e 30 km nas zonas de segurança no interior.
30
III - estabelecimento ou exploração de indústrias que interessem à Segurança Nacional, assim relacionadas em decreto do Poder Executivo. IV - instalação de empresas que se dedicarem às seguintes atividades: a) pesquisa lavra exploração e aproveitamento de recursos minerais, salvo aqueles de imediata aplicação na construção civil, assim classificados no Código de Mineração; b) colonização e loteamento rurais; V - transações com imóvel rural, que impliquem a obtenção, por estrangeiro, do domínio, da posse ou de qualquer direito real sobre o imóvel; VI - participação, a qualquer título, de estrangeiro, pessoa natural ou jurídica, em pessoa jurídica que seja titular de direito real sobre imóvel rural;
As restrições não contribuem para a melhora das condições de segurança
da Faixa de Fronteira e representam, de forma clara, uma concepção antiga
desta como uma área de amortecimento da linha de fronteira propriamente dita,
de limite com países vizinhos. Representa também a concepção de que os
países vizinhos pudessem ser um desafio à soberania Estatal, vendo os
estrangeiros como “estranhos”. A concepção sugere a fronteira como limite,
como fim e não como lugar de encontro de povos, de convivência e
reconhecimento da diversidade.
A visão obsoleta que destaca o estranhamento e a suspeição do outro, do
vizinho, do forasteiro, coloca a Faixa de Fronteira como área de segurança
especial, com restrições diferenciadas ao restante do território nacional,
representa uma noção antiga, derivada de momentos históricos em que as
questões territoriais no Brasil ainda não estavam definidas, e pouco contribuiu
para que a extensa área de fronteira nacional mereça o desenvolvimento
condizente com a sua pujança.
Vargas (2017), na obra Formação das Fronteiras Latino-Americanas,
classifica essa noção de fronteira, como limite de território, ligada ao conceito
etimológico que representaria a praça fortificada defronte ao inimigo. Nessa
concepção, o significado de fronteira é carregado de desconfiança, medo, temor
do outro, daquele que vem além, sendo a região um local de amortecimento, que
não deve ser desenvolvido para não vulnerar o Estado Nação quando de uma
possível guerra.
Vargas, apresenta uma outra concepção de fronteira como lugar, como
espaço, para além da ideia de simples limite territorial:
31
Um lugar, um espaço vivenciado em comum pelas pessoas de uma
comunidade fronteiriça em suas atividades cotidianas de trabalho, lazer, estudo,
convívio familiar, negócios. (VARGAS, 2017, p.44).
Para esta pesquisa, a proposta é ver as fronteiras como espaços
singulares de encontro entre povos, com a evolução da ideia de fronteira para
além da visão de uma área territorial de limite, típica das teorias jurídico-políticas,
e vê-la como transbordante, como uma territorialidade transfronteiriça de
integração, contato e desenvolvimento.
Fronteiras são espaços de contato e trocas, e esses encontros e
aproximações podem levar a tensões, atritos e conflitos. Permitem
complementações, alianças e colaborações que promovem ganhos recíprocos
àqueles que, a partir dos contatos e diferenças, reconhecem possibilidades de
convergência e coordenação, pela interdisciplinaridade, em que conhecimentos
distintos dialogam.
As fronteiras entre os países sempre foram transbordantes e, atualmente,
ainda mais em face das atividades comercial, de turismo e migração existente
entre os povos, mormente após o fenômeno da globalização. Esse novo
dinamismo desafia as antigas ideias de soberania, de território e de fronteiras
cerradas. O crime organizado transnacional não percebe os limites entre os
países como problema e sim como oportunidade de suprir mercados ilícitos e de
furtar-se à atuação estatal, pouco integrada.
No desenvolvimento da pesquisa, mais do que controlar de forma
absoluta o espaço fronteiriço, é mister, para aprimoramento da segurança de
todos que nela habitam e no geral de todos os territórios nacionais impactados,
que haja a possibilidade das forças de segurança transpor a fronteira de maneira
regrada e dinâmica, sem maiores burocracias, de forma a dificultar a eclosão de
comércio irregular e de riscos crescentes à segurança pública dos países.
Nos delitos de descaminho, por exemplo, a principal motivação é o lucro
decorrente de diferenças de tributação de produtos de um país para outro, de
um lado e do outro das fronteiras nacionais.
As diferenças de tributação de produtos nos territórios de Argentina, Brasil
e Paraguai, principalmente na questão atual do tabaco, criou um campo vasto
para sedimentação de uma criminalidade organizada que se ancora,
principalmente, na falta de uma visão mais tributária do que criminal para a
32
solução do problema do contrabando e descaminho5. É necessário que haja uma
unificação real de mercados, o que se pretende como desiderato para o
MERCOSUL, para parte da América do Sul, já alcançado pela União Europeia -
UE.
Na obra de Vargas, vem a ideia de estranhamento e entranhamento, para
distinguir, respectivamente as concepções de fronteira como limite ou como
lugar:
Se por um lado o sentido de limite do território explicita uma função desagregadora da fronteira, caracterizada pelo distanciamento e pelo ‘estranhamento’ em relação ao outro, por outro lado a ‘nova’ acepção estabelece a fronteira como um lugar, como um espaço de convívio de uma comunidade imaginada, evidenciando certa função gregária da fronteira em um tipo distinto de relação com a alteridade, marcada pela aproximação e pelo ‘entranhamento’ do outro. (VARGAS, 2017, p. 44).
Essa conceituação de entranhamento é semelhante a uma concepção de
convergência ou até mesmo de fusão, correspondente, na visão da professora
Olga Pombo (2008), respectivamente, às ideias de interdisciplinaridade e
transdisciplinaridade que serão empregadas adiante como fundamentação
teórica à integração do trabalho policial nas fronteiras, o principal objetivo desta
dissertação.
A atuação policial nas áreas de fronteira deve partir do pressuposto de
que merece ser feita de forma convergente, como uma territorialidade comum
em que os esforços de segurança devem ser compartilhados com os países que
se encontram, e não como um limite cerrado ao trabalho policial. Mesmo por que
5Sobre a questão tributária que incentiva a problemática “endêmica” do contrabando de cigarros paraguaios para o Brasil, tem-se o estudo “A Lógica Econômica do Contrabando” do Instituto de Desenvolvimento Social e Econômico de Fronteiras -IDESF, disponível no site <www.idesf.org.br> No estudo demonstra-se a necessidade urgente de reforma do complexo modelo tributário brasileiro, cujo sistema arrecadatório representa, conforme a pesquisa, um “tributo ao contrabando”. Demonstra-se também que a criação de uma linha popular de cigarros brasileiros, com diminuição de impostos, poderia fazer frente à invasão do contrabando de cigarros, mantendo-se ou até mesmo ampliando-se a arrecadação de tributos, vez que, atualmente, cerca de metade do mercado de cigarros no Brasil é clandestino e abastecido de cigarros paraguaios, que não sofrem tributação e têm preços mais competitivos e qualidade inferior. Os problemas de saúde causados pelo tabaco são potencializados pela enxurrada de cigarros clandestinos que ingressam no país.
33
o crime, os atos e delitos são praticados de forma transfronteiriça pelas
organizações criminosas.
O estranhamento e a falta de encontro e cooperação entre as polícias são
situações que só favorecem a disseminação de organizações criminosas que
buscam guarida nas fronteiras estanques de Estados Nacionais rígidos, com
polícias pouco articuladas e integradas entre si.
Tal fenômeno traz sérios riscos para a soberania dos Estados Nacionais,
pois em algumas parcelas de seus territórios a aplicação das normas,
fornecimento de serviços, segurança e a solução de conflitos são capitaneados
por tais organizações que, paulatinamente, vão soçobrando as instituições,
infiltrando-se nestas pelo processo eleitoral e até mesmo na via de concursos
públicos.
O território, fronteiriço ou não, é o lugar essencial em que o homem
materializa sua obra. Semelhante à tela para o pintor, lugar onde cristaliza a sua
arte, o território é o lugar de manifestação e desenvolvimento de povos,
comunidades e nações.
Milton Santos refere ao território como:
O lugar que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência. (2007, p. 13).
A diferença entre espaço e território é a conotação jurídico-política que se
dá à territorialidade em contraposição ao sentido geral, mais abrangente da
noção de espaço. Claude Raffestin (1993, p. 2) distingue-os apontando o espaço
como prévio e o território como uma delimitação humana do espaço dado,
anterior. Para o autor “O espaço é a ‘prisão original’, o território é a prisão que
os homens constroem para si”.
Especificamente para o caso da movimentada fronteira entre Argentina,
Brasil e Paraguai, denominada como tríplice fronteira, no encontro entre seis
cidades: de Foz do Iguaçu – Estado do Paraná – Brasil; Puerto Iguazú –
Província de Misiones –Argentina, e Ciudad del Este, Presidente Franco,
Minga-Guazu e Hernandárias –Departamento de Alto Paraná – Paraguai. Esta
área de fronteira é extremamente dinâmica e populosa, cuja territorialidade foi
construída ao longo de muitos anos em processos de sístole e diástole, de
34
aproximações e afastamentos, de entranhamentos e estranhamentos, de
sínteses e antíteses, enfim, de aproximações e distanciamentos que culminaram
em uma dependência mútua entre os povos da fronteira para os quais a
coexistência é fundamental ao desenvolvimento e melhora geral das condições
territoriais.
A fronteira, pois, é uma territorialidade interdisciplinar por excelência,
lugar em que a diversidade se encontra, entrelaça-se, dialoga, discute, repele-
se e funde-se.
De todas as tríplices fronteiras da América Latina, a maior em área
urbanizada e conurbada e dinamicamente articulada, começou nos fins dos anos
de 1950, com a fundação de Puerto Presidente Stroessner, que mais tarde
denomina Ciudad del Este. (Rabossi, 2011, p. 40)6
Conforme Cury, a “Tríplice Fronteira representa uma Territorialidade
Transfronteiriça, uma convergência geográfica, histórica, cultural, política e
comercial”. (CURY, 2010, p. 18). Pode-se agregar aos aspectos anteriores a
segurança pública e cooperação policial, fundamentais para as demais.
Para que a Tríplice Fronteira possa obter ainda maiores ganhos de
emancipação, é mister maior união e convergência na área de segurança
pública. Essa convergência pode ser representada no símbolo do encontro das
águas do Rio Paraná e Iguaçu, estabelecido quase que em um raro ângulo reto
da natureza e que une e delimitam os três países: Argentina, Brasil e Paraguai.
Também, pelo compartilhamento de fronteiras, tanto para a geração de
energia, caso da usina hidrelétrica de Itaipu, formada da união de Brasil e
Paraguai, como pela integração de Argentina e Brasil, na exploração turística
das Cataratas do Rio Iguaçu e dos Parques Nacionais do Iguaçu.
Busca-se, pois, comprovar que as ‘Territorialidades Transfronteiriças do Iguassu – TTI’, além de sua utilidade para as ações públicas e privadas de desenvolvimento do Turismo, adéqua-se para definir uma unidade socioespacial e geoeconômica, influindo na dinâmica social e política dos três países envolvidos. Resta, então, o uso linguístico de cada Nação, empregando-se, desde já, o TTI para as reflexões atinentes à integração territorial em análise. (CURY, 2010, p. 18)
6Trata-se de artigo “Como pensamos a Tríplice Fronteira” (p. 39-61) de FERNANDO RABOSSI. Capítulo 2 do livro “A Tríplice Fronteira: Espaços Nacionais e Dinâmicas Locais. Editora UFPR, 2011. Organizadores: Lorenzo Macagno, Silvia Montenegro e Verónica Giménez Béliveau.
35
O lugar da pesquisa, a Tríplice Fronteira, é único, dinâmico e foco de
preocupações constantes no tocante à segurança pública, com reflexos locais,
regionais e até mesmo mundiais. Também representa um importante entreposto
comercial para a América do Sul e o mundo:
Na atualidade, as três cidades juntas somam mais de 500 mil habitantes. Se somadas as conurbações urbanas do lado paraguaio, entre Ciudad del Este, Presidente Franco, Hernandárias e Minga-Guaçu, que formam uma Região Metropolitana, a soma ultrapassa os 800 mil habitantes. (KLEINSCHMITT et all, 2013, p.04).
No Estado do Paraná, a Tríplice Fronteira significa um importante pólo
turístico e comercial. Caso seja considerada toda a região de fronteira do Paraná,
que é a mais populosa do Brasil, ter-se-ia mais de dois milhões de habitantes7
em 139 municípios, ocupando, aproximadamente, 35% do território do Estado
(Segurança Pública nas Fronteiras: Relatório Final do Paraná8).
Conclui-se que o Paraná tem cerca de 20% de toda a sua população
residindo na região de fronteira.
Os dados da Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras -
ENAFRON informam que, nos 27% do território nacional que constituem a
totalidade da fronteira brasileira, residiriam cerca de 5% de toda população, ou
seja, 10 milhões de habitantes.
Comparativamente, os 2.357.850 km² da área de fronteiras oeste do Brasil
chegam próximos a todo o território da Argentina, que possui área de
2.780 400 km². Na Argentina, entretanto, a população é de aproximadamente 43
milhões de habitantes.
7http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/credn/audiencias-publicas/2011/acompanhar-e-esclarecer-as-acoes-e-dificuldades-encontradas-para-prover-a-devida-protecao-as-fronteiras-brasileiras-1/apresentacao-enafron 8Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS); Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU).
36
A figura 1 ilustra o Estado do Paraná com destaque para a porção dos
139 municípios da Faixa de Fronteira:
Figura 1. Municípios do Paraná e a Faixa de Fronteira
Fonte: CAPE-PR - 2019
Por ser uma das nove tríplices fronteiras do Brasil,9 a fronteira de
Argentina, Brasil e Paraguai é referência imediata e mundial quando se
menciona a região. A terminologia, segundo Rabossi (2004, p.24), foi empregada
a partir de 1992 tendo em vista apontamentos sobre ação de grupos terroristas
na região quando do atentado à Embaixada Israelense em Buenos Aires naquele
9O Brasil tem nove tríplices fronteiras com: 1) Argentina e Paraguai (município de Foz do Iguaçu/PR); 2) Argentina e Uruguai (municípios de Uruguaiana e Barra do Quaraí/RS); 3) Bolívia e Paraguai (município de Corumbá/MS); 4) Bolívia e Peru (município de Assis Brasil/AC), 5) Colômbia e Peru (Atalaia do Norte/AM); 6) Colômbia e Venezuela (São Gabriel da Cachoeira/AM); 7) Venezuela e Guiana (Uiramutã/RR); 8) Guiana e Suriname (Oriximiná/PA); 9) Suriname e Guiana Francesa (Laranjal do Jari/AP).
37
ano. Na sua tese de doutoramento sobre Ciudad del Este, RABOSSI10 diz que,
anteriormente, a região era cunhada como zona, área ou região das três
fronteiras. A referência é tão robusta hoje que, de substantivo geral, a menção à
Tríplice Fronteira sugere diretamente a confluência entre Argentina, Brasil e
Paraguai, tornando-se nome próprio do local, motivo pelo qual se adota o termo
Tríplice Fronteira em maiúscula para referir à localidade nesta obra. Em suma:
podemos ter várias outras tríplices fronteiras no Brasil, mas “a Tríplice Fronteira”
é a do encontro de Argentina, Brasil e Paraguai.
O substantivo próprio Tríplice Fronteira começa a ser usado para referir-se à confluência desses limites internacionais (...) forma de retratar a área caracterizada pela falta de controle do movimento pelos limites internacionais que teria favorecido o desenvolvimento de todas as atividades ilícitas mencionadas. (RABOSSI, 2004, p.24).
Na obra em que analisa a Tríplice Fronteira no contexto do terrorismo,
Arthur Bernandes do Amaral diz que, antes, na década de 90 do século passado
“havia somente as três fronteiras de Brasil, Argentina e Paraguai – aquele algo
plural” (AMARAL, 2010, p. 32). Gradativamente, as partes fundiram-se e o que
antes era “as” três fronteiras, tornou-se “a”Tríplice Fronteira, uma
transdiciplinaridade, uma fusão, aglutinação.
O próprio conceito de Tríplice Fronteira – enquanto um novo corpo que transcende as partes que a compõem, sem negá-las – nasce intimamente relacionado a questões de segurança, mais especificamente ao terrorismo e outras dinâmicas de caráter inter e transnacional. (AMARAL, 2010, p. 33).
Ver-se-á adiante que o CT surge a partir da preocupação com o terrorismo
no cone Sul, notadamente a partir dos atentados de 1992 e 1994 em Buenos
Aires. As primeiras alusões ao organismo de cooperação policial, nos idos de
1996, era de Comando Tripartite das três fronteiras o que confirma as afirmações
dos autores citados.
10Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/262950/mod_resource/content/1/Rabossi.Nas%20ruas%20de%20Ciudad%20del%20Este.pdf
38
Entretanto, não será escopo desta pesquisa a análise ou estudo do CT
como unidade voltada para a prevenção à crimes de terrorismo, mas sim como
relevante unidade de cooperação policial local que visa a troca de informações
e auxílios mútuos para a prevenção e repressão de ilícitos transnacionais, dentre
eles a lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, armas, munições, pessoas e o
terrorismo.
1.2 INTERDISCIPLINARIDADE E A CONVERGÊNCIA NOS TRABALHOS DE SEGURANÇA PÚBLICA
O movimento de interdisciplinaridade, em que pese a dificuldade de
conceituação inequívoca do termo, é um exercício constante de volta à totalidade
do homem, um retorno a casa na sua completude, uma retomada do humanismo.
Com o iluminismo e a evolução dos estudos e métodos científicos, em
maior escala a partir do século XVII na Europa, o conhecimento foi
gradativamente cindido em disciplinas muitas vezes rigidamente delimitadas, a
fim de permitir o mergulho fechado em aspectos cada vez mais singulares do
conhecimento humano. Tal especialização gradativa permitiu formidáveis
avanços nas ciências, mas também fez o homem de ciência enfeixado nas suas
especialidades.
Desde René Descartes, no século XVII, com a obra O Discurso do
Método, quando expõe os quatro preceitos básicos de seu método científico, diz,
sobre a necessidade de “dividir cada uma das dificuldades que examinasse em
tantas parcelas possíveis e que fossem necessárias para melhor resolvê-las (...)”
(DESCARTES, 2005, p. 55).
Era preciso dividir para estudar, classificar, categorizar, separar e com
isso estabeleceram-se fronteiras e limites entre os saberes humanos, com
formação de caminhos murados para viabilizar pesquisas cada vez mais
pontuais e específicas. O foco era o singular, o individual. Buscava-se conhecer
muito de pouco e, a partir do pouco, delimitar ainda mais particularidades para
reiniciar o mergulho, como que para abrir um fôlego novo e, novamente
mergulhar mais e mais profundamente.
O homem focava cada vez mais o específico, flertava com o singular, e
esquecia-se de olhar as paisagens e os conhecimentos que pairavam ao
39
derredor da ciência estrita praticada, tal qual o piloto concentrado em uma corrida
de alta velocidade, cuja rapidez não permite qualquer respiro de diletantismo ao
condutor, que, mesmo percorrendo grandes distancias aprisionado na
velocidade, nada sabe sobre os lugares e cercanias que percorreu.
Fritjof Capra, quando traça paralelos entre o conhecimento racional
(científico) e o intuitivo (místico) destaca que o conhecimento racional “deriva da
experiência que possuímos no trato com objetos e fatos do nosso ambiente
cotidiano. Ele pertence ao reino do intelecto, cuja função é discriminar, dividir,
comparar, medir e categorizar” (CAPRA, 2011, p.40).
Na ciência disciplinar, ao lado dos formidáveis avanços que proporcionou,
muitas soluções perderam-se nos escaninhos estanques e nas fronteiras
silenciosas das disciplinas sem diálogos ou encontros com outras doutrinas,
conceitos, métodos e costumes. A ciência disciplinar encerrou-se em círculos
restritos de conhecimentos extremamente especializados.
Nas universidades e faculdades, ao final de um extenso currículo
formativo, de uma formação voltada a colocar o sujeito na “forma” termina-se
com a denominada “formatura” quando finalmente declara-se e certifica-se que
o estudante está ou foi definitivamente colocado na forma do conhecimento
disciplinar.
O movimento da interdisciplinaridade vem propor um aumento de
interação entre as “caixas” do conhecimento e os pesquisadores das mais
diversas áreas, numa perspectiva de integração, convergência e
compartilhamento de saberes entre as inúmeras especialidades da ciência
moderna.
Pensar de forma interdisciplinar é ver a ciência como esporte coletivo, em
que todo o jogador, na sua habilidade especial, contribuiu para o avanço e a
vitória da agremiação. Assim é a perspectiva interdisciplinar para a segurança
pública e cooperações em fronteira que se propõe.
Um marco para o avanço do pensamento interdisciplinar, conforme
Alvarenga et all (2011, p. 31) foi o primeiro Seminário Internacional sobre Pluri e
Interdisciplinaridade sediado na Universidade de Nice na França em setembro
de 1970, oportunidade em que é proposto, ao lado das terminologias pluri e
interdisciplinaridade, o termo transdisciplinaridade. Conforme os autores citados:
40
Esses três termos passam de um modo articulado, a partir de então e até o presente momento, a representar um novo horizonte de possibilidades para o tratamento diferenciado de problemas complexos e de busca de superação de limites do conhecimento centrado, de maneira exclusiva, no paradigma unidisciplinar.(ALVARENGA, et all, 2011, p.32).
A prática interdisciplinar, cuja conceituação ainda é difícil, conforme se
verá adiante, pode ter aplicações para muito além da ciência e dos métodos
científicos. Deve ser uma prática humana incentivada que flerta com a tolerância,
a cooperação e o reconhecimento da diversidade do indivíduo, de organizações,
visões de mundo e investigações.
Tal qual a ciência que enfrenta problemas mais complexos, as sociedades
no geral e a segurança pública no específico atuam em cenários multifacetados
a demandar esforços integrados de diversas áreas de conhecimento e
especialidades.
O mesmo fenômeno de disciplinarização que ocorreu nas ciências
aconteceu na segurança pública, especialmente no Brasil, como se vê na criação
de várias polícias, com atribuições específicas e especializações internas e
ainda divisões no âmbito federal e estadual, com manifestações inclusive
municipais nas Guardas Municipais.
Há sérios problemas de integração e de perspectiva interdisciplinar
também no sistema de justiça criminal que congrega os órgãos policiais, judiciais
e de execução penal, bem como no Ministério Público e nas instituições de
defesa, da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB e Defensorias Públicas.
A falta de integração, que, na base, deriva de falhas na formação e aptidão
para o trabalho interdisciplinar, pode explicar, em parte, a grave crise de
segurança pública vivenciada hoje no Brasil, com índices de mortalidade
comparáveis aos piores conflitos e guerras internacionais e com a ascensão
direta de organizações criminosas que rivalizam com o Estado Nacional na
disputa pela organização da sociedade, com dominação de territórios e
determinação de normas e regras de comportamento pelas facções criminosas.
O objetivo principal deste capítulo é traçar um marco conceitual mínimo
sobre o movimento da interdisciplinaridade e trabalhar, para além da
interdisciplinaridade nas ciências, com a sua utilização nas ações de segurança
41
pública no Brasil, para demonstrar a necessidade de cooperação interagências
no trabalho policial e de justiça, inclusive nas cooperações policiais
internacionais em áreas de fronteira. Ao final, pretende-se responder sobre a
possibilidade de uma teoria geral da cooperação policial fundada na
interdisciplinaridade e seus termos básicos.
1.3 A INTERDISCIPLINARIDADE E APLICAÇÃO NAS AÇÕES INTEGRADAS DE SEGURANÇA PÚBLICA.
Para POMBO (2008), o termo interdisciplinaridade estaria gasto e seria
extremamente equívoco e de utilização vulgarizada. Entretanto, a autora propõe
uma definição para interdisciplinaridade, bem como para multidisciplinaridade ou
pluridisciplinaridade e transdisciplinaridade. Será a partir da proposta da autora
portuguesa que serão trabalhados os conceitos mencionados nesta pesquisa.
Imperativo ressaltar que há várias outras definições e divisões passíveis de
utilização para a importante terminologia.
Pela clareza e construção teórica, selecionou-se o modelo proposto pela
pesquisadora. Todos os termos: multidisciplinaridade/pluridisciplinaridade,
interdisciplinaridade e transdisciplinaridade podem ser encarados como
espécies ou formas de integração.
O esforço aqui é dar um sentido menos equívoco aos termos comumente
utilizados em diversos estudos. Parte-se, desde o início para uma fixação
semântica e oportuna do conceito multidisciplinaridade (ou,
pluridisciplinaridade), interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Ambos os
termos vêm como reação ao pensamento disciplinar e isolacionista.
A proposta de Pombo sobre a conceituação seria tomar os termos de
forma contínua, mas não hierarquizada, a partir de uma noção de coordenação
ou paralelismo da multidisciplinaridade, perpassada pela ideia de convergência
ou perspectivismo da interdisciplinaridade e finalizada na fusão, unificação ou
holismo da transdisciplinaridade, sem que isso determine algum grau de
superioridade de um dos termos sobre o outro. Os termos representam formas
ou estágios para ações integradas.
42
Pensar em interdisciplinaridade seria trabalhar com uma ideia de
convergência sem fusão, ao passo que na pluridisciplinaridade, ou
multidisciplinaridade, a premissa seria um esforço de paralelismo e coordenação
mínima. Por fim, na transdisciplinaridade haveria a fusão e unificação.
Um trabalho minimamente integrado seria aquele que congrega ao menos
esforços de coordenação em paralelismo, entre conhecimentos diversos e
complementares, como expertises passíveis de se apoiarem reciprocamente.
Algo como um caminhar lateralizado, como amigos que andam juntos e se
apoiam e dividem talentos e meios durante a jornada.
Na atuação policial, um trabalho multidisciplinar seria aquele que
congrega diversas polícias ou equipes em uma coordenação mínima, como por
exemplo: um horário específico para início das atividades, divisão de ações em
um dado território, mantendo-se a formação inicial das equipes previamente
consideradas em suas próprias forças.
Na interdisciplinaridade, o movimento, para além do caminhar junto, em
paralelo, seria a atuação convergente, com foco comum e compartilhamento de
recursos e meios para o alcance de uma meta conjunta, tal qual as mãos dadas
para superação de uma barreira ou para acertar o passo durante um salto
desafiador. No caso policial, um exemplo seria a formação de uma equipe
diversa, com Policiais Federais, Rodoviários Federais, Civis e Militares para,
juntos, em força tarefa, compartilhar as melhores expertises, enfrentar uma
organização criminosa que promove ações violentas em uma dada região, com
compartilhamento de equipes, meios e práticas a fim de dar a solução qualificada
para o desafio apresentado.
O estudo de caso proposto para pesquisa no capítulo três também é
exemplar do sentido interdisciplinar que se pretende como paradigma para uma
atuação integrada das polícias, de ordem local para o global.
A fusão já seria uma ideia de transdisciplinaridade, de partes que se unem
profundamente e se somam descaracterizando-se individualmente para a
criação de um novo produto, ser, sentido ou atuação. Neste caso, como exemplo
humano, poder-se-ia falar em homem e mulher que, juntos e voluntariamente,
dão origem a um novo ser, somando-se geneticamente e descaracterizando-se
individualmente para que uma nova geração surja.
43
No trabalho policial, a fusão ou transdisciplinaridade poderia ser
representada por discussões que envolvem propostas de junção de polícias,
como os debates e projetos que advogam a fusão das Polícias Estaduais
(Polícias Militares e Polícias Civis) como solução para maior integração.
A transdisciplinaridade, como as demais faces da integração
(multidisciplinaridade e interdisciplinaridade), deve ter aproximações negociadas
e consensuais, nunca uma imposição fria, sem vontade das partes, sob pena de,
ao serem forçadas e abruptas, gerarem o efeito inverso de repulsa e divisão. Por
isso as fusões de órgãos policiais geram tamanhas discussões e polêmicas.
Pombo destaca que:
Não há na proposta que apresentei qualquer intuito de apontar um caminho progressivo que avançasse do pior para o melhor. Pelo contrário, entre uma lógica de multiplicidades para que apontam os prefixos multi e pluri e a aspiração à homogeneização para que, inelutavelmente, aponta o prefixo trans enquanto passagem a um estádio qualitativamente superior, o prefixo inter, aquele que faz valer os valores da convergência, da complementaridade, do cruzamento, parece-me ser ainda o melhor. (POMBO, 2008, p. 15).
Forte no conceito de interdisciplinaridade proposto pela autora, portanto,
estaria a ideia de cooperação, complementaridade e convergência em
contraposição à ideia de competição, de rivalidade entre aqueles que devem, na
verdade, ser parceiros na construção do conhecimento e da ciência, e também,
no caso da presente pesquisa, para aspectos da segurança pública.
A cooperação policial, vista internamente entre as polícias do Brasil, bem
como internacionalmente em relação aos países vizinhos, é, uma manifestação
da interdisciplinaridade.
Pombo destaca as disputas e cisões no âmbito das ciências, que
merecem paralelos nas atuações policiais:
A ciência surge hoje como um conjunto de instituições cindidas, fragmentadas, absolutamente enclausuradas cada qual na sua especialidade [...] A ciência é hoje uma enorme instituição, com diferentes comunidades competitivas entre si, de costas voltadas umas para as outras, grupos rivais que lutam para arranjar espaço para o seu trabalho, que competem por subsídios, que estabelecem entre si um regime de concorrência completamente avesso àquilo que era o ideal científico da comunicação universal. (POMBO, 2008, p.17)
44
A crítica da autora para a competitividade das instituições de ensino e
pesquisa pode ser aplicada aos órgãos de segurança pública e sistema de justiça
criminal, que reúne polícia, Justiça, Ministério Público e execução penal no
Brasil.
A Constituição Federal de 1988 determinou os princípios de um sistema
de segurança pública colaborativo com atribuições definidas entre vários órgãos
policiais para atuação conjunta. Em seu artigo 144 destaca no caput ser um
dever do Estado, mas também uma responsabilidade de todos, para muito além
das atividades policiais, preventivas e repressivas que possam ser gestionadas.
O caput do artigo, acertadamente, revela, nesta ampla responsabilidade
sobre a segurança de todos, um enorme desafio e uma clara necessidade de
cooperação e convergência de esforços, atividades claras de uma atuação
interdisciplinar.
Convém citar expressamente o caput do artigo 144 da Carta da República
Federativa do Brasil:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. (grifos nossos)
Na Argentina não há detalhamento Constitucional sobre a organização da
segurança pública, pois a Constituição do país é concisa. A organização das
polícias é matéria de leis ordinárias. A lei nº 24.059, sancionada em 18 de
dezembro de 1991, organiza as diversas polícias Argentinas. O país possui
quatro polícias de âmbito nacional, vinculadas ao Ministério da Segurança:
Policía Federal Argentina - PFA; Policía de Seguridad Aeroportuaria - PSA;
Prefectura Naval Argentina - PNA e Gendarmería Nacional - GNA. As províncias,
similares aos Estados brasileiros, podem instituir suas polícias regionais. Os
municípios podem igualmente ter suas próprias polícias11.
11 A Polícia de Segurança Aeroportuária – PSA; Gendarmeria Nacional – GM e Prefeitura Naval - PN, derivam remotamente das forças armadas Argentinas,
45
No Paraguai, a Constituição Federal de 1992, no artigo 175 faz referência
à Polícia Nacional. A lei nº 222/93, sancionada em 29 de junho de 1993, dispõe
sobre a organização da Polícia Nacional, vinculada ao Ministério da Segurança
do Paraguai, única de nível nacional, com atribuições de controle de fronteiras,
polícia de segurança (ostensiva) e de investigação (judiciária ou repressiva). A
“Patrulla Caminera” que atua nas rodovias está vinculada ao Ministério das
Obras Públicas e Comunicações, sem representar uma Polícia no sentido estrito
do termo. Posteriormente, o artigo 272 da Constituição Paraguaia permite a
criação de uma Polícia Judicial, vinculada ao Poder Judiciário. Essa força
policial, entretanto, não foi instituída naquele país.
A Constituição brasileira, no seu artigo 144, diz ser uma responsabilidade
de todos, a segurança pública, logo após atribuí-la como dever ao Estado, no
seu mais amplo aspecto de Estado Nacional Brasileiro. Sugere, de forma nítida,
a necessidade de integrar diversos atores e esforços, em oposição à concepção
de separação, segregação e competição. Essa integração no sentido lato é
composta de práticas e esforços multidisciplinares, interdisciplinares e até
mesmo transdisciplinares em negativa ao isolacionismo disciplinar.
A integração na segurança pública consiste, pelo menos, em uma
atividade multidisciplinar de coordenação para a boa gestão e governança deste
imenso desafio da segurança. O desafio repise-se, envolve não só as polícias e
o sistema de justiça criminal, mas também o sistema educacional, as famílias, o
trabalho, enfim, toda a sociedade organizada.
Pode-se dizer, à luz do texto constitucional e da conceituação
interdisciplinar, que o esforço mínimo é de coordenação (multidisciplinaridade),
mas também de interdisciplinaridade (convergência e foco) em atuações que
devem envolver toda a sociedade, começando pelas polícias, com atuações
conjuntas e formação compartilhada (interdisciplinares), passa pelo sistema de
respectivamente: Aeronáutica, Exército e Marinha. A PSA faz a segurança dos aeroportos e áreas próximas, mas sem atribuição de controle migratório, à cargo da Direção Nacional de Migração - DNM. A Gendarmeria tem atribuições de policiamento de fronteiras e a Prefeitura Naval cuida do policiamento das vias navegáveis. A Polícia Federal da Argentina atualmente tem funções mais de polícia judiciária. Entretanto, as diversas polícias daquele país atuam em ciclo completo, todas com atribuição para promover investigações e atuar como polícias de segurança, ostensivas. Em Buenos Aires, atua a Polícia da Cidade, antiga polícia metropolitana, que cuida do policiamento da cidade de Buenos Aires, sem prejuízo das quatro polícias federais, também presentes na capital federal.
46
justiça criminal, de forma a iniciar um efetivo tratamento para além do disciplinar
e das atribuições e competências estanques de uma simples leitura fechada e
jurídica do texto constitucional.
Os aspectos de multi ou pluridisciplinaridade consistem numa atuação
orquestrada e coordenada das atividades, como quando Policiais Federais e
Estaduais atuaram em uníssono, junto com inúmeras outras forças de
segurança, defesa e fiscalização, nos grandes eventos esportivos de 2014 e
2016 no Brasil, cada qual fazendo suas expertises Constitucionais
simultaneamente. Já a integração no aspecto da interdisciplinaridade seria a
convergência em um maior compartilhamento de meios (helicópteros,
embarcações, sistemas de comunicação), através de equipes mistas que atuam
conjuntamente e até internacionalmente.
O Estado Nacional dever ser o indutor maior da segurança pública,
maestro de uma grande e complexa orquestra dessa necessária atividade
interdisciplinar, de convergência, ou, ao menos, multidisciplinar, de coordenação
(paralelismo). Deve atuar como o técnico de uma equipe esportiva, que sabe
coordenar os esforços, escalar os jogadores para atuação nas posições
indicadas, estudar o adversário, indicar as vulnerabilidades a serem exploradas,
fornecer os meios, determinar as metas e cobrar os resultados.
A segurança, aliás, é atividade fundamental dos Estados desde seus
primórdios, quando os homens se reuniram e instituíram uma organização
transcendente ao individual para gerir a vida comum.
O Estado passou, gradativamente, a monopolizar o uso da força e a
gestão dos conflitos. Quer no Absolutismo (Hobbes, 1999), com a concepção de
um Estado forte, do Leviatã, do soberano absoluto erigido para superar a
natureza do homem, naturalmente mau e egoísta do século XVII, ao Iluminismo
do contrato social (Rosseau, 1971) do século XVIII, em que o homem, agora
naturalmente bom, se junta a outros homens partindo para a sociedade civil,
cabe ao Estado, a partir do monopólio da força legítima de que dispõe, exercer
a liderança nas atividades de segurança pública.
É possível pensar em várias formações e modelos para o Estado, ou
mesmo em sociedades que prescindam dele (Clastres, 1978), mas a função de
segurança sempre será fundante para toda e qualquer sociedade.
47
O Supremo Tribunal Federal - STF corrobora a função de liderança do
processo de segurança pública como ínsita do Estado como um todo, passível
de atuação do Judiciário:
O direito a segurança é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. (A Constituição e o Supremo)12
Ocorre que esta necessária liderança do Estado, na coordenação das
atividades para o alcance de uma segurança pública em estágios mínimos de
eficiência, se vê nitidamente vulgarizada no Brasil.
Apenas recentemente, estabeleceu-se uma proposta de política nacional
de segurança pública, através da lei nº 13.675, de 11 de junho de 201813, trinta
anos após a promulgação da Constituição Federal. Essa falta de atuação do
Estado Nação contribuiu para a formação de organizações criminosas que se
instalaram em territórios e, nesses locais, passaram a usurpar diversas funções
do Estado, como lazer, abastecimento de bens, segurança pública e justiça,
ditando as normas e aplicando-as naqueles territórios que ficam à mercê de
criminosos.
Vencer esse desafio de segurança pública e, até mesmo, de soberania,
com a recuperação de territórios e da própria função estatal de aplicar a justiça
e garantir a segurança de todos, demanda, necessariamente, uma atividade
integrada, nos aspectos multidisciplinar e interdisciplinar constantes, que é
extremamente complexa, tal quais as intrincadas pesquisas e desafios da ciência
hoje. O movimento interdisciplinar das ciências pode, assim, fornecer caminhos
para aplicação na segurança pública, favorece a criação de uma teoria geral do
trabalho policial integrado.
12A obra consta do site do STF http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/. Referência da citação na obra é: [RE 559.646 AgR, rel. min. Ellen Gracie, j. 7-6-2011, 2ª T, DJE de 24-6-2011 = ARE 654.823 AgR, rel. min. Dias Toffoli, j. 12-11-2013, 1ª T, DJE de 5-12-2013]
13A lei em referência foi regulamentada através do decreto nº 9.489, de 30 de agosto de 2018
48
O desafio de criar melhores resultados no campo da segurança pública
no Brasil é, portanto, interdisciplinar, de integração. Em importante obra sobre a
interdisciplinaridade na ciência, tecnologia e inovação, os autores Raynaut e
Zanoni (2011), destacam o enfrentamento da pandemia da AIDS como exemplo
de atuação interdisciplinar, com labor convergente de profissionais de áreas
diversas como médicos, biólogos, epidemiologistas, mas também geógrafos,
antropólogos e sociólogos, o que permitiu avaliar que a propagação da doença
estava ligada também a questões sociais e culturais (RAYNAUT e ZANONI,
2011, p. 152).
Similarmente ao esforço integrado de cientistas das mais diversas áreas
do conhecimento que se unem para resolver um grande problema científico, quer
seja uma doença ou um conhecimento sobre o homem, como o projeto para
solver decisivamente os péssimos índices de segurança pública no Brasil, é de
todo mister a maior integração entre as forças de segurança interna e também
com os países vizinhos. A questão é como fazer isso, como romper as fronteiras
disciplinares entre as forças de segurança e o próprio sistema de justiça criminal.
A Constituição Federal elenca os seguintes órgãos públicos diretamente
ligados à responsabilidade de preservação da ordem pública e da incolumidade
das pessoas e seus patrimônios: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal,
Ferroviária Federal, Polícias Civis, Militares e Corpos de Bombeiros Militares dos
Estados da Federação. Admite também a criação de Guardas Municipais por
parte dos municípios para a proteção de bens, serviços e instalações.
Todos esses órgãos policiais têm atribuições determinadas na
Constituição Federal e em leis e regulamentos, e o fato de possuírem atribuições
determinadas, enfeixadas em áreas de conhecimento e especialidades, salutar
para o desenvolvimento das doutrinas e expertises de cada área de
conhecimento e prática policial, fez, entretanto, ao longo dos anos, os programas
de formação, treinamento e operação ficarem cada vez mais fechados dentro
das próprias corporações, sem que fosse incentivado, desde a formação, a
atuação conjunta com as demais forças de segurança.
Tal circunstância de isolamento na seleção, formação e atuação das
polícias reflete em dificuldades de atuação conjunta das forças de segurança e
tem levado a conflitos operacionais e, até mesmo, na invasão e confusão de
atribuições legais que favorecem conflitos, retrabalhos, nulidades processuais e
49
disputas interagências, que contribuem para a escalada do crime organizado,
principalmente nos grandes centros urbanos nacionais.
Mister se faz, como ponto relevante e inicial à uma teoria e prática do
trabalho policial integrado, providenciar-se um grande esforço de integração nas
academias de formação dos policiais e, no dia-a-dia, incentivar o trabalho
interdisciplinar, pois cada organização policial nacional/local pode ser tratada
como uma “disciplina”, vez que cada polícia pode ser entendida como um
“espaço de conhecimento que reúne uma comunidade de mestres e discípulos
unidos pelo projeto de compartilhar e aprofundar um mesmo corpus de
experiências e saberes” (RAYNAUT e ZANONI, 2011, p.146).
O trecho, destacado para refletir sobre o conteúdo disciplinar das ciências
na academia, pode ser empregado para reconhecer habilidades, doutrinas e
condições especiais de atuação das polícias dentro das suas expertises, como,
por exemplo, nas atividades de policiamento ostensivo, a fim de evitar o
cometimento de crimes e garantir a ordem social e das ações de investigação e
repressão ao crime já cometido.
Cada polícia é uma disciplina, com missões específicas, pois, para
cumprir suas atribuições Constitucionais e legais (basicamente prevenção e
repressão à crimes), constrói, gradativamente, suas doutrinas de preparação e
aplicação, a partir de um empirismo, de uma vivência de seus profissionais, ano
após ano, em determinados territórios e através de intercâmbios de
conhecimentos com outras unidades policiais, inclusive de outros países.
Ocorre que as academias policiais brasileiras, onde tais ensinamentos
são transmitidos, são criações de cada força policial (disciplinarmente) ainda
muito fechadas em si mesmas, com pouca predisposição à formação
interdisciplinar.
Exemplo disso são os dados fornecidos pela Academia Nacional de
Polícia, vinculada à Polícia Federal. Durante o período de 2012 a 2017
formaram-se em cursos regulares, como requisito para nomeação para um dos
cargos de Policial Federal 1.976 alunos. No mesmo período, foram finalizados
50
seis cursos de especialização, com 114 participantes aprovados e, nestes
cursos, apenas 10 participantes de outras forças 14
Fundamental, pois, para o início de uma teoria geral do trabalho policial
integrado é a promoção de encontros. Encontros que permitam superar as
barreiras de doutrina, formação e atuação estanque, segregadas e rivalizadas
entre as forças de segurança, a fim de que, gradativamente opere-se um início
de coordenação (multidisciplinaridade) e convergência (interdisciplinaridade).
Para tentar vencer este severo obstáculo, o Governo Federal criou matriz
curricular mínima para a formação policial. Conforme Rodrigo Carneiro Gomes
(2018), a Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça lançou, em
2014, Matriz Curricular Nacional - MCN de forma a orientar a formação padrão e
inicial dos profissionais de segurança pública no Brasil.
Para Gomes:
A matriz, concebida como ferramenta de gestão educacional e pedagógica, traz diretrizes que “estimulam o raciocínio estratégico-político e didático-educacional necessários à reflexão e ao desenvolvimento das ações formativas na área de segurança pública” (MCN[4], p. 11) e tem entre seus princípios os éticos (compatibilidade entre direitos humanos e eficiência policial, compreensão e valorização das diferenças), os educacionais (flexibilidade, diversificação e transformação; abrangência e capilaridade; qualidade e atualização permanente; articulação, continuidade e regularidade) e os didático-pedagógicos (valorização do conhecimento anterior; universalidade; interdisciplinaridade, transversalidade e reconstrução democrática de saberes).
Mesmo com os avanços verificados na edição da matriz mínima para
currículos em academias policiais no Brasil, constata-se ainda pouca atenção na
preparação do policial para participação efetiva nas ações de segurança
integradas (interdisciplinares) a partir da confluência de esforços de várias forças
de segurança, fiscalização e, até mesmo, defesa.
Deve-se festejar o fato da matriz mínima destacar expressamente a
questão da interdisciplinaridade, vez que, atualmente, a formação estanque do
profissional de segurança dificulta, posteriormente, um agir conjunto com as
demais forças.
14 Dados obtidos junto à Academia Nacional de Polícia através do processo SEI nº 08389.011558/2018-52
51
A recente lei que instituiu a Política Nacional de Segurança Pública e
Defesa Social - PNSPDS e criou, finalmente, o Sistema Único de Segurança
Pública - SUSP no Brasil, lei 13.675 de 11 de junho de 2018 reforçou a
necessidade de integração e coordenação dos órgãos policiais do sistema.
Destaca-se, dentre outras diretrizes, o intercâmbio de conhecimentos técnicos e
científicos.
O artigo 10, § 5º da lei ressalta a matriz curricular nacional e aponta
características da multidisciplinaridade:
§ 5º O intercâmbio de conhecimentos técnicos e científicos para qualificação dos profissionais de segurança pública e defesa social dar-se-á, entre outras formas, pela reciprocidade na abertura de vagas nos cursos de especialização, aperfeiçoamento e estudos estratégicos, respeitadas as peculiaridades e o regime jurídico de cada instituição, e observada, sempre que possível, a matriz curricular nacional.
No artigo 39 da lei, quando trata da capacitação e da valorização do
profissional em segurança pública e defesa social conceitua a MCN, de cunho
eminentemente interdisciplinar ao determinar o respeito às peculiaridades e
regime jurídico de cada instituição policial. É o artigo referido:
Art. 39. A matriz curricular nacional constitui-se em referencial teórico, metodológico e avaliativo para as ações de educação aos profissionais de segurança pública e defesa social e deverá ser observada nas atividades formativas de ingresso, aperfeiçoamento, atualização, capacitação e especialização na área de segurança pública e defesa social, nas modalidades presencial e a distância, respeitados o regime jurídico e as peculiaridades de cada instituição.
Alguns países continentais como o Brasil criaram verdadeiras
Universidades para enfrentar a questão da necessária formação interdisciplinar
de seus policiais. Um dos exemplos nesse sentido é a China, com suas
Universidades de Polícia15.
15O autor teve a oportunidade de conhecer e estagiar, a convite do Governo Chinês e em cooperação com a Polícia Federal do Brasil, na Universidade da Polícia de Investigação Criminal da China - CIPUC, localizada na Província de Liaoning, cidade de Shenyang, no período de 19 a 28 de setembro de 2017. A instituição é uma das Universidades Policiais mantidas pelo Ministério da Segurança Pública da República Popular da China.
52
A mesma dificuldade de formação integrada enfrentada pelas academias
policiais se viu, e ainda se percebe, nas Universidades. Uma das soluções
adotadas nas Universidades, por exemplo, é a criação de incentivos econômicos
à criação de grupos interdisciplinares para investigações científicas complexas
(Raynaut e Zanoni, p.152)16.
Fundamental, portanto, para vencer a disciplinarização da segurança
pública é a promoção de formação integrada com todas as forças de segurança
em passos gradativos, com orçamentos e projetos que incentivem cursos
integrados e atuações conjuntas. Promover o encontro constante é essencial
para a mudança gradativa do paradigma do isolacionismo das atividades
policiais.
Outro ponto relevante é a percepção de que a interdisciplinaridade “não
pode se impor de cima para baixo e que ela só se constrói com a adesão íntima
dos próprios cientistas” (idem, p. 152). Criar ações interdisciplinares no âmbito
policial não é uma prática simples, consistente em simplesmente reunir policiais
de forças diversas e colocá-los na mesma equipe, quartel, sala ou unidade e
determinar a atuação conjunta. Para o êxito gradativo das ações
interdisciplinares com as forças policiais, são recomendáveis as seguintes
providências, extraídas de exemplos da pesquisa Universitária (Raynaut e
Zanoni, 2011).
Reconhecimento mútuo e formação conjunta e continuada: para que o
desiderato de atuações conjuntas aconteça é preciso que as equipes e
profissionais diversos iniciem um conhecimento recíproco sobre as
responsabilidades e atribuições e adquiram, constantemente, noção e
consciência sobre a complexidade do problema da segurança pública. Essa
diretriz consta expressamente da legislação sobre o SUSP, no artigo 10, § 5º da
lei 16.675/2018, ao determinar o intercâmbio científico e formação compartilhada
entre os profissionais de segurança pública. É imperativo que as equipes e
policiais, desde o início do processo formativo até a constante atualização,
encontre-se com outras forças de segurança de forma a criar redes de
16Capítulo 5 do livro de Interdisciplinaridade em ciência, tecnologia e inovação.
53
cooperação bem como consciência sobre as dificuldades e vicissitudes de cada
atuação policial.
Além disso, é fundamental que as dinâmicas das ações interdisciplinares
sejam transmitidas em cursos específicos sobre a temática e que, nesses cursos,
os profissionais das mais diversas forças de segurança e, até mesmo, do próprio
sistema de justiça criminal estejam presentes, e que a experiência seja
fundamental para o progresso da carreira de tais profissionais.
Nada impede que a atual tecnologia de Ensino à Distância – EAD, seja
empregada para cursos preliminares sobre interdisciplinaridade nas ações
policiais, de forma a fornecer o mínimo teórico para que, num segundo momento,
necessariamente presencial, o profissional atue em conjunto e estabeleça
contato com os demais sujeitos.
Esse contato pessoal e direto favorece para além do compartilhamento de
ideias e vivências em sala de aula, o convívio em outros momentos recreativos
e operacionais, a favorecer o estabelecimento de redes horizontais.
Importante, durante a fase presencial, a adoção de uma sistemática que
estimule a mistura entre os participantes, mesclando-se em sala de aula,
refeitório e alojamentos policiais de forças diversas e demais integrantes do
sistema de justiça, eventualmente participantes daquela formação.
Todo o esforço, tanto na formação inicial daquele aspirante ao cargo
policial como após em cursos de aperfeiçoamento profissional, deve ser no
sentido de formar “espíritos esclarecidos” que, no dizer dos professores Raynaut
e Zanoni (2011, p. 156):
Pode-se, em primeiro lugar, ter como objetivo contribuir para a formação de espíritos esclarecidos que saibam adotar uma visão global da realidade contemporânea. Espíritos que tenham recuo em relação aos saberes compartimentados produzidos pelas disciplinas e que estejam, por isso, em condições para enfrentar conceitualmente os novos desafios intelectuais que nossas sociedades encontram.
Financiamentos e meios: para incentivar ações integradas entre forças de
segurança, é preciso agregar financiamentos conjuntos para favorecer a criação
de espaços compartilhados e a aquisição de equipamentos interoperacionais.
Exemplos disso seria a construção de Academias Policiais e estandes de tiro
54
regionais para utilização congregada das forças de segurança, compra de
armamento padrão para as polícias, com unificação de calibres, bem como a
aquisição de viaturas, uniformes e sistemas de informação e comunicação
similares, a fim de favorecer ações conjuntas.
Da mesma forma que a ciência e tecnologia conseguem reunir
profissionais diversos através da criação de editais científicos cuja seleção de
projetos passa pela verificação da formação interdisciplinar dos profissionais,
podem ser estabelecidos financiamentos especiais para projetos que tenham a
integração policial como principal norte.
Por exemplo, um dos grandes desafios em ações e operações policiais
integradas corresponde a problemas de comunicação. Cada força policial detém
equipamentos de comunicação próprios, basicamente rádios que não se
comunicam entre sí e entre equipes de polícias diversas como Polícia Federal,
Polícia Militar e Polícia Rodoviária Federal.
Comunicação rápida, ágil e compartilhada é fundamental para o êxito de
qualquer ação, quanto mais para a segurança pública, como o WhatsApp17.
Esse esforço de integração deve ser capitaneado pelas Secretarias
Estaduais de Segurança Pública e, nacionalmente, pelo Ministério da Justiça e
Segurança Pública, notadamente pela Secretaria Nacional de Segurança
Pública.
Comunicação uniforme dos resultados e avaliação constante: todas as
ações integradas devem merecer acompanhamento e avaliação constantes a
fim de permitir melhorias nos resultados e busca de aperfeiçoamentos, bem
como para facilitar a solução de eventuais atritos existentes no momento da
ação, evitar que o acúmulo de problemas não equacionados torne, com o tempo,
um obstáculo a novas ações.
Mais uma vez, a criação de formas de promoção de encontro e diálogos
entre as equipes deve ser favorecida sempre e rotineiramente. Nesses encontros
e reuniões periódicas, tanto formais como em reuniões de trabalho e operações
propriamente ditas, mas também nas informais, em confraternizações,
17Aplicativo para smartphones faz ligações gratuitas, envia mensagens instantâneas escritas e de voz, imagens, vídeos e documentos em PDF, além de chamadas de voz via internet.
55
aprimoram-se as redes, avaliam-se os resultados e aparam-se eventuais arestas
decorrentes, naturalmente, do trabalho policial.
A comunicação dos resultados obtidos deve ocorrer conjuntamente e
mediante protocolos e modelos de notas que exaltem o trabalho integrado e
resultados conjuntos obtidos. Devem-se evitar menções de apoios recíprocos
que podem sugerir subordinação de um organismo sobre o outro. Nas notas de
divulgação para a imprensa, devem-se adotar palavras como “conjuntamente”,
“de forma integrada” e “em atuação compartilhada”.
A população quer saber menos quem ou qual foi a força de segurança,
defesa ou fiscalização que, diretamente, esteve envolvida com a intervenção
policial propriamente dita. O que a população quer é uma sensação de
segurança duradoura e eficaz. Já não importa que fez o gol. O importante é que
o time vença.
A prática interdisciplinar entre as forças de segurança, ainda é um
horizonte distantes, bem como da construção de um sistema de segurança
público a que se possa atribuir tal substantivo. Impera o pensamento disciplinar
na segurança pública.
Alie-se a essa problemática disciplinar, a mesma dificuldade de atuação
conjunta percebida a partir do Ministério Público, Judiciário, Departamentos
Prisionais e Defensorias Públicas, o que, ao lado da grande especialização e
conhecimento das equipes de cada um desses órgãos, resulta também em
pouco encontro, diálogo e cooperação entre todas as Instituições que fazem do
complexo sistema de Justiça Criminal uma ‘grande torre de Babel’.
Para investigar crimes complexos, mister se faz que a formação policial,
para além da técnica, permita a compreensão e formação de habilidades para
cooperação e trabalho em equipe, com profissionais de formação diversa quanto
os novos campos de habilidades demandadas para a pesquisa de uma
criminalidade cada vez mais desafiadora.
Como nova qualidade a ser desenvolvida a “formação de indivíduos
engajados nos processos de decisão e na ação”. Raynault e Zanoni apontam:
A sociedade contemporânea precisa de responsáveis, profissionais, atores da sociedade civil, que possuam um alto nível de consciência da complexidade e do caráter híbrido dos problemas na resolução dos quais estão empenhados. Não é necessário que eles mesmos sejam inovadores conceituais, produtores de conhecimento científico. Entretanto, têm que estar
56
aptos a trabalhar com outros profissionais e atores sociais cuja experiência e savoir-faire são necessários para tratar problemas que têm múltiplas facetas e dimensões. (RAYNAUT e ZANONI, 2011, p. 159)
No âmbito internacional, as dificuldades são maiores. No caso do Brasil,
em que pese uma grande integração e cooperação policial internacional, por
instituições como a INTERPOL e AMERIPOL, organizações de âmbito mundial
e continental, exemplos de cooperação policial local, minimamente formalizado,
regionalizado são extremamente raros, com pouco ou nenhum conhecimento e
integração entre as polícias locais nas cidades gêmeas do Brasil com seus dez
vizinhos na fronteira terrestre.
Falta uma atuação integrada, convergente, interdisciplinar entre as
instituições do Estado na área de segurança, dificultada ainda mais pela falta de
formação dos profissionais em modelos de atuação interdisciplinar. A carência
de encontro, nas suas mais variadas formas, como currículos, formação,
terminologia definida, estrutura e trabalhos conjuntos, está na base e no cerne
das dificuldades de integração, convergência e interdisciplinaridade das forças
de segurança.
A situação foi explicitada como forma de resolver a crise de segurança
que assola o Estado do Rio de Janeiro. Conforme matéria veiculada no jornal
Gazeta do Povo, os Ministros da Justiça, Defesa, Segurança Institucional e
Procuradoria da República pretendem a formação de uma força-tarefa para
intensificar os esforços de segurança. Entretanto, como bem destaca a matéria,
não há uma formula ou doutrina para integração dos esforços. Veja-se:
Essa proposta foi debatida na terça-feira (26) entre a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, com os ministros da Defesa, Raul Jungmann; da Justiça, Torquato Jardim; e do Gabinete de Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen. A sugestão, porém, precisa de tempo para ser avaliada e implementada. “Não estão definidos os moldes de atuação dos diferentes órgãos. Mas a reunião de hoje foi profícua em aproximar as instituições e alinhar as posições e de como a criminalidade tem ocorrido no Rio de Janeiro”, declarou Dodge na ocasião (GAZETA DO POVO, 2017).
A profunda crise de segurança pública pela qual passa hoje e já há algum
tempo o Brasil, na sua miríade de causas, é um problema de entrosamento e de
57
atuação conjunta, interdisciplinar entre as inúmeras forças de segurança, defesa
e fiscalização que devem dedicar-se ao tema, e das estruturas sociais e
educacionais que precisam seguir com o Estado para minimizar o poder de
atração das organizações criminosas.
1.4 A “POLÍCIA” E O “SISTEMA” DE SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL.
Passados 30 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, não
havia, até recentemente, uma política sobre segurança pública no Brasil capaz
de instituir e regrar um sistema de segurança pública, cujas ações isoladas de
seus necessários, mas não únicos integrantes, as polícias, explica, em certa
parte, o enorme desafio de segurança a ser vencido atualmente.
Apenas com a lei nº 13.675/2018 de 11 de junho de 2018, é que foi criada
no Brasil a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social – PNSPDS
e instituído o Sistema Único de Segurança Pública - SUSP. Finalmente, após
três décadas de descaso e desarticulação entre as forças de segurança, o
Governo Federal assume a liderança do assunto, junto com os Estados e
Municípios numa aplicação interdisciplinar da complexa e multifatorial
problemática da segurança pública.
O artigo inaugural da lei diz que a Política e o Sistema têm como finalidade
preservar a ordem pública, as pessoas e patrimônio, mediante necessária ação
conjunta, coordenada, sistêmica e integrada dos órgãos de segurança pública e
defesa social da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com articulação
necessária junto à sociedade. Logo após, no artigo 2º, dá-se a interpretação legal
da responsabilidade do “Estado” cunhada no caput do artigo 144 da Constituição.
A lei veio esclarecer a extensão do termo, fixa que “Estado” seria
propriamente o Estado Nacional brasileiro, compreendendo a União, Estados da
Federação e Distrito Federal, bem como os Municípios, cada um deles dentro
das suas competências e atribuições legais.
Estabeleceu princípios (art. 4º) para a Política de Segurança, dentre eles
a “otimização dos recursos materiais, humanos e financeiros das instituições”
(inciso XIII). Esta governança, basicamente, representa a convergência
defendida pela interdisciplinaridade, por exemplo, na construção de escolas e
academias de polícia que possam formar, concomitantemente e num mesmo
58
ambiente, Policiais Civis, Militares, sem necessidade de segregações que
futuramente criarão barreiras ao trabalho conjunto.
No artigo dedicado às diretrizes (art. 5º) e corroborando ser a prática da
segurança pública, necessariamente, um trabalho e estudo interdisciplinar,
elencou-se a necessária “atuação integrada entre a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios em ações de segurança pública” (inciso IV). E, para
além das articulações entre os órgãos de segurança pública simplesmente,
destacou a necessidade de “colaboração do Poder Judiciário, do Ministério
Público e da Defensoria Pública na elaboração de estratégias e metas para
alcançar os objetivos dessa Política”.
A interdisciplinaridade consta também do inciso XIX do artigo das
diretrizes (art.5º), ao dispor sobre a necessidade de:
incentivo ao desenvolvimento de programas e projetos com foco na promoção da cultura de paz, na segurança comunitária e na integração das políticas de segurança com as políticas sociais existentes em outros órgãos e entidades não pertencentes ao sistema de segurança pública
Tal qual um problema científico que necessita da convergência de
inúmeros pesquisadores das mais variadas e diversas formações, a segurança
pública, um dos maiores problemas do Brasil, não será debelado apenas com o
trabalho de um ou de alguns órgãos de segurança, ainda mais enquanto
desarticulados entre si. Mister a coordenação de todos para o resultado
esperado. Salutar que essas observações constem de forma cogente no texto
legal.
Essa coordenação e cooperação dos órgãos de segurança e instituições
que operam junto ao sistema de justiça criminal é praticamente inexistente.
Sequer encontros regulares existem para, ao menos, propiciar um conhecimento
pessoal entre os atores, conhecimento das suas estruturas, dificuldades e
possibilidades de composição de esforços para a melhora do quadro geral.
Ao invés da cooperação, vigora a competição por meios e a desconfiança
no olhar. Para o amontoado de instituições que atuam de alguma forma na
missão de garantir a segurança pública tornar-se um sistema minimamente
articulado, será necessário muito empenho e vontade de todos, tanto na cúpula
59
das instituições, como nas unidades projetadas pelo vasto território nacional. É
possível tomar exemplo na questão da pesquisa interdisciplinar nas instituições
de ensino e pesquisa.
Por isso que o caso do CT é exemplar, pois o principal motor para o
desempenho da organização internacional local são os encontros mensais das
autoridades policiais que desempenham ações no Comando. Tais encontros,
que ocorrem desde 1996, contribuem, gradativamente, para uma sinergia e
cooperação cujos resultados são vistos pelas estatísticas de cooperação e
entrega de presos, por exemplo, bem como mediante ações compartilhadas na
região de atribuição, conforme será especialmente verificado nos capítulos
posteriores.
Para que a Política de Segurança seja implementada realmente, é
necessário que o Sistema de Segurança funcione, articulando-se
constantemente por redes horizontais. A mesma lei, a partir do art. 9º, institui o
Sistema Único de Segurança Pública, erigindo o Ministério da Justiça e
Segurança Pública como órgão central, além dos órgãos já listados no artigo 144
da Constituição Federal. Incluiu os agentes penitenciários e guardas municipais,
bem como demais integrantes, tanto estratégicos como operacionais. Conforme
o referido artigo, são integrantes do SUSP:
§ 1º São integrantes estratégicos do SUSP: I - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por intermédio dos respectivos Poderes Executivos; II - os Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social dos três entes federados. § 2º São integrantes operacionais do SUSP: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III – (VETADO); IV - polícias civis; V - polícias militares; VI - corpos de bombeiros militares; VII - guardas municipais; VIII - órgãos do sistema penitenciário; IX - (VETADO); X - institutos oficiais de criminalística, medicina legal e identificação; XI - Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP); XII - secretarias estaduais de segurança pública ou congêneres; XIII - Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (SEDEC); XIV - Secretaria Nacional de Política Sobre Drogas (SENAD); XV - agentes de trânsito; XVI - guarda portuária. § 3º(VETADO).
60
O texto legal ressalta que a atuação conjunta deve ser feita nos limites
das respectivas competências de cada um dos órgãos e entidades. Ou seja,
atuação conjunta, interdisciplinar não significa alguém fazer o trabalho de
outrem, nem todos fazerem tudo, mas sim o compartilhamento de meios efetivos
e práticas para cercar a complexa missão de garantir a segurança pública da
população com sinergia e resultados ótimos.
A lei, no artigo 10, exemplifica as ações através de:
I - operações com planejamento e execução integrados; II - estratégias comuns para atuação na prevenção e no controle qualificado de infrações penais; III - aceitação mútua de registro de ocorrência policial; IV - compartilhamento de informações, inclusive com o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN); V - intercâmbio de conhecimentos técnicos e científicos; VI - integração das informações e dos dados de segurança pública por meio do SINESP.
Os termos destacados são manifestações da interdisciplinaridade:
integração, estratégias comuns, aceitação mútua, compartilhamento e
intercâmbio e demonstram, mais uma vez, a aplicabilidade do termo e da prática
interdisciplinar para as atividades de segurança pública.
A lei favorece a atuação colegiada e a aferição dos resultados, com a
criação, em cada nível de poder (União, Estados, Distrito Federal e Municípios),
dos denominados Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social, contendo
representantes de cada órgão ou entidade integrante do SUSP e, mais ainda, de
representantes do Sistema de Justiça Criminal, como Poder Judiciário, Ministério
Público, OAB, Defensoria Pública, representantes de entidades e organizações
sociais, cujas atividades estejam relacionadas à segurança pública, além de
representantes das entidades de profissionais de segurança pública.
A lei determinou a expedição do Plano Nacional de Segurança Pública e
Defesa Social (art. 22), com duração de 10(dez) anos, e que servirá de base
para os Planos Estaduais e Municipais em até dois anos da edição do nacional.
A finalidade do Plano Nacional, dentre outras, é “priorizar ações preventivas e
fiscalizatórias de segurança interna nas divisas, fronteiras, portos e aeroportos.”
(inciso IV do artigo 22).
61
Em dezembro de 2018, o Governo Federal publicou o atual Plano
Nacional de Segurança Pública, para a década de 2018 a 2028. O plano foi
instituído formalmente a partir do decreto nº 9.630, de 26 de dezembro de 2018.
Com 15 objetivos e diversas estratégias e ações decorrentes, destaca-se o
objetivo 8: fortalecer o aparato de segurança e aumentar o controle de divisas,
fronteiras, portos e aeroportos, previsto no inciso VIII, artigo 2º do decreto.
Para concretizar o objetivo relacionado a um maior controle das fronteiras
o plano sugere como ações, dentre outras, o “intercâmbio de informações e
cooperação para fiscalização junto aos países vizinhos” e “projetos estruturantes
para o fortalecimento da presença estatal na região de fronteira” (2018, p. 56).
Sugere “convênio das Forças Armadas, polícias militares e polícias civis com a
Polícia Federal para atuação na área de polícia de fronteiras, portos e
aeroportos” (2018, p. 57).
Os destaques dados à questão de fronteiras no Plano Nacional de
Segurança Pública visam especificar a estratégia e ações para o imenso desafio
de policiamento e proteção das fronteiras nacionais, principalmente as terrestres.
A partir do ano 2000, o Brasil passou a instituir o que foi denominado de
Planos de Segurança Pública, ou Planos Nacionais de Segurança Pública.
Conforme publicação do então Ministério da Segurança Pública (2018, p. 31)
“com maior ou menor rigor técnico, ao longo das últimas décadas, o governo
federal tentou implementar 5 planos de segurança pública”
Em fevereiro de 2017, foi lançado o penúltimo documento, elaborado e
apresentado basicamente a partir de uma solenidade no Ministério da Justiça,
em função da crise emergencial de segurança pública existente em Natal,
Aracaju e Porto Alegre, bem como rebeliões em presídios do Norte do país18.
Infelizmente, o que se vê no Brasil é uma preocupação mais reativa do
que proativa na questão da segurança e do aumento da criminalidade, com
planos e metas estabelecidos em momentos de grande comoção, como resposta
pontual e até mesmo eleitoral para dramas específicos. O amadorismo no trato
da questão e o improviso ficam explícitos na reportagem em que houve avaliação
sobre o primeiro ano do Plano Nacional de Segurança de 2017.
18http://www.justica.gov.br/news/plano-nacional-de-seguranca-preve-integracao-entre-poder-publico-e-sociedade. Acesso em: 13 ago. 2018.
62
À reportagem, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, reconheceu que o plano foi lançado no “calor” da “convulsão” provocada por chacinas em presídios de Amazonas e Roraima. No momento, o governo trabalha na definição de uma política nacional de segurança pública, com foco no longo prazo. “Estamos tentando, agora, concluir uma política nacional, que vem antes do plano. O plano foi concebido no calor daquela convulsão toda, aquelas tragédias todas, mas agora vamos ter uma política em mais largo prazo”, disse Torquato. Conforme o secretário-adjunto da Senasp, almirante Alexandre Mota, o plano nacional passa por uma revisão, a fim de ser adequado a futura política nacional, que deve ser lançada ainda em 2018. (grifos nossos). https://g1.globo.com/politica/noticia/um-ano-apos-lancar-plano-nacional-de-seguranca-confira-o-que-o-governo-cumpriu-e-o-que-nao-cumpriu.ghtml. Acesso em 13/08/2018).
Não há menção na lei que trata do SUSP sobre os GGIF, previstos a partir
do decreto nº 7.496/2011 e mantidos pelo decreto posterior, de número
8.903/2016, bem como os Gabinetes de Gestão Integrada Municipais, instituído
a partir do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania -
PRONASCI, leis 11.530/2007 e 11.707/2008. Esses fóruns, porém, sofrem com
a falta de modelos de atuação, liderança na coordenação, estruturas e meios
para ação e podem ser esvaziados pelos novos conselhos criados pela
PNSPDS.
A nova Política de segurança pública versou apenas de forma reflexa
sobre a segurança das fronteiras nacionais. Possivelmente, em razão da
existência de um plano de fronteiras, exposto no decreto nº 8.903/2016 como
evolução do decreto anterior de 201119. Como já dito, referências à fronteira
surgem apenas no Plano Nacional de Segurança Pública de 2018.
Os decretos exarados pelo Poder Executivo, que não são os melhores
meios legais para veicular planos para as fronteiras, pois podem ser mudados
sem maiores discussões por ato do Chefe do Poder Executivo, ao sabor de
clamores e guinadas políticas, ressaltam, como principal diretriz, a integração
entre forças de segurança, defesa e fiscalização, perpassando o conceito tanto
19Decreto 7496, de 8 de junho de 2011, instituiu o Plano Estratégico de Fronteiras e criou os Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteiras – GGIF´s. Foi revogado em 2016, pelo decreto nº 8.903.
63
de multidisciplinaridade (coordenação e paralelismo), como de
interdisciplinaridade (convergência e perspectivismo).
O decreto 8.906/2016 cria o Programa de Proteção Integrada de
Fronteiras (PPIF) que tem como diretrizes, conforme artigo 2º:
I - a atuação integrada e coordenada dos órgãos de segurança pública, dos órgãos de inteligência, da Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda e do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, nos termos da legislação vigente; e II - a cooperação e integração com os países vizinhos.
Referente à proteção e segurança das fronteiras nacionais, a legislação
determina um esforço ainda maior, qual seja de integrar de forma
multidisciplinar/interdisciplinar não apenas os órgãos propriamente de segurança
pública (polícias), mas também as instituições de Defesa (Exército, Marinha e
Aeronáutica) de fiscalização (como a Receita Federal) e de inteligência a partir
do SISBIN, coordenado pela Agência Brasileira de Inteligência - ABIN.
Internacionalmente, o desafio do inciso II do decreto é o de criar sinergias
e colaborações com os órgãos de segurança dos países vizinhos. É salutar a
adoção de órgãos ou sistemas de cooperação local para as polícias nas regiões
fronteiriças, como é o caso do CT.
Um marco interessante para vencer o desafio de cooperação interna
(nacional), que contribuiu para a convergência das forças de segurança, defesa,
fiscalização e inteligência, num esforço interdisciplinar, foi a criação dos
denominados Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteira - GGIF, instituídos a
partir de 2011 através do decreto 7496/2011 e mantidos pelo atual.
Os GGIF´s foram à principal referência para a integração, leia-se atuação
interdisciplinar, entre os inúmeros órgãos dedicados à segurança das fronteiras.
Destaca-se o artigo 6º da norma:
Art. 6º Os Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteira terão como objetivo a integração e a articulação das ações da União previstas no art. 1º com as ações dos estados e municípios, cabendo a eles: I - propor e coordenar a integração das ações; II - tornar ágil e eficaz a comunicação entre os seus órgãos; III - apoiar as secretarias e polícias estaduais, a polícia federal e os órgãos de fiscalização municipais; IV - analisar dados estatísticos e realizar estudos sobre as infrações criminais e administrativas;
64
V - propor ações integradas de fiscalização e segurança urbana no âmbito dos municípios situados na faixa de fronteira; VI - incentivar a criação de Gabinetes de Gestão Integrada Municipal; e VII - definir as áreas prioritárias de sua atuação. § 1º Não haverá hierarquia entre os órgãos que compõem os GGIFs e suas decisões serão tomadas por consenso.
Em 2011, foram previstas ações compartilhadas, integradas, multi e
interdisciplinares, para além simplesmente dos órgãos de segurança pública,
mas também entre as Forças Armadas e órgãos de fiscalização como a Receita
Federal, pelos GGIF e Centros de Operações Conjuntas - COC, previstos para
ter sede nas instalações do Ministério da Defesa.
Entretanto, em 2016, o novo decreto 8.903/2016 manteve os GGIF´s já
instituídos, mas revogou a norma anterior e, com isso, os COC´s.
O decreto manteve a diretriz de integração, ampliou tal escopo e criou
uma estrutura de aferição de desempenho e supervisão dos GGIF´s, formulação
de políticas e ações de articulação de nível político-estratégico, qual seja o
Comitê Executivo do Programa de Proteção Integrada de Fronteiras (arts. 5º e
6º do decreto 8.903/2016) sediado em Brasília/DF. O Comitê, conforme
exposição realizada por alguns de seus membros na Delegacia da Polícia
Federal em Foz do Iguaçu, em 27 e 28 de julho de 201820, realizou, entre 2017
a junho de 2018, 11 reuniões ordinárias e 27 reuniões temáticas, aprovando seu
planejamento estratégico conforme portaria nº 38, de 20 de abril de 201821
Mesmo com a diretriz integradora representada pelos decretos
mencionados que tratam sobre fronteiras, não há grandes exemplos de
interdisciplinaridade nas atuações de segurança nas fronteiras do Brasil. Tal
circunstância foi destacada em recente seminário sobre governança de
fronteiras realizado pelo Gabinete de Segurança Institucional - GSI e pelo
Tribunal de Contas da União - TCU:
20Nos dias 26 e 27 de julho de 2018, membros do GSI e SENASP estiveram em reuniões perante órgãos de segurança pública em Foz do Iguaçu para conhecerem a atuação local. No dia 26, período da tarde, houve reunião extraordinária do GGIF na Delegacia da PF em Foz do Iguaçu, com apresentação por parte da comitiva do PPIF e seu planejamento estratégico. 21DOU de 27/04/2018, nº 81, Seção 1, p.9.
65
Às 19:14 de 29/09/17, aconteceu o Seminário debate governança de fronteiras. Ministro Augusto Nardes defendeu a integração das 13 instituições que controlam as regiões de fronteiras. Representantes de diversas entidades e órgãos de controle e fiscalização do País participaram, no dia 26 de setembro, do Seminário Governança de Fronteiras. O evento, uma parceria entre o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Gabinete de Segurança Nacional da Presidência da República, debateu medidas que vêm sendo adotadas sobre o tema, a partir de deliberações feitas pelo TCU. O encontro foi conduzido pelo ministro Augusto Nardes. Consideradas fundamentais para a defesa do território nacional, as regiões de fronteiras se estendem por quase 17 mil quilômetros, contemplando divisas com 10 países. A proximidade com outras nacionalidades torna o Brasil vulnerável a ações ilícitas. O contrabando de mercadorias, principalmente de cigarro, e o tráfico de drogas são os principais crimes registrados. O ministro Augusto Nardes apresentou aos participantes estudos realizados pelo TCU, nos anos de 2015 e 2016, sobre a situação da governança das fronteiras. A mais recente auditoria feita pelo Tribunal, que deu origem ao acórdão Acórdão 2252/2015 - Plenário, revelou que não há uma política nacional integradora de todos os entes responsáveis pela fiscalização e monitoramento dessas áreas. Segundo apurou o TCU, o Plano Estratégico de Fronteiras (PEF), instituído em 2011, deixou de evidenciar as funções a serem exercidas por cada órgão. Além disso, foi constatado que a participação social é limitada e o baixo grau de investimentos e a carência de recursos humanos, materiais e financeiros realçam as vulnerabilidades dos espaços territoriais. Nardes defendeu que a total integralização das entidades, dentro de uma governança fortalecida, torna os controles fronteiriços ainda mais eficientes. “Ao todo, 13 instituições controlam as regiões de fronteiras. Se cada um trabalhar para um lado, e não de forma integrada, não há condições de o sistema funcionar”, afirmou Nardes. (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2017).
Percebe-se que, não será imediatamente e mediante simples e
transitórias ações de governos que o Brasil conseguirá formar, a partir das
normas mencionadas, um efetivo sistema de segurança público. É imperioso
uma política de Estado que permaneça e evolua gradativamente. O tempo, maior
ou menor, dependerá da liderança exercida pelas cúpulas dos Poderes
Executivos, Legislativo e Judiciário e da persistência e compreensão dos
profissionais de segurança sobre a necessidade de formação de vínculos e redes
interdisciplinares a fim de elevar ao máximo a coordenação, convergência e
cooperação irrestrita nas ações imediatas e mediatas para, construir-se um
66
sistema de segurança que permaneça em pé e que possa representar uma
fortaleza eficaz contra os ataques da criminalidade organizada.
1.5 OS GRANDES EVENTOS E UM MODELO DE ATUAÇÃO INTEGRADA
O trabalho interdisciplinar, com convergência de esforços é fundamental
para a superação de grandes desafios de segurança pública e não apenas na
ciência. Exemplo disso foram os Centros Integrados de Comando e Controle -
(CICC) criados durante os grandes eventos como Copa do Mundo e Olimpíadas
no Brasil, nos anos de 2014 e 2016. Basicamente, em face da complexidade das
ações e a visibilidade internacional dos eventos, estabeleceram-se salas nas
cidades-sede onde cada força de segurança, defesa, fiscalização e serviços
essenciais mantinham um representante com poder de decisão e articulação
com as equipes que atuavam na ponta do evento.
Para Adriana Vasconcelos, a questão da integração para órgãos de
segurança pública surge a partir do Decreto nº 7.538/2011 que instituiu, no
âmbito do Ministério da Justiça, a Secretaria Extraordinária de Segurança para
Grandes Eventos (SESGE) (Vasconcelos, 2018, p.17). Para esta pesquisa, o
ideário da integração em assuntos de segurança pública é mais remoto e deriva
da Constituição Federal de 1988, quando o artigo 144 caput diz ser “a segurança
pública um dever do Estado e direito e responsabilidade de todos”.
Entretanto, o decreto referido é um marco na prática de integração, de
agir interdisciplinar, com vista aos eventos concretos que se seguiram: Copa do
Mundo e Olimpíadas, principalmente22.
O Sistema Integrado de Comando e Controle da Segurança Pública para
Grandes Eventos (SICC) foi instituído pela Portaria nº 112, de 8 de maio de 2013,
publicada no DOU nº 90, de 13 de maio de 2013. O SICC foi idealizado para
garantir que os Grandes Eventos sediados pelo Brasil nos anos de 2014 (Copa
do Mundo de Futebol) e 2016 (Jogos Olímpicos) ocorressem de maneira segura.
O sistema permitiu que todo o aparato estatal voltado para a Segurança Pública
22O Decreto nº 7.682/2012 no seu artigo 5º, § 1º considerou como grandes eventos os seguintes: I - a Jornada Mundial da Juventude de 2013; II - a Copa das Confederações FIFA de 2013; III - Copa do Mundo FIFA de 2014; IV - os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016; e V - outros eventos designados pelo Presidente da República.
67
e Defesa Civil atuasse de forma integrada e vetorizada para garantir a realização
dos eventos.
Antes dos eventos propriamente ditos e em tom preparatório, foram
estabelecidos planos e protocolos integrados, documentos oriundos de diversas
reuniões preparatórias aos grandes eventos em que cada órgão e seus
representantes, a partir das suas atribuições legais, informavam quais as suas
responsabilidades, meios e efetivos que colocaria à disposição do evento,
criando uma sinergia, uma convergência ou interdisciplinaridade fundamental ao
êxito das operações.
A atuação convergente de todos permitiu que os diversos eventos
esportivos concomitantes transcorressem em harmonia, pois as equipes
estavam cooperando com convergência de interesses, num esforço nitidamente
de encontro de potencialidades para o fim de resolver os desafios que se
apresentavam. O problema de uma instituição chamava rapidamente o esforço
cooperativo de todos para a solução, sem que a competição e as constantes
dificuldades de comunicação entre as agências fossem um empecilho para o
resultado exitoso dos grandes eventos.
A doutrina de integração dos Centros Integrados é um paradigma e
modelo para ser seguido e tem inspiração no fenômeno da interdisciplinaridade.
Em pesquisa recente sobre o legado de segurança dos grandes eventos, a
pesquisadora Adriana Cristina Duarte de Almeida Vasconcelos destacou a
relevância:
Em 2013, foi publicada a Portaria nº 112/2013, que instituiu o Sistema Integrado de Comando e Controle de Segurança Pública para Grandes Eventos - SICC (BRASIL-N, 2013).Esse pode ser considerado o marco regulatório fundamental na busca do que seria posteriormente denominado o "maior legado" para a segurança pública. A SESGE, criada sob a estrutura do Ministério da Justiça, ficou responsável pela implementação do SICC, ficando então incumbida de viabilizar o que foi considerado pelo Governo Federal como "maior legado" dos grandes eventos à segurança pública brasileira: a coordenação das instituições de segurança pública[...]” (Vasconcelos, 2018, p.16).
Conforme dados obtidos junto ao site do Ministério da Justiça, a estrutura
formada para os Grandes Eventos de 2014 e 2016, através do SICC, foi a
seguinte:
68
O SICC está estruturado da seguinte forma:um Centro Integrado de Comando e Controle Nacional – CICCN: localizado em Brasília e responsável pelo gerenciamento estratégico das ações de segurança pública e defesa civil, supervisionando e apoiando as ações das cidades-sede, mantendo atualizadas e disponíveis as informações para o alto escalão do Governo Federal;um Centro Integrado de Comando e Controle Nacional Alternativo – CICCNA: localizado no Rio de Janeiro e funciona como backup;um Centro de Cooperação Policial Internacional, localizado em Brasília;doze Centros Integrados de Comando e Controle Regionais – CICCR: localizados nas 12 cidades que sediarão os jogos da Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos; vinte e sete Centros Integrados de Comando e Controle Móveis – CICCM: que se localizarão nas proximidades dos locais do evento;doze Centros Integrados de Comando e Controle Locais – CICCL: que serão colocados nas arenas;vinte e duas Plataformas de Observação Elevada – POE: posicionadas próximas aos locais do evento.[...]” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2018).
Para atingir esse desiderato de integração, que sugere necessariamente
ações multidisciplinares e interdisciplinares, o então Ministério Extraordinário da
Segurança Publica - MESP23 passou a trabalhar com a metodologia que foi
empregada com sucesso para os grandes eventos (Copa do Mundo e
Olimpíadas) buscou reativar a sistemática dos CICC com foco inicial para os
Estados e regiões da fronteira oeste do Brasil.
Na pesquisa sobre o legado dos grandes eventos para a segurança
pública no Brasil, Adriana Vasconcelos (2018) ressalta o Sistema Integrado de
Comando e Controle:
O Sistema Integrado de Comando e Controle brasileiro (SICC) surgiu nos mesmos moldes do modelo de segurança norte-americano. Enquanto este teve como marco para a integração
23O Ministério Extraordinário de Segurança Pública (MESP), criado em 26 de fevereiro de 2018, mediante edição pelo Governo da medida provisória nº 821 que alterou a lei 13.502/201723, determinou a transferência dos órgãos policiais e prisionais, antes vinculados ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, como Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Departamento Penitenciário Nacional, Secretaria Nacional de Segurança Pública e, a partir dela, a Força Nacional de Segurança Pública e os Conselhos Nacionais de Segurança Pública e de Políticas Criminais e Penitenciárias. A principal missão do MESP era, na forma do artigo 68-A da alterada lei 13.502/2017 “coordenar e promover a integração da segurança pública em todo o território nacional em cooperação com os demais entes federativos”. Em Julho de 2018, mediante lei nº 13.690, de 10 de junho de 2018, o Ministério Extraordinário tornou-se Ministério da Segurança Pública. Com o novo Governo Federal que tomou posse em janeiro de 2019, as estruturas anteriores vinculadas ao MSP foram novamente fundidas ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, conforme previsto na medida provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019, especificamente no artigo 19, IX.
69
da segurança interna o ataque de 11 de setembro de 2001, aquele teve como marco os grandes eventos esportivos sediados no Brasil. Ambos surgiram de um processo isomórfico. Enquanto os norte-americanos inspiraram-se no modelo militar de defesa nacional, o Brasil inspirou-se nos modelos de segurança pública utilizados nos países centrais para combate ao terrorismo. (Vasconcelos, 2018, p.43).
A medida deste esforço para reativar a metodologia dos CICC foi o 1º
Fórum Nacional de Segurança Pública para Fronteiras, promovido pela
Secretaria Nacional de Segurança Pública durante a semana de 23 a 28 de abril
de 2018 em Brasília. O evento reuniu profissionais de segurança pública, das
Polícias Estaduais e Federais, inclusive Bombeiros e representantes de
entidades de fiscalização, como a Receita Federal, dos 11 Estados da
Federação com fronteiras terrestres e fluviais com os dez países vizinhos, num
esforço para uma atividade interdisciplinar de sinergia entre as diversas
organizações, desde o patamar estratégico, até o nível operacional, no sentido
do estabelecimento de protocolos para incentivar ações integradas, inspiradas
na metodologia desenvolvida para os grandes eventos.
Ao participar deste evento representando a Polícia Federal, durante
aquela semana, também realizei o VIII Curso de Gestores de Fronteiras em que
foram produzidos os documentos relacionados ao planejamento de operações
integradas para regiões de fronteiras.
A doutrina de funcionamento dos Centros Integrados tem como eixo
fundamental, o compartilhamento de recursos e a liderança situacional,
dependendo da situação atendida, órgãos se alternam na liderança das ações
de campo e os demais auxiliam na rápida resolução e na otimização dos
recursos. Para Adriana Vasconcelos (op. cit., p. 58):
Sobre o processo decisório nos CICC, como é um ambiente composto por diversas instituições, predomina a liderança situacional. Isso significa que o líder da operação será o chefe da instituição competente para atuar no momento. Por exemplo, se ocorrer uma catástrofe natural, a liderança situacional pertence ao Corpo de Bombeiros, que possui competência originária para lidar com o assunto. Naturalmente outras instituições de segurança estarão presentes para apoiar o Corpo de Bombeiros, que está no comando da situação. É possível que, num mesmo evento, a liderança se inverta, de modo que a instituição apoiadora se torne líder da instituição até então apoiada. No caso dos grandes eventos, essa cadeia decisória foi estendida, diluindo a liderança situacional nos níveis
70
estratégico (CICCN), tático (CICCR) e operacional (os demais Centros).
A existência de uma sala, ou centro, onde se concentram os profissionais
de cada um dos órgãos envolvidos com a situação é fundamental para garantir
o imediato conhecimento do problema, eleição da liderança situacional e
compartilhamento de meios para a solução.
Além de organizar o processo decisório, a troca de informações, propiciada pela maior interação entre as instituições num mesmo ambiente, auxilia o aprendizado das instituições presentes na medida em que viabiliza as trocas de conhecimento e de experiências. A partir do intercâmbio de boas práticas, novas metodologias são aperfeiçoadas ou desenvolvidas em conjunto. O resultado disso é que as instituições passam a trabalhar de forma mais coordenada, alinhando seus protocolos de operações. (Vasconcelos, 2018, p. 58).
Durante o 1º Fórum Nacional de Segurança Pública para Fronteiras,
promovido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, semana de 23 a 28
de abril de 2018 em Brasília, a metodologia de Comando e Controle foi
aprimorada, e passou-se a denominar Sistema Integrado de Coordenação,
Comunicação, Comando e Controle, sigla SIC424.
Conforme Victor Neves Feitosa, então Diretor de Operações da Secretaria
Nacional de Segurança Pública (informação verbal)25:
O Sistema Integrado de Coordenação, Comunicação, Comando e Controle de Segurança Pública e Defesa Social (SIC4) é a forma de implementar a integração operacional prevista no Sistema Único de Segurança Pública - SUSP, por meio de ações de governança em nível estratégico, tático e operacional, a partir de ambientes comuns (Centros integrados ou similares), para desenvolvimento do processo de atuação integrada (planejamento, execução, monitoramento e avaliação integrados).
24O SIC4 foi regulado através da portaria nº 222, de 28 de dezembro de 2018 que aprovou a Doutrina Nacional de Atuação Integrada de Segurança Pública - DNAISP. 25Notícia e definição apresentada durante visita do Diretor de Operações às instalações da Polícia Federal em Foz em 27 e 28 de julho de 2018.
71
A denominada “Doutrina Nacional de Atuação Integrada de Segurança
Pública” – DNAISP, foi publicada em janeiro de 2019, mediante aprovação
contida na portaria SENASP nº 222 de 28 de dezembro de 2018. A doutrina,
ainda pouco difundida face a sua recém aprovação, fornece um guia importante
para favorecer atuações integradas em ações de segurança pública, com nítidas
inspirações na interdisciplinaridade.
Propõe como modelo de coordenação a liderança situacional, consistindo
conforme DNAISP (2018, p.12) na:
Atribuição de competência decorrente do caráter específico de uma atividade, visando a coordenação integrada das ações, respeitadas as atribuições dos órgãos e instituições envolvidos
A metodologia, de cunho eminentemente interdisciplinar, foi testada
durante a primeira edição da Operação Esforço Integrado26, realizada entre os
dias 25 e 30 de junho de 2018, em moldes similares à metodologia de integração
dos Grandes Eventos.
O modelo SIC4, estabelecido no DNAISP, deverá ser o paradigma
adotado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, via Secretaria Nacional
de Segurança Pública e da nova Secretaria de Operações Integradas (SEOPI)27,
para incentivar ações cooperativas entre as instituições de segurança pública no
Brasil. Reflete na síntese, a partir do favorecimento às reuniões e formação de
protocolos integrados para as operações policiais, um esforço interdisciplinar de
integração dos órgãos de segurança, e para além das instituições de Defesa,
Fiscalização e Inteligência, no intento de executar o Programa de Proteção
Integrada de Fronteira (PPIF), instituído a partir do decreto nº 8.906/2016.
26A Operação Esforço Integrado, foi promovida pela SENASP, em todos os 11 Estados de Fronteira terrestre do Brasil, no período de 25 a 30 de junho do corrente ano. Durante as ações, baseadas no modelo SIC4, foram reativados os Centros Nacional e Regionais de Comando e Controle e demais estruturas, os mesmos empregados durante os grandes eventos. Envolveu não apenas órgãos de segurança, mas também de Defesa, Fiscalização e Inteligência, nos moldes que apregoa o decreto nº 8.906/2016 que instituiu o Programa de Proteção Integrada de Fronteiras (PPIF). 27 A Secretaria de Operações Integradas - SEOPI foi uma divisão de parte da antiga SENASP estabelecida pelo novo Ministério da Justiça e Segurança Pública a partir de 2019. Na SEOPI foram agregadas, com alterações, as antigas estruturas das Diretorias de Operações e de Inteligência da SENASP, de forma a permitir um maior foco de integração operacional para a nova Secretaria e de política e estratégia e unificação de procedimentos para a SENASP.
72
1.6 AÇÕES E COOPERAÇÕES DE SEGURANÇA LOCAL NA TRÍPLICE FRONTEIRA.
Não se pode dizer que antes dos grandes eventos esportivos sediados no
Brasil, nos anos de 2014 e 2016, não havia iniciativas de integração entre forças
de segurança e fiscalização no território nacional.
O marco teórico utilizado nesta pesquisa é a Constituição Federal de 1988
que, no caput do artigo 144, já orientava ser a segurança pública um trabalho
interdisciplinar de toda a sociedade, capitaneada pelo Estado Brasileiro. O que
se inaugurou na crista dos grandes eventos esportivos foi um esboço de
sistemática nacional para tais operações.
Exemplo anterior de atuação interdisciplinar entre diversos órgãos de
fiscalização, defesa e segurança foi à chamada operação Comboio Nacional,
desencadeada a partir do ano de 2003 na Tríplice Fronteira.
Naquela época, a intensa atividade de contrabando e descaminho
realizada na região comprometia o desenvolvimento do turismo em Foz do
Iguaçu e trazia prejuízos, tanto para a imagem externa do Brasil como para a
arrecadação de impostos e comércio em geral, em face da movimentação de
ônibus dedicados ao transporte de mercadorias descaminhadas ou
contrabandeadas do Paraguai e que ingressavam ilegalmente no Brasil via Foz
do Iguaçu para distribuição em todo o país.
Para evitar e impossibilitar o trabalho das equipes policiais e de
fiscalização, os ônibus partiam de Foz do Iguaçu no final das tardes de sábado,
principalmente, em numerosos comboios que, tantas vezes, passavam de 100
veículos, o que tornava praticamente impossível a apreensão de todos e até de
alguns. Para vencer o desafio representado pelos comboios ilegais, não era
possível que uma força pública sozinha resolvesse o problema. A questão é
descrita por Paro (2016, p.30):
Os fiscais começaram a reter frotas de até 100 ônibus e encaminhá-las ao pátio da Receita Federal para depois fazer a varredura anticontrabando. Marcava-se o início das mega operações na fronteira e de conflitos constantes entre sacoleiros, de um lado, e fiscais e policiais, de outro lado. Entre 2002 e 2012, foram tirados de circulação 3.200 ônibus que
73
transportavam produtos contrabandeados ou sem o pagamento devido de impostos.
Inicialmente de forma multidisciplinar, coordenada, iniciaram-se tratativas
no sentido da união de esforços, de convergência de atuações interdisciplinares
entre a Receita Federal do Brasil (RF), a Polícia Federal (PF), a Polícia
Rodoviária Federal (PRF), a Agência Nacional de Transportes Terrestres
(ANTT), o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e a Secretaria de
Segurança Pública do Estado do Paraná (SESP/PR), bem como o Ministério
Público Federal (MPF) e Justiça Federal (JF). Resumo da operação consta da
notícia abaixo, publicada no site da RF:
Nos estudos que antecederam à operação, realizados no final de 2003, constatou-se que mais de 90% das mercadorias irregulares deixavam a cidade de Foz do Iguaçu através de ônibus que se travestiam de transporte de fretamento turístico. A partir desse estudo, ações foram desenvolvidas para que se pudesse atingir a logística do contrabando, descaminho e pirataria. No decorrer de 2004, foram apreendidos ou retidos, somente em Foz do Iguaçu, 386 ônibus que transportaram o valor estimado de aproximadamente US$ 1 bilhão, nos doze meses que antecederam a sua apreensão. A forma de atuar era sempre a mesma: os veículos chegavam a Foz pela manhã, carregavam as mercadorias e retornavam para suas origens, num frenético vai-e-vem. Além do transporte de mercadorias, esses ônibus, verdadeiros contêineres, formavam filas, denominadas comboios que, além da afronta à sociedade, ocasionavam acidentes, muitos deles fatais. O segundo passo foi dado no início de 2005, com a formação de dossiês das empresas que tinham atividades voltadas para dar suporte a esses ilícitos. Dos dossiês montados, em um primeiro momento, 108 foram enviados ao Ministério Público Federal, que ofereceu denúncia de todos à Justiça Federal. A Justiça Federal de Foz do Iguaçu, com base na denúncia, emitiu 364 Mandados de Busca e Apreensão (MBA) de ônibus, relativamente a 81 empresas. Foram realizadas por esses veículos, em 2004, 9.832 viagens a Foz do Iguaçu autorizadas pela ANTT, transportando em 12 meses, mais de US$ 1 bilhão em mercadorias. A busca e apreensão foi realizada no Distrito Federal e mais seis estados, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goiás e São Paulo no dia 17 de junho de 2005. Em 2005 foram apreendidos, no total, 641 ônibus e mais de US$ 62 milhões em mercadorias contrabandeadas ou descaminhadas, o que representou um aumento de 86% em relação a 2004. [...] Do início da Operação Comboio Nacional até hoje já foram apreendidos mais de 3.300 ônibus. [...] De 2004 até hoje já foram mais de 35 mil veículos apreendidos. (RECEITA FEDERAL, 2016).
74
Em 2016, na região da fronteira de Foz do Iguaçu, cercanias da praça de
pedágio da BR-277, município de São Miguel do Iguaçu/PR, a RF promoveu,
com engajamento de diversas forças de Defesa, Segurança Pública e
Inteligência, bem nos moldes do que apregoa o Programa de Proteção Integrada
de Fronteiras, a denominada “Operação Muralha”. As ações duram em média
60dias, com uma edição no ano de 2016, duas em 2017 e duas em 2018, e
objetivou reprimir crimes transfronteiriços como contrabando, descaminho,
tráfico de drogas, armas e munições. A tabela 1 representa os resultados destas
operações por períodos.
Tabela 1. Resultados da Operação Muralha em 2016, 2017 e 201828.
Período da Operação 02/05 a 18/07 de 2016
03/05 a 30/06 e 03/10 a 28/11 de 2017
30/04 a 25/06 de 2018 e 30/10 a 10/12 de 2018
Dias de Operação 78 117 99
Valor total em R$ 8.800.000,00 R$ 25.738.825,59 R$ 31.100.000,00
Automóveis 130 172 252
Ônibus 29 47 66
Caminhões 6 12 3
Total de veículos 165 231 321
Maconha (kg) 3.771,81 928,78 1.529,00
Cocaína (kg) 7,59 138 0
Crack (kg) 4,51 0 0
Haxixe (kg) 1,17 17 68,3
Cigarros maços 0 0 538.700 Medicam. e Anabolizantes (un) 508.000 474450 173.694
Armas 33 39 1
Carregadores 23 51 1
Munições 1416 2649 199
Prisões 85 70 37 Fonte: Receita Federal de Foz do Iguaçu/PR – 2018
A Operação Muralha tem um viés eminentemente interdisciplinar, vez que
as diversas forças envolvidas compartilham meios e estruturas e dividem
responsabilidades, como instalações provisórias montadas pela Receita Federal
28Dados fornecidos pela Receita Federal em Foz do Iguaçu, mediante pedido do pesquisador e lei de acesso à informação.
75
e helicópteros, viaturas e equipes policiais e das Forças Armadas, com objetivo
de reprimir o ingresso de contrabando e descaminho, de armas e drogas que
adentram o território nacional a partir do Paraguai. Os resultados também são
compartilhados por todos, pois sem a integração, nenhum dos órgãos
isoladamente teria condições de realizar a missão de proteção da fronteira e
repressão dos crimes destacados.
Outro exemplo local é a recente base da PF no Rio Paraná em Foz do
Iguaçu, lançada em 2016. Para aprimorar os controles sobre a Ponte da
Amizade, rio Paraná e Lago de Itaipu, esta Instituição, com apoio de parceiros
da iniciativa privada e órgãos públicos, como Prefeitura Municipal de Foz do
Iguaçu, CT, Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras
(IDESF), Conselho de Desenvolvimento de Foz do Iguaçu (CODEFOZ), Fundo
Iguaçu, Itaipu Binacional, Macuco Ecoaventura, Helisul e outros, lançou, no dia
03 de março de 201629, uma Unidade para operações integradas de fronteira,
localizada, estrategicamente, poucos metros à jusante da Ponte Internacional da
Amizade em um barracão abandonado que, nos anos de 1980, servia para
construção e manutenção de balsas. O local foi cedido via termo gratuito de
cessão de uso pelo proprietário privado.
No local, como ilustra a figura 2, cujo uso pode ser compartilhado com
outras forças de segurança, defesa e fiscalização, já atuaram junto com a PF, de
forma interdisciplinar (convergência e compartilhamento de meios), a Força
Nacional, Marinha do Brasil, Exército Brasileiro, Batalhão de Fronteira da Polícia
Militar do Estado do Paraná, Polícia Civil (Grupo TIGRE) e o próprio CT.
29https://foz.portaldacidade.com/noticias/policial/pf-lanca-base-contra-trafico-e-contrabando-no-rio-parana. Acesso em: 14 ago. 2018.
76
Figura 2. Lançamento da Base da Polícia Federal no Rio Paraná, em Foz
do Iguaçu:
Fonte: BORDIGNON, F. 2016.
A unidade, denominada “Base PF do Beira Foz”, representa uma síntese
de operações interdisciplinares, ou integradas, de segurança pública, ao permitir
um local estratégico, com logística e meios disponíveis para compartilhamento
estrutural com as demais forças de segurança, defesa e fiscalização, em
atuações convergentes em prol da segurança pública e proteção de fronteiras30.
As estatísticas apresentadas na tabela 2 sintetizam os resultados da ação
integrada e proativa. Os dados são relativos ao ano de 2018, pois, para os anos
anteriores, não havia separação numérica entre os resultados das duas bases
de patrulhamento marítimo da PF no Rio Paraná e Lago de Itaipu.
30 O relato é pessoal, testemunhado e atuado pelo próprio autor da presente pesquisa, pois a referida unidade policial foi lançada e inaugurada no período em que o autor atuava como Chefe da Delegacia da Polícia Federal em Foz do Iguaçu. Assim, elementos teóricos da pesquisa em questão foram empregados na base.
77
Tabela 2. Apreensões no rio Paraná e lago de Itaipu e valores estimados em US$ - 2018.
Mês Base PF rio PR
Acumulado Base PF rio PR
Base PF lago Itaipu
Acumulado base PF lago Itaipu
Total mensal Total acumulado
Jan 356.326,10 356.326,10 37.591,85 37.591,85 393.917,95 393.917,95
Fev 87.813,70 444.139,80 684.549,04 722.140,89 772.362,74 1.166.280,69
Mar 158.500,82 602.640,62 790.620,69 1.512.761,38 949.121,51 2.115.402,20
Abr 79.009,33 681.649,95 1.295.073,74 2.807.835,12 1.374.083,07 3.489.485,27
Mai 30.215,52 711.865,47 606.326,78 3.519.700,59 636.542,30 4.126.027,57
Jun 100.460,06 812.328,73 86.700,18 3.606.400,77 187.160,24 4.313.187,81
Jul 293.972,68 1.106.301,41 81.972,68 3.688.373,45 375.462,72 4.688.650,53
Ago 176.594,43 1.282.895,84 974.106,92 4.662.480,37 1.150.701,35 5.839.351,88
Set 195.572,26 1.478.468,10 524.013,54 5.186.493,91 719.585,98 6.558.937,86
Out 109.687,31 1.588.155,41 195.648,40 5.382.142,31 305.335,71 6.864.273,57
Nov 52.826,11 1.640.981,52 409.349,50 5.791.491,81 462.175,61 7.326.449,18
Dez 53.058,94 1.694.040,46 11.929,15 5.803.420,96 64.988,09 7.391.437,27
Fonte: Polícia Federal de Foz do Iguaçu - 2018
A tabela 2 demonstra que a atuação integrada, interdisciplinar, antes de
uma teoria ainda em formação, deve ser uma prática a ser exercitada, revista e
reavaliada constantemente por todos os profissionais que atuam na área de
segurança pública.
Depende, para além de estruturas predispostas, de vontade de um agir
integrado, seja no nível político e estratégico como no operacional. Para
estimular o agir interdisciplinar, é de todo mister que a formação dos profissionais
seja cada vez mais compartilhada e que as atuações sejam constantemente
divididas entre as várias forças de segurança pública, com divulgação conjunta
dos resultados obtidos.
Reavaliar constantemente e com incentivos financeiros que promovam a
aquisição de equipamentos passíveis de utilização compartilhada entre as forças
de segurança. Criação de equipes interdisciplinares para fazer frente às
complexas questões de segurança pública, que passam pela prevenção e
repressão de crimes, sistema de justiça e, finalmente, pela execução plena das
penas criminais.
É percebível que o fenômeno da interdisciplinaridade e suas aplicações
possam ser empregados para além das ciências e das disciplinas acadêmicas.
É possível o emprego do agir interdisciplinar, convergente e cooperativo para as
78
atividades de segurança pública, e quiçá para outras áreas dos serviços públicos
como a saúde.
Mas, o trilhar interdisciplinar representa um caminho longo de
amadurecimento e de práticas, que envolvem os sujeitos, na vontade de um agir
conjunto para enfrentar a complexidade dos problemas vividos na fronteira e, no
campo da segurança pública, passam para muito além de o simples agir policial,
ainda mais quando a atuação é compartimentada, competitiva e pouco
colaborativa e integrada.
Constata-se a possibilidade e necessidade de uma teoria geral sobre a
prática interdisciplinar. A partir do lançamento de grandes princípios que já estão
frequentes no trabalho cooperativo e em alguns exemplos bem sucedidos de
trabalhos policiais, que passam, necessariamente, pelo reconhecimento da
diversidade e da importância do diálogo.
Como dizia o filósofo italiano Michele Federico SCIACCA (1967) “O
filósofo vê abismos onde o vulgo vê planícies; e nos abismos lança ‘herói’ da
vida, a asa poderosa do seu pensamento”.
Para suplantar a prática disciplinar e romper-se o isolacionismo, tanto na
ciência como na segurança pública, é necessário o encontro constante, a fim de
estimular o diálogo e interpretar a complexa realidade para bem além das
“planícies” e das fronteiras confortáveis do conhecimento estanque.
É necessário ousar e trabalhar em cooperação e convergência para
conhecer e enfrentar os desafios que estão nos abismos poucos iluminados da
criminalidade e, para tanto, os instrumentos da prática interdisciplinar são as
ferramentas mais adequadas para a construção de pontes que permitam
suplantar tais abismos.
79
2 DO LOCAL PARA O GLOBAL: AS COOPERAÇÕES POLICIAIS EM
REGIÕES DE FRONTEIRA E O COMANDO TRIPARTITE COMO ASPECTO DA COOPERAÇÃO PENAL INTERNACIONAL
Neste capítulo, serão apresentados os aspectos da cooperação penal
internacional, com ênfase nas cooperações policiais locais em regiões de
fronteira. Será apresentado o histórico de criação do Comando Tripartite - CT,
bem como outros modelos locais inspirados no CT, além das principais
dificuldades nas cooperações policiais em localidades fronteiriças.
O CT representa a união de forças policiais de três países, com formações
e práticas diversas, mas que atua para além de suas disciplinaridades
estanques, une esforços para trocar informações relevantes, aprimora a
segurança da Tríplice Fronteira, em uma atuação eminentemente interdisciplinar
que deve seguir de exemplo para outras cooperações em áreas de fronteira.
2.1 A COOPERAÇÃO POLICIAL E JURÍDICA INTERNACIONAL
As cooperações penais internacionais são fundamentais para a eficácia
do controle, de investigação e punição de uma criminalidade transnacional que
se intensificou com o fenômeno recente da globalização comercial.
A rapidez das comunicações, notadamente da internet e a intensificação
de redes e conexões globais, deu agilidade para organizações criminosas
ultrapassarem seus limites regionais.
De outro lado, a rigidez das fronteiras no aspecto das trocas de
informações policiais e judiciais, entre os órgãos de persecução penal,
favoreceram a expansão desta criminalidade que se fortalece às margens das
fronteiras nacionais.
As fronteiras entre os países são transbordantes, com territorialidades que
naturalmente ultrapassam limites geográficos, comerciais, culturais e de
criminalidade. Assim, a cooperação penal internacional mais irrestrita possível
permite que a persecução penal dos Estados se aperfeiçoe e possa colher o
criminoso e golpear a organização criminal em qualquer local do mundo. Para
deter uma criminalidade cada vez mais articulada e transnacional, é de todo
mister que as polícias ultrapassem as fronteiras de seus respectivos Estados. A
80
cooperação penal internacional, no sentido lato, é a maneira de superar tais
limites.
Conforme destacou Sergio Moro em artigo que traça considerações gerais
sobre a cooperação jurídica internacional (2010, p. 16), não há opções sensatas
além de abrir-se com coragem e desprendimento à cooperação internacional:
Fechar-se à cooperação é transformar seu país em refúgio para criminosos, com a sua força corruptora e disruptiva, e arriscar-se a encontrar portas fechadas para os requerimentos formulados alhures, já que a política predominante nesse âmbito é a da reciprocidade. Cooperar ou falhar. (MORO, 2010, p.16).
Sergio Moro destaca que o primeiro princípio que deve reger a
cooperação jurídica internacional é o de que ela deve ser a mais ampla possível
e que eventuais limites devem ser vistos mais como exceção e jamais como uma
regra, pois num mundo cada vez mais globalizado “todos são vizinhos” (MORO,
2010, p.16).
Essa vizinhança é próxima e sem barreiras, com o comportamento de um
país na influência direta de mercados, cultura e desenvolvimento do outro.
Proximidades e dinâmicas comerciais, na aldeia global que se tornou o mundo,
não podem ser detidas por barreiras físicas, como muros, rios, montanhas ou,
até mesmo, oceanos, tampouco por leis, decretos ou normas. Somente a
cooperação penal internacional pode representar risco e limitação ao
avassalador poderio das organizações criminosas transnacionais.
O termo cooperação penal internacional toma-se nesta pesquisa como
gênero da qual decorrem a cooperação policial internacional (não jurisdicional)
e a cooperação jurídica internacional.
Para fazer frente à criminalidade internacional cada vez mais ágil e
articulada, é necessário que as cooperações policiais sejam rápidas e o menos
burocráticas possíveis. Ao prefaciar obra referencial sobre as cooperações
jurídicas internacionais em matéria penal, Sandra Vale, então Conselheira da
ONU e anteriormente Secretária Nacional de Justiça do Brasil disse:
Em geral, as cooperações policiais, aduaneiras e das unidades de investigação financeiras são diretas e só passam pela autoridade central quando vão ser usadas como provas no
81
processo penal. Nada impede que policiais, promotores e juízes mantenham contato direto. (BALTAZAR et all, 2010, p.10)
O enfrentamento à criminalidade transnacional é fundamental para
garantia substantiva da dignidade da pessoa humana e da cidadania, pois as
organizações criminosas internacionais atuam principalmente no tráfico de
pessoas, drogas, armas e munições, ilícitos que vulneram frontalmente a
dignidade humana, principalmente dos mais pobres e expostos, diminui a
condição humana à mercadoria que se vende, explora e vicia e confronta os
Estados Nacionais com seu poderio econômico, mediante as atividades de
lavagem de dinheiro e corrupção.
O crime organizado desafia a própria soberania dos Estados, através do
domínio de territórios, aprisiona a cidadania e fazem bairros e cidades inteiras
reféns da tirania do crime.
A Constituição brasileira coloca, já no seu artigo inaugural, a dignidade da
pessoa humana, a cidadania e a soberania como fundamentos da República
Federativa do Brasil, como Estado Democrático de Direito. Esses fundamentos
são próprios do serviço fundamental de segurança pública que, para ter melhor
rendimento deve, necessariamente, ser cooperativo nos aspectos internos e
internacionais e liberados de amarras burocráticas que acabem por impedir o
melhor aproveitamento das diligências de investigação.
A Constituição determina, no artigo 4º, que o Brasil deve obedecer, nas
suas relações internacionais, por diversos princípios, dentre eles a prevalência
dos direitos humanos e a cooperação entre os povos para o progresso da
humanidade.
Buscar o predomínio dos direitos humanos é, dentre outros, garantir
serviços mínimos para o desenvolvimento pleno do homem, como segurança,
saúde e educação.
Para aprimorar a segurança pública, face uma criminalidade transnacional
cada vez mais organizada e predatória, é fundamental que a cooperação penal
internacional, quer policial ou judicial, ágil e irrestrita, concretize ideais de uma
justiça cosmopolita e de uma cooperação penal comprometida efetivamente com
a dignidade do ser humano, sem fronteiras, portanto.
82
Nesse sentido de garantia e de direito Constitucional fundante, deve-se
considerar a cooperação penal internacional como a mais ampla e irrestrita
possível.
Na obra citada, Sergio Moro destaca e reafirma a necessidade de dar o
mais amplo sentido às cooperações penais internacionais:
No campo jurídico, isso significa que a interpretação das normas vigentes que digam respeito à cooperação deve favorecer opções interpretativas que ampliem as possibilidades de cooperação e não o contrário. (Op. Cit., p. 17).
Ao referir sobre cooperações policiais internacionais, lembra-se
imediatamente da Organização Internacional de Polícia Criminal – OICP/
INTERPOL –, criada em 1923, com sede em Lyon na França, e que, atualmente,
congrega mais de 190 (cento e noventa países).
Entretanto, nada obsta que países, pelas suas polícias, cooperem
diretamente na apuração e repressão de crimes. O Brasil, por exemplo, através
da Polícia Federal, possui adidos policiais e/ou oficiais de ligação em 21 países
do mundo, perfazem atualmente 32 postos policiais que incluem todos os países
vizinhos na América Latina, além do Equador, Estados Unidos, México, Canadá,
Portugal, Espanha, Reino Unido, Itália, França, África do Sul e Singapura.
Conforme instrução normativa nº 86 de 1º de dezembro de 2014, os
servidores da Polícia Federal que atuam no exterior ocupam funções de Adidos
Policiais Federais, Adidos Adjuntos ou Oficiais de Ligação. Basicamente, a
função das unidades no exterior é promover intercâmbio de informações
relevantes para a segurança pública entre os países de atuação. Os adidos
assessoram o Chefe da missão diplomática no país em assuntos técnicos de
polícia e segurança pública, auxiliados pelos adidos adjuntos.
O oficial de ligação tem como função precípua a troca e compartilhamento
de informações de natureza policial e de segurança pública, de forma
subordinada ao Adido.
Não há impeditivo, entretanto, para que sejam estabelecidas cooperações
policiais internacionais de âmbito local em áreas de fronteira, como é o caso do
CT.
O CT é um modelo de cooperação policial internacional, mas, outras
formas, modelos e paradigmas podem ser estabelecidos, pois o fundamental é
83
a promoção do encontro entre as equipes policiais diversas nas regiões de
fronteira e que a partir daí estabeleçam-se rotinas para a atuação interdisciplinar
e trocas de informações.
A cooperação penal internacional é gênero tanto da cooperação policial
internacional, como da cooperação jurídica internacional. Ambas diferem pelo
critério jurisdicional que qualifica a cooperação jurídica internacional.
Entre os exemplos de cooperação policial internacional é possível citar a
troca ágil de informações úteis a investigações por policiais de, ao menos, dois
países em assuntos como: dados cadastrais de veículos, pessoas e produtos,
confirmações de identidades via confronto de impressões digitais,
conhecimentos acerca de pessoas desaparecidas, obras de arte e temas tais
como tráfico de drogas, armas, munições e terrorismo e troca de experiências
sobre o modo de agir das organizações criminosas. Conforme a Polícia Federal:
A cooperação jurídica refere-se a uma interação entre Estados soberanos, com o objetivo de dar eficácia extraterritorial a medidas processuais provenientes de outro Estado e é sempre fundamentada em tratado ou em pedido de reciprocidade. Já a cooperação policial é interação entre organismos policiais, que agem em nome de seus Estados, com o objetivo de solicitar diligências no território de outros países, colher e trocar informações, localizar e deter foragidos, e também é fundamentada na reciprocidade. (COOPERAÇÃO POLICIAL INTERNACIONAL, p.37, 2015).
Cooperação penal internacional pode ser judicial, quando necessário o
escrutínio de um juiz, representante do Poder Judiciário, ou simplesmente
administrativa, não-jurisdicional ou também denominada policial, quando
prescinde da atuação judicial.
Não se tenha, porém, a ilusão de que todos os pedidos de cooperação se inserem no âmbito de um processo judicial. Como já afirmado, autoridades de países diversos cooperam de diversas maneiras e com fundamentos diversos, às vezes apenas com base no princípio da reciprocidade. Não havendo um processo judicial instaurado e não havendo necessidade de submissão da questão à autoridade jurisdicional, não há igualmente que se discutir competência judicial, mas sim competência ou atribuição da autoridade administrativa para formular o pedido de cooperação. (MORO, 2010, p.27).
84
Em artigo sobre as cooperações penais internacionais, Aras e Luciano
(2010, pp. 126-127)31 destacam a evolução histórica das formas de tramitação
das cooperações internacionais, da maior para a menor burocracia a:
a)Cooperação pela via diplomática, consistente nas antigas e morosas formas
de cartas rogatórias envolvendo tanto o Ministério da Justiça como o Ministério
das Relações exteriores do Brasil e normalmente Ministérios similares nos
países vizinhos; b) Cooperação penal por autoridades centrais, com menor
quantidade de intermediários e normalmente centralizadas em órgãos do Poder
Executivo determinados em cada país; c) Cooperação penal direta, sem
necessidade de via diplomática nem necessária intervenção de autoridade
central. É aquela estabelecida diretamente entre aqueles que necessitam e
podem fornecer as diligências, forma mais ágil de cooperação.
A Cooperação direta, como o nome sugere, é mais célere, sem
intermediários com destaque para o grande rendimento quando aplicadas às
zonas fronteiriças dos territórios nacionais. Aras e Lima:
Às modalidades antes mencionadas, soma-se a cooperação transnacional direta (sem intermediários), já admitida em alguns países, especialmente para a tramitação de pedidos de assistência jurídica mútua (MLA) e para a formação de equipes de investigação conjuntas ou forças-tarefas transnacionais, denominadas joint investigative teams. A cooperação direta pode ser ampla, isto é, sem limitações geográficas, ou restrita, circunscrita às zonas de fronteira (transfronteiriça) (ARAS e LIMA, 2010, p. 134/135)
As cooperações policiais em fronteiras devem ser estabelecidas ponta a
ponta. Com efeito, há pouco sentido no encaminhamento de pedido de
cooperação de Foz do Iguaçu para Brasília e de lá para Asunción a fim de
efetuar-se uma diligência em Ciudad del Leste. Possivelmente, o princípio da
oportunidade, considerado como o momento fundamental para a efetivação da
diligência policial, que normalmente não pode ser retardado, será perdido e a
demora na atuação policial somente favorecerá à criminalidade organizada.
31LIMA DE, Luciano Flores; ARAS, Vladimir. Cooperação Internacional Direta pela Polícia ou Ministério Público.: BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. LIMA DE, Luciano Flores (orgs). Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal. Porto Alegre, RS : Verbo Jurídico, 2010. p 123-160
85
O fundamento jurídico indicado pelos autores citados para as
cooperações diretas transfronteiriças, como é o caso do Comando Tripartite,
pode ser o artigo 19 da Convenção de Palermo, internalizada no Brasil pelo
decreto nº 5015/2004:
Artigo 19 Investigações conjuntas Os Estados Partes considerarão a possibilidade de celebrar acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais em virtude dos quais, com respeito a matérias que sejam objeto de investigação, processos ou ações judiciais em um ou mais Estados, as autoridades competentes possam estabelecer órgãos mistos de investigação. Na ausência de tais acordos ou protocolos, poderá ser decidida casuisticamente a realização de investigações conjuntas. Os Estados Partes envolvidos agirão de modo a que a soberania do Estado Parte em cujo território decorra a investigação seja plenamente respeitada.
Percebe-se a possibilidade de mesmo sem acordos ou protocolos prévios
a possibilidade, já prevista pela convenção de Palermo a realização de
investigações conjuntas, via Forças-Tarefas, “task forces” ou “joint investigative
teams”
O decreto nº 1899 de 9 de maio de 1996, que promulgou a Convenção
Interamericana sobre Cartas Rogatórias, faculta, no artigo 7º, às autoridades
judiciárias das zonas de fronteira dar cumprimento de forma direta às cartas
rogatórias relativas a matérias civis e comerciais (art. 3º).
Se para o procedimento de cooperação mais moroso das cartas
rogatórias é possível a tramitação direta entre as autoridades judiciais de
fronteira, deve-se permitir a cooperação direta policial entre autoridades de
segurança pública nas regiões fronteiriças, como é o caso histórico do Comando
Tripartite. Da mesma forma para as cooperações judiciais.
Corrobora o entendimento sobre a cooperação penal mais irrestrita
possível, a proposta de aperfeiçoamento da cooperação internacional e policial
em regiões de fronteira, subscrita em Brasília, em 23 de agosto de 2017, pelos
86
Chefes dos Ministérios Públicos da Argentina, Brasil, Chile, Paraguai, Peru e
Uruguai32.
O projeto de recomendação nº 01/2017 (cuja integra consta do Anexo I),
que propõe a adoção de um marco normativo para a cooperação fronteiriça,
consolida medidas novas e outras já previstas em diversos acordos
internacionais celebrados no MERCOSUL, como é o caso da possibilidade de
autoridades policiais de um país de fronteira adentrarem no país vizinho em caso
de perseguição policial (art.6º da proposta e previsto no acordo firmado em 2006
MERCOSUL/CMC/DEC.Nº16/06).
Destaca a possibilidade de cooperação direta entre autoridades nas áreas
de fronteira, sem necessidade de encaminhamento prévio para longínquos
órgãos centrais nas capitais dos respectivos Estados Nacionais, conforme artigo
1º:
Os pedidos de cooperação internacional ou de informação entre Autoridades de Fronteira poderão tramitar diretamente, sendo dispensada a intermediação das Autoridades Centrais ou Diplomáticas dos Estados envolvidos.
A proposta prevê que os órgãos centrais sejam informados sobre as
cooperações, para fins de controle e não para intermediar os atos, que se
aperfeiçoam sem maiores burocracias diretamente entre as autoridades
correspondentes nos países vizinhos e nas regiões de fronteira. Não há óbice
também para eventual utilização da cooperação via órgãos centrais.
O CT é paradigma nas cooperações diretas sem intermediários, conforme
se verá a seguir, com a discussão sobre o funcionamento do instituto que
permite, desde 1996, a troca ágil de informações policiais entre as polícias na
Tríplice Fronteira. As atas resumem as trocas e permitem aos órgãos centrais
aferir o desempenho do organismo.
32 Sobre o encontro, sugere-se a matéria publicada no jornal valor econômico: https://www.valor.com.br/brasil/5095034/mercosul-propoe-facilitar-cooperacao-policial-nas-fronteiras. Acesso em: 30 ago. 2018
87
2.2 O COMANDO TRIPARTITE.
A preocupação deste capítulo é explicitar a história de formação do CT,
seu funcionamento e dinâmicas, e como a sua organização pode servir de
exemplo para outras iniciativas de cooperação policial local em regiões de
fronteira.
O Comando Tripartite (CT) é conceituado como mecanismo formal de
cooperação policial internacional local, existente na região da Tríplice Fronteira
e em atuação desde 1996 e congrega instituições policiais e de inteligência de
Argentina, Brasil e Paraguai.
É formal, pois decorre de acordo operativo firmado na cidade de Puerto
Iguazú, Argentina, em 18 de maio de 1996, entre os Ministros do Interior da
República da Argentina (Carlos Y. Cobach), Paraguai (Juan Manuel Morales) e
do Ministro da Justiça do Brasil (Nelson Azevedo Jobim). A data é considerada
como de fundação do CT.
Na ausência de maiores informações bibliográficas sobre o CT, as
principais fontes para a pesquisa do presente capítulo são as atas iniciais do
Comando, dos anos de 1996 a 1997, correspondentes aos dois anos iniciais de
funcionamento e que foram obtidas diretamente com a entidade estudada. Serão
utilizadas atas de 2015 até 2018.
Em uma próxima pesquisa, face à grande quantidade de informações,
pretende-se uma análise mais profunda das atas de todo o período de
funcionamento do CT que, em agosto de 2018, alcançou a reunião ordinária de
número27433.Os documentos históricos representam importante exemplo das
interações formais de segurança pública existentes nos últimos 22 anos na
Tríplice Fronteira.
As atas e documentos do CT são redigidas conforme a língua materna de
cada país: espanhol para Argentina e Paraguai e português para Brasil. O fato
demonstra uma busca de informalidade, na ausência de burocracias de tradução
33 O número representa a quantidade de reuniões ordinárias do Comando Tripartite, envolvendo apenas a grande reunião mensal, com a presença das Chefias das Polícias dos três países e demais órgãos convidados. Atualmente, afora a grande reunião, há mais dois encontros mensais: Câmaras Técnicas de Inteligência e também da dedicada à Antiterrorismo e tráfico de armas. Além disso, há reuniões extraordinárias eventualmente convocadas. Assim, estima-se que o número de reuniões seja ao menos o dobro das reuniões ordinárias.
88
e também evidencia um esforço de entendimento recíproco e de
interdisciplinaridade a partir da aceitação de diferenças linguísticas comuns em
busca de uma convergência que aprimore a segurança na região.
No Anexo II, segue a reprodução do acordo histórico que funda o
Comando Tripartite e que, originalmente, denomina a região como “das três
fronteiras”:
Meses antes da fundação formalizada em Puerto Iguazú, conforme Arthur
Bernardes do Amaral (apud FIRMAN, 1996, p. 144), a criação foi decidida em
reunião de cúpula ocorrida em fevereiro daquele ano em Buenos Aires:
A partir de 1996, ganham força as negociações de acordos de cooperação, assim como os processos de implementação de iniciativas trilaterais entre Brasil, Argentina e Paraguai para reforçar os mecanismos conjuntos de segurança na Tríplice Fronteira. O processo é liderado pelo governo argentino, com evidente protagonismo desempenhado pelo ministro do Interior de Menem, Carlos Corach. Foi Corach quem, em fevereiro de 1996, recebeu Marcelo Jardim, Chefe da divisão de América Meridional do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, e Cristóbal Sánchez, vice-ministro do Interior do Paraguai, em Buenos Aires, para firmar o acordo que assentaria as bases para a criação do Comando Tripartite da Tríplice Fronteira poucos meses depois (AMARAL, apud FIRMAN, 1966, p. 144).
Pode-se questionar se o acordo operativo do CT teria necessidade de
internalização no ordenamento jurídico brasileiro, na forma do artigo 84, VII da
Constituição Federal que atribui ao Poder Executivo manter relações com os
Estados estrangeiros e atos internacionais “lato sensu” sujeitos à referendo do
Congresso Nacional. Esse processo de aprovação é moroso e repercute na
plena internalização da norma geral no ordenamento jurídico nacional, com
eficácia para produção de efeitos.
Entretanto, nem todos os ajustes internacionais necessitam de aprovação
do Congresso Nacional, quando são decorrentes de outros já devidamente
internalizados. Assim, para o caso do “acordo operacional” que institui o CT
pode-se dizer que na verdade sua natureza jurídica internacional seria de
“memorando de entendimento” que conforme consta no site do Itamaraty
(www.brasil.gov.br) seriam:
Atos redigidos de forma simplificada. Têm a finalidade de registrar princípios gerais que orientam as relações entre as partes em planos políticos, econômico, cultural ou em outros
89
A força normativa do CT advém diretamente do Tratado do Mercosul, de
1991, internalizado no Brasil a partir do decreto nº 350, de 21 de novembro de
1991 e da Constituição Federal pelo princípio da ampla cooperação entre os
povos para o progresso da humanidade (art. 4º, IX).
O protagonismo da Argentina na criação do CT confirma-se pelo esforço
na articulação inicial, vez que até o mês de setembro de 1996 e, nos quatro
primeiros meses que a presidência dos trabalhos coube àquele país realizaram-
se nove reuniões34. Posteriormente, a partir da décima reunião, em outubro de
1996, no Brasil, as reuniões passaram a ser mensais. Coube ao Brasil os meses
de outubro a janeiro e, ao Paraguai, os meses de fevereiro a maio, com retorno
à Argentina nos meses de junho a setembro, o que permanece até a atualidade.
Outra demonstração do protagonismo da Argentina na formação do CT é
a presença do então Presidente da República da Argentina, Carlos Saul Menem
e do Ministro do Interior daquele país, Carlos Corach, na reunião de transmissão
da presidência do Comando, da Argentina para o Brasil, em 13 de setembro de
199735. A reunião teve, como principal autoridade brasileira, a então Vice-
Ministra da Justiça, Carmen Mesquita e o Ministro do Interior do Paraguai, Miguel
Angel Ramirez.
Uma das possíveis razões para o crescente interesse na segurança e
maior controle na Tríplice Fronteira e para a criação do CT foram os dois ataques
terroristas direcionados à símbolos e instituições israelenses em Buenos Aires
alguns anos antes à criação do Comando, respectivamente em 1992 e 1994.
Tais circunstâncias explicam e justificam o protagonismo inicial da Argentina,
face à comoção e gravidade dos atos terroristas sofridos naquele país.
34 A primeira reunião do CT designada assim em ata foi a realizada no 12/06/1996 em Puerto Iguazú, Argentina. Naquele mesmo mês, em 25/06/1996, realizou-se a segunda. Dias após, no início do mês de julho (04/07/1996) ocorreu a terceira. A quarta reunião ocorreu ainda em julho daquele ano (22/07/1996). A quinta em 08/08/1996. Em 22/08/1996 houve a sexta reunião. A sétima reunião ocorreu no dia 05/09/1996 e a oitava em 20/09/1996 com a nona em 30/09/1996. 35 A reunião não foi numerada na ata, mas é considerada a reunião de número 23 do Comando Tripartite, pois ocorreu no dia 13/09/1997, dias depois da reunião de número 22 (27/08/1997) e logo em seguida da reunião nº 24 (realizada no Brasil em 08/10/1997).
90
Na tarde de 17 de março de 1992, uma camionete carregada de
explosivos, em frente à Embaixada Israelense na capital da Argentina foi
detonada. O atentado causou 29 mortes com 200 feridos.
Na manhã de segunda-feira, dia 18 de julho de 1994, um furgão carregado
de explosivos chocou-se contra o edifício sede da Associação Mutual Israelita
da Argentina – AMIA matou 85 pessoas e feriu 300, o que representou o maior
atentado terrorista ocorrido naquele país. Nenhum dos atentados foi esclarecido,
mas a “Justiça argentina acusa o governo do Irã de ter organizado o ataque da
AMIA em conjunto com o Hezbollah.”36
Os fatos fizeram as autoridades Argentinas reforçarem as preocupações
com o controle das fronteiras, com repercussão na Tríplice Fronteira, devido à
grande concentração populacional, dinâmica comercial intensa e pouca
fiscalização proporcional, aliada à presença significativa da comunidade árabe
tanto em Foz do Iguaçu como em Ciudad del Este e israelense em Buenos Aires.
Desde os ataques, percebeu-se a necessidade de criar um fórum capaz
de, gradativamente, integrar as ações de segurança entre os três países, numa
prática interdisciplinar de convergência ou, ao menos, multidisciplinar, de
coordenação entre as ações de segurança e troca de informações dos três
países.
O adjetivo “operativo” que segue logo após a palavra acordo, demonstra
ser o CT um fórum eminentemente operacional, de execução de ações
integradas de segurança pública e troca de informações nas Três Fronteiras
(“tres fronteras”, conforme denominação inicial do CT).
O objetivo principal para criação do CT era instalar uma coordenação
mínima entre as polícias dos três países, passível de conduzir medidas de
intercâmbio de informações, cooperação policial e de segurança pública na área
que compreende as cidades de Puerto Iguazu, Foz do Iguaçu e Ciudad del Este,
consideradas como cidades sedes deste organismo, vez que, já no Termo do
Acordo, estipulou-se que a coordenação operativa seria de forma rotativa em
cada uma das cidades e países mencionados, começando pela Argentina e
36https://internacional.estadao.com.br/blogs/radar-global/entenda-impunidade-em-dois-atentados-na-argentina/. Acesso em: 04/08/2018.
91
seguindo, pela ordem alfabética para Brasil e Paraguai, com revezamento a cada
quatro meses.
Buscou-se, assim, criar um fórum duradouro, interdisciplinar, com
encontros regulares a fim de que as partes iniciassem a formação de redes de
cooperação locais, a favorecer, gradativamente, ações de coordenação e
convergência em prol da segurança pública dos três países, com reflexos além
do regional.
A criação é um exemplo de como a interdisciplinaridade pode ser
trabalhada no nível político-estratégico (centros políticos) e irradiar para o nível
executivo (bases e regiões de fronteira) num caminho do geral para o específico
ou local. O compromisso de encontros regulares e auditáveis mediante formação
de atas comunicadas posteriormente aos órgãos centrais favoreceu a
convergência e, gradativamente, diminui barreiras à troca de informações.
O símbolo do CT, que ilustra a figura 3, representa os marcos de fronteira
dos três países e as cores de cada nação e demonstra o ideal de convergência
e coordenação, com união de esforços para aprimorar constantemente a
segurança local.
Figura 3. Símbolo do Comando Tripartite
Fonte: Comando Tripartite, 2018
A importância do nível estratégico consta da diretiva de que os
responsáveis pelo CT (nível de execução) receberiam instruções diretas dos
Ministérios sobre a forma de condução política e que as operações se iniciariam
92
em 1º de junho de 1996. Essas instruções são nítidas a partir da presença de
representantes estratégicos nas reuniões iniciais do Comando.
O segundo documento do Comando foi uma ata redigida em 31 de maio
de 1996, firmada por Luis Santos Casale, pela República Argentina,
Subsecretário de gestão de programas do Ministério do Interior; Airton Vicente,
na época Chefe da Delegacia de Polícia Federal em Foz do Iguaçu, que
representou o Brasil, e por Ricardo Villamayor, da Polícia Nacional, pela
República do Paraguai.
No Anexo III, consta a “ACTA DE LA REUNION CONSTITUTIVA DEL
COMANDO TRIPARTITO PARA LA ZONA DENOMINADA DE LAS TRÊS
FRONTERAS”. Decide-se por iniciar a condução operacional, pela ordem
alfabética dos países. Coube à Argentina, a partir do mês de junho daquele ano
a condução dos trabalhos, com alternância a cada quatro meses.
As reuniões executivas do CT, com início das trocas de informações,
iniciaram-se efetivamente em 12 junho de 1996, data da primeira ata do
Comando, em Puerto Iguazu, na sede da Gendarmeria Nacional. Pela Argentina
fizeram-se presentes representantes da Gendarmeria, Prefectura Naval, Policia
Federal e Secretaria de Inteligência. Por parte do Brasil, a comitiva foi
representada pela Polícia Federal de Foz do Iguaçu, Exército Brasileiro,
mediante 34º Regimento de Infantaria Motorizada e pelo cônsul do Brasil em
Cidade de Leste. O governo do Paraguai foi representado pela Polícia Nacional.
Na reunião, foi entregue para análise e considerações das comitivas dos
três países, pela delegação Argentina, o termo de “Organização e
Funcionamento do Comando Tripartite da Tríplice Fronteira”.
As primeiras reuniões eram quinzenais, na primeira e terceira terças-feiras
do mês. Posteriormente, as reuniões passaram a ser mensais e, atualmente,
ocorrem na última quinta-feira de cada mês, pela manhã.
Na quarta reunião, realizada em 22 de julho de 1996, em Puerto Iguazu,
Argentina, foi aprovado, de forma unânime pelos representantes dos três países,
o Estatuto denominado “Organização e Funcionamento do Comando Tripartite
da Tríplice Fronteira”, com normas sobre a organização e funcionamento do
organismo na região.
Face à relevância histórica do documento, a integra consta do Anexo IV.
O documento fundamental fixou como objetivos do Comando no artigo 3º:
93
a) o intercâmbio de informações úteis, oportunas e confiáveis para as organizações de segurança, que contribuam para a planificação de ações para a região; b) o desenvolvimento de um Sistema Integrado de Informações de Segurança; c) fomentar intercâmbios interinstitucionais de caráter profissional e, finalmente; d) desenvolver mecanismos orientados a prevenir e solucionar, em função das suas capacidades, fatos e fenômenos que possam sobrevir como consequência de todo tipo de delitos e infrações, respeitados o marco legal de cada país. (REPÚBLICA ARGENTINA, 1996e).
O artigo 4º designa que o CT seja composto pelos organismos de
segurança dos Estados partes, com jurisdição e competência na segurança
interior e na região. Também facultou a participação de outras organizações, já
revelando aí a complexidade e necessidade de articulação intensa e abrangente
para garantir os melhores resultados na segurança da região trinacional.
Os membros natos, previstos no artigo 4º do Estatuto do CT, foram, pela
Argentina, a Gerdarmeria Nacional, Prefeitura Naval e Polícia Federal. Pelo
Brasil, a Polícia Federal e, por parte do Paraguai, a Polícia Nacional. Em 2015,
pela Argentina, foi agregado como membro permanente a Polícia de Segurança
Aeroportuária e, pelo Brasil, foram agregados a Polícia Rodoviária Federal37e
Agência Brasileira de Inteligência38.
Administrativamente, o CT é integrado pelas Chefias ou “Jefaturas” e
pelas Secretarias. As Chefias são as representações superiores do CT,
exercidas por órgão integrante da força de segurança com jurisdição na região,
mediante designação de cada país (art.12), podendo ser alternado entre as
forças de segurança de cada nação. As Chefias de cada país devem representar
o CT, coordenar as atividades e exercer a supervisão do cumprimento dos fins
e objetivos propostos, bem como propor a formação de grupos especializados
de trabalho (artigo 13).
As reuniões devem ocorrer, necessariamente, com a presença de
representantes dos três países (artigo 9º), cada país tem direito a um voto nas
37 Ata de acordo firmado em 26/11/2015, durante a reunião ordinária de número 241, realizada na PF em Foz do Iguaçu. 38 A Polícia de Segurança Aeroportuária da Argentina – PSA e a Agência Brasileira de Inteligência foram admitidas durante reunião ordinária de nº 239, realizada na Argentina, no dia 29/09/2015.
94
eventuais deliberações (art. 10), mas as resoluções devem ser adotadas por
consenso e, caso as decisões superem o âmbito de atribuições e a competência
territorial de seus membros, deve o assunto ser remetido, pelas vias
hierárquicas, para os respectivos Ministérios (art.8º).
As secretarias, uma para cada país, devem tramitar e coordenar as
resoluções do CT, preparar a ordem do dia e atas do CT, com as trocas oficiais
das informações de cooperação policial internacional (art. 15). São as
Secretarias que, conforme as orientações das Chefias fazem o agendamento
prévio das reuniões gerais e especiais do Comando e executam as atividades
de trocas de informações entre os países, para posterior formalização durante
as reuniões mensais ordinárias.
Entre as reuniões mensais ordinárias, há intensas trocas de informações
policiais realizadas a partir de aplicativos de mensagens, e-mails e ofícios,
sempre da forma mais ágil e desburocratizada possível.
Nas reuniões gerais, caso necessário, são formalizadas as trocas dos
ofícios e documentos oficiais que contém as informações para a instrução dos
auxílios diretos que podem servir de base para investigações preliminares e, até
mesmo, para ações penais em curso, conforme se verá no estudo de caso.
Para demonstrar a relevância da organização de cooperação policial
internacional, tomando-se como base a última reunião realizada na Argentina em
2018, a de número 274 em 25 de julho daquele ano, com mais de 100
documentos trocados e relacionados no temário da reunião, referentes à
cooperação penal e trocas de informações de segurança entre os três.
O Estatuto permite (art.16) a formação de Grupos Especializados de
Trabalho (GET) que sejam necessários para a realização dos objetivos ou do
plano de trabalho do CT. Os GET´s podem funcionar em um dos países que
compõem o Comando e têm como principais temas os previstos no artigo 17:
a)Controle de documentação b)Operações simultâneas c)Integração de Banco de dados d)Lavagem de dinheiro e)Narcotráfico f)Tráfico de armas e munições g)Terrorismo.
95
Em 2016, durante a reunião de número 251, como resultado de
discussões anteriores, foi proposta pela Delegação brasileira a criação de um
grupo, ou unidade especial permanente para dar maior dinamismo para o
Comando. A previsão inicial era que a unidade fosse integrada por quatro
representantes de cada um dos países, em força tarefa para diligências
permanentes na Tríplice Fronteira, com sede rotativa a cada seis meses.
A ata com a proposta foi encaminhada pelas vias hierárquicas para os
respectivos Ministérios e não houve avanços, com autorizações superiores, no
sentido da criação do grupo permanente até final de 2018.
A medida se amolda ao já previsto pelo MERCOSUL no acordo CMC/DC
nº 22/1039 sobre equipes permanentes de investigação, e demonstra que a
prática interdisciplinar ou a busca de convergências e redes que permitam a
cooperação policial internacional depende da união de esforços dos envolvidos
diretamente na execução de políticas de segurança local e de decisões
burocráticas e centralizadas, normalmente lentas, que dificultam mais do que
facilitam as atividades compartilhadas de investigação em fronteiras.
O CT realiza, desde 1996, operações compartilhadas. As atividades
consistem em barreiras ostensivas montadas em pontos estratégicos das áreas,
como as aduanas das Pontes da Amizade (Brasil – Paraguai) e Fraternidade
(Brasil – Argentina) em cada um dos países com assistência recíproca de
policiais de cada país, a fim de permitir a conferência de documentos de viagem,
dados sobre veículos abordados e repressão integrada a crimes
transfronteiriços.
A primeira operação integrada do Comando ocorreu em 21 de agosto de
1996, conforme se vê na ata da 5ª reunião ordinária do CT, realizada em 08 de
agosto daquele ano. A principal preocupação naquela oportunidade era o
controle de documentos de viagem. Naquela ata, consta a proposta Argentina
para o denominado “operativo simultâneo” assinalando os locais em Puerto
Iguazú como “Ruta Nacional 12 y Puente Internacional” e “Terminal de Omnibus
de Puerto Iguazú”.Brasil e Paraguai designariam seus locais nos países
respectivos. Cada país indicaria um policial uniformizado, sem armamento, para
39MERCOSUL/CMC/DEC Nº 22/10 – Acordo quadro de cooperação entre os estados partes do MERCOSUL e estados associados para a criação de equipes conjuntas de investigação.
96
a função de observador e auxiliar na troca ágil de informações e fiscalização de
documentos de seus nacionais.
Atualmente, realizam-se de dois a quatro operativos conjuntos
anualmente, via Comando Tripartite.
Antes dos Jogos Olímpicos de 2016, no mês de abril, por dez dias, a
INTERPOL e o Comando Tripartite, inspirados na prática já existente na região,
realizaram operativo conjunto na Tríplice Fronteira, denominada Operação
Fortaleza. Os resultados foram potencializados pela integração de esforços,
compartilhamento de bancos de dados entre a INTERPOL e o Comando
Tripartite40.
A operação, com barreiras concomitantes e integradas por policiais de
vários países, resultou na prisão de 32 pessoas, incluindo um foragido
internacional de nacionalidade Italiana, procurado na Argentina e preso em Foz
do Iguaçu e apreensão de 750 kg de drogas diversas, principalmente maconha41.
Durante os Jogos Olímpicos realizados no Rio de Janeiro em 2016, o
Comando Tripartite montou, na Delegacia de Polícia Federal em Foz do Iguaçu,
uma operação para garantir a troca rápida de informações entre os três países,
basicamente voltada para checagem de documentos de viagem, dados de
veículos e migrações42.
A estrutura funcionou no período de 04 a 21 de agosto de 2016 e foi
gestionada a partir das reuniões nº 248 e 249 do CT, realizadas respectivamente
em 27 de junho e 28 de julho de 2016 em Puerto Iguazú. Na reunião
extraordinária do CT, realizada na sede da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, no
dia 04 de agosto de 2016, foi lançado o operativo destacando-se a dinâmica dos
trabalhos:
Inaugura oficialmente a Operação Fronteira Olímpica, a qual funcionará até o dia 21/08/2016 e fará o papel de centro de inteligência e apoio a demandas relacionadas com a segurança pública da tríplice fronteira com foco nos jogos olímpicos que ocorrerão no Brasil. A operação policial terá a presença de policiais do Paraguai e da Argentina e de policiais federais por
40http://g1.globo.com/pr/parana/videos/v/interpol-faz-operacao-integrada-nas-fronteiras-de-foz-do-iguacu/4943063/ 41http://www.pf.gov.br/agencia/noticias/2016/04/policia-federal-realiza-operacao-na-regiao-da-triplice-fronteira. Acesso em: 08 set. 2018. 42A operação foi denominada “Fronteira Olímpica”
97
24 horas. Por meio do centro integrado haverá a troca de informações de forma imediata entre os três países
Em abril de 2017, com os crimes relacionados à empresa PROSEGUR, a
mesma estrutura foi utilizada na denominada “Operação Resposta Integrada”
para coordenar os esforços de investigação entre os três países. A dinâmica
daquela operação será exposta na forma de estudo de caso em seguida.
2.3 O COMANDO TRIPARTITE –MODELO DE COOPERAÇÃO POLICIAL EM
ZONAS BIPARTITES
O êxito das ações do CT e sua forma de ação interdisciplinar no
envolvimento de Policiais da Tríplice Fronteira, tornou um paradigma a ser
disseminado em outras localidades.
Exemplo é o acordo celebrado entre os Ministérios da Segurança da
Argentina e do Ministério do Interior do Paraguai, com estabelecimento de Zonas
de Segurança Bipartites (ZSP) nas cidades de fronteira, conforme tabela 3. O
acordo, celebrado em 14 de novembro de 2014, em Buenos Aires, acarretou a
criação das ZSP’s.
Tabela 3. Zonas Bipartites de Segurança entre cidades da Argentina e
Paraguai
Argentina Paraguai
Posadas Encarnación
Clorinda Nanawa
Clorinda Jose Falcon
Pilcomayo Ita Enramada
Eldorado Mayor Otaño
Formosa Alberdi
Ituzaingó Ayolas
Bermejo Puerto Pilar Fonte: Acordo Argentina e Paraguai - 2014
Argentina e Bolívia também assinaram um acordo semelhante em 15 de
julho de 2015, criando Zonas Bipartites de segurança nas seguintes cidades de
fronteira daqueles países, como ilustra a tabela 4.
98
Tabela 4. Zonas Bipartites de Segurança entre cidades da Argentina e
Bolívia
Argentina Bolívia
Salvador Maza Yacuiba
La Quiaca Villazón
Aguas Blancas Bermejo
Las Chalanas Bermejo
El Condado, Los Toldos La Mamora Fonte: Acordo Argentina e Bolívia - 2015
A simples leitura dos acordos celebrados permite verificar similaridades
com o modelo de 1996 do CT, vez que há previsão de Secretarias e Unidades
de Coordenação, inclusive com presidência rotativa dos trabalhos entre os
países a cada seis meses, com previsão de reuniões regulares, na razão mínima
de uma a cada seis meses, ou em intervalos menores, caso necessário.
Brasil-Argentina e Brasil-Paraguai não celebraram acordos bipartites
semelhantes. Entretanto, o modelo do CT foi disseminado para as cidades de
Guaíra, Naviraí e Salto del Guaíra (Brasil-Paraguai) em reuniões extraordinárias
realizadas pelo Comando nos dias 13 de dezembro de 2011 e 10 de julho de
2013.
No dia 12 de janeiro de 2017, realizou-se reunião extraordinária do
Comando, na cidade de Ponta Porã, Estado do Mato Grosso do Sul, cidade
gêmea de Pedro Juan Caballero, no Paraguai com a finalidade de demonstrar o
modelo de atuação do CT na Tríplice Fronteira. Na oportunidade, foi
compartilhada com as autoridades locais dos dois países daquela fronteira as
dinâmicas empregas e formas de atuação.
O modelo estabelecido desde 1996 pelo CT no encontro territorial entre
Argentina, Brasil e Paraguai prosperou em outras áreas de fronteira, com as
adaptações necessárias às dinâmicas locais, como é o caso das cidades
gêmeas da Argentina e Paraguai e Argentina e Bolívia, que estabeleceram as
ZSBs e também nas fronteiras do Brasil com os seus vizinhos, como enfatizado
anteriormente.
Essas atuações permitiram a criação de verdadeiras redes horizontais de
segurança pública, nas quais policiais de países vizinhos entre si, podem ter
99
acesso à base de dados e informações úteis para investigações em todos os
países do mundo, mediante colaborações diretas passíveis de serem auditadas
e comunicadas aos órgãos centrais mediante atas com os resultados das
cooperações articuladas.
2.4 O COMANDO TRIPARTITE - DIFICULDADES À COOPERAÇÃO POLICIAL
As principais dificuldades à cooperação policial local na Tríplice Fronteira
são estabelecidas há muitos quilômetros de distâncias destas Faixas de
Fronteira, normalmente nos centros de poder e burocracias das Capitais dos
Estados Nacionais. Para o caso do CT, esses centros são: Buenos Aires, Brasília
e Asunción. Salvo para o caso da capital do Paraguai, que fica a
aproximadamente 300 quilômetros da Tríplice Fronteira, as capitais da Argentina
e do Brasil estão a mais de 1.000 quilômetros. A distância geográfica gera
percursos difíceis para a agilização das cooperações locais, conforme se verá a
seguir
A primeira dificuldade de colaboração em investigações é a extrema
burocracia que representa a obtenção de autorização para missão policial no
exterior a partir das fronteiras. No Brasil, para que um servidor possa atuar em
outro país, é necessária autorização prévia do Presidente da República,
Presidente dos Órgãos do Poder Legislativo e Presidente do Supremo Tribunal
Federal, a depender da sua vinculação profissional com o Poder Executivo,
Legislativo ou Judiciário. É o que prevê o artigo 95 da lei 8.112/90:
Art. 95. O servidor não poderá ausentar-se do País para estudo ou missão oficial, sem autorização do Presidente da República, Presidente dos Órgãos do Poder Legislativo e Presidente do Supremo Tribunal Federal.
O decreto nº 1.387 de 07 de fevereiro de 1995, delegou para os Ministros
de Estado e outros cargos de cúpula do governo federal a possibilidade de
autorização da missão internacional
Entretanto, o artigo 3º do decreto determina que a autorização seja
publicada no Diário Oficial da União - DOU, até a data do início da viagem ou de
sua prorrogação, com indicação do nome do servidor, cargo, órgão ou entidade.
100
O procedimento engessa e até mesmo inviabiliza as cooperações policiais
nas áreas de fronteira, pois tantas vezes, para o êxito de ações de investigação,
é imperativo o deslocamento de policiais de um país para outro para auxiliar na
identificação de fugitivos, apoiar em vigilâncias, além da participação e apoio em
perícias criminais de procedimento similares.
Melhor seria que policiais determinados tivessem autorizações prévias
para atuarem em outros países de fronteira, em apoio e juntamente com policiais
do país vizinho, sem burocráticas e impraticáveis autorizações presidenciais ou
ministeriais.
Para as cidades gêmeas ou localidades nas faixas de fronteira dos países,
os deslocamentos, via de regra, são curtos e não representam custos ou
pernoite, como são os casos das reuniões do CT que ocorrem em Puerto Iguazú
– Argentina, Foz do Iguaçu – Brasil e Ciudad del Este – Paraguai, com
deslocamentos de aproximadamente dez quilômetros em reuniões que duram
cerca de duas a três horas.
No caso da Polícia Federal, o ideal era que, previamente, e de forma
anual, tais autorizações fossem expedidas pelo próprio Superintendente
Regional, com conhecimento da Direção-Geral, do Ministério da Justiça e
Segurança Pública e, por sua vez, da própria Presidência da República, sem que
tais deslocamentos representassem, qualquer contrapartida remuneratória
adicional, pois se tratam de cidades contíguas e ocorrem normalmente sem
qualquer necessidade de pernoite.
Por imperativo legal, não tem sido está a regra. Assim, para um
deslocamento de um servidor policial de Foz do Iguaçu para a China, com mais
de 10.000 quilômetros de distância, o procedimento burocrático adotado é o
mesmo para um deslocamento de alguns quilômetros para a vizinha Ciudad del
Este.
Inviável prever quando um deslocamento internacional em regiões de
fronteira será necessário, vez que crimes transnacionais acontecem
constantemente e a necessidade de colher uma autorização prévia e de cúpula
demora dias e, quando obtida, o princípio da oportunidade e a diligência podem
já não ter mais necessidade. Sugere-se assim, a alteração do artigo 95 da lei
8.112/90 ou subdelegações de competência para autorizar viagens em áreas de
fronteira de forma mais ágil.
101
Outra dificuldade para cooperação policial local em regiões de fronteira foi
a alteração na lei de estrangeiros do Brasil. Anteriormente, pelo artigo 57, § 2º
da lei 6.815/80, era possível a deportação sumária (imediata) do estrangeiro com
estada ou entrada irregular em território nacional, por conveniência aos
interesses nacionais. A fundamentação era comumente utilizada para realizar a
entrega de cidadãos estrangeiros que estavam irregulares no Brasil,
principalmente em Foz do Iguaçu e região e que, eventualmente, tinham
mandados de prisão nos seus países de origem.
A lei número 13.445/2017, que instituiu a nova lei de migrações no Brasil,
em 24 de maio daquele ano, determinou, no artigo 50, novos procedimentos para
a deportação, com prazo de notificação para o deportando regularizar seu
ingresso em até 60 dias passíveis de prorrogação por igual período. Previu,
ainda, a notificação compulsória da Defensoria Pública da União para prestar
assistência ao deportando em todo o procedimento administrativo de deportação
(artigo 51). Ou seja, a nova legislação de estrangeiros no Brasil dificultou, ou
simplesmente fulminou, a possibilidade de deportações sumárias, imediatas em
áreas de fronteira.
O Paraguai via CT, utiliza de forma intensiva a deportação sumária para
entregar brasileiros irregulares naquele país e, muitas vezes, foragidos da justiça
brasileira.
Conforme dados divulgados na imprensa, no período de 2016 a 2018, 104
brasileiros com mandado de prisão em aberto ou em situação migratória irregular
foram entregues à Polícia Federal pela Polícia Nacional do Paraguai, através do
Comando Tripartite. O Brasil chegou a fazer a entrega de 65 paraguaios.43
Outra dificuldade impactante nas cooperações policiais em regiões de
fronteira é a ausência de implementação e vigência do importante acordo do
MERCOSUL sobre o Mandado Mercosul de Captura e Procedimentos de
Entrega entre Estados partes do Mercosul e Estados Associados, ou
simplesmente Mandado Mercosul de Captura (MMC), consubstanciado no
documento MERCOSUL/CMC/DEC N° 48/10.
43https://www.h2foz.com.br/noticia/policiais-brasileiros-e-paraguaios-fecham-o-cerco-a-fugitivos-na-fronteira. Acesso em: 08 set. 2018.
102
Durante reunião do Conselho do Mercado Comum do Sul realizada em 16
de dezembro de 2010, em Foz do Iguaçu, os governos da Argentina, Bolívia,
Brasil, Equador, Paraguai, Peru e Uruguai assinaram o Acordo para permitir
agilidade no cumprimento de mandados recíprocos de prisão e entrega de
presos. Em síntese o acordo prevê:
Artigo 1º — Obrigação de executar 1. O Mandado MERCOSUL de Captura é uma decisão judicial
emitida por uma das Partes (Parte emissora) deste Acordo, com vistas à prisão e entrega por outra Parte (Parte executora), de uma pessoa procurada para ser processada pelo suposto cometimento de crime, para que responda a um processo em curso ou para execução de uma pena privativa de liberdade.
O acordo de 2010 ainda não está em vigor, vez que os países signatários
ainda não incorporaram a medida em seus ordenamentos jurídicos internos. O
Brasil, por meio do Decreto legislativo nº 138 de 09 de agosto de 2018, deu passo
importante neste caminho, mas ainda falta o decreto presidencial de
promulgação do acordo, e a incorporação por, pelos menos, quatro países,
conforme previsto no artigo 22 do acordo.44
Outro acordo do MERCOSUL pendente de incorporação é o
MERCOSUL/CMC/DEC.Nº16/06, que cria o Sistema de Intercâmbio de
Informações de Segurança do MERCOSUL (SISME) para permitir mais
segurança na troca de informações entre as instituições policiais. Também
permite o ingresso de forças policiais no território de outro país vizinho em casos
de perseguição iniciada no Estado de origem, conforme artigo 12 do anexo:
Os funcionários das Forças de Segurança e/ou Policiais das Partes que, em seu próprio território, persigam uma ou mais pessoas que, para iludir a ação da autoridade, transpassarem o limite fronteiriço, poderão entrar no território da outra Parte somente para informar e solicitar à autoridade policial mais próxima, ou a quem exerça tal função, o auxílio imediato no
44A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 84, incisos VII e VIII, prevê que compete ao poder Executivo, mediante Presidência da República, “manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos”, bem como “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”. Assim, via de regra, para que os tratados, convenções ou atos internacionais tenham vigência, capacidade de produzir efeitos no território nacional, mister se faz que o Presidente, após celebrá-los, faça o devido encaminhamento ao Congresso Nacional que deverá aprovar ou não decreto legislativo. Somente a partir daí, da expedição e publicação do decreto legislativo a cargo do Congresso Nacional e promulgação via decreto do Presidente da República é que a norma ganha capacidade de produção jurídica de efeitos no território nacional.
103
caso. Com relação ao ocorrido, imediatamente cada Parte deverá redigir uma ata e informar o fato às suas autoridades judiciais competentes, de acordo com sua legislação interna. (MERCOSUL, 2016).
A questão foi recordada em artigo redigido em 2016 (BORDIGNON, 2016.
p. 81):
O texto, na dinâmica de uma perseguição policial iniciada no país de origem da equipe policial, permite o ingresso armado dos policiais no país subsequente, vez que perseguições policiais ocorrem naturalmente na modalidade armada, para solicitar imediato auxílio no sucesso da detenção do foragido, lavrando-se ata do fato ocorrido, por cada Parte e encaminhamentos decorrentes. Foi o que aconteceu em 01/04/2016 durante perseguição policial iniciada em Foz do Iguaçu, no Brasil, contra um homem que fugia para o Paraguai através da Ponte Internacional da Amizade em uma camionete roubada há pouco em território brasileiro. O fugitivo foi detido em território paraguaio, em Cidade de Leste, mediante atuação final da Polícia Nacional daquele país. (ABC Color, 2016). Neste caso, o entrosamento decorrente das reuniões mensais do Comando Tripartite permitiu desfecho rápido e harmonioso do acontecimento, com a prisão do criminoso, mediante atuação integrada entre as polícias do Brasil e Paraguai. Em outro caso, ocorrido fora do âmbito do Comando Tripartite, o desfecho foi a prisão dos policiais que atuavam na perseguição a criminosos na região da fronteira Brasil – Paraguai, entre os municípios de Ponta Porã (Mato Grosso do Sul) e Pedro Juan Caballero, no dia 15 de março de 2016, como foi o fato noticiado pelo “Correio do Estado”(2016). Na ocasião, policiais militares brasileiros foram detidos por policiais paraguaios ao ingressarem armados naquele país.
Vencer esses obstáculos burocráticos é a maior fronteira imaterial a ser
superada pelas forças policiais que atuam nas regiões de limites entre os países
da região trinacional e, no geral, de todos os países membros e associados ao
MERCOSUL e confirma ser a atuação interdisciplinar um agir que merece
enfrentamento e coragem por parte dos gestores estratégicos e políticos que
atuam nas capitais dos Estados Nacionais, normalmente distantes dessas áreas,
como a Tríplice Fronteira.
Garantir a segurança e o controle das fronteiras geográficas entre os
países vizinhos é superar os limites e as fronteiras imateriais que separam os
centros geográficos de poder, as capitais das cidades de fronteira.
As muralhas da burocracia nacional representam a mais difícil barreira do
Brasil, que é Brasília com o restante do país. Os exemplos relacionados
104
assinalam essas dificuldades que impedem maior rendimento, utilidade e
oportunidade nas cooperações policiais em regiões de fronteira.
Conforme destacado por CARNEIRO (2016, p.242) na União Europeia há
diversos acordos entre países membros autorizando que policiais de um
determinado país adentrem em outro a fim de perseguir e prender fugitivos. Por
exemplo, “ as polícias de Bélgica e Alemanha possuem competência estendida
ao território do Estado vizinho em caso de perseguição policial a criminosos”
(ibidem, p. 242)
No próximo capítulo será possível verificar como as cooperações policiais
locais podem agilizar a troca de informações e superar barreiras burocráticas
que inviabilizam a troca de informações e de atuações nas regiões de encontro
entre países.
105
3 ESTUDO DE CASO – CRIMES TRANSNACIONAIS NA EMPRESA PROSEGUR EM CIUDAD DEL ESTE (22/04/2017)
Este capítulo tem como objetivo confirmar a importância da atuação
interdisciplinar entre as forças de segurança pública nas áreas de fronteira, tanto
no aspecto interno quanto no âmbito internacional, numa perspectiva local,
principal foco de pesquisa da dissertação.
O estudo demonstrará que o entrosamento prévio entre as forças de
segurança internas (Brasil) e o Comando Tripartite (Argentina, Brasil e Paraguai)
foi essencial para o excelente resultado alcançado no episódio.
Busca-se, a partir do estudo de caso relativo aos crimes cometido na
empresa PROSEGUR, em Ciudad del Este, no dia 24 de abril de 2017.
Demonstrar e responder à questão de estudo (YIN, 2015, p.31): como a
interação entre as polícias na região de Foz do Iguaçu (aspecto nacional) e o
Comando Tripartite (aspecto internacional) foi fundamental para os resultados
obtidos a partir da investigação dos delitos na empresa PROSEGUR em Ciudad
del Este?
Como proposição de estudo, entendido na atenção para algo que deve
ser examinado no escopo da pesquisa (YIN, 2015, p.32), tem-se que: a) O CT
foi fundamental, pois permitiu previamente ao evento estudado, a criação de
redes horizontais de comunicação e cooperação que foram decisivas no pronto
acionamento e comunicação às autoridades de Segurança Pública do Brasil, em
Foz do Iguaçu, imediatamente à ocorrência dos fatos na cidade Paraguaia de
Ciudad Del Este, no início da madrugada de 24 de abril de 2017 (segunda-feira),
por parte das autoridades da Polícia Nacional daquele país;
b) O CT foi fundamental, pois com a comunicação ágil, permitiu-se que as
forças de segurança do Brasil montassem uma estrutura de segurança para
permitir o avistamento e oposição à parte da organização criminosa que,
sabidamente, fugiu para Brasil e foi confrontada, primeiramente, no município de
Itaipulândia, às margens do lago de Itaipu, por volta das 12 horas do dia 24 de
abril de 2017.
Como proposição o caso destaca-se: c)A interação, mesmo que informal,
entre as forças de segurança pública da região de Foz do Iguaçu, como PF, PRF,
PM, PC e Guarda Municipal, foi decisiva para que a informação sobre o primeiro
106
confronto e o rumo dos criminosos fosse comunicado de forma ágil via aplicativos
de mensagens por smartphones (whatsapp) às autoridades de segurança, o que
permitiu que novo confronto ocorresse com êxito na região do município de São
Miguel do Iguaçu/PR, o que resultou na prisão, apreensão de armas de fogo e
morte de criminosos a partir de intenso confronto entre as forças de segurança
e delinquentes.
Tal esforço integrado, denominação, aliás, que batizou a operação
policial, resultou também na prisão de envolvidos inclusive na cidade de
Cascavel/PR na noite do dia 24/04/2017 e na recuperação de parte significativa
de armas e valores subtraídos na madrugada do seguinte, 25/04/2017.
A proposição 4 desenvolvida neste estudo de caso demonstrará que o CT
foi essencial para permitir auxílio direito às autoridades da Polícia Nacional do
Paraguai na perícia realizada pela Polícia Federal do Brasil na residência em
Ciudad del Este que foi utilizada pelos criminosos para o planejamento
meticuloso do crime. Aqui, importante destacar a fronteira como transbordante e
não como limite estanque à plena e ágil cooperação policial local que é
fundamental para superação da criminalidade transnacional organizada.
A riqueza de circunstâncias que envolveram e envolvem o “caso
PROSEGUR”, certamente, motivarão outros estudos de aspectos relevantes.
Nesta pesquisa, os aspectos de cooperação policial local, tanto no âmbito
nacional como internacional são fundamentais.
A circunstância define e delimita a unidade do caso (YIN, p. 35) proposto
para estudo, sem esgotar todas as perspectivas em que pode ser estudado,
como, por exemplo, as coletas de vestígios de DNA e a relevância probatória
para as ações penais em ambos os países, a questão da extraterritorialidade da
lei penal e outras nuances relevantes do caso concreto.
O principal aspecto teórico do estudo de caso (YIN, p. 40) será a
demonstração, já desenvolvida teoricamente nos capítulos anteriores, de que a
interação entre forças de segurança diversas, no âmbito nacional quanto
internacional, nas localidades de fronteira foi fundamental para fazer frente aos
desafios dos crimes transnacionais.
Essas polícias, vistas como disciplinas, precisam de estímulos à
multidisciplinaridade (coordenação) e interdisciplinaridade (convergência),
107
constantes e regulares para atuação de forma integrada. O CT foi essencial para
geração da sinergia prévia necessária no deslinde do caso investigado.
Será demonstrado que a integração deve ser estimulada localmente pelas
lideranças e Chefias, principalmente, a partir de encontros regulares, passando
pelo estabelecimento de parcerias operacionais e de troca de informações
(multidisciplinaridade e interdisciplinaridade).
No aspecto macro, globalizado é mister dar pujança e remover obstáculos
jurídicos à plena e desburocratizada integração policial local em regiões de
fronteira, para permitir e estimular auxílios diretos entre as polícias em regiões
de fronteira, como há anos o CT realiza na Tríplice Fronteira
As evidências para o estudo de caso proposto foram colhidas na ação
penal nº 5004772-19.2017.4.04.7002, em trâmite junto à 4ª Vara Federal da
Subseção de Foz do Iguaçu/PR, cujo acesso foi deferido mediante pedido
apresentado pelo pesquisador, sob supervisão do orientador e com o
compromisso de não revelar nomes e dados de investigados.
Utilizou-se transversalmente a observação participante, pois o autor da
pesquisa participou, desde o início, da dinâmica deste caso, como Chefe da
Delegacia da Polícia Federal em Foz do Iguaçu e Coordenador Brasileiro do
Comando Tripartite e, à época dos fatos, mestrando já dedicado ao objeto de
estudo, qual seja, a cooperação policial local.
108
Os dados foram coletados pelo acesso deferido nos seguintes processos
judiciais que tramitavam na 4ª Vara Federal de Foz do Iguaçu de acordo com a
tabela 5:
Tabela 5. Inquéritos policiais decorrentes dos crimes do assalto a
PROSEGUR
Tipo
procedimento
Numeração Polícia
Federal
Numeração Justiça Federal
Ação Penal
5004772-19.2017.4.04.7002
Inquérito Policial 0237/2017 5003300-80.2017.4.04.7002
Inquérito Policial 0243/2017 5003375-22.2017.4.04.7002
Inquérito Policial 0240/2017 5003333-70.2017.4.04.7002
Inquérito Policial 0239/2017 5003331-03.2017.4.04.7002
Inquérito Policial 0241/2017 5003330-18.2017.4.04.7002
Inquérito Policial 0277/2017 5003327-63.2017.4.04.7002
Inquérito Policial 0235/2017 5003298-13.2017.4.04.7002
Fonte. Processos judiciais em trâmite na 4ª Vara Federal de Foz do Iguaçu - 2018
Processos judiciais decorrentes dos acima serviram igualmente para a
pesquisa. Como se vê da denúncia nos autos da ação penal, a acusação teve
como base os trabalhos policiais reunidos nos sete inquéritos policiais
destacados, instaurados para apurar os crimes cometidos.
3.1 CRIMES TRANSNACIONAIS
Com base o conceito de crime e de território, o crime transnacional é
aquele no qual alguma de suas fases de execução toca ou tem outro país como
destino.
O decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou a Convenção
das Nações Unidas contra o crime transnacional – Convenção de Palermo,
109
estabeleceu, no artigo 3º item 2, as circunstâncias que tornam um crime
transnacional:
Para efeitos do parágrafo 1 do presente Artigo, a infração será de caráter transnacional se: a) For cometida em mais de um Estado; b) For cometida num só Estado, mas uma parte substancial da sua preparação, planejamento, direção e controle tenha lugar em outro Estado; c) For cometida num só Estado, mas envolva a participação de um grupo criminoso organizado que pratique atividades criminosas em mais de um Estado; ou d) For cometida num só Estado, mas produza efeitos substanciais noutro Estado.
Para a convenção de Palermo as características de transnacionalidade
são bem abrangentes e decorrem do cometimento de um crime em mais de um
Estado, mas também quando cometido em um país específico, com
planejamento, preparação e controle em Estado diverso, com participação ou
não de grupo criminoso atuante em diversas localidades ou quando cometido em
um Estado, mas com efeitos em outros, como no exemplo de ações com armas
nucleares.
O Código de Processo Penal Brasileiro trata dos reflexos de competência
para os crimes transnacionais, com resposta sobre qual o Juiz competente para
julgar tais delitos. Adotou a teoria da ubiquidade (ou mista/eclética) conforme
artigos 70, § 1º e 2º. A teoria afirma que a fixação do Juiz para julgar o caso será
tanto pelo local da ação quanto o do resultado, desde que um deles aconteça no
território nacional.
Nestes casos, a norma determina que o julgamento se dará no local
dentro do território nacional em que tenha ocorrido o último ato de execução ou
então o resultado do crime iniciado no exterior. A doutrina chama tais crimes
também como crimes à distância ou de espaço máximo.
O caso PROSEGUR foi crime à distância, transnacional, portanto, com
crimes conexos cometidos na fuga no território nacional, na intensa perseguição
pelas Polícias de ambos países em cooperação policial.
Destaque-se resumo da decisão judicial que discutiu sobre a
competência:
110
Em suma, tem-se que os fatos praticados no Brasil, enquanto desdobramentos do latrocínio inicialmente perpetrado no Paraguai, justificariam a fixação da competência na Justiça Federal de Foz do Iguaçu/PR, com jurisdição sobre os locais onde se deram os aludidos confrontos e a prática das outras infrações (art. 70 do CPP). Nesse sentido, aliás, destaque-se que, além do excipiente, outros réus na Ação Penal nº 5004772-19.2017.4.04.7002 são acusados de crimes praticados integralmente em território brasileiro (roubo do veículo F250, uso de documento falso e sequestro ou cárcere privado), tudo na linha de continuidade da fuga iniciada no Paraguai[...]”. (decisão judicial no evento 8 dos autos de exceção de incompetência 5007769-72.2017.4.04.7002).
Diferentemente ocorre para casos de crimes praticados totalmente fora do
território nacional, mas nos quais o agente venha posteriormente para o território
brasileiro ou que, por alguma razão (conforme art. 7º do CP), mereça julgamento
no Brasil. A definição do Juiz que decidirá o caso será conforme art. 88 do CPP,
qual seja, a Capital do Estado em que o autor tenha por último residido, ou, caso
nunca tenha residido em território nacional, Brasília, capital da República.
Alguns dos investigados buscaram alterar a competência para julgamento
do caso, alegando ter sido os crimes do caso Prosegur cometidos
completamente em território Paraguaio, tentando assim serem julgados na
capital dos Estados em que residiam anteriormente (São Paulo, por exemplo).
Não tiveram êxito, pois a hipótese adotada foi de crimes à distância, crimes
transnacionais em que a dinâmica criminal envolveu Brasil e Paraguai e não
apenas o país estrangeiro.
3.2 RELATO DO CASO PROSEGUR.
Os crimes na empresa de valores PROSEGUR, em Ciudad del Este,
Paraguai, começaram na madrugada do dia 24 de abril de 2017, por volta das
0h30min da segunda-feira.
No final de semana dos fatos era feriado no Brasil, pois sexta-feira, dia 21
de abril comemora-se feriado de Tiradentes (dia da Inconfidência Mineira). A
circunstância acarretou maior movimento de turistas no microcentro de Ciudad
del Este, com maior arrecadação de dinheiro e, de depósitos na empresa de
valores vítima dos crimes.
111
O local já tinha sido alvo de criminosos anteriormente, quando
delinquentes cavaram sem sucesso um túnel até a empresa e pretendiam furtá-
la por ocasião da final da Copa do Mundo de 201445.
Na figura 4, assinala-se em vermelho a localização da empresa em
Ciudad del Este e sua proximidade com a fronteira brasileira.
Figura 4. Localização da empresa Prosegur em Ciudad del Este.
Fonte: Google. Acesso em: 15/09/2018
Os primeiros relatos que chegaram via CT, presidência do Paraguai, na
madrugada de segunda-feira, dia 24/04/2017, diziam que aproximadamente 30
homens fortemente armados com fuzis e explosivos, veículos blindados e
coletes balísticos, explodiram a sede da empresa em Ciudad del Este, no
Paraguai e levaram grande quantia de dinheiro.
Na fuga, alvejaram e causaram a morte de um agente da Polícia Nacional
Paraguaia, crime de latrocínio, bem como roubaram e incendiaram veículos, com
diversos disparos de armas de grosso calibre e granadas, dispensaram diversos
“miguelitos” ou pregos soldados na forma de “x” com a finalidade de furar os
pneus das viaturas policiais que viessem a perseguir os fugitivos.
Com as informações transmitidas pela Polícia Nacional do Paraguai, via
CT, e tendo em vista que a atuação dos criminosos lembrava outros crimes
violentos cometidos no Brasil contra empresas de transportes de valores,
45https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/07/1487036-tunel-de-350-metros-e-
descoberto-no-paraguai-pf-suspeita-de- faccao.shtml. Acesso em: 1 ago. 2018.
112
estabeleceu-se, um reforço de segurança na Ponte da Amizade, mediante
incremento dos efetivos da PF e PRF, bem como na região do Rio Paraná e Lago
da usina de Itaipu. A figura 5 ilustra a imagem do local do crime da empresa
Prosegur em Ciudad del Este.
Figura 5. Empresa PROSEGUR após o assalto
Fonte: acervo do NUTEC/DPF/FIG/PR - 2017
Aqui facilmente percebe-se o conceito de coordenação e paralelismo
ínsito da ideia de multidisciplinaridade. A partir dos conhecimentos entre as
equipes policiais de Brasil e Paraguai foi possível agilidade nas ações iniciais.
Na madrugada não foi identificada passagem ou qualquer fuga por esses
locais. Apenas por volta das 12:00 horas do dia 24 de abril de 2017 é que uma
equipe de Policiais Federais do Núcleo Especial de Polícia Marítima –
PF/NEPOM, da Delegacia da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, avistou e
confrontou o primeiro grupo de criminosos no Distrito de São José do Itavó,
município de Itaipulândia. A circunstância demonstrou que os criminosos
113
utilizaram a cidade de Hernandárias, no Paraguai para fuga pelo lago da
repressa de Itaipu.
A figura 6 ilustra a área de fuga dos assaltantes da empresa Prosegur nas
margens do lago de Itaipu.
Figura 6. Locais da fuga dos assaltantes da empresa Prosegur
Fonte: Google. Acesso em: 15/09/2018
No início da operação, foi possível demonstrar a importância das reuniões
anteriores do CT para o êxito inicial das comunicações, pois elas se
estabeleceram de forma ágil e fluida. Naquele mês de abril, as reuniões do CT
eram sediadas no Paraguai.
Na sequência do primeiro confronto, seguiram-se novos embates, com a
chegada de reforços da Polícia Federal e emprego de embarcações e
helicóptero, com localização de outros grupos de criminosos que chegavam por
barcos provenientes do Paraguai.
O acionamento das equipes da Polícia Federal seguiu-se, via atuação
integrada, com emprego de todas as demais forças de segurança da região
(PRF, PM, PC e Guarda Municipal), a partir das informações compartilhadas
114
sobre o possível destino dos criminosos na região de São Miguel do Iguaçu,
localidade onde novos confrontos se seguiram com a morte de três criminosos.
Fundamental a atuação coordenada e convergente (interdisciplinar) entre as
forças internas de segurança.
Durante a fuga, criminosos roubaram veículos, fizeram famílias reféns,
usaram documentos falsos e alguns só foram capturados a cerca de 130
quilômetros da linha de fronteira, na cidade de Cascavel/PR, com prisões em
flagrante realizadas também em Guaíra/PR.
Na tarde do dia 24 de abril de 2017, logo após o primeiro avistamento dos
criminosos e com a necessidade de aprimorar a coordenação das buscas aos
criminosos e evitar troca de tiros entre as diversas equipes policiais que atuavam
nas margens do lago de Itaipu, BR 277 até Cascavel/PR, providenciou-se o
acionamento de uma sala de crises.
Na sala de reuniões da Delegacia da Polícia Federal de Foz do Iguaçu,
foi instalada um Centro de Comando e Controle, na forma utilizada durante os
grandes eventos de 2014 e 2016, com presença dos Comandantes, ou
subordinados diretos com poder de decisão de todas as forças de segurança da
região, bem como de autoridades do país vizinho, inclusive com a presença do
então Ministro da Segurança Interna do Paraguai, Sr. Lorenzo Lezcano Sanchez
e autoridades da Polícia Nacional do Paraguai e da Fiscalia (Ministério Público)
daquele país, além de Policiais da Argentina, pois havia hipótese de fuga para
aquele país.
A sala de crise representa o momento de fixação interdisciplinar dos
esforços coordenados para mitigar os efeitos dos crimes relacionados à ousada
ação da criminalidade organizada transnacional. As forças de segurança
passaram efetivamente a compartilhar meios para a prisão dos autores.
A coordenação pessoal entre os comandantes foi essencial para dividir,
de forma coerente, os esforços policiais entre as cidades da região e principais
rodovias, e surtiu efeito com diversas prisões efetuadas durante o dia e noite de
segunda-feira, 24 de abril de 2017.
Na prática estabeleceu-se uma atuação interdisciplinar, admitiram-se
doutrinas e atuações policiais diversas, inclusive internacionais, agregaram-se
disciplinas policiais de forma convergente para fazer frente ao enorme desafio
115
de buscar os criminosos, equipamentos empregados (armas de fogo
principalmente) e os produtos dos crimes perpetrados.
Diversos processos judiciais que tramitam na Justiça Federal em Foz do
Iguaçu, resumiram a ação da seguinte forma:
A referida Ação Penal versa sobre os fatos relacionados ao noticiado assalto à transportadora de valores "Prosegur", ocorrido na madrugada do dia 24/04/2017, em Ciudad del Este/Paraguai, quando criminosos fortemente armados invadiram a sede daquela transportadora e roubaram elevada quantia em dinheiro (mais de US$ 11 milhões de dólares). Na ação em comento, além de armas de grosso calibre (fuzis de longo alcance, pistolas etc.), foram utilizados explosivos para ter acesso ao dinheiro e barricadas com carros incendiados para conter a polícia. Quando da fuga do local em direção a Hernandarias/Paraguai, os assaltantes espalharam nas ruas dispositivos conhecidos como "miguelitos" - utilizados para furar pneus de veículos/viaturas -, incendiaram vários automóveis, trocaram tiros com a polícia e acabaram por ferir de morte um policial paraguaio. Ato contínuo, parte dos envolvidos no assalto se deslocou, via Lago de Itaipu, utilizando embarcações, até as cidades de São Miguel do Iguaçu/PR e Itaipulândia/PR (que margeiam o Lago de Itaipu). Durante as buscas realizadas na região, houve diversos confrontos e trocas de tiros entre policiais (Policiais Federais, Policiais Rodoviários Federais, Policiais Militares e Policiais Civis) e bandidos, tomada de cidadãos da região como reféns e, também, roubo de veículos. Alguns dos supostos envolvidos foram presos, tendo havido, ainda, a apreensão de diversas armas de grosso calibre, grande soma em dinheiro, celulares, explosivos, munições etc. As buscas continuaram por vários dias, tendo em vista que havia informações de que parte dos envolvidos, quando de suas fugas, havia se embrenhado em matagais e plantações agrícolas da região, ali permanecendo por alguns dias, justamente para se furtarem da ação policial. (evento nº 8 dos autos de exceção de incompetência nº 5007769-72.2017.4.04.7002/PR)
A articulação prévia com as autoridades Paraguaias, construída a partir
do CT, possibilitou o compartilhamento da informação sobre a localização, por
parte da Polícia Nacional, de uma casa em Ciudad del Este que foi utilizada pelos
criminosos como base naquele país na noite de segunda-feira, dia 24/04/2017.
A partir daí e via CT, houve pedido de cooperação policial no sentido que
a Polícia Federal do Brasil periciasse, ainda na madrugada, a residência na
116
procura de impressões digitais e vestígios biológicos aptos a ligar criminosos
brasileiros, principalmente aqueles presos no Brasil.
A figura 7 ilustra a casa em que foi utilizada pelos criminosos em Ciudad
del Este.
Figura 7. Casa utilizada pelos criminosos em CDE
Fonte: acervo do NUTEC/DPF/FIG/PR - 2017
O exame foi fundamental para vincular de forma precisa os diversos
presos detidos no Brasil, bem como para possibilitar, futuramente, a atribuição
de responsabilidade para outros envolvidos.
Os presos no Brasil, naturalmente negavam envolvimento com os fatos
no Paraguai e alguns não portavam sequer materiais que possibilitassem a
vinculação direta deles com os crimes naquele país, como armas, munições ou
valores subtraídos.
A dificuldade foi obter autorização do Ministro da Justiça do Brasil para
que equipe de Peritos e Papiloscopistas da Polícia Federal em Foz do Iguaçu
pudesse atravessar as fronteiras nacionais e realizar perícia na residência em
Ciudad del Este.
A burocrática autorização, como já destacado anteriormente, decorre das
dificuldades erigidas no artigo 95 da lei 8.112/90 que diz que o servidor público
federal não poderá ausentar-se do País para estudo ou missão oficial, sem
autorização do Presidente da República, Presidente dos Órgãos do Poder
Legislativo e Presidente do Supremo Tribunal Federal. A autorização foi
117
delegada atualmente para os Ministros de Estados e cargos equivalentes,
conforme decreto nº 1.387/1995.
Face gravidade dos fatos, foi obtida verbalmente por contato feito pela
Chefia da Delegacia junto à Superintendência da Polícia Federal no Paraná e
Diretoria de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal em Brasília que,
por sua vez, efetuou os contatos superiores dando aval ao deslocamento da
equipe que, durante o final da noite de segunda-feira e toda a madrugada de
terça-feira, dia 25 de abril de 2017, efetuou exames minuciosos na residência
empregada como base da organização criminosa, com a coleta de mais de
200(duzentos) vestígios de DNA e impressões digitais dos autores dos crimes.
Esse foi um terceiro momento muito relevante para a apuração integrada
dos crimes praticados. A ação foi importante, pois: a) permitiu que equipe policial
brasileira atuasse imediatamente às investigações e juntamente com policiais
paraguaios para elucidação dos fatos e garantiu o princípio da oportunidade; b)
possibilitou que, futuramente, os dados obtidos pudessem ser compartilhados
em medida de auxílio direto ponta a ponta e; c) garantiu a vinculação completa
dos suspeitos presos no Brasil com o local de crime com diversos “matchs”
positivos de DNA.
As redes horizontais, representadas e formadas pela firme colaboração
entre as polícias locais, via CT, permitiu tramas fortes e firmes o bastante para
encerrar nas tessituras formadas parte dos criminosos surpreendidos pela união
e disposição das polícias como também assegurou coleta de prova fundamental
ao caso, como foi a perícia feita por policiais federais brasileiros no Paraguai, de
forma integrada com as autoridades daquele país.
Da mesma forma o conhecimento entre as autoridades superiores da
Polícia Federal, com a dinâmica da Triplice Fronteira permitiu que a autorização,
mesmo verbal para os exames no exterior, fluísse rapidamente.
Os dados consolidados pelo Núcleo Técnico-Científico da Delegacia de
Polícia Federal de Foz do Iguaçu (figura 8), com os exames periciais realizados
nos vestígios abandonados no Paraguai e no Brasil, pela equipe de Peritos
Criminais da unidade, possibilitaram estabelecer o seguinte mapa dos vestígios
examinados, que serviram de forma substancial para fortalecer tecnicamente a
responsabilidade dos presos na operação e a dinâmica da atuação da
organização criminosa.
118
Figura 8. Vestígios examinados pelos peritos criminais
Fonte: NUTEC/DPF/FIG/PR – 2017
O exame na casa e nos demais vestígios abandonados no Paraguai e
Brasil permitiu que sete criminosos envolvidos nas ações no Paraguai fossem
identificados e vinculados à ação delituosa.
Outros quatro vestígios localizados e que não tiveram os autores
identificados, foram relacionados ao homicídio de um Agente Federal de
Execução Penal de Catanduvas/PR no ano de 2016, roubo a banco nos Estados
da Bahia e Piauí, além da fuga de um presídio no Estado de São Paulo.
Sem a cooperação imediata e local, estabelecida via CT, dificilmente a
prova pericial colhida seria viabilizada, fundamental para o esclarecimento da
participação dos autores nos crimes apurados.
O caso criminal é o maior da Polícia Federal que envolveu coleta de
vestígios de DNA. Os dados oficiais obtidos junto ao NUTEC/DPF/FIG/PR
demonstram a vultuosidade do caso. No total, em agosto de 2018, foram 457
vestígios já coletados, com 34 perfis de DNA identificados nos vestígios. O
número serve de estimativa para o número de autores envolvidos diretamente
na execução dos crimes, com 109 laudos produzidos pelas unidades da Polícia
Federal46e 33 específicos para DNA.
46 As unidades periciais que atuam no caso são: NUTEC/DPF/FIG/PR, Instituto Nacional de Criminalística – INC; Unidade Técnico Científica da Delegacia da Polícia
119
Em 06 de junho de 2017, com base nas investigações realizadas pela
Polícia Federal juntamente com dados obtidos via Comando Tripartite e demais
polícias brasileiras, o Ministério Público Federal conseguiu denunciar 8 (oito)
brasileiros envolvidos diretamente nos crimes cometidos a partir da empresa
Prosegur no Paraguai por crimes como latrocínio, roubo, uso de documentos
falsos e sequestro ou cárcere privado.
Os relatos da denúncia destacam a atuação integrada das autoridades
policiais brasileiras e resumem a dinâmica dos fatos:
A resposta das Autoridades Policiais brasileira foi rápida, dando-se de forma integrada e unitiva (PF, PRF, PC e PM).Em municípios próximos, como São Miguel do Iguaçu, Itaipulândia e Santa Helena, alguns dos criminosos foram sendo encontrados pelos policiais. Alguns deles, quando estavam próximos de serem abordados pelos agentes, responderam-lhes com fogo, efetuando disparos de arma de cano longo e dando início a perseguições e troca de tiros digna de cenas de filme de ação. Tais agressões contra os policiais brasileiros ocorreram em linha de continuidade ao latrocínio praticado na PROSEGUR, fazendo parte orgânica dele, e, aliás, tais tentativas de matá-los com armas de cano longo, durante a fuga, reprovam ainda mais o crime contra o patrimônio já consumado. Por exemplo, em Itaipulândia, no Porto dos Rocha, por volta das 11h30 do dia 24.04.2017, havia uma dupla de policiais averiguando as redondezas. Um policial avistou, soltas em um local, uma bolsa contendo 3 carregadores de fuzil AK-47, além de algumas roupas. Pouco depois, vários indivíduos, suspeitos, chegaram armados em veículos e perceberam a presença do agente, efetuando contra ele disparos de arma de fogo de cano longo. Houve uma breve troca de tiros. O policial – em situação de desnível de força – se escondeu no matagal, sendo que, na ocasião, ele estava distante do outro agente federal, que estava nas imediações do porto. No desenrolar dessas ações, no mesmo local, vários indivíduos foram sendo resgatados em veículos, como, por exemplo, uma F250. Os dois policiais citados já haviam, na ocasião, solicitado reforço operacional, que, ao chegar de barco, também foi recebido à bala por criminosos que estavam em uma embarcação. Ali, em Itaipulândia, pelo que se pôde perceber, estava havendo um fluxo grande de entrada dos envolvidos no latrocínio paraguaio. Eles foram pegos, em parte, com a “mão na massa.” Para auxiliar os policiais, também chegou ao local um helicóptero. Durante a continuação das buscas, os policiais encontram equipamentos balísticos, carregadores municiados, coletes, roupas e outros objetos. Em sequência, nas proximidades dali, na Fazenda YYYYYY, um dos envolvidos, XXXX, foi capturado pela Polícia Federal em situação comprometedora. Ele disse aos
Federal em Guaíra – UTEC/DPF/GRA/PR e Setor Técnico Científico da Superintendência Regional da Polícia Federal no Paraná (SETEC/SR/PF/PR).
120
policiais onde estavam localizadas as armas, uma parte do dinheiro e outras ferramentas usadas no crime. Foram encontradas, com a sua ajuda, uma bolsa com vários maços de dinheiro e um fuzil. Depois de uma busca complementar, em 25.04.2017, foram encontrados mais alguns maços de dinheiro nas adjacências. No total, a recuperação dos valores pode ser assim dividida: R$ 219.450,00; G$ 733.640.000; e US$ 1.275.030,00. Em outra perseguição, no caso do acompanhamento de uma F250, um Corolla e uma Space Fox em São Miguel do Iguaçu, por volta de 13h30, do dia 24.04.2017, outros Policiais Federais, em legitima defesa, revidavam ataques de arma de fogo que sofriam dos ocupantes daqueles veículos, faziam manobras para não terem os pneus das viaturas furados, e, após os suspeitos desembarcarem dos veículos, conseguiram atingir três deles, que morreram no local: WWWW, ZZZZZZ e MMMM. Outros dois, porém, foram feridos, presos e estão sendo denunciados: DDDD e LLLLL. No curso das buscas, em situações comprometedoras, de elevada suspeita, outros indivíduos foram sendo encontrados andando sozinhos a esmo ou como passageiros de ônibus de linha, em todo caso, não dizendo, com sinceridade, de onde vieram, o que faziam, para onde iam, além de estarem com aparência suja e pequenas escoriações recentes, indicando que estavam vindo de um contexto de fuga após participação no assalto à PROSEGUR. Passemos a uma breve síntese de tais abordagens. Em Cascavel/PR, por volta das 9h30, em 24.04.2017, em frente ao posto da PRF em Cascavel/PR, AAAAA foi abordado na condição de passageiro de um ônibus de linha, e, com base no depoimento de vítimas deum sequestro – ocorrido horas antes –, ele foi apontado como um dos participantes dele; crime esse, de sequestro, que teria ocorrido na madrugada do mesmo dia, em Santa Helena, no calor da fuga em linha de continuidade ao assalto (por volta das 4h). Cabe destacar que ele estava com documento falso e, por causa da sua aparência física, da justificativa inverossímil apresentada e do reconhecimento pelas vítimas do sequestro, não houve dúvidas de que ele tinha estado entre os criminosos. Segundo consta, em rota de fuga, os criminosos sequestraram os trabalhadores de um alojamento em Santa Helena, colocando-os em um veículo da empresa e fazendo um percurso aleatório, aparentemente desconexo, com o fim de despistar qualquer eventual perseguição policial. Pouco a pouco, no curso desse sequestro dos trabalhadores, eles, pequeno grupo de assaltantes da PROSEGUR, foram se pulverizando, libertando os reféns sequestrados; mas, pouco depois, AAAAA não teve sorte, sendo pego no referido ônibus de linha enquanto rumava para Curitiba. Além desse sequestro, houve um outro que é desconexo dele, mas que também foi praticado por um dos autores do latrocínio do Paraguai em rota de fuga. O caso foi em Itaipulândia. Uma família foi sequestrada.(evento 1 da ação penal 5004772-19.2017.4.04.7002).
121
A denúncia foi recebida mediante decisão judicial de 17 de julho de 2017.
A sentença prolatada em 10 de outubro de 2018. Ou seja, menos de dois anos
após o crime a primeira sentença foi proferida, com a condenação de todos os
8(oito) presos e penas fixadas entre 34(trinta e quatro) e 24(vinte e quatro) anos
de reclusão.
Segue trecho da relevante decisão judicial que, aliás, não foi atacada
durante a ação criminal e autorizou compartilhar diretamente os dados da
investigação brasileira com o Paraguai, via CT:
Contudo, dada a peculiaridade dos fatos criminosos em questão, conforme narrou a Autoridade Policial no evento 19, as autoridades paraguaias têm colaborado intensamente com as investigações, "repassando informações e solicitando apoio técnico (como a coleta de material genético, elaboração de laudos periciais, etc.). Esta integração tem apresentado ótimos resultados para a investigação". Da mesma forma, obviamente, há interesse do país vizinho nas informações colhidas pela Polícia brasileira, a fim de que as autoridades paraguaias possam dar andamento às respectivas investigações internas. Por esses motivos, solicitou-se autorização para compartilhamento de dados e informações com o Paraguai, por meio do Comando Tripartite, colegiado formado por autoridades dos países da tríplice fronteira, tendo a Polícia Federal (Brasil) e a Polícia Nacional (Paraguai) como integrantes. Trata-se, pois, de importante iniciativa de colaboração e cooperação entre os países vizinhos, ambos interessados no avanço das investigações e no deslinde de todas as graves ocorrências que advieram do assalto praticado em território paraguaio por indivíduos de nacionalidade brasileira. Diante dessas considerações, autorizo o compartilhamento de informações e elementos probatórios colhidos pelas autoridades brasileiras, no âmbito das investigações relacionadas ao assalto à transportadora de valores PROSEGUR (no Paraguai), com as autoridades do Paraguai, por intermédio do Comando Tripartite da Tríplice Fronteira.[...]” (Evento 29, de 24/05/2017: Processo 5003602-12.2017.4.04.7002).
Confirmada a relevância do CT no compartilhamento das provas para as
complexas apurações criminais realizadas localmente entre Brasil e Paraguai, a
decisão judicial reconheceu, no caso empírico, a possibilidade de cooperações
diretas entre as autoridades policiais dos países envolvidos diretamente na
apuração. Autorizou que as provas fossem compartilhadas via Comando
Tripartite, sem maiores burocracias ou obstáculos representados pelas trocas
diplomáticas ou via órgãos centrais.
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Não fosse a integração, via prática interdisciplinar, de convergência de
ações gestionadas e aperfeiçoadas mediante encontros regulares do CT, o
resultado positivo obtido dificilmente seria alcançado e possivelmente a
competição sobressairia em relação à cooperação. A cooperação policial no viés
interdisciplinar consiste na prática do entendimento entre as forças de
segurança, tanto nacionais como internacionais, na tolerância face diferenças
doutrinárias e de aplicação do trabalho policial e de harmonização dos padrões,
com vontade e decisão de atuar de mãos dadas contra uma criminalidade
transnacional pujante.
Contra o crime organizado transnacional o antídoto são as atuações
policiais ágeis, sintonizadas e transnacionais igualmente organizadas. O crime
organizado não é páreo para Estados Nacionais organizados e colaborativos.
A prática de convergências, com o exemplo da ágil articulação desde os
primeiros momentos da série de crimes realizados e que culminou no exame
pericial por policiais brasileiros, em território paraguaio, reflete a confirmação de
uma das teses apresentadas na pesquisa: para combater os crimes
transnacionais as polícias devem ultrapassar fronteiras e agir cooperativamente.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa respondeu que a interdisciplinaridade fornece pressupostos
passíveis de estabelecer princípios para o trabalho integrado nas regiões de
fronteira. Apresentou um viés interdisciplinar, buscou integrar conceitos da
geografia, como território, territorialidades e fronteiras, com aspectos jurídicos
relativos às cooperações policiais internacionais, sempre numa perspectiva de
liberdade e de superação de barreiras e limites.
Para além da visão de fronteiras como simples encerramentos territoriais,
percebeu-as como porosas e lugares de contato, encontro e convergências,
onde comunidades nacionais diversas realizam trocas culturais e comerciais
com vistas ao desenvolvimento.
Percebeu-se a necessidade de articulações locais e centralizadas para
vencer o desafio da criminalidade transnacional que opera e se protege a partir
das bordas desarticuladas dos Estados Nacionais, cujas legislações dificultam
as colaborações ágeis entre autoridades nas fronteiras.
Como todos os encontros, o resultado pode ser benéfico para as partes
que estabelecem contato ou contrário, a depender do nível de envolvimento e os
propósitos estabelecidos sinceramente de forma cooperada. Colaborações
policiais devem ser estabelecidas a partir de olhares constantes e
compartilhamento de meios, através de uma perspectiva interdisciplinar de
convergência e de coordenação de ações (multidisciplinaridade), com respeito
às diferenças de atuação e doutrinas existentes entre as forças de segurança e
fazer com que tais diferenças, enfeixadas através da interdisciplinaridade e do
diálogo, possibilitem redes com tramas diversas, capazes de atuar e deter uma
criminalidade cada vez mais ousada e sem fronteiras.
Deu-se um tratamento empírico ao estudo, mediante a história e modelo
de atuação de um exemplo prático de cooperação policial local, de fronteira,
denominado Comando Tripartite.
O CT representa este encontro palpável e perceptível da teoria com a
prática, de articulação real em prol da segurança da região da Tríplice Fronteira,
síntese das antigas três fronteiras de Argentina, Brasil e Paraguai, hoje
denominadas no singular como a Tríplice Fronteira, região única cuja intensa
atividade de convergência é passível de criar fusões como representam a
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exploração compartilhada da usina hidrelétrica de Itaipu (dividida entre Brasil e
Paraguai), bem como as belezas naturais das Cataratas do Rio Iguaçu,
partilhadas entre Brasil e Argentina.
A segurança pública da Tríplice Fronteira necessita de convergência e
coordenação a partir de um viés interdisciplinar que considera cada polícia,
nacional ou internacional, como uma disciplina, com necessária união de
esforços a fim de conciliar os saberes, compartilhar informações e realizar uma
vetorização favorável à melhora dos níveis de segurança local, de modo a
favorecer o desenvolvimento geral.
O exemplo local pode e deve ecoar para além das fronteiras regionais e
servir de inspiração para encontros maiores, das diversas instituições que
integram o precoce sistema, que se pretende único de segurança pública
nacional, e, para além da Tríplice Fronteira, irradiar seu modelo a outros
encontros transfronteiriços.
Comprovou-se que ultrapassar a disciplinarização do conhecimento e da
atuação policial – principalmente em regiões de fronteira – é fundamental para
fazer frente a uma criminalidade transnacional que não reconhece, tampouco
respeita, as fronteiras dos Estados Nacionais.
Para vencer a criminalidade transnacional, é de todo mister que as
polícias sejam cada vez mais internacionais e as fronteiras representem espaços
de encontro e não barreiras ao agir integrado policial.
É necessária a articulação de políticas e estratégias centrais que facilitem
o trabalho local em fronteiras, ultrapassando-se fronteiras imateriais, legislações
e acordos internacionais virtuais, notadamente no MERCOSUL, que não
avançam para a efetividade e eficácia.
O estudo de caso evidenciou e corroborou a necessidade de ampla
articulação e integração entre as forças policiais nas regiões limítrofes e que tal
integração é gradativa, paulatina e inicia-se a partir de encontros regulares,
compartilhamento de dados, atitudes e meios que, gradualmente, favoreceram
o estabelecimento de redes horizontais, com malhas precisas e fortes para deter
a criminalidade.
A pesquisa demonstrou, embasada em uma decisão judicial proferida no
caso concreto, que as cooperações diretas entre polícias devem ser favorecidas
e escolhidas em detrimento das antigas cooperações pelas vias diplomáticas e
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através de órgãos centrais nas capitais e deixar os órgãos centrais apenas
cientes das estatísticas e daquilo que previamente já foi difundido.
Faz necessário incentivar a formação compartilhada dos saberes e
doutrinas policiais, com um currículo básico comum que estimule diálogos
interdisciplinares e saberes partilhados, com investimento em cursos e
academias interdisciplinares, locais onde profissionais das diversas forças de
segurança possam ser formados e aperfeiçoados conjuntamente.
A cultura interdisciplinar, iniciada a partir do protagonismo das ciências e
das Universidades, surge como premissa que pode ser adotada como início de
uma teoria geral do trabalho policial integrado, como norte para melhor integrar
as Polícias na busca de um efetivo agir compartilhado, tanto internamente, no
Brasil, como internacionalmente, a partir do estabelecimento de ágeis redes de
cooperação policial internacional nas fronteiras, como é o caso de sucesso do
CT, num movimento que vai das bordas territoriais para os centros políticos-
administrativos.
É necessário desenvolver, desde a formação profissional do operador e
gestor de segurança pública no Brasil e nos demais países, habilidades
interdisciplinares com aperfeiçoamento das capacidades de trabalho em
conjunto com organizações diversas, investindo-se na capacitação continuada,
no compartilhamento de meios e da união em ações de segurança.
A interdisciplinaridade, entretanto, não pode ser confundida com a opção
generalista de todos, fazendo tudo, e sim de aglutinar os especialistas em áreas
diversas, como policiamento de segurança (preventivo) e policiamento de
investigação (repressivo) para, a partir do diálogo, estabelecimento de
protocolos e compartilhamento de informações, criar condições propícias ao
enfrentamento de uma criminalidade transnacional.
Demonstrou-se que a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa
Social (PNSPDS) e o Sistema Único de Segurança Pública no Brasil(SUSP)são
ainda um esboço recente, consubstanciado a partir da lei 13.675/2018, mas com
fundamento na Constituição Federal de 1988, que tem como norte um grande
desafio interdisciplinar da convergência e coordenação não só do trabalho
policial, mas, antes disso, dos sistemas de educação e trabalho e da articulação
do sistema de justiça e execução penal.
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Agir para além dos “quadrados” disciplinares estipulados pela repartição
de competências e atribuições deve ser o primeiro desafio a ser enfrentado, com
coragem, ânimo e resiliência, por aqueles dispostos a um olhar para além do
monóculo da formatação disciplinar.
Para realizar o salto, é necessário dar as mãos e andar de forma
convergente, admitindo-se as diferentes funções e atribuições não como
características que separam, mas, sim, como faces que se complementam.
A metodologia de Comando e Controle proposta pela Secretaria Nacional
de Segurança Pública (SENASP), baseada no modelo gestionado a partir dos
Grandes Eventos sediados no Brasil nos anos de 2014 e 2016, atualmente
denominada de Sistema Integrado de Coordenação, Comunicação, Comando e
Controle de Segurança Pública e Defesa Social (SIC4) é modelo para a
materialização de uma Política de Segurança Pública no Brasil, com realização
do ideal de integração proposto no recente Sistema Único de Segurança Pública
(SUSP).
A estrutura dos Centros Integrados, com reuniões regulares e atuações
conjuntas, tanto no aspecto interno como internacional (com ênfase nas
fronteiras) é modelo ideal para o enfrentamento da criminalidade organizada
transnacional, de forma a romper barreiras e isolacionismos e favorecer o
entendimento e sinergia em prol do aprimoramento da segurança.
A pesquisa não se esgota; o prosseguimento dos estudos sobre as
cooperações policiais nas regiões de fronteira pode avançar, no âmbito do CT,
com a análise quantitativa e qualitativa das mais de duzentas e setenta atas das
reuniões mensais realizadas desde 1996, análise dos discursos e mensuração
dos principais temas tratados durante os anos de atuação.
Quanto às cooperações policiais internas, o desafio de construir um
efetivo Sistema Único de Segurança Pública para o Brasil, recém estabelecido,
a partir de uma jovem Política Nacional de Segurança certamente renderá muitas
possibilidades de pesquisa.
A aplicação da interdisciplinaridade para o trabalho policial certamente
permitirá grandes evoluções nos estudos da Segurança Pública, pois assim
como nas Universidades a ciência necessita da convergência de profissionais
diversos para fazer frente a perguntas e objetos de pesquisa complexos, na área
da segurança e do sistema de Justiça Criminal.
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A união de conhecimentos e expertises, na forma da interdisciplinaridade,
permitirá o êxito de investigações em face da criminalidade organizada nacional
e transnacional.
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ANEXO I
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139
140
141
142
143
ANEXO II
144
ANEXO III
145
ANEXO IV
146
147
148
149
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