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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
JULIANA PEREIRA SOARES
A RECEPÇÃO DO INSTITUTO DA ADOÇÃO NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO
Belo Horizonte – Minas Gerais
2012
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JULIANA PEREIRA SOARES
A RECEPÇÃO DO INSTITUTO DA ADOÇÃO NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais para obtenção do grau de Mestre em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Giordano Bruno Soares Roberto.
Belo Horizonte – Minas Gerais
2012
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___________________________________________________________ Soares, Juliana Pereira S676r A recepção do instituto da adoção no direito civil brasileiro / Juliana Pereira Soares. – 2012. 185 f. Orientador: Giordano Bruno Soares Roberto Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito. 1. Código civil [Brasil (1916)] 2. Direito civil – Teses 3. Adoção - História - Portugal 4. Adoção – História – Brasil - Século XIX 6. Legitimação I. Roberto, Giordano Bruno Soares II. Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito III. Título. CDU: 347.633(81) ___________________________________________________
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
A dissertação intitulada A RECEPÇÃO DO INSTITUTO DA ADOÇÃO NO DIREITO
CIVIL BRASILEIRO, elaborada por JULIANA PEREIRA SOARES, foi avaliada como
requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito, tendo sido
___________________________________________________________________________.
BANCA EXAMINADORA:
___________________________________ ___________________________
Prof. Dr. Giordano Bruno Soares Roberto
(Orientador)
___________________________________ ___________________________
Prof.
(Avaliador)
___________________________________ ___________________________
Prof.
(Avaliador)
2012
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DEDICATÓRIA
Dedico esta dissertação à minha mãe:
Pelo seu apoio incondicional às minhas
escolhas e decisões;
Pela sua força nos momentos mais difíceis;
Pelo seu incentivo, do início ao fim;
Pela sua companhia, dia e noite;
Pela sua colaboração, cotidianamente;
Pela sua paciência, principalmente nos
momentos em que eu perdi a minha;
Pelas suas orações, pois sem elas isso não seria
possível.
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AGRADECIMENTOS
Enfim, missão cumprida. Depois de uma longa jornada é hora de agradecer a todas as
pessoas que contribuíram para a concretização deste sonho.
Primeiramente quero agradecer a pessoa que acreditou, desde o início, na sua
realização e que me conduziu durante todo o percurso: o meu orientador, professor Giordano
Bruno Soares Roberto.
A ele agradeço pela confiança no meu trabalho e pela compreensão das minhas
limitações. Agradeço pelas orientações durante todo o curso, pelos seus ensinamentos, pela
sua disponibilidade e por me proporcionar a experiência docente, um sonho de infância.
Agradeço-lhe, ainda, a oportunidade de participar dos grupos de pesquisas de
Metodologia do Ensino e de História do Direito, bem como de integrar a equipe técnica do
Projeto de Pesquisa em História do Direito Civil Brasileiro, com o apoio do CNPq para o
desenvolvimento das atividades.
Em especial, agradeço-lhe pela oportunidade de conciliar a experiência do estágio
docente com a minha experiência profissional por meio das aulas no curso de Direito da
disciplina Serviços Notariais e de Registro.
Não posso deixar de agradecer à SERJUS-ANOREG/MG, na pessoa de seu atual
presidente, Roberto Dias de Andrade, instituição onde trabalhei e que permitiu o
desenvolvimento e o cumprimento de todas as minhas atividades acadêmicas.
Agradeço à Isabela, minha colega de mestrado, pela amizade e pelo companheirismo,
por dividir comigo as tarefas acadêmicas, as dúvidas, as ansiedades, as dificuldades e também
as muitas alegrias.
Agradeço aos meus professores Antônio Martinez, Brunello, Maria Fernanda, Miracy
e Mônica pelos valiosos ensinamentos; e a todos os amigos que fiz nesta trajetória, por
compartilhar momentos de angústias e de realizações.
Agradeço ao pessoal da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e da Biblioteca da
Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais e, especialmente, ao pessoal do Arquivo
Público Nacional do Rio de Janeiro pela colaboração e pelo auxílio nas pesquisas.
Preciso fazer alguns agradecimentos à parte: à Cristiane Baeta pelas aulas de inglês,
realizadas no curto horário do almoço, mas que foram fundamentais para a aprovação no
processo seletivo; à Ariadne pela colaboração na revisão do projeto; ao Daniel Carvalho e à
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Mariana Armond, pelas inúmeras colaborações e dicas de pesquisa e à Emiliana e à Bárbara,
pelo auxílio, pela companhia, pela amizade e pelas orações.
Agradeço ao meu pai, a todos os familiares e amigos pelo apoio e incentivo.
Agradeço, especialmente, ao meu irmão e à minha mãe. Eles acompanharam, de perto,
todas as fases desta trajetória.
Ao meu irmão, agradeço pela colaboração! Quando meu computador apresentava
problemas técnicos, bem naquelas horas críticas, ele, vendo o meu desespero, ajudava-me.
Agradeço-lhe ainda pela compreensão e paciência, principalmente diante do meu nervosismo.
À minha mãe agradeço pelo incentivo, pela força, pela companhia nas noites em claro
e nas viagens, pela colaboração na correção do texto... Se eu fosse enumerar aqui tudo o que
ela fez por mim, só neste período, os agradecimentos seriam maiores que a dissertação.
Agradeço-lhe por tudo!!!
E, sobretudo, agradeço a Deus!
Obrigada, Senhor:
Pela força nos momentos difíceis;
Pela serenidade nos momentos de turbulência;
Por fazer-me prosseguir quando pensei que não pudesse mais;
Pelas pessoas iluminadas colocadas em meu caminho;
Pela família maravilhosa, que sempre esteve ao meu lado;
Pela minha resistência física, que me possibilitou chegar ao final;
Por me fazer acreditar nos sonhos;
Por me possibilitar viver este momento;
Enfim, por mais este milagre em minha vida!
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RESUMO
A presente dissertação busca verificar o modo como o instituto da adoção foi
recepcionado no direito civil brasileiro.
Considerando a colonização do Brasil e a formação do Estado brasileiro, inicialmente,
contextualiza o ordenamento jurídico abordando a história do direito português e o tratamento
jurídico dado à adoção em Portugal.
Em seguida, destaca e analisa as normas relativas à adoção vigentes no Brasil, no
período compreendido entre a sua independência política e o surgimento do seu primeiro
Código Civil. Posteriormente, aborda o posicionamento de juristas brasileiros da época e, com
base em documentos localizados no Arquivo Público Nacional do Rio de Janeiro, analisa a
prática da adoção na Corte Imperial brasileira na segunda metade do século XIX.
Por fim, estuda o modo como o desenvolvimento do instituto da adoção repercutiu no
primeiro Código Civil brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE: Brasil; Século XIX; Adoção; Legitimação; Perfilhação; Código
Civil.
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ABSTRACT
This work aims to verify how the institution of adoption was approved in Brazilian
civil law.
Considering the colonization of Brazil and the formation of the Brazilian
state, initially, it contextualizes the legal system covering the history of Portuguese law
and the legal treatment given to the adoption in Portugal.
Then, it highlights and analyzes the existing rules relating to adoption in Brazil in the
period between its political independence and the emergence of its first Civil Code. Later, it
addresses the positioning of Brazilian jurists of the time and, based on records located in the
National Public Archives of Rio de Janeiro, it analyzes the practice of adoption in the
Brazilian Imperial Court in the second half of the nineteenth century.
Finally, the present work studies how the development of the institution of
adoption affected the first Brazilian Civil Code.
KEYWORDS: Brazil; Nineteenth Century; Adoption; Legitimation; Affiliation; Civil Code.
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NOTA EXPLICATIVA
Inicialmente é necessário fazer duas observações sobre as citações contidas nesta
dissertação: a primeira se refere à linguagem e a segunda ao método de referências utilizado.
Este trabalho contém muitas citações de obras antigas bem como de documentos
manuscritos escritos em português arcaico. Assim, para facilitar a leitura, optou-se pela
utilização da língua portuguesa atual, uma vez que esta dissertação não tem objetivos
linguísticos. A finalidade das citações realizadas é o conhecimento do conteúdo e não da
forma. Contudo, manteve-se nas citações a pontuação original dos textos das obras.
Com relação às referências, optou-se por fazê-las por meio de notas de rodapé ao invés
de utilizar o sistema autor-data, com a finalidade de facilitar a remissão e o conhecimento das
fontes utilizadas.
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ABREVIATURAS
APNRJ – Arquivo Público Nacional do Rio de Janeiro
Art. – Artigo
Arts. – Artigos
CC – Código Civil de 1916
D. – Dom
Dec. – Decreto
Dr. – Doutor
L. – Livro
Ord. – Ordenações Filipinas
T. – Título
§. – Parágrafo
§§. – Parágrafos
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................13
CAPÍTULO 1
A HERANÇA PORTUGUESA .............................................................................................26
1.1 O ordenamento jurídico português no período da independência do Brasil ......................27
1.2 O instituto da adoção nas Ordenações Filipinas ...............................................................40
1.3 O instituto da adoção no direito romano ............................................................................71
1.4 O instituto da adoção na civilística portuguesa ..................................................................83
CAPÍTULO 2
A LEGISLAÇÃO CIVIL BRASILEIRA DE 1822 A 1916 ................................................94
2.1 As Ordenações Filipinas e o direito romano no Brasil ......................................................94
2.2 O instituto da adoção nas leis esparsas brasileiras .............................................................98
CAPÍTULO 3
A CIVILÍSTICA BRASILEIRA NO PERÍODO IMPERIAL ........................................109
3.1 Lourenço Trigo de Loureiro .............................................................................................110
3.2 Antônio Joaquim Ribas ....................................................................................................119
3.3 Augusto Teixeira de Freitas .............................................................................................121
3.4 Lafayette Rodrigues Pereira .............................................................................................129
CAPÍTULO 4
A PRÁTICA DA ADOÇÃO NO PERÍODO IMPERIAL BRASILEIRO ......................133
CAPÍTULO 5
O INSTITUTO DA ADOÇÃO NO CÓDIGO CIVIL DE 1916 .......................................150
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CONCLUSÃO ......................................................................................................................174
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................176
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INTRODUÇÃO
A adoção já foi objeto de estudos de vários pesquisadores, das mais diversas áreas.
No campo da História, existem pesquisas que abordam a história do instituto e sua
relação com o abandono de crianças, os tipos de instituições de assistência e a forma de
acolhimento dos menores abandonados.
Na área do Direito não é diferente. Também há inúmeros trabalhos sobre o
desenvolvimento e regulamentação jurídica da adoção. Contudo, estes trabalhos focam o
contexto jurídico do instituto a partir do século XX, mais precisamente, a partir do Código
Civil brasileiro de 1916, considerado por muitos pesquisadores, historiadores e juristas, como
o primeiro estatuto da adoção.
Mas historiadores e juristas, embora estudem a adoção sob focos distintos, traçam em
seus trabalhos alguns pontos comuns com relação à história do instituto.
Destaca-se o fato de uns e outros, ao tratarem do assunto, afirmarem que, após um
período de apogeu, a adoção entrou em declínio, passando pelos séculos XVIII e XIX como
instituto obsoleto.
Nesse sentido, historiadores identificaram uma periodização da prática da adoção ao
longo dos séculos: do período romano até meados do século XVII, o instituto da adoção teria
passado por apogeu, declínio e extinção, retornando, no século XX, em vários códigos civis
do mundo. 1
Alessandra Zorzetto Moreno destaca que a adoção se desenvolveu a partir dos institutos
jurídicos romanos. Segundo a historiadora, “a ausência de filhos como incentivo à adoção
estava ligada à tradição jurídica romana, onde ela era utilizada para garantir a perpetuação do
culto doméstico, o nome e as tradições familiares de indivíduos sem descendentes.” 2
No direito romano antigo, a perpetuação da família e do culto doméstico foram as
fontes do instituto da adoção. A mesma religião que obrigava o pater familia a se casar e que
1 BOCHNIA, Simone Franzoni. Da adoção: Categorias, paradigmas e práticas do Direito de Família. Dissertação de mestrado na área Interinstitucional nas Áreas de Concentração de Direitos Humanos e Democracia apresentada à Universidade Federal do Paraná. 2008. p. 17/18. 2 MORENO, Alessandra Zorzetto. “Vivendo em lares alheios”: acolhimento domiciliar, criação e adoção na cidade de São Paulo (1765-1822). Tese de doutorado apresentada ao departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. 2007. p. 263.
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permitia o divórcio em casos de esterilidade oferecia à família romana o recurso da adoção
para evitar a “desgraça” de sua extinção e da extinção de seu culto doméstico. 3
Conforme Vandick Londres da Nóbrega, no direito romano antigo, “a família
compreendia o conjunto de pessoas que se encontravam sob o poder e proteção do mesmo
chefe”, estando estas pessoas ligadas pelo parentesco agnatício, ou seja, unidas pela
comunidade do culto. 4
Assim, o filho nascido de uma mulher que não tinha sido associada ao culto doméstico
pela cerimônia do casamento não tinha o direito de participar dos sacrifícios e solenidades ante
o altar dos deuses lares. Não havia, pois, parentesco agnatício entre o filho natural e o pai,
salvo se este, por meio da adoção, introduzisse o filho natural na família, tomando-o sob sua
autoridade. 5
Mas a noção de família não foi a mesma em todas as fases do direito romano. 6
Vandick Londres da Nóbrega afirma que a família romana na época clássica foi
caracterizada pela decadência do parentesco agnatício e pelo fortalecimento do parentesco
sanguíneo. 7
Conforme o autor, no direito clássico, os filhos que não tivessem nascido de um
casamento legítimo não tinham nenhuma relação com o pai. Assim, uma vez que os direitos de
paternidade não eram reconhecidos aos filhos naturais, “o pai que quisesse amparar o filho
natural podia usar do recurso da adoção”. 8
Vandick Londres da Nóbrega ressalta que o Cristianismo não reconhecia as uniões fora
do casamento e que, por isso, as adrogações de filhos naturais foram proibidas. Segundo o
autor:
3 COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga: Estudos sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma. Trad. de Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. São Paulo: HEMUS, 1975. p. 44. 4 NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1955. p. 160. 5 COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga: Estudos sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma. Trad. de Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. São Paulo: HEMUS, 1975. p. 44. 6 NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1955. p. 160. 7 NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1955. p. 161. 8 NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1955. p. 521.
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“(...) O cristianismo, que não reconhecia as uniões fora do casamento legítimo, proibiu as ad-rogações de filhos naturais. Depois de Constantino, comenta Janeau, a adrogação se fazia por meio de rescrito do príncipe e já havia indícios da evolução que, sob influência de tradições jurídicas estranhas ao direito clássico, desfigurou pouco a pouco a adoção romana. Com Constantino, prossegue Janeau, delineia-se o aparecimento, tímido ainda, de uma legitimação por casamento subseqüente que vai influir sobre o regime da ad-rogação dos filhos naturais, mas não o fará desaparecer. A ad-rogação só seria permitido, quando o casamento fosse possível.” 9
Assim, conforme ensina o autor, com o fortalecimento do parentesco sanguíneo, no
direito romano de Justiniano, ocorreu a extinção da família agnatícia e surgiu a noção de
família “com fundamento na comunidade de origem”. 10
Vandick Londres da Nóbrega destaca que Justiniano, em 519, proibiu a adrogação
como forma de legitimar os filhos naturais e que, na novela 74, estabeleceu que “os filhos
naturais podiam ser legitimados por meio de um rescrito imperial, desde que determinadas
condições fossem preenchidas”, mesmo se o casamento não pudesse ser realizado. 11
Assim, Vandick Londres da Nóbrega destaca que no, direito justinianeu, a cognação
não mais resultava apenas da filiação legítima. Conforme o autor:
“A cognação, acentua Cuq, resulta não somente da filiação legítima, da adoção, do nascimento fora do casamento, de uma mãe cidadã romana ou escrava, mas também do concubinato, de legitimação pelo casamento subsequente ou por rescrito do príncipe.” 12
Portanto, conforme Vandick Londres da Nóbrega, “o instituto da legitimação não era
conhecido na época clássica, pois apareceu sob a influência do cristianismo, que combatia o
concubinato”. 13
9 NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1955. p. 523. 10 NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1955. p. 161. 11 NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1955. p. 524. 12 NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1955. p. 161. 13 NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1955. p. 523.
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Assim, pode-se afirmar que a prevalência do parentesco sanguíneo acarretou
transformações no instituto da adoção. Este passou a existir paralelamente às legitimações,
desenvolvendo, ao seu lado, novos contornos jurídicos durante a Idade Média.
Com relação à prática da adoção no período medieval, Simone Franzoni Bochnia
destaca que “a doutrina é bastante contraditória na questão da adoção durante a Idade Média e
pouco se escreveu sobre o tema”. 14
Quanto à afirmação de que o instituto da adoção estava em desuso no referido período,
a autora ressalta que “talvez a causa para a queda do instituto tenha sido o Direito Canônico,
sob a influência do Cristianismo”. 15
Sobre a influência do direito canônico na prática do instituto da adoção na Idade
Média, Valdir Sznick ressalta que o “direito canônico, até certo ponto, combateu o instituto da
adoção”. Segundo o autor, “o direito canônico reconhecia a adoção como instituto legítimo
para transmitir a herança”, mas não chegou a prevê-la na legislação canônica. 16
Caio Mário da Silva Pereira destaca que “a consolidação do cristianismo fez
recrudescer a severidade no tratamento dos filhos naturais”. O autor, baseando-se em Waël,
destaca que “a Igreja, mais forte, pune nos bastardos as relações pecaminosas dos seus
autores”. 17
Baseando-se em todo esse contexto, Maria Luiza Marcílio afirma que “a adoção foi
praticamente banida das legislações ocidentais, desde a Idade Média, por iniciativa da
Igreja”.18
No mesmo sentido, Guilherme Gouvêa Pícolo destaca a influência dos valores cristãos
e afirma que essa “falta de previsão legal não era mero acaso ou simples imperícia do
legislador”. Segundo o autor:
14 BOCHNIA, Simone Franzoni. Da adoção: Categorias, paradigmas e práticas do Direito de Família. Dissertação de mestrado na área Interinstitucional nas Áreas de Concentração de Direitos Humanos e Democracia apresentada à Universidade Federal do Paraná. 2008. p. 17/18. 15 BOCHNIA, Simone Franzoni. Da adoção: Categorias, paradigmas e práticas do Direito de Família. Dissertação de mestrado na área Interinstitucional nas Áreas de Concentração de Direitos Humanos e Democracia apresentada à Universidade Federal do Paraná. 2008. p. 17/18. 16 SZNICK, Valdir. Adoção. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda, 1988. p. 13/15. 17 WAËL, Droit des Enfants Naturels Reconnus. p. 10. in: PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Direito de Família. v. V. 11ª. ed. Rio de Janeiro, 1999. p. 189. 18 MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada. São Paulo: Editora Hucitec, 2006. p. 301.
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“(...) Na verdade, Portugal e a Europa em geral viviam a consolidação de valores religiosos cristãos (católicos e protestantes), que à época instilavam um sentimento de repúdio à adoção. Como nos conta a historiadora Kristin Gager, o pensamento comum da época, inclusive o difundido nos meios intelectuais, era o de que a adoção tratava-se de um desvio, uma perversão às leis da natureza, até porque a incapacidade de gerar filhos “naturais”, quer pela esterilidade ou outras circunstâncias, se adequava aos muitos critérios para definição de “bruxaria” pelo Santo Ofício. Além disso, a questão da consanguinidade era encarada como um pilar inamovível numa sociedade monárquica e rígida, cujos critérios de poder se baseavam nos laços de sangue. Com certeza, seria uma ameaça grave ao status quo, àquela época, aventar a possibilidade de se admitir a presença de um filho “ilegítimo” para concorrer aos direitos sucessórios e desviar o patrimônio da família de sua estrita ligação ao vínculo sanguíneo. Os receios acerca de eventuais problemas na transmissão de bens decorrentes de herança também obstou o desenvolvimento amplo da adoção enquanto instituto jurídico no Brasil dos séculos XVIII e XIX.” 19
Simone Franzoni Bochnia destaca ainda que, naquela época, “aconteciam
infanticídios, abortos, nascimentos clandestinos e abandono de crianças oriundas de
nascimento de filho ilegítimo, decorrentes da forte reprovação religiosa e social”. 20
Nesse contexto, vale destacar que a Igreja Católica, diante de seus valores, condenava o
infanticídio e o aborto, mas tolerava o abandono de crianças. Por isso, a Igreja buscou
alternativas para proteger os menores abandonados. 21
Maria Luiza Marcílio destaca que, no século XIII, “foram introduzidas algumas
distinções em alguns códigos civis e eclesiásticos para tornar os pais responsáveis no caso de
uma criança morrer como resultado do abandono”. 22 Contudo, a autora destaca a opinião de
John Boswell, segundo a qual essa preocupação estava mais relacionada ao medo das crianças
abandonadas morrerem sem receberem o sacramento do batismo. 23
19 PÍCOLO, Guilherme Gouvêa. Precedentes históricos da adoção luso-brasileiro. Artigo disponível em: http://www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-civil/232394-precedentes-historicos-da-adocao-no-sistema-luso-brasileiro . 20 BOCHNIA, Simone Franzoni. Da adoção: Categorias, paradigmas e práticas do Direito de Família. Dissertação de mestrado na área Interinstitucional nas Áreas de Concentração de Direitos Humanos e Democracia apresentada à Universidade Federal do Paraná. 2008. p. 17/18. 21 MARCÍLIO, Maria Luiza. A criança abandonada na história de Portugal e do Brasil. in: VENÂNCIO, Renato Pinto (org.). Uma história social do abandono de crianças: de Portugal ao Brasil: Séculos XIII-XX. São Paulo: Alameda/Editora PUC Minas, 2010. p. 21. 22 MARCÍLIO, Maria Luiza. A criança abandonada na história de Portugal e do Brasil. in: VENÂNCIO, Renato Pinto (org.). Uma história social do abandono de crianças: de Portugal ao Brasil: Séculos XIII-XX. São Paulo: Alameda/Editora PUC Minas, 2010. p. 21/22. 23 BOSWELL, John. in: MARCÍLIO, Maria Luiza. A criança abandonada na história de Portugal e do Brasil. in: VENÂNCIO, Renato Pinto (org.). Uma história social do abandono de crianças: de Portugal ao Brasil: Séculos XIII-XX. São Paulo: Alameda/Editora PUC Minas, 2010. p. 21/22.
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Entre os séculos XIII e XV, intensificou-se a assistência à infância abandonada com a
criação de algumas instituições de caridade. Citam-se os hospitais, como as Santas Casas de
Misericórdia, nas quais havia um cilindro rotatório para abandonar as crianças, que ficou
conhecido como a Roda dos Expostos. 24
A partir do século XVI, oficializou-se a atribuição das autoridades de prestar
assistência aos expostos, sendo criadas instituições financiadas pelas Câmaras Municipais
(Conselhos). 25
Com relação a esse período, Maria Luiza Marcílio ressalta que:
“Como o Estado, na maioria dos países católicos do Antigo Regime (e mesmo em vários deles, até o século XIX), esteve ligado à Igreja, a proteção ao pequeno desvalido foi também apoiada pelo Estado, o que ocorreu em Portugal e no Brasil independente. Este apoio se traduziu na criação de leis de proteção social, na fundação e manutenção de instituições de amparo, na construção de doutrinas de assistência, no pagamento de amas de leite.” 26
Em Portugal, desde as Ordenações Manuelinas, atribuiu-se às Câmaras Municipais a
responsabilidade pela criação das crianças abandonadas. Esse sistema de criação chegou, no
século XVII, às Ordenações Filipinas, que também regulamentaram a criação de órfãos e
expostos. 27
Renato Pinto Venâncio destaca que esse sistema de assistência à infância abandonada e
de criação de órfãos e expostos foi mantido no Brasil. 28
Segundo o historiador, no Rio de Janeiro, a referência mais remota a respeito de um
hospital Santa Casa de Misericórdia é datada de 1582, tendo a assistência aos expostos através
da Roda iniciada apenas no ano de 1738. 29
24 Sobre a história do abandono de crianças ver: MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada. São Paulo: Editora Hucitec, 2006. 25 MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada. São Paulo: Editora Hucitec, 2006. p. 113/114. 26 MARCÍLIO, Maria Luiza. A criança abandonada na história de Portugal e do Brasil. in: VENÂNCIO, Renato Pinto (org.). Uma história social do abandono de crianças: de Portugal ao Brasil: Séculos XIII-XX. São Paulo: Alameda/Editora PUC Minas, 2010. p. 21. 27 MARCÍLIO, Maria Luiza. A criança abandonada na história de Portugal e do Brasil. in: VENÂNCIO, Renato Pinto (org.). Uma história social do abandono de crianças: de Portugal ao Brasil: Séculos XIII-XX. São Paulo: Alameda/Editora PUC Minas, 2010. p. 22/23. 28 VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias abandonadas: Assistência à criança de camadas populares no Rio de Janeiro e em Salvador – Séculos XVIII e XIX. Campinas, SP: Papirus, 1999. p. 34.
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Contudo, importante destacar que o referido sistema de criação de órfãos e expostos,
regulamentado pelas Ordenações Filipinas, pelo qual se dava o encaminhamento dessas
crianças a diversas famílias para serem criadas e educadas, não se identificava com o instituto
da adoção.
Assim, considerando a regulamentação da criação de órfãos e enjeitados pelas
Ordenações Filipinas e a quase inexistência de dispositivos filipinos destinados a disciplinar a
adoção, muitos historiadores chegaram a afirmar que este instituto passou por uma fase de
declínio, chegando à extinção.
Nesse sentido, Maria Luiza Marcílio afirma que “sem o estatuto da adoção – que surgiu
na legislação brasileira, apenas no século XX – só se podia adotar uma criança informalmente,
como filhos de criação, sem direito à sucessão”. 30
Da mesma forma, juristas afirmaram a decadência e a inexistência da adoção nos
séculos XVIII e XIX, respectivamente.
Guilherme Gouvêa Pícolo cita o posicionamento do jurista português Mário Júlio de
Almeida Costa, segundo o qual “(em Portugal) desde a segunda metade do século XVII, a
adoção perdeu todo o seu alcance prático, para mais tarde desaparecer mesmo da exposição
teórica dos autores. O Código de 1867 omitiu-a inteiramente.” 31
No Brasil, alguns juristas do oitocentos também compartilharam este entendimento.
Destaca-se, por exemplo, Lafayette Rodrigues Pereira, que sequer chegou a tratar da adoção
em sua obra Direito de Família, publicada pela primeira vez no ano de 1869.
Ao que tudo indica, esses e outros juristas que compartilharam o mesmo entendimento
fundamentaram as suas afirmações na ausência de uma regulamentação jurídica específica
sobre o instituto da adoção no século XIX.
Essa ausência de regulamentação jurídica específica pode ser o motivo pelo qual o
estudo da adoção no Brasil seja destacado somente depois do início da vigência do Código
Civil de 1916, focando as respectivas legislação e doutrina a partir de então.
Mas estudos acerca da adoção no Brasil no século XIX são fundamentais para a
compreensão do instituto e da própria história do direito civil brasileiro.
29 VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias abandonadas: Assistência à criança de camadas populares no Rio de Janeiro e em Salvador – Séculos XVIII e XIX. Campinas, SP: Papirus, 1999. p. 25. 30 MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada. São Paulo: Editora Hucitec, 2006. p. 301. 31 COSTA, Mario J. A. A Adoção na História do Direito Português. Separata da Revista Portuguesa de História, tomo 12, Coimbra, Tip. Atlântica, 1965. in: PÍCOLO, Guilherme Gouvêa. Precedentes Históricos da Adoção no Sistema Luso-Brasileiro. Artigo disponível em http://www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-civil/232394-precedentes-historicos-da-adocao-no-sistema-luso-brasileiro.
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Nesta perspectiva, a presente dissertação tem o intuito de contribuir para o
aprofundamento dos estudos sobre a adoção no Brasil, particularmente, no período
compreendido entre a sua independência política e a publicação do Código Civil de 1916.
O século XIX foi um período de extrema relevância para o país. Período de sua
independência política e da Proclamação da República. Período de estruturação do Estado e
da formação do direito nacional, não apenas no campo do Direito Público, mas também do
Direito Privado.
Um período que, conforme se pretende demonstrar, também contribuiu para o
desenvolvimento do instituto da adoção.
As Ordenações Filipinas, que passaram a vigorar no Brasil após a sua independência,
não regulamentaram completamente a adoção. Apenas fizeram menção ao instituto por meio
da palavra “perfilhação”.
Pode-se dizer também que não surgiram muitas legislações brasileiras dedicadas ao
tratamento do instituto entre os anos de 1823 e 1916.
Assim, diante da escassez de normas jurídicas brasileiras sobre a adoção no século
XIX, um estudo sobre como o instituto era regulamentado no referido período se mostra
extremamente importante.
O fato de existirem afirmações de que no oitocentos o instituto da adoção estava em
desuso, ou que tinha sido extinto, não retira a relevância do presente trabalho. Pelo contrário,
ele contribuirá no sentido de demonstrar elementos jurídicos que motivavam ou desmotivavam
a prática da adoção no século XIX.
Tratando-se de um trabalho de história do direito, o seu desenvolvimento é baseado no
entendimento de António Manuel Hespanha, para o qual a história do direito deve ser
considerada não como um discurso legitimador do direito, mas como uma forma crítica de
saber formativo. 32
Nas palavras de António Manuel Hespanha:
“(...) a missão da história do direito é antes a de problematizar o pressuposto implícito e acrítico das disciplinas dogmáticas, ou seja, o de que o direito dos nossos dias é o racional, o necessário, o definitivo. A história do direito realiza esta missão sublinhando que o direito existe sempre “em sociedade” (situado, localizado) e que, seja qual for o modelo usado para descrever as suas relações com os contextos sociais (simbólicos, políticos, econômicos, etc.), as soluções jurídicas
32 HESPANHA, António Manuel. Cultura jurídica européia. Síntese de um milênio. 3ª. ed. Mem Martins/Portugal: Publicações Europa-América Ltda., 2003. p. 15/25.
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são sempre contingentes em relação a um dado envolvimento (ou ambiente). São, neste sentido, sempre locais.” 33
Assim, baseando-se nessa função crítica da história do direito, o presente trabalho
pretende desconstruir a afirmação de que o instituto da adoção foi extinto no século XIX bem
como de que naquela época apenas era possível a prática da adoção informal.
Para tanto, o presente trabalho utiliza as três áreas fundamentais do objeto da história
do direito: a história das fontes, a história das instituições e a história do pensamento
jurídico.34
Mário Júlio de Almeida Costa destaca a importância do estudo da história do direito
sob o ponto de vista dessas três áreas.
Com relação à história das fontes do direito, estas consideradas no sentido material 35,
o citado autor ressalta que, “visando a história do direito reconstruir os sistemas jurídicos do
passado, torna-se manifesto que terá de ocupar-se dos textos onde se encontram as respectivas
normas”. 36
No que se refere à história das instituições, tendo esta por objetivo estudar “o próprio
direito tal como se acha contido nas normas jurídicas das diferentes épocas”, não poderia tal
história se restringir ao estudo das instituições apenas pelas normas. Sob esse ponto de vista,
torna-se relevante verificar se, na prática, essas instituições eram vividas ou se constituíam
letra morta. 37
Com relação à terceira área da história do direito, Mário Júlio de Almeida Costa
ressalta que a história do pensamento jurídico “ocupa-se da atividade científica, cultural e
também prática que, em cada época, sempre acompanha o direito”. Assim, a história do
33 HESPANHA, António Manuel. Cultura jurídica européia. Síntese de um milênio. 3ª. ed. Mem Martins/Portugal: Publicações Europa-América Ltda., 2003. p. 15. 34 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 29. 35 Conforme Mário Júlio de Almeida Costa, fontes de direito no sentido material correspondem aos textos ou diplomas jurídicos. Ver: COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 29. 36 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 30. 37 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 30.
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pensamento jurídico se relaciona com a formação dos juristas, com as correntes doutrinárias e
com a literatura jurídica. 38
Portanto, um estudo no campo da história do direito não pode se restringir às fontes
jurídicas materiais, ou seja, às leis. É preciso ir além. Um estudo no campo da história do
direito deve abordar ainda a história das instituições e a história do pensamento jurídico.
Nesse sentido, o presente trabalho não poderia se restringir ao tratamento do instituto
da adoção baseado apenas na legislação vigente no século XIX.
Além disso, considerando a escassa legislação dedicada ao instituto no oitocentos, para
uma análise da regulamentação jurídica da adoção no período, imprescindível se faz um estudo
acerca da civilística da época. Como os civilistas brasileiros do século XIX tratavam o instituto
da adoção? Qual era a posição doutrinária da época?
Analisar o que os juristas naquela época escreviam sobre o tema é extremamente
importante. Se a adoção fosse um instituto irrelevante, qual a justificativa plausível para a
mesma constar dos projetos de Código Civil elaborados no século XIX? Por que ser
regulamentada no primeiro Código Civil brasileiro?
É diante de todo esse contexto que a presente dissertação pretende abordar a legislação
e doutrina brasileiras referentes à adoção no século XIX.
Assim, a partir do estudo das fontes do direito brasileiro, objetiva-se resgatar a
regulamentação jurídica da adoção no oitocentos e analisar como essa regulamentação foi
recepcionada pelo primeiro Código Civil brasileiro.
O Código Civil de 1916 foi considerado por muitos estudiosos o primeiro estatuto da
adoção.
Pode-se dizer que o primeiro Código Civil brasileiro inovou na regulamentação jurídica
da adoção? Esta é uma das indagações que o presente trabalho pretende responder.
Portanto, o objetivo deste trabalho não é abordar toda a legislação brasileira sobre a
adoção. Muito menos verificar a história do instituto desde as suas origens. Como destacado,
existem diversos trabalhos nesse sentido.
O intuito, neste momento, é verificar o que havia sobre adoção no ordenamento jurídico
vigente no Brasil no século XIX, mais precisamente após a independência do país e até a
entrada em vigor do primeiro Código Civil brasileiro, demonstrar qual era o entendimento dos
juristas da época sobre o instituto e analisar, com base nos elementos jurídicos apontados, os
38 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 31.
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motivos que levaram tantos pesquisadores e estudiosos a afirmarem a inexistência da prática
da adoção no século XIX.
Para tanto, leva-se em consideração as Ordenações Filipinas, o Direito Romano – à
época, considerado fonte subsidiária do texto filipino – , as legislações esparsas brasileiras do
referido período e algumas obras de civilistas da época.
Após destacar como a adoção era tratada na legislação e doutrina, pretende-se ainda
demonstrar a sua finalidade e prática na segunda metade do oitocentos, tomando-se como
referência, a Corte Imperial brasileira.
É relevante o recorte temporal realizado devido à existência de três normas jurídicas
que, embora não se referissem diretamente à adoção, interferiram na interpretação e aplicação
do instituto: o decreto de 11 de agosto de 1831, que tratou da sucessão de filhos ilegítimos; o
decreto de 31 de outubro de 1831, que alterou a maioridade; e a lei nº. 463 de 2 de setembro de
1847, que dispôs sobre a sucessão de filhos naturais.
Conforme se demonstrará, a adoção na segunda metade do século XIX tinha
finalidades específicas. E para compreender essas finalidades bem como a sua prática no
referido período, é imprescindível a análise de algumas normas jurídicas correlatas.
Além disso, para melhor compreensão da sua prática e finalidade no referido período,
necessário ainda distinguir a adoção dos demais institutos jurídicos relativos à filiação
existentes à época: a legitimação, a perfilhação solene e o reconhecimento de paternidade.
Com o intuito de direcionar as buscas a documentos históricos que pudessem
demonstrar a prática da adoção no referido lapso temporal, optou-se por verificar a sua prática
em um espaço determinado, sendo escolhida a Corte Imperial brasileira como campo de
pesquisa.
No século XIX, o Rio de Janeiro era a capital do Império do Brasil e, após a
independência, tornou-se o centro das funções estatais, de onde provinham todas as leis objeto
de estudo do presente trabalho.
Vale destacar ainda que no Rio de Janeiro encontra-se, atualmente, um dos maiores
acervos arquivísticos do país – o Arquivo Público Nacional, fonte de consulta para vários
pesquisadores, de todas as regiões do Brasil. 39
Nesse arquivo, foram encontrados documentos que permitirão, ao final, demonstrar as
finalidades e a prática da adoção no Rio de Janeiro, na segunda metade do século XIX.
39 O Arquivo Público Nacional foi criado em 1838. Atualmente é o órgão central do Sistema de Gestão de Documentos de Arquivos – SIGA da administração pública federal e integra a estrutura do Ministério da Justiça. Maiores informações em: http://www.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?tpl=home.
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Assim, a presente dissertação é dividida em cinco capítulos.
O primeiro capítulo visa demonstrar como o direito português regulamentava o
instituto da adoção. Este capítulo é importante devido ao processo de colonização do Brasil e
de formação do Estado brasileiro.
Após a independência política, em 1822, por força da lei de 20 de outubro de 1823, as
Ordenações Filipinas, corpo jurídico vigente à época em Portugal, passaram a vigorar no
Brasil Império. Assim, imprescindível se torna a análise do instituto da adoção no texto das
Ordenações Filipinas.
Além disso, ressalta-se a grande influência portuguesa no ensino jurídico brasileiro e
na elaboração de compêndios utilizados nos primeiros cursos jurídicos no Brasil, com
destaque para o civilista português Paschoal José de Melo Freire e sua obra Instituitiones
Juris Civilis Lusitani.
Entre os anos de 1789 e 1794, Melo Freire foi professor da Universidade de Coimbra e
elaborou um compêndio para o ensino do Direito Civil na referida universidade: as
Instituições de Direito Civil Português 40. O compêndio de Melo Freire foi utilizado no ensino
jurídico português até o início da década de 1840, quando então foi substituído pelo
compêndio de Coelho da Rocha. 41
Mas o que torna indispensável o estudo de sua obra no presente trabalho é o fato de
seu compêndio de Direito Civil ter sido utilizado nos primeiros cursos jurídicos do Brasil, até
ser substituído pelo compêndio de Lourenço Trigo de Loureiro. 42 Como será demonstrado,
Trigo de Loureiro, ao elaborar o compêndio brasileiro, baseou-se na obra de Melo Freire,
tendo sido fortemente influenciado pela civilística portuguesa.
Da mesma forma, outros juristas brasileiros também estudaram o compêndio
português. Assim, relevante é a análise da adoção nas Instituitiones Juris Civilis Lusitani de
Melo Freire.
40 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. O Direito Civil nas Academias Jurídicas do Império. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. 2008. p. 61/65. 41 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. O Direito Civil nas Academias Jurídicas do Império. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. 2008. p. 64. 42 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. O Direito Civil nas Academias Jurídicas do Império. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. 2008. p. 66.
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O segundo capítulo procura destacar a legislação referente à adoção vigente no Brasil
no período compreendido entre a sua a independência política e o advento do Código Civil de
1916.
Neste período, surgiram pouquíssimas normas jurídicas brasileiras referentes ao
instituto da adoção. Contudo, há a necessidade de destacá-las bem como de ressaltar algumas
normas correlatas que, indiretamente, influenciaram a prática do instituto.
Pretende-se ainda analisar a legislação referente à adoção distinguindo-a de outros
institutos jurídicos relativos à filiação existentes à época: a legitimação, a perfilhação solene e
o reconhecimento de paternidade.
O terceiro capítulo busca ressaltar como os civilistas brasileiros do oitocentos
entendiam o instituto da adoção. Alguns civilistas consideraram a adoção um instituto em
desuso, não chegando sequer a abordá-lo em suas obras. Outros já ressaltaram a sua
importância, tratando de sua regulamentação.
Além disso, considerando a escassa legislação brasileira destinada à regulamentação da
adoção no século XIX, uma abordagem acerca do posicionamento doutrinário da época sobre o
instituto se mostra essencial para verificar a prática da adoção no Brasil no referido período.
O quarto capítulo, considerando os elementos jurídicos destacados e com base em
documentos localizados no Arquivo Público Nacional do Rio de Janeiro, objetiva demonstrar
as finalidades e a prática da adoção na segunda metade do século XIX, tomando como
referência a Corte Imperial brasileira.
Por fim, o quinto e último capítulo busca verificar qual o tratamento jurídico dado ao
instituto da adoção no final do século XIX e no início do século XX, destacando como o
instituto foi recepcionado pelo Código Civil de 1916.
Espera-se, ao final, que a pesquisa realizada e as conclusões apontadas contribuam para
uma reflexão acerca do desenvolvimento jurídico da adoção bem como para futuros estudos
acerca do instituto no século XIX.
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1 A herança portuguesa
O estudo da legislação brasileira no período compreendido entre a independência e a
publicação do Código Civil de 1916 exige uma abordagem do ordenamento jurídico vigente
em Portugal no final do século XVIII e início do século XIX.
Isso porque a história do direito no Brasil não começa com o seu descobrimento.
Confunde-se, inicialmente, com a própria história do direito português. 43
O direito vigente no Brasil Colônia correspondia à legislação portuguesa contida nas
compilações de leis e costumes conhecidas como Ordenações Reais: as Ordenações Afonsinas
(1446), as Ordenações Manuelinas (1521) e as Ordenações Filipinas (1603), estas vigentes em
Portugal e aplicadas na colônia brasileira à época da independência. 44
Logo após a independência política do Brasil, por força da lei de 20 de outubro de
1823, um dos primeiros e mais importantes atos da Assembléia Geral Constituinte convocada
pelo Príncipe Regente Pedro I, as Ordenações Filipinas e demais atos normativos vigentes em
Portugal passaram a vigorar no Império brasileiro. A partir de então, o Governo Imperial
passou a editar novas leis e novos atos normativos, estes considerados os primeiros
dispositivos legais brasileiros. 45
Assim, durante todo o período colonial, a história do direito brasileiro permaneceu
intimamente ligada à história do direito português. Apenas com a independência política do
Brasil, em 1822, pode-se afirmar que a história do direito brasileiro iniciou seu próprio
curso.46
Desta forma, não seria possível estudar o instituto da adoção no Brasil no século XIX
sem abordar, primeiramente, a história do direito português e o tratamento jurídico dado à
adoção em Portugal à época da independência.
Nesse sentido, o presente capítulo apresenta sinteticamente a história do direito
português com o intuito de, posteriormente, destacar como o ordenamento jurídico e a
43 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à História do Direito Privado e da Codificação. 2ª. ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008. p. 43. 44 WOLKMER, Antônio Carlos. História do Direito no Brasil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 61. 45 CÂMARA, José Gomes B. . Subsídios para a História do Direito Pátrio. Tomo III. 1822-1889. Rio de Janeiro: Livraria Brasiliana Editora, 1966. p. 54. 46 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à História do Direito Privado e da Codificação. 2ª. ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008. p. 43.
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civilística portugueses tratavam o instituto da adoção na passagem do século XVIII para o
século XIX.
1.1 O ordenamento jurídico português no período da independência do Brasil
Para compreender como o ordenamento jurídico português tratava a adoção no final do
século XVIII e início do século XIX, é necessário verificar o Direito vigente em Portugal no
referido período.
Ressalte-se que o presente trabalho não tem por objetivo estudar a história do direito
português. Pretende-se, nesse momento, destacar e compreender as fontes do direito que
embasaram o ordenamento jurídico português no final do século XVIII e início do século XIX
uma vez que, como observado, após a independência do Brasil, o ordenamento jurídico
vigente em Portugal passou a vigorar no Império brasileiro. 47
No século XII, o direito português correspondia a um direito rudimentar, baseado nos
costumes, nos forais, em algumas leis gerais dos monarcas e na atuação marcante do
tabelião.48
O direito romano existente nessa época era o direito romano vulgar, decorrente da
intensificação dos costumes locais e da simplificação do direito romano clássico. 49
Conforme Mário Júlio de Almeida Costa, o sistema jurídico da nacionalidade
portuguesa era caracterizado por instituições de tipo primitivo. Segundo o autor:
47 Sobre a história do direito português ver: COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996.; SILVA, Nuno J. Espinosa Gomes da. História do Direito Português. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006. 48 JUSTO, António dos Santos. O Direito Brasileiro: Raízes histórias. p. 03. Artigo disponível em: http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/dir_bras_raiz_hist.pdf 49 Segundo António Manuel Hespanha, dizer o direito havia se tornado uma atividade menos exigente e mais simplificada, tornando-se acessível aos leigos. Assim, o direito romano foi vulgarizado. Segundo o autor, essa vulgarização foi mais pronunciada nas províncias, em decorrência da influência dos direitos locais. Sobre direito vulgar ver: HESPANHA, António Manuel. Cultura Jurídica Européia. Síntese de um milênio. 3ª. ed. Mem Martins/Portugal: Publicações Europa-América Ltda., 2003. p. 89/108.
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“(...) Aos resíduos autóctones, que resistiram às diversas dominações estrangeiras da Península, acrescentaram-se sucessivamente: preceitos do chamado direito romano vulgar, fixados em virtude da permanência prolongada dos Romanos na Hispânia; influências canônicas, que se verificam quer indiretamente, mercê da legislação romana posterior a Constantino, quer diretamente, na época medieval; costumes germânicos, devidos sobretudo aos Suevos e aos Visigodos; restos visíveis provenientes dos Árabes, apesar da natureza confessional do seu direito; e mesmo outras influências, como a franca, motivada principalmente pelas colônias estabelecidas no solo peninsular.” 50
Por volta do ano de 1100, o direito cristalizado no Corpus iuris civilis passou a ser
estudado e difundido no Ocidente, em decorrência de um movimento que ficou conhecido
como “renascimento” do direito romano. 51
Esse “renascimento” teve origem nas universidades européias, principalmente na Itália
e na França. Não obstante ter iniciado além das fronteiras do Reino português, o
“renascimento” do direito romano chegou a Portugal, tendo o movimento ali se intensificado
a partir de meados do século XIII. 52
A “redescoberta” do Corpus iuris civilis ocorreu devido às novas formas de estudo do
direito romano desenvolvidas pelas Escolas dos Glosadores, dos Comentadores e dos
Humanistas.
No final do século XII e início do século XIII a Escola dos Glosadores buscou
compreender o texto romano por meio de explicações de suas passagens obscuras. Estas
explicações receberam o nome de glosas, que identificaram o novo método de estudo bem
como o nome da Escola e de seus representantes. 53
50 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 195. 51 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à História do Direito Privado e da Codificação. 2ª. ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008. p. 11.; COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 225. 52 Sobre a história do direito romano e as suas diversas fases de desenvolvimento antecedentes ao Corpus iuris civilis ver: CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito romano: o direito romano e o direito civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2001.; GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. Trad. A. M. Hespanha e L. M. Macaísta Malheiros. 3ª. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.; KASER, Max. Direito Privado Romano. Tradução de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle e revisão de Maria Armanda de Saint-Maurice. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999.; NÓBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1955.; SCIASCIA, Gaetano. Direito Romano e Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva S/A., 1947. 53 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à História do Direito Privado e da Codificação. 2ª. ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008. p. 13/15.
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Mas, para os glosadores, o direito romano era perfeito e, em decorrência disso, as
explicações (glosas) não extrapolavam o texto romano.
Assim, por volta do século XIV, surgiu a Escola dos Comentadores com um novo
método de estudo do Corpus iuris civilis.
Os comentadores inovaram na medida em que buscaram adaptar o texto romano à
realidade social, ou seja, buscaram adaptar o texto clássico do direito romano às necessidades
da época. 54
Alguns de seus representantes produziram comentários sobre o Corpus iuris civilis e
por isso essa escola recebeu o nome de “Comentadores”. 55
Pode-se dizer que a consolidação do direito romano no ocidente se deu com esta
Escola e que a intensificação de seus estudos contribuiu para a proliferação do direito romano
em Portugal.
Paralelamente ao “renascimento” do direito romano e em decorrência da forte
influência do Cristianismo, começaram a surgir no Reino português coletâneas mais
elaboradas de direito canônico, o que contribuiu para uma intensa atividade legislativa da
Igreja Católica. 56
Importante destacar que, em Portugal, o direito canônico sempre foi objeto de estudo e
aplicação. Desde o século XIII, o seu estudo nas universidades, juntamente com o direito
romano, teve caráter obrigatório para a formação de juristas em leis e cânones.57
Assim, pode-se dizer que nos séculos XIII e XIV, ao lado do direito próprio (ius
proprium), – normas jurídicas próprias – , o direito português passou a contemplar como fonte
jurídica o direito comum – ius commune – , um sistema composto de normas do direito
romano e do direito canônico. 58
No século XV e alcançando o século XVI, fatores políticos e econômicos contribuíram
para a ocorrência de transformações no âmbito jurídico.
54 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à História do Direito Privado e da Codificação. 2ª. ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008. p. 14. 55 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à História do Direito Privado e da Codificação. 2ª. ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008. p. 14. 56 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 246/249. 57 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 251. 58COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 254/255.
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À época, as conquistas marítimas e a intensificação do comércio com o Oriente
ocasionaram a acumulação de riquezas e o incentivo na produção artística. Nesse período,
conhecido historicamente por Renascimento, em que a característica principal era o
antropocentrismo, ocorreram várias transformações.
No âmbito jurídico, houve uma restauração erudita dos textos da antiguidade clássica
que, associada ao declínio da Escola dos Comentadores, ocasionou o desenvolvimento de um
novo pensamento jurídico e de uma nova forma de estudo do direito romano: o humanismo.
A Escola Humanista objetivou verificar o exato significado dos textos clássicos e
entender o contexto de criação das regras jurídicas romanas. 59
Os humanistas acreditavam na primazia do Corpus iuris civilis. Contudo, a abordagem
por eles realizada era diferente do método de estudo dos glosadores e dos comentadores.
Com o humanismo jurídico procurou-se realizar uma nova forma de interpretação da
lei, destacando-se a autonomia interpretativa do jurista. 60
Não obstante a importância da Escola Humanista, Mário Júlio de Almeida Costa
destaca que os reflexos em Portugal decorrentes dessa nova exegese foram esporádicos.
Contudo, segundo o autor, o humanismo jurídico “lançou inegáveis sementes que o
setecentismo iluminista faria frutificar”. 61
Outro fator relevante da época se refere ao crescimento da ordem nacional soberana.
Em conseqüência desse crescimento, as fontes jurídicas do direito português sofreram
alterações.
A crescente influência dos direitos romano e canônico fortaleceu a atividade
legislativa do monarca, o que resultou no reforço da autoridade régia. 62
A centralização política foi concentrando a criação do direito no Rei, ocasionando o
fortalecimento do direito nacional, pátrio, régio e costumeiro, fruto da vontade ou da
59 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à História do Direito Privado e da Codificação. 2ª. ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008. p. 14/15. 60 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 321/323. 61 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 324/326. 62 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 256/259.
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tolerância do soberano e, em contrapartida, em detrimento dos direitos romanista e
canonista.63
O resultado dessas transformações, para o direito português, foi a aplicação dos
direitos romano e canônico como fonte subsidiária, passando tais fontes jurídicas a serem
aplicadas nos casos concretos que não podiam ser solucionados com a aplicação do direito
próprio.
Nesse sentido, Mário Júlio de Almeida Costa ensina que:
“Parece de sustentar, de um modo geral, que, durante os séculos XII e XIII, o direito comum, pelo menos num plano teórico, se sobrepôs às fontes com ele concorrentes. Seguiu-se nas duas centúrias imediatas, um período de relativo equilíbrio, pois os direitos próprios foram-se afirmando como fontes primaciais dos respectivos ordenamentos e o direito comum tendeu a passar ao simples posto de fonte jurídica subsidiária. O termo desse ciclo, em começo do século XVI, dá-se com a independência plena do “ius proprium”, que se torna a exclusiva fonte normativa imediata, assumindo o “ius commune” o papel de fonte subsidiária apenas mercê da autoridade ou legitimidade conferida pelo soberano, que personifica o Estado.” 64
Assim, o ordenamento jurídico português no período que antecedeu ao surgimento das
Ordenações contemplava como fontes jurídicas o direito próprio (várias normas jurídicas
legislativas e consuetudinárias) e, subsidiariamente, o direito comum (direito romano e direito
canônico). 65
Também em decorrência do fortalecimento do direito nacional, pátrio e régio e da
intensa atividade legislativa do monarca, surgiu um grande número de diplomas e normas
esparsos, o que passou a dificultar a aplicação do Direito, causando muita confusão e
insegurança jurídica.
Este fato fez com que, em meados do século XV, D. João I, então Rei de Portugal,
ordenasse a elaboração de uma coletânea das normas vigentes no Reino português.
63 LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. Lições Introdutórias. São Paulo: Editora Max Limonad, 2000. p. 214. 64 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 255. 65 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 256/269.
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Essa coletânea de normas foi concluída por volta dos anos de 1446 e 1447, e recebeu o
nome de Ordenações Afonsinas, em homenagem à D. Afonso V, herdeiro do trono português
à época, mas que devido a sua menoridade, não chegou a assumi-lo. 66
As Ordenações Afonsinas não representaram uma inovação no ordenamento jurídico
português, pois se trataram de uma organização sistêmica das fontes jurídicas anteriores. Mas
podem ser consideradas, nas palavras de Mário Júlio de Almeida Costa, o “suporte da
evolução subsequente do direito português”. 67
No século XVI, mais precisamente em 1505, D. Manuel, então rei de Portugal,
encarregou alguns juristas de atualizar as Ordenações Afonsinas, suprimindo, acrescentando
ou alterando o que fosse necessário. 68
Essa atualização resultou na elaboração de uma nova compilação de leis: as
Ordenações Manuelinas, no ano de 1521.
Embora as Ordenações Manuelinas tenham realizado algumas alterações consideráveis
com relação ao conteúdo das Ordenações Afonsinas foram mantidas a estrutura e a
distribuição das matérias da coletânea real anterior.
Entre as alterações promovidas, destacam-se a expressa adoção do direito comum
como fonte subsidiária do direito nacional e a interpretação vinculativa da lei através dos
assentos da Casa da Suplicação. 69
Os assentos da Casa da Suplicação se referiam às dúvidas de desembargadores desse
Tribunal sobre algum entendimento. Caso houvesse dúvidas sobre o entendimento de algum
preceito, as mesmas deveriam ser levadas ao regedor da Casa de Suplicação, que convocaria
outros desembargadores para, conjuntamente, fixarem a interpretação mais adequada.
66 À época, Portugal era governado pelo rei D. João I, que vendo o caos em que se encontrava o ordenamento jurídico, encarregou João Mendes, corregedor da Corte, de elaborar a referida coletânea. Mas, devido ao falecimento de ambos, a tarefa não chegou a ser concluída. O sucessor de D. João I, D. Duarte, decidiu dar continuidade aos trabalhos iniciados por João Mendes, confiando a tarefa ao Dr. Rui Fernandes, jurista que compunha o conselho do rei. Mas D. Duarte também faleceu. Com a morte de D. Duarte, assumiria o trono D. Afonso V. Contudo, devido a sua menoridade, assumiu D. Pedro como regente. D. Pedro também impulsionou a elaboração da referida coletânea de normas, vindo o Dr. Rui Fernandes terminar a referida obra em 1446. Informações obtidas em: COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 274. 67 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 277/279. 68 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 281. 69 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 284.
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Subsistindo as dúvidas, o regedor da Casa da Suplicação as submeteria ao monarca. As
soluções definidas nos assentos da Casa de Suplicação vinculavam as decisões de futuros
casos idênticos. 70
Com o tempo, ao lado das Ordenações Manuelinas, passaram a vigorar novamente
inúmeros diplomas avulsos e uma série de interpretações vinculativas dos assentos da Casa de
Suplicação. 71
Assim, Portugal se viu diante da necessidade de elaborar uma nova coletânea jurídica
que permitisse a interpretação e a aplicação do direito de forma mais segura.
Nesse sentido, o Cardeal D. Henrique, então regente na menoridade de D. Sebastião,
encarregou Duarte Nunes do Lião de organizar um repositório do direito extravagante que
vigorava paralelamente às Ordenações Manuelinas. 72
Este repositório de leis ficou conhecido como “Coleção das Leis Extravagantes de
Duarte Nunes do Lião”. 73
Mas a referida coletânea de Duarte Nunes não solucionou o problema, pois passaram a
vigorar em Portugal, simultaneamente, as Ordenações Manuelinas e as Leis Extravagantes.
Assim, havia a necessidade de reformar o ordenamento jurídico da época.
A solução encontrada foi a elaboração de um novo corpo normativo.
Os trabalhos preparatórios desse novo corpo legislativo se iniciaram entre 1583 e
1585, no reinado de Filipe I, e resultaram na coletânea que ficou conhecida como as
Ordenações Filipinas. As Ordenações Filipinas ficaram concluídas em 1595, mas apenas em
1603, no reinado de Filipe II, iniciou-se a sua vigência. 74
Vale destacar que as Ordenações Filipinas não contemplaram diferenças fundamentais
no conteúdo de seus livros.
Ressalta-se ainda que, mesmo após a sua vigência bem como de várias leis
extravagantes que foram surgindo ao longo dos anos, havia situações jurídicas que não foram
70 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 301. 71 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 285. 72 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 285/286. 73 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 287. 74 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 289.
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completamente disciplinadas. Ou seja, o texto filipino não conseguiu abarcar várias situações
jurídicas da época, deixando lacunas no ordenamento jurídico então vigente.
Assim, diante dessas lacunas, continuou a ser aplicado o direito subsidiário, o direito
romano e o direito canônico.
A aplicação do direito subsidiário era definida conforme a matéria envolvida no caso
concreto. Com relação à aplicação do direito romano e do direito canônico, Mário Júlio de
Almeida Costa ensina que:
“Na falta de direito nacional – como se observou, representado por lei, estilo da Corte ou costume – caberia utilizar, a antes de mais, o direito romano e o direito canônico. Em questões jurídicas de natureza temporal, a prioridade pertencia ao direito romano, exceto se da sua aplicação resultasse pecado. Portanto, o direito canônico prevalecia sobre o direito romano nas matérias de ordem espiritual e nas temporais em que a observância deste último conduzisse o pecado (“ratio peccati”), quer dizer, se mostrasse contrária à moral cristã. (...) Se o caso omisso não fosse decidido diretamente pelos textos de direito romano ou de direito canônico, nos termos referidos, devia atender-se à Glosa de Acúrsio e, em seguida, à opinião de Bártolo ainda que outros doutores se pronunciassem de modo diverso.” 75
Assim, o direito canônico era destinado à regulamentação de questões jurídicas de
ordem espiritual, cabendo ao direito romano regulamentar matérias temporais.
Se o direito nacional, o direito romano e o direito canônico não solucionassem os
casos omissos, cabia ao rei dar a solução, sendo sua decisão vinculante a todos os feitos
semelhantes. 76
As Ordenações Filipinas vigoraram em Portugal por mais de dois séculos, até o
advento do primeiro Código Civil português, na segunda metade do século XIX.
Entretanto, devido a diversos fatores de ordem política, econômica e social ocorridos
entre os séculos XVII e XIX, embora as Ordenações Filipinas continuassem vigentes, o
direito português passou por profundas mudanças, que refletiram diretamente na aplicação de
suas fontes jurídicas.
Como destacado, os reflexos do humanismo jurídico do século XVI em Portugal
foram esporádicos, mas contribuíram para o movimento que nos séculos XVII e XVIII
provocou profundas alterações na aplicação das fontes jurídicas do direito português.
75 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 312/313. 76 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 313.
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No século XVII, surgiu uma forma de pensamento que buscou difundir pela Europa
uma nova mentalidade, caracterizada pelo uso da razão em detrimento da autoridade. 77
O apogeu deste movimento ocorreu no século XVIII e ficou conhecido historicamente
por Iluminismo.
Os iluministas acreditavam que o pensamento racional deveria substituir as crenças
religiosas e o misticismo. Defendiam o domínio da razão humana sobre a visão teocêntrica
que dominou a Europa desde a Idade Média. 78
No campo do direito, o iluminismo pregou a luta da razão contra a autoridade.
Procurou combater a desigualdade perante a lei, as limitações às pessoas e à propriedade, as
intervenções arbitrárias dos governantes e a excessiva ingerência da Igreja na política.79
Para os iluministas, o estudo racional do direito possibilitava descobrir os princípios
que deveriam reger a vida em sociedade. A partir desses princípios se seguiriam outros,
construindo-se, assim, um completo sistema normativo. 80
Essas ideias jusracionalistas tiveram uma enorme influência no campo do Direito,
especialmente, na ciência jurídica positiva. Além disso, levou a uma reformulação da ciência
jurídica da época e à criação de um novo sistema fontes.
Especificamente com relação ao direito privado, Giordano Bruno Soares Roberto
destaca que:
“Nesse período, as teorias jusracionalistas permitiram que a ciência de direito privado se libertasse de sua conhecida submissão às fontes romanas e às antigas autoridades, sugerindo, ao mesmo tempo, a possibilidade de se construir um sistema jurídico novo e autônomo. (...) Contudo, a mais importante contribuição do jusnaturalismo para o direito privado moderno foi o seu sistema. Sobretudo a partir de Pufendorf, os jusnaturalistas começaram a pensar o direito como um sistema fechado que, partindo de alguns axiomas, tornaria possível a dedução de todas as outras regras.” 81
77 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à História do Direito Privado e da Codificação. 2ª. ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008. p. 17. 78 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à História do Direito Privado e da Codificação. 2ª. ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008. p. 20. 79 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à História do Direito Privado e da Codificação. 2ª. ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008. p. 17/18. 80 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à História do Direito Privado e da Codificação. 2ª. ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008. p. 20. 81 ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à História do Direito Privado e da Codificação. 2ª. ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008. p. 21/22.
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Os reflexos do iluminismo e das ideias jusracionalistas foram sentidos em vários
países europeus. Na França, influenciaram a Revolução Francesa, tendo ficado conhecido o
lema “liberdade, igualdade e fraternidade”. Na Alemanha, refletiram na fundação de novas
Universidades e de novas correntes de pensamento jurídico. 82
Mas os reflexos do iluminismo e do jusracionalismo ultrapassaram essas fronteiras.
As ideias iluministas e jusracionalistas chegaram a Portugal e conduziram a renovação
científica do direito português, transformando a exegese jurídica, a aplicação das fontes do
direito e o ensino jurídico portugueses. 83
Conforme ressaltado, as fontes jurídicas do direito português eram as Ordenações
Filipinas e, subsidiariamente, o direito comum, as opiniões de Acúrsio e Bártolo e ainda a
vontade do rei.
Com o iluminismo e com as ideias jusracionalistas há uma alteração na aplicação
dessas fontes subsidiárias. Mantém-se a vontade do monarca, mas ocorre a substituição das
demais fontes de direito pelo uso da razão. 84
Assim, no século XVIII, surgiram correntes doutrinárias que buscaram estudar e
aplicar o direito romano “com os olhos postos na realidade”. 85
Na Alemanha, destacou-se a corrente do usus modernus. A expressão usus modernus
pandectarum representou a tendência do método de estudo e aplicação do direito romano na
medida em que este fosse adaptado às novas exigências, à nova realidade. 86
Pode-se dizer que a corrente alemã do usus modernus traduziu as ideias jusracionalista
para o campo do direito. 87
82 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 361. 83 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 361. 84 SILVA, Nuno. J. Espinosa Gomes da. História do Direito Português. Fontes de Direito. 4ª. ed. revista e atualizada. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006. p. 464. 85 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 357. 86 SILVA, Nuno. J. Espinosa Gomes da. História do Direito Português. Fontes de Direito. 4ª. ed. revista e atualizada. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006. p. 459/460. 87 Mário Júlio de Almeida Costa destaca a distinção entre a corrente do uso moderno e a escola jusracionalista. Segundo o autor, o jusracionalismo consistiu em uma escola filosófica e de jurisprudência teórica, enquanto o uso moderno se consubstanciou em uma orientação teórico-prática ligada à vida concreta. Ver: COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 358.
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Assim, com relação à aplicação do direito romano como fonte subsidiária, a tendência
da época era identificar no sistema do Corpus iuris civilis o que ainda podia ser aplicado e o
que era obsoleto. Importava em distinguir as normas adaptadas às exigências do tempo
daquelas que correspondiam às circunstâncias romanas peculiares. Apenas as normas
adaptadas deveriam ser aplicadas. 88
Em Portugal, os reflexos do Iluminismo e das ideias jusracionalistas puderam ser
sentidas com as alterações promovidas por Marquês de Pombal. 89
Entre as alterações promovidas por Pombal, destacam-se a sistematização das fontes
do direito português e a reformulação do ensino jurídico na Universidade de Coimbra.
Em 1769, por meio da edição de uma lei datada de 18 de agosto, Marquês de Pombal
realizou a sistematização das fontes do direito português.
Esta lei fazia menção expressa às ideias iluministas e jusracionalistas, fazendo um
apelo aos preceitos da “boa razão”. 90
Segundo Mário Júlio de Almeida Costa, a “Lei da Boa Razão” visou “fixar normas
precisas sobre a validade do costume e os elementos a que o intérprete podia recorrer para o
preenchimento das lacunas” do ordenamento jurídico. 91
A referida lei reafirmava a regra segundo a qual os casos submetidos à apreciação dos
tribunais deveriam ser julgados primeiramente pelas leis pátrias e pelos estilos da Corte –
jurisprudência observada em casos idênticos. Além disso, proibia a utilização das glosas de
Acúrsio e das opiniões de Bártolo em juízo e conferida autoridade exclusiva aos assentos da
Casa da Suplicação. 92
Mas para o objeto de estudo da presente dissertação, importante destacar as alterações
promovidas pela “Lei da Boa Razão” com relação à aplicação das fontes subsidiárias do
direito português: o direito romano e o direito canônico.
88 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 357. 89 Marquês de Pombal foi ministro em Portugal. Durante sua atuação como ministro, Pombal fez muitas reformas. Entre elas, destacam-se a expulsão dos jesuítas de Portugal e das colônias brasileiras e a reforma no ensino jurídico português, com a edição dos novos Estatutos da Universidade de Coimbra. 90 Devido à referência à utilização da razão jusnaturalista, a lei de 18 de agosto de 1769 ficou conhecida como “Lei da Boa Razão”. 91 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 366. 92 SILVA, Nuno. J. Espinosa Gomes da. História do Direito Português. Fontes de Direito. 4ª. ed. revista e atualizada. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006. p. 471.
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Conforme destacado, o direito romano e o direito canônico eram fontes subsidiárias
das Ordenações Filipinas.
Com relação ao direito romano, ressaltou-se que, nos séculos XVII e XVIII, surgiram
na Europa algumas correntes doutrinárias que procuraram aplicar o direito romano adaptando-
o às exigências da época. Entre essas correntes, destacou-se a corrente alemã do uso moderno.
No mesmo sentido, a “Lei da Boa Razão”, determinou que o direito romano somente
fosse aplicado quando, no caso concreto, se mostrasse concordante com a boa razão. 93
Já com relação ao direito canônico, a “Lei da Boa Razão” o excluiu do rol de fontes
subsidiárias do direito português. De acordo com a referida lei, o direito canônico passou a ser
aplicado apenas nos tribunais eclesiásticos. 94
Mas além de sistematizar as fontes do direito português, Marquês de Pombal
reformulou o ensino jurídico na Universidade de Coimbra.
Em 1772, na mesma esteira da “Lei da Boa Razão”, Marquês de Pombal, por meio da
Carta de Lei de 28 de agosto, editou os novos estatutos da Universidade de Coimbra – que
ficaram conhecidos como Estatutos Pombalinos.
A reforma pombalina promovida pelos novos estatutos proibiu o uso do tradicional
método escolástico e, em consonância com a nova ordem de fontes estabelecida pela “Lei da
Boa Razão”, determinou que fosse evitado o ensino indiscriminado do direito romano,
tentando reforçar o ensino do direito pátrio. 95
Assim, nas palavras de Mário Júlio de Almeida Costa, pode-se dizer que os Estatutos
Pombalinos:
“(...) fixaram um conjunto de regras destinadas a aferir – quer no ensino, quer na atividade dos tribunais – a boa razão dos textos romanos. Além dessas regras, aponta-se ao interprete o critério prático de averiguar qual o “uso moderno” que dos preceitos romanos em causa faziam os jurisconsultos das nações européias modernas.” 96
93 SILVA, Nuno. J. Espinosa Gomes da. História do Direito Português. Fontes de Direito. 4ª. ed. revista e atualizada. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006. p. 465. 94 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 371. 95 LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. Lições Introdutórias. São Paulo: Editora Max Limonad, 2000. p. 228/229. 96 COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª. ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 1996. p. 370.
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Assim, as alterações ocorridas no século XVIII nos países europeus, decorrentes das
ideias iluministas e jusracionalistas, permitiram que “a ciência de direito privado se libertasse
de sua conhecida submissão às fontes romanas e às antigas autoridades” e construísse um
sistema jurídico novo e autônomo. 97
Essa nova concepção de sistema jurídico fundamentou o movimento iniciado no final
do século XVIII conhecido como movimento da codificação. 98
Nesse processo de codificação, em especial do direito privado, o Código Civil
Francês, de 1804, influenciou decisivamente a elaboração dos códigos civis dos demais países
europeus, e também da América Latina. 99
Em Portugal, o primeiro Código Civil foi concluído em 1867.
Desta forma, as Ordenações Filipinas foram a base do ordenamento jurídico português
até a entrada em vigor do Código Civil de 1 de julho de 1867, sendo a coletânea normativa
mais duradoura em Portugal, aplicada por mais de dois séculos. 100
Portanto, o ordenamento jurídico em Portugal no final do século XVIII e início do
século XIX era composto das Ordenações Filipinas e do direito romano, este aplicado como
fonte subsidiária e de acordo com a boa razão e o uso moderno. A aplicação do direito
canônico restringia-se às causas de competência dos tribunais eclesiásticos, deixando de ser
aplicado, após vigência da “Lei da B
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